Em tempos de binge watching e instantaneidade de tudo, é bacana ver uma franquia bem planejada e bem trabalhada ao longo de 8 anos. Os três filmes até aqui lançados de "Cloverfield" são um bom caminho para o cinema de entretenimento cada vez mais industrializado de como serializar a produção de seus produtos e direcioná-los para um público amplo e diverso: cada um tem uma cara, cada um tem um estilo e todos são interessantes para desvendar esse universo ficcional. Mas o mais importante em termos de construção de Universo é esse aqui mesmo.
"Cloverfield: Paradox" coloca uma espécie de "ponto inicial" na história da frranquia, explicando a origem dos monstros que vimos em "Monster" e "Lane" e o que os teria trazido. E entrega bem enquanto filme de ação-aventura sci-fi com lição de moral bem definida em seu embate entre certo e errado, individual e coletivo, coletividade familiar e coletividade estrangeira... o problema é a forma absurdamente didática e clichê com que isso é feita. Além disso, em certos momentos, o filme abre mão completamente de fazer sentido (quem assistiu não vai precisar de uma MÃOZINHA pra entender).
Além disso, o filme parece abrir mão de parte de sua qualidade na tentativa de explicar melhor o que é aquele universo. E isso é, em si, meio negativo. Porque o tom explicativo já argumenta contra o mistério construído pelos dois filmes e trabalhado de forma "indiciária" em um ou outro elemento e até no ARG feito pela produção, incentivando os fãs a descobrirem o que de fato se passava, e isso soa incoerente. Isso pior quando as explicações são insuficientes. Porque, vamos lá: "Paradox" se passa no futuro, em 2028, e envolve duas coisas caindo em direação ao mar: na dimensão 1 tem o pod com Hamilton e Schmidt (que o final nos leva a crer que pode ter sido engolido pelo monstro) e na dimensão 2 tem a estação espacial. E, no primeiro filme, temos uma cena final em que se vê um objeto caindo no mar. Isso seria uma ótima forma de amarrar os filmes, certo? Seria... se as coisas não fossem tão desconexas. Por quê? 1) Quando a tripulação tem acesso à comunicação com a Terra da dimensão 2, eles recebem notícias apenas de guerras, não de monstros, então tudo nos leva a crer que os monstros são originários, na verdade, de uma dimensão 3 e que tiveram acesso à dimensão 1 quando o Shepard abriu um buraco interdimensional 2) Na cena final de "Monster", vemos o objeto caindo no mar e, no final, um grito de monstro, confirmando que se trataria da dimensão 1 e o objeto caindo tenderia a ser o pod de "Paradox" 3) Mas ao longo de "Paradox" recebemos indícios de que o planeta esta destruído, sendo atacado por monstros em todos os lugares, e a cena final de "Monster" mostra uma praia pacífica, com pessoas curtindo o mar, o que não se encaixa em nada com o cenário apocalíptico que vemos. Ou seja: tentou explicar, não explicou.
Ou seja: "Paradox" entretém e continua bem a proposta de entregar histórias diferentes em vários sentidos, todas unidas pelo universo da invasão misteriosa de monstros da franquia "Cloverfield", mas a incoerência e insuficiência de seu didatismo fazem com que o filme não chegue nem perto de ser o que pretendia ser. É uma boa diversão pra quem curte a franquia e gosta de sci-fi.
"Logan" é um filme legal, ponto. Não somente um filme de super-heróis muito bom, não somente um encerramento ótimo para uma saga de mais de uma década, não somente um final à altura de um personagem que nós conhecemos paulatinamente ao longo de 6 filmes - é uma obra sobre envelhecimento, sobre responsabilidades, sobre o embate entre a aceitação da realidade em nome da sobrevivência e o ímpeto de mudança dessa realidade em nome do idealismo.
De quebra, o filme soube representar muito bem a HQ que adapta.
A amargura de um Logan que viu os X-Men morrerem, que viu a deterioriação de seu mentor ser a responsável pela morte de seus amigos, que viu os Mutantes deixarem de ser a esperança de um mundo melhor para passarem a ser os cadáveres deixados pra trás por um mundo cada vez pior, "Old Man Logan" foi representado à altura. E a violência de verdade, com osso estourado e sangue pulando, que ganhou carta branca pra aparecer na tela depois do sucesso de "Deadpool", é muito bem empregada aqui - Wolverine é um animal em combate, sempre foi, e sua clone mirim não podia ser diferente (e a cinematografia e a direção das cenas de ação fazem jus à essa abordagem).
