É engraçado que a história simples e direta não torne fácil escrever sobre esse filme. Eu mesmo, duas horas após a sessão, ainda não absorvi direito a experiência. Estou um pouco chocado, para ser sincero. A única certeza é a de que Avatar - Caminho da Água é um filme especial e importante. Vejamos, em plena era digital, com o ser humano notoriamente tornando-se mais impaciente, apático, cínico, além de escravo de narrativas rápidas e verborrágicas, James Cameron retorna de um longo hiato com uma narrativa de três horas e narrada predominantemente em linguagem visual. Seu filme nos desafia a contemplar a beleza, nos emocionar com a poesia e acompanhar pacientemente duas horas de apresentação dos personagens e suas relações, para só depois termos a recompensa do clímax (diga-se de passagem, o mais apoteótico da carreira do diretor). O resultado? Uma das experiências mais hipnóticas, quase lisérgicas, que lembro de ter vivido. A quem estiver pensando em deixar para ver em casa, não se engane: o próprio propósito primário do filme é nos lembrar de que há experiências que só podem ser vividas numa sala de cinema. Com suas inimitáveis habilidades, Cameron entra no clube de Meliés, Grifitt, Lang, Selznick, Capra, DeMille, Lean e Spielberg, os artistas que levaram o povo em massa aos cinemas para sonhar um sonho coletivo, se expurgar, lavar a alma, como aconteceu comigo hoje. Um salve especial a meu amigo @betobolliger, que correu mandar mensagem pra mim após ver o filme. Ele sabia o quanto eu ia amar. #AvatarTheWayOfWater
MANO Eu queria assistir a alguma coisa divertida, que melhorasse o astral, mas que não fosse uma comédia comum. Aí lembrei que um dos filmes que vi mais vezes na vida, acompanhado de meus irmãos, foi Tiny Toons - Férias Animadas e resolvi rever. Não poderia ter feito melhor escolha. O filme é uma coleção interminável de referências, sempre satíricas, a símbolos da cultura americana. É tão frenético que se você piscar perde três, quatro ou mais detalhes. A narrativa acompanha dois road movies que se encontrarão no final. Em um, Perninha e Lilica estão perdidos no Mississipi, o que gera uma coleção de pérolas ofensivas e violentas, como são, aliás 99% das gags do filme. O outro, meu preferido, é o da família Porco levando o Plucky para conhecer um parque de diversões na California. Não hesito em afirmar que é uma das melhores sátiras do comportamento do americano médio como consumidor de entretenimento ou de qualquer produto que seja. Me lembrou de quando fui ao Disneyland na California e vi famílias inteiras de pessoas com cara de bunda, comendo como porcos, comprando todo e qualquer cacareco que viam e sorrindo apenas na hora de tirar fotos. Outro segmento épico é o do multiplex, que ironiza tanto o público quanto a indústria do cinema e, claro, a saga de Felicia, a perversa que "ama animais" em busca de seu gatinho (coitado). Há caricaturas de diversas personalidades, como Johnny Depp, Oprah Winfrey, vários apresentadores de talk shows, Woody Allen, Tina Turner e outros. Minha preferida é a cena que recria o infame episódio em que a comediante Roseane Barr ironizou o hino nacional americano (e perdeu a carreira, graças à falta de senso de humor na America, como definiu Madonna na época). E o que falar do psicopata que pede carona aos Porcos na California? Perversamente genial. O fato é que é literalmente impossível descrever detalhadamente essa produção de Steven Spielberg com a Warner. É uma das maiores metralhadoras de tiradas geniais por segundo que já vi. Ri demais e tô com um sorrisão no rosto. Fiz a escolha certa.
Vamos direto ao ponto: ruim de doer! A Hora do Pesadelo 3 - Os Guerreiros dos Sonhos costuma ser apontado como a melhor continuação, ou pior, o melhor filme da saga de Freddy Krueger. Revendo o filme hoje, após muitos anos, tal curiosidade me parece um mistério. Meu palpite é que se trata de pura nostalgia de quem foi moleque nos anos 80 e 90, já que o filme é uma escancarada traição ao conceito original de Wes Craven e ao próprio gênero em que supostamente se insere.
A impressão que tive é a de que todo o alto orçamento foi gasto nos belos cenários e nos criativos efeitos especiais. As cenas de pesadelos tem bons achados, quase sempre voltados para o humor negro, mas nenhuma delas é particularmente marcante ou assustadora. No terceiro ato, o filme descamba para o pastelão completo e torna-se uma aventurinha da Sessão da Tarde, daquelas bem esquecíveis que nos faziam torcer pela próxima reprise de Os Goonies. A cena em que um dos moleques protagonistas se transforma em Harry Potter antes de Harry Potter existir me fez ter vontade de cavar um buraco e me enfiar lá para sempre. "Cringe", diriam os teenagers de hoje.
E Freddy? Bom, Robert Englund é sempre perfeito nesse papel, no entanto, o filme não dá a ele uma única chance de se mostrar realmente ameaçador, coisa que até a odiada parte 2 tem de sobra. O que ele faz é surgir do nada para causar susto, matar a vítima de maneira violenta e depois fazer uma piadinha sarcástica. Boring.
A pior parte, no entanto, que me deu vontade de quebrar alguma coisa para extravasar a raiva, foi o fato de terem arrumado uma solução cristã conservadora para a conclusão da história. PELO AMOR DE SÃO CARPENTER, o filme de Wes Craven, como toda sua obra, era violentamente anticonservador. É uma tremenda ofensa esse papo de mãe freira, água benta e crucifixo mágico num filme dedicado ao maior personagem criado por um dos grandes mestres do terror badass!
Uma estrela pelos cuidados técnicos. Para o resto, aquele ZERO bem gostoso.
"Viva o cinema independente!", brinda o diretor do filme dentro do filme X, do genial Ti West, que acabo de assistir pela prima vez, após calorosas recomendações dos amigos. West, que já havia prestado claras homenagens ao cinema B dos anos 70 em seu belíssimo A Casa do Diabo, aqui fez um dos mais complexos exercícios de metalinguagem de que consigo recordar. Em X, West coloca uma equipe de jovens aspirantes a estrelas fazendo um filme pornográfico numa fazenda no Texas, no final dos anos 70. Simbólico até demais. RJ, o tal diretor apaixonado pela ideia de cinema independente é, assim como Ti West, um garoto tentando fazer um tipo marginalizado de cinema, só que da maneira mais autoral possível - e a ideia de colocá-lo no filme como diretor de pornografia é francamente brilhante. Também como West, RJ se vê confrontado pela afirmação de que deve seguir as regras de como filmes são feitos e entregar ao público o que ele espera. A contragosto, RJ acaba filmando uma cena que vinha de encontro à visão que tinha sobre o que deveria ser sua obra. Na cena, seguinte, RJ aparece tomando banho, como se tentasse se lavar do pecado por ter se vendido às convenções de uma indústria. O que acontece em seguida é ainda mais simbólico, mas não devo revelar para não estragar a surpresa de quem ainda não viu o filme. O destino de RJ me fez lembrar do início do filme, quando o grupo chega ao Texas e a câmera faz um longo e aberto registro da gigantesca indústria poluente que há lá. Ao longo da projeção, muitas vezes vemos um pastor pregando na televisão. Os vilões do filme são um casal de texanos quase moribundos, invejosos da juventude alheia, que destroem os sonhos dos jovens talentosos que tentam produzir um filme naquelas terras. Após o rápido detalhe que revela a identidade de um dos personagens, bem no final, é só ligar os pontos e concluir que esse filme é basicamente Ti West, um dos maiores diretores de cinema independente da atualidade, retratando Hollywood como uma indústria conservadora, caquéticamente antiquada, que passou por cima de muitos talentos, destruiu a visão de muitos artistas, mas que finalmente está tendo que encarar o gigantesco foda-se que o cinema independente, sem regras, sem moralismos tem dado. Quase aplaudi sozinho quando os créditos finais começaram a subir.
Como indica o subtítulo, A Queda trata dos últimos dias de vida de Adolf Hitler. Mostra o ditador totalmente dominado pela loucura, propondo ideias que mesmo seus maiores apoiadores se recusam a obedecer. A primeira grande contribuição do filme, a meu ver, é justamente uma característica que levou muitas pessoas – limitadas? – a repudiá-lo: ao evitar o retrato de Hitler como um monstro, para mostrá- lo como um ser humano capaz de saltar de um ato de delicadeza para um de completa desumanidade, o filme torna Hitler mais ameaçador do que nunca, sensação realçada pela inacreditável atuação de Bruno Ganz. Pergunto: o que assusta mais? Uma pessoa obviamente louca, de quem qualquer um manteria distância, ou uma dócil e simpática, mas capaz de atrocidades? O próximo tirano pode estar confortavelmente infiltrado entre nós, sem que possamos notá-lo. Isso sim dá medo! A Queda me parece oferecer uma das abordagens mais originais e corajosas sobre o nazismo no cinema. É um filme de muito valor. O desespero dos seguidores de Hitler quando percebem que o Terceiro Reich acabou me comove. Não por identificação, óbvio, mas pela tristeza de perceber que aquelas pessoas tinham plena convicção de que faziam parte de algo bom e importante. Estavam tão envenenadas que não eram capazes de perceber o lixo que se tornaram e as consequências incontornáveis de seus atos. Ver uma mãe literalmente envenenando os filhos enquanto dormem, por não se conformar em saber que cresceriam num mundo sem Nacional Socialismo, me traz lágrimas aos olhos. A que ponto alguém é capaz de chegar em nome de uma ideologia? Uma que não tem nada de natural, que foi plantada e cultivada por pessoas poderosas e mal-intencionadas? Não responde minhas dúvidas, talvez eternas, mas me reconecta à revolta, criada pela constatação de que a fraqueza faz com que os seres humanos prefiram se deixar dominar por falácias – que supostamente preenchem o vazio de suas vidas – a apegar-se a algo palpável e justo.
Resolvi rever Baile de Formatura 3, de Ron Oliver, a terceira parte da série Prom Night, que começou com um filmeco que só é cultuado até hoje por ter Jamie Lee Curtis no elenco.
CARA...
O chulé desse filme não quer abandonar minhas narinas, mas eu preciso dizer que adorei rever essa bosta! Achei o filme num canal dedicado ao lendário Cine Trash, da Band, com a dublagem original, o que adicionou muito à experiência.
