Um dos mais populares e celebrado escritores brasileiros, Luis Fernando Verissimo é o objeto de retrato do documentário “Verissimo”, dirigido e co-escrito por Angelo Defanti. O filme captura a rotina do escritor nas vésperas de seu 80º aniversário, em 2016.
Chama a atenção em “Verissimo” o contraste entre a euforia advinda da chegada do natalício e a rotina calma, envolta em acontecimentos quase frívolos, do retratado.
No documentário, Verissimo é mostrado em todos os papeis que desempenha: o marido amoroso, o pai, o avô, o escritor ativo que mantém-se em atividade (seja escrevendo, dando entrevistas, lançando livros e participando de eventos públicos) e o idoso marcado por questões de sua própria idade.
Porém, confesso que o que mais ficou comigo enquanto assistia a “Verissimo” foi perceber o quanto o escritor tem um caráter introvertido dentro de si mesmo. Ele é silencioso, um homem de poucas palavras. Em alguns momentos, ele pareceu desconfortável/melancólico diante de algumas situações. Ao ponto de eu me perguntar: quando ele se sente à vontade? Será se diante do computador, ao escrever? Será se diante de sua cuidadosa e amorosa esposa? Será se diante da inocência dos netos? Não sei.
O que eu sei é que “Verissimo” comprova que estamos diante de alguém admirado por anônimos, porém, principalmente, um homem que é extremamente amado pela sua família.
Poucas vezes eu assisti a um filme tão problemático quanto “Clube Zero”, obra dirigida e co-escrita por Jessica Hausner. O longa aborda um tema bastante sério: os transtornos alimentares e o negacionismo científico de uma forma bastante equivocada, para não dizer irresponsável.
Numa escola que funciona num regime de internato, a Ms. Novak (Mia Wasikowska) é contratada para dar uma disciplina a sete estudantes intitulada “Comer Consciente”. No método estabelecido pela Ms. Novak, a alimentação está relacionada ao consumismo excessivo e à preocupação com a sustentabilidade do mundo que habitamos.
Neste ponto, é importante fazermos um adendo. Transtornos alimentares, normalmente, estão relacionados a problemas emocionais. Na medida em que a trama de “Clube Zero” avança, percebemos que boa parte dos estudantes que compõem a turma da Ms. Novak possuem diversos tipos de questões emocionais, a maior parte delas ligada aos relacionamentos que eles possuem com pais permissivos/omissos e que transferem para a escola a sua parte na criação dos filhos.
Por isso, a abordagem de “Clube Zero” soa problemática e irresponsável. Ao tratar sobre um tema tão sério de uma forma enfática no fanatismo, no radicalismo, na sátira e no limite tênue que pode mexer com a própria sobrevivência desses adolescentes, a diretora e co-roteirista Jessica Hausner subestima o poder que o cinema possui de influência sob as plateias ao redor do mundo. Ao invés de educar com a sua história, a diretora preferiu seguir um caminho perigoso que pode persuadir, de forma negativa, parte do público que assistirá a essa história.
“Houve uma avalanche, ficamos apavorados, mas tudo ficou bem”.
Sabe quando você repete várias vezes a mesma coisa para se assegurar de que aquilo foi a verdade? A família formada pelo casal Tomas (Johannes Bah Kuhnke) e Ebba (Lisa Loven Kongsli) e seus dois filhos Vera e Harry vai repetir a frase que abre a nossa resenha crítica diversas vezes para que eles mesmos se certifiquem de que ela representa a verdade sobre o que ocorreu com eles.
Em uma viagem de férias numa estação de esqui, a família divide seu tempo entre os passeios pelas diversas trilhas, refeições pelos restaurantes e momentos de descanso no quarto. Tudo acontece na maior normalidade até que a vivência de uma avalanche durante um desses instantes abala as estruturas emocionais desta família.
“Força Maior”, filme dirigido e escrito por Ruben Östlund, aborda justamente as consequências das reações de Tomas e de Ebba, enquanto marido e mulher, enquanto pai e mãe, durante a vivência da avalanche; e como isso os afeta, no relacionamento, e, principalmente, naquilo que eles representam um para o outro e para seus filhos/amigos/relacionamentos próximos.
No caso de Ebba, temos a incredulidade diante da reação do marido. No caso de Tomas, a sua reação simboliza, para ele, uma quebra da sua masculinidade. Tolhido de seu papel como homem da família, provedor e protetor, Tomas só poderá recuperar a sua responsabilidade quando ele mesmo entrar em contato com seus sentimentos e com o ser que ele é.
O título “Força Maior” faz referência a um conceito oriundo do Direito e que está relacionado ao sentido de que a “força maior é aquela a que a fraqueza humana não pode resistir”. Ou seja, diante de um acontecimento extraordinário, ficamos impedidos de cumprir as nossas obrigações. Qualquer semelhança com a situação vivida por Tomas, Ebba e família é mera coincidência.
Uma das obras símbolos do regime ditatorial brasileiro, a Rodovia Transamazônica tem extensão de 4.260km, iniciando-se, na Região Nordeste, na cidade de Cabedelo-PB, findando na Região Norte, na cidade de Lábrea-AM. O filme “Iracema: Uma Transa Amazônica”, de Jorge Bodansky e Orlando Senna, utiliza a rodovia como o pano de fundo para o retrato de uma história que mistura os gêneros de ficção com documentário.
Ao acompanharmos a jornada do motorista de caminhão Tião Brasil Grande (Paulo César Pereio) e da prostituta Iracema (Edna de Cássia), o filme “Iracema: Uma Transa Amazônica” acaba fazendo uma crítica direta aos problemas sociais encobertos pela grandiosidade das obras alardeadas pelo regime militar. A pobreza extrema, a prostituição, a exploração da mão-de-obra (em alguns casos, escrava) e a violência são realçadas, reforçando uma questão que é antiga, e atual, no nosso país: a de que, para a prosperação da riqueza de muitos, implica também a miséria de tantos outros.
Por fazer uma mistura dos gêneros de ficção com documentário, a estética e o andamento da trama de “Iracema: Uma Transa Amazônica” são muito interessantes. A sensação que temos, ao assistir ao filme, é a de que a câmera captura a vida real, as situações cotidianas e corriqueiras, e que somente os atores seguiram um mínimo de roteiro. As interações deles com as pessoas com as quais eles cruzam pelo caminho são reações naturais àquilo que, provavelmente, era a linha norteadora da história.
Como curiosidade, “Iracema: Uma Transa Amazônica” é um filme que, apesar de ter circulado em diversos festivais de cinema europeus, foi uma obra cuja exibição foi proibida em solo brasileiro por muitos anos, devido à censura. O longa só pôde ser lançado comercialmente, no Brasil, em 1981, tendo conquistado o prêmio principal do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
“Pobres Criaturas”, filme dirigido por Yorgos Lanthimos, se passa durante a era Vitoriana, que marcou o regime liderado pela Rainha Vitória, num momento de muitas transformações econômicas, políticas e culturais para os países que vivem sob o regime da Monarquia Inglesa. Saber desse pano de fundo é muito importante para que possamos compreender um pouco sobre o que iremos assistir no longa.
A história de “Pobres Criaturas” é centrada na figura de Bella Baxter (Emma Stone, numa atuação vencedora do Oscar 2024 de Melhor Atriz), uma jovem mulher que é trazida de volta à vida por um médico/cientista excêntrico (Willem Dafoe). Na experiência de Godwin Baxter, o médico, Bella é uma mulher com cérebro de bebê, por isso, ela vai atingindo certos marcos temporais que são dignos da sua idade mental.
Uma mulher presa, sem contato com o mundo exterior; a verdadeira jornada de Bella, ao longo de “Pobres Criaturas” é a que a coloca enfrentando o mundo, usando seu corpo e o sexo como moedas de liberdade. É aqui que voltamos à Era Vitoriana, com seus momentos de luzes e de trevas, metaforizados pela fotografia de Robbie Ryan: o mundo da prisão de Bella é retratado em preto e branco; o mundo que Bella passa a conhecer lá fora é cheio de cores vibrantes, como a personalidade que ela revela ter.
Ao vivenciarmos a viagem de Bella, Yorgos Lanthimos desnuda diante de nós uma trajetória de uma mulher, numa época de pensamento conservador, em busca de sua liberdade, da igualdade e de poder ser aquilo que ela quiser, da forma que ela quiser. É uma história de força, que utiliza muito bem o tom irônico a seu favor.
Os estereótipos são padrões construídos pela sociedade e que acabam influenciando na forma e na maneira como rotulamos e retratamos as pessoas. Baseado no livro escrito por Percival Everett, “Ficção Americana”, filme dirigido e escrito por Cord Jefferson, trabalha justamente com essa noção, fazendo um recorte especial sobre como os negros são retratados e vistos pela literatura e pelo cinema.
O professor e escritor Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright, numa sólida atuação indicada ao Oscar 2024 de Melhor Ator) tem, como objeto de estudo de suas obras, os aspectos sociais, políticos e culturais do ser negro nos Estados Unidos. Cansado de ver que o público aparenta estar mais interessado em ler histórias de personagens negros repletas de clichês, ele decide adotar um pseudônimo e escrever um livro de ficção com todas essas marcas que remetem ao lugar-comum relacionado aos negros norte-americanos.
