Pelo que vi, as opiniões sobre este filme se dividiram bastante, quem gostou, amou; e quem não gostou, achou horroroso. Eu fiquei no meio termo, nem tanto ao céu nem tanto ao inferno. Um filme razoável, chamaria ele até de covarde, mas não sei se espero coragem de um filme todo favorito ao Oscar.
É um filme que propositadamente tenta se espalhar por milhões de temas que estão na moda (violência contra a mulher, pedofilia na Igreja Católica, discriminação racial, violência do exército americano no Oriente Médio) com temas já batidos (relação conflituosa entre pais e filhos adolescentes, sátira do americano rural); mas que não aprofunda nada. É um grande mosaico raso que apenas respinga à superfície de um monte de assuntos, sem se aprofundar em nenhum e sem trazer nada de novo e produtivo ao debate em nenhum dos temas que ele tenta abordar. Ainda que a atuação da Frances McDormand chame de fato à atenção, nem a personagem dela foi aprofundada e discutida. Ou seja, um filme raso, mas não sei se daria para se esperar algo diferente do filme. Há a questão da mulher que luta por uma causa e que todos vão contra ela, mas Erin Brockovich já fez isso há 18 anos atrás. Posso até estar sendo excessivamente duro, mas muitas vezes durante o filme, lembrei-me da jornada de Erin Brockovich.
Li em alguns lugares que lembra Fargo e a filmografia dos irmãos Coen, mas essa comparação acho que fica apenas, novamente, na superfície. Os Coen, como fizeram em Fargo ou em No Country for Old Men (para falar de Oscar), teriam apresentado toques muito mais cruéis e um humor muito mais perverso à narrativa. Não imagino em um filmes deles que um personagem repulsivo, como aquele policial estúpido e racista, mude totalmente a sua personalidade por uma carta de um suicida dizendo que o que falta à esse policial é amor.
Mas, o filme entretém. Apesar do roteiro meio esquizofrênico, a história é bacana, o roteiro faz o espectador prender a atenção durante o filme, alguns "plot-twist" (odeio esse termo) bem colocados contribuem para isso, há algumas cenas muito bem dirigidas (a cena quixotesca dos incêndios dos outdoors é bem interessante), acho que há bons momentos (eu gostei bastante da conclusão e de algumas pontas que ficam soltas), é um filme ok, senão se esperar muito dele. Vale a sessão no cinema e satisfaz, ainda que essa satisfação seja apenas imediata e esquecível.
É um baita clichê o que vou dizer, mas 120 bpm é um filme de camadas. Você consegue analisar o filme por vários pontos, a questão homossexual na França (e no mundo); o HIV no final dos anos 80/início dos anos 90; a questão do que é a militância política, tanto ao nível de grupo e das relações dentro dele, quanto ao nível mais intimista e pessoal; a questão das indústrias farmacêuticas que tomam aquelas atitudes em todas as doenças que têm um amplo mercado consumidor (na Europa e nos EUA; se fosse nos outros continentes, ia ser muito pior; vide que essas indústrias investem muito pouco em pesquisas para fármacos de doenças tropicais). Além, é claro, das cenas das festas que são maravilhosas.
E, no que eu achei uma puta cutucada no público, é fazer um filme cíclico, iniciando e terminando o filme com uma morte. Na primeira, os membros da Act Up! dão o informe e nós nem nos importamos, já a segunda, a do Sean, nós nos compadecemos enormemente, apenas porque acompanhamos a sua trajetória. Ou seja, só se importa com que o que se conhece, mesmo o terrível resultado, a morte, sendo o mesmo. E, esse ciclo continuará, porque em uma das cenas finais, eles estão discutindo o que vão falar do Sean na reunião que conterá, como no início do filme, novos ativistas, que não o conheceram.
Curiosamente, mas agora num nível mais pessoal, achei que o Campillo, de modo semelhante ao Haneke em A fita branca, conseguiu fazer de uma questão que já era grande o suficiente, se tornar praticamente universal. No caso de 120 bpm, fez da Act Up! um exemplo de como são os acertos, erros e contradições de qualquer grupo militante envolvido como uma questão especial. No caso da A Fita Branca, Haneke fez das origens do nazismo naquela vila um exemplo para origem da intolerância e o ódio em grupos isolados. Pelo que andei lendo, o Campillo, que foi membro da Act Up! fez o filme exatamente para tentar descrever fielmente os bastidores da Act Up! em Paris para fazer refletir as questões militantes dos mais diversos grupos políticos.
Apesar de muitos terem falado disso aqui já, vou reiterar que é um excelente filme, do mesmo nível que o seu predecessor de 1982. Uma ou outra coisa nessa comparação pode favorecer o filme anterior, mas de modo geral, são ambos do mesmo nível, com o mesmo clima, o mesmo suspense e a mesma imersão. Ouvi muita gente falando que saiu da sala de cinema porque achou chato; de fato, nenhum Blade Runner é um filme de ação; é um filme de suspense, um noir pós-apocalíptico focado nas transformações filosóficas pessoais de cada personagem. Neste aqui ainda, o melhor da obra do Villeneuve encontra um espaço perfeito para sua exibição: a construção de um enredo imersivo, claustrofóbico com diálogos curtos e introspectivos. Ainda que proponha algum debate filosófico, ele não é profundo e nem complexo; é bem fácil de acompanhar, sobretudo neste mais recente, já que no anterior eu acredito que tenha sido um pouco melhor trabalhado. Na minha opinião pessoal, preferia o espaço para interpretação pessoal que havia no filme de 1982 do que receber as coisas um pouco mais mastigadas neste de 2017. Generalizações são perigosas mas, acredito que todos que saíram da sessão ou que acharam chato ou ainda que a história deveria ser mais curta são pessoas que não conheciam o Blade Runner de 1982. São filmes que pouco se importam com a ação, focam-se na imersão de cada espectador em um universo fictício e em suas sensações dentro dele.
E o novo filme do veterano Gitai é uma bomba. Tsili conta a história de uma refugiada judia que se esconde nas florestas da Ucrânia e encontra outro refugiado. Sionista até a medula, Tsili é um filme entediante que não sabe onde começa e nem para onde vai.
Kolia vive em uma pequena e corrupta cidade no litoral russo ao lado de sua esposa e seu problemático filho onde o prefeito local quer se apropriar da sua casa e da sua oficina mecânica. Fabuloso filme sobre corrupção e abuso de poder com um roteiro que não lhe permite respirar, Leviatã se carrega de personagens autodestrutivos, alegóricos simbolismos e sátiras sombrias para retratar a impotência da luta do menor contra o maior.
Um guarda-noturno (Marat) vê uma garota (Mariyam) à espera de alguém na rua em frente ao seu serviço e ao conhecê-la, suas noites se tornam cheia de aventuras. Parece sinopse de um filme da sessão da tarde, mas Aventura é uma livre adaptação (pós-moderna?) de “Noites Brancas” de Dostoiévski e, apesar da simples produção, faz cativar pelas inusitadas situações que Marat passa ao lado de Mariyam pelas madrugadas Cazaquistão adentro e se apresenta como um belo e sensível filme sobre a espera, a rotina e a solidão.
Mais uma vez em Anatolia, Ceylan dá a vida a Aydin, personagem que administra um pequeno hotel local com a sua esposa e sua irmã. Com o inverno chegando, castigando a paisagem de Anatolia e a diminuição do número de turistas, as relações pessoais entre os personagens vão se decompondo pelo isolamento e fazendo emergir íntimos e duros conflitos. Winter Sleep é um filme duro, seco, ríspido, de difícil digestão. Afastando-se dos planos abertos e da contemplação do silêncio, características marcantes de sua obra, Ceylan aposta em planos mais intimistas, às vezes sufocantes, em ambiente interiores escurecidos e preenche o filme com longos e difíceis diálogos na maioria das vezes ditado por Aydin, personagem de personalidade bastante complexa e opressora, o qual o silêncio parece incomodar. É um filme difícil para se dar um veredito sem uma maior reflexão e sem talvez uma segunda revisão, mas a impressão que fica após sair da sessão é que Winter Sleep não me pegou tanto quanto outros filmes do Ceylan (Distante, de 2002, é realmente um filme esplendoroso) e nem como outros filme vencedores da Palma de Ouro dos últimos anos (A Fita Branca; 4 meses, 3 semanas, 2 dias; A Árvore da Vida)
Depois de muito tempo ausente, Antígona retorna a sua pequena cidade natal em busca de tranquilidade e encontra um cenário totalmente diferente. Blá, blá, blá, parece um filme de sessão da tarde com a Sandra Bullock falado em grego com um pouco mais de violência e com personagens que você não consegue entender bem qual a relação deles com a protagonista.
Um jovem surdo chega em um internato especializado que abriga uma rede criminosa entre seus estudantes. O longa de estreia do diretor é uma experiência ousada quanto a sua linguagem. O filme, de pouco mais de duas horas, é feito totalmente em linguagem de sinais. Os únicos ruídos que se ouve no filme são barulhos de portas se fechando, passos pelos corredores, grunhidos de dor e de prazer sexual. A ausência de comunicação oral, que não compromete em nada o entendimento da narrativa, coloca o espectador numa posição de voyeur incômoda, impotente, frente ao alto grau de violência e frieza apresentado pelos personagens. Os jovens delinquentes desse internato apresentam medos e angústias comuns a todos jovens dessa idade, mas a violência as influenciam diretamente, caracterizando-as de modo bastante peculiar. O longa é extremamente cru e seco, lembrando a estética apresentado pelos grandes filmes do cinema romeno dos últimos anos (4 meses, 3 semanas, 2 dias; A Morte do Senhor Lazarescu; Polícia, Adjetivo; À Leste de Bucareste), mas apresentando uma narrativa mais vertiginosa que os romenos, mais lentos e contemplativos.
