A grande surpresa no mundo cinematográfico na segunda metade da última década foi, sem dúvida, o Cinema Romeno, que outrora desconhecido, passou a ser uma das mais revigorantes forças do cinema europeu do século XXI. Os olhos de todos voltaram-se para o cinema desse pequeno país do Leste Europeu a partir de 2005, quando o longa A Morte do Sr. Lazarescu (Cristi Puiu, 2005) venceu a mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes em 2005. No ano seguinte, foi a vez de À Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006) ganhar a Câmara de Ouro desse mesmo festival e em 2007, 4 meses, 3 semanas, 2 dias (Cristian Mungiu, 2007) levar a Palma de Ouro, o prêmio máximo de Cannes. Desde então, o cinema romeno passou a ser um grande destaque no mundo cinematográfico e diversos outros filmes foram aclamados pela crítica internacional, entre eles, Como festejei o fim do mundo (Catalin Mitulescu, 2007), California Dreaming (Cristian Nemescu, 2007), Polícia, Adjetivo (Corneliu Porumboiu, 2009), Contos da era dourada (Ioana Uricaru, Hanno Höffer, Räzvam Márculescu, Constantin Popescu, Cristian Mungiu, 2009) e Se eu quiser assobiar, eu assobio (Florin Serban, 2010).
Uma das coisas que mais chama atenção nessa recente safra do cinema romeno, além do uso de uma estética realista e minimalista e da recorrente presença de um afiado humor negro, lembrando muitas vezes a obra do cineasta sérvio Emir Kusturica, é a presença quase que constante do ditador romeno Nicolae Ceausescu e dos últimos momentos de seu governo até a sua queda. Se ele e os últimos dias de sua ditadura não são o tema principal, como é o caso de À Leste de Bucareste, Como festejei o fim do mundo e Contos da Era Dourada, eles aparecem como plano de fundo, em silêncio, mas plenamente ativos na cabeça e nas ações dos seus personagens, sufocando-os, como em 4 meses, 3 semanas, 2 dias (o comércio ilegal de cigarros, a proibição do aborto, a necessidade constante de se andar com um documento de identidade) e Polícia, Adjetivo (a força da polícia romena, a crença de que a lei mudará em breve). Mas, de onde vem essa obsessão pelos últimos dias de Ceausescu?
Nicolae Ceausescu (1918-1989), líder então do Partido Comunista Romeno, que apesar de repudiar Stalin e adotar uma política de enfrentamento antirrussa, presidiu a Romênia de 1965-1989 com mão de ferro e utilizando-se da propaganda de culto à sua personalidade, criou uma tirania rígida e feroz, onde a Romênia era essencialmente um Estado policial, dada a onipresença de sua polícia secreta (Securitate). Além disso, as políticas econômicas e de desenvolvimento de Ceausescu, muitas vezes megalomaníacas, promoveram uma grave escassez de comida, medicamentos e energia, levando à pobreza a população. A reclusão desse regime era tanta que em Como festejei o fim do mundo, o “fim do mundo” é uma clara alusão ao fim do regime de Ceausescu.
No ano de 1989, movimentos de erradicação ao comunismo vinham de Berlim, onde o muro havia caído em novembro, no sentido do Leste Europeu. Em 17 de dezembro, na cidade romena de Timisoara, manifestantes foram recebidos a tiro pela Securitate, o que provocou uma reação da população em diversas cidades. Cinco dias depois, esse movimento chegaria à capital, Bucareste, e no mesmo dia Ceausescu e sua esposa seriam presos. Por isso, dia 22 de dezembro é considerada a data da chamada Revolução Romena. No dia 25, Ceausescu e sua esposa foram julgados por um tribunal irregular e condenatos à morte por fuzilamento. São executado no mesmo dia e o fuzilamento é exibido pela televisão romena (e as imagens estão disponíveis no Youtube). A Romênia foi um dos últimos países do Leste Europeu a derrubar o regime socialista e foi o único que teve um fim violento para o seu regime. Entretanto, passados mais do que 20 anos da Revolução Romena, inúmeras questões ainda permanecem sem resposta e ainda geram controvérsias. Pouco se sabe sobre a real atuação dos líderes da Revolução e suas verdadeiras intenções já que muitos deles ainda pertenciam ao velho regime. Questiona-se ainda a razão de alguns fatos terem ocorrido e se tudo não foi apenas uma armação para se tirar vantagem do caos e encenar um golpe. Nesse ínterim, indaga-se se realmente o levante popular houve importância ou foi apenas um elemento que acabou servindo de joguete para essa encenação. É aí que entra Corneliu Porumboiu e seu magnífico À Leste de Bucareste.
Podemos dividir À Leste de Bucareste em duas partes, cada qual representando uma metade do filme. Na primeira metade, vemos o cotidiano dos três personagens centrais do filme em uma pequena cidade do interior da Romênia: Virgil Jderescu, um egocêntrico jornalista da televisão local; Emanoil Piscoci, um velho senhor famoso por se vestir de Papai Noel no Natal e; Tiberiu Manescu, um professor de história alcoólatra. E na segunda metade, temos a exibição do programa de Jderescu, que convidou Piscoci e Manescu para debaterem em seu programa comemorativo dos 16 anos da Revolução Romena, se naquela cidade houve ou não a Revolução. E é aí que o filme carrega todo o seu brilhantismo. Por quarenta minutos, temos apenas uma única cena que é a exibição do programa de Jderescu, onde Manescu conta sobre como foi à praça da cidade e iniciou ali a revolução, para logo depois ser desmentido por um grande número de pessoas ao vivo na televisão, deixando Jderescu totalmente sem graça. E nós ficamos presos à tela, pela extrema comicidade da cena e pelo trabalho brilhante dos atores Mircea Andreescu (Piscoci), Teodor Corban (Jderescu) e Ion Sapdaru (Manescu). E utilizando-se do escracho, Porumboiu faz daquela pequena cidade um símbolo para toda a Romênia, mostra ao mundo as recentes controvérsias históricas romenas e convida brilhantemente o povo romeno a se lembrar daquela revolução para finalmente compreendê-la e usá-la para se construir um futuro melhor, como o próprio Jderescu propõe em seu programa. Além disso, Porumboiu critica e ameniza o povo romeno. Se por um lado, ele demonstra que a população talvez não tivesse a real dimensão de tudo aquilo (dado pela fala de Piscoci “fui à praça para mostrar à minha esposa que eu podia ser um herói”), por outro ele argumenta que a nova geração (os alunos de Manescu) não se importa com a história da Romênia, já que preferem conhecer mais a Revolução Francesa que o Império Otomano, o qual a Romênia fez parte. Por fim, na primeira metade do filme, Porumboiu ainda nos faz pensar se realmente houve uma revolução propriamente dita na Romênia já que muitas coisas permaneciam iguais há 16 anos: mesmo estando em 2005 o professor ainda tinha que retirar o seu pagamento na escola, a rede de televisão no qual Jderescu é dono é uma cópia idêntica das televisões estatais dos regimes socialistas da Cortina de Ferro, além da própria arquitetura da cidade, que não parece ter mudado em nada nos últimos 30 anos. Além disso, Porumboiu dá sinais que a transição para o capitalismo e globalização tem sido difícil para o povo (tema mais explorado em A Morte do Sr. Lazarescu), é o comerciante chinês sendo ofendido, é a banda da televisão tocando pateticamente uma música latina.