Apesar de ter uma trama imbuída dessa crítica, “Ficção Americana” também se interessa pelos dramas particulares da vida de “Monk”. Na forma como a sua vida privada é retratada pelo diretor e roteirista Cord Jefferson, fica subentendido que o ponto de limite da personagem é um reflexo, também, não só das suas frustrações profissionais, como também das familiares e pessoais.
“Ficção Americana” é uma obra que tem um elemento muito forte em sua narrativa: a metalinguagem. Afinal, estamos diante de um filme cuja ideia principal é transmitida dentro da sua própria linguagem. Ainda que a crítica que Cord Jefferson deseja passar seja importante, fica a incômoda sensação de que o filme não atinge aquilo que deseja transmitir.
Uma obra carismática e com ótimo senso de humor, “Gnomeu e Julieta” consegue ser a primeira animação a se destacar em 2011 justamente por ter elementos, em sua história, que apelam demais ao público infantil. A lamentar, no filme, somente dois pontos: o primeiro, a falta de necessidade do uso da tecnologia 3D aqui, uma vez que ela mal pode ser notada; a segunda, o não envio de cópias legendadas ao Brasil. A dublagem de Vanessa Giácomo e Daniel de Oliveira (casal de atores na ficção e na vida real) é muito fraca. Somente Ingrid Guimarães se destaca com um ótimo trabalho feito na personagem Nanette.
“Eu, Capitão”, filme dirigido e co-escrito por Matteo Garrone, não é uma simples obra sobre a jornada de dois jovens senegaleses que decidem imigrar para a Itália em busca de uma vida melhor. É o relato de uma história com um elemento humano muito forte, que revela diversos aspectos sobre nós, enquanto seres humanos.
Quando decidem sair escondidos de casa, os primos Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall) vão passar pelos mais diferentes locais: o Senegal, o Deserto do Saara, a Líbia e o Mar Mediterrâneo. Uma viagem que será marcada pela frase de Seydou para o primo: “começamos a jornada juntos. Vamos terminá-la juntos”.
“Eu, Capitão” fala sobre as humilhações, as dificuldades, a corrupção, a violência, a solidão, o medo e as angústias que quem decide imigrar enfrenta. Ao mesmo tempo, este também é um filme sobre amor, companheirismo, perseverança, coragem e, principalmente, seguir em frente.
Indicado ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional, “Eu, Capitão” nos retrata a história de Seydou utilizando como base a jornada do herói. O triunfo final, acompanhado do ápice da trilha sonora, mesmo que esperado, não deixa de ser impactante, do ponto de vista emocional. Afinal, esta é uma história que causa uma empatia enorme conosco, enquanto plateia.
O multiverso ocorre quando universos múltiplos e realidades paralelas existem simultaneamente. Esse conceito tem estado muito em voga na atual fase de filmes produzidos pela Marvel Studios. Uma das franquias que melhor trabalha com esse significado é a do “Homem-Aranha”, no gênero animação, nos longas estrelados por Miles Morales.
“Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, filme dirigido por Joaquin dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers, amplia o que assistimos na trama de “Homem-Aranha: No Aranhaverso”, na medida em que a diversidade de Homens-Aranhas encarnados nas diversas dimensões formam uma grande liga cujo principal propósito é evitar que o multiverso colapse pelas mãos de uma anomalia produzida por ele mesmo, o vilão Mancha (dublado por Jason Schwartzman).
Apesar dessa grande missão, a jornada de Miles Morales (dublado por Shameik Moore) nesta continuação vai além da trajetória do heroi: entender que o seu percurso pessoal é composto por aquilo que os seus semelhantes chamam de cânone (o evento que se repete na história particular de todos eles, independente de onde eles estejam localizados).
Já tínhamos aprendido, nos filmes live-action estrelados pelo Homem-Aranha, que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Com “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, temos a lição de que “ser Homem-Aranha é se sacrificar”. Miles Morales está pronto para esse sacrifício? Essa é uma pergunta que a continuação deixa sem resposta, uma vez que sua trama termina inacabada. Missão para o próximo filme da série!
A história de Richard Montañez é um exemplar típico do tão falado “sonho americano”. De origem latina, ele começou a trabalhar desde cedo (em uma trajetória errante, diga-se de passagem, com episódios dentro da criminalidade) até que encontrou uma certa estabilidade como zelador da Frito-Lay, empresa do conglomerado PEPSICO que fabrica salgadinhos de milho, batatas fritas, Doritos, dentre outros.
A diferença entre Richard Montañez (Jesse Garcia) e seus colegas de trabalho é que ele era alguém visionário e corajoso. Na esteira da crise econômica do governo Reagan, preocupado com a manutenção de seu emprego (a fábrica na qual ele trabalhava estava ameaçada de fechamento), ele tem a ideia de criar uma variação do Cheetos que dialogasse diretamente com a cultura e com a culinária mexicanas.
A versão Cheetos Flamin’ Hot foi um verdadeiro sucesso, transformando, não só, a realidade da Frito-Lay, como também a de Richard Montañez, seus colegas e, principalmente, sua família. A trajetória de Montañez do menino que trabalhava na vinícola até o bem-sucedido Diretor de Marketing Multicultural da PEPSICO nos é contada em “Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História”.
Surpreendentemente dirigido pela atriz Eva Longoria (conhecida pela série “Desperate Housewives”), “Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História” chama a atenção por contar a sua história de forma leve, divertida e, em certos pontos, exagerada. Ajuda muito também o fato dela ter escalado atores muito carismáticos e que entenderam justamente o tom que o filme deseja passar.
Os Guardiões da Galáxia são um grupo cuja característica principal é a defesa de planetas e de galáxias contra ataques alienígenas no espaço sideral. O que chama a atenção neles é o espírito de equipe: eles atuam juntos e unidos em busca do propósito que eles têm que cumprir. Isso explica muito do que assistiremos em “Guardiões da Galáxia: Vol. 3”, filme dirigido e co-escrito por James Gunn, que marca o encerramento da trilogia que iniciou-se em 2014.
O Rocket (dublado por Bradley Cooper) é uma personagem muito importante para esse universo narrativo. Um guaxinim inteligente, atirador habilidoso e grande estrategista; é ele quem lidera esse grupo ao lado de Peter Quill (Chris Pratt). Na ausência de um, o outro toma à frente; quando um não está bem, o outro assume a ponta.
Em “Guardiões da Galáxia: Vol. 3” nem o Rocket, nem Peter Quill estão bem. O primeiro lida com as lembranças do seu passado. O segundo com a perda de Gamora (Zoe Saldana). Porém, para defender o universo e o Rocket, Peter Quill assume, mais uma vez, a liderança e reúne a sua equipe.
“Guardiões da Galáxia: Vol. 3” acaba trazendo o que essa franquia tem de melhor: o senso de humor peculiar, a trilha sonora caprichada e o todo, composto por cada um dos personagens que compõem esse grupo, em que cada um tem o seu momento para brilhar. Ao mesmo tempo, o filme tem um tom melancólico, prenúncio do fim que se anuncia e das transições que vem pela frente.
Dirigido e escrito pelo brasileiro Edson Oda, “Nove Dias” é um filme que tem uma premissa muito interessante: a trama se passa num mundo que não se parece com o que habitamos, em que um homem recluso chamado Will (Winston Duke) passa seus dias observando outras pessoas vivenciando as suas experiências terrenas. A missão dele no decorrer do filme é a de entrevistar candidatos para nascer e viver no nosso planeta.
Alguns detalhes importantes saltam aos nossos olhos durante a experiência de assistir a “Nove Dias”.
O primeiro deles é que os tipos de relacionamentos que Will estabelece com os candidatos a renascer, os diálogos que eles têm e, principalmente, as escolhas que Will fará possuem como base a experiência do próprio entrevistador como um homem encarnado.
O segundo deles é, por meio da personagem Emma (Zazie Beetz), percebermos o quão importante é estarmos abertos para vivenciar novas experiências, aproveitando e celebrando cada momento que temos a oportunidade de viver - sejam eles os mais triviais e simplórios, sejam eles os mais definidores e importantes.
O terceiro deles é o quão fundamental é fazer valer a pena a nossa vida. Independente de onde estivermos, encarnados ou não (considerando a realidade na qual “Nove Dias” se passa).
Perceber esses pequenos detalhes e ver as transformações acontecendo diante dos nossos olhos são elementos que fazem de “Nove Dias” um filme a ser conferido!
Em 13 de outubro de 1972, o voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que tinha como destino o Chile, cai em plena Cordilheira dos Andes. Nele estavam 45 pessoas a bordo - amigos, familiares e membros do time de rúgbi Old Christians Club. O que se passou nos 72 dias após o acidente, em que sobreviventes (ilesos e feridos) lutaram para permanecerem vivos é o que assistiremos em “A Sociedade da Neve”, filme dirigido e co-escrito por J.A. Bayona.