VÉIO...
Tem uma cena em que a ridícula vilã arrebenta uma porta, olha para a loira monga que tava na sala e diz:
"SUA VAGABUNDINHA!"
Eu revi umas 20 vezes e chorei de rir em todas.
O filme tem bons achados em matéria de sátira sociocultural e corportamental, como 99% dos filmes trash dos anos 80 (esse é de 1990 mas parece a coisa mais 80's já feita). Tirando isso, tudo é kitsch, camp, podre, escroto, nojento, fedido e... maravilhoso!
As cenas que se passam no inferno são deliciosas, tanto por sua criatividade quanto por sua podreira que se orgulha de assim ser.
O final é épico, uma das coisas mais WTF? que já vi.
CARA... que filme! (de merda)
Aos escravos da ditadura do bom gosto, um martírio. Aos amantes da indispensável cultura trash, um deleite.
Estou extasiado com minha revisão do cult classic Slumber Party Massacre, da diretora Rita Mae Brown, lançado há exatos 40 anos. Vi o filme pela primeira vez em meados de 1999 e achei um saco. Pra quê rever então? Ora, minha visão sobre os filmes de terror mudou substancialmente ao longo dos anos, mas o que realmente me pegou foi ler e ver, repetidas vezes, esse filme sendo citado como um símbolo de empoderamento feminino. Vamos lá: a trama de Slumber Party Massacre é basicamente a mesma de Halloween, de John Carpenter. Um maníaco foge do manicômio e passa a perseguir jovens moças. No entanto, prestando atenção aos detalhes e à maneira como a narrativa se expõe na tela, esse filme se mostra bastante distinto do clássico que o inspirou. O vilão do filme ataca utilizando como arma uma enorme furadeira, que as escolhas da diretora espertamente transformam num símbolo fálico. Os métodos, os trejeitos, as escolhas e a face do assassino não deixam dúvidas: trata-se de um estuprador, mesmo que nenhum de seus ataques seja mostrado explicitamente como um estupro. As garotas, aliás, sentem-se constantemente ameaçadas, mesmo antes de saberem da presença do agressor, como se soubessem de alguma maneira que o perigo pode estar em qualquer lugar. Os meninos, mesmo que com intenções pueris, as enxergam como objetos sexuais, aumentando ainda mais a sensação de perigo iminente. Há no meio do filme um quadro absolutamente brilhante, que acabou se tornando a imagem mais associada a essa obra: aquele em que a vítima é enquadrada entre as pernas do agressor, com sua arma fálica em frente à face dela. Os apreciadores da semiotica aplaudem. Mais tarde, outra cena fantástica é aquela em que o agressor intimida a vítima dizendo "Você sabe que é isso o que você quer", deixando claro de uma vez todas que esse é um filme sobre a cultura do estupro. Mas o momento em que realmente vibrei foi aquele em que a mocinha cortou a furadeira ao meio com um facão! Precisa dizer algo mais? As mulheres desse filme revidam, e o fazem juntas. Slumber Party Massacre faz um chamado de conscientização sobre a violência sexual contra mulheres, mas as empodera, dizendo que juntas podem vencer o monstro. Um clássico do cinema B.
A primeira cena interessante do novo Hellraiser acontece aos exatos 112 minutos de filme. Em seguida, o filme termina.
Quem quiser parar de ler por aqui, fique à vontade. Eu também gostaria de ter parado de ver o filme antes que completasse o primeiro ato.
Se eu quisesse ver um grupo de jovens com incapacidades mentais fazendo burrice e morrendo, reveria os clássicos trash da série Sexta Feira 13. Se eu quisesse ver cenários cafonas, veria novela bíblica da Record. Se eu quisesse que os cenobitas só abrissem a boca para falar frases clicherosas, olharia o perfil de alguma amiga trevosa dark no Instagram. Se eu quisesse ver cenas de tortura encenadas como se o público devesse soltar fogos de artifício, veria as atrocidades cinematográficas de James Wan.
Mais do que tudo, se eu quisesse uma reviravolta digna do Scooby Doo, eu veria, well, Scooby Doo.
O auê em torno de mediocridades como essa me parece sintomático de uma época em que pouco se cria, mas muito se deve ao passado.
Serviu para me dar vontade de rever o original, esse sim um pesadelo inesquecível.
Ah, mas o visual dos cenobitas está impecável. Vai vender bastante boneco e fantasia de Halloween.
Jamais entenderia alguém que aponta Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) como um filme nocivo. Acreditem, essas pessoas ainda existem! Já vi uns moralistas afirmando que o filme nos incita a torcer por Alex, o personagem de Malcolm MacDowell. Isso jamais aconteceu comigo, e olha que vi o filme ao menos uma dúzia de vezes. Alex é um sujeito que espanca, estupra, sem consciência, sem remorso. É capturado e submetido a uma espécie de lavagem cerebral que o reprograma, “curando” sua amoralidade. Porém, os aspectos culturais e morais da sociedade em que foi criado permanecem os mesmos. Valores, crenças, nada muda. Será que a solução para a violência é “curar” os criminosos (algo que, no contexto do filme, seria equivalente a exterminá-los)? Não seria mais interessante tentar identificar o que os cria e então pensar no que deve ser mudado para impedir que mais pessoas sigam por esse caminho? Alex torna-se um robô humano, sem livre arbítrio. Ele para de cometer atos violentos, mas o custo é rebaixar-se ao autoritarismo não menos violento dos que o capturaram. Quer dizer então que existe a violência boa e a ruim? Uma anula a outra de alguma maneira? O filme reforça a ideia de que a violência faz parte da natureza humana, o que acaba acrescentando outro agressivo questionamento: quem é pior? Aquele que age violentamente sem motivo algum ou aquele que encontra argumentos para justificar a barbárie? Laranja Mecânica esmigalha muitos dos moralismos a que todos estamos acostumados. Alex ama música clássica, que o emociona, reúne-se com os amigos para beber leite, mora com a família e seu quarto é impecável. Ele é, afinal, um rapaz “decente”, mas isso não o impede de cometer brutalidades por diversão. Para mim, essa é a grande questão. De onde vêm os psicopatas? Será que a cultura hipócrita e conservadora que ainda rege o mundo “civilizado” não ajuda a criá-los? Não seria a incivilidade justamente fomentada pelos que tanto querem remediá-la, mas nada fazem para preveni-la? E não nos esqueçamos do principal: a essência de Alex permanece a mesma, sendo constantemente alimentada pela mediocridade que o cerca. A única diferença é que não consegue mais colocá-la em prática, o que diz tanto sobre ele quanto sobre os que o rodeiam. Kubrick filosofa sobre tudo isso com seus habituais delírios visuais e sonoros. É chocante e necessário.
Quando vi A Outra História Americana fiquei impressionado não apenas pela violência e dramaticidade, mas pela eloquência das discussões que o filme promove. Era algo de que precisava, um filme que me ajudasse a organizar as ideias que já possuía, mas não conseguia expressar. Só que interpretei a coisa toda de uma maneira talvez simplista, o que é compreensível. Na época, me parecia uma história de redenção, já que o personagem de Norton é um skin head que acaba fazendo amizade com um colega negro e largando a ideologia neonazista que antes seguia. Ok, isso está no filme, mas, passados mais de dez anos, revi e pude constatar que a questão é muito mais complexa. Os discursos racistas de Derek, personagem de Norton, são ao mesmo tempo ingênuos e assustadores. É óbvio o desinteresse do personagem por fatos, ele se apoia exclusivamente em argumentos e a convicção com que expõe ideias que foram claramente plantadas em seu cérebro é desconcertante por revelar sua fragilidade e, consequentemente, o potencial florescimento do ódio irracional que o levaria a atos extremos.
Depois da prisão, onde sente na própria pele as consequências do mesmo ódio que pregava, além de encontrar no algoz o verdadeiro sentido do companheirismo, Derek percebe que estava de certa maneira possuído, que aquele monstro não era ele. Digamos que seria uma redenção, mas o filme é corajoso o suficiente para não se contentar com tão pouco. As consequências de seus atos não param de ecoar, prejudicando a ele mesmo, aos que ama e a inocentes que nada têm a ver com ele. É um ciclo interminável, como uma praga, já que muitos dos prejudicados também sucumbirão às armadilhas do ódio e iniciarão outras ondas de violência.
O filme faz pensar sobre como as ações de homens como Hitler e semelhantes, que viveram há décadas, séculos, milênios, continuam a reverberar nos dias de hoje, numa eterna bola de neve. Um dos momentos mais fortes é a lembrança em flashback de um antigo almoço em família, onde o pai de Derek expõe suas noções preconceituosas, plantando a semente que levou à ruína sua família e as das vítimas de seus filhos. Sim, a origem da barbárie pode estar na família e não no videogame, na televisão ou no cinema. Digamos que, após a “cura”, Derek tenha tentado salvar o irmão (interpretado pelo icônico Edward Furlong, o John Connor de Exterminador do Futuro 2). Mas a semente já havia germinado e dado frutos, era tarde demais. Tony Kaye encerra seu filme numa nota bem mais realista que a falsa redenção à qual outros realizadores teriam recorrido. Como consequência, acaba produzindo um impacto emocional muito mais devastador que um ilusório final feliz.
40 anos de E.T. - O Extraterrestre, de Steven Spielberg
Sua escolha por filmar com a câmera sempre à altura dos olhos de uma criança é uma das chaves do encanto do filme. Ele nos força a enxergar o mundo com olhos infantis, participando das descobertas daqueles pequeninos com uma proximidade raramente alcançada no cinema. Os cenários e os personagens adultos sempre surgem grandes, já que são filmados de baixo. As cenas em que vemos o ponto de vista do E.T. reforçam esse clima de descoberta já que, assim como Elliot, ele também é um ser inocente lidando com grandes novidades. Notem que o único adulto a sempre mostrar o rosto durante o filme é a mãe de Elliot, que é, afinal, seu porto seguro. Todos os demais estão sempre de costas, ou com a cabeça fora de quadro, ou mesmo envoltos em névoa e escuridão, deixando claro o quanto são ameaçadores e misteriosos aos olhos das crianças e do E.T. Numa das cenas mais importantes para o desenvolvimento do protagonista, a morte do E.T. no hospital, o personagem de Peter Coyote mostra o rosto pela primeira vez. É justamente o momento em que Elliot muda de ideia a respeito dele, passando a considerá-lo uma pessoa “não tão ruim assim”. Ou seja, ele aprendeu a enxergá-lo, e é por isso que nós também ganhamos o direito de vê-lo.
