Os criadores resolveram levar o Ted Talk do JJ Abrams muito ao pé da letra. Eu li alguns comentários falando que "virou lost" em tom depreciativo, mas a real é que tudo o que eu queria é que tivesse virado Lost mesmo. Pelo menos em Lost os mistérios sem solução eram intercalados com alguns dos melhores desenvolvimentos de personagem da história da TV.
Aqui os personagens não só não foram melhor desenvolvidos, como o pouco de background que tinham na primeira temporada foi abandonado. A complexa relação entre Boyd e o filho por conta da mãe? Não é mais tão complexa. O trauma familiar que abalava a relação entre Jim e Tabitha? Praticamente esquecido. Até a subtrama mais bobinha de aparente 'descoberta sexual' da Julie? Agora não, Julie. Ah, e tinha uma menina ouvindo vozes e recebendo ordens, não? Não é importante.
O importante são as pistas, que vão levar a outras pistas, que vão levar a outras pistas, que vão levar a outras pistas...
Se Toma Lá Dá Cá fosse escrito pelo Nelson Rodrigues em vez do Miguel Fallabella.
Temporada boa até aqui, atuações incríveis (achei meio moralista colocar o adolescente violento jogando "jogos violentos" como se fosse parte da construção da persona, maior papo de tiozão).
Minha teoria sobre Black Mirror é que o Charlie Brooker simplesmente percebeu que ele não conseguia ser mais distópico que a realidade. Parece loucura, mas os episódios de Black Mirror que 'chocaram o mundo' já tem 12 anos e de lá pra cá esse planeta se descaralhou de forma inacreditável.
Sério, um algoritmo de rede social ajudou a eleger um doritos de peruca que tentou golpear a dita "maior democracia do mundo". Tá rolando uma guerra na europa entre um país comandado por um lunático que acha que é um Czar do século 17, e outro governado pelo Odorico Paraguaçu do inferno, isso sem falar em pandemia, QAnom, catástrofes climáticas e tudo o mais de apocalíptico que já rolou de lá pra cá.
Hoje se a gente assistir uma galera pedalando por horas a fio pra ganhar umas migalhas, talvez confunda com um documentário sobre o Jeff Bezos. Um politico famoso transou com um porco? Puxa, deve ser terça feira.
Quem assistiu Supernatural não se surpreenderá com esse final de temporada. Eric Kripke é incapaz de "encerrar ciclos" com seus personagens.
A temporada foi muito boa, mas no fim os caras deram uma "resetada" nos acontecimentos e todo mundo ficou na mesma situação em que estava antes dela começar.
Eu gostei da premissa, do desenvolvimento de alguns dos personagens e da criação da atmosfera, mas no final eu lembrei da última grande greve de roteiristas lá de 2006/07, quando várias séries terminaram suas temporadas sem encerrá-las de fato.
Não foi um cliffhanger orgânico e bem construído, deu mais a impressão de que por algum motivo eles não conseguiram filmar o último capítulo e pararam no penúltimo.
E a série não só tem o clima de caixa de mistérios de Lost, como dá ao personagem do Harold Perrineau...
o mesmo grande dilema/peso emocional do Michael (seu personagem em Lost): ter que matar alguém para salvar o próprio filho e, não apenas conviver com a culpa pelos seus atos, como perder o contato com o filho mesmo assim.
Enfim, a série tem seus problemas mas também tem muito potencial.
Eu tenho absoluta certeza que esse era um daqueles roteiros que ficaram engavetados por anos e só conseguiram produzir quando decidiram usar o nome de uma franquia famosa.
A única semelhança com o filme é que alguém é atropelado no começo. Não tem nada de slasher aqui.
Pra mim a maior qualidade da série até aqui (estou no sexto episódio) é a boa estrutura da narrativa. Os episódios funcionam muito bem individualmente, mas sempre conseguem avançar com a história, você consegue ver os personagens evoluindo e a trama caminhando, um capítulo nunca acaba no mesmo lugar do anterior (física e "espiritualmente").
Tem várias outras qualidades também, mas essa me saltou aos olhos por que eu acabei de ver a segunda temporada de Servant e a primeira de Invincible, duas séries em que a história simplesmente não andava.
É impressionante como as "grandes séries" originais da Netflix vão perdendo qualidade gradativamente. Desde House of Cards, passando por Stranger Things, Black Mirror e agora Love, Death and Robots, todas com primeiras temporadas ótimas e continuações fraquíssimas.
Nessa aqui só sobrou o estilo e a qualidade técnica, nenhuma história memorável.
Temos que admitir que está sendo mais fácil ser um entusiasta do terror no cinema brasileiro nos últimos tempos. Na rabeira do prestigio recuperado pelo gênero em Hollywood por filmes como O Babadook, Hereditário, It Follows, entre outros – ainda que alguns resistam a chamar essas obras de ‘filme de terror’ – os cineastas brasileiros lançaram algumas peças interessantíssimas do tipo, como O Animal Cordial e As Boas Maneiras recentemente, além de esforços bem honestos como O Diabo Mora Aqui e Quando Eu Era Vivo um tempinho atrás.
Infelizmente na TV o cenário é outro. Sequer podemos dizer que o gênero engatinha, mas talvez estejamos começando a rastejar, e para isso produções como Terrores Urbanos se fazem válidas e muito importantes, ainda que tropecem nas próprias pernas de vez em quando.
Terrores Urbanos é uma série em cinco episódios, produzida pela Sentimental Filmes para o Play Plus, serviço de streaming da Rede Record, que apresenta versões modernizadas de lendas urbanas muito populares no Brasil nas décadas de 80 e 90, como a Loira do Banheiro, a Gangue dos Palhaços, o Quadro do Menino que Chora, o Boneco Amigão (o Fofão sem direitos autorais) e o Homem do Saco. A criação de Maristela Mattos e Thais Falcão tem como característica marcante não parecer uma série brasileira. E isso vale para aspectos positivos e negativos.
Nos aspectos positivos podemos citar a qualidade da produção em si, que em nada deixa a desejar a produções internacionais. A elaboração dos cenários e dos figurinos, fotografia e principalmente a direção. As tomadas burocráticas típicas da dramaturgia na TV aberta não são vistas aqui. Há um capricho na montagem e nos enquadramentos também, com uma movimentação de câmeras que emula bem os padrões de obras americanas do gênero, apesar de alguns exageros aqui ou ali.
Mas no lado negativo temos a estranheza na ambientação dos episódios, com exceção feita ao quinto deles, se não fossem falados em português seria difícil localizar as histórias numa realidade brasileira, especialmente nos dois primeiros capítulos. Temos escolas super elitizadas, mansões com sistemas de segurança moderníssimos… não que isso não exista no Brasil, mas o nome Terrores Urbanos evoca um outro tipo de ambientação.
E a verdade é que falta história para se contar em Terrores Urbanos. As lendas urbanas sozinhas não sustentam episódios de quarenta minutos por que, convenhamos, são narrativas bastante superficiais. Elas funcionam bem na oralidade por contarem com o preenchimento cultural de cada local do país e por nossa fértil imaginação também. E quando coube aos roteiristas dar sustância a essas narrativas, faltou talento. Até existe uma boa contextualização, pincelando temáticas atuais como bulimia, violência doméstica, o stress da maternidade e do trabalho, entre outros temas, mas para nisso.
Essa falta de história acaba tornando a série absolutamente formulaica, onde todos os episódios repetem a mesma estrutura baseada no protagonista caminhando em direção a um surto psicótico, com a lenda se materializando no background, utilizando até mesmo as mesmas manifestações. Em literalmente todos os episódios tem uma ou mais cenas de sonho ou alucinação, ou de personagens interagindo com “coisas” que não exatamente o que eles pensam que são. E esses são apenas alguns exemplos de estratégias repetidas exaustivamente. É literalmente como se tivesse uma forminha onde todos os episódios foram gerados.
Dada essa falta do que contar e também do excesso de repetições do roteiro, a capacidade de funcionar como suspense ou terror fica a cargo da capacidade de cada diretor em criar uma boa atmosfera e do bom desempenho de seu elenco. E nesses quesitos os melhores resultados são alcançados por Juliana Rojas, em O Quadro do Menino que Chora, e Felipe Adami, em A Gangue dos Palhaços, seguido por Fernando Coimbra (O Lobo Atrás da Porta) em O Homem do Saco. Rojas e Coimbra não conseguem repetir seus desempenhos nos fracos Boneco Amigão e A Loira do Banheiro, respectivamente.
Em resumo, Terrores Urbanos não vai marcar época na televisão, nem mudar a forma como o público da tv aberta encara esse gênero, mas ele pode ser mais um passo rumo a aceitação do estilo. Tem resultados irregulares graças a falta de força do seu texto e ao desempenho desigual do elenco, mas o talento de seus diretores consegue extrair um clima capaz de pelo menos entreter uma horinha por dia.
“Ugh, mais uma série de TV sobre super-heróis. É tudo o que o mundo precisa agora.”
Ironiza Eric Morden na primeira frase do primeiro episódio de Doom Patrol, antes de explicar ao espectador que o que viria a seguir não era bem uma série sobre super-heróis, mas sobre um grupo de perdedores, patéticos e tão dignos de pena, que talvez fizessem você mesmo se sentir melhor a respeito da própria mediocridade depois de assistir. Soa um pouco pretensioso, não? Até soa, mas acredite, vale a pena.
O adjetivo mais apropriado para a primeira temporada de Doom Patrol é diferente, começando pela sua estrutura. Analisando a vasta oferta de séries baseadas em quadrinhos de herói, vamos notar duas formas predominantes de execução de narrativa, que podemos resumir como o modo CW e o modo Netflix. No modo CW, o arco da temporada é desenvolvido a conta gotas, em vinte episódios com histórias individuais (e sempre muito parecidas) com começo, meio e fim que contribuem muito pouco pra trama principal.
O modo Netflix, por sua vez, aposta na lógica de “filmes de 10 horas”, diluindo homeopaticamente a trama principal em dez ou treze episódios, que são nada mais do que a quantidade de cenas que couber em divisões de quarenta minutos. Basta pensar nas grandes séries de TV, como Sopranos, Lost, Breaking Bad e até mesmo Game of Thrones (apesar do desfecho tão criticado) para reconhecer um padrão na execução da narrativa que não se parece nem um pouco com os modelos citados. Essas séries têm uma noção muito clara do que deve ser um episódio, uma peça da história que funcione individualmente, avance a trama principal, mas não ofereça um desfecho simulado ou se renda a cliffhangers fajutos. E Doom Patrol entende muito bem isso.
Outro elogio que se deve fazer baseado na diferença de Doom Patrol para produtos do seu tipo, falando aqui especialmente de Titans, sua predecessora nesse universo, está na importância dada aos protagonistas da história. Enquanto Titans foge de desenvolver seus protagonistas para investir em uma apresentação de contexto e personagens secundários, Doom Patrol é focado na construção de seu quinteto principal. Usando interações entre eles, contato com coadjuvantes e flashbacks muito bem colocados, cada personagem é desenvolvido de forma convincente, tornando-se absolutamente tridimensionais, mudando e evoluindo com o passar dos episódios.
Nota-se uma versão bem intensa de ‘um conto de natal’ na construção dos personagens, pois temos pessoas que sentiram o gosto do sucesso, da vida perfeita - Cliff fora uma estrela do automobilismo, Rita do cinema, Larry era um respeitado militar, Victor um proeminente atleta juvenil - mas não eram exatamente boas pessoas, até que perderam quase que literalmente tudo, suas carreiras, suas famílias e até mesmo seus corpos e sua época, e só assim aprenderam a valorizar o lugar a qual pertencem e as pessoas a sua volta. Parece meio triste? E é. Na essência Doom Patrol fala muito sobre medo, tristeza, aceitação e segundas chances, mas envelopando esse drama todo está um senso de humor absolutamente bizarro e surreal, que começa com um narrador autoconsciente que conduz, interfere e zomba da história que está contando, e vai até uma barata que acredita ser o novo messias. E acredite, isso está longe de ser a situação mais non-sense da temporada.
A qualidade de Doom Patrol também está aliada a um desempenho espetacular do seu elenco principal, formado por Alan Tudyk, Diane Guerrero, April Bowlby, Matt Bomer, Joivan Wade, Timothy Dalton e, já que falamos de segundas chances, Brendan Fraser. Que baita retorno, Brendan Fraser. O trabalho de dublagem dele e de Matt Bomer é incrível, passam todas as variações emocionais e nuances de personalidade de dois personagens bastante complexos apenas usando a voz. April Bowlby também merece destaque, constrói uma diva de outra época de forma totalmente convincente.
Doom Patrol entrou com certa facilidade no rol de melhores séries baseadas em quadrinhos. É engraçada, surreal, criativa, não se leva a sério demais, tem personagens bem construídos, tecnicamente apresenta soluções de fotografia, movimentos de câmera e efeitos práticos que driblam o orçamento baixo e reforçam o talento dos envolvidos no projeto. São quinze episódios que valem cada minuto do seu tempo. Doom Patrol deve chegar ao Brasil no segundo semestre pela HBO.