Assim como vimos em “O Impossível”, outro longa que retrata a luta pela sobrevivência dirigido por Bayona, em “A Sociedade da Neve” iremos assistir a pessoas resistindo, brigando em condições extremas para se manterem vivos e sendo capazes até dos atos mais inimagináveis (os quais não iremos nunca julgar) para poderem contar a sua história ao final de tudo isso.
Uma decisão muito feliz do roteiro de “A Sociedade da Neve” é colocar uma voz narrando tudo o que iremos assistir. Ao dar uma face a esse narrador, Bayona nos traz, como espectadores, para mais próximos de sua história, nos colocando quase como se fôssemos um passageiro oculto daquele voo. É através da voz de Numa Turcatti (Enzo Vogrincic) que aprendemos os verdadeiros valores dessa história: a coletividade e o trabalho em equipe. Foram eles que levaram os 16 sobreviventes finais a serem resgatados com vida.
Indicado ao Oscar 2024 de Melhor Filme Estrangeiro, “A Sociedade da Neve”, apesar de ser mais um retrato ficcional/documental do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, é uma obra que marca por ser um relato com a fidelidade e com a crueza que uma história como essa necessita.
Uma das fundadoras do Estado de Israel, Golda Meir, até hoje, ostenta o status de única mulher a ser Primeira-Ministra do país. O filme “Golda: A Mulher de uma Nação”, dirigido por Guy Nattiv, não é uma cinebiografia sobre a sua trajetória pessoal, política e profissional. Ao invés disso, o roteiro escrito por Nicholas Martin faz um retrato específico do momento mais delicado nos cinco anos de governo de Meir: o que envolveu a participação de Israel na Guerra do Yom Kippur, em 1973.
A Guerra do Yom Kippur foi um conflito militar que ocorreu de 6 a 26 de outubro de 1973, envolvendo o estado árabe, liderado por Egito e pela Síria, contra Israel; e que teve seu ponto inicial num ataque surpresa sofrido pelos israelenses na Península do Sinai e nas Colinas de Golan.
É importante ressaltar que, não bastasse o momento político delicado, naquele instante Golda Meir também passava por uma situação difícil na sua vida pessoal, enfrentando um tratamento contra um câncer.
Desta forma, o interessante em “Golda: A Mulher de uma Nação” é a captura que ele faz de uma mulher em posição de poder e de influência, num mundo e num campo altamente dominado pelos homens, tendo que tomar decisões que influenciariam o destino e o reconhecimento do Estado de Israel como uma nação soberana.
Neste sentido, é muito importante um aspecto do filme: o roteiro. Boa parte da ação de “Golda: A Mulher de uma Nação” se passa nas salas de reuniões, com diálogos longos e profundos sobre a seriedade daquele acontecimento. Outro aspecto que se destaca no longa é o trabalho de cabelo e de maquiagem (indicado, inclusive, ao Oscar 2024 da categoria): Helen Mirren está irreconhecível como a personagem principal.
O nome do filme pode ser “Maestro”. Porém, ao invés de apostar na linguagem tradicional e ser uma cinebiografia típica sobre o maestro, compositor e pianista Leonard Bernstein; o diretor e co-roteirista Bradley Cooper enfoca a sua história no relacionamento entre Lenny (interpretado pelo próprio Cooper) e sua esposa, a atriz Felicia Montealegre (Carey Mulligan).
Desta forma, “Maestro” acaba sendo um filme sobre o casamento entre um homem que possuía desejo e atração por outros homens, discreto em suas aventuras extra-conjugais, porém apaixonado pela sua esposa; e uma mulher que amava o seu marido e que, embora ciente dos casos que ele mantinha, estava disposta a colocar tudo para debaixo do tapete em prol da vida e da família que ambos construíram juntos.
Neste sentido, “Maestro” é muito feliz em capturar o conflito maior daquela que é a personagem mais interessante dessa história: Felicia, na atuação maravilhosa de Carey Mulligan. Ela era uma mulher com uma vida própria, atriz respeitada e de sucesso; mas, ao mesmo tempo, uma pessoa totalmente ciente de seu papel como esposa de Leonard Bernstein. Ela tinha plena consciência do verdadeiro eu de seu marido e teve o discernimento de compreender os momentos certos para sair de cena, sem deixar de ser o esteio no qual Bernstein se voltava sempre que necessitava de maior suporte emocional.
Apesar disso, “Maestro” é um filme que falha muito em parte por causa de seu diretor. A sensação que temos ao assistir a este longa era a de que Bradley Cooper via essa história como um trampolim para que ele pudesse alcançar a maior glória que um artista da indústria cinematográfica pode alcançar: um Oscar. A cada cena de “Maestro” está presente essa intenção. Isso custou ao filme um elemento importante: a emoção, a conexão verdadeira - e genuína - com a plateia. E a julgar pelo retorno obtido na atual temporada de premiações, vemos que o tiro de Bradley saiu muito pela culatra.
Assim como visto em “Gangues de Nova York”, em “Assassinos da Lua das Flores”, o diretor Martin Scorsese aborda aspectos da formação da sociedade e da cultura norte-americana. Saem os imigrantes irlandeses e entram agora a população nativa dos Estados Unidos, representados aqui pelos integrantes da tribo Osage, que fizeram fortuna com a descoberta do petróleo em suas terras.
Atraídos pelas possibilidades de crescimento econômico, numa terra sem lei, o homem branco desembarca nessas localidades, passando a cortejar e a se infiltrar na cultura osage, casando com as mulheres indígenas, formando famílias mestiças, e se apropriando de seus valores, de suas raízes, de seus bens, de suas terras. Custe o que custar. A que preço for necessário.
Martin Scorsese retrata essa história por meio de uma trama que envolve temas como a já citada apropriação cultural, a ganância, o uso desmedido do poder, a discriminação, a impunidade, a crueldade e a criminalidade, com personagens de moral e de caráter duvidoso e que, mesmo diante da presença da lei (representada pelo FBI e suas técnicas inovadoras de investigação para a época), duvidam do papel da justiça em honrar e defender os cidadãos.
“Assassinos da Lua das Flores” é um filme com uma dura crítica social e política, principalmente ao silenciamento dos osage, que foram, não só assassinados em série, como também sufocados em sua cultura, em seus valores e em sua dignidade humana. Fica a lição de que “as mãos que construíram a América” (para fazer mais uma alusão à “Gangues de Nova York”) também foram banhadas de sangue, de cobiça e de perversidade.
“Barbie”, filme dirigido e co-escrito por Greta Gerwig está aí para provar isso. Na história que iremos assistir, o mundo real e o mundo cor-de-rosa da imaginação coexistem de forma não harmoniosa, um influenciando o outro. A jornada principal? A da Barbie Estereotipada (Margot Robbie) em busca do sentido para a sua vida depois que ela se dá conta de que seu mundo de fantasia está ruindo.
Se enganam aqueles, inclusive, que pensam que “Barbie” é um simples filme de boneca. O longa é uma obra repleta de camadas e de elementos interessantes que representam muito bem a dualidade entre o ser mulher num mundo que cobra excessivamente de todas nós e o ser mulher no mundo da fantasia.
Nestes mundos, temas como o patriarcado, os estereótipos, a conquista de espaços pelas mulheres, a relação entre mães e filhas, a relação entre as meninas/mulheres e uma figura como a Barbie, o domínio masculino, o mundo dos negócios, a vida real, o mundo da fantasia são discutidos, tendo sempre como pano de fundo personagens bem caricaturais, quase exagerados.
O interessante é que, para o propósito de “Barbie”, a artificialidade, o caricatural e o exagerado funcionam muito bem, resultando num filme que, por trás de suas aparências mercadológicas e banais, nos deixa com diversos pontos bacanas sobre os quais podemos refletir.
“A Lenda de Beowulf” é o segundo filme feito pelo diretor Robert Zemeckis (cujas obras mais famosas são “Náufrago”, “Revelação” e “Forrest Gump – O Contador de Histórias”) com o uso da técnica de captação de performances – quando sensores são colocados nos atores para captar seus movimentos e os traços de seus rostos para termos uma sensação o mais próxima possível da realidade. O experimento é bastante interessante e já provou dar resultados excelentes – como foi o caso da criatura Gollum na trilogia “O Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson. No entanto, em “A Lenda de Beowulf”, mesmo com a excelente qualidade técnica do trabalho em animação que é feito por Robert Zemeckis, existe ainda muito trabalho a ser feito pela sua equipe, no que diz respeito ao aprimoramento deste conceito, já que, não importa se os personagens estão tristes, felizes, apreensivos ou nervosos, a face deles continua impassível – o que faz com que seja difícil a gente se entregar à trama do filme.
Existem filmes que você não precisa entrar muito na história para saber que ele se transformará numa experiência difícil e dolorosa de se conferir. “Alabama Monroe”, dirigido por Felix von Groeningen, é um desses filmes. A trama, que é baseada numa peça teatral, acompanha os altos e baixos do relacionamento entre Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh, co-autor da peça na qual o longa se baseia).
Numa montagem não linear, que mistura as linhas temporais do passado e do presente, o futuro de Elise e Didier é delineado. Assim como na vida, as lembranças e as experiências que eles passam têm uma trilha sonora. É o ritmo do bluegrass, um estilo derivado do folk e um dos representantes da música popular e tradicional dos Estados Unidos, que embala e entrelaça essas vivências.