O aprendizado, aliás, é o assunto principal de E.T., como fica claro na antológica despedida no final. Elliot suplica para que o E.T. permaneça na terra, mas o monstrinho coloca o dedo em sua testa e diz “Estarei bem aqui”, enquanto o dedo acende, eternizando aquele momento na memória do menino. Ali Elliot conquista a sabedoria necessária para aceitar que as pessoas que ama nem sempre estarão fisicamente presentes, mas podem continuar próximas através da memória, o que cria uma linda resolução para a subtrama envolvendo seu pai, que abandonou a família. Então, no plano final, Elliot aparece pela primeira vez filmado de baixo, ou seja, agora que aprendeu a dizer adeus, ele também é grande.Tudo isso ao som da mais apoteótica composição de John Williams, completando um filme onde cada mínimo detalhe tem uma função. E ainda tem quem encha a boca pra dizer que o cinema blockbuster sempre foi “a mesma coisa”.
Ontem revi, acompanhado de minha família, o maior filme cult de todos os tempos: The Rocky Horror Picture Show, de Jim Sharman. Há uma enorme confusão em torno do termo cult. As pessoas costumam associá-lo a filmes sérios, lentos, intelectualizados. Falando o bom português: NADA A VER! Cult se refere ao culto em torno de uma obra, não a sua qualidade ou a sua estética. A grande maioria dos filmes cult, inclusive, consiste em obras amplamente consideradas ruins, mas que formaram um culto em torno de si. Entre elas está essa pérola aqui. The Rocky Horror Picture Show já abre com uma boca ultravermelha cantando uma canção que enaltece uma caralhada de filmes e seriados de má qualidade. É engraçado e lindo ao mesmo tempo, uma verdadeira carta de amor ao mau gosto, à cultura marginalizada, aos desprezados. Em seguida, temos uma das maiores odes à liberdade sexual e à beleza do bizarro, do inadequado, do feio aos olhos da sociedade conservadora. Tim Curry é um assombro como o icônico Frank n' Furter, mas todo o resto do elenco está sensacional em sua teatralidade camp, mas nunca fora do tom. Destaque para o grande Meatloaf, falecido recentemente, numa participação pequena, mas bombástica. Rock n' Roll, estética trash, desconstrução das sexualidades, cenários, figurinos e maquiagem maravilhosos, anticonservadorismo pesado, mas entreque através de uma overdose de alegria e humor nonsense. The Rocky Horror Picture Show não está há 45 anos em cartaz à toa. É um dos grandes símbolos da contracultura. Um dos registros máximos de uma época em que se combateu a violência da moral conservadora com arte, cultura e transgressão. Absurdo? Sim. Poético? Muito mais. #TheRockyHorrorPictureShow
Tentarei ser sucinto. Eu esperava - e queria - de Halloween Ends o mesmo que todos: um espetáculo de violência e sangue, com Laurie Strode dando um pau em Michael Myers no final e, bem, fim.
Que o filme não seja nada disso foi com certeza frustrante, mas lá pelo meio comecei a perceber que essa frustração não precisava ser necessariamente um defeito. O filme original de John Carpenter, como toda sua obra, ressignificava o cinema B numa embalagem bem pulp, direta, comunicando todas as ideias através das imagens, sem floreios narrativos ou personagens que fossem além de suas características primárias. Caso Halloween Ends tentasse fazer isso em 2022, sinceramente acredito que falharia miseravelmente. Não há mais espaço para obras como o Halloween de 1978, pelo fato de que o próprio Halloween desencadeou a gradativa banalização do gênero. Tudo hoje precisa ser superlativo, autoexplicativo e inflamado.
A primeria metade de Halloween Ends é a que causa mais estranheza. Me senti como se tivesse pago para ver um filme de terror e recebido um drama adolescente indie. A segunda, no entanto, justifica essa escolha por parte do diretor David Gordon Green. Halloween sempre foi muito mais sobre Haddonfield, o perfeito subúrbio americano, que sobre Michael Myers, o precoce psicopata que lá habita. Conhecer melhor ao menos parte da sociedade que criou e alimentou esse monstro durante 44 anos é fundamental, ao menos para um filme de 2022.
Entre surpresas, bizarrices e situações que causam imensa estranheza, Halloween Ends ainda acha espaço para complementar de maneira bastante incisiva a mensagem do filme original. Michael Myers é o mal encarnado e o mal está em todos os lugares, certo? Matar Michael Myers destruiria o mal? O mal pode ser destruído?
Horroroso o filme sobre Elvis Presley dirigido por Baz Luhrmann.
Lembro de ter descrito seu Moulin Rouge como histérico, no curso de Cinema no Centro Europeu. Anos depois, afirmei que seu Austrália queria ser E o Vento Levou, mas nunca será.
Seu novo filme, Elvis, se supera. Não há uma única imagem que dure mais do que cinco segundos em tela. Qual a vantagem de se ter o melhor fotógrafo, o melhor figurinista, o melhor diretor de arte, se você não tem tempo para contemplar nada do que está sendo mostrado?
Me parece quase o Michael Bay dos filmes musicais.
Tematicamente, o filme me parece apenas reforçar o privilégio branco de Elvis Presley em relação à cultura negra em que foi criado.
No fim das contas, acho que um artista genial como ele merecia um filme muito melhor.
Quando acabou comecei a gargalhar sozinho, pensando: Q?
Nem vou perder tempo escrevendo muito sobre essa porcaria de quinta, mas destaco a máscara ridícula que arrumaram para Michael Myers, impossível de ser levada a sério, e a patética revelação final, diretamente chupada de Sexta Feira 13 - Capítulo Final (a Parte 4), lançado quatro anos antes!
Uma desgraça completa, da primeira a última cena! John Carpenter tem toda razão em odiar as continuações de seu clássico, como tantas vezes deixou claro.
Gosto dos incompreendidos, sempre gostei. Eles estão à frente do tempo, por isso é tão difícil que sejam imediatamente assimilados. Mas quando o incompreendido não tem medo nem vergonha de transformar seus devaneios em arte, ele muitas vezes sabe que será recompensado, mesmo que tardiamente. O tempo trata de inverter papéis e esclarecer maus julgamentos. Vamos ao ponto: darei-me o luxo de utilizar este espaço para defender um cineasta que aprendi a amar e cujo trabalho me inspira e influencia imensamente: Paul Verhoeven. O holandês ganhou Hollywood com três grandes filmes que fizeram merecido sucesso, só que pelas razões erradas. Eram eles RoboCop, O Vingador do Futuro (Total Recall) e Instinto Selvagem (Basic Instinct). Filmes inicialmente mal interpretados, que hoje são louvados pelo que de melhor oferecem: a ironia, a ambiguidade e o senso crítico únicos do diretor.
Após o sucesso, porém, Verhoeven teve que encarar o escárnio do público e da crítica, justo com um dos trabalhos que melhor sintetizam seu estilo, o escandaloso Showgirls. O filme chegou a ser considerado o pior de todos os tempos por alguns picaretas, algo que julgo totalmente risível e injustificável. Não vejo uma única cena em Showgirls que não mostre Verhoeven plenamente consciente e seguro do que está fazendo. Uma das principais razões do choque que o filme provocou, porém, também está estampada na tela: poucas vezes o american dream foi descortinado de maneira tão feroz.
Showgirls subverte um dos contos preferidos de Hollywood, o da garota do interior que vai para a cidade grande “ganhar a vida”. O cenário escolhido não poderia ser mais adequado. Las Vegas é a capital mundial do exagero, do hedonismo e do jogo, palavra que ganha um significado especial no filme. Apenas os personagens que se submetem ao jogo de poder que rege Las Vegas conseguem obter sucesso. A cidade acaba servindo como metáfora não apenas do show business, mas de um mundo regido por homens inescrupulosos e suas regras injustas. É Hollywood e a própria América, na visão de um corajoso outsider. As críticas negativas que Showgirls recebeu invariavelmente apontavam os mesmos adjetivos. “Imoral”, “Vulgar”, “Ofensivo”, “Exagerado”. Cada uma dessas acusações encontra no filme uma justificativa e também a redenção, bastando que o espectador se permita desprender-se de certos moralismos e noções interpretativas que já estão culturalmente enraizados. Só assim torna-se possível enxergar a proposta de Verhoeven.
A protagonista demora um pouco para perceber o ninho de cobras em que se meteu. Todos parecem dispostos a ajudá-la, mas o filme logo escancara a podridão e a desonestidade dos personagens. São pessoas desprezíveis, seja pela falta de caráter ou pela submissão (e as atuações propositadamente canastríssimas apenas reforçam isso). Há de se prestar atenção a todos os diálogos, repletos de uma acidez que revela as intenções do filme. Em uma cena, alguém faz a seguinte piada: “Sabe o que é aquele pedaço de pele inútil em torno da vagina? É uma mulher.” Showgirls pinta um quadro contundente da situação das mulheres naquele universo. Algumas são apenas garotas ingênuas, mas acabam se transformando em vadias, pois essa é a condição que o meio exige delas, caso queiram conquistar seus sonhos. Outras são exatamente o que se espera que sejam, afinal o jogo existe e precisa de todas as peças para funcionar. Muitas análises mais recentes atentaram para o fato de que a maneira mecânica e nada sensual como a protagonista dança é um reflexo de como ela enxerga o sexo e o próprio corpo: dois meros instrumentos de trabalho, através dos quais ela pretende chegar ao topo.
Há uma chocante cena de estupro, seguida de cinismo e condescendência dos personagens, menos da protagonista. Ela, afinal de contas, é a única pessoa com alguma noção de moral naquele ambiente. Ela percebe que vencer ali tem pouco a ver com talento – o fato de que todos a consideram uma ótima dançarina apesar de ela ser obviamente péssima é uma das grandes alfinetadas – ou luta, mas tudo a ver com submissão, humilhação, desvalorização e sordidez. Ela não vence o jogo, mas ganha a si mesma, como afirma no final. Ledo engano. A Cinderela da amoralidade toma a mesma carona que a levou a Las Vegas, só que em direção a Los Angeles (capisce?). A garota absorve a sujeira que aprendeu ali e vai aplicar as lições em outro lugar (e o lugar escolhido escancara mais uma vez a intenção do diretor).