Utilizando-se do 3D (um 3D muito forçado, com uma profundidade exagerada), Godard insere novos planos num mesmo quadro e em vez de amplificar a sua linguagem cinematográfica com isso, ele a desconstrói, praticamente aniquila a linguagem imagética e a linguagem oral como a conhecemos ao longo do filme. Abre propostas para o questionamento da comunicação humana (extremamente complexa, tão complexa que nós mesmos não nos entendemos) e tenta nos aproximar de uma comunicação mais "primitiva". Seria uma desumanização ou uma volta à nossa natureza como meros primatas? Um afastamento da "natureza" que o homem criou e uma aproximação à natureza do cachorro e das folhas? Qual a linguagem do cachorro, do vento, das folhas e do mar? Enfim, não sei, mas, para mim, Adeus à Linguagem é um filme que se abre em novas perspectivas de linguagem (mesmo aniquilando-a). Com a proposta de mais planos em um único quadro, o filme passa de bidimensional para multidimensional.
Uma leitura que faço de Godard (posso estar errado, é claro) é que ele sempre foi um cara que em seus filmes faz uma leitura do tempo em que vive. Isso pode ser um viés, ao mesmo tempo que quase sempre consegue fazer uma leitura crítica profunda do presente, acaba por talvez datar os seus filmes. Em Adeus à Linguagem, ele utiliza-se do que há de mais "novo" em cinema, o uso do 3D em filmes que pouco dizem, pouco comunicam (a maioria são filmes descartáveis, como Avatar) e faz um filme onde ele aniquila a linguagem e a comunicação; em uma época aonde a internet expandiu enormemente a possibilidade de comunicação, nós regredimos (limite de 140 caracteres no twitter) e nos perdemos em meio a um enorme quantidade de informações e ideias.
Acho que os grandes destaques de “Branco Sai, Preto Fica” são a sua inventividade e o seu diálogo com os grandes movimentos do nosso cinema, com o Cinema Novo, mas principalmente com o Cinema Marginal. Há algum tempo me incomodava que os filmes nacionais contemporâneos não se comunicavam com a história do nosso cinema e acredito que a inventividade de “Branco Sai, Preto Fica” retoma nas questões do Brasil contemporâneo, a inventividade que Bressane, Tonacci, Sganzerla, entre outros, utilizaram para descrever o efervescente Brasil dos anos 60 e 70.
A própria tentativa de se definir um gênero para “Branco Sai, Preto Fica” já o aproxima da implosão de uma linha narrativa, que é bastante característico do Cinema Marginal. É um documentário, um drama ficcional, um filme policial e uma ficção científica. Se na sua vertente documental dialoga mais com o realismo do Cinema Novo e se afasta da “estética do lixo” marginal, é nas outras três com seus lapsos narrativos próprios que remete-se às indefinições de gênero e da ausência de uma linha narrativa do Cinema Marginal e alguns de seus clássicos como O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Sganzerla (documentário, um filme policial ou um drama ficcional?); Bang-Bang (1971), de Tonacci (filme policial?), Matou a família e foi ao cinema (1969), de Bressane (romance ou filme policial?), Hitler III Mundo (1968), de Agrippino de Paula (comédia, documentário ou ficção científica?).
Elementos clássicos do cinema marginal também são lançados durante todo o filme, como o deboche, o pessimismo e a espetacularização e valorização da marginalização, dos marginalizados. O deboche, presente na cena da dança do jumento, presente na construção da personagem do Cravalanças, um viajante do tempo sem charme algum cuja máquina do tempo é um container. Sem glamour, sem efeitos especiais suntuosos. Subdesenvolvido como o Bandido da Luz Vermelha, como Hitler andando numa Kombi no Rio de Janeiro. Atira contra todos os opressores, atira contra tudo, atira contra nós de modo grosseiro e agressivo como os macacos de Tonacci. Ao mesmo tempo, Cravalanças ainda pode ser um anti-herói intergaláctico como Meteorango Kid (1968), de André Luiz Oliveira. Com relação ao pessimismo, não há a tentativa de se propor nenhuma solução, exemplificado na cena em que Marquim põe fogo no sofá com seus planos, pessimismo marcante nas obras marginais O Anjo Nasceu (1969), de Bressane e A Margem (1967), de Candeias. Finalmente, a espetacularização e valorização da marginalização, com a idéia se se juntar todo o Brasil marginalizado e jogar sobre Brasília, explodir os que causam a essa situação, como na frase célebre de O Bandido da Luz Vermelha, “O Terceiro Mundo vai explodir! Quem tiver de sapato não sobra”.
Enfim, tudo isso para dizer que gostei bastante do filme, é um filme necessário para o nosso momento atual já que o retrata de modo inventivo e que dialoga com o que mais de inventivo houve na história da nossa cinematografia.
Olha, é complicado fazer um filme em um cenário clássico (o complexo EUR) onde o Antonioni e o Fellini já filmaram e eternizaram. O grande trunfo da diretora é mostrá-lo à sua forma, dando foco às construções, às formas arquitetônicas, com doses lindas de surrealismo, colocando a personagem (Nina), sem vida, por conta de sua ausência de sentimento, como parte desse cenário.
O desenvolvimento da história é belíssimo. Suave, delicado e onírico. Um filme a ser visto, sem dúvidas.
Quando o Carlos Reichenbach esteve em minha cidade, ele deixou claro a sua indignação pelo fato de que tudo que foi erótico nos anos 80 ser chamado pejorativamente de "pornochanchada". Ele estava falando de pérolas como esta, belissimamente realizadas, sobretudo no que tange à fotografia e edição de arte.
Assistindo o seu episódio, A Rainha do Fliperama, percebemos que é claramente um filme de Carlos Reichenbach: levemente melodramático (como Zurlini), levemente marginal.
De quebra ainda podemos ver a única incursão do crítico Inácio Araújo como diretor. Ele que fora montador de diversos filmes, inclusive de Lilian M. de Carlos Reichenbach, em sua incursão como diretor não decepciona. Pelo contrário, nos surpreende com uma película que dialoga e homenageia A Janela Indiscreta de Hitchcock e Naked Kiss do Samuel Fuller.
Por fim, Belinha, a Virgem de Antonio Melinde. Talvez o mais fraco dos três episódios, por ser mais próximo do esterótipo da pornochanchada. Mas não menos digno por isso. Nos arranca belas risadas e nos presenteia com a belíssima Vanessa Alves.
O filme é bom. Quando ele terminou, fiquei com a sensação que havia gostado dele. Mas, sinceramente, nada de sensacional, o filme não me surpreendeu tanto.
Ele possui grandes trunfos, é verdade. As cenas de sexo, na minha opinião, são lindíssimas, transbordam desejo pela tela e provocam desejo ao expectador. A construção do lago quase como o protagonista do filme também é muito bem desenvolvida contribuindo para o clima de tensão do filme.
Mas, desde o início, fiquei com a impressão que eu já tinha visto esse filme num filme do Antonioni. E não é pela referência latente à Blow Up, por conta do testemunho do assassinato. É porque não consegui em nenhum momento dissociar Um Estranho no Lago da Trilogia da Incomunicabilidade do italiano. E isso não fez dele, edificante. Pelo contrário,a forma com que o filme foi conduzido me soou pouco original, daí a sensação de já tê-lo visto antes e com maior profundidade.
Quando o detetive encontra o Frank e lhe questiona sobre a forma de se amarem e sobre a solidão. O diretor explicou o filme ali... Soou repetitivo, ele havia mostrado isso com as imagens, não precisava esse personagem explicar tudo...
O curta metragem que deu origem a esse longa e o trailler são sensacionais. Mas o filme em si é extremamente monótono e previsível. A melhor cena do filme é justamente aquela que é igual ao curta metragem.
É sempre difícil analisar um filme do Fulci. Eu particularmente, não gosto, Bava e Argento me atraem muito mais, sobretudo o Argento que tem pelo menos, na minha opinião, três obras primas. Os filmes do Lucio Fulci não tem sentido algum, a história é absurda, sobram milhares de pontas e personagens somem e aparecem do nada. Mas não sei se importa, dentro do conceito que ele nos propõe em seus filmes, da exploração do mal, do sobrenatural, do que está além do que possamos crer e explicar. E que devemos temer. E para isso, Fulci dirige magistralmente as cenas dos assassinatos, as maquiagens dos monstros, a atuação bizarra e quase caricata dos seus atores. As Sete Portas do Inferno não é o Fulci que mais gosto, mas acho que foi nele que ele deixou mais clara a sua proposta.
Em Still Life (1974), Shahid-Saless mais uma filma a rotina de pessoas comuns; ele retrata a vida de um casal de idosos que mora à beira de um trilho do trem na região norte do Irã. Ela faz tapetes persas e cuida da casa (que é apenas um quarto, como em seu filme anterior) e ele trabalha como sinaleiro em um cruzamento ferroviário. O ritmo do filme é o mesmo do casal, lento, e assim, como em seu filme anterior, A Simple Event (1973), as ações retratadas no filme tem a sua duração real, como por exemplo, as cenas das refeições, o caminhar lento até o cruzamento, a preparação para dormir.
Entretanto, diferente de A Simple Event (1973), onde não há close-ups e ficamos sempre distantes das cenas, em Stil Life (1974), a câmera está mais próxima, vemos os detalhes das ações e das expressões do casal de idosos, somos mergulhados dentro do seu cotidiano, dentro do seu ritmo de vida, como se fossemos convidados a acompanhar e compartilhar dos seus afazeres. Dessa maneira, temos a sensação de sermos observadores que estão dentro da casa, como se fossemos uma das paredes daquele casebre, como se fossemos parte daquele quarto e por isso criamos grande identificação com aquele casal e também participamos de suas lentas refeições, também nos preocupamos com a magreza de seu filho que está no exército e nos revoltamos com a burocracia intolerante que leva à aposentadoria daquele senhor, ainda que essas todas cenas sejam cruas, frias, calmas, lentas e contemplativas, como todo o cinema iraniano que arrebataria fãs do mundo todo nos anos 1990 e 2000.