Voltando ao início do nosso texto, “Alabama Monroe” é uma experiência difícil de se conferir, porque é um filme que nos relembra sobre como a vida, às vezes, é traiçoeira. Didier e Elise formaram a sua família e, do nada, o chão se abriu sobre os pés deles, os colocando numa roda de sofrimento da qual eles não conseguem sair.
Não me entendam mal. “Alabama Monroe” é um filme muito bonito, mas é um filme que é a prova viva do quão emocionalmente desafiadora é a experiência de viver. Passamos pelo amor, pela paixão, pela intensa alegria, pelo sofrimento, pela mágoa, pelo luto, pela mais poderosa dor, pelo sentimento de impotência diante do que não podemos modificar, pela fé (ou pela ausência dela). E tudo isso com a cobrança pessoal de sermos fortes, de prosseguir, de seguir em frente, caminhando adiante. Qual o nosso limite diante de tudo isso? “Alabama Monroe” é sobre todas essas coisas.
Ao contar a história de Meyer Lansky, gângster norte-americano conhecido como um dos fundadores da indústria de jogos de azar nos Estados Unidos, o filme “Lansky: Uma História da Máfia”, dirigido e escrito por Eytan Rockaway, adota um recurso narrativo bastante conhecido no cinema: o do relato da história de uma personalidade icônica através de uma entrevista que ele concede a um terceiro.
No caso do filme, Lansky (interpretado por John Magaro e Harvey Keitel) conversa com o escritor David Stone (Sam Worthington), que foi contratado por aquele para escrever sua autobiografia. Na alternância entre flashbacks (que retratam as lembranças do entrevistado) e os momentos presentes (que nos mostram a atualidade dos fatos), temos uma crônica sobre o crime organizado nos Estados Unidos, como estruturado pelos integrantes da máfia.
Em sua essência, “Lansky: Uma História da Máfia” não acrescenta muita coisa aos demais filmes do gênero, por exemplo. A opção de Eytan Rockaway é nos apresentar o seu personagem principal por meio de uma visão um tanto maniqueísta, representada pelo foco em seu lado humano - dialogando um tanto com a figura errante que é, também, David Stone.
Ou seja, embora não estejamos diante de um grande filme, na medida em que falta a “Lansky: Uma História da Máfia” aquele elemento impactante; esta é uma obra que cumpre o seu papel como a cinebiografia que é. Vale a conferida!
Como descrever o indescritível? “Clarão/Chuva Negra: A Destruição de Hiroshima e Nagasaki”, documentário dirigido por Steven Okazaki, tenta fazer isso, ao jogar o olhar sobre os acontecimentos ocorridos em agosto de 1945, nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, locais que foram os pontos do ataque nuclear que marcou o fim da II Guerra Mundial.
Com uma narrativa dividida em três atos: os sobreviventes, a bomba e o resultado, temos um filme que se debruça sobre o lado mais negativo da guerra, aquele que representa a destruição, seja de cidades e, no caso de Hiroshima e Nagasaki, principalmente, aquele que significa a destruição de vidas/pessoas/famílias.
Chama a atenção no documentário o lado humano impresso pelo diretor Steven Okazaki em cada imagem. Aqui, temos representações tanto da camada mais positiva que o ser humano possui, como da mais negativa. Sentimentos reforçados, não só pelas imagens de arquivo (algumas, fortíssimas), como também pelos depoimentos dos diversos vértices que compõem esta história.
Apesar de já sabermos o impacto que estes acontecimentos tiveram, ao longo de “Clarão/Chuva Negra: A Destruição de Hiroshima e Nagasaki”, somos invadidos por diversos sentimentos, porém o mais forte deles é aquele que nos deixa com um embrulho no estômago. Principalmente quando estamos diante dos sobreviventes. Dói saber que eles, não bastasse tudo o que sofreram, ainda são vistos com olhos depreciativos por parte de seus compatriotas.
Os verdadeiros heróis dessa história não são aqueles que ganharam medalhas de guerra, e sim os sobreviventes. Estes conviveram por anos com a bomba, via seus efeitos, todos os dias. A história deles não deve morrer com a partida deles. Deve sempre permanecer, para que compreendamos os limites e as ameaças que as armas nucleares representam para a humanidade.
Poucas vezes uma cena foi tão feliz. Sem diálogos, somente com a execução e encenação da canção “Arco-Íris”, de autoria de Anna Penido, Graciella Carballo, Michael Sullivan e Paulo Massadas, temos a construção da personagem principal de “Super Xuxa Contra Baixo Astral”, filme dirigido por Anna Penido e David Sonnenschein; e, de quebra, a motivação por trás de suas ações e do grande conflito do longa.
Xuxa (interpretando a si mesma) é a heroína que tenta trazer mais alegria à cidade do Rio de Janeiro, seja por meio da distribuição de amor, da pintura de paredes pichadas, do auxílio ao próximo, enfim, da realização das mais diversas boas ações. Em contraponto a ela, a figura do Baixo Astral (o saudoso Guilherme Karam): o vilão que vive no submundo e na sujeira, que odeia alegria e que só deseja semear a maldade e a discórdia.
Em busca de recuperar o seu cãozinho Xuxo (que foi raptado pelo Baixo Astral), Xuxa embarca numa viagem pelo mundo da fantasia e dos sonhos, numa jornada que reforça a sua posição e o seu papel de boa influência e de promotora de ações positivas em todos os ambientes em que ela se encontra.
Rever “Super Xuxa Contra Baixo Astral” na idade adulta é ter a certeza de que o filme sobreviveu ao tempo. Sua mensagem principal do amor e da esperança como base para a transformação pessoal é muito bonita. Esse filme representa o cinema infantil em sua excelência.
Fogo. Água. Terra. Ar. Elementos da natureza e que regem os signos do zodíaco. Na narrativa da animação “Elementos”, filme dirigido por Peter Sohn, estes quatro componentes representam diversas comunidades, cujos representantes coabitam numa cidade harmonicamente, embora respeitem as particularidades que os diferenciam entre si.
O foco do roteiro escrito por John Hober, Kat Likkel e Brenda Hsueh está no relacionamento que nasce entre Faísca (dublada por Leah Lewis na versão original), uma representante do povo do Fogo, e Gota (dublado por Mamodou Athie na versão original), que representa o povo da Água.
O relacionamento entre eles envolve um background que aborda temas como a tradição e as relações familiares, a descoberta da verdadeira vocação e o senso de justiça e da defesa das pessoas amadas - tudo isso tendo como base as características principais desses elementos, que são a sensibilidade da água e o poder que o fogo possui.
Na maior parte das vezes, aprendemos que os elementos da natureza não se misturam. “Elementos” é um filme que nos mostra o contrário: o quanto esses componentes, representados por essas personagens, possuem em comum. A animação carrega em si as características que fazem dos longas da Disney eventos especiais, na medida em que a emoção e a fantasia dominam cada uma das cenas que assistimos.
Existe uma teoria que os norte-americanos chamam de “Six Degrees of Separation”, na qual eles acreditam na ideia de que todas as pessoas estão conectadas socialmente umas às outras, num grau de até seis ou menos pessoas. Quando a gente vê a estrutura narrativa adotada pelo diretor Benjamin Caron, no filme “Sharper: Uma Vida de Trapaças”, a sensação que dá é a de que a gente está assistindo a uma conexão desse tipo - afinal, a história é dividida em capítulos, centrados nos personagens (vítimas e golpistas) que estão relacionados a esta série de trapaças.
A palavra “Sharper”, que dá título ao filme, aliás, está relacionada à temática principal da trama: os vigaristas, aquelas pessoas que vivem de aplicar golpes - de preferência em milionários. No caso específico do longa, o golpe é aplicado em uma família - pai (John Lithgow) e filho (Justice Smith) - de relacionamento complicado.
O golpe aplicado neles é simples e consiste em fazer com que os golpistas passem a impressão de ser aquilo que eles não são. Assim, “Sharper: Uma Vida de Trapaças” aborda temas como traição, roubos, relações familiares, manipulações e a disputa pelo poder e pelo dinheiro. Tudo isso plantando, também, na mente do público, a dúvida sobre o caráter e a motivação de cada personagem.
Se nada é aquilo que aparenta ser, então “Sharper” também aplica um golpe na plateia. A diferença é que nós estamos com uma vantagem importante: nós sabemos com quem estamos lidando. Ao contrário de Tom, o filho, e Richard, o pai.
Verissimo
2.8 3Um dos mais populares e celebrado escritores brasileiros, Luis Fernando Verissimo é o objeto de retrato do documentário “Verissimo”, dirigido e co-escrito por Angelo Defanti. O filme captura a rotina do escritor nas vésperas de seu 80º aniversário, em 2016.
Chama a atenção em “Verissimo” o contraste entre a euforia advinda da chegada do natalício e a rotina calma, envolta em acontecimentos quase frívolos, do retratado.
No documentário, Verissimo é mostrado em todos os papeis que desempenha: o marido amoroso, o pai, o avô, o escritor ativo que mantém-se em atividade (seja escrevendo, dando entrevistas, lançando livros e participando de eventos públicos) e o idoso marcado por questões de sua própria idade.