Foi foda ver Xavier na condição em que está aqui. Mas quer história mais verossímil que essa, a do filho quebrado que tem que dar seus corres pra tomar conta do pai? É essa a cara que envelhecer guarda pra maior parte das famílias do mundo. E é possível que digam que Logan não é "filho" de Xavier por não compartilhar dos genes dele, mas até aí a gente pode dizer também que Laura não pode ser filha de Logan justamente por somente compartilhar os genes dele e nada mais. No final das contas, se tem algo que X-Men ensina direitinho e esse filme lembra com maestria é que família não é uma questão de sangue, mas de amor - o amor que Xavier lembrou que existia ao cruzar com aquela família na estrada,um amor que Logan só sentiu plenamente no seu último suspiro infelizmente (mas que já o coloca na frente do monte de gente quem vive e morre sem conhecer esse sentimento).
Aliás, essa sequência envolvendo a família Mulson me causou estranheza à primeira vista, porque simplesmente não é a cara de Xavier colocar em risco pessoas inocentes. Mas é preciso lembrar do quão estranha é aquela situação toda, pois Charles está degenerando, pode morrer a qualquer momento e já não é mais a mesma pessoa.
Os vilões, apesar de não terem nada de super (o que é ótimo, reforça a realidade da história e aproxima aquele envelhecimento em busca de alguma esperança do nosso envelhecimento também), trazem personas clássicas dos quadrinhos: o mercenário irônico de Boyd Holbrook e o cientista eugenista de Richard E. Grant. Essa é uma manutenção boa de algo típico do gênero "filme de super-herói", mas tem outras ruins também. Tipo: o fato do esqueleto de Laura ser de adamantium não faz muito sentido, uma vez que o esqueleto metálico foi COLOCADO em Logan, logo é algo que ele não teria como passar à frente geneticamente, por exemplo. Aliás, Laura é ótima, Dafne Keen arrasa, só escorrega nos momentos dramáticos que parecem pouco reais (o que é compreensível, tanto pela sua pouca experiência de vida mesmo - afinal, qual sofrimento aquela menina ia evocar na atuação dela, o dia em que ela abriu o pote de sorvete e tinha feijão dentro - quanto pela consequente falta de relação que ela tem com o o personagem de Logan - pô, ela tem menos tempo de vida do que nós temos conhecendo o Wolverine, rs). E por mais que se sustente sozinho enquanto obra cinematográfica, não deixa de ser filme de super-herói, então insiste em limitar suas tentativas de aprofundamento em questões humanas universais (elas tão ali, mas são abordadas sutilmente, um segundo plano da história).
A mim agradou muito a aproximação com outro gênero fílmico que tem tudo a ver com a história contada, que são os westerns. Tá tudo ali, o cara tentando somente sobreviver e sendo puxado pra briga, prezando antes de tudo pela única família que ainda tem e sendo obrigado a se envolver na defesa de uma esperança na qual a priori ele nem acredita, que tem na sua arma sua principal culpa (e que o mata por dentro, assim como a culpa, levando a metáfora dos poderes mutantes a um nível individual bem poderoso) e que encontra seu propósito no deserto empoeirado. Isso foi legal e bem apropriado, especialmente a inserção do clássico "Os Brutos Também Amam". E agora que Logan foi embora, realmente, não existem mais armas no vale. Pelo menos não nessa linha do tempo.
Antes de qualquer coisa, preciso dizer que o que mais me faz atrai nos bons filmes de terror, em especial do subgênero "ataque zumbi", é essa parada de criar uma história que tanto prende pelo desfecho dela mesma quanto pela metáfora que ela representa a respeito de certas dinâmicas pessoais e sociais. E num contexto em que o pop não poupou nem os zumbis e enfiou guela abaixo filme romântico de zumbi fofinho enquanto fazia terra arrasada pra transformar o gênero numa repetição de histórias de sobrivência ad eternum, "Contracted" quebra esse lugar comum como uma pedra na vidraça.
Se você viu o filme e achou uma merda, ou ficou bem incomodado com a falta de explicação sobe a doença, preciso te dizer: cê tava olhando pro lugar errado. O foco aqui não é a doença, nem mesmo o cara que passa ela à frente - o foco é o vazio e a impessoalidade.
