A indústria cultural expurgou toda a sexualidade do cinema comercial fazendo com que qualquer filme que extrapole a linha da sensualidade hipócrita para o erotismo exacerbado seja taxado de pornográfico. Recalques de lado, esse estupendo filme de Jancsó, um Jancsó possuído por Pasolini, é uma maravilha sem igual. A Aristocracia derrete sua camada pomposa e artificial para explodir em sexo, iconoclastia e jocosidade. Nada fica sem levar uma gusparada.... Jancsó foi longe, um caminho sem volta para acabar com toda a inocência edênica e proclamar o reino da terra... na terra. O cinema desse húngaro abusado sempre foi fortemente coreografada e aqui não poderia ser diferente: é a dança da vida, do sexo e da morte. Jancsó possuído por Pasolini sem chances de um exorcismo exitoso. Viva!
Fiquei muito contente com o que vi: são cinco histórias interessantíssimas. Nunca pensei que em uma coletânea que tem Godard no meio eu fosse desgostar justamente da sua participação: o trecho do Godard é o mais fraco. No entanto, as outras 4 histórias são incríveis: a segunda e a última especialmente. É uma Paris subterrânea, mágica e ao mesmo tempo terrivelmente real. Engraçado ler um comentário aqui criticando a ausência da torre Eiffel dos curtas, engraçado e até risível, já que a coletânea geralmente satiriza a visão turística da cidade (vide o trecho do Arc de Triomphe). Enfim, são histórias deliciosas que encontram na passsagem de Godard a sua fraqueza e no conto de Jean Rouch o seu clímax.
filme austríaco delicioso de 1968, aparentemente desconhecido do público brasileiro, considerado pelos acadêmicos de seu país como o mais memorável filme da década de 60 e imperdível para aqueles que procuram jóias da filmografia européia do período. O cinema europeu, assim como o brasileiro da década de 60, é um baú do tesouro. Imperdível!
A revolta do personagem central é um retrato avassalador da nossa ânsia de escapar desse cativeiro urbanóide.... e essa revolta é contagiosa! Corram ou se entreguem... e bora quebrar paredes. Coisa linda!
É o retrato mais perturbador, lancinante e lírico do brocado sartreano: o inferno são os outros. Épico individual da infelicidade. Não tem como não mergulhar com o professor... e se afogar com ele. Que filme!
Absolutamente chocado com o poder sobrenatural deste filme. É um tour de force no quesito técnica narrativa, fotografia, temática e ousadia. Imperdível!
Pérola inquestionável do cinema português, estou verdadeiramente encantado com o percurso da personagem principal rumo ao desencanto e à maturidade (isso é, se as duas palavras não são sinônimos) e com a poderosa fotografia aliada ao depuro do enredo, que deixa de lado o histrionismo do cinema comercial para abraçar, com força, a solenidade narrativa. Marta não sairá da cabeça por um tempo.... ela e suas falsas sardas. Que filme majestoso!
Recusando o didatismo vulgar do cinema de comentário social, abraçando com força a fé de explorar o potencial das imagens até o limite, Mariana Rondón criou uma obra estupenda, que, além dos méritos estéticos, tem a força de atingir dois coelhos com uma cajadada só: a ditadura do cabelo liso em detrimento das heranças afro tão incrustadas na América Latina (ditadura reforçada pela indústria do entretenimento, eterna inimiga de qualquer avanço íntimo e social rumo à libertação das algemas históricas) e a hetenormatividade violenta do cotidiano; hetenormatividade que faz de vítima mãe e filho, eternamente distantes por causa das perversidades de um regime social extremamente preconceituoso. Um filme maravilhoso que expõe com sinceridade as já longevas veias abertas da América Latina.
Completamente absorvido e apaixonado pelo percurso maravilhoso desse filme soviético. Extremamente contido em suas pretensões melodramáticas, refinado na sua intenção de dissecar minuciosamente essas pacatas vidas russas do fim da década de 70 e embebido daquele ar tchecoviano de narrar histórias. Filme imperdível; tesouro soviético. Salve!