Showgirls é um filme moralista, no fim das contas, mas de uma maneira diferente. Ele descarta os métodos com os quais estamos acostumados e oferece outros, bem mais difíceis de aceitar, justamente por revelarem a pequenez dos conceitos aos quais nos apegamos. Esteticamente, em Showgirls, a vulgaridade e o exagero são meios, não resultados. Fazem parte da proposta. Portanto, não faz o menor sentido desmerecer o filme baseando-se nesses argumentos. Já a ofensa é a maior prova do poder do filme. Raramente a imagem idealizada da “terra das oportunidades” foi questionada com tanto fervor. Penso que a melhor teoria sobre a demonização de Showgirls é a de que muita gente em Hollywood entendeu perfeitamente o recado e não gostou muito de ter suas feridas expostas com tanta agressividade. Pronto, nascia a lenda de que não existe filme pior que esse, uma bobagem que muitos acataram, mas que mesmo os maiores opositores do filme precisariam de argumentos mirabolantes para justificar, ainda mais hoje, anos após o frenesi. Quanto à crítica “especializada” – palavra que perdeu o sentido há uns bons anos –, esse é um ótimo exemplo de como a rejeição ou aclamação massiva a um filme às vezes diz mais sobre quem o avalia que sobre a própria obra.
E não é que todo esse auê favoreceu o filme? Showgirls acabou passando no teste do tempo. Tornou-se cult, daqueles com exibições à meia-noite lotadas de fãs, e aos poucos vem sendo redescoberto e reavaliado, já tendo sido ferrenhamente defendido por cineastas como Quentin Tarantino, Jacques Rivette e Jim Jarmusch, além de críticos experientes como Jonathan Rosenbaum (num fantástico texto onde admite ter errado em sua primeira avaliação), Michael Atkinson e Jim Hoberman. Isso pra não mencionar os cinéfilos e fãs que publicaram textos interessantíssimos na internet. O filme é também um dos home videos mais vendidos e alugados de todos os tempos.
No meu coração – e agora sei que não só no meu – esse é um dos grandes e importantes filmes dos anos 90. É uma obra autoral. Tudo ali tem propósito e serve aos objetivos estéticos e ideológicos de seu realizador. Isso é arte, e a arte não tem obrigação de agradar a ninguém para justificar sua existência. Acredite: o diretor sabia desde o começo que a reação geral seria negativa. O fato de muitas pessoas não entenderem o filme é fundamental para validar as teses que ele levanta. Esse é um dos princípios básicos de uma verdadeira sátira (e se Voltaire fosse vivo, aplaudiria Showgirls em pé).
Paul Verhoeven, um dos maiores sátiros do cinema, recebeu sorridente o “prêmio” de Pior Diretor por Showgirls no Framboesa de Ouro. Faz-me lembrar daquela velha máxima: “O problema em ser irônico é que quando as pessoas não entendem quem fica parecendo bobo é você.” No caso, penso que o bobo não foi Verhoeven, nem por um segundo. Quem contou a melhor piada foi ele.
Publicado originalmente em meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
A primeira versão de A Pequena Sereia foi publicada em 1837, por Hans Christian Andersen. Era completamente diferente da versão da Disney, de 1989. Os comentários sobre o novo filme revelam múltiplos níveis de ignorância. Sintoma de uma era em que as pessoas parecem acreditar que o mundo nasceu no ano 2000.
Em tempo, as versões soviéticas do conto para o cinema são de longe as mais interessantes. Rusalochka, de 1968, é uma animação que utiliza técnicas que não lembro de ter visto em outro filme. Também Rusalochka, de 1976, é um belíssimo filme com inacreditáveis cenas subaquáticas.
Todas as versões diferem em temática e abordagem. Uma mesma história pode ser contada milhões de vezes e sempre resultar diferente. É essa, afinal, a função primária dos grandes mitos e contos de fadas: oferecer as bases para a criação de grandes histórias de apelo universal, adaptáveis aos anseios de cada época.
Os filmes citados, bem como o conto original, estão disponíveis na internet para quem se interessar.
Nunca me atrevi a rever esse filme. Não tive coragem. Às vezes tenho vontade de assistir novamente para me expurgar, secar os canais lacrimais de maneira que me sentiria mais leve por algum tempo.
Aquela única sessão, em 2005, foi suficiente para que essa obra se cravasse para sempre em minha memória.
Ontem revi, acompanhado de minha amiga @grasyschmitt, o cultuado Garota Interrompida, de James Mangold, com as maravilhosas Winona Ryder, Angelina Jolie e Whoopi Goldberg (❤).
Dessa vez o filme, que trata da internação da personagem de Winona em uma clínica psiquiátrica, teve um peso completamente diferente para mim, pelo fato de que passei exatamente o que ela passou, no início de 2020. Me fez pensar muito, atrapalhou meu sono e causou-me certa tristeza.
No filme, a solução que a garota do título encontra para aliviar o peso de suas dúvidas, da incompreensão de sua própria doença, da ignorância dos demais em torno de sua situação... é se expressar. Escrever. Contar sua história para si mesma e para os outros.
É isso o que tenho feito desde que saí daquele lugar estranho. Através de meus relatos - e de outras formas de comunicação, às vezes sem tanta relação com o ocorrido -, ajudei a mim mesmo e a muitas outras pessoas..
Esse século mal começou e já é estatisticamente definido como o século das doenças da mente. Tem também o maior índice de suicídio já registrado.
Cuidem das pessoas. Até das que vocês mal conhecem, mas sabem que estão em estado de angústia, ou mesmo de fuga involuntária da realidade.
Antes que o mundo acabe, podemos torná-lo um lugar um pouco mais suportável para alguém.
Por algum motivo, apenas ontem assisti ao sensacional Garota Exemplar, de David Fincher, acompanhado de minha querida amiga @grasyschmitt.
Hoje pela manhã ainda estávamos ambos hipnotizados pelo filme. Há tanto a se analisar na obra que precisarei de um bom tempo para absorver antes de escrever algo mais elaborado. A cena que mais me impactou foi aquela em que determinado personagem toma banho com o corpo todo ensanguentado, permitindo que o sangue que resultou de um crime cometido escape pelo ralo, levando embora a verdade para que a ilusão volte a reinar.
O filme não me parece ser puramente sobre a instituição falida do casamento, mas sobre toda uma sociedade fundada em julgamento, punição e espetacularização das falsas redenções que forjam uma utópica perfeição, seja de um casamento idealizado ou dessa sociedade como um todo.
Apesar de todas as ambiguidades, esse filmaço de David Fincher me parece ter um ponto muito claro a provar: a humanidade não se importa se o que vive é real, desde que consiga enganar a si mesma sobre estar satisfeita com a ilusão.
Nascido para Matar (Full Metal Jacket), do incomparável Stanley Kubrick, mostra um grupo de jovens recrutas sadicamente treinados para transformarem-se em verdadeiras máquinas de matar e então serem enviados à Guerra do Vietnã. O que havia de inocente nesses rapazes fica no quartel onde o bizarro treinamento acontece. Depois disso, a oca sordidez dos campos de batalha é a única realidade que conhecem. O filme é repleto de um humor negro que só mesmo Kubrick criaria. É a ferramenta que utiliza para expor o absurdo da guerra.
Em uma cena, jornalistas indagam os soldados sobre os motivos pelos quais estão lutando. Eles não sabem. Não fazem a menor ideia do que estão fazendo, sua função é apenas atirar, matar, destruir, como verdadeiros robôs programados para tal. Em seguida, os mesmos jornalistas discutem que foco darão à reportagem, com o intuito de dar aos leitores o que querem ler, o que vende, o que anestesia. Ou seja, seu compromisso nada tem a ver com a verdade. Assim como o alucinado sargento que lavou o cérebro dos soldados, os jornalistas trabalham para alienar a população, mantendo-a completamente alheia à realidade, mas iludida de que está ciente do que se passa.
No momento mais chocante, em meio a um intenso combate, os soldados descobrem a identidade de um atirador que vinha lhes atacando. Há um vislumbre de humanidade, mas que logo dá lugar à torpeza. Existe uma certa compaixão misturada ao prazer nos olhos do personagem de Mathew Modine nessa cena, uma visualização da dualidade de que ele mesmo fala. O ser humano e a besta habitam seu interior, mas a guerra só lhe permite agir guiado por um desses extremos.
“Penso agora, olhando para trás, que não lutamos contra o inimigo. Lutamos contra nós mesmos. O inimigo estava dentro de nós. A guerra acabou para mim, mas permanecerá para sempre. (...) Aconteça o que acontecer, nós temos a obrigação de reconstruir, de ensinar aos outros o que aprendemos e tentar, com o que restou de nossas almas, encontrar a bondade e o verdadeiro sentido da vida.”
Avatar: O Caminho da Água
3.9 1,3K Assista AgoraÉ engraçado que a história simples e direta não torne fácil escrever sobre esse filme. Eu mesmo, duas horas após a sessão, ainda não absorvi direito a experiência. Estou um pouco chocado, para ser sincero. A única certeza é a de que Avatar - Caminho da Água é um filme especial e importante.
Vejamos, em plena era digital, com o ser humano notoriamente tornando-se mais impaciente, apático, cínico, além de escravo de narrativas rápidas e verborrágicas, James Cameron retorna de um longo hiato com uma narrativa de três horas e narrada predominantemente em linguagem visual. Seu filme nos desafia a contemplar a beleza, nos emocionar com a poesia e acompanhar pacientemente duas horas de apresentação dos personagens e suas relações, para só depois termos a recompensa do clímax (diga-se de passagem, o mais apoteótico da carreira do diretor). O resultado? Uma das experiências mais hipnóticas, quase lisérgicas, que lembro de ter vivido.
A quem estiver pensando em deixar para ver em casa, não se engane: o próprio propósito primário do filme é nos lembrar de que há experiências que só podem ser vividas numa sala de cinema. Com suas inimitáveis habilidades, Cameron entra no clube de Meliés, Grifitt, Lang, Selznick, Capra, DeMille, Lean e Spielberg, os artistas que levaram o povo em massa aos cinemas para sonhar um sonho coletivo, se expurgar, lavar a alma, como aconteceu comigo hoje.