Quando se começa a acompanhar uma história, seja ela contada em livro, filme, série, música ou até mesmo oralmente, o mínimo que se espera é que ela tenha um começo, um meio e um fim. É claro que esse conceito precisa ser adaptável, principalmente no contexto de produções televisivas, afinal, o meio e o fim da maioria delas não dependem exatamente da vontade de seus idealizadores. Quantas vezes vimos shows que foram cancelados antes de alcançar sua conclusão desejada, ou até o contrário, shows que se estenderam para além do que foram pensados (estou falando com você, Supernatural)? Depois de cem episódios divididos de forma incomum em cinco temporadas, dá para dizer que Gotham é uma exceção. Ela tinha um ponto de partida claro, mas nunca soube onde (e consequentemente, como) queria chegar.
E quando não se sabe aonde quer chegar... qualquer caminho serve.
Apesar do gosto ruim que a temporada final deixou na boca e da falta de uma ‘conexão espiritual’ entre as temporadas, Gotham teve sim seus ótimos momentos. A maioria deles ligados a construção de personagem e ao trabalho de seus intérpretes. As várias ascensões e quedas que construíram a persona de Oswald Cobblepot, muito bem interpretado por Robin Lord Taylor, merecem destaque. A evolução de personagens que começaram discretos como Alfred (Sean Pertwee), Edward Nygma (Cory Michael Smith) e Lee Thompkins (Morena Baccarin), além dos personagens que tiveram vida curta, mas marcante graças ao talento de Michael Chiklis, John Doman e Jada Pinkett Smith. Mas um caso que merece uma atenção especial é o de Cameron Monaghan. Ele foi escalado para uma participação que seria quase um easter egg na primeira temporada, interpretando um personagem que poderia vir a ser num futuro distante ele, o Joker, o Palhaço, o Coringa. No entanto, sua performance foi tão forte que rendeu não apenas um retorno, mas a transformação de um coadjuvante irrelevante na figura que movimentou a trama nas três últimas temporadas. Cameron foi a cara de uma reformulação na origem de um dos personagens mais icônicos dos quadrinhos e do cinema, e simplesmente deu um show.
Ainda que a trama tenha levado seu(s) personagem(ns) para lugares não muito legais e o texto muitas vezes bobo e super expositivo não tenha ajudado muito, Monaghan criou versões distintas e convincentes de Coringa ao longo dos anos. Facilmente está entre as melhores encarnações do personagem, ainda que seu nome jamais tenha sido citado de verdade.
Em última análise, Gotham foi uma verdadeira metamorfose ambulante nesses cinco anos de exibição. Seu primeiro ano foi um procedural policial dos mais genéricos em estrutura, com casos da semana se destacando, enquanto a investigação da morte dos Wayne por parte de um novato e quase puro James Gordon, se desenrolava ao fundo. Muito pouco para diferenciá-la de outras dezenas de séries policias que estão televisão afora há muitos anos.
A partir do segundo ano as coisas mudaram, os casos da semana dão lugar a uma trama mais longa, que ocupa a primeira metade da temporada. A relação de Gordon com o assassinato que está ligado a origem do herói da cidade sai de cena, surge a relação de Gordon com o submundo do crime e o passado da cidade, além dos constantes testes a moralidade do protagonista. Até ali dava para chamar Gordon de protagonista, pelo menos.
A decisão de dividir a temporada ao meio e ocupar cada metade com um arco dramático próprio foi muito inteligente e esses arcos funcionavam em si mesmos, como boas graphic novels, mas a falta de “coesão artística” sempre esteve no encalço do show. Gotham que começou no limite de um realismo bizarro, mas com uma emulação noir muito clara, foi se transformando numa fantasia quadrinhesca gótica e se encerrou quase tão camp quanto a série do Adam West.
Essa transformação também foi sentida esteticamente, mas não de forma natural, e sim como um descuido na continuidade. A cidade cinza, nublada, fotografada em tons de sépia foi ficando mais escura e com mais neon e depois ficou clara, com ares de metrópole comum. É quase como se saíssemos da Gotham de Zack Snyder pra Gotham de Tim Burton e acabássemos na Gotham de Christopher Nolan, em sua versão de O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Para além da mudança de estrutura narrativa e de visual, hoje é difícil dizer sobre o que foi a série Gotham, afinal. No começo era sobre um iniciante James Gordon e o Departamento de Polícia da Cidade; depois passou a ser sobre Gotham e seus demônios, ou quão bizarra a cidade era a ponto de precisar de um vigilante vestido de morcego; em seus momentos mais frágeis foi sobre um jovem Bruce Wayne, num atrapalhado begins do begins; e em sua última temporada foi sobre coisa alguma, foi um pretexto para amontoar fan services e focar excessivamente na criação de uma mitologia que jamais seria abordada, com um episódio final praticamente desconectado do que foi construído até então, com cara de piloto rejeitado pelo canal CW.
Com um conjunto da obra pouco memorável, Gotham encerra sua jornada de altos e baixos de uma forma decepcionante e que não deixará saudades.
Há 80 anos, o engenheiro elétrico Semyon Davidovich Kirlian descobriu, por acidente, um método de capturar fotograficamente a aura das pessoas, usando uma placa fotográfica conectada a certa voltagem de energia elétrica, projetando assim uma luminescência curiosa no contorno de seus corpos. Bom, pelo menos essa é a forma que alguns entusiastas da parapsicologia e do esoterismo encaram o fenômeno.
Padre Quevedo diria enfaticamente que isso non ecziste, que o contorno luminoso capturado pelo fotograma de Kirlian nada mais é do que a ionização dos gases e vapores exalados pelo corpo, através dos poros da pele. Nesse caso não importa muito se você é adepto do viés cientifico ou místico, basta entender que o fenômeno capturado pelo fotograma existe e rodeia todos os corpos e objetos, ainda que não possamos vê-lo.
La Frecuencia Kirlian é uma daquelas pérolas que se escondem nos confins do catálogo do Netflix. Uma série animada com episódios de aproximadamente dez minutos, criada por Cristian Ponce. Cada episódio traz um conto de terror independente, mantendo apenas o cenário em comum: Um não-lugar, fora dos mapas e registros, quase inalcançável por pessoas comuns.
Num programa de rádio que vai ao ar todas as noites, a noite toda, um apresentador recebe ligações e conta histórias sombrias que acontecem na cidade de Kirlian, remota e desconhecida em algum lugar da Argentina. Quem é o apresentador ou os personagens das histórias não importa muito, sejam moradores ou visitantes do lugarejo, afinal, sequer conseguimos ver seus rostos. Apenas contornos escuros e olhos brilhantes.
A Cidade de Kirlian é a protagonista aqui, uma protagonista estranha e perturbadora. A gente nunca sabe ao certo o que envolve essa cidade e nem se os cidadãos têm consciência do que acontece em suas ruas, praças e casas. Alguns parecem ser pegos de surpresa pelas loucuras, outros soam bastante familiarizados com o horror que está à espreita. Sabemos apenas que forasteiros não são bem-vindos.
Tem ecos de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft e Stephen King (o último citado nominalmente) e uma técnica de animação bastante característica, concentrada em sombras, contraste e cores escuras, lembrando um pouco o estilo utilizado no conto das Relíquias da Morte, em Harry Potter, mas com uma pegada mais neon, emulando o próprio efeito das fotografias Kirlian que eu citei no início.
Como o narrador é um locutor de rádio, a narrativa lembra um pouco esse estilo, se assemelhando também a alguns podcasts no formato story telling, principalmente Welcome to Night Vale, um dos mais populares e cultuados podcasts da atualidade. Nesse contexto, fica o elogio ao elenco de dubladores brasileiros que trabalhou na adaptação, não sei dizer se por algum bug, mas a versão com áudio original não estava disponível na Netflix.
Se você é um adepto das narrativas curtas de terror, gosta de séries como Além da Imaginação, Visões Noturnas ou Contos da Cripta, A Frequência Kirlian é uma boa escolha. Um esforço criativo bem original e carismático.
Grant Morrison é um maluco. Qualquer um que tenha lido um quadrinho escrito pelo escocês sabe disso. Mesmo nos seus momentos de sobriedade com a Liga da Justiça, a insanidade conceitual do roteirista estava presente. Não é de se surpreender que uma história que tenha como protagonistas um ex-policial degenerado e um unicórnio azul imaginário tenha saído da sua mente genial e doentia. Não é de se surpreender também que a adaptação de uma obra assim saia do canal SyFy. O que talvez surpreenda é que resultado seja uma das séries mais divertidas da atualidade.
Se a sinopse da série já foi longe demais pra você, melhor nem tentar continuar. É só o começo da total loucura que foi essa primeira temporada de Happy! Enquanto nas entrelinhas acontece uma trama policial convencional, digna de qualquer filme meia boca do Domingo Maior, na sua cara estão sendo jogados personagens que vão de um Papai Noel do Inferno (e não são todos?), até um assassino com fantasias sexuais peculiares e um apresentador de programas infantis com sérios desvios de personalidade. É claro, sem esquecer o unicórnio azul imaginário.
Mas não vamos creditar toda a insanidade ao material fonte, é preciso um diretor tão maluco quanto para dar vida a certas ideias, e aí entra o ótimo trabalho de Brian Taylor, que tem no seu portfólio passagens como Jason Statham transando no meio de um pista de corrida de cavalos, ou ligando uma bateria de carro aos mamilos em Adrenalina 1 e 2, ou Nicolas Cage mijando fogo em Motoqueiro Fantasma: Espirito de Vingança, ou o Nicolas Cage tentando matar os próprios filhos com uma serra tico-tico ao lado de Selma Blair no recente Mom and Dad. E isso não tá nem próximo do que ele “executa” nos cinco episódios que dirige.
Mas para além de uma trama policial e um exercício de degeneração, Happy! conta uma história de redenção natalina. Sim, como se fosse um encontro entre Um Homem de Família e Vicio Frenético, dois filmes com o Nicolas Cage, temos um homem numa espiral de drogas, álcool e autodestruição, mas que no fundo tenta recuperar sua família. Nick Sax é um personagem para quem torcemos ao mesmo tempo em que apreciamos sua desgraça, fisicamente falando. Ele é uma mistura bizarra de John McLane com Wile Coyote, que apanha mais que boi ladrão mas sempre tenta de novo.
E claro, não podemos deixar de falar de Happy, o cavalo azul imaginário, inocente, cheio de boas intenções e até meio bocó, antes de ter contato com o submundo de mafiosos, traficantes e torturadores, é claro. Acredite, o personagem animado brilhantemente dublado por Patton Oswalt é a coisa mais normal que vemos em tela. São oito episódios em que você se pega constantemente pensando “que porra é essa que eu acabei de ver?”
Happy! é uma série agridoce, com um senso de humor bizarro e nenhuma moralidade. É extremamente violenta, mas uma violência caricata, típica dos quadrinhos. É a pedida certa para o fã de experiências estranhas.
Bing. Talvez você se lembre dele. Não, não é aquele buscador, um dos muitos googles genéricos que tem por aí. Bing é o protagonista de Fifteen Million Merits, aquele episódio das bicicletas lá na primeira temporada. É, já faz um tempo, mas talvez você se lembre da trajetória dele. Basicamente, ele cansou daquele ciclo onde tudo se resumia a coisas rasas, a pedalar para consumir, e resolveu botar o dedo na ferida. Subiu no palco e criticou tudo e todos, o sistema, a sociedade, as pessoas mesmo. Todo mundo amou. Mas a revolta genuína fez sucesso demais pra ser um ato isolado. Logo ele virou um produto, sua dose de crítica e revolta semanal. Perdeu toda sua substância, é verdade, mas as pessoas ainda amavam. Mesmo sendo só uma repetição.
Como algo tão marcante, que toca em temas profundos e nos mostra um lado nocivo da nossa vida, pode perder significado tão rapidamente? Virou um produto qualquer.
Netflix, you got to let me know Should I stay or should I go?
Acho que os irmãos Duffer não aguentaram a pressão. Achei a temporada fraquíssima. Vou listar alguns dos problemas dessa temporada pra mim. Um dos maiores méritos de Stranger Things na temporada anterior foi trabalhar bem com familiaridades. Os arquétipos de personagem repetidos exaustivamente desde os anos 80 receberam um bom tratamento, mesmo que sem tanta profundidade. E nessa temporada, os irmãos Duffer sequer se esforçaram em trazer arquétipos novos, eles apenas substituíram os personagens. Steve, o bad boy da temporada anterior, alcançou um tipo de “redenção” e foi substituído por Billy. Eleven, a garota “diferente” que foi abraçada pelo grupo de amigos foi se aventurar em outro núcleo, foi trocada por Max. Mudaram-se os nomes, mas o esqueleto é o mesmo. E esses personagens são apenas objetos pro roteiro, já que nenhum deles ganha desenvolvimento no decorrer dos episódios.