A incursão de diretores estrangeiros por terras ianques não é nenhuma novidade no mundo cinematográfico. Nos últimos anos, nomes como Paul Verhoeven, Guilherme del Toro, Alejandro Gonzalez Iñarritu e os brasileiros Walter Salles e Fernando Meirelles tem deixado de filmar em seus países e utilizando a língua inglesa em seus filmes com a presença de atores consagrados norte-americanos, incursionam pelos Estados Unidos para conseguirem elevados orçamentos e terem a chance de dirigirem super produções. Até mesmo monstros consagrados do cinema, como Roman Polanski e Michelangelo Antonioni passearam por terras norte-americanos no passado em busca de mais dinheiro, novos públicos, novos ares e novas fronteiras.
Com o diretor chinês Wong Kar-Wai, um dos maiores estetas das relações amorosas humanas no cinema, não foi diferente. Depois de se consagrar internacionalmente com pérolas como Felizes Juntos (1997), Amor à flor da pele (2001) e 2046 (2004), Wong Kar-Wai foi aos Estados Unidos e contanto com um time de atores de peso (Jude Law, Rachel Weisz, Natalie Portman, David Strathairn) e tendo a cantora Norah Jones como atriz principal, construiu o seu primeiro filme em língua inglesa, Um Beijo Roubado (2007). O filme basicamente conta a história de Jereym (Jude Law), dono de um bar em Nova York, e Elizabeth (Norah Jones). Ambos sofrem com as dores de um abandono amoroso. Ambos se conhecem no bar de Jeremy e nasce entre eles uma relação de amizade, amor e cumplicidade. Elizabeth, ao contrário de Jeremy, não se entrega a melancolia e decide cruzar os Estados Unidos, estabelecendo contatos com vários tipos irreparáveis que, cada um a seu modo, vivem diferentes tipos de perda.
Para os fãs inveterados dos trabalhos anteriores de Wong Kar-Wai realmente o filme não empolga. Não há a mesma vibração de seus filmes anteriores e nem a mesma complexidade de suas histórias anteriores, que fazia o público mergulhar profundamente nos sentimentos dos personagens. A história central de Um Beijo Roubado é relativamente simples, às vezes parece até um pouco forçada (Norah Jones como protagonista não empolga mesmo) que acaba se diluindo pelas outras duas histórias secundárias do filme que realmente são mais interessantes que a história de Elizabeth, sobretudo a angustiante história do policial Arnie (David Strathairn) e sua ex-esposa Sue Lynne (Rachel Weisz), já que a história da jogadora de poquer Leslie (Natalie Portman) poderia ser melhor desenvolvida. Além disso, essas histórias paralelas mostram que o sonho americano do american way of life pode terminar por conta da solidão e da condenação por amores impossíveis.
Entretanto, ainda que este filme realmente esteja alguns degraus abaixo dos seus filme anteriores filmados em Hong Kong, Um Beijo Roubado é claramente um filme de Wong Kar-Wai. E um bom filme. Todos os principais elementos que o consagraram estão ali, os constantes desencontros amorosos, as cenas em slow-motion com closes dos rostos dos personagens em busca de sua essência, o brilhante uso da trilha sonora (Ry Cooder, Ottin Reading, Norah Jones, Amos Lee, Gustavo Santaolalla, Cat Power, essa última fazendo também uma pequena ponta no filme), o explosivo uso das cores e os inusitados posicionamentos de câmera. Por fim, Um Beijo Roubado, ainda que não seja uma grande pérola cinematográfica, acaba por se tornar um excelente filme para se assistir a dois, seja pelo clima romântico criado por alguns pequenos detalhes poéticos do seu roteiro e pelo seu final edificante e de redenção ou pelo tom sexy das lindas cenas sinestésicas que mostram sorvete derretendo deliciosamente sobre pedaços de tortas de blueberry.
“- Comandante Hamilton, tenho a impressão que todo mundo morreu afogado… - Não Datena, os bombeiros estão fazendo respiração boca a boca em uma mulher nesse momento. - Por que não ta filmando!? Respiração boca a boca não é filme pornô! Focaliza! Focaliza!” José Luiz Datena
Um jornalista ávido pela notícia. Um público ávido para consumi-la, devorá-la. Vemos isso todos os dias, na nossa televisão, nos nossos jornais, com uma variedade enorme de exemplos recentes: o caso João Hélio, o episódio Isabella Nardoni, o perverso assassinato de Eliza Samúdio, entre outros. Não faltam detalhes, sobram jornalistas contando os casos de maneira dramática, utilizando-se de emoções exageradas, destrinchando a vida das pessoas envolvidas, ramificando as histórias. E o público quer mais, sempre há espaço para a opinião de mais alguém, para mais uma polêmica. Em 1951, Billy Wilder (de Crepúsculo dos Deuses [1950] e Quanto Mais Quente Melhor [1959]), sistematizou toda essa “indústria da notícia” em A Montanha dos Sete Abutres, que apesar de ser uma pérola cinematográfica, foi um fracasso de público à época.
Neste filme, Wilder retrata Charles Tatum, um jornalista que depois de demitido de diversos jornais, chega ao Novo México pedindo emprego em um pequeno jornal em Albuquerque, sonhando em um dia poder voltar a um grande jornal de Nova Iorque. Passado um ano, Tatum encontra-se desmotivado, sem grandes notícias a tratar, até que, inesperadamente, um homem, Leo Minosa, fica preso após um soterramento em uma montanha quando procurava relíquias indígenas. Utilizando-se do poder da mídia, transforma o resgate de Leo em um assunto nacional, atraindo milhares de curiosos, que se estabelecem ao pé da montanha durante os dias do resgate de Leo, consomem produtos relacionados com a “tragédia”, com a vinda inclusive de um parque de diversões ao local. Para prolongar todo o circo, Tatum pressiona o engenheiro de obras a mudar a estratégia de resgate de Leo para que ele fique preso por dias e não apenas por algumas horas. Pressiona também o xerife local, dizendo que se ele estivesse ao seu lado, Tatum escreveria para que ele fosse reeleito e convence Lorraine Minosa, esposa de Leo, uma mulher inescrupulosa, a se passar por uma esposa arrasada, fazendo-a ver que ela ganharia muito dinheiro com a sua lanchonete quando as pessoas chegassem para ver o acontecido. Mais uma vez, Wilder nos apresenta uma personagem feminina muito marcante, muito forte, talhada na ganância, no cinismo, na falsidade e na frieza, bastante típico em seus filmes mais pessimistas. Assim como Lorraine (Jan Sterling), de A Montanha dos Sete Abutres, Phyllis Dietrickson (Barbara Stanwyck) de Pacto de Sangue (1944) e Norma Desmond (Gloria Swanson) de Crepúsculo dos Deuses (1950) também são verdadeiros monstros, vilões mortos por dentro, sem humanidade.
Ao se assistir ao filme, fica clara a pretensão de Wilder de chamar a atenção do público sobre o poder que a mídia tem de manipulá-lo. Tatum é desprezível por fazer com que Leo fique preso naquela montanha por mais dias que o necessário, mas é tratado como um herói que desbrava o interior da montanha para trazer mais notícias; o xerife local é um crápula, mas será reeleito porque é tratado como um grande homem que está empenhado no resgate de Leo. Impossível não se lembrar do caso Escola Base, uma escola particular de São Paulo, que os proprietários foram acusados de abusar sexualmente dos alunos. A escola teve que ser fechada, sofreu depredação pela população, os donos foram ameaçados de morte e acabaram presos. A imprensa tratou tudo de forma bastante parcial e noticiava todos os dias novas denúncias, que mesmo sem provas, ganhavam muito espaço na mídia. Descobriu-se depois que fora um erro, todos foram inocentados e o delegado responsável pelo caso se defendeu dizendo que cometeu muitas atitudes precipitadas pressionado pela mídia televisiva e pelas manchetes dos jornais. E os donos da escola, mesmo absolvidos, tiveram muitas dificuldades em continuar a vida. Estavam falidos e eram ameaçados constantemente de morte nas ruas e em telefonemas anônimos. A Folha de São Paulo foi a única a se retratar oficialmente pelos erros cometidos.
Além de levantar a questão sobre o poder de manipulação da mídia, que explora a população, Wilder vai um pouco mais além e mostra que Tatum, Datena e Escola Base só existem porque nós permitimos que eles existam. Nós consumimos o que é veiculado nos jornais, sem pensar. Simplesmente engolimos e assim os alimentamos. Além disso, Wilder questiona os limites da curiosidade humana. Por que precisamos saber todos os detalhes da vida dos envolvidos? Por que nós apreciamos a espetacularização das tragédias? Por que nos deixamos envolver pela carga emotiva e apelativa da notícia? E isso acontece em uma escala global, vide a audiência do resgate dos mineiros no Chile em outubro de 2010, onde os jornalistas montaram um circo semelhante ao de Tatum, que chegou a um bilhão de pessoas em 28 países. Para levantar esses questionamentos, Wilder trata o público de maneira estereotipada e idiotizada, personificando-o no primeiro casal que chega às ruínas indígenas, que são os primeiros a fixar seu trailer ali, cujos filhos estão sempre vestidos com os souvenires do local e que dão entrevista à rádio dizendo com orgulho que foram os primeiros a chegar. Como macacos de auditório da vida real. Daí o fracasso de crítica e bilheteria à época. Ninguém quer se ver como o vilão no cinema, como o próprio Wilder reconhece: “Disseram que o filme foi um fracasso, porque a esposa se revela como um monstro frio – nenhuma mulher convidaria o marido para ver esse filme. Acredito mais numa outra razão para o fracasso, a de que o verdadeiro canalha não seja nem Kirk Douglas no papel do repórter, nem Jan Sterling no papel da esposa, mas o público. O jornalista é aquele que dá comida à fera, mas não é ele mesmo a fera. É está a causa do fracasso: ninguém quer ver a si mesmo no papel de canalha. Como é que se pode despertar a curiosidade das pessoas para ver o filme, se o que se mostra a elas é a que bestiais consequências a curiosidade leva?”.