Porém, confesso que o que mais ficou comigo enquanto assistia a “Verissimo” foi perceber o quanto o escritor tem um caráter introvertido dentro de si mesmo. Ele é silencioso, um homem de poucas palavras. Em alguns momentos, ele pareceu desconfortável/melancólico diante de algumas situações. Ao ponto de eu me perguntar: quando ele se sente à vontade? Será se diante do computador, ao escrever? Será se diante de sua cuidadosa e amorosa esposa? Será se diante da inocência dos netos? Não sei.
O que eu sei é que “Verissimo” comprova que estamos diante de alguém admirado por anônimos, porém, principalmente, um homem que é extremamente amado pela sua família.
Clube Zero
3.0 10Poucas vezes eu assisti a um filme tão problemático quanto “Clube Zero”, obra dirigida e co-escrita por Jessica Hausner. O longa aborda um tema bastante sério: os transtornos alimentares e o negacionismo científico de uma forma bastante equivocada, para não dizer irresponsável.
Numa escola que funciona num regime de internato, a Ms. Novak (Mia Wasikowska) é contratada para dar uma disciplina a sete estudantes intitulada “Comer Consciente”. No método estabelecido pela Ms. Novak, a alimentação está relacionada ao consumismo excessivo e à preocupação com a sustentabilidade do mundo que habitamos.
Neste ponto, é importante fazermos um adendo. Transtornos alimentares, normalmente, estão relacionados a problemas emocionais. Na medida em que a trama de “Clube Zero” avança, percebemos que boa parte dos estudantes que compõem a turma da Ms. Novak possuem diversos tipos de questões emocionais, a maior parte delas ligada aos relacionamentos que eles possuem com pais permissivos/omissos e que transferem para a escola a sua parte na criação dos filhos.
Por isso, a abordagem de “Clube Zero” soa problemática e irresponsável. Ao tratar sobre um tema tão sério de uma forma enfática no fanatismo, no radicalismo, na sátira e no limite tênue que pode mexer com a própria sobrevivência desses adolescentes, a diretora e co-roteirista Jessica Hausner subestima o poder que o cinema possui de influência sob as plateias ao redor do mundo. Ao invés de educar com a sua história, a diretora preferiu seguir um caminho perigoso que pode persuadir, de forma negativa, parte do público que assistirá a essa história.
Força Maior
3.6 241“Houve uma avalanche, ficamos apavorados, mas tudo ficou bem”.
Sabe quando você repete várias vezes a mesma coisa para se assegurar de que aquilo foi a verdade? A família formada pelo casal Tomas (Johannes Bah Kuhnke) e Ebba (Lisa Loven Kongsli) e seus dois filhos Vera e Harry vai repetir a frase que abre a nossa resenha crítica diversas vezes para que eles mesmos se certifiquem de que ela representa a verdade sobre o que ocorreu com eles.
Em uma viagem de férias numa estação de esqui, a família divide seu tempo entre os passeios pelas diversas trilhas, refeições pelos restaurantes e momentos de descanso no quarto. Tudo acontece na maior normalidade até que a vivência de uma avalanche durante um desses instantes abala as estruturas emocionais desta família.
“Força Maior”, filme dirigido e escrito por Ruben Östlund, aborda justamente as consequências das reações de Tomas e de Ebba, enquanto marido e mulher, enquanto pai e mãe, durante a vivência da avalanche; e como isso os afeta, no relacionamento, e, principalmente, naquilo que eles representam um para o outro e para seus filhos/amigos/relacionamentos próximos.
No caso de Ebba, temos a incredulidade diante da reação do marido. No caso de Tomas, a sua reação simboliza, para ele, uma quebra da sua masculinidade. Tolhido de seu papel como homem da família, provedor e protetor, Tomas só poderá recuperar a sua responsabilidade quando ele mesmo entrar em contato com seus sentimentos e com o ser que ele é.
O título “Força Maior” faz referência a um conceito oriundo do Direito e que está relacionado ao sentido de que a “força maior é aquela a que a fraqueza humana não pode resistir”. Ou seja, diante de um acontecimento extraordinário, ficamos impedidos de cumprir as nossas obrigações. Qualquer semelhança com a situação vivida por Tomas, Ebba e família é mera coincidência.
Iracema - Uma Transa Amazônica
3.9 73Uma das obras símbolos do regime ditatorial brasileiro, a Rodovia Transamazônica tem extensão de 4.260km, iniciando-se, na Região Nordeste, na cidade de Cabedelo-PB, findando na Região Norte, na cidade de Lábrea-AM. O filme “Iracema: Uma Transa Amazônica”, de Jorge Bodansky e Orlando Senna, utiliza a rodovia como o pano de fundo para o retrato de uma história que mistura os gêneros de ficção com documentário.
Ao acompanharmos a jornada do motorista de caminhão Tião Brasil Grande (Paulo César Pereio) e da prostituta Iracema (Edna de Cássia), o filme “Iracema: Uma Transa Amazônica” acaba fazendo uma crítica direta aos problemas sociais encobertos pela grandiosidade das obras alardeadas pelo regime militar. A pobreza extrema, a prostituição, a exploração da mão-de-obra (em alguns casos, escrava) e a violência são realçadas, reforçando uma questão que é antiga, e atual, no nosso país: a de que, para a prosperação da riqueza de muitos, implica também a miséria de tantos outros.
Por fazer uma mistura dos gêneros de ficção com documentário, a estética e o andamento da trama de “Iracema: Uma Transa Amazônica” são muito interessantes. A sensação que temos, ao assistir ao filme, é a de que a câmera captura a vida real, as situações cotidianas e corriqueiras, e que somente os atores seguiram um mínimo de roteiro. As interações deles com as pessoas com as quais eles cruzam pelo caminho são reações naturais àquilo que, provavelmente, era a linha norteadora da história.
Como curiosidade, “Iracema: Uma Transa Amazônica” é um filme que, apesar de ter circulado em diversos festivais de cinema europeus, foi uma obra cuja exibição foi proibida em solo brasileiro por muitos anos, devido à censura. O longa só pôde ser lançado comercialmente, no Brasil, em 1981, tendo conquistado o prêmio principal do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Pobres Criaturas
4.2 1,1K Assista Agora“Pobres Criaturas”, filme dirigido por Yorgos Lanthimos, se passa durante a era Vitoriana, que marcou o regime liderado pela Rainha Vitória, num momento de muitas transformações econômicas, políticas e culturais para os países que vivem sob o regime da Monarquia Inglesa. Saber desse pano de fundo é muito importante para que possamos compreender um pouco sobre o que iremos assistir no longa.
A história de “Pobres Criaturas” é centrada na figura de Bella Baxter (Emma Stone, numa atuação vencedora do Oscar 2024 de Melhor Atriz), uma jovem mulher que é trazida de volta à vida por um médico/cientista excêntrico (Willem Dafoe). Na experiência de Godwin Baxter, o médico, Bella é uma mulher com cérebro de bebê, por isso, ela vai atingindo certos marcos temporais que são dignos da sua idade mental.
Uma mulher presa, sem contato com o mundo exterior; a verdadeira jornada de Bella, ao longo de “Pobres Criaturas” é a que a coloca enfrentando o mundo, usando seu corpo e o sexo como moedas de liberdade. É aqui que voltamos à Era Vitoriana, com seus momentos de luzes e de trevas, metaforizados pela fotografia de Robbie Ryan: o mundo da prisão de Bella é retratado em preto e branco; o mundo que Bella passa a conhecer lá fora é cheio de cores vibrantes, como a personalidade que ela revela ter.
Ao vivenciarmos a viagem de Bella, Yorgos Lanthimos desnuda diante de nós uma trajetória de uma mulher, numa época de pensamento conservador, em busca de sua liberdade, da igualdade e de poder ser aquilo que ela quiser, da forma que ela quiser. É uma história de força, que utiliza muito bem o tom irônico a seu favor.
Ficção Americana
3.8 362 Assista AgoraOs estereótipos são padrões construídos pela sociedade e que acabam influenciando na forma e na maneira como rotulamos e retratamos as pessoas. Baseado no livro escrito por Percival Everett, “Ficção Americana”, filme dirigido e escrito por Cord Jefferson, trabalha justamente com essa noção, fazendo um recorte especial sobre como os negros são retratados e vistos pela literatura e pelo cinema.
O professor e escritor Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright, numa sólida atuação indicada ao Oscar 2024 de Melhor Ator) tem, como objeto de estudo de suas obras, os aspectos sociais, políticos e culturais do ser negro nos Estados Unidos. Cansado de ver que o público aparenta estar mais interessado em ler histórias de personagens negros repletas de clichês, ele decide adotar um pseudônimo e escrever um livro de ficção com todas essas marcas que remetem ao lugar-comum relacionado aos negros norte-americanos.
Apesar de ter uma trama imbuída dessa crítica, “Ficção Americana” também se interessa pelos dramas particulares da vida de “Monk”. Na forma como a sua vida privada é retratada pelo diretor e roteirista Cord Jefferson, fica subentendido que o ponto de limite da personagem é um reflexo, também, não só das suas frustrações profissionais, como também das familiares e pessoais.