A Romênia fez do seu cinema recente um divã para as suas questões históricas. À Leste de Bucareste é a sessão de psicanálise que mergulha mais profundamente em suas agonias. Entretanto, sua mensagem final é bastante positiva, com a esperança de dias melhores à Romênia com o acender das luzes, com a neve que volta a cair depois de tanto tempo e com a frase “Pacífica e bela, é tudo o que eu lembro da revolução”.
Um dos piores do filmes Almodóvar. Tedioso, previsível e com uma atuação mais do que horrorosa do Bandeiras. Muito ruim. Muito difícil entender como um cara que faz obras primas como Volver e Fale com Ela, faz essa porcaria.
Eis a pergunta que me fiz ao comentar sobre esse documentário com alguns de meus colegas biólogos que foram severamente críticos a ele. Para quem não sabe ou não lembra “A Marcha dos Pinguins” é um documentário dirigido pelo francês Luc Jacquet lançado em 2006 que na época causou comoção nos cinemas do mundo todo, sendo indicado ao prêmio César de melhor filme e vencendo o Oscar de melhor documentário. “A Marcha dos Pinguins” conta o ciclo de vida dos pinguins imperadores no desértico gelo da Antártida, desde a busca pelo companheiro ideal até a preparação dos filhotes para a vida adulta. Interessantemente, entre os pinguins imperadores há uma inversão de papéis entre machos e fêmeas, onde a fêmea deixa o ovo para ser chocado pelo macho, enquanto vai ao mar em busca de alimento. A fêmea regressa entre a altura do nascimento da cria e até dez dias depois. Dentre as centenas de outros pinguins machos, a fêmea encontra o seu par através do seu chamamento vocal, passando ela a tomar conta da cria.
Cinematograficamente falando, o documentário é esplêndido. Belíssimas e delicadas imagens, tratadas com aprumado esmero e atentas a todos os detalhes, seja dos gestos dos pinguins, seja da paisagem desértica da Antártida. Cabe lembrar que Jacquet, com o auxílio dos seus dois diretores de fotografia (os franceses Laurent Chalet e Jérôme Maison), filmou em condições bastante adversas, sob intensas nevascas e temperaturas que chegavam a -40°C. Acompanhando a beleza das imagens está uma brilhante edição de som e uma magnífica trilha sonora comandada pela cantora francesa Émilie Simon, que inclusive ganhou o prêmio César de melhor Trilha Sonora Original de 2006.
Mas então, qual o problema com “A Marcha dos Pinguins”? A razão da repulsa provocada pelo documentário entre os biológos é a antropomorfização dos pinguins, através de narrações humanizadas, provendo-os de sentimentos como amor, saudades, ciúmes e frustração. Em uma passagem do filme, por exemplo, vemos (e ouvimos sob a narração das atrizes Romane Bohringer na versão americana e Patrícia Pillar na versão brasileira) a pinguim fêmea lamentar a rachadura do ovo de maneira semelhante a uma mãe que perde um filho. Sinceramente, apesar de entender os problemas dessa antropomorfização, já que ela distorce as ações naturais dos animais, não vejo motivo para tanta severidade nas críticas e defendo que sim, esse documentário deve ser apreciado pelos biólogos.
Obviamente que essa narrativa de caráter humano serve para envolver o público na luta dos pinguins para dar continuidade ao seu ciclo de vida frente às grandes dificuldades do gelo antártico. Apesar disso, não a vejo como um apelo comercial ao documentário, a encaro mais como um desafio de Jacquet em poetizar o ciclo de vida dos pinguins imperadores. E ele cumpre com esse desafio. Em nenhum momento a narrativa comete erros sobre a biologia destas aves e nem se torna piegas ou apelativa. Ela realmente nos envolve na história de maneira arrebatadora, nos emocionando com a história dos pinguins e com o ambiente em que eles vivem. Entendo que as ações dos pinguins são guiadas por um comportamento que provavelmente foi selecionado ao longo da evolução e não por sentimentos humanizados.
Entretanto, não há motivo em impedir que a arte verse à sua moda sobre a natureza, ainda mais de forma tão brilhante como neste documentário. “Marcha dos Pinguins” é um bom exemplo da importância de se relacionar inteligentemente arte e ciência, no sentido de tornar a difusão dos conteúdos científicos de maneira mais interessante e atrativa. Além disso, a ciência pode se aproveitar da inestimável capacidade da arte de provocar o ser humano e fazê-lo refletir, assim como “A Marcha dos Pinguins” nos faz refletir sobre uma natureza, a qual também fazemos parte, mas insistimos em destruir.
Hamaca paraguaya é um filme estranho. Sim, é estranho. Para começar, é um filme paraguaio. Você já viu algum filme paraguaio? Pois é, este é o primeiro filme paraguaio desde 1978 e ainda por cima é falado em guarani. Sim, em guarani. Entendo que isso não caracterize um filme como estranho, talvez no máximo como exótico. Mas não, o filme é realmente estranho.
O filme é inteiramente composto de planos fixos e longos. Bem longos, alguns chegam a durar quase vinte minutos. E neles, pouca coisa acontece. Algumas vezes eles se repetem. E a câmera quase sempre está distante dos atores; e quando está perto, não os enquadra. Além disso, os diálogos não são casados com as imagens. Sim, isso mesmo. Os diálogos não tem nada a ver com a ação das cenas. Em uma das mais belas cenas do filme, enquanto a câmera mostra o pai cortando cana sozinho, o diálogo retrata o último diálogo entre ele e seu filho, antes que esse fosse à guerra. Em outra, enquanto o pai está sentando num banco do lado de fora da casa, as falas retratam uma discussão sobre salvar ou não a vida do cachorro. O ritmo é lento e exige do expectador uma entrega ímpar.
Estranho e lento, mas genial. Sim, Hamaca Paraguaya é um filme genial.
Mas sobre o quê se trata esse filme? Pois bem, é o seguinte: nos últimos dias da Guerra do Chaco (Guerra entre Paraguai e Bolívia – 1932-1935), em algum lugar remotíssimo do Paraguai, um casal de idosos espera pelo filho que foi lutar na guerra. Esperam também pela chuva, que nunca vem, e pelo vento, que nunca sopra. Fazem pequenas coisas (ele corta cana, ela cuida da casa), sentam-se à rede (daí o nome Hamaca Paraguaya, tradução seria Rede Paraguaia) e esperam. Esperam e conversam. Sobre a chuva que não vêm, sobre o cachorro que não para de latir, sobre o vento que não sopra, sobre a rede que vai estourar. Diálogos pausados, lentos. E esperam. E esperam. E esperam. Uma agonia silenciosa. A Guerra acaba. E eles esperam. Enquanto a mãe realiza pequenos afazeres domésticos, sozinha, as falas retratam o diálogo entre ela e um mensageiro da guerra. A mensagem não é das mais felizes. Seria seu filho? Como ele morreu? Ele voltará?