Outro erro foi particionar demais os arcos. Enquanto na temporada anterior tínhamos três arcos principais, o grupo das crianças, o trio Steve-Nancy-Jonathan e a dupla Joyce e Hopper, que convergiram no final, nessa temporada temos no mínimo seis mini arcos que não tem nada de relevante para contar. O grupo e a dinâmica entre as crianças, ponto forte do ano um, foi desmantelado, jogando um pra cada lado e tirando toda a importância das ações de cada um. Mike, até então protagonista, foi escanteado e virou nada mais que um papagaio de pirata de Joyce, na busca de ajudar o garoto Will. Esse excesso de mini-histórias acarretou na total quebra de ritmo da temporada. A fluidez que nos fez encarar Stranger Things como “um filme de oito horas” morreu. O excesso de pontos para focar fez a história ficar travada, cinco episódios se passaram e a trama simplesmente não saiu do lugar. E os produtores perceberam isso, tanto que apelaram para um artificio pouco utilizado até então, ao fim de cada capítulo um cliffhanger, para não deixar a atenção se perder e deixando a experiência, antes fluída, totalmente episódica.
Falemos de dois “personagens” inseridos nessa temporada. E as aspas nos personagens é por que eles não são personagens de fato, não tem profundidade ou desenvolvimento para tal. Eles são os famosos plot devices, que foram adicionados da forma mais safada possível. Bob Newby, que também atende a cota de arquétipos dos anos 80, o gordinho nerd bonachão que em algum momento vai se mostrar mais bad ass do que o esperado. Ele aparece do nada e desde o principio sabemos seu destino, sacrificar-se em um momento para que não se queime um protagonista. Dito e feito. A segunda é Kali, a irmã perdida, que ganha um episódio inteiro apenas para exercer sua função: mostrar a Eleven como canalizar seu poder. Apesar dos outros ganchos deixados, essa é sua função primordial.
Há outros pontos bastante questionáveis sobre essa temporada, por exemplo, como Nancy sabia que ao marcar um encontro com os pais da Barbs seria levada para o QG do mal e poderia gravar uma confissão? Por que o jornalista conspirólogo saiu da cidade no meio da investigação? O quão estranha é a relação de cárcere privado a qual Hopper submete Eleven? E não me venha falar de proteção, é só ver a reação dele ao saber que Eleven foi dar um passeio pra perceber que não é saudável a situação em que ela se encontra. Como a garota que mal sabe ver as horas vira caroneira e vai parar em outro estado sozinha? De onde surgiu a ligação maternal de Eleven? Por que os meninos não brincam mais, onde está o RPG (além dos comentários forçadíssimos no último episódio), os passeios de bike?
Os dois últimos episódios foram um pouco superiores aos demais, mesmo que de forma atabalhoada. Por que no fundo, os problemas que se construíram no início da temporada já vieram com uma sugestão de solução. E no fim, a solução foi exatamente aquela projetada no inicio. Os cinco episódios entre os dois primeiros e os dois últimos só serviram pra fazer os personagens rodarem por aí, sem grandes evoluções para a trama e nem para si mesmos. Não houve reviravolta, ou um novo obstáculo. O enredo seguiu exatamente o que se esperava dele, num molde bem parecido do que ocorreu no ano anterior, mas sem o fator novidade. E fica a pergunta, no que a história avançou de fato? A segunda temporada termina com os personagens em situação praticamente igual a anterior.
As referencias ainda estão lá, assim como o carisma do elenco, mas a impressão que ficou é que essa temporada só foi feita para não deixar as crianças espicharem demais, por que não havia nada de novo para mostrar. E também a conclusão de que é um padrão as séries do Netflix terem o dobro de episódios que o necessário. Quero ser otimista e pensar que essa temporada foi um ponto fora da curva, mas a verdade é que os Irmãos Duffer não parecem saber o que fazer com a série. E no momento também não sei o que fazer em relação a ela.
Rubem Alves tem um texto no qual diz que as pessoas são como donas de pensões, onde cada uma de nossas sub personalidades são hóspedes, que vez ou outra saem de seus quartos pra zoar no hall de entrada, deixando toda bagunça e responsabilidade pela algazarra nas costas de seu senhorio. David Haller não é como os outros, ou como nós. Ele não é dono de uma simples pensão com paredes brancas e janelas azuis, como diria Rubem Alves. Ele está mais para diretor de um manicômio projetado por Salvador Dalí, onde alguns quartos não tem porta e os internos caminham livremente pelos corredores.
Assistir Legion é como fazer um tour sem guia por esse manicômio, entrando e saindo de quartos bagunçados, passando por corredores com uma iluminação diferente e dando de cara com algumas salas trancadas. Salas onde encontraríamos as respostas, eu suponho, mas as quais ainda não temos acesso. Nesse tour encontramos alguns funcionários do local, pessoas que estão ali para ajudar o diretor a entender e controlar tudo o que acontece, mas que por vezes ficam tão perdidos quanto o próprio. Encontramos também os internos, que vivem tomando o controle e causando estragos sérios ao diretor, ao manicômio e até mesmo aos vizinhos que não tem nada a ver com situação.
Assistir Legion também é presenciar um espetáculo sensorial, que mistura inventividade narrativa com poesia visual. O conjunto de cores e sons cria todo um clima de psicodelia, com pitadas de surrealismo, sendo coerente com a construção da trama, que se passa e reflete, em sua maioria, uma mente perturbada e cheia de conflitos. Os trabalhos de iluminação, edição e mixagem de som ganham uma importância narrativa rara de se ver por aí, pois elas não trabalham apenas na construção das situações, mas são manifestações claras das atitudes e habilidades dos personagens.
Mas assim como nem todo mundo teria estrutura para fazer um tour por um manicômio, por motivos óbvios, nem todo mundo terá o desprendimento necessário para comprar a proposta de Legion, por motivos que ficam mais claros no decorrer dos episódios, mas que são sentidos logo de cara. Por exemplo, ao anunciar Legion como um spin-off dos X-Men, o show criado por Noah Hawley ganhou de presente o selo “série de super herói”, coisa que ela não é, pelo menos não nos moldes convencionais. Temos um ou outro conceito similar ao que vemos no universo dos X-Men, mas nada que conecte a série a esse universo. Até o termo mutante é utilizado com bastante cuidado aqui. Essa quebra de expectativas pode ser um dos fatores que tem mantido a audiência abaixo do esperado.
Outro fator que pode afastar o público é que Legion mantém um quê meio experimental, apesar de se adequar ao arquétipo de protagonista da moda, o cara mentalmente quebrado, com claros problemas psiquiátricos, seus caminhos narrativos, seu visual e até o fato de não estar posicionada em uma época especifica, são características não muito comuns na TV e com as quais o consumidor médio de séries pode não se conectar.
É inegável que Legion tem algo de diferente pra oferecer, e o faz com capricho na produção, com atores talentosíssimos e com bastante coragem em sua abordagem, mas é uma série que precisa tomar cuidado para não se perder na própria loucura, ou vai acabar trancada num quarto falando sozinha.
House MD é um exemplo de série cultuada e popular que não me pegou. O pouco que vi achei chatíssima, tanto a estrutura quanto o personagem principal. Nosso santo não bateu. Então quando li a sinopse básica de Chance, nova série do Hulu, fiquei com os dois pés atrás. Série cujo título é o nome do protagonista, que é médico aparentemente fodão e interpretado por Hugh Laurie. Já vi esse filme antes, lá vem mais uma mistura de drama médico com procedural de investigação. Nada de novo no front, certo?
Errado. Muito errado. Chance não é um drama médico e passa longe, mas muito longe mesmo de ser um procedural genérico. Na verdade se trata do melhor exemplo de um thriller noir que eu vi recentemente. Se houvesse uma cartilha de como fazer uma obra noir, Chance seria a transposição dela para a TV. Com exceção da fotografia em preto e branco – que não é exatamente uma regra – todos os elementos que fazem um noir estão aqui. O clima de pessimismo e desesperança, os personagens com uma ambiguidade moral que chega a dar medo, uma femme fatale, pessoas obcecadas, policiais corruptos, assassinatos.
E esses elementos não estão jogados aqui, como uma simples colagem de referências ou algo do tipo. Chance tem uma história interessante a contar. E essa história é contada de forma inteligente, cadenciada, dosando as informações e construindo seus personagens de forma que, por mais que nos identifiquemos com eles, sempre nos mantemos em estado de alerta. A qualquer momento uma nova informação pode mudar o que sabemos e isso acontece frequentemente. É uma série de temas complexos, com uma construção sombria que escancara o senso de decadência que nos rodeia.
A maior riqueza da série são seus personagens, especialmente os quatro que são os motores da trama, Chance, Jaclyn, D e Raymond. Eles apresentam uma complexidade inquietante desde o primeiro momento em que aparecem e essa complexidade não é apenas uma pista falsa, que faz você ficar desconfiado simplesmente para manter o interesse na série. Ela é bem fundamentada, todos os atos, por mais questionáveis que sejam, tem uma motivação real. A medida que a trama vai se desenvolvendo, nossa impressão sobre cada um deles vai mudando e quem é vitima se torna criminoso e vice-e-versa. É uma série que realmente mexe com nossa noção de moralidade, que realmente nos faz questionar se os fins justificam os meios.
O elenco também merece o devido destaque. Que ator fantástico é o Hugh Laurie, a construção de Eldon Chance é impecável, a “involução” do personagem é sentida no olhar, na postura, você percebe o homem definhando moralmente, você sente a sanidade abalada em cada reação, em cada movimento e em cada fio de cabelo que, aparentemente, vai desistindo no decorrer da série. Ethan Suplee interpreta o gigante D, que vai do adorável para o assustador em questão de segundos, mesmo mantendo uma expressão impassível na maior parte do tempo. Sua história é a mais intrigante da série, seu personagem tem muitas camadas e é bastante complicado entende-lo. Sabemos que o seu passado traumático é responsável por suas ações, mas é difícil conectar uma razão aos seus atos. Mesmo assim, D é o personagem mais carismático da série.
Ainda temos Gretchen Mol, que surge como vitima indefesa e passa a se revelar muito mais do que isso. É muito bom vê-la como alguém que está constantemente impersonando alguém, e que sempre parece estar sendo pega na mentira e ativando um gatilho de improvisação. Outra personagem cheia de camadas. E por fim, o policial corrupto Raymond, vivido por Paul Adelstein, um homem perigoso e assustador, que tem menos construção do que os outros três, mas que ainda sim consegue se fazer notar.
Enfim, Chance é uma grande série, inteligente, bem construída e que realmente mexe com quem assiste. Tem pessoas de gabarito na produção, como Lenny Abrahamson, diretor de O Quarto de Jack, que produz e dirige alguns episódios.
Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo, disse o escritor americano Ernest Hemingway em seu livro “Por quem os sinos dobram”, citanto o poeta inglês John Donne. E sabemos disso, o ser humano é o tal do animal social, cujos instintos obrigaram desde tempos primórdios a conviver em grupos, como uma forma de contornar e superar suas limitações e medos. E em tempos em que somos escravos de nossas próprias necessidades, sempre focados no eu, no sentido mais externo e superficial da expressão, acabamos nos esquecendo um pouco disso, pelo menos até estarmos correndo algum tipo de perigo.
The OA é a nova série original do Netflix, criada pela talentosissíma dupla Brit Marling e Zal Batmanglij, responsáveis pelos excelentes A Outra Terra, A Seita Misteriosa e O Sistema. E é bom que se fique claro por aqui, se você conhece e não gosta desses filmes, dificilmente The OA será uma série pra você, já que o show funciona como uma condensação dos conceitos e estruturas deles, especialmente os dois primeiros. O estilo, o desenvolvimento e até mesmo a base temática conversa bastante com esses outros projetos. Na trama, conhecemos Prairie Johnson (Brit), uma jovem que volta para casa sete anos após desaparecer misteriosamente. Para aumentar o mistério, ela que era cega quando sumiu, voltou enxergando. Ela não fala para ninguém sobre as circunstâncias de seu desaparecimento ou o que aconteceu nesses anos, exceto para um seleto e disfuncional grupo de cinco pessoas que acabara de conhecer e do qual subjetivamente passamos a fazer parte.
Há quem diga que a morte é o maior medo do ser humano. E é uma aposta bastante válida, essa. Mas sabendo de sua inevitabilidade, porque haveríamos de temer? Talvez o medo não seja da morte em si. Teorizamos, pesquisamos e inventamos diversas possibilidades do que pode acontecer depois da morte. Queremos que exista algo, que não seja realmente o fim, mas porquê? Talvez o nosso apego ao mundo material nos faça ter medo do fim, pois ele é vago, incerto e vazio. É como estar sozinho no escuro e não enxergar nada. Não fazer mais parte do mundo como conhecemos. No fundo talvez seja isso, as maiores dores humanas nascem do sentimento de não fazer parte. Não temos medo da morte, temos medo da solidão, do sentimento de não fazer parte de nada.
E voltamos ao tal do animal social, pertencer a um grupo é saudável para nós. Ter alguém com quem compartilhemos o minimo de afinidade, o menor interesse ou objetivo em comum, nos mantém vivos. E quando não encontramos isso em nossas famílias ou amigos, nós formamos novos grupos, nem que para isso tenhamos que nos forçar a acreditar nesse interesse em comum, seja um projeto, uma ideia ou até mesmo uma crença em um suposto ser angelical que faz belos passos de dança contemporânea.