Um salve especial a meu amigo @betobolliger, que correu mandar mensagem pra mim após ver o filme. Ele sabia o quanto eu ia amar.
#AvatarTheWayOfWater
O Resgate de Jessica
3.2 189"GIIIIÉÉÉESICA!!! GIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIÉÉÉÉSSICAAA! Ó MEU DEUS MINHA FÉÉÉLHA CAIU NU PÔÇUUU!"
Tiny Toon - Férias Animadas
4.0 31MANO
Eu queria assistir a alguma coisa divertida, que melhorasse o astral, mas que não fosse uma comédia comum. Aí lembrei que um dos filmes que vi mais vezes na vida, acompanhado de meus irmãos, foi Tiny Toons - Férias Animadas e resolvi rever. Não poderia ter feito melhor escolha.
O filme é uma coleção interminável de referências, sempre satíricas, a símbolos da cultura americana. É tão frenético que se você piscar perde três, quatro ou mais detalhes. A narrativa acompanha dois road movies que se encontrarão no final. Em um, Perninha e Lilica estão perdidos no Mississipi, o que gera uma coleção de pérolas ofensivas e violentas, como são, aliás 99% das gags do filme. O outro, meu preferido, é o da família Porco levando o Plucky para conhecer um parque de diversões na California. Não hesito em afirmar que é uma das melhores sátiras do comportamento do americano médio como consumidor de entretenimento ou de qualquer produto que seja. Me lembrou de quando fui ao Disneyland na California e vi famílias inteiras de pessoas com cara de bunda, comendo como porcos, comprando todo e qualquer cacareco que viam e sorrindo apenas na hora de tirar fotos.
Outro segmento épico é o do multiplex, que ironiza tanto o público quanto a indústria do cinema e, claro, a saga de Felicia, a perversa que "ama animais" em busca de seu gatinho (coitado). Há caricaturas de diversas personalidades, como Johnny Depp, Oprah Winfrey, vários apresentadores de talk shows, Woody Allen, Tina Turner e outros. Minha preferida é a cena que recria o infame episódio em que a comediante Roseane Barr ironizou o hino nacional americano (e perdeu a carreira, graças à falta de senso de humor na America, como definiu Madonna na época). E o que falar do psicopata que pede carona aos Porcos na California? Perversamente genial.
O fato é que é literalmente impossível descrever detalhadamente essa produção de Steven Spielberg com a Warner. É uma das maiores metralhadoras de tiradas geniais por segundo que já vi.
Ri demais e tô com um sorrisão no rosto. Fiz a escolha certa.
A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos
3.5 442 Assista AgoraVamos direto ao ponto: ruim de doer! A Hora do Pesadelo 3 - Os Guerreiros dos Sonhos costuma ser apontado como a melhor continuação, ou pior, o melhor filme da saga de Freddy Krueger. Revendo o filme hoje, após muitos anos, tal curiosidade me parece um mistério. Meu palpite é que se trata de pura nostalgia de quem foi moleque nos anos 80 e 90, já que o filme é uma escancarada traição ao conceito original de Wes Craven e ao próprio gênero em que supostamente se insere.
A impressão que tive é a de que todo o alto orçamento foi gasto nos belos cenários e nos criativos efeitos especiais. As cenas de pesadelos tem bons achados, quase sempre voltados para o humor negro, mas nenhuma delas é particularmente marcante ou assustadora. No terceiro ato, o filme descamba para o pastelão completo e torna-se uma aventurinha da Sessão da Tarde, daquelas bem esquecíveis que nos faziam torcer pela próxima reprise de Os Goonies. A cena em que um dos moleques protagonistas se transforma em Harry Potter antes de Harry Potter existir me fez ter vontade de cavar um buraco e me enfiar lá para sempre. "Cringe", diriam os teenagers de hoje.
E Freddy? Bom, Robert Englund é sempre perfeito nesse papel, no entanto, o filme não dá a ele uma única chance de se mostrar realmente ameaçador, coisa que até a odiada parte 2 tem de sobra. O que ele faz é surgir do nada para causar susto, matar a vítima de maneira violenta e depois fazer uma piadinha sarcástica. Boring.
A pior parte, no entanto, que me deu vontade de quebrar alguma coisa para extravasar a raiva, foi o fato de terem arrumado uma solução cristã conservadora para a conclusão da história. PELO AMOR DE SÃO CARPENTER, o filme de Wes Craven, como toda sua obra, era violentamente anticonservador. É uma tremenda ofensa esse papo de mãe freira, água benta e crucifixo mágico num filme dedicado ao maior personagem criado por um dos grandes mestres do terror badass!
Uma estrela pelos cuidados técnicos. Para o resto, aquele ZERO bem gostoso.
X: A Marca da Morte
3.4 1,2K Assista Agora"Viva o cinema independente!", brinda o diretor do filme dentro do filme X, do genial Ti West, que acabo de assistir pela prima vez, após calorosas recomendações dos amigos. West, que já havia prestado claras homenagens ao cinema B dos anos 70 em seu belíssimo A Casa do Diabo, aqui fez um dos mais complexos exercícios de metalinguagem de que consigo recordar. Em X, West coloca uma equipe de jovens aspirantes a estrelas fazendo um filme pornográfico numa fazenda no Texas, no final dos anos 70. Simbólico até demais. RJ, o tal diretor apaixonado pela ideia de cinema independente é, assim como Ti West, um garoto tentando fazer um tipo marginalizado de cinema, só que da maneira mais autoral possível - e a ideia de colocá-lo no filme como diretor de pornografia é francamente brilhante. Também como West, RJ se vê confrontado pela afirmação de que deve seguir as regras de como filmes são feitos e entregar ao público o que ele espera. A contragosto, RJ acaba filmando uma cena que vinha de encontro à visão que tinha sobre o que deveria ser sua obra. Na cena, seguinte, RJ aparece tomando banho, como se tentasse se lavar do pecado por ter se vendido às convenções de uma indústria. O que acontece em seguida é ainda mais simbólico, mas não devo revelar para não estragar a surpresa de quem ainda não viu o filme.
O destino de RJ me fez lembrar do início do filme, quando o grupo chega ao Texas e a câmera faz um longo e aberto registro da gigantesca indústria poluente que há lá. Ao longo da projeção, muitas vezes vemos um pastor pregando na televisão. Os vilões do filme são um casal de texanos quase moribundos, invejosos da juventude alheia, que destroem os sonhos dos jovens talentosos que tentam produzir um filme naquelas terras. Após o rápido detalhe que revela a identidade de um dos personagens, bem no final, é só ligar os pontos e concluir que esse filme é basicamente Ti West, um dos maiores diretores de cinema independente da atualidade, retratando Hollywood como uma indústria conservadora, caquéticamente antiquada, que passou por cima de muitos talentos, destruiu a visão de muitos artistas, mas que finalmente está tendo que encarar o gigantesco foda-se que o cinema independente, sem regras, sem moralismos tem dado.
Quase aplaudi sozinho quando os créditos finais começaram a subir.
A Queda! As Últimas Horas de Hitler
4.1 777Como indica o subtítulo, A Queda trata dos últimos dias de vida de Adolf Hitler. Mostra o ditador totalmente dominado pela loucura, propondo ideias que mesmo seus maiores apoiadores se recusam a obedecer. A primeira grande contribuição do filme, a meu ver, é justamente uma característica que levou muitas pessoas – limitadas? – a repudiá-lo: ao evitar o retrato de Hitler como um monstro, para mostrá- lo como um ser humano capaz de saltar de um ato de delicadeza para um de completa desumanidade, o filme torna Hitler mais ameaçador do que nunca, sensação realçada pela inacreditável atuação de Bruno Ganz. Pergunto: o que assusta mais? Uma pessoa obviamente louca, de quem qualquer um manteria distância, ou uma dócil e simpática, mas capaz de atrocidades? O próximo tirano pode estar confortavelmente infiltrado entre nós, sem que possamos notá-lo. Isso sim dá medo!
A Queda me parece oferecer uma das abordagens mais originais e corajosas sobre o nazismo no cinema. É um filme de muito valor. O desespero dos seguidores de Hitler quando percebem que o Terceiro Reich acabou me comove. Não por identificação, óbvio, mas pela tristeza de perceber que aquelas pessoas tinham plena convicção de que faziam parte de algo bom e importante. Estavam tão envenenadas que não eram capazes de perceber o lixo que se tornaram e as consequências incontornáveis de seus atos. Ver uma mãe literalmente envenenando os filhos enquanto dormem, por não se conformar em saber que cresceriam num mundo sem Nacional Socialismo, me traz lágrimas aos olhos. A que ponto alguém é capaz de chegar em nome de uma ideologia? Uma que não tem nada de natural, que foi plantada e cultivada por pessoas poderosas e mal-intencionadas? Não responde minhas dúvidas, talvez eternas, mas me reconecta à revolta, criada pela constatação de que a fraqueza faz com que os seres humanos prefiram se deixar dominar por falácias – que supostamente preenchem o vazio de suas vidas – a apegar-se a algo palpável e justo.
Baile de Formatura III
2.6 35SOCORRO!
Não sei nem por onde começar!
Resolvi rever Baile de Formatura 3, de Ron Oliver, a terceira parte da série Prom Night, que começou com um filmeco que só é cultuado até hoje por ter Jamie Lee Curtis no elenco.
CARA...
O chulé desse filme não quer abandonar minhas narinas, mas eu preciso dizer que adorei rever essa bosta! Achei o filme num canal dedicado ao lendário Cine Trash, da Band, com a dublagem original, o que adicionou muito à experiência.
VÉIO...
Tem uma cena em que a ridícula vilã arrebenta uma porta, olha para a loira monga que tava na sala e diz:
"SUA VAGABUNDINHA!"
Eu revi umas 20 vezes e chorei de rir em todas.
O filme tem bons achados em matéria de sátira sociocultural e corportamental, como 99% dos filmes trash dos anos 80 (esse é de 1990 mas parece a coisa mais 80's já feita). Tirando isso, tudo é kitsch, camp, podre, escroto, nojento, fedido e... maravilhoso!
As cenas que se passam no inferno são deliciosas, tanto por sua criatividade quanto por sua podreira que se orgulha de assim ser.