Provavelmente, o filme também seria um fracasso nos dias de hoje. A Montanha dos Sete Abutres é uma poderosa fábula sobre o sensacionalismo jornalístico que sacia a nossa sádica fome de curiosidade.
Impossível assistir um filme do austríaco Michael Haneke e sair impune da experiência. Haneke sempre vai nos deixar uma marca, uma cicatriz por ter assistindo um de seus filmes. Com o seu fascínio pelo mal que existe dentro de todos os seres humanos, ele disseca as nossas vísceras, incomodando a ponto de muitas vezes, nos impedir de assistir um mesmo filme seu pela segunda vez. Muitos desistem de Funny Games (1997), pela não-exibição da violência, o que torna as situações mais violentas ainda, fazendo com que as cenas deixem de ocorrer na tela, para ocorrer apenas em nossa imaginação. Outros, por A Professora de Piano (2001), seja pela cena dos cacos de vidro no bolso do casaco da melhor aluna de piano, seja pela cena de sexo no banheiro. Outros ainda, pela brutal cena de suicídio em Caché (2005). No que cabe a mim, jurei nunca mais assistir pela segunda vez O Sétimo Continente (1989) por conta da sua terceira parte. É um filme brilhante realmente, como grande parte da obra de Haneke, mas perturbador de maneira tal, que fiquei sem dormir à noite e quase não consegui trabalhar no dia seguinte, só tentando digerir o final desse filme.
Em sua última empreitada, A Fita Branca (2009), Michael Haneke nos faz mergulhar no cotidiano de um pequeno vilarejo alemão no início do século XX, com foco sobre a infância das crianças desse vilarejo. As crianças, que adultas décadas depois, apoiariam Adolph Hitler e a ascensão do regime nazista. Quem nos conta a história do filme é o professor de música local, cujas frases iniciais (“os acontecimentos que ocorrem nessa aldeia poderiam esclarecer acontecimentos que ocorreram neste país posteriormente”) deixa clara a intenção do filme: contar uma fábula sobre o nascimento do nazismo alemão. À primeira vista, a tese de Haneke é que a autoridade da sociedade patriarcal alemã (e seus infinitos abusos, amplamente mostrados ao longo do filme) teria gerado sentimentos de crueldade e desprezo entre essas crianças que anos depois apoiariam Hitler e seu regime.
O filme, graças a sua impecável força narrativa e sua esplendida fotografia em preto e branco (que close-ups magníficos), venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2009, mas isso não foi suficiente para salvá-lo de severas críticas que disseram que o filme estava muito preso à analogia do nazismo e que seus argumentos sobre a origem do nazismo nesse filme não seria nada mais do que requentar as idéias do pensador alemão Theodor Adorno dos anos 50 e da idéia do anti-semitismo de base de Eric Hobsbawnm que teriam sido derrubadas por um dos principais historiadores do Holocausto, Raul Hilberg. Hilberg argumenta que os crimes do Holocausto era tratados de maneira industrial, como um negócio qualquer do Estado, frio e burocrático.
Entretanto, o filme de Haneke vai além, muito além. Utilizando o nazismo como um mero exemplo, como uma coisa que se repetiu e que ainda pode se repetir, Haneke nos mostra, com pequenas ações, a fórmula de criar uma sociedade doente: a repressão patriarcal, a austeridade religiosa, o machismo e a necessidade de manutenção das aparências quando se vive em sociedade. Se em seus filmes anteriores, Haneke já mostrava o mal consolidado nas ações humanas, aqui, ele nos faz buscar a sua origem e crescimento dentro dos indivíduos. Michael Haneke, em entrevista, admite isso: “Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.”
Ao assistir ao filme, todos perceberão que o muito do nosso mundo atual não é muito diferente daquela Alemanha, daquele vilarejo. Pode-se citar grandes exemplos, o fanatismo religioso islâmico, os fascismos de esquerda em Cuba e na Coréia do Norte, a opressão israelense sobre a Palestina. Mas, o que mais incomoda, e aí que entra a genialidade (e a aspereza) de Haneke, é que muitas daquelas maldades, estão em nossas ações, no nosso cotidiano. Muitas vezes a praticamos, como muitas vezes a recebemos e reagimos como aquelas crianças naquele vilarejo. Haneke mais uma vez, em mais um filme, nos diz que ela está dentro de nós. Neste aqui, ao contrário de seus filmes anteriores, Haneke ainda nos dá uma esperança: a maldade não está dentro de nós, ela nos é embutida, como mostrado na cena em que a criança mais jovem e que por isso ainda sofreu pouco tempo de abuso carinhosamente dá ao pai (o padre local, símbolo da austeridade) um novo passarinho, depois do seu anterior haver morrido.
"A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira." Nelson Rodrigues
Ah, a Tchecoslováquia e seus filmes maravilhosos. Se hoje lembramos da Tchecoslováquia (lembramos mesmo?) como apenas um país que pertencia ao bloco soviético e que se separou em República Tcheca e Eslováquia no início da década de 90, nos anos 60, era um país que passava por uma grande efervescência de ideias de reformismo e de democracia que inspirava outros países da Cortina de Ferro. O cinema tcheco refletia em suas telas essas ideias e no mesmo período, uma geração brilhante de cineastas conhecida como New Wave tcheca (Milos Forman, Ivan Passer, Jaroslav Papoušek, Jiří Menzel, Juraj Jakubisko, Vera Chytilová, entre outros), de maneira similar a nouvelle vague francesa, buscou uma nova identidade para o cinema de sua época, utilizando uma narrativa fragmentada, personagens marginalizados e um uso intenso de experimentalismos. Alguns, como Juraj Jakubisko, Vera Chytilová e, mais tardiamente, Jan Švankmajer, elevaram esses experimentalismos a incríveis e inéditos níveis de puro surrealismo e onirismo.
Vera Chytilová, em especial, foi a única mulher desse movimento e seu segunda longa metragem, Pequenas Margaridas (1966), assombraria o mundo com suas cenas extremamente coloridas de inspiração dadaísta, seus cortes rápidos e a completa ausência de uma história. O filme se centra em duas mulheres que passam o filme todo destruindo as convenções de nossa sociedade em surreais esquetes e que, por isso, inspiraria o movimento feminista que ressurgia nas décadas de 60 e 70. Ainda que Pequenas Margaridas (1966) seja sua obra mais famosa e cultuada, em seu filme seguinte, Fruto do Paraíso (1970), Vera caminha para o mais puro delírio onírico e embrutece a sua crítica aos formalismos da sociedade e suas idiossincrasias.
Os dez minutos iniciais é um dos experimentos surrealistas mais bonitos da história do cinema. Nesses minutos iniciais, vemos um homem e uma mulher, nus, caminhando e essas cenas são fusionadas a outras, muito coloridas, mostrando folhas, frutos, nos propiciando uma experiência arrebatadora de texturas e mistura de cores (como exemplo, a figura acima). Ao fundo, uma música que contribui para a formação de um clima onírico e trechos de canto gregoriano citando passagens da bíblia acerca da história de Adão e Eva. Ainda que Fruto do Paraíso (1970) tenha uma linha narrativa muito tênue (não que a gente precise se importar com ela em filmes surrealistas, é claro), ela mostra Eva, casada com Josef, em uma espécie de paraíso, que como logo se pode notar, é um lugar monótono e supérfluo, onde as únicas coisas que se tem a fazer é colher legumes e brincar de bola na areia. Eva começa a se interessar por Robert, um sujeito estranho que anda atrás de mulheres nuas, possui uma misteriosa pasta e carrega uma chave, que depois de ser encontrada por Eva, muda a sua vida. Através dessa chave, ela descobre que Robert é um assassino e deseja que ele se torne o seu próprio assassino.
Robert é a serpente que seduz Eva e a leva a comer o fruto proibido. E o fruto proibido é o amor. O desejo de morte de Eva é o desejo de ser expulsa daquele paraíso tedioso, raso, estagnado. Seu vestido e a rosa em seu cabelo, quando passam a ser vermelhos, simbolizam o bom pecado de Eva, que a faz esquecer as convenções, os formalismos, a hipocrisia. Eva oferece a rosa vermelha a seu marido Josef, mas ele a nega e renega Eva. Josef ainda não está pronto para essa nova sociedade, essa nova vida, de liberdade das amarras sociais. Logo em seguida, Eva oferece a rosa ao expectador, convidando-nos a embarcarmos juntos nessa jornada. Estaríamos prontos?
Três Anúncios Para um Crime
4.2 2,0K Assista AgoraPelo que vi, as opiniões sobre este filme se dividiram bastante, quem gostou, amou; e quem não gostou, achou horroroso. Eu fiquei no meio termo, nem tanto ao céu nem tanto ao inferno. Um filme razoável, chamaria ele até de covarde, mas não sei se espero coragem de um filme todo favorito ao Oscar.