Essa ideia de pertencimento nos ajuda em outros âmbitos também, por que nós seres humanos possuímos uma característica bastante nobre, que pode ser vista como um instinto grupal ou como um dom, nós sentimos a dor do outro. E somos – pelo menos alguns de nós – compelidos a deixar nosso próprio sofrimento de lado para tentar aliviar o sofrimento do próximo. Ajudar os outros nos ajuda. Veja o grupo que se forma ao redor de Prairie, pessoas com todos os tipos de sofrimento, luto, desamor, sacrifício, arrependimento, pessoas deslocadas e sozinhas, que se encontram nesse grupo, e que se esquecem por um momento de seus próprios problemas para ajudar o outro. E nesse momento nem importa quais são as intenções ocultas por trás do gesto.
A narrativa de The OA nos insere nesse contexto de pertencimento, afinal, estamos naquela roda ouvindo a história de Prairie junto com os demais. E compartilhamos de todas as sensações que eles vivem, a desconfiança, o encantamento, a credulidade e até a decepção em certo ponto dos episódios. E se você também acreditou e depois se decepcionou com o desenrolar dos fatos, talvez valha dizer que o desfecho brinca com a magia da simplicidade. Não é necessário um feixe de luz interdimensional, quando uma simples coreografia da Sia resolve o problema, e isso não torna a intervenção menos “milagrosa”, não é mesmo?
Enfim, The OA faz jus ao currículo e ao que este que vos escreve espera desses realizadores. Brinca com ficção cientifica e fantasia, se guia por um mistério, mas é só a capa para um drama que trata de forma cadenciada sobre o nosso senso de pertencimento e sobre a nossa relação com aquele mal irremediável que é a morte, voltando a nos lembrar que é por nós que os sinos dobram.
Escolha o viés metafórico que você quiser, o gênesis judaico-cristão, o mito da caverna de Platão, as pílulas azuis ou vermelhas de Matrix ou a teoria da mente bicameral de Julian Jaynes. Em suas visões e teorizações distintas essas fórmulas visam explicar o mesmo fenômeno, a ignição da auto-consciência humana. Bem como a trama criada por Jonathan Nolan e Lisa Joy em Westworld, que o faz numa embalagem de ficção cientifica pautada por mistérios e quebra-cabeças. O que se prova cada vez mais o grande talento dos irmãos Nolan, trabalhar temas complexos e relevantes em embalagens acessíveis e por que não dizer, comerciais.
Havia no paraíso inúmeras árvores com inúmeros frutos, mas duas delas tinham um valor maior do que as demais: a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” Diz o livro do Gênesis, em seu segundo capítulo, nos versículos dezesseis e dezessete. Havia também no paraíso o mais astuto dos animais, que tentou e convenceu Eva a comer do fruto da árvore proibida. Estava cometido o pecado original. O crime que resultou na expulsão de Adão e Eva do Paraíso. O crime da consciência.
A ficção cientifica desde sempre se disfarçou de previsão do futuro para escancarar de forma mais palatável e lúdica nosso presente e passado. E em Westworld isso está mais presente do que nunca. A série explora as filosofias por trás do que é ser humano de forma pessimista, inclinando-se a afirmar que a origem da consciência é o inicio de nossos problemas e de nossa ruína como espécie, especulando as maneiras que encontramos diariamente para fugirmos dessa descoberta, analisando os caminhos que buscamos para voltar para nossa caverna. É o que fazemos ao mecanizar nossas vidas. “A autoconsciência não é uma jornada para o alto, mas uma jornada para dentro.” E por isso nos apegamos as coisas externas, por mais banais e efêmeras que sejam.
Estamos totalmente na contramão dos anfitriões. A existência do parque é a prova disso. Enquanto eles dão passos em direção a humanidade, os humanos dão passos em direção á barbárie. Westworld é o lugar para roubar, matar e estuprar sem remorsos. O lugar para abandonar qualquer senso de civilidade e moral. O que pode ser menos humano do que isso? Westworld também desafia as noções de liberdade individual, de poder de escolha, de destino ou da aleatoriedade dos fatos, ao fazer um personagem que representava bem o livre-arbítrio, se tornar apenas mais uma marionete de uma história que já está escrita.
Mas nem só de divagações filosóficas vive essa primeira temporada. Westworld funciona perfeitamente como um “simples” mistério a ser resolvido. Com uma narrativa inteligente que abusa da não linearidade, usando diversos artifícios como rimas visuais, linhas de diálogo soltas e coincidências para deixar pistas àqueles fãs ávidos por teorias e especulações. E satisfaz ao oferecer repostas coerentes para as perguntas levantadas, fazendo desses dez primeiros episódios uma obra coesa que se encerra em si mesma, se necessário.
Tem uma produção impecável, uma trilha sonora sensacional e ainda um show de atuação por parte de Evan Rachel-Wood, Thandie Newton, Ed Harris e Jeffrey Wright, além de uma verdadeira aula de Anthony Hopkins, que coloca o Dr. Ford no seu rol de grandes criações.
Westworld é uma obra importantíssima, pois vai muito além de entreter, ela questiona e leva o espectador a também fazê-lo. Uma ficção cientifica muito bem pensada e conduzida, que sem a menor sombra de dúvida, é a grande série de 2016.
Há vários estudos que confirmam algo que já sabemos há algum tempo: o lugar-comum nos agrada. Gostamos do conhecido, do repetido. Por isso vemos o mesmo filme dez vezes, pelo fato de que o nosso cérebro já sabe a recompensa que vai receber, seja satisfação, emoção alegria ou relaxamento. E por que é mais seguro também, arriscar experimentar algo novo aumenta a chance de decepção. Creio que, talvez em menor escala, essa teoria também se aplique a fórmulas. Nós nos apegamos a elas. No fundo nós amamos os clichês, basta que eles sejam minimamente bem trabalhados. E Goliath faz isso de forma primorosa, sem arriscar ou inovar, mas sendo honesto em suas pretensões e métodos.
Goliath acompanha William “Billy” McBride, um advogado que já fora grande coisa, co-fundador de uma gigantesca firma de advocacia, mas que hoje encara a decadência, graças ás consequências de um grande caso, que o levou ao alcoolismo e consequentemente ao divórcio. Mas Billy tem a chance de dar a volta por cima, ou pelo menos colocar algumas coisas nos trilhos, quando aceita um caso contra uma grande empresa de segurança e fabricante de armamentos, que coincidentemente é representada por seu antigo escritório. E o que parece um caso relativamente simples, acaba desencadeando acontecimentos que colocam em risco não só sua chance de redenção, como sua própria vida.
É uma sinopse clichê, sim, e nem podemos dizer que ela é trabalhada de forma inovadora. A estrutura da série é bem comum, com um desenvolvimento de narrativa equilibrado e uma sucessão de mistérios que sempre conseguem segurar o espectador por pelo menos mais um episódio. Mas se as maiores qualidades de Goliath não estão na história em si e nem na forma de conta-la, onde elas estão? O que a fez se tornar a série mais vista da história do serviço de streaming da Amazon, em apenas dez dias?
Se eu fosse apostar, diria que foi o conjunto atores/personagens. O elenco de Goliath é primoroso e seus personagens são muito bons, cada um no seu estilo. A começar por Billy McBride, vivido por Billy Bob Thornton, personagem que evoluí e involui no decorrer da temporada, nas mãos de um dedicado Thornton, com sua postura e olhar melancólicos, que nos mostra sem nos dizer o homem que ele foi um dia. Um advogado que ao mesmo tempo busca certa redenção, sofre com os baques do caso e acaba minguando suas forças por causa disso. Uma atuação que deve ser agraciada com algumas indicações nos prêmios por aí.
Como seu Golias, temos o personagem de William Hurt, que se diverte ao compor um vilão com características caricaturais dignas de um oponente de James Bond. Ele tem aversão a claridade, tem parte do rosto deformado, ouve música clássica, fica isolado no topo de um prédio e traz em si aquele tipo de serenidade assustadora. Maria Bello é Michelle, ex-mulher de Billy e uma das sócias do grande escritório, e constrói a personagem que parece ser a ilha de bom senso em meio ao oceano de absurdos que os outros personagens cometem. E Maria consegue transparecer em poucas aparições, o fato de que sua personagem é quem mais tem coisas em jogo nesse imbróglio todo. E são só os três destaques, ainda temos muitos outros atores dedicados aos seus bons personagens, como Olivia Thirlby, Nina Arianda, Molly Parker, Diana Hopper, Tania Raymonde e Harold Perrineau.
Goliath é o tipo de série que não dói. Entretenimento honesto que se ancora em seu belo elenco e na familiaridade de seus temas para cativar o espectador. Não é revolucionária, mas é agradável e tem tudo pra ser a série de tribunal que você vai querer ver.
Se fosse para descrever essa primeira temporada em apenas uma palavra, com certeza seria “estranha”. No sentido de fugir de padrões, tanto de desenvolvimento de narrativa, quanto da criação do terror propriamente dito. Por meio de flashbacks vamos descobrindo os acontecimentos do passado e como eles se conectam com os do presente. E por meio de uma fotografia esfumaçada que cria uma atmosfera quase onírica, somos sempre colocados em dúvida, se o que está sendo mostrado está acontecendo de fato ou não.
Fugindo do modus operandi do horror atual, Candle Cove escolhe um caminho minimalista para aterrorizar o espectador. Sem jump scares, sem alternações constantes de volume e sem trilhas sonoras opressoras. As coisas se desenrolam calmamente e as cenas mais assustadoras são inseridas sem aviso prévio, de forma quase casual, o que reforça ainda mais o nível de estranheza. Você sai de uma cena corriqueira para uma bizarríssima, depois volta para a cena corriqueira como se nada tivesse acontecido. É uma forma de chocar o espectador sem apelações, apenas pelo inesperado da situação.
Candle Cove também ganha pontos por um senso de familiaridade em muitos aspectos. Primeiro ao lidar com memória e nostalgia de uma forma inteligente, sabendo usar a questão das falhas e das lacunas que envolvem a maioria das nossas lembranças e a capacidade que elas tem de nos trair. Em segundo num sentido mais referencial, a série de Nick Antosca conversa com muitas obras populares e queridas nos mais diversos âmbitos. Impossível não lembrar do estilo Stephen King de se trabalhar o horror, da estética que ora evoca John Carpenter e ora vai de encontro a David Lynch. Ainda temos umas pitadas de Além de Imaginação aqui e um pouco de It Follows acolá.
E tem mais, em alguns momentos a série se apresenta como um “Stranger Things reverso”, onde a memória dos anos oitenta deixa de ser tratada como lugar de conforto e vira lugar de trauma. Onde o foco na personalidade infantil deixa de ser a inocência e o carisma, e passa a ser a crueldade e a volatilidade. Como se saíssemos de Goonies e fossemos direto para a Cidade dos Amaldiçoados.
A estranheza também está presente nas atuações, Paul Schneider tem um desempenho propositalmente incomodo. Sua fala, sua postura e suas expressões trazem uma aura de falsa tranquilidade, de falso controle, e ele sempre parece saber mais do que está dizendo. É uma atuação que dificulta a empatia por seu personagem, mas de forma proposital, o mesmo desconforto que temos com ele é o desconforto que os outros personagens tem em sua presença. Desconforto bem retratado por Fiona Shaw, por exemplo, que vive sua mãe, que nunca parece estar bem na companhia do filho, com um olhar sempre desconfiado e uma postura sempre de distanciamento.
Candle Cove conseguiu criar em seis episódios uma aura de horror psicológico fascinante, trabalhando com figuras e temas fáceis de conectar ao medo, como crianças assustadoras, televisões com estática, fantoches e bonecos bizarros e um incessante clima de pesadelo, mas trabalhando essas figuras comuns de uma forma pouco usual. É um começo mais do que promissor para essa antologia, que já tem a segunda temporada encomendada para 2017, onde adaptará outra famosa creepypasta, chamada A Casa Sem Fim. Dentre as várias opções de terror televisivo que temos hoje em dia, Candle Cove mostrou ser o mais criativo na forma de desenvolver sua história. Uma série que merece ser vista.
Origem (2ª Temporada)
3.7 141Os criadores resolveram levar o Ted Talk do JJ Abrams muito ao pé da letra. Eu li alguns comentários falando que "virou lost" em tom depreciativo, mas a real é que tudo o que eu queria é que tivesse virado Lost mesmo. Pelo menos em Lost os mistérios sem solução eram intercalados com alguns dos melhores desenvolvimentos de personagem da história da TV.
Aqui os personagens não só não foram melhor desenvolvidos, como o pouco de background que tinham na primeira temporada foi abandonado.
A complexa relação entre Boyd e o filho por conta da mãe? Não é mais tão complexa.
O trauma familiar que abalava a relação entre Jim e Tabitha? Praticamente esquecido.
Até a subtrama mais bobinha de aparente 'descoberta sexual' da Julie? Agora não, Julie.
Ah, e tinha uma menina ouvindo vozes e recebendo ordens, não? Não é importante.
O importante são as pistas, que vão levar a outras pistas, que vão levar a outras pistas, que vão levar a outras pistas...