“Ficção Americana” é uma obra que tem um elemento muito forte em sua narrativa: a metalinguagem. Afinal, estamos diante de um filme cuja ideia principal é transmitida dentro da sua própria linguagem. Ainda que a crítica que Cord Jefferson deseja passar seja importante, fica a incômoda sensação de que o filme não atinge aquilo que deseja transmitir.
Gnomeu e Julieta
3.1 549 Assista AgoraUma obra carismática e com ótimo senso de humor, “Gnomeu e Julieta” consegue ser a primeira animação a se destacar em 2011 justamente por ter elementos, em sua história, que apelam demais ao público infantil. A lamentar, no filme, somente dois pontos: o primeiro, a falta de necessidade do uso da tecnologia 3D aqui, uma vez que ela mal pode ser notada; a segunda, o não envio de cópias legendadas ao Brasil. A dublagem de Vanessa Giácomo e Daniel de Oliveira (casal de atores na ficção e na vida real) é muito fraca. Somente Ingrid Guimarães se destaca com um ótimo trabalho feito na personagem Nanette.
Eu, Capitão
4.0 70 Assista Agora“Eu, Capitão”, filme dirigido e co-escrito por Matteo Garrone, não é uma simples obra sobre a jornada de dois jovens senegaleses que decidem imigrar para a Itália em busca de uma vida melhor. É o relato de uma história com um elemento humano muito forte, que revela diversos aspectos sobre nós, enquanto seres humanos.
Quando decidem sair escondidos de casa, os primos Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall) vão passar pelos mais diferentes locais: o Senegal, o Deserto do Saara, a Líbia e o Mar Mediterrâneo. Uma viagem que será marcada pela frase de Seydou para o primo: “começamos a jornada juntos. Vamos terminá-la juntos”.
“Eu, Capitão” fala sobre as humilhações, as dificuldades, a corrupção, a violência, a solidão, o medo e as angústias que quem decide imigrar enfrenta. Ao mesmo tempo, este também é um filme sobre amor, companheirismo, perseverança, coragem e, principalmente, seguir em frente.
Indicado ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional, “Eu, Capitão” nos retrata a história de Seydou utilizando como base a jornada do herói. O triunfo final, acompanhado do ápice da trilha sonora, mesmo que esperado, não deixa de ser impactante, do ponto de vista emocional. Afinal, esta é uma história que causa uma empatia enorme conosco, enquanto plateia.
Homem-Aranha: Através do Aranhaverso
4.3 520 Assista AgoraO multiverso ocorre quando universos múltiplos e realidades paralelas existem simultaneamente. Esse conceito tem estado muito em voga na atual fase de filmes produzidos pela Marvel Studios. Uma das franquias que melhor trabalha com esse significado é a do “Homem-Aranha”, no gênero animação, nos longas estrelados por Miles Morales.
“Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, filme dirigido por Joaquin dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers, amplia o que assistimos na trama de “Homem-Aranha: No Aranhaverso”, na medida em que a diversidade de Homens-Aranhas encarnados nas diversas dimensões formam uma grande liga cujo principal propósito é evitar que o multiverso colapse pelas mãos de uma anomalia produzida por ele mesmo, o vilão Mancha (dublado por Jason Schwartzman).
Apesar dessa grande missão, a jornada de Miles Morales (dublado por Shameik Moore) nesta continuação vai além da trajetória do heroi: entender que o seu percurso pessoal é composto por aquilo que os seus semelhantes chamam de cânone (o evento que se repete na história particular de todos eles, independente de onde eles estejam localizados).
Já tínhamos aprendido, nos filmes live-action estrelados pelo Homem-Aranha, que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Com “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, temos a lição de que “ser Homem-Aranha é se sacrificar”. Miles Morales está pronto para esse sacrifício? Essa é uma pergunta que a continuação deixa sem resposta, uma vez que sua trama termina inacabada. Missão para o próximo filme da série!
Flamin' Hot: O Sabor que Mudou a História
3.3 64 Assista AgoraA história de Richard Montañez é um exemplar típico do tão falado “sonho americano”. De origem latina, ele começou a trabalhar desde cedo (em uma trajetória errante, diga-se de passagem, com episódios dentro da criminalidade) até que encontrou uma certa estabilidade como zelador da Frito-Lay, empresa do conglomerado PEPSICO que fabrica salgadinhos de milho, batatas fritas, Doritos, dentre outros.
A diferença entre Richard Montañez (Jesse Garcia) e seus colegas de trabalho é que ele era alguém visionário e corajoso. Na esteira da crise econômica do governo Reagan, preocupado com a manutenção de seu emprego (a fábrica na qual ele trabalhava estava ameaçada de fechamento), ele tem a ideia de criar uma variação do Cheetos que dialogasse diretamente com a cultura e com a culinária mexicanas.
A versão Cheetos Flamin’ Hot foi um verdadeiro sucesso, transformando, não só, a realidade da Frito-Lay, como também a de Richard Montañez, seus colegas e, principalmente, sua família. A trajetória de Montañez do menino que trabalhava na vinícola até o bem-sucedido Diretor de Marketing Multicultural da PEPSICO nos é contada em “Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História”.
Surpreendentemente dirigido pela atriz Eva Longoria (conhecida pela série “Desperate Housewives”), “Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História” chama a atenção por contar a sua história de forma leve, divertida e, em certos pontos, exagerada. Ajuda muito também o fato dela ter escalado atores muito carismáticos e que entenderam justamente o tom que o filme deseja passar.
Guardiões da Galáxia: Vol. 3
4.2 799 Assista AgoraOs Guardiões da Galáxia são um grupo cuja característica principal é a defesa de planetas e de galáxias contra ataques alienígenas no espaço sideral. O que chama a atenção neles é o espírito de equipe: eles atuam juntos e unidos em busca do propósito que eles têm que cumprir. Isso explica muito do que assistiremos em “Guardiões da Galáxia: Vol. 3”, filme dirigido e co-escrito por James Gunn, que marca o encerramento da trilogia que iniciou-se em 2014.
O Rocket (dublado por Bradley Cooper) é uma personagem muito importante para esse universo narrativo. Um guaxinim inteligente, atirador habilidoso e grande estrategista; é ele quem lidera esse grupo ao lado de Peter Quill (Chris Pratt). Na ausência de um, o outro toma à frente; quando um não está bem, o outro assume a ponta.
Em “Guardiões da Galáxia: Vol. 3” nem o Rocket, nem Peter Quill estão bem. O primeiro lida com as lembranças do seu passado. O segundo com a perda de Gamora (Zoe Saldana). Porém, para defender o universo e o Rocket, Peter Quill assume, mais uma vez, a liderança e reúne a sua equipe.
“Guardiões da Galáxia: Vol. 3” acaba trazendo o que essa franquia tem de melhor: o senso de humor peculiar, a trilha sonora caprichada e o todo, composto por cada um dos personagens que compõem esse grupo, em que cada um tem o seu momento para brilhar. Ao mesmo tempo, o filme tem um tom melancólico, prenúncio do fim que se anuncia e das transições que vem pela frente.
Nove Dias
3.7 76Dirigido e escrito pelo brasileiro Edson Oda, “Nove Dias” é um filme que tem uma premissa muito interessante: a trama se passa num mundo que não se parece com o que habitamos, em que um homem recluso chamado Will (Winston Duke) passa seus dias observando outras pessoas vivenciando as suas experiências terrenas. A missão dele no decorrer do filme é a de entrevistar candidatos para nascer e viver no nosso planeta.
Alguns detalhes importantes saltam aos nossos olhos durante a experiência de assistir a “Nove Dias”.
O primeiro deles é que os tipos de relacionamentos que Will estabelece com os candidatos a renascer, os diálogos que eles têm e, principalmente, as escolhas que Will fará possuem como base a experiência do próprio entrevistador como um homem encarnado.
O segundo deles é, por meio da personagem Emma (Zazie Beetz), percebermos o quão importante é estarmos abertos para vivenciar novas experiências, aproveitando e celebrando cada momento que temos a oportunidade de viver - sejam eles os mais triviais e simplórios, sejam eles os mais definidores e importantes.
O terceiro deles é o quão fundamental é fazer valer a pena a nossa vida. Independente de onde estivermos, encarnados ou não (considerando a realidade na qual “Nove Dias” se passa).
Perceber esses pequenos detalhes e ver as transformações acontecendo diante dos nossos olhos são elementos que fazem de “Nove Dias” um filme a ser conferido!
A Sociedade da Neve
4.2 711 Assista AgoraEm 13 de outubro de 1972, o voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que tinha como destino o Chile, cai em plena Cordilheira dos Andes. Nele estavam 45 pessoas a bordo - amigos, familiares e membros do time de rúgbi Old Christians Club. O que se passou nos 72 dias após o acidente, em que sobreviventes (ilesos e feridos) lutaram para permanecerem vivos é o que assistiremos em “A Sociedade da Neve”, filme dirigido e co-escrito por J.A. Bayona.
Assim como vimos em “O Impossível”, outro longa que retrata a luta pela sobrevivência dirigido por Bayona, em “A Sociedade da Neve” iremos assistir a pessoas resistindo, brigando em condições extremas para se manterem vivos e sendo capazes até dos atos mais inimagináveis (os quais não iremos nunca julgar) para poderem contar a sua história ao final de tudo isso.