É um filme que propositadamente tenta se espalhar por milhões de temas que estão na moda (violência contra a mulher, pedofilia na Igreja Católica, discriminação racial, violência do exército americano no Oriente Médio) com temas já batidos (relação conflituosa entre pais e filhos adolescentes, sátira do americano rural); mas que não aprofunda nada. É um grande mosaico raso que apenas respinga à superfície de um monte de assuntos, sem se aprofundar em nenhum e sem trazer nada de novo e produtivo ao debate em nenhum dos temas que ele tenta abordar. Ainda que a atuação da Frances McDormand chame de fato à atenção, nem a personagem dela foi aprofundada e discutida. Ou seja, um filme raso, mas não sei se daria para se esperar algo diferente do filme. Há a questão da mulher que luta por uma causa e que todos vão contra ela, mas Erin Brockovich já fez isso há 18 anos atrás. Posso até estar sendo excessivamente duro, mas muitas vezes durante o filme, lembrei-me da jornada de Erin Brockovich.
Li em alguns lugares que lembra Fargo e a filmografia dos irmãos Coen, mas essa comparação acho que fica apenas, novamente, na superfície. Os Coen, como fizeram em Fargo ou em No Country for Old Men (para falar de Oscar), teriam apresentado toques muito mais cruéis e um humor muito mais perverso à narrativa. Não imagino em um filmes deles que um personagem repulsivo, como aquele policial estúpido e racista, mude totalmente a sua personalidade por uma carta de um suicida dizendo que o que falta à esse policial é amor.
Mas, o filme entretém. Apesar do roteiro meio esquizofrênico, a história é bacana, o roteiro faz o espectador prender a atenção durante o filme, alguns "plot-twist" (odeio esse termo) bem colocados contribuem para isso, há algumas cenas muito bem dirigidas (a cena quixotesca dos incêndios dos outdoors é bem interessante), acho que há bons momentos (eu gostei bastante da conclusão e de algumas pontas que ficam soltas), é um filme ok, senão se esperar muito dele. Vale a sessão no cinema e satisfaz, ainda que essa satisfação seja apenas imediata e esquecível.
120 Batimentos por Minuto
4.0 190 Assista AgoraÉ um baita clichê o que vou dizer, mas 120 bpm é um filme de camadas.
Você consegue analisar o filme por vários pontos, a questão homossexual na França (e no mundo); o HIV no final dos anos 80/início dos anos 90; a questão do que é a militância política, tanto ao nível de grupo e das relações dentro dele, quanto ao nível mais intimista e pessoal; a questão das indústrias farmacêuticas que tomam aquelas atitudes em todas as doenças que têm um amplo mercado consumidor (na Europa e nos EUA; se fosse nos outros continentes, ia ser muito pior; vide que essas indústrias investem muito pouco em pesquisas para fármacos de doenças tropicais). Além, é claro, das cenas das festas que são maravilhosas.
E, no que eu achei uma puta cutucada no público, é fazer um filme cíclico, iniciando e terminando o filme com uma morte. Na primeira, os membros da Act Up! dão o informe e nós nem nos importamos, já a segunda, a do Sean, nós nos compadecemos enormemente, apenas porque acompanhamos a sua trajetória. Ou seja, só se importa com que o que se conhece, mesmo o terrível resultado, a morte, sendo o mesmo. E, esse ciclo continuará, porque em uma das cenas finais, eles estão discutindo o que vão falar do Sean na reunião que conterá, como no início do filme, novos ativistas, que não o conheceram.
Curiosamente, mas agora num nível mais pessoal, achei que o Campillo, de modo semelhante ao Haneke em A fita branca, conseguiu fazer de uma questão que já era grande o suficiente, se tornar praticamente universal. No caso de 120 bpm, fez da Act Up! um exemplo de como são os acertos, erros e contradições de qualquer grupo militante envolvido como uma questão especial. No caso da A Fita Branca, Haneke fez das origens do nazismo naquela vila um exemplo para origem da intolerância e o ódio em grupos isolados. Pelo que andei lendo, o Campillo, que foi membro da Act Up! fez o filme exatamente para tentar descrever fielmente os bastidores da Act Up! em Paris para fazer refletir as questões militantes dos mais diversos grupos políticos.
Blade Runner 2049
4.0 1,7K Assista AgoraApesar de muitos terem falado disso aqui já, vou reiterar que é um excelente filme, do mesmo nível que o seu predecessor de 1982. Uma ou outra coisa nessa comparação pode favorecer o filme anterior, mas de modo geral, são ambos do mesmo nível, com o mesmo clima, o mesmo suspense e a mesma imersão. Ouvi muita gente falando que saiu da sala de cinema porque achou chato; de fato, nenhum Blade Runner é um filme de ação; é um filme de suspense, um noir pós-apocalíptico focado nas transformações filosóficas pessoais de cada personagem. Neste aqui ainda, o melhor da obra do Villeneuve encontra um espaço perfeito para sua exibição: a construção de um enredo imersivo, claustrofóbico com diálogos curtos e introspectivos. Ainda que proponha algum debate filosófico, ele não é profundo e nem complexo; é bem fácil de acompanhar, sobretudo neste mais recente, já que no anterior eu acredito que tenha sido um pouco melhor trabalhado. Na minha opinião pessoal, preferia o espaço para interpretação pessoal que havia no filme de 1982 do que receber as coisas um pouco mais mastigadas neste de 2017.
Generalizações são perigosas mas, acredito que todos que saíram da sessão ou que acharam chato ou ainda que a história deveria ser mais curta são pessoas que não conheciam o Blade Runner de 1982. São filmes que pouco se importam com a ação, focam-se na imersão de cada espectador em um universo fictício e em suas sensações dentro dele.
Kung Fu Contra as Bonecas
3.2 25Explotation terceiro mundo!
Pecado Horizontal
3.0 10Vale pela frase "Isso é hora de tomar cafézinho?"
Tsili
3.0 2E o novo filme do veterano Gitai é uma bomba. Tsili conta a história de uma refugiada judia que se esconde nas florestas da Ucrânia e encontra outro refugiado. Sionista até a medula, Tsili é um filme entediante que não sabe onde começa e nem para onde vai.
Leviatã
3.8 299 Assista AgoraKolia vive em uma pequena e corrupta cidade no litoral russo ao lado de sua esposa e seu problemático filho onde o prefeito local quer se apropriar da sua casa e da sua oficina mecânica. Fabuloso filme sobre corrupção e abuso de poder com um roteiro que não lhe permite respirar, Leviatã se carrega de personagens autodestrutivos, alegóricos simbolismos e sátiras sombrias para retratar a impotência da luta do menor contra o maior.
Aventura
3.5 2Um guarda-noturno (Marat) vê uma garota (Mariyam) à espera de alguém na rua em frente ao seu serviço e ao conhecê-la, suas noites se tornam cheia de aventuras. Parece sinopse de um filme da sessão da tarde, mas Aventura é uma livre adaptação (pós-moderna?) de “Noites Brancas” de Dostoiévski e, apesar da simples produção, faz cativar pelas inusitadas situações que Marat passa ao lado de Mariyam pelas madrugadas Cazaquistão adentro e se apresenta como um belo e sensível filme sobre a espera, a rotina e a solidão.
Sono de Inverno
4.0 132 Assista AgoraMais uma vez em Anatolia, Ceylan dá a vida a Aydin, personagem que administra um pequeno hotel local com a sua esposa e sua irmã. Com o inverno chegando, castigando a paisagem de Anatolia e a diminuição do número de turistas, as relações pessoais entre os personagens vão se decompondo pelo isolamento e fazendo emergir íntimos e duros conflitos. Winter Sleep é um filme duro, seco, ríspido, de difícil digestão. Afastando-se dos planos abertos e da contemplação do silêncio, características marcantes de sua obra, Ceylan aposta em planos mais intimistas, às vezes sufocantes, em ambiente interiores escurecidos e preenche o filme com longos e difíceis diálogos na maioria das vezes ditado por Aydin, personagem de personalidade bastante complexa e opressora, o qual o silêncio parece incomodar. É um filme difícil para se dar um veredito sem uma maior reflexão e sem talvez uma segunda revisão, mas a impressão que fica após sair da sessão é que Winter Sleep não me pegou tanto quanto outros filmes do Ceylan (Distante, de 2002, é realmente um filme esplendoroso) e nem como outros filme vencedores da Palma de Ouro dos últimos anos (A Fita Branca; 4 meses, 3 semanas, 2 dias; A Árvore da Vida)
O Retorno de Antígona
3.1 3Depois de muito tempo ausente, Antígona retorna a sua pequena cidade natal em busca de tranquilidade e encontra um cenário totalmente diferente. Blá, blá, blá, parece um filme de sessão da tarde com a Sandra Bullock falado em grego com um pouco mais de violência e com personagens que você não consegue entender bem qual a relação deles com a protagonista.
A Gangue
3.8 134Um jovem surdo chega em um internato especializado que abriga uma rede criminosa entre seus estudantes. O longa de estreia do diretor é uma experiência ousada quanto a sua linguagem. O filme, de pouco mais de duas horas, é feito totalmente em linguagem de sinais. Os únicos ruídos que se ouve no filme são barulhos de portas se fechando, passos pelos corredores, grunhidos de dor e de prazer sexual. A ausência de comunicação oral, que não compromete em nada o entendimento da narrativa, coloca o espectador numa posição de voyeur incômoda, impotente, frente ao alto grau de violência e frieza apresentado pelos personagens. Os jovens delinquentes desse internato apresentam medos e angústias comuns a todos jovens dessa idade, mas a violência as influenciam diretamente, caracterizando-as de modo bastante peculiar. O longa é extremamente cru e seco, lembrando a estética apresentado pelos grandes filmes do cinema romeno dos últimos anos (4 meses, 3 semanas, 2 dias; A Morte do Senhor Lazarescu; Polícia, Adjetivo; À Leste de Bucareste), mas apresentando uma narrativa mais vertiginosa que os romenos, mais lentos e contemplativos.