Os Outros (1ª Temporada)
4.0 255Se Toma Lá Dá Cá fosse escrito pelo Nelson Rodrigues em vez do Miguel Fallabella.
Temporada boa até aqui, atuações incríveis (achei meio moralista colocar o adolescente violento jogando "jogos violentos" como se fosse parte da construção da persona, maior papo de tiozão).
Black Mirror (6ª Temporada)
3.3 600Minha teoria sobre Black Mirror é que o Charlie Brooker simplesmente percebeu que ele não conseguia ser mais distópico que a realidade. Parece loucura, mas os episódios de Black Mirror que 'chocaram o mundo' já tem 12 anos e de lá pra cá esse planeta se descaralhou de forma inacreditável.
Sério, um algoritmo de rede social ajudou a eleger um doritos de peruca que tentou golpear a dita "maior democracia do mundo". Tá rolando uma guerra na europa entre um país comandado por um lunático que acha que é um Czar do século 17, e outro governado pelo Odorico Paraguaçu do inferno, isso sem falar em pandemia, QAnom, catástrofes climáticas e tudo o mais de apocalíptico que já rolou de lá pra cá.
Hoje se a gente assistir uma galera pedalando por horas a fio pra ganhar umas migalhas, talvez confunda com um documentário sobre o Jeff Bezos. Um politico famoso transou com um porco? Puxa, deve ser terça feira.
The Boys (3ª Temporada)
4.2 560 Assista AgoraQuem assistiu Supernatural não se surpreenderá com esse final de temporada. Eric Kripke é incapaz de "encerrar ciclos" com seus personagens.
A temporada foi muito boa, mas no fim os caras deram uma "resetada" nos acontecimentos e todo mundo ficou na mesma situação em que estava antes dela começar.
Stranger Things (4ª Temporada)
4.2 1,0K Assista AgoraMetade de mim acha que faltou coragem no desfecho, a outra metade ficaria muito puta...
se eles realmente
matassem a Max.
Temporada excelente, no nível da primeira, destaque especial pra primeira parte que focou um pouco mais no horror.
Origem (1ª Temporada)
3.8 189 Assista AgoraEu gostei da premissa, do desenvolvimento de alguns dos personagens e da criação da atmosfera, mas no final eu lembrei da última grande greve de roteiristas lá de 2006/07, quando várias séries terminaram suas temporadas sem encerrá-las de fato.
Não foi um cliffhanger orgânico e bem construído, deu mais a impressão de que por algum motivo eles não conseguiram filmar o último capítulo e pararam no penúltimo.
E a série não só tem o clima de caixa de mistérios de Lost, como dá ao personagem do Harold Perrineau...
o mesmo grande dilema/peso emocional do Michael (seu personagem em Lost): ter que matar alguém para salvar o próprio filho e, não apenas conviver com a culpa pelos seus atos, como perder o contato com o filho mesmo assim.
Enfim, a série tem seus problemas mas também tem muito potencial.
Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1ª …
2.1 184Eu tenho absoluta certeza que esse era um daqueles roteiros que ficaram engavetados por anos e só conseguiram produzir quando decidiram usar o nome de uma franquia famosa.
A única semelhança com o filme é que alguém é atropelado no começo. Não tem nada de slasher aqui.
Stargirl (2ª Temporada)
3.7 18 Assista AgoraFiquei muito receoso com a ida da séria pro canal CW, mas conseguiu manter o bom nível da primeira temporada mesmo procurando outro tom.
Sweet Tooth (1ª Temporada)
4.1 295Pra mim a maior qualidade da série até aqui (estou no sexto episódio) é a boa estrutura da narrativa. Os episódios funcionam muito bem individualmente, mas sempre conseguem avançar com a história, você consegue ver os personagens evoluindo e a trama caminhando, um capítulo nunca acaba no mesmo lugar do anterior (física e "espiritualmente").
Tem várias outras qualidades também, mas essa me saltou aos olhos por que eu acabei de ver a segunda temporada de Servant e a primeira de Invincible, duas séries em que a história simplesmente não andava.
Amor, Morte e Robôs (Volume 2)
3.8 371É impressionante como as "grandes séries" originais da Netflix vão perdendo qualidade gradativamente. Desde House of Cards, passando por Stranger Things, Black Mirror e agora Love, Death and Robots, todas com primeiras temporadas ótimas e continuações fraquíssimas.
Nessa aqui só sobrou o estilo e a qualidade técnica, nenhuma história memorável.
Mistérios sem Solução (Volume 1)
3.8 142 Assista AgoraFaltou só a apresentação do Domingos Meirelles pra ser uma versão de Linha Direta.
Terrores Urbanos (1ª Temporada)
3.2 26Temos que admitir que está sendo mais fácil ser um entusiasta do terror no cinema brasileiro nos últimos tempos. Na rabeira do prestigio recuperado pelo gênero em Hollywood por filmes como O Babadook, Hereditário, It Follows, entre outros – ainda que alguns resistam a chamar essas obras de ‘filme de terror’ – os cineastas brasileiros lançaram algumas peças interessantíssimas do tipo, como O Animal Cordial e As Boas Maneiras recentemente, além de esforços bem honestos como O Diabo Mora Aqui e Quando Eu Era Vivo um tempinho atrás.
Infelizmente na TV o cenário é outro. Sequer podemos dizer que o gênero engatinha, mas talvez estejamos começando a rastejar, e para isso produções como Terrores Urbanos se fazem válidas e muito importantes, ainda que tropecem nas próprias pernas de vez em quando.
Terrores Urbanos é uma série em cinco episódios, produzida pela Sentimental Filmes para o Play Plus, serviço de streaming da Rede Record, que apresenta versões modernizadas de lendas urbanas muito populares no Brasil nas décadas de 80 e 90, como a Loira do Banheiro, a Gangue dos Palhaços, o Quadro do Menino que Chora, o Boneco Amigão (o Fofão sem direitos autorais) e o Homem do Saco. A criação de Maristela Mattos e Thais Falcão tem como característica marcante não parecer uma série brasileira. E isso vale para aspectos positivos e negativos.
Nos aspectos positivos podemos citar a qualidade da produção em si, que em nada deixa a desejar a produções internacionais. A elaboração dos cenários e dos figurinos, fotografia e principalmente a direção. As tomadas burocráticas típicas da dramaturgia na TV aberta não são vistas aqui. Há um capricho na montagem e nos enquadramentos também, com uma movimentação de câmeras que emula bem os padrões de obras americanas do gênero, apesar de alguns exageros aqui ou ali.
Mas no lado negativo temos a estranheza na ambientação dos episódios, com exceção feita ao quinto deles, se não fossem falados em português seria difícil localizar as histórias numa realidade brasileira, especialmente nos dois primeiros capítulos. Temos escolas super elitizadas, mansões com sistemas de segurança moderníssimos… não que isso não exista no Brasil, mas o nome Terrores Urbanos evoca um outro tipo de ambientação.
E a verdade é que falta história para se contar em Terrores Urbanos. As lendas urbanas sozinhas não sustentam episódios de quarenta minutos por que, convenhamos, são narrativas bastante superficiais. Elas funcionam bem na oralidade por contarem com o preenchimento cultural de cada local do país e por nossa fértil imaginação também. E quando coube aos roteiristas dar sustância a essas narrativas, faltou talento. Até existe uma boa contextualização, pincelando temáticas atuais como bulimia, violência doméstica, o stress da maternidade e do trabalho, entre outros temas, mas para nisso.
Essa falta de história acaba tornando a série absolutamente formulaica, onde todos os episódios repetem a mesma estrutura baseada no protagonista caminhando em direção a um surto psicótico, com a lenda se materializando no background, utilizando até mesmo as mesmas manifestações. Em literalmente todos os episódios tem uma ou mais cenas de sonho ou alucinação, ou de personagens interagindo com “coisas” que não exatamente o que eles pensam que são. E esses são apenas alguns exemplos de estratégias repetidas exaustivamente. É literalmente como se tivesse uma forminha onde todos os episódios foram gerados.
Dada essa falta do que contar e também do excesso de repetições do roteiro, a capacidade de funcionar como suspense ou terror fica a cargo da capacidade de cada diretor em criar uma boa atmosfera e do bom desempenho de seu elenco. E nesses quesitos os melhores resultados são alcançados por Juliana Rojas, em O Quadro do Menino que Chora, e Felipe Adami, em A Gangue dos Palhaços, seguido por Fernando Coimbra (O Lobo Atrás da Porta) em O Homem do Saco. Rojas e Coimbra não conseguem repetir seus desempenhos nos fracos Boneco Amigão e A Loira do Banheiro, respectivamente.
Em resumo, Terrores Urbanos não vai marcar época na televisão, nem mudar a forma como o público da tv aberta encara esse gênero, mas ele pode ser mais um passo rumo a aceitação do estilo. Tem resultados irregulares graças a falta de força do seu texto e ao desempenho desigual do elenco, mas o talento de seus diretores consegue extrair um clima capaz de pelo menos entreter uma horinha por dia.
Patrulha do Destino (1ª Temporada)
4.2 156 Assista Agora“Ugh, mais uma série de TV sobre super-heróis. É tudo o que o mundo precisa agora.”
Ironiza Eric Morden na primeira frase do primeiro episódio de Doom Patrol, antes de explicar ao espectador que o que viria a seguir não era bem uma série sobre super-heróis, mas sobre um grupo de perdedores, patéticos e tão dignos de pena, que talvez fizessem você mesmo se sentir melhor a respeito da própria mediocridade depois de assistir.
Soa um pouco pretensioso, não? Até soa, mas acredite, vale a pena.
O adjetivo mais apropriado para a primeira temporada de Doom Patrol é diferente, começando pela sua estrutura. Analisando a vasta oferta de séries baseadas em quadrinhos de herói, vamos notar duas formas predominantes de execução de narrativa, que podemos resumir como o modo CW e o modo Netflix. No modo CW, o arco da temporada é desenvolvido a conta gotas, em vinte episódios com histórias individuais (e sempre muito parecidas) com começo, meio e fim que contribuem muito pouco pra trama principal.
O modo Netflix, por sua vez, aposta na lógica de “filmes de 10 horas”, diluindo homeopaticamente a trama principal em dez ou treze episódios, que são nada mais do que a quantidade de cenas que couber em divisões de quarenta minutos. Basta pensar nas grandes séries de TV, como Sopranos, Lost, Breaking Bad e até mesmo Game of Thrones (apesar do desfecho tão criticado) para reconhecer um padrão na execução da narrativa que não se parece nem um pouco com os modelos citados. Essas séries têm uma noção muito clara do que deve ser um episódio, uma peça da história que funcione individualmente, avance a trama principal, mas não ofereça um desfecho simulado ou se renda a cliffhangers fajutos. E Doom Patrol entende muito bem isso.
Outro elogio que se deve fazer baseado na diferença de Doom Patrol para produtos do seu tipo, falando aqui especialmente de Titans, sua predecessora nesse universo, está na importância dada aos protagonistas da história. Enquanto Titans foge de desenvolver seus protagonistas para investir em uma apresentação de contexto e personagens secundários, Doom Patrol é focado na construção de seu quinteto principal. Usando interações entre eles, contato com coadjuvantes e flashbacks muito bem colocados, cada personagem é desenvolvido de forma convincente, tornando-se absolutamente tridimensionais, mudando e evoluindo com o passar dos episódios.
Nota-se uma versão bem intensa de ‘um conto de natal’ na construção dos personagens, pois temos pessoas que sentiram o gosto do sucesso, da vida perfeita - Cliff fora uma estrela do automobilismo, Rita do cinema, Larry era um respeitado militar, Victor um proeminente atleta juvenil - mas não eram exatamente boas pessoas, até que perderam quase que literalmente tudo, suas carreiras, suas famílias e até mesmo seus corpos e sua época, e só assim aprenderam a valorizar o lugar a qual pertencem e as pessoas a sua volta.
Parece meio triste? E é. Na essência Doom Patrol fala muito sobre medo, tristeza, aceitação e segundas chances, mas envelopando esse drama todo está um senso de humor absolutamente bizarro e surreal, que começa com um narrador autoconsciente que conduz, interfere e zomba da história que está contando, e vai até uma barata que acredita ser o novo messias. E acredite, isso está longe de ser a situação mais non-sense da temporada.
A qualidade de Doom Patrol também está aliada a um desempenho espetacular do seu elenco principal, formado por Alan Tudyk, Diane Guerrero, April Bowlby, Matt Bomer, Joivan Wade, Timothy Dalton e, já que falamos de segundas chances, Brendan Fraser. Que baita retorno, Brendan Fraser. O trabalho de dublagem dele e de Matt Bomer é incrível, passam todas as variações emocionais e nuances de personalidade de dois personagens bastante complexos apenas usando a voz. April Bowlby também merece destaque, constrói uma diva de outra época de forma totalmente convincente.
Doom Patrol entrou com certa facilidade no rol de melhores séries baseadas em quadrinhos. É engraçada, surreal, criativa, não se leva a sério demais, tem personagens bem construídos, tecnicamente apresenta soluções de fotografia, movimentos de câmera e efeitos práticos que driblam o orçamento baixo e reforçam o talento dos envolvidos no projeto. São quinze episódios que valem cada minuto do seu tempo.