Eles continuam esperando, sentados à rede. Desde o início sabemos que o filho não voltará. Mas eles esperam. Uma interminável espera. Esperam também a chuva. O filme acaba, mas a diretora acena com uma esperança para o futuro: quando a tela escurece, ouvimos o som da tão aguardada chuva. Virão dias melhores para este casal. Se a rede é paraguaia, como diz o título do filme, este casal pode representar o povo paraguaio. O filho que não volta representaria os maus tratos da História e a chuva, esperança de dias melhores para a nação.
Para finalizar, gostaria de destacar a impecável edição de som do filme. Os ruídos vindos do lugar onde o casal mora constituem quase um personagem do filme. Sons dos pássaros, dos grilos, do vento, da tempestade que se aproxima, do latido do cachorro; todos entremeados nos planos e nos diálogos dos personagens. Sensacional.
O peso de ser um grande comandante. O peso de ser o comandante que sabidamente vai tirar do eixo a história de grandes nações. O diretor russo Aleksandr Sokurov tentou dar a sua visão desse “peso” em seus filmes penetrando avidamente na vida de alguns dos maiores comandantes do século XX, procurando retratá-los em sua intimidade no intuito de desmistificá-los. Em Moloch (1999) retrata a visita de Adolph Hitler à Eva Braun nos Alpes da Bavaria. Em Taurus (2001) mostra os últimos momentos de Lênin antes de sua morte ao lado apenas de sua mulher. Em O Sol (2005), retrata os últimos momentos do Imperador Hiroíto antes de assumir a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial. Neste último, Sokurov consegue atingir de forma literal essa desmistificação.
O Imperador Hiroíto seguia a mesma escola de seu avô e pensava o Japão como um país moderno, militarista e principalmente, imperialista. Procurou conquistar todo o Pacífico, foi censurado pelo Tratado de Versalhes apesar do Japão ter apoiado França e Inglaterra na I Guerra. Em retaliação, mesmo sem identificação ideológica alguma com o nazifascismo (até alienada reconhecendo que nunca conheceu pessoalmente Adolph Hitler), aliou-se ao Eixo na II Guerra para prosseguir em suas conquistas no Pacífico. Em 1941, atacou a base americana de Pearl Habor no Hawai e o resto todo mundo já sabe. O Eixo perde a guerra e o Japão é arrasado com duas bombas nucleares. É aí que entramos em agosto de 1945, momento crucial da vida de Hiroíto e motivo do filme de Sokurov.
Os americanos já dominavam o Japão e pediam a rendição japonesa. O Japão, em 2600 anos de História, nunca havia perdido uma guerra. Como assinar essa rendição? E pior, desde a formação da família imperial japonesa há 2600 anos, o Imperador do Japão era considerado uma divindade; um descedente direto da deusa xinto do sol, Amaterasu Oomi Kami e os americanos exigiam que Hiroíto renegasse seu caráter divino. Eram 2600 anos de História nos ombros de Hiroíto; 2600 anos para derrubar no chão e esquecer. Somado a isso, o peso das duas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. É esse turbilhão na cabeça de Hiroíto que Sokurov brilhantemente retrata em seu filme O Sol (2005). Os últimos momentos de Hiroíto antes de se render, antes de negar que é descendente de uma deusa, antes de balançar toda a história da nação japonesa. Hiroíto brinca com seu o mordomo, questionado o porquê de seus corpos serem iguais se ele era um deus, Hiroíto tem tiques na face que nos deixam nervosos (excelente atuação do ator Issei Ogata), Hiroíto vai ao seu laboratório de biologia como se não houvesse uma guerra recém-perdida, Hiroíto tem pesadelos com as bombas de Hiroshima e Nagasaki, Hiroíto vai ao encontro do general Macarthur e vê uma Tóquio destruída pela guerra, o temido encontro com Macarthur. Com todas essas ações filmadas sob a expectativa de uma catarse, o filme de Sokurov nos inquieta e nos faz querer entrar em Hiroíto e ver toda a situação com seus olhos. Ser Hiroíto e sentir e compartilhar o peso da História nos ombros como Hiroíto sentiu.
Há duas cenas belíssima que deveriam entrar para a História do Cinema. A primeira é o final do encontro de Hiroíto com Macarthur onde Hiroíto para sair tem que abrir a porta. E ele não sabe abrir pois isso era feito (entre outras coisas, como, por exemplo, vestir-se) pelos seus criados. Era seu primeiro contato com seu caráter humano. A segunda é a cena dentro dos aposentos de Hiroíto,com a lua ao fundo, e Hiroíto está sentado na cadeira. O que estaria pensando? Estaria convecendo a si próprio que realmente não era divino? Ao final, balança na cadeira como se fosse uma criança. Havia descoberto sua humanidade. Escreve a carta, se rende e nega o seu caráter divino. É a desmistificação literal que Sokurov buscava: o que era deus se torna homem.
Um garoto quer fugir, pega um carro e o bate no primeiro poste. Não se pode fugir das angústias, deve-se enfrentá-las. Sua mãe vive trancada em um banheiro. Uma história dolorosa. E sublime. O que realmente importa não é mostrado. As banalidades procuram à câmera. Um filme estupendo sobre a ausência.
Um filme de redenção. Redenção do diretor Aronofski, depois do hiper criticado A Fonte da Vida (2006). Redenção do ator principal, Mickey Rourke que após o estrelato nos anos 80, migrou para o boxe nos anos 90 e teve seu rosto desfigurado por conta de lesões e cirurgias plásticas. Redenção do personagem Randy “The Ram” Robinson (interpretado por Rourke), lutador de luta-livre, que impedido de lutar por causa de um ataque cardíaco, se vê como uma sombra de si mesmo. Todos atingem a sua redenção em O Lutador. Um renascimento
A obra prima da Pixar. A primeira meia hora do filme é para se entrar na história do cinema. É arrepiante. Wall-E, o último dos robôs que foram designados para limpar a sujeira da Terra, agora inabitável por conta da poluição provocada pelos humanos. Um dia, chega uma robozinha de outro lugar, Eve. E eles se apaixonam. E eu não me lembro mais do resto do filme. E nem é preciso. A primeira meia hora mostrando Wall-E em sua inútil e insistente tarefa e o amor de Wall-E e Eve já valem o ingresso do cinema, da locação ou compra do DVD ou os bytes baixados da Internet. E emocionam, demais.
Ah, o cinema argentino. Os hermanos e seu cinema delicado. Maduro. Incisivo. Um casal de meia idade vê a casa vazia porque seus filhos cresceram e se foram. A mãe (impecável Cecília Roth) adapta-se bem, volta à universidade e tem uma vida social agitada. O pai, escritor, se vê perdido e embarca numa viagem interior. Lírica e por vezes, surreal.
Um documentário sobre a vida do genial Arnaldo Batista. Uma revisão sobre a história dos Mutantes. Um monumento sobre a história da música brasileira. Precisa de mais?