Adeus à Linguagem
3.5 118 Assista AgoraUtilizando-se do 3D (um 3D muito forçado, com uma profundidade exagerada), Godard insere novos planos num mesmo quadro e em vez de amplificar a sua linguagem cinematográfica com isso, ele a desconstrói, praticamente aniquila a linguagem imagética e a linguagem oral como a conhecemos ao longo do filme. Abre propostas para o questionamento da comunicação humana (extremamente complexa, tão complexa que nós mesmos não nos entendemos) e tenta nos aproximar de uma comunicação mais "primitiva". Seria uma desumanização ou uma volta à nossa natureza como meros primatas? Um afastamento da "natureza" que o homem criou e uma aproximação à natureza do cachorro e das folhas? Qual a linguagem do cachorro, do vento, das folhas e do mar? Enfim, não sei, mas, para mim, Adeus à Linguagem é um filme que se abre em novas perspectivas de linguagem (mesmo aniquilando-a). Com a proposta de mais planos em um único quadro, o filme passa de bidimensional para multidimensional.
Uma leitura que faço de Godard (posso estar errado, é claro) é que ele sempre foi um cara que em seus filmes faz uma leitura do tempo em que vive. Isso pode ser um viés, ao mesmo tempo que quase sempre consegue fazer uma leitura crítica profunda do presente, acaba por talvez datar os seus filmes. Em Adeus à Linguagem, ele utiliza-se do que há de mais "novo" em cinema, o uso do 3D em filmes que pouco dizem, pouco comunicam (a maioria são filmes descartáveis, como Avatar) e faz um filme onde ele aniquila a linguagem e a comunicação; em uma época aonde a internet expandiu enormemente a possibilidade de comunicação, nós regredimos (limite de 140 caracteres no twitter) e nos perdemos em meio a um enorme quantidade de informações e ideias.
Branco Sai, Preto Fica
3.5 173Acho que os grandes destaques de “Branco Sai, Preto Fica” são a sua inventividade e o seu diálogo com os grandes movimentos do nosso cinema, com o Cinema Novo, mas principalmente com o Cinema Marginal. Há algum tempo me incomodava que os filmes nacionais contemporâneos não se comunicavam com a história do nosso cinema e acredito que a inventividade de “Branco Sai, Preto Fica” retoma nas questões do Brasil contemporâneo, a inventividade que Bressane, Tonacci, Sganzerla, entre outros, utilizaram para descrever o efervescente Brasil dos anos 60 e 70.
A própria tentativa de se definir um gênero para “Branco Sai, Preto Fica” já o aproxima da implosão de uma linha narrativa, que é bastante característico do Cinema Marginal. É um documentário, um drama ficcional, um filme policial e uma ficção científica. Se na sua vertente documental dialoga mais com o realismo do Cinema Novo e se afasta da “estética do lixo” marginal, é nas outras três com seus lapsos narrativos próprios que remete-se às indefinições de gênero e da ausência de uma linha narrativa do Cinema Marginal e alguns de seus clássicos como O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Sganzerla (documentário, um filme policial ou um drama ficcional?); Bang-Bang (1971), de Tonacci (filme policial?), Matou a família e foi ao cinema (1969), de Bressane (romance ou filme policial?), Hitler III Mundo (1968), de Agrippino de Paula (comédia, documentário ou ficção científica?).
Elementos clássicos do cinema marginal também são lançados durante todo o filme, como o deboche, o pessimismo e a espetacularização e valorização da marginalização, dos marginalizados. O deboche, presente na cena da dança do jumento, presente na construção da personagem do Cravalanças, um viajante do tempo sem charme algum cuja máquina do tempo é um container. Sem glamour, sem efeitos especiais suntuosos. Subdesenvolvido como o Bandido da Luz Vermelha, como Hitler andando numa Kombi no Rio de Janeiro. Atira contra todos os opressores, atira contra tudo, atira contra nós de modo grosseiro e agressivo como os macacos de Tonacci. Ao mesmo tempo, Cravalanças ainda pode ser um anti-herói intergaláctico como Meteorango Kid (1968), de André Luiz Oliveira. Com relação ao pessimismo, não há a tentativa de se propor nenhuma solução, exemplificado na cena em que Marquim põe fogo no sofá com seus planos, pessimismo marcante nas obras marginais O Anjo Nasceu (1969), de Bressane e A Margem (1967), de Candeias. Finalmente, a espetacularização e valorização da marginalização, com a idéia se se juntar todo o Brasil marginalizado e jogar sobre Brasília, explodir os que causam a essa situação, como na frase célebre de O Bandido da Luz Vermelha, “O Terceiro Mundo vai explodir! Quem tiver de sapato não sobra”.
Enfim, tudo isso para dizer que gostei bastante do filme, é um filme necessário para o nosso momento atual já que o retrata de modo inventivo e que dialoga com o que mais de inventivo houve na história da nossa cinematografia.
Ladrões de Bicicleta
4.4 531 Assista AgoraA minha descoberta para o cinema.
Nina
3.0 7 Assista AgoraOlha, é complicado fazer um filme em um cenário clássico (o complexo EUR) onde o Antonioni e o Fellini já filmaram e eternizaram. O grande trunfo da diretora é mostrá-lo à sua forma, dando foco às construções, às formas arquitetônicas, com doses lindas de surrealismo, colocando a personagem (Nina), sem vida, por conta de sua ausência de sentimento, como parte desse cenário.
O desenvolvimento da história é belíssimo. Suave, delicado e onírico. Um filme a ser visto, sem dúvidas.
As Safadas
2.9 12Quando o Carlos Reichenbach esteve em minha cidade, ele deixou claro a sua indignação pelo fato de que tudo que foi erótico nos anos 80 ser chamado pejorativamente de "pornochanchada". Ele estava falando de pérolas como esta, belissimamente realizadas, sobretudo no que tange à fotografia e edição de arte.
Assistindo o seu episódio, A Rainha do Fliperama, percebemos que é claramente um filme de Carlos Reichenbach: levemente melodramático (como Zurlini), levemente marginal.
De quebra ainda podemos ver a única incursão do crítico Inácio Araújo como diretor. Ele que fora montador de diversos filmes, inclusive de Lilian M. de Carlos Reichenbach, em sua incursão como diretor não decepciona. Pelo contrário, nos surpreende com uma película que dialoga e homenageia A Janela Indiscreta de Hitchcock e Naked Kiss do Samuel Fuller.
Por fim, Belinha, a Virgem de Antonio Melinde. Talvez o mais fraco dos três episódios, por ser mais próximo do esterótipo da pornochanchada. Mas não menos digno por isso. Nos arranca belas risadas e nos presenteia com a belíssima Vanessa Alves.
Um Estranho no Lago
3.3 465 Assista AgoraO filme é bom. Quando ele terminou, fiquei com a sensação que havia gostado dele. Mas, sinceramente, nada de sensacional, o filme não me surpreendeu tanto.
Ele possui grandes trunfos, é verdade. As cenas de sexo, na minha opinião, são lindíssimas, transbordam desejo pela tela e provocam desejo ao expectador. A construção do lago quase como o protagonista do filme também é muito bem desenvolvida contribuindo para o clima de tensão do filme.
Mas, desde o início, fiquei com a impressão que eu já tinha visto esse filme num filme do Antonioni. E não é pela referência latente à Blow Up, por conta do testemunho do assassinato. É porque não consegui em nenhum momento dissociar Um Estranho no Lago da Trilogia da Incomunicabilidade do italiano. E isso não fez dele, edificante. Pelo contrário,a forma com que o filme foi conduzido me soou pouco original, daí a sensação de já tê-lo visto antes e com maior profundidade.
E algo que achei desnecessário
Quando o detetive encontra o Frank e lhe questiona sobre a forma de se amarem e sobre a solidão. O diretor explicou o filme ali... Soou repetitivo, ele havia mostrado isso com as imagens, não precisava esse personagem explicar tudo...
Mama
3.0 2,8K Assista AgoraO curta metragem que deu origem a esse longa e o trailler são sensacionais. Mas o filme em si é extremamente monótono e previsível. A melhor cena do filme é justamente aquela que é igual ao curta metragem.
Terror nas Trevas
3.6 132É sempre difícil analisar um filme do Fulci. Eu particularmente, não gosto, Bava e Argento me atraem muito mais, sobretudo o Argento que tem pelo menos, na minha opinião, três obras primas.
Os filmes do Lucio Fulci não tem sentido algum, a história é absurda, sobram milhares de pontas e personagens somem e aparecem do nada. Mas não sei se importa, dentro do conceito que ele nos propõe em seus filmes, da exploração do mal, do sobrenatural, do que está além do que possamos crer e explicar. E que devemos temer. E para isso, Fulci dirige magistralmente as cenas dos assassinatos, as maquiagens dos monstros, a atuação bizarra e quase caricata dos seus atores.
As Sete Portas do Inferno não é o Fulci que mais gosto, mas acho que foi nele que ele deixou mais clara a sua proposta.
Still Life
4.1 5Raízes do cinema iraniano
Em Still Life (1974), Shahid-Saless mais uma filma a rotina de pessoas comuns; ele retrata a vida de um casal de idosos que mora à beira de um trilho do trem na região norte do Irã. Ela faz tapetes persas e cuida da casa (que é apenas um quarto, como em seu filme anterior) e ele trabalha como sinaleiro em um cruzamento ferroviário. O ritmo do filme é o mesmo do casal, lento, e assim, como em seu filme anterior, A Simple Event (1973), as ações retratadas no filme tem a sua duração real, como por exemplo, as cenas das refeições, o caminhar lento até o cruzamento, a preparação para dormir.