Doom Patrol deve chegar ao Brasil no segundo semestre pela HBO.
Gotham (5ª Temporada)
3.6 89 Assista AgoraQuando se começa a acompanhar uma história, seja ela contada em livro, filme, série, música ou até mesmo oralmente, o mínimo que se espera é que ela tenha um começo, um meio e um fim. É claro que esse conceito precisa ser adaptável, principalmente no contexto de produções televisivas, afinal, o meio e o fim da maioria delas não dependem exatamente da vontade de seus idealizadores. Quantas vezes vimos shows que foram cancelados antes de alcançar sua conclusão desejada, ou até o contrário, shows que se estenderam para além do que foram pensados (estou falando com você, Supernatural)? Depois de cem episódios divididos de forma incomum em cinco temporadas, dá para dizer que Gotham é uma exceção. Ela tinha um ponto de partida claro, mas nunca soube onde (e consequentemente, como) queria chegar.
E quando não se sabe aonde quer chegar... qualquer caminho serve.
Apesar do gosto ruim que a temporada final deixou na boca e da falta de uma ‘conexão espiritual’ entre as temporadas, Gotham teve sim seus ótimos momentos. A maioria deles ligados a construção de personagem e ao trabalho de seus intérpretes. As várias ascensões e quedas que construíram a persona de Oswald Cobblepot, muito bem interpretado por Robin Lord Taylor, merecem destaque. A evolução de personagens que começaram discretos como Alfred (Sean Pertwee), Edward Nygma (Cory Michael Smith) e Lee Thompkins (Morena Baccarin), além dos personagens que tiveram vida curta, mas marcante graças ao talento de Michael Chiklis, John Doman e Jada Pinkett Smith.
Mas um caso que merece uma atenção especial é o de Cameron Monaghan. Ele foi escalado para uma participação que seria quase um easter egg na primeira temporada, interpretando um personagem que poderia vir a ser num futuro distante ele, o Joker, o Palhaço, o Coringa. No entanto, sua performance foi tão forte que rendeu não apenas um retorno, mas a transformação de um coadjuvante irrelevante na figura que movimentou a trama nas três últimas temporadas. Cameron foi a cara de uma reformulação na origem de um dos personagens mais icônicos dos quadrinhos e do cinema, e simplesmente deu um show.
Ainda que a trama tenha levado seu(s) personagem(ns) para lugares não muito legais e o texto muitas vezes bobo e super expositivo não tenha ajudado muito, Monaghan criou versões distintas e convincentes de Coringa ao longo dos anos. Facilmente está entre as melhores encarnações do personagem, ainda que seu nome jamais tenha sido citado de verdade.
Em última análise, Gotham foi uma verdadeira metamorfose ambulante nesses cinco anos de exibição. Seu primeiro ano foi um procedural policial dos mais genéricos em estrutura, com casos da semana se destacando, enquanto a investigação da morte dos Wayne por parte de um novato e quase puro James Gordon, se desenrolava ao fundo. Muito pouco para diferenciá-la de outras dezenas de séries policias que estão televisão afora há muitos anos.
A partir do segundo ano as coisas mudaram, os casos da semana dão lugar a uma trama mais longa, que ocupa a primeira metade da temporada. A relação de Gordon com o assassinato que está ligado a origem do herói da cidade sai de cena, surge a relação de Gordon com o submundo do crime e o passado da cidade, além dos constantes testes a moralidade do protagonista. Até ali dava para chamar Gordon de protagonista, pelo menos.
A decisão de dividir a temporada ao meio e ocupar cada metade com um arco dramático próprio foi muito inteligente e esses arcos funcionavam em si mesmos, como boas graphic novels, mas a falta de “coesão artística” sempre esteve no encalço do show. Gotham que começou no limite de um realismo bizarro, mas com uma emulação noir muito clara, foi se transformando numa fantasia quadrinhesca gótica e se encerrou quase tão camp quanto a série do Adam West.
Essa transformação também foi sentida esteticamente, mas não de forma natural, e sim como um descuido na continuidade. A cidade cinza, nublada, fotografada em tons de sépia foi ficando mais escura e com mais neon e depois ficou clara, com ares de metrópole comum. É quase como se saíssemos da Gotham de Zack Snyder pra Gotham de Tim Burton e acabássemos na Gotham de Christopher Nolan, em sua versão de O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Para além da mudança de estrutura narrativa e de visual, hoje é difícil dizer sobre o que foi a série Gotham, afinal. No começo era sobre um iniciante James Gordon e o Departamento de Polícia da Cidade; depois passou a ser sobre Gotham e seus demônios, ou quão bizarra a cidade era a ponto de precisar de um vigilante vestido de morcego; em seus momentos mais frágeis foi sobre um jovem Bruce Wayne, num atrapalhado begins do begins; e em sua última temporada foi sobre coisa alguma, foi um pretexto para amontoar fan services e focar excessivamente na criação de uma mitologia que jamais seria abordada, com um episódio final praticamente desconectado do que foi construído até então, com cara de piloto rejeitado pelo canal CW.
Com um conjunto da obra pouco memorável, Gotham encerra sua jornada de altos e baixos de uma forma decepcionante e que não deixará saudades.
A Frequência Kirlian (1ª Temporada)
4.0 79Há 80 anos, o engenheiro elétrico Semyon Davidovich Kirlian descobriu, por acidente, um método de capturar fotograficamente a aura das pessoas, usando uma placa fotográfica conectada a certa voltagem de energia elétrica, projetando assim uma luminescência curiosa no contorno de seus corpos. Bom, pelo menos essa é a forma que alguns entusiastas da parapsicologia e do esoterismo encaram o fenômeno.
Padre Quevedo diria enfaticamente que isso non ecziste, que o contorno luminoso capturado pelo fotograma de Kirlian nada mais é do que a ionização dos gases e vapores exalados pelo corpo, através dos poros da pele. Nesse caso não importa muito se você é adepto do viés cientifico ou místico, basta entender que o fenômeno capturado pelo fotograma existe e rodeia todos os corpos e objetos, ainda que não possamos vê-lo.
La Frecuencia Kirlian é uma daquelas pérolas que se escondem nos confins do catálogo do Netflix. Uma série animada com episódios de aproximadamente dez minutos, criada por Cristian Ponce. Cada episódio traz um conto de terror independente, mantendo apenas o cenário em comum: Um não-lugar, fora dos mapas e registros, quase inalcançável por pessoas comuns.
Num programa de rádio que vai ao ar todas as noites, a noite toda, um apresentador recebe ligações e conta histórias sombrias que acontecem na cidade de Kirlian, remota e desconhecida em algum lugar da Argentina. Quem é o apresentador ou os personagens das histórias não importa muito, sejam moradores ou visitantes do lugarejo, afinal, sequer conseguimos ver seus rostos. Apenas contornos escuros e olhos brilhantes.
A Cidade de Kirlian é a protagonista aqui, uma protagonista estranha e perturbadora. A gente nunca sabe ao certo o que envolve essa cidade e nem se os cidadãos têm consciência do que acontece em suas ruas, praças e casas. Alguns parecem ser pegos de surpresa pelas loucuras, outros soam bastante familiarizados com o horror que está à espreita. Sabemos apenas que forasteiros não são bem-vindos.
Tem ecos de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft e Stephen King (o último citado nominalmente) e uma técnica de animação bastante característica, concentrada em sombras, contraste e cores escuras, lembrando um pouco o estilo utilizado no conto das Relíquias da Morte, em Harry Potter, mas com uma pegada mais neon, emulando o próprio efeito das fotografias Kirlian que eu citei no início.
Como o narrador é um locutor de rádio, a narrativa lembra um pouco esse estilo, se assemelhando também a alguns podcasts no formato story telling, principalmente Welcome to Night Vale, um dos mais populares e cultuados podcasts da atualidade. Nesse contexto, fica o elogio ao elenco de dubladores brasileiros que trabalhou na adaptação, não sei dizer se por algum bug, mas a versão com áudio original não estava disponível na Netflix.
Se você é um adepto das narrativas curtas de terror, gosta de séries como Além da Imaginação, Visões Noturnas ou Contos da Cripta, A Frequência Kirlian é uma boa escolha. Um esforço criativo bem original e carismático.
Feliz! (1ª Temporada)
4.1 79 Assista AgoraGrant Morrison é um maluco. Qualquer um que tenha lido um quadrinho escrito pelo escocês sabe disso. Mesmo nos seus momentos de sobriedade com a Liga da Justiça, a insanidade conceitual do roteirista estava presente. Não é de se surpreender que uma história que tenha como protagonistas um ex-policial degenerado e um unicórnio azul imaginário tenha saído da sua mente genial e doentia. Não é de se surpreender também que a adaptação de uma obra assim saia do canal SyFy. O que talvez surpreenda é que resultado seja uma das séries mais divertidas da atualidade.
Se a sinopse da série já foi longe demais pra você, melhor nem tentar continuar. É só o começo da total loucura que foi essa primeira temporada de Happy! Enquanto nas entrelinhas acontece uma trama policial convencional, digna de qualquer filme meia boca do Domingo Maior, na sua cara estão sendo jogados personagens que vão de um Papai Noel do Inferno (e não são todos?), até um assassino com fantasias sexuais peculiares e um apresentador de programas infantis com sérios desvios de personalidade. É claro, sem esquecer o unicórnio azul imaginário.
Mas não vamos creditar toda a insanidade ao material fonte, é preciso um diretor tão maluco quanto para dar vida a certas ideias, e aí entra o ótimo trabalho de Brian Taylor, que tem no seu portfólio passagens como Jason Statham transando no meio de um pista de corrida de cavalos, ou ligando uma bateria de carro aos mamilos em Adrenalina 1 e 2, ou Nicolas Cage mijando fogo em Motoqueiro Fantasma: Espirito de Vingança, ou o Nicolas Cage tentando matar os próprios filhos com uma serra tico-tico ao lado de Selma Blair no recente Mom and Dad. E isso não tá nem próximo do que ele “executa” nos cinco episódios que dirige.
Mas para além de uma trama policial e um exercício de degeneração, Happy! conta uma história de redenção natalina. Sim, como se fosse um encontro entre Um Homem de Família e Vicio Frenético, dois filmes com o Nicolas Cage, temos um homem numa espiral de drogas, álcool e autodestruição, mas que no fundo tenta recuperar sua família. Nick Sax é um personagem para quem torcemos ao mesmo tempo em que apreciamos sua desgraça, fisicamente falando. Ele é uma mistura bizarra de John McLane com Wile Coyote, que apanha mais que boi ladrão mas sempre tenta de novo.
E claro, não podemos deixar de falar de Happy, o cavalo azul imaginário, inocente, cheio de boas intenções e até meio bocó, antes de ter contato com o submundo de mafiosos, traficantes e torturadores, é claro. Acredite, o personagem animado brilhantemente dublado por Patton Oswalt é a coisa mais normal que vemos em tela. São oito episódios em que você se pega constantemente pensando “que porra é essa que eu acabei de ver?”
Happy! é uma série agridoce, com um senso de humor bizarro e nenhuma moralidade. É extremamente violenta, mas uma violência caricata, típica dos quadrinhos. É a pedida certa para o fã de experiências estranhas.
Black Mirror (4ª Temporada)
3.8 1,3K Assista AgoraBing. Talvez você se lembre dele. Não, não é aquele buscador, um dos muitos googles genéricos que tem por aí. Bing é o protagonista de Fifteen Million Merits, aquele episódio das bicicletas lá na primeira temporada. É, já faz um tempo, mas talvez você se lembre da trajetória dele. Basicamente, ele cansou daquele ciclo onde tudo se resumia a coisas rasas, a pedalar para consumir, e resolveu botar o dedo na ferida. Subiu no palco e criticou tudo e todos, o sistema, a sociedade, as pessoas mesmo. Todo mundo amou. Mas a revolta genuína fez sucesso demais pra ser um ato isolado. Logo ele virou um produto, sua dose de crítica e revolta semanal. Perdeu toda sua substância, é verdade, mas as pessoas ainda amavam. Mesmo sendo só uma repetição.
Como algo tão marcante, que toca em temas profundos e nos mostra um lado nocivo da nossa vida, pode perder significado tão rapidamente? Virou um produto qualquer.
Isso é muito Black Mirror, né?
Stranger Things (2ª Temporada)
4.3 1,6KNetflix, you got to let me know
Should I stay or should I go?
Acho que os irmãos Duffer não aguentaram a pressão. Achei a temporada fraquíssima. Vou listar alguns dos problemas dessa temporada pra mim. Um dos maiores méritos de Stranger Things na temporada anterior foi trabalhar bem com familiaridades. Os arquétipos de personagem repetidos exaustivamente desde os anos 80 receberam um bom tratamento, mesmo que sem tanta profundidade. E nessa temporada, os irmãos Duffer sequer se esforçaram em trazer arquétipos novos, eles apenas substituíram os personagens. Steve, o bad boy da temporada anterior, alcançou um tipo de “redenção” e foi substituído por Billy. Eleven, a garota “diferente” que foi abraçada pelo grupo de amigos foi se aventurar em outro núcleo, foi trocada por Max. Mudaram-se os nomes, mas o esqueleto é o mesmo. E esses personagens são apenas objetos pro roteiro, já que nenhum deles ganha desenvolvimento no decorrer dos episódios.