A cena inicial do filme, em que vemos quem depois nós vamos saber ser BJ abusando sexualmente de um cadáver, desperta um nojo. E esse nojo com o decorrer da história se torna generalizado; aquela cena não está ali somente pra nos apresentar BJ, mas pra dar o primeiro dos vários exemplos que teremos de como as pessoas nessa história não se importam de verdade com as outras pessoas ou com qualquer noção de certo errado, e isso fica nítido a medida que a doença vai se agravando em Sam. Do médico que ignora aquele conjunto absurdo de sintomas pra não ter muito trabalho à "melhor amiga" que usa a descoberta do estupro de Sam pra criar uma situação em que possa ficar com ela, passando pela mãe que não quer escutar o que está acontecendo com a filha porque sua cabeça já lhe forneceu as respostas apropriadas, pelo chefe que só considera válido faltar o trabalho por razões médicas caso a pessoa esteja literalmente morrendo, pelo cara bonzinho que "se preocupa" com a menina mas não percebe o quão mal ela está quando se encontra sozinho com ela no mesmo cômodo. O lance da doença ser sexualmente transmissível, aliás, é uma boa sacada, afinal sexo é uma parada absurdamente íntima que esse processo de impessoalização da vida tem tratado de desintimizar - aqui a velha estratégia de "aumentar absurdamente um ponto para provar sua revelância", tão famosa na ficção científica, funciona melhor do que eu imaginei que seria capaz.
A forma como esse nojo escalona é bem construída também: inicialmente, o problema é BJ; depois, quando vemos Sam com Nikki no restaurante, pensamos que talvez o problema sejam os homens, somente; quando a mãe age de modo escroto com ela, a gente pensa "porra, esses coroas são foda"; daí depois é a vez do médico... e do chefe... e da ex... e aí cê percebe que a morte de Sam é a morte da individualidade, a adequação forçada, a submissão ao "siga-nos ou pereça". Ela também parou de se importar.
O fato dela ser uma mulher lésbica, inclusive, só torna a metáfora mais poderosa.
O estupro, a ida ao médico, o diálogo com a mãe, a postura escrota da ex, tudo ganha contornos ainda mais sofridos à luz da lesbofobia que ela tá lidando o tempo todo, seja a que se apresenta na violência sexual (porque obviamente BJ ouviu as conversas e aquele estupro teve um quê de corretivo), seja a vocalizada pela sua mãe, seja a disfarçada pela "gentileza" de Riley.
Dessa forma, a mordida em Alice significa um ponto sem volta. Porque até o surto diante de Nikki ainda pode passar como um acesso de fúria, uma insanidade temporária diante de todas aquelas situações estranhas (que sabemos que não é, é uma demonstração de como ela está se encaixando na dinâmica do "ou é do meu jeito ou de jeito nenhum", ligando o foda-se pras outras pessoas envolvidas com ela). Mas a mordida, ainda mais logo depois do beijo, traz uma resposta, né? Se toda a doença representa essa morte da individualide, a mordida da proto-zumbi é um ato antropofágico - "você não me usou? agora eu te uso, como alimento". Daí apesar de só vermos uma zumbi clássica no final do filme e sozinha, dá pra considerar que "Contracted" atualizou perfeitamente a ideia de George Romero sobre o ataque zumbi: se viver é se importar, todo mundo que interage com ela ao longo do filme já tava meio morto-vivo o tempo todo.
Como ninguém é besta, essa lacuna na parte ficção-científica da coisa serve também como um gancho pra transformação dessa bela história de horror e solidão numa franquia, né? Já tem o segundo filme, aonde imagino que entreguem mais sobre BJ e sua aparente imunidade à doença (porque Sam começa a se transformar bem rápido) OU falem mais de como essa onda surgiu - "ou" mesmo, porque só aí já tem argumento pra dois novos filmes que inevitavelmente serão oferecerão menos camadas de leitura do que esse aqui mas que satisfarão melhor esse hábito que a gente desenvolveu de lidar com histórias esperando uma resposta não apenas mastigada, mas vomitada na nossa garganta mesmo, pra gente não ter nem que fazer tanta força pra engolir. Daí mesmo percebendo que dava pra contar essa mesma história, com essa mesma mensagem,de uma forma muito mais bacana e instigante, eu tenho que tirar meu chapéu. É preciso coragem pra jogar um pedaço pão a gente que se acostumou a só comer sopa e pensar que dentes só existem pra serem exibidos.