Entretanto, diferente de A Simple Event (1973), onde não há close-ups e ficamos sempre distantes das cenas, em Stil Life (1974), a câmera está mais próxima, vemos os detalhes das ações e das expressões do casal de idosos, somos mergulhados dentro do seu cotidiano, dentro do seu ritmo de vida, como se fossemos convidados a acompanhar e compartilhar dos seus afazeres. Dessa maneira, temos a sensação de sermos observadores que estão dentro da casa, como se fossemos uma das paredes daquele casebre, como se fossemos parte daquele quarto e por isso criamos grande identificação com aquele casal e também participamos de suas lentas refeições, também nos preocupamos com a magreza de seu filho que está no exército e nos revoltamos com a burocracia intolerante que leva à aposentadoria daquele senhor, ainda que essas todas cenas sejam cruas, frias, calmas, lentas e contemplativas, como todo o cinema iraniano que arrebataria fãs do mundo todo nos anos 1990 e 2000.
Um Beijo Roubado
3.5 606 Assista AgoraA incursão de diretores estrangeiros por terras ianques não é nenhuma novidade no mundo cinematográfico. Nos últimos anos, nomes como Paul Verhoeven, Guilherme del Toro, Alejandro Gonzalez Iñarritu e os brasileiros Walter Salles e Fernando Meirelles tem deixado de filmar em seus países e utilizando a língua inglesa em seus filmes com a presença de atores consagrados norte-americanos, incursionam pelos Estados Unidos para conseguirem elevados orçamentos e terem a chance de dirigirem super produções. Até mesmo monstros consagrados do cinema, como Roman Polanski e Michelangelo Antonioni passearam por terras norte-americanos no passado em busca de mais dinheiro, novos públicos, novos ares e novas fronteiras.
Com o diretor chinês Wong Kar-Wai, um dos maiores estetas das relações amorosas humanas no cinema, não foi diferente. Depois de se consagrar internacionalmente com pérolas como Felizes Juntos (1997), Amor à flor da pele (2001) e 2046 (2004), Wong Kar-Wai foi aos Estados Unidos e contanto com um time de atores de peso (Jude Law, Rachel Weisz, Natalie Portman, David Strathairn) e tendo a cantora Norah Jones como atriz principal, construiu o seu primeiro filme em língua inglesa, Um Beijo Roubado (2007). O filme basicamente conta a história de Jereym (Jude Law), dono de um bar em Nova York, e Elizabeth (Norah Jones). Ambos sofrem com as dores de um abandono amoroso. Ambos se conhecem no bar de Jeremy e nasce entre eles uma relação de amizade, amor e cumplicidade. Elizabeth, ao contrário de Jeremy, não se entrega a melancolia e decide cruzar os Estados Unidos, estabelecendo contatos com vários tipos irreparáveis que, cada um a seu modo, vivem diferentes tipos de perda.
Para os fãs inveterados dos trabalhos anteriores de Wong Kar-Wai realmente o filme não empolga. Não há a mesma vibração de seus filmes anteriores e nem a mesma complexidade de suas histórias anteriores, que fazia o público mergulhar profundamente nos sentimentos dos personagens. A história central de Um Beijo Roubado é relativamente simples, às vezes parece até um pouco forçada (Norah Jones como protagonista não empolga mesmo) que acaba se diluindo pelas outras duas histórias secundárias do filme que realmente são mais interessantes que a história de Elizabeth, sobretudo a angustiante história do policial Arnie (David Strathairn) e sua ex-esposa Sue Lynne (Rachel Weisz), já que a história da jogadora de poquer Leslie (Natalie Portman) poderia ser melhor desenvolvida. Além disso, essas histórias paralelas mostram que o sonho americano do american way of life pode terminar por conta da solidão e da condenação por amores impossíveis.
Entretanto, ainda que este filme realmente esteja alguns degraus abaixo dos seus filme anteriores filmados em Hong Kong, Um Beijo Roubado é claramente um filme de Wong Kar-Wai. E um bom filme. Todos os principais elementos que o consagraram estão ali, os constantes desencontros amorosos, as cenas em slow-motion com closes dos rostos dos personagens em busca de sua essência, o brilhante uso da trilha sonora (Ry Cooder, Ottin Reading, Norah Jones, Amos Lee, Gustavo Santaolalla, Cat Power, essa última fazendo também uma pequena ponta no filme), o explosivo uso das cores e os inusitados posicionamentos de câmera. Por fim, Um Beijo Roubado, ainda que não seja uma grande pérola cinematográfica, acaba por se tornar um excelente filme para se assistir a dois, seja pelo clima romântico criado por alguns pequenos detalhes poéticos do seu roteiro e pelo seu final edificante e de redenção ou pelo tom sexy das lindas cenas sinestésicas que mostram sorvete derretendo deliciosamente sobre pedaços de tortas de blueberry.
A Montanha dos Sete Abutres
4.4 246 Assista AgoraOs macacos de auditório da vida real
“- Comandante Hamilton, tenho a impressão que todo mundo morreu afogado…
- Não Datena, os bombeiros estão fazendo respiração boca a boca em uma mulher nesse momento.
- Por que não ta filmando!? Respiração boca a boca não é filme pornô! Focaliza! Focaliza!”
José Luiz Datena
Um jornalista ávido pela notícia. Um público ávido para consumi-la, devorá-la. Vemos isso todos os dias, na nossa televisão, nos nossos jornais, com uma variedade enorme de exemplos recentes: o caso João Hélio, o episódio Isabella Nardoni, o perverso assassinato de Eliza Samúdio, entre outros. Não faltam detalhes, sobram jornalistas contando os casos de maneira dramática, utilizando-se de emoções exageradas, destrinchando a vida das pessoas envolvidas, ramificando as histórias. E o público quer mais, sempre há espaço para a opinião de mais alguém, para mais uma polêmica. Em 1951, Billy Wilder (de Crepúsculo dos Deuses [1950] e Quanto Mais Quente Melhor [1959]), sistematizou toda essa “indústria da notícia” em A Montanha dos Sete Abutres, que apesar de ser uma pérola cinematográfica, foi um fracasso de público à época.
Neste filme, Wilder retrata Charles Tatum, um jornalista que depois de demitido de diversos jornais, chega ao Novo México pedindo emprego em um pequeno jornal em Albuquerque, sonhando em um dia poder voltar a um grande jornal de Nova Iorque. Passado um ano, Tatum encontra-se desmotivado, sem grandes notícias a tratar, até que, inesperadamente, um homem, Leo Minosa, fica preso após um soterramento em uma montanha quando procurava relíquias indígenas. Utilizando-se do poder da mídia, transforma o resgate de Leo em um assunto nacional, atraindo milhares de curiosos, que se estabelecem ao pé da montanha durante os dias do resgate de Leo, consomem produtos relacionados com a “tragédia”, com a vinda inclusive de um parque de diversões ao local. Para prolongar todo o circo, Tatum pressiona o engenheiro de obras a mudar a estratégia de resgate de Leo para que ele fique preso por dias e não apenas por algumas horas. Pressiona também o xerife local, dizendo que se ele estivesse ao seu lado, Tatum escreveria para que ele fosse reeleito e convence Lorraine Minosa, esposa de Leo, uma mulher inescrupulosa, a se passar por uma esposa arrasada, fazendo-a ver que ela ganharia muito dinheiro com a sua lanchonete quando as pessoas chegassem para ver o acontecido. Mais uma vez, Wilder nos apresenta uma personagem feminina muito marcante, muito forte, talhada na ganância, no cinismo, na falsidade e na frieza, bastante típico em seus filmes mais pessimistas. Assim como Lorraine (Jan Sterling), de A Montanha dos Sete Abutres, Phyllis Dietrickson (Barbara Stanwyck) de Pacto de Sangue (1944) e Norma Desmond (Gloria Swanson) de Crepúsculo dos Deuses (1950) também são verdadeiros monstros, vilões mortos por dentro, sem humanidade.
Ao se assistir ao filme, fica clara a pretensão de Wilder de chamar a atenção do público sobre o poder que a mídia tem de manipulá-lo. Tatum é desprezível por fazer com que Leo fique preso naquela montanha por mais dias que o necessário, mas é tratado como um herói que desbrava o interior da montanha para trazer mais notícias; o xerife local é um crápula, mas será reeleito porque é tratado como um grande homem que está empenhado no resgate de Leo. Impossível não se lembrar do caso Escola Base, uma escola particular de São Paulo, que os proprietários foram acusados de abusar sexualmente dos alunos. A escola teve que ser fechada, sofreu depredação pela população, os donos foram ameaçados de morte e acabaram presos. A imprensa tratou tudo de forma bastante parcial e noticiava todos os dias novas denúncias, que mesmo sem provas, ganhavam muito espaço na mídia. Descobriu-se depois que fora um erro, todos foram inocentados e o delegado responsável pelo caso se defendeu dizendo que cometeu muitas atitudes precipitadas pressionado pela mídia televisiva e pelas manchetes dos jornais. E os donos da escola, mesmo absolvidos, tiveram muitas dificuldades em continuar a vida. Estavam falidos e eram ameaçados constantemente de morte nas ruas e em telefonemas anônimos. A Folha de São Paulo foi a única a se retratar oficialmente pelos erros cometidos.