Outro erro foi particionar demais os arcos. Enquanto na temporada anterior tínhamos três arcos principais, o grupo das crianças, o trio Steve-Nancy-Jonathan e a dupla Joyce e Hopper, que convergiram no final, nessa temporada temos no mínimo seis mini arcos que não tem nada de relevante para contar. O grupo e a dinâmica entre as crianças, ponto forte do ano um, foi desmantelado, jogando um pra cada lado e tirando toda a importância das ações de cada um. Mike, até então protagonista, foi escanteado e virou nada mais que um papagaio de pirata de Joyce, na busca de ajudar o garoto Will. Esse excesso de mini-histórias acarretou na total quebra de ritmo da temporada. A fluidez que nos fez encarar Stranger Things como “um filme de oito horas” morreu. O excesso de pontos para focar fez a história ficar travada, cinco episódios se passaram e a trama simplesmente não saiu do lugar. E os produtores perceberam isso, tanto que apelaram para um artificio pouco utilizado até então, ao fim de cada capítulo um cliffhanger, para não deixar a atenção se perder e deixando a experiência, antes fluída, totalmente episódica.
Falemos de dois “personagens” inseridos nessa temporada. E as aspas nos personagens é por que eles não são personagens de fato, não tem profundidade ou desenvolvimento para tal. Eles são os famosos plot devices, que foram adicionados da forma mais safada possível. Bob Newby, que também atende a cota de arquétipos dos anos 80, o gordinho nerd bonachão que em algum momento vai se mostrar mais bad ass do que o esperado. Ele aparece do nada e desde o principio sabemos seu destino, sacrificar-se em um momento para que não se queime um protagonista. Dito e feito. A segunda é Kali, a irmã perdida, que ganha um episódio inteiro apenas para exercer sua função: mostrar a Eleven como canalizar seu poder. Apesar dos outros ganchos deixados, essa é sua função primordial.
Há outros pontos bastante questionáveis sobre essa temporada, por exemplo, como Nancy sabia que ao marcar um encontro com os pais da Barbs seria levada para o QG do mal e poderia gravar uma confissão? Por que o jornalista conspirólogo saiu da cidade no meio da investigação? O quão estranha é a relação de cárcere privado a qual Hopper submete Eleven? E não me venha falar de proteção, é só ver a reação dele ao saber que Eleven foi dar um passeio pra perceber que não é saudável a situação em que ela se encontra. Como a garota que mal sabe ver as horas vira caroneira e vai parar em outro estado sozinha? De onde surgiu a ligação maternal de Eleven? Por que os meninos não brincam mais, onde está o RPG (além dos comentários forçadíssimos no último episódio), os passeios de bike?
Os dois últimos episódios foram um pouco superiores aos demais, mesmo que de forma atabalhoada. Por que no fundo, os problemas que se construíram no início da temporada já vieram com uma sugestão de solução. E no fim, a solução foi exatamente aquela projetada no inicio. Os cinco episódios entre os dois primeiros e os dois últimos só serviram pra fazer os personagens rodarem por aí, sem grandes evoluções para a trama e nem para si mesmos. Não houve reviravolta, ou um novo obstáculo. O enredo seguiu exatamente o que se esperava dele, num molde bem parecido do que ocorreu no ano anterior, mas sem o fator novidade. E fica a pergunta, no que a história avançou de fato? A segunda temporada termina com os personagens em situação praticamente igual a anterior.
As referencias ainda estão lá, assim como o carisma do elenco, mas a impressão que ficou é que essa temporada só foi feita para não deixar as crianças espicharem demais, por que não havia nada de novo para mostrar. E também a conclusão de que é um padrão as séries do Netflix terem o dobro de episódios que o necessário. Quero ser otimista e pensar que essa temporada foi um ponto fora da curva, mas a verdade é que os Irmãos Duffer não parecem saber o que fazer com a série. E no momento também não sei o que fazer em relação a ela.
Legion (1ª Temporada)
4.2 287 Assista AgoraRubem Alves tem um texto no qual diz que as pessoas são como donas de pensões, onde cada uma de nossas sub personalidades são hóspedes, que vez ou outra saem de seus quartos pra zoar no hall de entrada, deixando toda bagunça e responsabilidade pela algazarra nas costas de seu senhorio. David Haller não é como os outros, ou como nós. Ele não é dono de uma simples pensão com paredes brancas e janelas azuis, como diria Rubem Alves. Ele está mais para diretor de um manicômio projetado por Salvador Dalí, onde alguns quartos não tem porta e os internos caminham livremente pelos corredores.
Assistir Legion é como fazer um tour sem guia por esse manicômio, entrando e saindo de quartos bagunçados, passando por corredores com uma iluminação diferente e dando de cara com algumas salas trancadas. Salas onde encontraríamos as respostas, eu suponho, mas as quais ainda não temos acesso. Nesse tour encontramos alguns funcionários do local, pessoas que estão ali para ajudar o diretor a entender e controlar tudo o que acontece, mas que por vezes ficam tão perdidos quanto o próprio. Encontramos também os internos, que vivem tomando o controle e causando estragos sérios ao diretor, ao manicômio e até mesmo aos vizinhos que não tem nada a ver com situação.
Assistir Legion também é presenciar um espetáculo sensorial, que mistura inventividade narrativa com poesia visual. O conjunto de cores e sons cria todo um clima de psicodelia, com pitadas de surrealismo, sendo coerente com a construção da trama, que se passa e reflete, em sua maioria, uma mente perturbada e cheia de conflitos. Os trabalhos de iluminação, edição e mixagem de som ganham uma importância narrativa rara de se ver por aí, pois elas não trabalham apenas na construção das situações, mas são manifestações claras das atitudes e habilidades dos personagens.
Mas assim como nem todo mundo teria estrutura para fazer um tour por um manicômio, por motivos óbvios, nem todo mundo terá o desprendimento necessário para comprar a proposta de Legion, por motivos que ficam mais claros no decorrer dos episódios, mas que são sentidos logo de cara. Por exemplo, ao anunciar Legion como um spin-off dos X-Men, o show criado por Noah Hawley ganhou de presente o selo “série de super herói”, coisa que ela não é, pelo menos não nos moldes convencionais. Temos um ou outro conceito similar ao que vemos no universo dos X-Men, mas nada que conecte a série a esse universo. Até o termo mutante é utilizado com bastante cuidado aqui. Essa quebra de expectativas pode ser um dos fatores que tem mantido a audiência abaixo do esperado.
Outro fator que pode afastar o público é que Legion mantém um quê meio experimental, apesar de se adequar ao arquétipo de protagonista da moda, o cara mentalmente quebrado, com claros problemas psiquiátricos, seus caminhos narrativos, seu visual e até o fato de não estar posicionada em uma época especifica, são características não muito comuns na TV e com as quais o consumidor médio de séries pode não se conectar.
É inegável que Legion tem algo de diferente pra oferecer, e o faz com capricho na produção, com atores talentosíssimos e com bastante coragem em sua abordagem, mas é uma série que precisa tomar cuidado para não se perder na própria loucura, ou vai acabar trancada num quarto falando sozinha.
Chance (1ª Temporada)
3.5 18House MD é um exemplo de série cultuada e popular que não me pegou. O pouco que vi achei chatíssima, tanto a estrutura quanto o personagem principal. Nosso santo não bateu. Então quando li a sinopse básica de Chance, nova série do Hulu, fiquei com os dois pés atrás. Série cujo título é o nome do protagonista, que é médico aparentemente fodão e interpretado por Hugh Laurie. Já vi esse filme antes, lá vem mais uma mistura de drama médico com procedural de investigação. Nada de novo no front, certo?
Errado. Muito errado. Chance não é um drama médico e passa longe, mas muito longe mesmo de ser um procedural genérico. Na verdade se trata do melhor exemplo de um thriller noir que eu vi recentemente. Se houvesse uma cartilha de como fazer uma obra noir, Chance seria a transposição dela para a TV. Com exceção da fotografia em preto e branco – que não é exatamente uma regra – todos os elementos que fazem um noir estão aqui. O clima de pessimismo e desesperança, os personagens com uma ambiguidade moral que chega a dar medo, uma femme fatale, pessoas obcecadas, policiais corruptos, assassinatos.
E esses elementos não estão jogados aqui, como uma simples colagem de referências ou algo do tipo. Chance tem uma história interessante a contar. E essa história é contada de forma inteligente, cadenciada, dosando as informações e construindo seus personagens de forma que, por mais que nos identifiquemos com eles, sempre nos mantemos em estado de alerta. A qualquer momento uma nova informação pode mudar o que sabemos e isso acontece frequentemente. É uma série de temas complexos, com uma construção sombria que escancara o senso de decadência que nos rodeia.
A maior riqueza da série são seus personagens, especialmente os quatro que são os motores da trama, Chance, Jaclyn, D e Raymond. Eles apresentam uma complexidade inquietante desde o primeiro momento em que aparecem e essa complexidade não é apenas uma pista falsa, que faz você ficar desconfiado simplesmente para manter o interesse na série. Ela é bem fundamentada, todos os atos, por mais questionáveis que sejam, tem uma motivação real. A medida que a trama vai se desenvolvendo, nossa impressão sobre cada um deles vai mudando e quem é vitima se torna criminoso e vice-e-versa. É uma série que realmente mexe com nossa noção de moralidade, que realmente nos faz questionar se os fins justificam os meios.
O elenco também merece o devido destaque. Que ator fantástico é o Hugh Laurie, a construção de Eldon Chance é impecável, a “involução” do personagem é sentida no olhar, na postura, você percebe o homem definhando moralmente, você sente a sanidade abalada em cada reação, em cada movimento e em cada fio de cabelo que, aparentemente, vai desistindo no decorrer da série. Ethan Suplee interpreta o gigante D, que vai do adorável para o assustador em questão de segundos, mesmo mantendo uma expressão impassível na maior parte do tempo. Sua história é a mais intrigante da série, seu personagem tem muitas camadas e é bastante complicado entende-lo. Sabemos que o seu passado traumático é responsável por suas ações, mas é difícil conectar uma razão aos seus atos. Mesmo assim, D é o personagem mais carismático da série.
Ainda temos Gretchen Mol, que surge como vitima indefesa e passa a se revelar muito mais do que isso. É muito bom vê-la como alguém que está constantemente impersonando alguém, e que sempre parece estar sendo pega na mentira e ativando um gatilho de improvisação. Outra personagem cheia de camadas. E por fim, o policial corrupto Raymond, vivido por Paul Adelstein, um homem perigoso e assustador, que tem menos construção do que os outros três, mas que ainda sim consegue se fazer notar.
Enfim, Chance é uma grande série, inteligente, bem construída e que realmente mexe com quem assiste. Tem pessoas de gabarito na produção, como Lenny Abrahamson, diretor de O Quarto de Jack, que produz e dirige alguns episódios.
The OA (Parte 1)
4.1 981 Assista AgoraNenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo, disse o escritor americano Ernest Hemingway em seu livro “Por quem os sinos dobram”, citanto o poeta inglês John Donne. E sabemos disso, o ser humano é o tal do animal social, cujos instintos obrigaram desde tempos primórdios a conviver em grupos, como uma forma de contornar e superar suas limitações e medos. E em tempos em que somos escravos de nossas próprias necessidades, sempre focados no eu, no sentido mais externo e superficial da expressão, acabamos nos esquecendo um pouco disso, pelo menos até estarmos correndo algum tipo de perigo.
The OA é a nova série original do Netflix, criada pela talentosissíma dupla Brit Marling e Zal Batmanglij, responsáveis pelos excelentes A Outra Terra, A Seita Misteriosa e O Sistema. E é bom que se fique claro por aqui, se você conhece e não gosta desses filmes, dificilmente The OA será uma série pra você, já que o show funciona como uma condensação dos conceitos e estruturas deles, especialmente os dois primeiros. O estilo, o desenvolvimento e até mesmo a base temática conversa bastante com esses outros projetos. Na trama, conhecemos Prairie Johnson (Brit), uma jovem que volta para casa sete anos após desaparecer misteriosamente. Para aumentar o mistério, ela que era cega quando sumiu, voltou enxergando. Ela não fala para ninguém sobre as circunstâncias de seu desaparecimento ou o que aconteceu nesses anos, exceto para um seleto e disfuncional grupo de cinco pessoas que acabara de conhecer e do qual subjetivamente passamos a fazer parte.
Há quem diga que a morte é o maior medo do ser humano. E é uma aposta bastante válida, essa. Mas sabendo de sua inevitabilidade, porque haveríamos de temer? Talvez o medo não seja da morte em si. Teorizamos, pesquisamos e inventamos diversas possibilidades do que pode acontecer depois da morte. Queremos que exista algo, que não seja realmente o fim, mas porquê? Talvez o nosso apego ao mundo material nos faça ter medo do fim, pois ele é vago, incerto e vazio. É como estar sozinho no escuro e não enxergar nada. Não fazer mais parte do mundo como conhecemos. No fundo talvez seja isso, as maiores dores humanas nascem do sentimento de não fazer parte. Não temos medo da morte, temos medo da solidão, do sentimento de não fazer parte de nada.