A atualidade deste filme é estarrecedora. O seu conteúdo nos lembra a famosa frase de Joseph Goebbels - ministro da propaganda de Hittler - de que uma mentira contada mil vezes torna-se verdade. Percebemos logo que a discussão subjacente ao filme não é propriamente o seu contexto histórico específico, mas toda uma elaboração sobre o que a tortura faz aos homens e mulheres submetidos a ela. É possível não pensar na tortura contemporânea perpetrada pelos diversos regimes militares e crimes de guerra do século passado e do atual? É assim que O Martelo das Bruxas vem nos assombrar e nos retirar do lugar seguro da distância histórica. O que nos separa deste filme são apenas contextos, pois ainda vivemos sob a verdade incômoda que ele quer nos contar. Sobre nossa incapacidade cotidiana de identificar a mentira travestida de verdade. A seriedade do tema das bruxas é absoluta e nos faz lembrar do cinismo e da misoginia de um filme comercial como O Exorcista que legitima o discurso nefasto de possessões femininas da idade média. O Exorcista é um filme tão misógino e mentiroso como o Inquisidor deste filme. É necessário filmes como esse para discutir seriamente o passado, o presente e o futuro da humanidade. Imperdível!
É inegável o flerte que o filme faz ao arthouse, promovendo delícias de cinema de autor, no entanto também é inegável certa precariedade nesse flerte que leva o filme ao abismo do gênero horror convencional, destruindo as potencialidades latentes do trabalho de câmera e da introspecção do roteiro. Fica a lembrança do discurso lésbico desabusado que destrona figuras masculinas, a sedução de Delphine Seyrig e o charme setentista de cinema europeu.... mas só. É, no geral, extremamente fraco, mas com ousadias louváveis para um filme que se pretende comercial e cult ao mesmo tempo: inevitavelmente, não há como servir a dois deuses simultaneamente.
Helvio Soto deve ter chorado muito enquanto fazia esse filme. Apenas três anos após a vergonha do 11 de setembro chileno (que precedeu e não deixa de ser um presságio do 11 de setembro norte-americano, já que a CIA ajudou a instaurar o regime de terror e obscurantismo que assolaria o Chile), esse cineasta já denunciava com coragem o naufrágio da democracia na América Latina. O golpe de estado chileno é apenas um entre tantos no cone sul e nos países andinos, todos com o alvará de funcionamento entregue pelos EUA: vê-se bem o quanto os defensores da liberdade e da democracia amavam esses ideias. tsc, tsc. Filme impecável em sua proposta denuncista e impecável em seu aspecto humano e artístico ao retratar a luta contra a barbárie do fascismo latino-americano.
Você sabe muito bem que será uma obra-prima nos primeiros segundos de projeção: existe abertura mais icônica e brilhante? mas Fuller continua com o seu tour de force de desmontar a ideologia do cinema norte-americano: um cinema experiente em esconder a realidade com a pincelada das fadas, mas Fuller enforcou todas as fadas no segundo momento do filme, lançando telespectador e personagem em um espiral vertiginosa de descoberta e destruição. Ainda é impactante descobrir a origem e a data do filme para quem está acostumado com a produção norte-americana da época: the naked kiss é avassalador porque acaba com os filmes contemporâneos e acaba com a nossa ilusão de acreditar em um mundo de aparências.
Não sei nem por onde começar a descrever as delícia que são os 71 minutos desse filme completamente descolado em sua narrativa e montagem underground. A esquizofrenia e o constante flerte narcísico de Carmen com a câmera, a poderosa presença da travesti apaixonada ou as cenas infinitas de festas gravadas à exaustão são o panorama desse cinema que não está interessado em pedir permissão ao telespectador para existir: ele entra na sua mente e te conquista.. ou não. Me conquistou! Quero mais Arrieta!
metáfora exaustiva acerca do homem sob o signo do comunismo húngaro: domesticado como falcões, os humanos se tornam mecânicos. É desse mundo asfixiante que tenta controlar a anarquia da sociedade que devemos fugir, pois uma sociedade domesticada é uma sociedade que aceitou a escravidão. Fotografia maravilhosa!