Além de levantar a questão sobre o poder de manipulação da mídia, que explora a população, Wilder vai um pouco mais além e mostra que Tatum, Datena e Escola Base só existem porque nós permitimos que eles existam. Nós consumimos o que é veiculado nos jornais, sem pensar. Simplesmente engolimos e assim os alimentamos. Além disso, Wilder questiona os limites da curiosidade humana. Por que precisamos saber todos os detalhes da vida dos envolvidos? Por que nós apreciamos a espetacularização das tragédias? Por que nos deixamos envolver pela carga emotiva e apelativa da notícia? E isso acontece em uma escala global, vide a audiência do resgate dos mineiros no Chile em outubro de 2010, onde os jornalistas montaram um circo semelhante ao de Tatum, que chegou a um bilhão de pessoas em 28 países. Para levantar esses questionamentos, Wilder trata o público de maneira estereotipada e idiotizada, personificando-o no primeiro casal que chega às ruínas indígenas, que são os primeiros a fixar seu trailer ali, cujos filhos estão sempre vestidos com os souvenires do local e que dão entrevista à rádio dizendo com orgulho que foram os primeiros a chegar. Como macacos de auditório da vida real. Daí o fracasso de crítica e bilheteria à época. Ninguém quer se ver como o vilão no cinema, como o próprio Wilder reconhece: “Disseram que o filme foi um fracasso, porque a esposa se revela como um monstro frio – nenhuma mulher convidaria o marido para ver esse filme. Acredito mais numa outra razão para o fracasso, a de que o verdadeiro canalha não seja nem Kirk Douglas no papel do repórter, nem Jan Sterling no papel da esposa, mas o público. O jornalista é aquele que dá comida à fera, mas não é ele mesmo a fera. É está a causa do fracasso: ninguém quer ver a si mesmo no papel de canalha. Como é que se pode despertar a curiosidade das pessoas para ver o filme, se o que se mostra a elas é a que bestiais consequências a curiosidade leva?”.
Provavelmente, o filme também seria um fracasso nos dias de hoje. A Montanha dos Sete Abutres é uma poderosa fábula sobre o sensacionalismo jornalístico que sacia a nossa sádica fome de curiosidade.
A Fita Branca
4.0 756 Assista AgoraAs Pequenas Alemanhas dentro de nós
Impossível assistir um filme do austríaco Michael Haneke e sair impune da experiência. Haneke sempre vai nos deixar uma marca, uma cicatriz por ter assistindo um de seus filmes. Com o seu fascínio pelo mal que existe dentro de todos os seres humanos, ele disseca as nossas vísceras, incomodando a ponto de muitas vezes, nos impedir de assistir um mesmo filme seu pela segunda vez. Muitos desistem de Funny Games (1997), pela não-exibição da violência, o que torna as situações mais violentas ainda, fazendo com que as cenas deixem de ocorrer na tela, para ocorrer apenas em nossa imaginação. Outros, por A Professora de Piano (2001), seja pela cena dos cacos de vidro no bolso do casaco da melhor aluna de piano, seja pela cena de sexo no banheiro. Outros ainda, pela brutal cena de suicídio em Caché (2005). No que cabe a mim, jurei nunca mais assistir pela segunda vez O Sétimo Continente (1989) por conta da sua terceira parte. É um filme brilhante realmente, como grande parte da obra de Haneke, mas perturbador de maneira tal, que fiquei sem dormir à noite e quase não consegui trabalhar no dia seguinte, só tentando digerir o final desse filme.
Em sua última empreitada, A Fita Branca (2009), Michael Haneke nos faz mergulhar no cotidiano de um pequeno vilarejo alemão no início do século XX, com foco sobre a infância das crianças desse vilarejo. As crianças, que adultas décadas depois, apoiariam Adolph Hitler e a ascensão do regime nazista. Quem nos conta a história do filme é o professor de música local, cujas frases iniciais (“os acontecimentos que ocorrem nessa aldeia poderiam esclarecer acontecimentos que ocorreram neste país posteriormente”) deixa clara a intenção do filme: contar uma fábula sobre o nascimento do nazismo alemão. À primeira vista, a tese de Haneke é que a autoridade da sociedade patriarcal alemã (e seus infinitos abusos, amplamente mostrados ao longo do filme) teria gerado sentimentos de crueldade e desprezo entre essas crianças que anos depois apoiariam Hitler e seu regime.
O filme, graças a sua impecável força narrativa e sua esplendida fotografia em preto e branco (que close-ups magníficos), venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2009, mas isso não foi suficiente para salvá-lo de severas críticas que disseram que o filme estava muito preso à analogia do nazismo e que seus argumentos sobre a origem do nazismo nesse filme não seria nada mais do que requentar as idéias do pensador alemão Theodor Adorno dos anos 50 e da idéia do anti-semitismo de base de Eric Hobsbawnm que teriam sido derrubadas por um dos principais historiadores do Holocausto, Raul Hilberg. Hilberg argumenta que os crimes do Holocausto era tratados de maneira industrial, como um negócio qualquer do Estado, frio e burocrático.
Entretanto, o filme de Haneke vai além, muito além. Utilizando o nazismo como um mero exemplo, como uma coisa que se repetiu e que ainda pode se repetir, Haneke nos mostra, com pequenas ações, a fórmula de criar uma sociedade doente: a repressão patriarcal, a austeridade religiosa, o machismo e a necessidade de manutenção das aparências quando se vive em sociedade. Se em seus filmes anteriores, Haneke já mostrava o mal consolidado nas ações humanas, aqui, ele nos faz buscar a sua origem e crescimento dentro dos indivíduos. Michael Haneke, em entrevista, admite isso: “Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.”
Ao assistir ao filme, todos perceberão que o muito do nosso mundo atual não é muito diferente daquela Alemanha, daquele vilarejo. Pode-se citar grandes exemplos, o fanatismo religioso islâmico, os fascismos de esquerda em Cuba e na Coréia do Norte, a opressão israelense sobre a Palestina. Mas, o que mais incomoda, e aí que entra a genialidade (e a aspereza) de Haneke, é que muitas daquelas maldades, estão em nossas ações, no nosso cotidiano. Muitas vezes a praticamos, como muitas vezes a recebemos e reagimos como aquelas crianças naquele vilarejo. Haneke mais uma vez, em mais um filme, nos diz que ela está dentro de nós. Neste aqui, ao contrário de seus filmes anteriores, Haneke ainda nos dá uma esperança: a maldade não está dentro de nós, ela nos é embutida, como mostrado na cena em que a criança mais jovem e que por isso ainda sofreu pouco tempo de abuso carinhosamente dá ao pai (o padre local, símbolo da austeridade) um novo passarinho, depois do seu anterior haver morrido.
Fruto do Paraíso
4.1 33 Assista AgoraQuando amar é um bom pecado
"A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira."
Nelson Rodrigues
Ah, a Tchecoslováquia e seus filmes maravilhosos. Se hoje lembramos da Tchecoslováquia (lembramos mesmo?) como apenas um país que pertencia ao bloco soviético e que se separou em República Tcheca e Eslováquia no início da década de 90, nos anos 60, era um país que passava por uma grande efervescência de ideias de reformismo e de democracia que inspirava outros países da Cortina de Ferro. O cinema tcheco refletia em suas telas essas ideias e no mesmo período, uma geração brilhante de cineastas conhecida como New Wave tcheca (Milos Forman, Ivan Passer, Jaroslav Papoušek, Jiří Menzel, Juraj Jakubisko, Vera Chytilová, entre outros), de maneira similar a nouvelle vague francesa, buscou uma nova identidade para o cinema de sua época, utilizando uma narrativa fragmentada, personagens marginalizados e um uso intenso de experimentalismos. Alguns, como Juraj Jakubisko, Vera Chytilová e, mais tardiamente, Jan Švankmajer, elevaram esses experimentalismos a incríveis e inéditos níveis de puro surrealismo e onirismo.
Vera Chytilová, em especial, foi a única mulher desse movimento e seu segunda longa metragem, Pequenas Margaridas (1966), assombraria o mundo com suas cenas extremamente coloridas de inspiração dadaísta, seus cortes rápidos e a completa ausência de uma história. O filme se centra em duas mulheres que passam o filme todo destruindo as convenções de nossa sociedade em surreais esquetes e que, por isso, inspiraria o movimento feminista que ressurgia nas décadas de 60 e 70. Ainda que Pequenas Margaridas (1966) seja sua obra mais famosa e cultuada, em seu filme seguinte, Fruto do Paraíso (1970), Vera caminha para o mais puro delírio onírico e embrutece a sua crítica aos formalismos da sociedade e suas idiossincrasias.
Os dez minutos iniciais é um dos experimentos surrealistas mais bonitos da história do cinema. Nesses minutos iniciais, vemos um homem e uma mulher, nus, caminhando e essas cenas são fusionadas a outras, muito coloridas, mostrando folhas, frutos, nos propiciando uma experiência arrebatadora de texturas e mistura de cores (como exemplo, a figura acima). Ao fundo, uma música que contribui para a formação de um clima onírico e trechos de canto gregoriano citando passagens da bíblia acerca da história de Adão e Eva. Ainda que Fruto do Paraíso (1970) tenha uma linha narrativa muito tênue (não que a gente precise se importar com ela em filmes surrealistas, é claro), ela mostra Eva, casada com Josef, em uma espécie de paraíso, que como logo se pode notar, é um lugar monótono e supérfluo, onde as únicas coisas que se tem a fazer é colher legumes e brincar de bola na areia. Eva começa a se interessar por Robert, um sujeito estranho que anda atrás de mulheres nuas, possui uma misteriosa pasta e carrega uma chave, que depois de ser encontrada por Eva, muda a sua vida. Através dessa chave, ela descobre que Robert é um assassino e deseja que ele se torne o seu próprio assassino.
Robert é a serpente que seduz Eva e a leva a comer o fruto proibido. E o fruto proibido é o amor. O desejo de morte de Eva é o desejo de ser expulsa daquele paraíso tedioso, raso, estagnado. Seu vestido e a rosa em seu cabelo, quando passam a ser vermelhos, simbolizam o bom pecado de Eva, que a faz esquecer as convenções, os formalismos, a hipocrisia. Eva oferece a rosa vermelha a seu marido Josef, mas ele a nega e renega Eva. Josef ainda não está pronto para essa nova sociedade, essa nova vida, de liberdade das amarras sociais. Logo em seguida, Eva oferece a rosa ao expectador, convidando-nos a embarcarmos juntos nessa jornada. Estaríamos prontos?