O final é épico, uma das coisas mais WTF? que já vi.
CARA... que filme! (de merda)
Aos escravos da ditadura do bom gosto, um martírio. Aos amantes da indispensável cultura trash, um deleite.
Preciso dizer em que clube estou?
O Massacre
3.0 137 Assista AgoraEstou extasiado com minha revisão do cult classic Slumber Party Massacre, da diretora Rita Mae Brown, lançado há exatos 40 anos. Vi o filme pela primeira vez em meados de 1999 e achei um saco. Pra quê rever então? Ora, minha visão sobre os filmes de terror mudou substancialmente ao longo dos anos, mas o que realmente me pegou foi ler e ver, repetidas vezes, esse filme sendo citado como um símbolo de empoderamento feminino.
Vamos lá: a trama de Slumber Party Massacre é basicamente a mesma de Halloween, de John Carpenter. Um maníaco foge do manicômio e passa a perseguir jovens moças. No entanto, prestando atenção aos detalhes e à maneira como a narrativa se expõe na tela, esse filme se mostra bastante distinto do clássico que o inspirou.
O vilão do filme ataca utilizando como arma uma enorme furadeira, que as escolhas da diretora espertamente transformam num símbolo fálico. Os métodos, os trejeitos, as escolhas e a face do assassino não deixam dúvidas: trata-se de um estuprador, mesmo que nenhum de seus ataques seja mostrado explicitamente como um estupro. As garotas, aliás, sentem-se constantemente ameaçadas, mesmo antes de saberem da presença do agressor, como se soubessem de alguma maneira que o perigo pode estar em qualquer lugar. Os meninos, mesmo que com intenções pueris, as enxergam como objetos sexuais, aumentando ainda mais a sensação de perigo iminente.
Há no meio do filme um quadro absolutamente brilhante, que acabou se tornando a imagem mais associada a essa obra: aquele em que a vítima é enquadrada entre as pernas do agressor, com sua arma fálica em frente à face dela. Os apreciadores da semiotica aplaudem.
Mais tarde, outra cena fantástica é aquela em que o agressor intimida a vítima dizendo "Você sabe que é isso o que você quer", deixando claro de uma vez todas que esse é um filme sobre a cultura do estupro.
Mas o momento em que realmente vibrei foi aquele em que a mocinha cortou a furadeira ao meio com um facão! Precisa dizer algo mais?
As mulheres desse filme revidam, e o fazem juntas. Slumber Party Massacre faz um chamado de conscientização sobre a violência sexual contra mulheres, mas as empodera, dizendo que juntas podem vencer o monstro.
Um clássico do cinema B.
Hellraiser
3.2 406 Assista AgoraA primeira cena interessante do novo Hellraiser acontece aos exatos 112 minutos de filme. Em seguida, o filme termina.
Quem quiser parar de ler por aqui, fique à vontade. Eu também gostaria de ter parado de ver o filme antes que completasse o primeiro ato.
Se eu quisesse ver um grupo de jovens com incapacidades mentais fazendo burrice e morrendo, reveria os clássicos trash da série Sexta Feira 13. Se eu quisesse ver cenários cafonas, veria novela bíblica da Record. Se eu quisesse que os cenobitas só abrissem a boca para falar frases clicherosas, olharia o perfil de alguma amiga trevosa dark no Instagram. Se eu quisesse ver cenas de tortura encenadas como se o público devesse soltar fogos de artifício, veria as atrocidades cinematográficas de James Wan.
Mais do que tudo, se eu quisesse uma reviravolta digna do Scooby Doo, eu veria, well, Scooby Doo.
O auê em torno de mediocridades como essa me parece sintomático de uma época em que pouco se cria, mas muito se deve ao passado.
Serviu para me dar vontade de rever o original, esse sim um pesadelo inesquecível.
Ah, mas o visual dos cenobitas está impecável. Vai vender bastante boneco e fantasia de Halloween.
#Hellraiser #filmesdeterror #Cinema
Laranja Mecânica
4.3 3,8K Assista AgoraJamais entenderia alguém que aponta Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) como um filme nocivo. Acreditem, essas pessoas ainda existem! Já vi uns moralistas afirmando que o filme nos incita a torcer por Alex, o personagem de Malcolm MacDowell. Isso jamais aconteceu comigo, e olha que vi o filme ao menos uma dúzia de vezes. Alex é um sujeito que espanca, estupra, sem consciência, sem remorso. É capturado e submetido a uma espécie de lavagem cerebral que o reprograma, “curando” sua amoralidade. Porém, os aspectos culturais e morais da sociedade em que foi criado permanecem os mesmos. Valores, crenças, nada muda. Será que a solução para a violência é “curar” os criminosos (algo que, no contexto do filme, seria equivalente a exterminá-los)? Não seria mais interessante tentar identificar o que os cria e então pensar no que deve ser mudado para impedir que mais pessoas sigam por esse caminho?
Alex torna-se um robô humano, sem livre arbítrio. Ele para de cometer atos violentos, mas o custo é rebaixar-se ao autoritarismo não menos violento dos que o capturaram. Quer dizer então que existe a violência boa e a ruim? Uma anula a outra de alguma maneira? O filme reforça a ideia de que a violência faz parte da natureza humana, o que acaba acrescentando outro agressivo questionamento: quem é pior? Aquele que age violentamente sem motivo algum ou aquele que encontra argumentos para justificar a barbárie?
Laranja Mecânica esmigalha muitos dos moralismos a que todos estamos acostumados. Alex ama música clássica, que o emociona, reúne-se com os amigos para beber leite, mora com a família e seu quarto é impecável. Ele é, afinal, um rapaz “decente”, mas isso não o impede de cometer brutalidades por diversão. Para mim, essa é a grande questão. De onde vêm os psicopatas? Será que a cultura hipócrita e conservadora que ainda rege o mundo “civilizado” não ajuda a criá-los? Não seria a incivilidade justamente fomentada pelos que tanto querem remediá-la, mas nada fazem para preveni-la? E não nos esqueçamos do principal: a essência de Alex permanece a mesma, sendo constantemente alimentada pela mediocridade que o cerca. A única diferença é que não consegue mais colocá-la em prática, o que diz tanto sobre ele quanto sobre os que o rodeiam. Kubrick filosofa sobre tudo isso com seus habituais delírios visuais e sonoros. É chocante e necessário.
A Outra História Americana
4.4 2,2K Assista AgoraQuando vi A Outra História Americana fiquei impressionado não apenas pela violência e dramaticidade, mas pela eloquência das discussões que o filme promove. Era algo de que precisava, um filme que me ajudasse a organizar as ideias que já possuía, mas não conseguia expressar. Só que interpretei a coisa toda de uma maneira talvez simplista, o que é compreensível. Na época, me parecia uma história de redenção, já que o personagem de Norton é um skin head que acaba fazendo amizade com um colega negro e largando a ideologia neonazista que antes seguia. Ok, isso está no filme, mas, passados mais de dez anos, revi e pude constatar que a questão é muito mais complexa. Os discursos racistas de Derek, personagem de Norton, são ao mesmo tempo ingênuos e assustadores. É óbvio o desinteresse do personagem por fatos, ele se apoia exclusivamente em argumentos e a convicção com que expõe ideias que foram claramente plantadas em seu cérebro é desconcertante por revelar sua fragilidade e, consequentemente, o potencial florescimento do ódio irracional que o levaria a atos extremos.
Depois da prisão, onde sente na própria pele as consequências do mesmo ódio que pregava, além de encontrar no algoz o verdadeiro sentido do companheirismo, Derek percebe que estava de certa maneira possuído, que aquele monstro não era ele. Digamos que seria uma redenção, mas o filme é corajoso o suficiente para não se contentar com tão pouco. As consequências de seus atos não param de ecoar, prejudicando a ele mesmo, aos que ama e a inocentes que nada têm a ver com ele. É um ciclo interminável, como uma praga, já que muitos dos prejudicados também sucumbirão às armadilhas do ódio e iniciarão outras ondas de violência.
O filme faz pensar sobre como as ações de homens como Hitler e semelhantes, que viveram há décadas, séculos, milênios, continuam a reverberar nos dias de hoje, numa eterna bola de neve. Um dos momentos mais fortes é a lembrança em flashback de um antigo almoço em família, onde o pai de Derek expõe suas noções preconceituosas, plantando a semente que levou à ruína sua família e as das vítimas de seus filhos. Sim, a origem da barbárie pode estar na família e não no videogame, na televisão ou no cinema. Digamos que, após a “cura”, Derek tenha tentado salvar o irmão (interpretado pelo icônico Edward Furlong, o John Connor de Exterminador do Futuro 2). Mas a semente já havia germinado e dado frutos, era tarde demais. Tony Kaye encerra seu filme numa nota bem mais realista que a falsa redenção à qual outros realizadores teriam recorrido. Como consequência, acaba produzindo um impacto emocional muito mais devastador que um ilusório final feliz.
E.T.: O Extraterrestre
3.9 1,4K Assista Agora40 anos de E.T. - O Extraterrestre, de Steven Spielberg
Sua escolha por filmar com a câmera sempre à altura dos olhos de uma criança é uma das chaves do encanto do filme. Ele nos força a enxergar o mundo com olhos infantis, participando das descobertas daqueles pequeninos com uma proximidade raramente alcançada no cinema. Os cenários e os personagens adultos sempre surgem grandes, já que são filmados de baixo.
As cenas em que vemos o ponto de vista do E.T. reforçam esse clima de descoberta já que, assim como Elliot, ele também é um ser inocente lidando com grandes novidades. Notem que o único adulto a sempre mostrar o rosto durante o filme é a mãe de Elliot, que é, afinal, seu porto seguro. Todos os demais estão sempre de costas, ou com a cabeça fora de quadro, ou mesmo envoltos em névoa e escuridão, deixando claro o quanto são ameaçadores e misteriosos aos olhos das crianças e do E.T. Numa das cenas mais importantes para o desenvolvimento do protagonista, a morte do E.T. no hospital, o personagem de Peter Coyote mostra o rosto pela primeira vez. É justamente o momento em que Elliot muda de ideia a respeito dele, passando a considerá-lo uma pessoa “não tão ruim assim”. Ou seja, ele aprendeu a enxergá-lo, e é por isso que nós também ganhamos o direito de vê-lo.