Se a grande explosão de inovação do cinema japonês da década de 60 foi precário em se tratando de nomes femininos no papel central da direção desses filmes, não o foi no papel de protagonistas: desde o cinema clássico de Ozu, Naruse e Mizoguchi as mulheres estão no centro dos questionamentos.. Yoshida dá um passo além: é um estilista escandaloso da imagem e do feminino; suas protagonistas geralmente embarcam em viagens psicológicas que usualmente se convertem em descobertas eróticas significativas. Não é diferente com Oriko: peregrinação profunda dentro do próprio eu que, como uma flor que se abre, explode em erotismo para o mundo. Maravilhosas imagens conjugadas com uma história igualmente brilhante. Amo Yoshida!
O primeiro episódio é irritante em seu vício narrativo de produzir quiprocós: a imagem de Ouroboros (a serpente que come a própria cauda) nunca foi tão má utilizada. O segundo é Khouri e isso já é um adjetivo positivo: o rosto da personagem que funciona como começo e fim da narrativa é apenas um dos detalhes fantásticos dessse segundo episódio.. O terceiro virei fâ: aquele final do "Aqui pra vocês!" me conquistou eternamente: tapão na cara da hipocrisia carioca e, por extensão, da hipocrisia brasileira. O cruel programa de tevê atinge um ápice corrosivo impressionante.
A arquitetura européia parece ser o personagem principal deste filme: é escandalosa a maneira como Yoshida utiliza a paisagem como fator psicológico dos personagens. Um exercício em gramática cinematográfica espetacular. Para além da pirotecnia febril das imagens, temos a jornada de uma mulher que virou as costas ao seu país e que agora tem de enfrentar esse mesmo país encarnado na figura de um conterrâneo. É a jornada de alguém que se reconcilia pouco a pouco com sua terra natal que se deslocou da geografia e agora vaga pela Europa em formato de homem.
Estou até agora digerindo a beleza incomparável do ritmo e das cenas desse filme. Ray explora a intimidade sem ser íntimo, investiga seus personagens sem vulgaridades: desmonta o relógico para que o espectador veja como ele funciona e não dizer como ele funciona - o grande mérito desse filme, além da grande beleza pictórica de cada enquadramento e da iluminação absurda, é colocar a sutileza em primeiro plano. Maravilhoso!
Cinema e antropologia, Imamura não é um mero contador de histórias, mas um radiógrafo da materialidade da vida: sem espírito, apenas o corpo fazendo sua escalada inexorável para a sobrevivência.
Estou muitíssimo surpreso com esse filme delicioso de Eduardo Coutinho e sua temática explosiva. Lançado no ano do AI-5 em um contexto crítico, o filme desenvolve temas espinhosos de maneira insolente e cômica: chamar o Brasil de país reserva é suficientemente escandaloso, mas a sátira vai muito mais longe. Já que o contexto não possibilita mais abordagens diretas, os diretores do período resolveram abraçar a alegoria: Glauber Rocha produziu a obra-prima Terra em Transe asssim. No caso do filme de Coutinho, é uma verdadeira "profissionalização do cinema marginal". A cena do jogo de futebol é tão ousada em sua postura crítica que por um momento não acreditei em meus próprios olhos.
Vícios Privados, Virtudes Públicas
3.4 5A indústria cultural expurgou toda a sexualidade do cinema comercial fazendo com que qualquer filme que extrapole a linha da sensualidade hipócrita para o erotismo exacerbado seja taxado de pornográfico. Recalques de lado, esse estupendo filme de Jancsó, um Jancsó possuído por Pasolini, é uma maravilha sem igual. A Aristocracia derrete sua camada pomposa e artificial para explodir em sexo, iconoclastia e jocosidade. Nada fica sem levar uma gusparada.... Jancsó foi longe, um caminho sem volta para acabar com toda a inocência edênica e proclamar o reino da terra... na terra. O cinema desse húngaro abusado sempre foi fortemente coreografada e aqui não poderia ser diferente: é a dança da vida, do sexo e da morte. Jancsó possuído por Pasolini sem chances de um exorcismo exitoso. Viva!