Uma decisão muito feliz do roteiro de “A Sociedade da Neve” é colocar uma voz narrando tudo o que iremos assistir. Ao dar uma face a esse narrador, Bayona nos traz, como espectadores, para mais próximos de sua história, nos colocando quase como se fôssemos um passageiro oculto daquele voo. É através da voz de Numa Turcatti (Enzo Vogrincic) que aprendemos os verdadeiros valores dessa história: a coletividade e o trabalho em equipe. Foram eles que levaram os 16 sobreviventes finais a serem resgatados com vida.
Indicado ao Oscar 2024 de Melhor Filme Estrangeiro, “A Sociedade da Neve”, apesar de ser mais um retrato ficcional/documental do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, é uma obra que marca por ser um relato com a fidelidade e com a crueza que uma história como essa necessita.
Golda: A Mulher De Uma Nação
3.0 61Uma das fundadoras do Estado de Israel, Golda Meir, até hoje, ostenta o status de única mulher a ser Primeira-Ministra do país. O filme “Golda: A Mulher de uma Nação”, dirigido por Guy Nattiv, não é uma cinebiografia sobre a sua trajetória pessoal, política e profissional. Ao invés disso, o roteiro escrito por Nicholas Martin faz um retrato específico do momento mais delicado nos cinco anos de governo de Meir: o que envolveu a participação de Israel na Guerra do Yom Kippur, em 1973.
A Guerra do Yom Kippur foi um conflito militar que ocorreu de 6 a 26 de outubro de 1973, envolvendo o estado árabe, liderado por Egito e pela Síria, contra Israel; e que teve seu ponto inicial num ataque surpresa sofrido pelos israelenses na Península do Sinai e nas Colinas de Golan.
É importante ressaltar que, não bastasse o momento político delicado, naquele instante Golda Meir também passava por uma situação difícil na sua vida pessoal, enfrentando um tratamento contra um câncer.
Desta forma, o interessante em “Golda: A Mulher de uma Nação” é a captura que ele faz de uma mulher em posição de poder e de influência, num mundo e num campo altamente dominado pelos homens, tendo que tomar decisões que influenciariam o destino e o reconhecimento do Estado de Israel como uma nação soberana.
Neste sentido, é muito importante um aspecto do filme: o roteiro. Boa parte da ação de “Golda: A Mulher de uma Nação” se passa nas salas de reuniões, com diálogos longos e profundos sobre a seriedade daquele acontecimento. Outro aspecto que se destaca no longa é o trabalho de cabelo e de maquiagem (indicado, inclusive, ao Oscar 2024 da categoria): Helen Mirren está irreconhecível como a personagem principal.
Maestro
3.1 260O nome do filme pode ser “Maestro”. Porém, ao invés de apostar na linguagem tradicional e ser uma cinebiografia típica sobre o maestro, compositor e pianista Leonard Bernstein; o diretor e co-roteirista Bradley Cooper enfoca a sua história no relacionamento entre Lenny (interpretado pelo próprio Cooper) e sua esposa, a atriz Felicia Montealegre (Carey Mulligan).
Desta forma, “Maestro” acaba sendo um filme sobre o casamento entre um homem que possuía desejo e atração por outros homens, discreto em suas aventuras extra-conjugais, porém apaixonado pela sua esposa; e uma mulher que amava o seu marido e que, embora ciente dos casos que ele mantinha, estava disposta a colocar tudo para debaixo do tapete em prol da vida e da família que ambos construíram juntos.
Neste sentido, “Maestro” é muito feliz em capturar o conflito maior daquela que é a personagem mais interessante dessa história: Felicia, na atuação maravilhosa de Carey Mulligan. Ela era uma mulher com uma vida própria, atriz respeitada e de sucesso; mas, ao mesmo tempo, uma pessoa totalmente ciente de seu papel como esposa de Leonard Bernstein. Ela tinha plena consciência do verdadeiro eu de seu marido e teve o discernimento de compreender os momentos certos para sair de cena, sem deixar de ser o esteio no qual Bernstein se voltava sempre que necessitava de maior suporte emocional.
Apesar disso, “Maestro” é um filme que falha muito em parte por causa de seu diretor. A sensação que temos ao assistir a este longa era a de que Bradley Cooper via essa história como um trampolim para que ele pudesse alcançar a maior glória que um artista da indústria cinematográfica pode alcançar: um Oscar. A cada cena de “Maestro” está presente essa intenção. Isso custou ao filme um elemento importante: a emoção, a conexão verdadeira - e genuína - com a plateia. E a julgar pelo retorno obtido na atual temporada de premiações, vemos que o tiro de Bradley saiu muito pela culatra.
Assassinos da Lua das Flores
4.1 606 Assista AgoraAssim como visto em “Gangues de Nova York”, em “Assassinos da Lua das Flores”, o diretor Martin Scorsese aborda aspectos da formação da sociedade e da cultura norte-americana. Saem os imigrantes irlandeses e entram agora a população nativa dos Estados Unidos, representados aqui pelos integrantes da tribo Osage, que fizeram fortuna com a descoberta do petróleo em suas terras.
Atraídos pelas possibilidades de crescimento econômico, numa terra sem lei, o homem branco desembarca nessas localidades, passando a cortejar e a se infiltrar na cultura osage, casando com as mulheres indígenas, formando famílias mestiças, e se apropriando de seus valores, de suas raízes, de seus bens, de suas terras. Custe o que custar. A que preço for necessário.
Martin Scorsese retrata essa história por meio de uma trama que envolve temas como a já citada apropriação cultural, a ganância, o uso desmedido do poder, a discriminação, a impunidade, a crueldade e a criminalidade, com personagens de moral e de caráter duvidoso e que, mesmo diante da presença da lei (representada pelo FBI e suas técnicas inovadoras de investigação para a época), duvidam do papel da justiça em honrar e defender os cidadãos.
“Assassinos da Lua das Flores” é um filme com uma dura crítica social e política, principalmente ao silenciamento dos osage, que foram, não só assassinados em série, como também sufocados em sua cultura, em seus valores e em sua dignidade humana. Fica a lição de que “as mãos que construíram a América” (para fazer mais uma alusão à “Gangues de Nova York”) também foram banhadas de sangue, de cobiça e de perversidade.
Barbie
3.9 1,6K Assista Agora“A vida de plástico é fantástica”. Só que não!
“Barbie”, filme dirigido e co-escrito por Greta Gerwig está aí para provar isso. Na história que iremos assistir, o mundo real e o mundo cor-de-rosa da imaginação coexistem de forma não harmoniosa, um influenciando o outro. A jornada principal? A da Barbie Estereotipada (Margot Robbie) em busca do sentido para a sua vida depois que ela se dá conta de que seu mundo de fantasia está ruindo.
Se enganam aqueles, inclusive, que pensam que “Barbie” é um simples filme de boneca. O longa é uma obra repleta de camadas e de elementos interessantes que representam muito bem a dualidade entre o ser mulher num mundo que cobra excessivamente de todas nós e o ser mulher no mundo da fantasia.
Nestes mundos, temas como o patriarcado, os estereótipos, a conquista de espaços pelas mulheres, a relação entre mães e filhas, a relação entre as meninas/mulheres e uma figura como a Barbie, o domínio masculino, o mundo dos negócios, a vida real, o mundo da fantasia são discutidos, tendo sempre como pano de fundo personagens bem caricaturais, quase exagerados.
O interessante é que, para o propósito de “Barbie”, a artificialidade, o caricatural e o exagerado funcionam muito bem, resultando num filme que, por trás de suas aparências mercadológicas e banais, nos deixa com diversos pontos bacanas sobre os quais podemos refletir.
A Lenda de Beowulf
3.0 542 Assista Agora“A Lenda de Beowulf” é o segundo filme feito pelo diretor Robert Zemeckis (cujas obras mais famosas são “Náufrago”, “Revelação” e “Forrest Gump – O Contador de Histórias”) com o uso da técnica de captação de performances – quando sensores são colocados nos atores para captar seus movimentos e os traços de seus rostos para termos uma sensação o mais próxima possível da realidade. O experimento é bastante interessante e já provou dar resultados excelentes – como foi o caso da criatura Gollum na trilogia “O Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson. No entanto, em “A Lenda de Beowulf”, mesmo com a excelente qualidade técnica do trabalho em animação que é feito por Robert Zemeckis, existe ainda muito trabalho a ser feito pela sua equipe, no que diz respeito ao aprimoramento deste conceito, já que, não importa se os personagens estão tristes, felizes, apreensivos ou nervosos, a face deles continua impassível – o que faz com que seja difícil a gente se entregar à trama do filme.
Alabama Monroe
4.3 1,4K Assista AgoraExistem filmes que você não precisa entrar muito na história para saber que ele se transformará numa experiência difícil e dolorosa de se conferir. “Alabama Monroe”, dirigido por Felix von Groeningen, é um desses filmes. A trama, que é baseada numa peça teatral, acompanha os altos e baixos do relacionamento entre Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh, co-autor da peça na qual o longa se baseia).