Um documentário autobiográfico em animação sobre a Guerra do Líbano. Legal né? Legal não, genial. O diretor Ari Folman, que fora combatente nesta guerra, na tentativa recuperar suas memórias perdidas dos eventos que marcaram o massacre de Sabra e Shatila, vai atrás de seus ex-colegas combatentes à procura de informações. Uma aula de história. Uma obra prima. Um filme brilhante. Um cutucão na ferida israelense. Imperdível, ainda mais para aqueles que são fãs de Joe Sacco.
Alguém não assistiu? Imagino que não. Mas, se por acaso você esteve em outro planeta nos últimos três anos e não viu O Cavaleiro das Trevas corra para a locadora imediatamente. Um excelente roteiro, uma atuação magnífica de Health Leadger como Coringa (foi mal Nicholson, mas seu Coringa era babaca e irritante, deve ter sido culpa do Burton, não é possível) e um final de tirar o fôlego. Nem precisam mais fazer mais filmes sobre o Batman. Filmaço!
Deixa ela entrar fez muito barulho em 2009 (apesar de ter sido lançado oficialmente em 2008) e se tornou queridinho de muitos cinéfilos na ocasião. E realmente, é um filme brilhante. Um vampiro (que tem forma de criança) vai morar numa cidade do interior da Suécia e faz amizade com uma outra criança, que sofre de bullying (só para usar o termo da moda) na escola. Tem tudo o que uma história de vampiro tem direito e faz uma excelente análise do período pré-adolescente das descobertas e da sensação de deslocamento em relação ao mundo.
E da Bulgária vem o que talvez seja o melhor filme de 2008. Alguém já viu alguma coisa da Bulgária (eu só me lembro de O Chife da Cabra, de 1962)? E com um nome muito curioso: O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Vira à Esquina. Um rapaz mora na Alemanha e num acidente de carro perde os pais e a memória. Seu tio, do qual ele não lembra, vai buscá-lo e parte rumo ao interior da Bulgária, sua terra natal. Uma busca pela memória. Uma busca pela nossa própria história, pelo que deixamos para trás. Uma viagem para dentro de nós mesmos. Acompanhada de emocionantes partidas de gamão.
inda que o cinema nacional exagere um pouco na dose, o que ele tem de melhor é a sua habilidade de construir filmes duros e secos. Chico Teixeira pegou tudo isso e em vez de mostrar a favela ou o sertão, foi até a classe média baixa brasileira e fez um filme sublime e existencialista contando a história da manicure Alice e sua luta para enfrentar o dia a dia. É o rato que entra na cozinha, é o marido que transa com outra, é a cliente que a trata mal, são os pequenos flertes que não dão certo. E amanhã é outro dia e tem que levantar e se por de pé.
A rápida passagem do tempo e o quanto muitas vezes é difícil para nos a entendermos. Como as coisas mudam rapidamente e nos engolem. Como é difícil em se lidar com o novo, o diferente. Os irmãos Coen nos faz debruçar sobre essas questões (baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy) de uma maneira sórdida, nos lançando em meio a um moderno western, com xerifes, caminhões de mortos e assassinos psicóticos. Uma brilhante fábula sobre a passagem do tempo.
Os mais tolos dirão que Christopher McCandless (protagonista de Na natureza selvagem) era um fraco que queria fugir do mundo. Os mais idealistas, que ele era uma resposta a uma sociedade doente, materialista e de aparências. Na natureza selvagem, conta a história desse jovem (que existiu na vida real), Christopher McCandless, que larga tudo e sai Estados Unidos afora, testando os seus limites, colocando à prova sua filosofia de vida do homem em contato com o selvagem. Para completar, trilha sonora do Eddie Vedder e uma fotografia belíssima com imagens do interior norte-americano.
Um documentário magistralmente dirigido com imagens inéditas do Cartola. Precisa de mais? Quem não se emocionar, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé.
Pronto. Mais um belíssimo argentino. Maravilhoso. Lírico. Onírico. Em uma gélida metrópole do futuro, Mr. TV comando o país e tem um plano de escravizar todo o povo. Mas, para alcançar esse objetivo, ele precisa sequestrar uma cantora, a última da raça humana que ainda tem A VOZ. Uma obra prima, ainda conhecida por poucos. Abusado e criativo como poucos.
Cidadão Kane do capitalismo? Pode parecer exagerado, mas a comparação é inevitável. Sangue Negro tem qualidade à altura de Cidadão Kane e o desenvolvimento dos personagens ao longo do tempo são semelhantes. Ambos querem TODO o poder. E não vão medir esforços para alcançá-lo. Diferem que enquanto Charles Foster Kane ainda guarda recordações da infância (Rosebud!), Daniel Plainview, protagonista de Sangue Negro, fez questão de apagar todo o seu passado antes de embarcar no mercado de petróleo e é mais cruel e avesso às relações pessoais que Kane. Sinais do capitalismo contemporâneo?
E quando se pensa que já se viu de tudo, surge o jornalismo em quadrinhos. Tudo começou com Maus, de Art Spiegelman, publicado anos anos 80 e 90, onde os judeus são ratos e os nazistas ratos e Spiegelman conta a história de seu pai durante o Holocausto. Nos anos 90, veio Joe Sacco (meu preferido aliás, Gorazde é magnífico!!), o maior nome desse novo gênero jornalístico, com suas obras sobre A Guerra da Bósnia e Palestina. Mais recentemente, Marjane Satrapi nos brinda com Persepólis, uma história auto-biográfica de sua relação com a Revolução Iraniana de 1979 e as suas consequencias para o Irã; além de Pyongyang – Uma viagem à Córeia do Norte de Guy Deslile e o brasileiro É tudo mais ou menos verdade de Allan Sieber, sobre as mazelas brasileiras.
E Persépolis virou filme. A autora Marjane Satrappi juntou-se com o francês Vincent Paronnaoud, animador francês, e juntos transformaram Persépolis em filme, mantendo os traços e desenhos originais da HQ. Resultado: Uma obra soberba, à altura do livro que não dava para não ganhar nada que não fosse uma medalha de ouro.
Incrível como a Globo Filmes consegue transformas boas histórias, que renderiam bons filmes em um filme muito, muito ruim. Na verdade, nem filme parece, é uma novela das oito que dura duas horas e passa no cinema.
A Leste de Bucareste
3.7 31A agonia romena dos últimos dias de Ceausescu
A grande surpresa no mundo cinematográfico na segunda metade da última década foi, sem dúvida, o Cinema Romeno, que outrora desconhecido, passou a ser uma das mais revigorantes forças do cinema europeu do século XXI. Os olhos de todos voltaram-se para o cinema desse pequeno país do Leste Europeu a partir de 2005, quando o longa A Morte do Sr. Lazarescu (Cristi Puiu, 2005) venceu a mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes em 2005. No ano seguinte, foi a vez de À Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006) ganhar a Câmara de Ouro desse mesmo festival e em 2007, 4 meses, 3 semanas, 2 dias (Cristian Mungiu, 2007) levar a Palma de Ouro, o prêmio máximo de Cannes. Desde então, o cinema romeno passou a ser um grande destaque no mundo cinematográfico e diversos outros filmes foram aclamados pela crítica internacional, entre eles, Como festejei o fim do mundo (Catalin Mitulescu, 2007), California Dreaming (Cristian Nemescu, 2007), Polícia, Adjetivo (Corneliu Porumboiu, 2009), Contos da era dourada (Ioana Uricaru, Hanno Höffer, Räzvam Márculescu, Constantin Popescu, Cristian Mungiu, 2009) e Se eu quiser assobiar, eu assobio (Florin Serban, 2010).