E voltamos ao tal do animal social, pertencer a um grupo é saudável para nós. Ter alguém com quem compartilhemos o minimo de afinidade, o menor interesse ou objetivo em comum, nos mantém vivos. E quando não encontramos isso em nossas famílias ou amigos, nós formamos novos grupos, nem que para isso tenhamos que nos forçar a acreditar nesse interesse em comum, seja um projeto, uma ideia ou até mesmo uma crença em um suposto ser angelical que faz belos passos de dança contemporânea.
Essa ideia de pertencimento nos ajuda em outros âmbitos também, por que nós seres humanos possuímos uma característica bastante nobre, que pode ser vista como um instinto grupal ou como um dom, nós sentimos a dor do outro. E somos – pelo menos alguns de nós – compelidos a deixar nosso próprio sofrimento de lado para tentar aliviar o sofrimento do próximo. Ajudar os outros nos ajuda. Veja o grupo que se forma ao redor de Prairie, pessoas com todos os tipos de sofrimento, luto, desamor, sacrifício, arrependimento, pessoas deslocadas e sozinhas, que se encontram nesse grupo, e que se esquecem por um momento de seus próprios problemas para ajudar o outro. E nesse momento nem importa quais são as intenções ocultas por trás do gesto.
A narrativa de The OA nos insere nesse contexto de pertencimento, afinal, estamos naquela roda ouvindo a história de Prairie junto com os demais. E compartilhamos de todas as sensações que eles vivem, a desconfiança, o encantamento, a credulidade e até a decepção em certo ponto dos episódios. E se você também acreditou e depois se decepcionou com o desenrolar dos fatos, talvez valha dizer que o desfecho brinca com a magia da simplicidade. Não é necessário um feixe de luz interdimensional, quando uma simples coreografia da Sia resolve o problema, e isso não torna a intervenção menos “milagrosa”, não é mesmo?
Enfim, The OA faz jus ao currículo e ao que este que vos escreve espera desses realizadores. Brinca com ficção cientifica e fantasia, se guia por um mistério, mas é só a capa para um drama que trata de forma cadenciada sobre o nosso senso de pertencimento e sobre a nossa relação com aquele mal irremediável que é a morte, voltando a nos lembrar que é por nós que os sinos dobram.
Westworld (1ª Temporada)
4.5 1,3KEscolha o viés metafórico que você quiser, o gênesis judaico-cristão, o mito da caverna de Platão, as pílulas azuis ou vermelhas de Matrix ou a teoria da mente bicameral de Julian Jaynes. Em suas visões e teorizações distintas essas fórmulas visam explicar o mesmo fenômeno, a ignição da auto-consciência humana. Bem como a trama criada por Jonathan Nolan e Lisa Joy em Westworld, que o faz numa embalagem de ficção cientifica pautada por mistérios e quebra-cabeças. O que se prova cada vez mais o grande talento dos irmãos Nolan, trabalhar temas complexos e relevantes em embalagens acessíveis e por que não dizer, comerciais.
Havia no paraíso inúmeras árvores com inúmeros frutos, mas duas delas tinham um valor maior do que as demais: a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” Diz o livro do Gênesis, em seu segundo capítulo, nos versículos dezesseis e dezessete. Havia também no paraíso o mais astuto dos animais, que tentou e convenceu Eva a comer do fruto da árvore proibida. Estava cometido o pecado original. O crime que resultou na expulsão de Adão e Eva do Paraíso. O crime da consciência.
A ficção cientifica desde sempre se disfarçou de previsão do futuro para escancarar de forma mais palatável e lúdica nosso presente e passado. E em Westworld isso está mais presente do que nunca. A série explora as filosofias por trás do que é ser humano de forma pessimista, inclinando-se a afirmar que a origem da consciência é o inicio de nossos problemas e de nossa ruína como espécie, especulando as maneiras que encontramos diariamente para fugirmos dessa descoberta, analisando os caminhos que buscamos para voltar para nossa caverna. É o que fazemos ao mecanizar nossas vidas. “A autoconsciência não é uma jornada para o alto, mas uma jornada para dentro.” E por isso nos apegamos as coisas externas, por mais banais e efêmeras que sejam.
Estamos totalmente na contramão dos anfitriões. A existência do parque é a prova disso. Enquanto eles dão passos em direção a humanidade, os humanos dão passos em direção á barbárie. Westworld é o lugar para roubar, matar e estuprar sem remorsos. O lugar para abandonar qualquer senso de civilidade e moral. O que pode ser menos humano do que isso? Westworld também desafia as noções de liberdade individual, de poder de escolha, de destino ou da aleatoriedade dos fatos, ao fazer um personagem que representava bem o livre-arbítrio, se tornar apenas mais uma marionete de uma história que já está escrita.
Mas nem só de divagações filosóficas vive essa primeira temporada. Westworld funciona perfeitamente como um “simples” mistério a ser resolvido. Com uma narrativa inteligente que abusa da não linearidade, usando diversos artifícios como rimas visuais, linhas de diálogo soltas e coincidências para deixar pistas àqueles fãs ávidos por teorias e especulações. E satisfaz ao oferecer repostas coerentes para as perguntas levantadas, fazendo desses dez primeiros episódios uma obra coesa que se encerra em si mesma, se necessário.
Tem uma produção impecável, uma trilha sonora sensacional e ainda um show de atuação por parte de Evan Rachel-Wood, Thandie Newton, Ed Harris e Jeffrey Wright, além de uma verdadeira aula de Anthony Hopkins, que coloca o Dr. Ford no seu rol de grandes criações.
Westworld é uma obra importantíssima, pois vai muito além de entreter, ela questiona e leva o espectador a também fazê-lo. Uma ficção cientifica muito bem pensada e conduzida, que sem a menor sombra de dúvida, é a grande série de 2016.
Goliath (1ª Temporada)
4.1 32 Assista AgoraHá vários estudos que confirmam algo que já sabemos há algum tempo: o lugar-comum nos agrada. Gostamos do conhecido, do repetido. Por isso vemos o mesmo filme dez vezes, pelo fato de que o nosso cérebro já sabe a recompensa que vai receber, seja satisfação, emoção alegria ou relaxamento. E por que é mais seguro também, arriscar experimentar algo novo aumenta a chance de decepção. Creio que, talvez em menor escala, essa teoria também se aplique a fórmulas. Nós nos apegamos a elas. No fundo nós amamos os clichês, basta que eles sejam minimamente bem trabalhados. E Goliath faz isso de forma primorosa, sem arriscar ou inovar, mas sendo honesto em suas pretensões e métodos.
Goliath acompanha William “Billy” McBride, um advogado que já fora grande coisa, co-fundador de uma gigantesca firma de advocacia, mas que hoje encara a decadência, graças ás consequências de um grande caso, que o levou ao alcoolismo e consequentemente ao divórcio. Mas Billy tem a chance de dar a volta por cima, ou pelo menos colocar algumas coisas nos trilhos, quando aceita um caso contra uma grande empresa de segurança e fabricante de armamentos, que coincidentemente é representada por seu antigo escritório. E o que parece um caso relativamente simples, acaba desencadeando acontecimentos que colocam em risco não só sua chance de redenção, como sua própria vida.
É uma sinopse clichê, sim, e nem podemos dizer que ela é trabalhada de forma inovadora. A estrutura da série é bem comum, com um desenvolvimento de narrativa equilibrado e uma sucessão de mistérios que sempre conseguem segurar o espectador por pelo menos mais um episódio. Mas se as maiores qualidades de Goliath não estão na história em si e nem na forma de conta-la, onde elas estão? O que a fez se tornar a série mais vista da história do serviço de streaming da Amazon, em apenas dez dias?
Se eu fosse apostar, diria que foi o conjunto atores/personagens. O elenco de Goliath é primoroso e seus personagens são muito bons, cada um no seu estilo. A começar por Billy McBride, vivido por Billy Bob Thornton, personagem que evoluí e involui no decorrer da temporada, nas mãos de um dedicado Thornton, com sua postura e olhar melancólicos, que nos mostra sem nos dizer o homem que ele foi um dia. Um advogado que ao mesmo tempo busca certa redenção, sofre com os baques do caso e acaba minguando suas forças por causa disso. Uma atuação que deve ser agraciada com algumas indicações nos prêmios por aí.
Como seu Golias, temos o personagem de William Hurt, que se diverte ao compor um vilão com características caricaturais dignas de um oponente de James Bond. Ele tem aversão a claridade, tem parte do rosto deformado, ouve música clássica, fica isolado no topo de um prédio e traz em si aquele tipo de serenidade assustadora. Maria Bello é Michelle, ex-mulher de Billy e uma das sócias do grande escritório, e constrói a personagem que parece ser a ilha de bom senso em meio ao oceano de absurdos que os outros personagens cometem. E Maria consegue transparecer em poucas aparições, o fato de que sua personagem é quem mais tem coisas em jogo nesse imbróglio todo. E são só os três destaques, ainda temos muitos outros atores dedicados aos seus bons personagens, como Olivia Thirlby, Nina Arianda, Molly Parker, Diana Hopper, Tania Raymonde e Harold Perrineau.
Goliath é o tipo de série que não dói. Entretenimento honesto que se ancora em seu belo elenco e na familiaridade de seus temas para cativar o espectador. Não é revolucionária, mas é agradável e tem tudo pra ser a série de tribunal que você vai querer ver.
Channel Zero: Candle Cove (1ª Temporada)
3.4 98Se fosse para descrever essa primeira temporada em apenas uma palavra, com certeza seria “estranha”. No sentido de fugir de padrões, tanto de desenvolvimento de narrativa, quanto da criação do terror propriamente dito. Por meio de flashbacks vamos descobrindo os acontecimentos do passado e como eles se conectam com os do presente. E por meio de uma fotografia esfumaçada que cria uma atmosfera quase onírica, somos sempre colocados em dúvida, se o que está sendo mostrado está acontecendo de fato ou não.
Fugindo do modus operandi do horror atual, Candle Cove escolhe um caminho minimalista para aterrorizar o espectador. Sem jump scares, sem alternações constantes de volume e sem trilhas sonoras opressoras. As coisas se desenrolam calmamente e as cenas mais assustadoras são inseridas sem aviso prévio, de forma quase casual, o que reforça ainda mais o nível de estranheza. Você sai de uma cena corriqueira para uma bizarríssima, depois volta para a cena corriqueira como se nada tivesse acontecido. É uma forma de chocar o espectador sem apelações, apenas pelo inesperado da situação.
Candle Cove também ganha pontos por um senso de familiaridade em muitos aspectos. Primeiro ao lidar com memória e nostalgia de uma forma inteligente, sabendo usar a questão das falhas e das lacunas que envolvem a maioria das nossas lembranças e a capacidade que elas tem de nos trair. Em segundo num sentido mais referencial, a série de Nick Antosca conversa com muitas obras populares e queridas nos mais diversos âmbitos. Impossível não lembrar do estilo Stephen King de se trabalhar o horror, da estética que ora evoca John Carpenter e ora vai de encontro a David Lynch. Ainda temos umas pitadas de Além de Imaginação aqui e um pouco de It Follows acolá.
E tem mais, em alguns momentos a série se apresenta como um “Stranger Things reverso”, onde a memória dos anos oitenta deixa de ser tratada como lugar de conforto e vira lugar de trauma. Onde o foco na personalidade infantil deixa de ser a inocência e o carisma, e passa a ser a crueldade e a volatilidade. Como se saíssemos de Goonies e fossemos direto para a Cidade dos Amaldiçoados.
A estranheza também está presente nas atuações, Paul Schneider tem um desempenho propositalmente incomodo. Sua fala, sua postura e suas expressões trazem uma aura de falsa tranquilidade, de falso controle, e ele sempre parece saber mais do que está dizendo. É uma atuação que dificulta a empatia por seu personagem, mas de forma proposital, o mesmo desconforto que temos com ele é o desconforto que os outros personagens tem em sua presença. Desconforto bem retratado por Fiona Shaw, por exemplo, que vive sua mãe, que nunca parece estar bem na companhia do filho, com um olhar sempre desconfiado e uma postura sempre de distanciamento.
Candle Cove conseguiu criar em seis episódios uma aura de horror psicológico fascinante, trabalhando com figuras e temas fáceis de conectar ao medo, como crianças assustadoras, televisões com estática, fantoches e bonecos bizarros e um incessante clima de pesadelo, mas trabalhando essas figuras comuns de uma forma pouco usual. É um começo mais do que promissor para essa antologia, que já tem a segunda temporada encomendada para 2017, onde adaptará outra famosa creepypasta, chamada A Casa Sem Fim. Dentre as várias opções de terror televisivo que temos hoje em dia, Candle Cove mostrou ser o mais criativo na forma de desenvolver sua história. Uma série que merece ser vista.