Minha mãe costuma dizer que o ser humano é um momento. "Os Nossos Meninos" pega esse dizer e demonstra direitinho todas as possibilidades de significação dele.
Porque o ser humano é formado por uma sequência de momentos, como foram Michelle e Benedetta pelas impressões que seus pais construíram de si sobre eles - Michelle e a distância eterna do pai seguido da complacência da mãe, Benni e o oportunismo favorecedor do pai ao lado do coleguismo neutro da madrasta - e sobre eles mesmos - aonde Paolo é o correto e preocupado com os outros enquanto Massimo é o corrupto egoísta.
Do mesmo modo, é em um momento que as interrogações sobre si se tornam afirmações, como foi quando diante da mendiga os dois primos expressaram seu apreço pela violência... e em outro estas mesmas certezas se esvanecem, como quando o irmão "canalha" sugere que os culpados se entreguem e o irmão "ético" em um rompante o atropela para proteger seu filho assassino.
Mas o que mais me marcou no filme é essa perspectiva de legado social. "Os Nossos Meninos" que estamos deixando no mundo são justamente esses momentos egóicos, de expressão de um rompante orgulhoso e um ódio tremendo pelo outro,
seja na cena inicial em que a agressividade do pai e a explosão assassina do policial no carro deixam pra trás um menino orfão e potencialmente paraplégico, seja na cena final em que o humano, responsável e ético Paolo deixa pra trás a pessoa que considerava correto ser
. E a violência, geral e irrestrita, resultado de um vazio real construída seja pelo cinismo, seja pela dor, é a marca perfeita desse legado.
Sabe aqueles momentos das séries de TV quando você vê um arco realmente bom, do tipo que chega revigora sua intenção de continuar acompanhando o seriado, mas fica triste dele estar tendo que se desenrolar ali, dentro daquela trama, servindo de trampolim praquela história (que existia antes dele e vai continuar a existir depois dele), e não existindo por si, em seus próprios termos? Então, foi bem isso que senti com "10, Cloverfield Lane".
Em termos de construção de personagem e desenvolvimento da narrativa, o filme é sensacional. Vemos Michelle no meio de um ataque de pânico jogando tudo pra cima e fugindo, vemos o acidente e depois mergulhamos naquela dúvida absurda sobre QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO? dentro daquele bunker com Howard e Emmett. Vamos conhecendo cada um dos três aos poucos, acreditando e desacreditando de tudo em certa medida. E tudo no filme funciona muito bem... mas ele não precisava se passar no universo de "Cloverfield".
Primeiro porque uma grande parte da graça do filme, o suspense sobre Howard ser um sequestrador-abusador OU um maluco tentando sobreviver a um apocalipse, vai embora quando a gente parte já do pressuposto de que essa história tem a ver com o monstro que destruiu Nova York no outro filme
(e olha que a condução da história consegue ainda jogar um pouco de fumaça nisso, pra vocês terem noção de como esse roteiro, essas atuações e essa direção são boas - eles nos dão 01 certeza antes do filme começar e eles conseguem nos fazer duvidar desse único pressuposto quando querem).
Segundo porque, estando dentro da franquia, todo o poder da metáfora em torno de Michelle automaticamente vai para um segundo plano, uma vez que o mais importante ali é como essa história se conecta a do filme de 2008. E, porra, é uma história do caralho!