Uma das coisas que mais chama atenção nessa recente safra do cinema romeno, além do uso de uma estética realista e minimalista e da recorrente presença de um afiado humor negro, lembrando muitas vezes a obra do cineasta sérvio Emir Kusturica, é a presença quase que constante do ditador romeno Nicolae Ceausescu e dos últimos momentos de seu governo até a sua queda. Se ele e os últimos dias de sua ditadura não são o tema principal, como é o caso de À Leste de Bucareste, Como festejei o fim do mundo e Contos da Era Dourada, eles aparecem como plano de fundo, em silêncio, mas plenamente ativos na cabeça e nas ações dos seus personagens, sufocando-os, como em 4 meses, 3 semanas, 2 dias (o comércio ilegal de cigarros, a proibição do aborto, a necessidade constante de se andar com um documento de identidade) e Polícia, Adjetivo (a força da polícia romena, a crença de que a lei mudará em breve). Mas, de onde vem essa obsessão pelos últimos dias de Ceausescu?
Nicolae Ceausescu (1918-1989), líder então do Partido Comunista Romeno, que apesar de repudiar Stalin e adotar uma política de enfrentamento antirrussa, presidiu a Romênia de 1965-1989 com mão de ferro e utilizando-se da propaganda de culto à sua personalidade, criou uma tirania rígida e feroz, onde a Romênia era essencialmente um Estado policial, dada a onipresença de sua polícia secreta (Securitate). Além disso, as políticas econômicas e de desenvolvimento de Ceausescu, muitas vezes megalomaníacas, promoveram uma grave escassez de comida, medicamentos e energia, levando à pobreza a população. A reclusão desse regime era tanta que em Como festejei o fim do mundo, o “fim do mundo” é uma clara alusão ao fim do regime de Ceausescu.
No ano de 1989, movimentos de erradicação ao comunismo vinham de Berlim, onde o muro havia caído em novembro, no sentido do Leste Europeu. Em 17 de dezembro, na cidade romena de Timisoara, manifestantes foram recebidos a tiro pela Securitate, o que provocou uma reação da população em diversas cidades. Cinco dias depois, esse movimento chegaria à capital, Bucareste, e no mesmo dia Ceausescu e sua esposa seriam presos. Por isso, dia 22 de dezembro é considerada a data da chamada Revolução Romena. No dia 25, Ceausescu e sua esposa foram julgados por um tribunal irregular e condenatos à morte por fuzilamento. São executado no mesmo dia e o fuzilamento é exibido pela televisão romena (e as imagens estão disponíveis no Youtube). A Romênia foi um dos últimos países do Leste Europeu a derrubar o regime socialista e foi o único que teve um fim violento para o seu regime. Entretanto, passados mais do que 20 anos da Revolução Romena, inúmeras questões ainda permanecem sem resposta e ainda geram controvérsias. Pouco se sabe sobre a real atuação dos líderes da Revolução e suas verdadeiras intenções já que muitos deles ainda pertenciam ao velho regime. Questiona-se ainda a razão de alguns fatos terem ocorrido e se tudo não foi apenas uma armação para se tirar vantagem do caos e encenar um golpe. Nesse ínterim, indaga-se se realmente o levante popular houve importância ou foi apenas um elemento que acabou servindo de joguete para essa encenação. É aí que entra Corneliu Porumboiu e seu magnífico À Leste de Bucareste.
Podemos dividir À Leste de Bucareste em duas partes, cada qual representando uma metade do filme. Na primeira metade, vemos o cotidiano dos três personagens centrais do filme em uma pequena cidade do interior da Romênia: Virgil Jderescu, um egocêntrico jornalista da televisão local; Emanoil Piscoci, um velho senhor famoso por se vestir de Papai Noel no Natal e; Tiberiu Manescu, um professor de história alcoólatra. E na segunda metade, temos a exibição do programa de Jderescu, que convidou Piscoci e Manescu para debaterem em seu programa comemorativo dos 16 anos da Revolução Romena, se naquela cidade houve ou não a Revolução. E é aí que o filme carrega todo o seu brilhantismo. Por quarenta minutos, temos apenas uma única cena que é a exibição do programa de Jderescu, onde Manescu conta sobre como foi à praça da cidade e iniciou ali a revolução, para logo depois ser desmentido por um grande número de pessoas ao vivo na televisão, deixando Jderescu totalmente sem graça. E nós ficamos presos à tela, pela extrema comicidade da cena e pelo trabalho brilhante dos atores Mircea Andreescu (Piscoci), Teodor Corban (Jderescu) e Ion Sapdaru (Manescu). E utilizando-se do escracho, Porumboiu faz daquela pequena cidade um símbolo para toda a Romênia, mostra ao mundo as recentes controvérsias históricas romenas e convida brilhantemente o povo romeno a se lembrar daquela revolução para finalmente compreendê-la e usá-la para se construir um futuro melhor, como o próprio Jderescu propõe em seu programa. Além disso, Porumboiu critica e ameniza o povo romeno. Se por um lado, ele demonstra que a população talvez não tivesse a real dimensão de tudo aquilo (dado pela fala de Piscoci “fui à praça para mostrar à minha esposa que eu podia ser um herói”), por outro ele argumenta que a nova geração (os alunos de Manescu) não se importa com a história da Romênia, já que preferem conhecer mais a Revolução Francesa que o Império Otomano, o qual a Romênia fez parte. Por fim, na primeira metade do filme, Porumboiu ainda nos faz pensar se realmente houve uma revolução propriamente dita na Romênia já que muitas coisas permaneciam iguais há 16 anos: mesmo estando em 2005 o professor ainda tinha que retirar o seu pagamento na escola, a rede de televisão no qual Jderescu é dono é uma cópia idêntica das televisões estatais dos regimes socialistas da Cortina de Ferro, além da própria arquitetura da cidade, que não parece ter mudado em nada nos últimos 30 anos. Além disso, Porumboiu dá sinais que a transição para o capitalismo e globalização tem sido difícil para o povo (tema mais explorado em A Morte do Sr. Lazarescu), é o comerciante chinês sendo ofendido, é a banda da televisão tocando pateticamente uma música latina.
A Romênia fez do seu cinema recente um divã para as suas questões históricas. À Leste de Bucareste é a sessão de psicanálise que mergulha mais profundamente em suas agonias. Entretanto, sua mensagem final é bastante positiva, com a esperança de dias melhores à Romênia com o acender das luzes, com a neve que volta a cair depois de tanto tempo e com a frase “Pacífica e bela, é tudo o que eu lembro da revolução”.