Paris visto por...
4.0 11Fiquei muito contente com o que vi: são cinco histórias interessantíssimas. Nunca pensei que em uma coletânea que tem Godard no meio eu fosse desgostar justamente da sua participação: o trecho do Godard é o mais fraco. No entanto, as outras 4 histórias são incríveis: a segunda e a última especialmente. É uma Paris subterrânea, mágica e ao mesmo tempo terrivelmente real. Engraçado ler um comentário aqui criticando a ausência da torre Eiffel dos curtas, engraçado e até risível, já que a coletânea geralmente satiriza a visão turística da cidade (vide o trecho do Arc de Triomphe). Enfim, são histórias deliciosas que encontram na passsagem de Godard a sua fraqueza e no conto de Jean Rouch o seu clímax.
Moss of the stones
4.5 1filme austríaco delicioso de 1968, aparentemente desconhecido do público brasileiro, considerado pelos acadêmicos de seu país como o mais memorável filme da década de 60 e imperdível para aqueles que procuram jóias da filmografia européia do período. O cinema europeu, assim como o brasileiro da década de 60, é um baú do tesouro. Imperdível!
Themroc
3.9 5A revolta do personagem central é um retrato avassalador da nossa ânsia de escapar desse cativeiro urbanóide.... e essa revolta é contagiosa! Corram ou se entreguem... e bora quebrar paredes. Coisa linda!
Quem o viu Morrer?
3.5 2É o retrato mais perturbador, lancinante e lírico do brocado sartreano: o inferno são os outros. Épico individual da infelicidade. Não tem como não mergulhar com o professor... e se afogar com ele. Que filme!
Paixões que Alucinam
4.2 83 Assista AgoraSó Samuel Fuller mesmo para ousar transformar um hospício americano no espelho aterrador da sociedade inteira.
O Homem do Prego
4.1 47Absolutamente chocado com o poder sobrenatural deste filme. É um tour de force no quesito técnica narrativa, fotografia, temática e ousadia. Imperdível!
O Cerco
4.2 1Pérola inquestionável do cinema português, estou verdadeiramente encantado com o percurso da personagem principal rumo ao desencanto e à maturidade (isso é, se as duas palavras não são sinônimos) e com a poderosa fotografia aliada ao depuro do enredo, que deixa de lado o histrionismo do cinema comercial para abraçar, com força, a solenidade narrativa. Marta não sairá da cabeça por um tempo.... ela e suas falsas sardas. Que filme majestoso!
Pelo Malo
4.0 121 Assista AgoraRecusando o didatismo vulgar do cinema de comentário social, abraçando com força a fé de explorar o potencial das imagens até o limite, Mariana Rondón criou uma obra estupenda, que, além dos méritos estéticos, tem a força de atingir dois coelhos com uma cajadada só: a ditadura do cabelo liso em detrimento das heranças afro tão incrustadas na América Latina (ditadura reforçada pela indústria do entretenimento, eterna inimiga de qualquer avanço íntimo e social rumo à libertação das algemas históricas) e a hetenormatividade violenta do cotidiano; hetenormatividade que faz de vítima mãe e filho, eternamente distantes por causa das perversidades de um regime social extremamente preconceituoso. Um filme maravilhoso que expõe com sinceridade as já longevas veias abertas da América Latina.
Maratona de Outono
3.6 3Completamente absorvido e apaixonado pelo percurso maravilhoso desse filme soviético. Extremamente contido em suas pretensões melodramáticas, refinado na sua intenção de dissecar minuciosamente essas pacatas vidas russas do fim da década de 70 e embebido daquele ar tchecoviano de narrar histórias. Filme imperdível; tesouro soviético. Salve!