O aprendizado, aliás, é o assunto principal de E.T., como fica claro na antológica despedida no final. Elliot suplica para que o E.T. permaneça na terra, mas o monstrinho coloca o dedo em sua testa e diz “Estarei bem aqui”, enquanto o dedo acende, eternizando aquele momento na memória do menino. Ali Elliot conquista a sabedoria necessária para aceitar que as pessoas que ama nem sempre estarão fisicamente presentes, mas podem continuar próximas através da memória, o que cria uma linda resolução para a subtrama envolvendo seu pai, que abandonou a família. Então, no plano final, Elliot aparece pela primeira vez filmado de baixo, ou seja, agora que aprendeu a dizer adeus, ele também é grande.Tudo isso ao som da mais apoteótica composição de John Williams, completando um filme onde cada mínimo detalhe tem uma função. E ainda tem quem encha a boca pra dizer que o cinema blockbuster sempre foi “a mesma coisa”.
Con Air: A Rota da Fuga
3.5 390 Assista Agora"He's got the whole world
In his hands"
The Rocky Horror Picture Show
4.1 1,3K Assista AgoraOntem revi, acompanhado de minha família, o maior filme cult de todos os tempos: The Rocky Horror Picture Show, de Jim Sharman.
Há uma enorme confusão em torno do termo cult. As pessoas costumam associá-lo a filmes sérios, lentos, intelectualizados. Falando o bom português: NADA A VER! Cult se refere ao culto em torno de uma obra, não a sua qualidade ou a sua estética. A grande maioria dos filmes cult, inclusive, consiste em obras amplamente consideradas ruins, mas que formaram um culto em torno de si. Entre elas está essa pérola aqui.
The Rocky Horror Picture Show já abre com uma boca ultravermelha cantando uma canção que enaltece uma caralhada de filmes e seriados de má qualidade. É engraçado e lindo ao mesmo tempo, uma verdadeira carta de amor ao mau gosto, à cultura marginalizada, aos desprezados.
Em seguida, temos uma das maiores odes à liberdade sexual e à beleza do bizarro, do inadequado, do feio aos olhos da sociedade conservadora. Tim Curry é um assombro como o icônico Frank n' Furter, mas todo o resto do elenco está sensacional em sua teatralidade camp, mas nunca fora do tom. Destaque para o grande Meatloaf, falecido recentemente, numa participação pequena, mas bombástica.
Rock n' Roll, estética trash, desconstrução das sexualidades, cenários, figurinos e maquiagem maravilhosos, anticonservadorismo pesado, mas entreque através de uma overdose de alegria e humor nonsense. The Rocky Horror Picture Show não está há 45 anos em cartaz à toa. É um dos grandes símbolos da contracultura. Um dos registros máximos de uma época em que se combateu a violência da moral conservadora com arte, cultura e transgressão.
Absurdo? Sim. Poético? Muito mais.
#TheRockyHorrorPictureShow
Halloween Ends
2.3 537 Assista AgoraTentarei ser sucinto. Eu esperava - e queria - de Halloween Ends o mesmo que todos: um espetáculo de violência e sangue, com Laurie Strode dando um pau em Michael Myers no final e, bem, fim.
Que o filme não seja nada disso foi com certeza frustrante, mas lá pelo meio comecei a perceber que essa frustração não precisava ser necessariamente um defeito. O filme original de John Carpenter, como toda sua obra, ressignificava o cinema B numa embalagem bem pulp, direta, comunicando todas as ideias através das imagens, sem floreios narrativos ou personagens que fossem além de suas características primárias. Caso Halloween Ends tentasse fazer isso em 2022, sinceramente acredito que falharia miseravelmente. Não há mais espaço para obras como o Halloween de 1978, pelo fato de que o próprio Halloween desencadeou a gradativa banalização do gênero. Tudo hoje precisa ser superlativo, autoexplicativo e inflamado.
A primeria metade de Halloween Ends é a que causa mais estranheza. Me senti como se tivesse pago para ver um filme de terror e recebido um drama adolescente indie. A segunda, no entanto, justifica essa escolha por parte do diretor David Gordon Green. Halloween sempre foi muito mais sobre Haddonfield, o perfeito subúrbio americano, que sobre Michael Myers, o precoce psicopata que lá habita. Conhecer melhor ao menos parte da sociedade que criou e alimentou esse monstro durante 44 anos é fundamental, ao menos para um filme de 2022.
Entre surpresas, bizarrices e situações que causam imensa estranheza, Halloween Ends ainda acha espaço para complementar de maneira bastante incisiva a mensagem do filme original. Michael Myers é o mal encarnado e o mal está em todos os lugares, certo? Matar Michael Myers destruiria o mal? O mal pode ser destruído?
Halloween Ends era o filme que eu queria? Não.
Talvez seja o filme que eu precisava e não sabia.
#HalloweenEnds
Elvis
3.8 759Horroroso o filme sobre Elvis Presley dirigido por Baz Luhrmann.
Lembro de ter descrito seu Moulin Rouge como histérico, no curso de Cinema no Centro Europeu. Anos depois, afirmei que seu Austrália queria ser E o Vento Levou, mas nunca será.
Seu novo filme, Elvis, se supera. Não há uma única imagem que dure mais do que cinco segundos em tela. Qual a vantagem de se ter o melhor fotógrafo, o melhor figurinista, o melhor diretor de arte, se você não tem tempo para contemplar nada do que está sendo mostrado?
Me parece quase o Michael Bay dos filmes musicais.
Tematicamente, o filme me parece apenas reforçar o privilégio branco de Elvis Presley em relação à cultura negra em que foi criado.
No fim das contas, acho que um artista genial como ele merecia um filme muito melhor.
Nota 2 por caridade.
#Elvis
Halloween 4: O Retorno de Michael Myers
3.1 374 Assista AgoraSOCORRO!
Não lembrava que esse filme era tão ruim!
AHUHAUHAUHAUHUAHUAUAUAUHAUHAUAUAUUAH
Quando acabou comecei a gargalhar sozinho, pensando: Q?
Nem vou perder tempo escrevendo muito sobre essa porcaria de quinta, mas destaco a máscara ridícula que arrumaram para Michael Myers, impossível de ser levada a sério, e a patética revelação final, diretamente chupada de Sexta Feira 13 - Capítulo Final (a Parte 4), lançado quatro anos antes!
Uma desgraça completa, da primeira a última cena! John Carpenter tem toda razão em odiar as continuações de seu clássico, como tantas vezes deixou claro.
Adorei, nota 2!
#Halloween #MichaelMyers #FilmesdeTerror
Halloween 5: A Vingança de Michael Myers
2.8 290Adoro a Tina!
#prontofalei
Showgirls
3.0 210 Assista AgoraGosto dos incompreendidos, sempre gostei. Eles estão à frente do tempo, por isso é tão difícil que sejam imediatamente assimilados. Mas quando o incompreendido não tem medo nem vergonha de transformar seus devaneios em arte, ele muitas vezes sabe que será recompensado, mesmo que tardiamente. O tempo trata de inverter papéis e esclarecer maus julgamentos. Vamos ao ponto: darei-me o luxo de utilizar este espaço para defender um cineasta que aprendi a amar e cujo trabalho me inspira e influencia imensamente: Paul Verhoeven. O holandês ganhou Hollywood com três grandes filmes que fizeram merecido sucesso, só que pelas razões erradas. Eram eles RoboCop, O Vingador do Futuro (Total Recall) e Instinto Selvagem (Basic Instinct). Filmes inicialmente mal interpretados, que hoje são louvados pelo que de melhor oferecem: a ironia, a ambiguidade e o senso crítico únicos do diretor.
Após o sucesso, porém, Verhoeven teve que encarar o escárnio do público e da crítica, justo com um dos trabalhos que melhor sintetizam seu estilo, o escandaloso Showgirls. O filme chegou a ser considerado o pior de todos os tempos por alguns picaretas, algo que julgo totalmente risível e injustificável. Não vejo uma única cena em Showgirls que não mostre Verhoeven plenamente consciente e seguro do que está fazendo. Uma das principais razões do choque que o filme provocou, porém, também está estampada na tela: poucas vezes o american dream foi descortinado de maneira tão feroz.
Showgirls subverte um dos contos preferidos de Hollywood, o da garota do interior que vai para a cidade grande “ganhar a vida”. O cenário escolhido não poderia ser mais adequado. Las Vegas é a capital mundial do exagero, do hedonismo e do jogo, palavra que ganha um significado especial no filme. Apenas os personagens que se submetem ao jogo de poder que rege Las Vegas conseguem obter sucesso. A cidade acaba servindo como metáfora não apenas do show business, mas de um mundo regido por homens inescrupulosos e suas regras injustas. É Hollywood e a própria América, na visão de um corajoso outsider. As críticas negativas que Showgirls recebeu invariavelmente apontavam os mesmos adjetivos. “Imoral”, “Vulgar”, “Ofensivo”, “Exagerado”. Cada uma dessas acusações encontra no filme uma justificativa e também a redenção, bastando que o espectador se permita desprender-se de certos moralismos e noções interpretativas que já estão culturalmente enraizados. Só assim torna-se possível enxergar a proposta de Verhoeven.
A protagonista demora um pouco para perceber o ninho de cobras em que se meteu. Todos parecem dispostos a ajudá-la, mas o filme logo escancara a podridão e a desonestidade dos personagens. São pessoas desprezíveis, seja pela falta de caráter ou pela submissão (e as atuações propositadamente canastríssimas apenas reforçam isso). Há de se prestar atenção a todos os diálogos, repletos de uma acidez que revela as intenções do filme. Em uma cena, alguém faz a seguinte piada: “Sabe o que é aquele pedaço de pele inútil em torno da vagina? É uma mulher.” Showgirls pinta um quadro contundente da situação das mulheres naquele universo. Algumas são apenas garotas ingênuas, mas acabam se transformando em vadias, pois essa é a condição que o meio exige delas, caso queiram conquistar seus sonhos. Outras são exatamente o que se espera que sejam, afinal o jogo existe e precisa de todas as peças para funcionar. Muitas análises mais recentes atentaram para o fato de que a maneira mecânica e nada sensual como a protagonista dança é um reflexo de como ela enxerga o sexo e o próprio corpo: dois meros instrumentos de trabalho, através dos quais ela pretende chegar ao topo.