A Pele que Habito
4.2 5,1K Assista AgoraUm dos piores do filmes Almodóvar. Tedioso, previsível e com uma atuação mais do que horrorosa do Bandeiras. Muito ruim. Muito difícil entender como um cara que faz obras primas como Volver e Fale com Ela, faz essa porcaria.
A Marcha dos Pinguins
3.9 248Deve um biólogo apreciar “A Marcha dos Pinguins”?
Eis a pergunta que me fiz ao comentar sobre esse documentário com alguns de meus colegas biólogos que foram severamente críticos a ele. Para quem não sabe ou não lembra “A Marcha dos Pinguins” é um documentário dirigido pelo francês Luc Jacquet lançado em 2006 que na época causou comoção nos cinemas do mundo todo, sendo indicado ao prêmio César de melhor filme e vencendo o Oscar de melhor documentário. “A Marcha dos Pinguins” conta o ciclo de vida dos pinguins imperadores no desértico gelo da Antártida, desde a busca pelo companheiro ideal até a preparação dos filhotes para a vida adulta. Interessantemente, entre os pinguins imperadores há uma inversão de papéis entre machos e fêmeas, onde a fêmea deixa o ovo para ser chocado pelo macho, enquanto vai ao mar em busca de alimento. A fêmea regressa entre a altura do nascimento da cria e até dez dias depois. Dentre as centenas de outros pinguins machos, a fêmea encontra o seu par através do seu chamamento vocal, passando ela a tomar conta da cria.
Cinematograficamente falando, o documentário é esplêndido. Belíssimas e delicadas imagens, tratadas com aprumado esmero e atentas a todos os detalhes, seja dos gestos dos pinguins, seja da paisagem desértica da Antártida. Cabe lembrar que Jacquet, com o auxílio dos seus dois diretores de fotografia (os franceses Laurent Chalet e Jérôme Maison), filmou em condições bastante adversas, sob intensas nevascas e temperaturas que chegavam a -40°C. Acompanhando a beleza das imagens está uma brilhante edição de som e uma magnífica trilha sonora comandada pela cantora francesa Émilie Simon, que inclusive ganhou o prêmio César de melhor Trilha Sonora Original de 2006.
Mas então, qual o problema com “A Marcha dos Pinguins”? A razão da repulsa provocada pelo documentário entre os biológos é a antropomorfização dos pinguins, através de narrações humanizadas, provendo-os de sentimentos como amor, saudades, ciúmes e frustração. Em uma passagem do filme, por exemplo, vemos (e ouvimos sob a narração das atrizes Romane Bohringer na versão americana e Patrícia Pillar na versão brasileira) a pinguim fêmea lamentar a rachadura do ovo de maneira semelhante a uma mãe que perde um filho. Sinceramente, apesar de entender os problemas dessa antropomorfização, já que ela distorce as ações naturais dos animais, não vejo motivo para tanta severidade nas críticas e defendo que sim, esse documentário deve ser apreciado pelos biólogos.
Obviamente que essa narrativa de caráter humano serve para envolver o público na luta dos pinguins para dar continuidade ao seu ciclo de vida frente às grandes dificuldades do gelo antártico. Apesar disso, não a vejo como um apelo comercial ao documentário, a encaro mais como um desafio de Jacquet em poetizar o ciclo de vida dos pinguins imperadores. E ele cumpre com esse desafio. Em nenhum momento a narrativa comete erros sobre a biologia destas aves e nem se torna piegas ou apelativa. Ela realmente nos envolve na história de maneira arrebatadora, nos emocionando com a história dos pinguins e com o ambiente em que eles vivem. Entendo que as ações dos pinguins são guiadas por um comportamento que provavelmente foi selecionado ao longo da evolução e não por sentimentos humanizados.
Entretanto, não há motivo em impedir que a arte verse à sua moda sobre a natureza, ainda mais de forma tão brilhante como neste documentário. “Marcha dos Pinguins” é um bom exemplo da importância de se relacionar inteligentemente arte e ciência, no sentido de tornar a difusão dos conteúdos científicos de maneira mais interessante e atrativa. Além disso, a ciência pode se aproveitar da inestimável capacidade da arte de provocar o ser humano e fazê-lo refletir, assim como “A Marcha dos Pinguins” nos faz refletir sobre uma natureza, a qual também fazemos parte, mas insistimos em destruir.
Hamaca Paraguaya
3.9 15A agonia silenciosa de uma interminável espera
Hamaca paraguaya é um filme estranho. Sim, é estranho. Para começar, é um filme paraguaio. Você já viu algum filme paraguaio? Pois é, este é o primeiro filme paraguaio desde 1978 e ainda por cima é falado em guarani. Sim, em guarani. Entendo que isso não caracterize um filme como estranho, talvez no máximo como exótico. Mas não, o filme é realmente estranho.
O filme é inteiramente composto de planos fixos e longos. Bem longos, alguns chegam a durar quase vinte minutos. E neles, pouca coisa acontece. Algumas vezes eles se repetem. E a câmera quase sempre está distante dos atores; e quando está perto, não os enquadra. Além disso, os diálogos não são casados com as imagens. Sim, isso mesmo. Os diálogos não tem nada a ver com a ação das cenas. Em uma das mais belas cenas do filme, enquanto a câmera mostra o pai cortando cana sozinho, o diálogo retrata o último diálogo entre ele e seu filho, antes que esse fosse à guerra. Em outra, enquanto o pai está sentando num banco do lado de fora da casa, as falas retratam uma discussão sobre salvar ou não a vida do cachorro. O ritmo é lento e exige do expectador uma entrega ímpar.
Estranho e lento, mas genial. Sim, Hamaca Paraguaya é um filme genial.
Mas sobre o quê se trata esse filme? Pois bem, é o seguinte: nos últimos dias da Guerra do Chaco (Guerra entre Paraguai e Bolívia – 1932-1935), em algum lugar remotíssimo do Paraguai, um casal de idosos espera pelo filho que foi lutar na guerra. Esperam também pela chuva, que nunca vem, e pelo vento, que nunca sopra. Fazem pequenas coisas (ele corta cana, ela cuida da casa), sentam-se à rede (daí o nome Hamaca Paraguaya, tradução seria Rede Paraguaia) e esperam. Esperam e conversam. Sobre a chuva que não vêm, sobre o cachorro que não para de latir, sobre o vento que não sopra, sobre a rede que vai estourar. Diálogos pausados, lentos. E esperam. E esperam. E esperam. Uma agonia silenciosa. A Guerra acaba. E eles esperam. Enquanto a mãe realiza pequenos afazeres domésticos, sozinha, as falas retratam o diálogo entre ela e um mensageiro da guerra. A mensagem não é das mais felizes. Seria seu filho? Como ele morreu? Ele voltará?
Eles continuam esperando, sentados à rede. Desde o início sabemos que o filho não voltará. Mas eles esperam. Uma interminável espera. Esperam também a chuva. O filme acaba, mas a diretora acena com uma esperança para o futuro: quando a tela escurece, ouvimos o som da tão aguardada chuva. Virão dias melhores para este casal. Se a rede é paraguaia, como diz o título do filme, este casal pode representar o povo paraguaio. O filho que não volta representaria os maus tratos da História e a chuva, esperança de dias melhores para a nação.