O Martelo das Bruxas
4.1 28A atualidade deste filme é estarrecedora. O seu conteúdo nos lembra a famosa frase de Joseph Goebbels - ministro da propaganda de Hittler - de que uma mentira contada mil vezes torna-se verdade. Percebemos logo que a discussão subjacente ao filme não é propriamente o seu contexto histórico específico, mas toda uma elaboração sobre o que a tortura faz aos homens e mulheres submetidos a ela. É possível não pensar na tortura contemporânea perpetrada pelos diversos regimes militares e crimes de guerra do século passado e do atual? É assim que O Martelo das Bruxas vem nos assombrar e nos retirar do lugar seguro da distância histórica. O que nos separa deste filme são apenas contextos, pois ainda vivemos sob a verdade incômoda que ele quer nos contar. Sobre nossa incapacidade cotidiana de identificar a mentira travestida de verdade. A seriedade do tema das bruxas é absoluta e nos faz lembrar do cinismo e da misoginia de um filme comercial como O Exorcista que legitima o discurso nefasto de possessões femininas da idade média. O Exorcista é um filme tão misógino e mentiroso como o Inquisidor deste filme. É necessário filmes como esse para discutir seriamente o passado, o presente e o futuro da humanidade. Imperdível!
Filhas das Trevas
3.6 30É inegável o flerte que o filme faz ao arthouse, promovendo delícias de cinema de autor, no entanto também é inegável certa precariedade nesse flerte que leva o filme ao abismo do gênero horror convencional, destruindo as potencialidades latentes do trabalho de câmera e da introspecção do roteiro. Fica a lembrança do discurso lésbico desabusado que destrona figuras masculinas, a sedução de Delphine Seyrig e o charme setentista de cinema europeu.... mas só. É, no geral, extremamente fraco, mas com ousadias louváveis para um filme que se pretende comercial e cult ao mesmo tempo: inevitavelmente, não há como servir a dois deuses simultaneamente.
Chove Sobre Santiago
4.1 13Helvio Soto deve ter chorado muito enquanto fazia esse filme. Apenas três anos após a vergonha do 11 de setembro chileno (que precedeu e não deixa de ser um presságio do 11 de setembro norte-americano, já que a CIA ajudou a instaurar o regime de terror e obscurantismo que assolaria o Chile), esse cineasta já denunciava com coragem o naufrágio da democracia na América Latina. O golpe de estado chileno é apenas um entre tantos no cone sul e nos países andinos, todos com o alvará de funcionamento entregue pelos EUA: vê-se bem o quanto os defensores da liberdade e da democracia amavam esses ideias. tsc, tsc. Filme impecável em sua proposta denuncista e impecável em seu aspecto humano e artístico ao retratar a luta contra a barbárie do fascismo latino-americano.
O Beijo Amargo
4.2 54 Assista AgoraVocê sabe muito bem que será uma obra-prima nos primeiros segundos de projeção: existe abertura mais icônica e brilhante? mas Fuller continua com o seu tour de force de desmontar a ideologia do cinema norte-americano: um cinema experiente em esconder a realidade com a pincelada das fadas, mas Fuller enforcou todas as fadas no segundo momento do filme, lançando telespectador e personagem em um espiral vertiginosa de descoberta e destruição. Ainda é impactante descobrir a origem e a data do filme para quem está acostumado com a produção norte-americana da época: the naked kiss é avassalador porque acaba com os filmes contemporâneos e acaba com a nossa ilusão de acreditar em um mundo de aparências.
Les Intrigues de Sylvia Couski
3.5 1Não sei nem por onde começar a descrever as delícia que são os 71 minutos desse filme completamente descolado em sua narrativa e montagem underground. A esquizofrenia e o constante flerte narcísico de Carmen com a câmera, a poderosa presença da travesti apaixonada ou as cenas infinitas de festas gravadas à exaustão são o panorama desse cinema que não está interessado em pedir permissão ao telespectador para existir: ele entra na sua mente e te conquista.. ou não. Me conquistou! Quero mais Arrieta!