Numa montagem não linear, que mistura as linhas temporais do passado e do presente, o futuro de Elise e Didier é delineado. Assim como na vida, as lembranças e as experiências que eles passam têm uma trilha sonora. É o ritmo do bluegrass, um estilo derivado do folk e um dos representantes da música popular e tradicional dos Estados Unidos, que embala e entrelaça essas vivências.
Voltando ao início do nosso texto, “Alabama Monroe” é uma experiência difícil de se conferir, porque é um filme que nos relembra sobre como a vida, às vezes, é traiçoeira. Didier e Elise formaram a sua família e, do nada, o chão se abriu sobre os pés deles, os colocando numa roda de sofrimento da qual eles não conseguem sair.
Não me entendam mal. “Alabama Monroe” é um filme muito bonito, mas é um filme que é a prova viva do quão emocionalmente desafiadora é a experiência de viver. Passamos pelo amor, pela paixão, pela intensa alegria, pelo sofrimento, pela mágoa, pelo luto, pela mais poderosa dor, pelo sentimento de impotência diante do que não podemos modificar, pela fé (ou pela ausência dela). E tudo isso com a cobrança pessoal de sermos fortes, de prosseguir, de seguir em frente, caminhando adiante. Qual o nosso limite diante de tudo isso? “Alabama Monroe” é sobre todas essas coisas.
Lansky: Uma História da Máfia
2.9 14 Assista AgoraAo contar a história de Meyer Lansky, gângster norte-americano conhecido como um dos fundadores da indústria de jogos de azar nos Estados Unidos, o filme “Lansky: Uma História da Máfia”, dirigido e escrito por Eytan Rockaway, adota um recurso narrativo bastante conhecido no cinema: o do relato da história de uma personalidade icônica através de uma entrevista que ele concede a um terceiro.
No caso do filme, Lansky (interpretado por John Magaro e Harvey Keitel) conversa com o escritor David Stone (Sam Worthington), que foi contratado por aquele para escrever sua autobiografia. Na alternância entre flashbacks (que retratam as lembranças do entrevistado) e os momentos presentes (que nos mostram a atualidade dos fatos), temos uma crônica sobre o crime organizado nos Estados Unidos, como estruturado pelos integrantes da máfia.
Em sua essência, “Lansky: Uma História da Máfia” não acrescenta muita coisa aos demais filmes do gênero, por exemplo. A opção de Eytan Rockaway é nos apresentar o seu personagem principal por meio de uma visão um tanto maniqueísta, representada pelo foco em seu lado humano - dialogando um tanto com a figura errante que é, também, David Stone.
Ou seja, embora não estejamos diante de um grande filme, na medida em que falta a “Lansky: Uma História da Máfia” aquele elemento impactante; esta é uma obra que cumpre o seu papel como a cinebiografia que é. Vale a conferida!
Luz Branca, Chuva Negra: A Destruição de Hiroshima e Nagasaki
4.5 19 Assista AgoraComo descrever o indescritível? “Clarão/Chuva Negra: A Destruição de Hiroshima e Nagasaki”, documentário dirigido por Steven Okazaki, tenta fazer isso, ao jogar o olhar sobre os acontecimentos ocorridos em agosto de 1945, nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, locais que foram os pontos do ataque nuclear que marcou o fim da II Guerra Mundial.
Com uma narrativa dividida em três atos: os sobreviventes, a bomba e o resultado, temos um filme que se debruça sobre o lado mais negativo da guerra, aquele que representa a destruição, seja de cidades e, no caso de Hiroshima e Nagasaki, principalmente, aquele que significa a destruição de vidas/pessoas/famílias.
Chama a atenção no documentário o lado humano impresso pelo diretor Steven Okazaki em cada imagem. Aqui, temos representações tanto da camada mais positiva que o ser humano possui, como da mais negativa. Sentimentos reforçados, não só pelas imagens de arquivo (algumas, fortíssimas), como também pelos depoimentos dos diversos vértices que compõem esta história.
Apesar de já sabermos o impacto que estes acontecimentos tiveram, ao longo de “Clarão/Chuva Negra: A Destruição de Hiroshima e Nagasaki”, somos invadidos por diversos sentimentos, porém o mais forte deles é aquele que nos deixa com um embrulho no estômago. Principalmente quando estamos diante dos sobreviventes. Dói saber que eles, não bastasse tudo o que sofreram, ainda são vistos com olhos depreciativos por parte de seus compatriotas.
Os verdadeiros heróis dessa história não são aqueles que ganharam medalhas de guerra, e sim os sobreviventes. Estes conviveram por anos com a bomba, via seus efeitos, todos os dias. A história deles não deve morrer com a partida deles. Deve sempre permanecer, para que compreendamos os limites e as ameaças que as armas nucleares representam para a humanidade.
Super Xuxa contra Baixo Astral
2.7 529 Assista AgoraPoucas vezes uma cena foi tão feliz. Sem diálogos, somente com a execução e encenação da canção “Arco-Íris”, de autoria de Anna Penido, Graciella Carballo, Michael Sullivan e Paulo Massadas, temos a construção da personagem principal de “Super Xuxa Contra Baixo Astral”, filme dirigido por Anna Penido e David Sonnenschein; e, de quebra, a motivação por trás de suas ações e do grande conflito do longa.
Xuxa (interpretando a si mesma) é a heroína que tenta trazer mais alegria à cidade do Rio de Janeiro, seja por meio da distribuição de amor, da pintura de paredes pichadas, do auxílio ao próximo, enfim, da realização das mais diversas boas ações. Em contraponto a ela, a figura do Baixo Astral (o saudoso Guilherme Karam): o vilão que vive no submundo e na sujeira, que odeia alegria e que só deseja semear a maldade e a discórdia.
Em busca de recuperar o seu cãozinho Xuxo (que foi raptado pelo Baixo Astral), Xuxa embarca numa viagem pelo mundo da fantasia e dos sonhos, numa jornada que reforça a sua posição e o seu papel de boa influência e de promotora de ações positivas em todos os ambientes em que ela se encontra.
Rever “Super Xuxa Contra Baixo Astral” na idade adulta é ter a certeza de que o filme sobreviveu ao tempo. Sua mensagem principal do amor e da esperança como base para a transformação pessoal é muito bonita. Esse filme representa o cinema infantil em sua excelência.
Elementos
3.7 467Fogo. Água. Terra. Ar. Elementos da natureza e que regem os signos do zodíaco. Na narrativa da animação “Elementos”, filme dirigido por Peter Sohn, estes quatro componentes representam diversas comunidades, cujos representantes coabitam numa cidade harmonicamente, embora respeitem as particularidades que os diferenciam entre si.
O foco do roteiro escrito por John Hober, Kat Likkel e Brenda Hsueh está no relacionamento que nasce entre Faísca (dublada por Leah Lewis na versão original), uma representante do povo do Fogo, e Gota (dublado por Mamodou Athie na versão original), que representa o povo da Água.
O relacionamento entre eles envolve um background que aborda temas como a tradição e as relações familiares, a descoberta da verdadeira vocação e o senso de justiça e da defesa das pessoas amadas - tudo isso tendo como base as características principais desses elementos, que são a sensibilidade da água e o poder que o fogo possui.
Na maior parte das vezes, aprendemos que os elementos da natureza não se misturam. “Elementos” é um filme que nos mostra o contrário: o quanto esses componentes, representados por essas personagens, possuem em comum. A animação carrega em si as características que fazem dos longas da Disney eventos especiais, na medida em que a emoção e a fantasia dominam cada uma das cenas que assistimos.
Sharper: Uma Vida de Trapaças
3.4 98 Assista AgoraExiste uma teoria que os norte-americanos chamam de “Six Degrees of Separation”, na qual eles acreditam na ideia de que todas as pessoas estão conectadas socialmente umas às outras, num grau de até seis ou menos pessoas. Quando a gente vê a estrutura narrativa adotada pelo diretor Benjamin Caron, no filme “Sharper: Uma Vida de Trapaças”, a sensação que dá é a de que a gente está assistindo a uma conexão desse tipo - afinal, a história é dividida em capítulos, centrados nos personagens (vítimas e golpistas) que estão relacionados a esta série de trapaças.
A palavra “Sharper”, que dá título ao filme, aliás, está relacionada à temática principal da trama: os vigaristas, aquelas pessoas que vivem de aplicar golpes - de preferência em milionários. No caso específico do longa, o golpe é aplicado em uma família - pai (John Lithgow) e filho (Justice Smith) - de relacionamento complicado.
O golpe aplicado neles é simples e consiste em fazer com que os golpistas passem a impressão de ser aquilo que eles não são. Assim, “Sharper: Uma Vida de Trapaças” aborda temas como traição, roubos, relações familiares, manipulações e a disputa pelo poder e pelo dinheiro. Tudo isso plantando, também, na mente do público, a dúvida sobre o caráter e a motivação de cada personagem.
Se nada é aquilo que aparenta ser, então “Sharper” também aplica um golpe na plateia. A diferença é que nós estamos com uma vantagem importante: nós sabemos com quem estamos lidando. Ao contrário de Tom, o filho, e Richard, o pai.