Para finalizar, gostaria de destacar a impecável edição de som do filme. Os ruídos vindos do lugar onde o casal mora constituem quase um personagem do filme. Sons dos pássaros, dos grilos, do vento, da tempestade que se aproxima, do latido do cachorro; todos entremeados nos planos e nos diálogos dos personagens. Sensacional.
Sonho de Uma Noite de Verão
3.5 93 Assista AgoraO que o livro tem de fantástico, inusitado e divertido, o filme tem de chato e tedioso. A construção do mundo dos duendes é sofrível.
O Sol
4.0 21O peso de ser um grande comandante. O peso de ser o comandante que sabidamente vai tirar do eixo a história de grandes nações. O diretor russo Aleksandr Sokurov tentou dar a sua visão desse “peso” em seus filmes penetrando avidamente na vida de alguns dos maiores comandantes do século XX, procurando retratá-los em sua intimidade no intuito de desmistificá-los. Em Moloch (1999) retrata a visita de Adolph Hitler à Eva Braun nos Alpes da Bavaria. Em Taurus (2001) mostra os últimos momentos de Lênin antes de sua morte ao lado apenas de sua mulher. Em O Sol (2005), retrata os últimos momentos do Imperador Hiroíto antes de assumir a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial. Neste último, Sokurov consegue atingir de forma literal essa desmistificação.
O Imperador Hiroíto seguia a mesma escola de seu avô e pensava o Japão como um país moderno, militarista e principalmente, imperialista. Procurou conquistar todo o Pacífico, foi censurado pelo Tratado de Versalhes apesar do Japão ter apoiado França e Inglaterra na I Guerra. Em retaliação, mesmo sem identificação ideológica alguma com o nazifascismo (até alienada reconhecendo que nunca conheceu pessoalmente Adolph Hitler), aliou-se ao Eixo na II Guerra para prosseguir em suas conquistas no Pacífico. Em 1941, atacou a base americana de Pearl Habor no Hawai e o resto todo mundo já sabe. O Eixo perde a guerra e o Japão é arrasado com duas bombas nucleares. É aí que entramos em agosto de 1945, momento crucial da vida de Hiroíto e motivo do filme de Sokurov.
Os americanos já dominavam o Japão e pediam a rendição japonesa. O Japão, em 2600 anos de História, nunca havia perdido uma guerra. Como assinar essa rendição? E pior, desde a formação da família imperial japonesa há 2600 anos, o Imperador do Japão era considerado uma divindade; um descedente direto da deusa xinto do sol, Amaterasu Oomi Kami e os americanos exigiam que Hiroíto renegasse seu caráter divino. Eram 2600 anos de História nos ombros de Hiroíto; 2600 anos para derrubar no chão e esquecer. Somado a isso, o peso das duas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
É esse turbilhão na cabeça de Hiroíto que Sokurov brilhantemente retrata em seu filme O Sol (2005). Os últimos momentos de Hiroíto antes de se render, antes de negar que é descendente de uma deusa, antes de balançar toda a história da nação japonesa. Hiroíto brinca com seu o mordomo, questionado o porquê de seus corpos serem iguais se ele era um deus, Hiroíto tem tiques na face que nos deixam nervosos (excelente atuação do ator Issei Ogata), Hiroíto vai ao seu laboratório de biologia como se não houvesse uma guerra recém-perdida, Hiroíto tem pesadelos com as bombas de Hiroshima e Nagasaki, Hiroíto vai ao encontro do general Macarthur e vê uma Tóquio destruída pela guerra, o temido encontro com Macarthur. Com todas essas ações filmadas sob a expectativa de uma catarse, o filme de Sokurov nos inquieta e nos faz querer entrar em Hiroíto e ver toda a situação com seus olhos. Ser Hiroíto e sentir e compartilhar o peso da História nos ombros como Hiroíto sentiu.
Há duas cenas belíssima que deveriam entrar para a História do Cinema. A primeira é o final do encontro de Hiroíto com Macarthur onde Hiroíto para sair tem que abrir a porta. E ele não sabe abrir pois isso era feito (entre outras coisas, como, por exemplo, vestir-se) pelos seus criados. Era seu primeiro contato com seu caráter humano. A segunda é a cena dentro dos aposentos de Hiroíto,com a lua ao fundo, e Hiroíto está sentado na cadeira. O que estaria pensando? Estaria convecendo a si próprio que realmente não era divino? Ao final, balança na cadeira como se fosse uma criança. Havia descoberto sua humanidade. Escreve a carta, se rende e nega o seu caráter divino. É a desmistificação literal que Sokurov buscava: o que era deus se torna homem.
Lake Tahoe
3.7 10Um garoto quer fugir, pega um carro e o bate no primeiro poste. Não se pode fugir das angústias, deve-se enfrentá-las. Sua mãe vive trancada em um banheiro. Uma história dolorosa. E sublime. O que realmente importa não é mostrado. As banalidades procuram à câmera. Um filme estupendo sobre a ausência.
O Lutador
4.0 912Um filme de redenção. Redenção do diretor Aronofski, depois do hiper criticado A Fonte da Vida (2006). Redenção do ator principal, Mickey Rourke que após o estrelato nos anos 80, migrou para o boxe nos anos 90 e teve seu rosto desfigurado por conta de lesões e cirurgias plásticas. Redenção do personagem Randy “The Ram” Robinson (interpretado por Rourke), lutador de luta-livre, que impedido de lutar por causa de um ataque cardíaco, se vê como uma sombra de si mesmo. Todos atingem a sua redenção em O Lutador. Um renascimento
WALL·E
4.3 2,8K Assista AgoraA obra prima da Pixar. A primeira meia hora do filme é para se entrar na história do cinema. É arrepiante. Wall-E, o último dos robôs que foram designados para limpar a sujeira da Terra, agora inabitável por conta da poluição provocada pelos humanos. Um dia, chega uma robozinha de outro lugar, Eve. E eles se apaixonam. E eu não me lembro mais do resto do filme. E nem é preciso. A primeira meia hora mostrando Wall-E em sua inútil e insistente tarefa e o amor de Wall-E e Eve já valem o ingresso do cinema, da locação ou compra do DVD ou os bytes baixados da Internet. E emocionam, demais.
Ninho Vazio
3.5 30Ah, o cinema argentino. Os hermanos e seu cinema delicado. Maduro. Incisivo. Um casal de meia idade vê a casa vazia porque seus filhos cresceram e se foram. A mãe (impecável Cecília Roth) adapta-se bem, volta à universidade e tem uma vida social agitada. O pai, escritor, se vê perdido e embarca numa viagem interior. Lírica e por vezes, surreal.
Loki
4.4 180 Assista AgoraUm documentário sobre a vida do genial Arnaldo Batista. Uma revisão sobre a história dos Mutantes. Um monumento sobre a história da música brasileira. Precisa de mais?