The Falcons
3.6 1metáfora exaustiva acerca do homem sob o signo do comunismo húngaro: domesticado como falcões, os humanos se tornam mecânicos. É desse mundo asfixiante que tenta controlar a anarquia da sociedade que devemos fugir, pois uma sociedade domesticada é uma sociedade que aceitou a escravidão. Fotografia maravilhosa!
Joen
4.0 3Se a grande explosão de inovação do cinema japonês da década de 60 foi precário em se tratando de nomes femininos no papel central da direção desses filmes, não o foi no papel de protagonistas: desde o cinema clássico de Ozu, Naruse e Mizoguchi as mulheres estão no centro dos questionamentos.. Yoshida dá um passo além: é um estilista escandaloso da imagem e do feminino; suas protagonistas geralmente embarcam em viagens psicológicas que usualmente se convertem em descobertas eróticas significativas. Não é diferente com Oriko: peregrinação profunda dentro do próprio eu que, como uma flor que se abre, explode em erotismo para o mundo. Maravilhosas imagens conjugadas com uma história igualmente brilhante. Amo Yoshida!
As Cariocas
3.4 10O primeiro episódio é irritante em seu vício narrativo de produzir quiprocós: a imagem de Ouroboros (a serpente que come a própria cauda) nunca foi tão má utilizada. O segundo é Khouri e isso já é um adjetivo positivo: o rosto da personagem que funciona como começo e fim da narrativa é apenas um dos detalhes fantásticos dessse segundo episódio.. O terceiro virei fâ: aquele final do "Aqui pra vocês!" me conquistou eternamente: tapão na cara da hipocrisia carioca e, por extensão, da hipocrisia brasileira. O cruel programa de tevê atinge um ápice corrosivo impressionante.
Farewell to the Summer Light
3.5 1A arquitetura européia parece ser o personagem principal deste filme: é escandalosa a maneira como Yoshida utiliza a paisagem como fator psicológico dos personagens. Um exercício em gramática cinematográfica espetacular. Para além da pirotecnia febril das imagens, temos a jornada de uma mulher que virou as costas ao seu país e que agora tem de enfrentar esse mesmo país encarnado na figura de um conterrâneo. É a jornada de alguém que se reconcilia pouco a pouco com sua terra natal que se deslocou da geografia e agora vaga pela Europa em formato de homem.
A Esposa Solitária
4.2 19Estou até agora digerindo a beleza incomparável do ritmo e das cenas desse filme. Ray explora a intimidade sem ser íntimo, investiga seus personagens sem vulgaridades: desmonta o relógico para que o espectador veja como ele funciona e não dizer como ele funciona - o grande mérito desse filme, além da grande beleza pictórica de cada enquadramento e da iluminação absurda, é colocar a sutileza em primeiro plano. Maravilhoso!
Zabriskie Point
3.9 109A suruba mais linda no deserto e a explosão mais impactante, visualizada de todos os ângulos: para o deleite e o horror de cada um.
Juventude Transviada
3.9 546 Assista AgoraO "Without a cause" do título só pode ser uma ironia: as causas são várias, muitas.
A Mulher Inseto Ou Tratado Entomológico Do Japão
3.8 7Cinema e antropologia, Imamura não é um mero contador de histórias, mas um radiógrafo da materialidade da vida: sem espírito, apenas o corpo fazendo sua escalada inexorável para a sobrevivência.
O Homem que Comprou o Mundo
3.9 16Estou muitíssimo surpreso com esse filme delicioso de Eduardo Coutinho e sua temática explosiva. Lançado no ano do AI-5 em um contexto crítico, o filme desenvolve temas espinhosos de maneira insolente e cômica: chamar o Brasil de país reserva é suficientemente escandaloso, mas a sátira vai muito mais longe. Já que o contexto não possibilita mais abordagens diretas, os diretores do período resolveram abraçar a alegoria: Glauber Rocha produziu a obra-prima Terra em Transe asssim. No caso do filme de Coutinho, é uma verdadeira "profissionalização do cinema marginal". A cena do jogo de futebol é tão ousada em sua postura crítica que por um momento não acreditei em meus próprios olhos.