Há uma chocante cena de estupro, seguida de cinismo e condescendência dos personagens, menos da protagonista. Ela, afinal de contas, é a única pessoa com alguma noção de moral naquele ambiente. Ela percebe que vencer ali tem pouco a ver com talento – o fato de que todos a consideram uma ótima dançarina apesar de ela ser obviamente péssima é uma das grandes alfinetadas – ou luta, mas tudo a ver com submissão, humilhação, desvalorização e sordidez. Ela não vence o jogo, mas ganha a si mesma, como afirma no final. Ledo engano. A Cinderela da amoralidade toma a mesma carona que a levou a Las Vegas, só que em direção a Los Angeles (capisce?). A garota absorve a sujeira que aprendeu ali e vai aplicar as lições em outro lugar (e o lugar escolhido escancara mais uma vez a intenção do diretor).
Showgirls é um filme moralista, no fim das contas, mas de uma maneira diferente. Ele descarta os métodos com os quais estamos acostumados e oferece outros, bem mais difíceis de aceitar, justamente por revelarem a pequenez dos conceitos aos quais nos apegamos. Esteticamente, em Showgirls, a vulgaridade e o exagero são meios, não resultados. Fazem parte da proposta. Portanto, não faz o menor sentido desmerecer o filme baseando-se nesses argumentos. Já a ofensa é a maior prova do poder do filme. Raramente a imagem idealizada da “terra das oportunidades” foi questionada com tanto fervor. Penso que a melhor teoria sobre a demonização de Showgirls é a de que muita gente em Hollywood entendeu perfeitamente o recado e não gostou muito de ter suas feridas expostas com tanta agressividade. Pronto, nascia a lenda de que não existe filme pior que esse, uma bobagem que muitos acataram, mas que mesmo os maiores opositores do filme precisariam de argumentos mirabolantes para justificar, ainda mais hoje, anos após o frenesi. Quanto à crítica “especializada” – palavra que perdeu o sentido há uns bons anos –, esse é um ótimo exemplo de como a rejeição ou aclamação massiva a um filme às vezes diz mais sobre quem o avalia que sobre a própria obra.
E não é que todo esse auê favoreceu o filme? Showgirls acabou passando no teste do tempo. Tornou-se cult, daqueles com exibições à meia-noite lotadas de fãs, e aos poucos vem sendo redescoberto e reavaliado, já tendo sido ferrenhamente defendido por cineastas como Quentin Tarantino, Jacques Rivette e Jim Jarmusch, além de críticos experientes como Jonathan Rosenbaum (num fantástico texto onde admite ter errado em sua primeira avaliação), Michael Atkinson e Jim Hoberman. Isso pra não mencionar os cinéfilos e fãs que publicaram textos interessantíssimos na internet. O filme é também um dos home videos mais vendidos e alugados de todos os tempos.
No meu coração – e agora sei que não só no meu – esse é um dos grandes e importantes filmes dos anos 90. É uma obra autoral. Tudo ali tem propósito e serve aos objetivos estéticos e ideológicos de seu realizador. Isso é arte, e a arte não tem obrigação de agradar a ninguém para justificar sua existência. Acredite: o diretor sabia desde o começo que a reação geral seria negativa. O fato de muitas pessoas não entenderem o filme é fundamental para validar as teses que ele levanta. Esse é um dos princípios básicos de uma verdadeira sátira (e se Voltaire fosse vivo, aplaudiria Showgirls em pé).
Paul Verhoeven, um dos maiores sátiros do cinema, recebeu sorridente o “prêmio” de Pior Diretor por Showgirls no Framboesa de Ouro. Faz-me lembrar daquela velha máxima: “O problema em ser irônico é que quando as pessoas não entendem quem fica parecendo bobo é você.” No caso, penso que o bobo não foi Verhoeven, nem por um segundo. Quem contou a melhor piada foi ele.
Publicado originalmente em meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
A Pequena Sereia
3.7 577 Assista AgoraA primeira versão de A Pequena Sereia foi publicada em 1837, por Hans Christian Andersen. Era completamente diferente da versão da Disney, de 1989. Os comentários sobre o novo filme revelam múltiplos níveis de ignorância. Sintoma de uma era em que as pessoas parecem acreditar que o mundo nasceu no ano 2000.
Em tempo, as versões soviéticas do conto para o cinema são de longe as mais interessantes. Rusalochka, de 1968, é uma animação que utiliza técnicas que não lembro de ter visto em outro filme. Também Rusalochka, de 1976, é um belíssimo filme com inacreditáveis cenas subaquáticas.
Todas as versões diferem em temática e abordagem. Uma mesma história pode ser contada milhões de vezes e sempre resultar diferente. É essa, afinal, a função primária dos grandes mitos e contos de fadas: oferecer as bases para a criação de grandes histórias de apelo universal, adaptáveis aos anseios de cada época.
Os filmes citados, bem como o conto original, estão disponíveis na internet para quem se interessar.
Mas alguém se interessa?
🤔
#APequenaSereia #TheLittleMermaid
O Segredo de Brokeback Mountain
3.9 2,2K Assista AgoraNunca me atrevi a rever esse filme. Não tive coragem. Às vezes tenho vontade de assistir novamente para me expurgar, secar os canais lacrimais de maneira que me sentiria mais leve por algum tempo.
Aquela única sessão, em 2005, foi suficiente para que essa obra se cravasse para sempre em minha memória.
Que sociedade é essa que pune o amor?
😥
#BrokebackMountain
Garota, Interrompida
4.1 1,9K Assista AgoraOntem revi, acompanhado de minha amiga @grasyschmitt, o cultuado Garota Interrompida, de James Mangold, com as maravilhosas Winona Ryder, Angelina Jolie e Whoopi Goldberg (❤).
Dessa vez o filme, que trata da internação da personagem de Winona em uma clínica psiquiátrica, teve um peso completamente diferente para mim, pelo fato de que passei exatamente o que ela passou, no início de 2020. Me fez pensar muito, atrapalhou meu sono e causou-me certa tristeza.
No filme, a solução que a garota do título encontra para aliviar o peso de suas dúvidas, da incompreensão de sua própria doença, da ignorância dos demais em torno de sua situação... é se expressar. Escrever. Contar sua história para si mesma e para os outros.
É isso o que tenho feito desde que saí daquele lugar estranho. Através de meus relatos - e de outras formas de comunicação, às vezes sem tanta relação com o ocorrido -, ajudei a mim mesmo e a muitas outras pessoas..
Esse século mal começou e já é estatisticamente definido como o século das doenças da mente. Tem também o maior índice de suicídio já registrado.
Cuidem das pessoas. Até das que vocês mal conhecem, mas sabem que estão em estado de angústia, ou mesmo de fuga involuntária da realidade.
Antes que o mundo acabe, podemos torná-lo um lugar um pouco mais suportável para alguém.
As pessoas são tudo o que temos.
Todos nós.
#GarotaInterrompida
Garota Exemplar
4.2 5,0K Assista AgoraPor algum motivo, apenas ontem assisti ao sensacional Garota Exemplar, de David Fincher, acompanhado de minha querida amiga @grasyschmitt.
Hoje pela manhã ainda estávamos ambos hipnotizados pelo filme. Há tanto a se analisar na obra que precisarei de um bom tempo para absorver antes de escrever algo mais elaborado. A cena que mais me impactou foi aquela em que determinado personagem toma banho com o corpo todo ensanguentado, permitindo que o sangue que resultou de um crime cometido escape pelo ralo, levando embora a verdade para que a ilusão volte a reinar.
O filme não me parece ser puramente sobre a instituição falida do casamento, mas sobre toda uma sociedade fundada em julgamento, punição e espetacularização das falsas redenções que forjam uma utópica perfeição, seja de um casamento idealizado ou dessa sociedade como um todo.
Apesar de todas as ambiguidades, esse filmaço de David Fincher me parece ter um ponto muito claro a provar: a humanidade não se importa se o que vive é real, desde que consiga enganar a si mesma sobre estar satisfeita com a ilusão.
Soberbo.
#GarotaExemplar #DavidFincher #Cinema
Nascido Para Matar
4.3 1,1K Assista AgoraNascido para Matar (Full Metal Jacket), do incomparável Stanley Kubrick, mostra um grupo de jovens recrutas sadicamente treinados para transformarem-se em verdadeiras máquinas de matar e então serem enviados à Guerra do Vietnã. O que havia de inocente nesses rapazes fica no quartel onde o bizarro treinamento acontece. Depois disso, a oca sordidez dos campos de batalha é a única realidade que conhecem. O filme é repleto de um humor negro que só mesmo Kubrick criaria. É a ferramenta que utiliza para expor o absurdo da guerra.
Em uma cena, jornalistas indagam os soldados sobre os motivos pelos quais estão lutando. Eles não sabem. Não fazem a menor ideia do que estão fazendo, sua função é apenas atirar, matar, destruir, como verdadeiros robôs programados para tal. Em seguida, os mesmos jornalistas discutem que foco darão à reportagem, com o intuito de dar aos leitores o que querem ler, o que vende, o que anestesia. Ou seja, seu compromisso nada tem a ver com a verdade. Assim como o alucinado sargento que lavou o cérebro dos soldados, os jornalistas trabalham para alienar a população, mantendo-a completamente alheia à realidade, mas iludida de que está ciente do que se passa.
No momento mais chocante, em meio a um intenso combate, os soldados descobrem a identidade de um atirador que vinha lhes atacando. Há um vislumbre de humanidade, mas que logo dá lugar à torpeza. Existe uma certa compaixão misturada ao prazer nos olhos do personagem de Mathew Modine nessa cena, uma visualização da dualidade de que ele mesmo fala. O ser humano e a besta habitam seu interior, mas a guerra só lhe permite agir guiado por um desses extremos.
“Penso agora, olhando para trás, que não lutamos contra o inimigo. Lutamos contra nós mesmos. O inimigo estava dentro de nós. A guerra acabou para mim, mas permanecerá para sempre. (...) Aconteça o que acontecer, nós temos a obrigação de reconstruir, de ensinar aos outros o que aprendemos e tentar, com o que restou de nossas almas, encontrar a bondade e o verdadeiro sentido da vida.”
Que filme!
#FullMetalJacket #NascidoParaMatar #StanleyKubrick #Cinema