Valsa com Bashir
4.2 305 Assista AgoraUm documentário autobiográfico em animação sobre a Guerra do Líbano. Legal né? Legal não, genial. O diretor Ari Folman, que fora combatente nesta guerra, na tentativa recuperar suas memórias perdidas dos eventos que marcaram o massacre de Sabra e Shatila, vai atrás de seus ex-colegas combatentes à procura de informações. Uma aula de história. Uma obra prima. Um filme brilhante. Um cutucão na ferida israelense. Imperdível, ainda mais para aqueles que são fãs de Joe Sacco.
Batman: O Cavaleiro das Trevas
4.5 3,8K Assista AgoraAlguém não assistiu? Imagino que não. Mas, se por acaso você esteve em outro planeta nos últimos três anos e não viu O Cavaleiro das Trevas corra para a locadora imediatamente. Um excelente roteiro, uma atuação magnífica de Health Leadger como Coringa (foi mal Nicholson, mas seu Coringa era babaca e irritante, deve ter sido culpa do Burton, não é possível) e um final de tirar o fôlego. Nem precisam mais fazer mais filmes sobre o Batman. Filmaço!
Deixa Ela Entrar
4.0 1,6KDeixa ela entrar fez muito barulho em 2009 (apesar de ter sido lançado oficialmente em 2008) e se tornou queridinho de muitos cinéfilos na ocasião. E realmente, é um filme brilhante. Um vampiro (que tem forma de criança) vai morar numa cidade do interior da Suécia e faz amizade com uma outra criança, que sofre de bullying (só para usar o termo da moda) na escola. Tem tudo o que uma história de vampiro tem direito e faz uma excelente análise do período pré-adolescente das descobertas e da sensação de deslocamento em relação ao mundo.
O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Virar …
4.0 35E da Bulgária vem o que talvez seja o melhor filme de 2008. Alguém já viu alguma coisa da Bulgária (eu só me lembro de O Chife da Cabra, de 1962)? E com um nome muito curioso: O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Vira à Esquina. Um rapaz mora na Alemanha e num acidente de carro perde os pais e a memória. Seu tio, do qual ele não lembra, vai buscá-lo e parte rumo ao interior da Bulgária, sua terra natal. Uma busca pela memória. Uma busca pela nossa própria história, pelo que deixamos para trás. Uma viagem para dentro de nós mesmos. Acompanhada de emocionantes partidas de gamão.
A Casa de Alice
3.7 139 Assista Agorainda que o cinema nacional exagere um pouco na dose, o que ele tem de melhor é a sua habilidade de construir filmes duros e secos. Chico Teixeira pegou tudo isso e em vez de mostrar a favela ou o sertão, foi até a classe média baixa brasileira e fez um filme sublime e existencialista contando a história da manicure Alice e sua luta para enfrentar o dia a dia. É o rato que entra na cozinha, é o marido que transa com outra, é a cliente que a trata mal, são os pequenos flertes que não dão certo. E amanhã é outro dia e tem que levantar e se por de pé.
Onde os Fracos Não Têm Vez
4.1 2,4K Assista AgoraA rápida passagem do tempo e o quanto muitas vezes é difícil para nos a entendermos. Como as coisas mudam rapidamente e nos engolem. Como é difícil em se lidar com o novo, o diferente. Os irmãos Coen nos faz debruçar sobre essas questões (baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy) de uma maneira sórdida, nos lançando em meio a um moderno western, com xerifes, caminhões de mortos e assassinos psicóticos. Uma brilhante fábula sobre a passagem do tempo.
Na Natureza Selvagem
4.3 4,5K Assista AgoraOs mais tolos dirão que Christopher McCandless (protagonista de Na natureza selvagem) era um fraco que queria fugir do mundo. Os mais idealistas, que ele era uma resposta a uma sociedade doente, materialista e de aparências. Na natureza selvagem, conta a história desse jovem (que existiu na vida real), Christopher McCandless, que larga tudo e sai Estados Unidos afora, testando os seus limites, colocando à prova sua filosofia de vida do homem em contato com o selvagem. Para completar, trilha sonora do Eddie Vedder e uma fotografia belíssima com imagens do interior norte-americano.
Cartola - Música Para os Olhos
4.1 88 Assista AgoraUm documentário magistralmente dirigido com imagens inéditas do Cartola. Precisa de mais? Quem não se emocionar, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé.
A Antena
4.1 79 Assista AgoraPronto. Mais um belíssimo argentino. Maravilhoso. Lírico. Onírico. Em uma gélida metrópole do futuro, Mr. TV comando o país e tem um plano de escravizar todo o povo. Mas, para alcançar esse objetivo, ele precisa sequestrar uma cantora, a última da raça humana que ainda tem A VOZ. Uma obra prima, ainda conhecida por poucos. Abusado e criativo como poucos.
Sangue Negro
4.3 1,2K Assista AgoraCidadão Kane do capitalismo? Pode parecer exagerado, mas a comparação é inevitável. Sangue Negro tem qualidade à altura de Cidadão Kane e o desenvolvimento dos personagens ao longo do tempo são semelhantes. Ambos querem TODO o poder. E não vão medir esforços para alcançá-lo. Diferem que enquanto Charles Foster Kane ainda guarda recordações da infância (Rosebud!), Daniel Plainview, protagonista de Sangue Negro, fez questão de apagar todo o seu passado antes de embarcar no mercado de petróleo e é mais cruel e avesso às relações pessoais que Kane. Sinais do capitalismo contemporâneo?
Persépolis
4.5 754E quando se pensa que já se viu de tudo, surge o jornalismo em quadrinhos. Tudo começou com Maus, de Art Spiegelman, publicado anos anos 80 e 90, onde os judeus são ratos e os nazistas ratos e Spiegelman conta a história de seu pai durante o Holocausto. Nos anos 90, veio Joe Sacco (meu preferido aliás, Gorazde é magnífico!!), o maior nome desse novo gênero jornalístico, com suas obras sobre A Guerra da Bósnia e Palestina. Mais recentemente, Marjane Satrapi nos brinda com Persepólis, uma história auto-biográfica de sua relação com a Revolução Iraniana de 1979 e as suas consequencias para o Irã; além de Pyongyang – Uma viagem à Córeia do Norte de Guy Deslile e o brasileiro É tudo mais ou menos verdade de Allan Sieber, sobre as mazelas brasileiras.
E Persépolis virou filme. A autora Marjane Satrappi juntou-se com o francês Vincent Paronnaoud, animador francês, e juntos transformaram Persépolis em filme, mantendo os traços e desenhos originais da HQ. Resultado: Uma obra soberba, à altura do livro que não dava para não ganhar nada que não fosse uma medalha de ouro.
Zuzu Angel
3.7 415 Assista AgoraIncrível como a Globo Filmes consegue transformas boas histórias, que renderiam bons filmes em um filme muito, muito ruim. Na verdade, nem filme parece, é uma novela das oito que dura duas horas e passa no cinema.
A Grande Família - O Filme
2.6 235A série tem seus momentos bons, mas o filme é tenebroso.