Michelle é nitidamente uma mulher que cresceu em frangalhos devido à postura abusiva de seu pai, incapaz de lidar com confrontos (corre quando vê outras crianças sendo agredidas na rua, como diz a Emmett, e foge depois do que, até onde sabemos, foi uma mera discussão com seu namorado/noivo/whatever), incapaz de lutar mesmo quando é necessário. Daí ela se vê enclausurada com um sujeito estranho que se encaixa perfeitamente no perfil daqueles sociopatas que sequestra crianças na esquina da escola e mantém em cativeiro por quinze anos. A história dele parece louca à princípio, suspeita demais à medida em que as tendências agressivas e manipuladoras dele vão se revelando. E mesmo com suspeitas sobre o cenário do mundo exterior, sobre ser tão ruim quanto ele fala ou não, há certezas sobre o cenário interno a partir do momento em que ela e Emmett juntam os pontos: Howard é louco, é um assassino, um sequestrador e um pedófilo. Então quando ela se levanta contra ele e quando articula um plano de fuga, ela tá fazendo as pazes com sua própria história - ela tá pedindo desculpas a si pelo que sofreu, ao seu irmão pelo que ele sofreu quando tentava defendê-la, à menina que ela viu ser arrastada pelo pai na rua e não teve capacidade de intervier, à vítima que havia tentado escapar de lá antes dela. E quando, depois de derrotar aquela nave, ela decide ir pra Houston pra ajudar as pessoas que precisam de ajuda, ela tá mostrando que aquela pessoa, refém das circunstâncias, não existe mais; ela tá dando um ultimato a todas as pessoas que carregam dentro de si uma ferida muito incapacitante, chamando todo mundo pra tentar usar a cura do outro como terapia de cura pra si. Num mundo em que a discussão sobre a superação de opressões estruturais frequentemente exige uma resposta em forma de políticas públicas de alcance coletivo, esse tipo de história faz a gente se questionar o quanto nós, pessoas "comuns" não podemos fazer dentro de nossas esferas de atuação - e isso sem apelar pra uma pegada exageradamente individualista que não teria lugar, ainda mais sobre um tema tão profundo quanto o abuso psicoemocional e sexual de crianças.
Enfim, o filme é legal e entrega o que a gente busca quando senta pra assistir ele. Mas pelo material que apresenta, dá pra imaginar possibilidades muito mais densas de associar, por exemplo, o horror de Michelle com aquele cenário ao seu redor e a dor de perceber o quanto aquela soma de incerteza de horror iminente exige que ela seja outra pessoa
- no filme isso acontece, mas muito mágica e rapidamente, uma vez que a obra tá comprometida em entregar uma história com começo, meio e fim bem mastigadinhos, sem exigir tanto da audiência (no máximo, que a pessoa encontre as peças que a produção espalhou durante o pré-lançamento e durante o desenrolar do filme), sem nenhum aspecto ambíguo dentro de suas propostas centrais (integrar a história no universo de "Cloverfield" enquanto conta a história de Michelle).
O subtítulo de "A Bruxa" explica tudo que precisa pra preparar a gente pra história que o filme quer contar. Afinal, no meio de toda briga entre quem achou chato e quem achou poético, quem achou uma perda de tempo e quem achou um ganho impensável, o que é inegável é que a gente se depara com um conto popular da Nova Inglaterra.
A história da família expulsa do assentamento em que vivia pela oposição religiosa que seu pai apresentava à Igreja local não se encaixa no tipo de coisa que a gente geralmente vê em filmes de terror, mas sim nos velhos contos de terror: o mal que existe além da fronteira, vindo do desconhecido e que joga um véu de desconfiança em torno de tudo ao redor.
Mas "A Bruxa" tem como traço em comum bem marcante com os bons filmes de terror nos últimos anos a utilização da alegoria metafórica comum nessas histórias pra falar de realidades sociais bem reais.
O filme começa logo com a expulsão da família do assentamento em um julgamento repleto de pessoas vestidas do jeito que manda o Manual do Colono Ultrareligioso do Século XVII™. Vemos eles saindo no fundo da carroça, o portão de madeira se fechando, a família se acomodando na floresta pra passar a noite enquanto canta seus louvores e trilha sonora inflando a cena faz a gente entender que os limites da crença deles (e da eficácia das regras deles, pra si e pros outros) ficou pra trás junto com o júri de crentes. Agora eles são uma família no meio de uma natureza com a qual não conseguem lidar, seja a que existe dentro de si (a covardia do pai em assumir seus atos, a tristeza da mãe em se sentir distante de deus, o despertar de Caleb pro desejo sexual - amplificado pela rigidez da fé familiar -, a culpa de Thomasin por não conseguir se encaixar dentro do que era posto como correto por sua família), seja a de fora deles (a colheita fracassada, as tentativas patéticas de caçar).
O desenrolar dos acontecimentos vão demonstrando como o que a família chama de "fé" não a protege, só os enclausura dentro de si.
E é uma clausura que significa nada pra natureza ao redor: toda a simbologia dos fatos vai cercando aquela família, seja a lebre que expõe a fraqueza do pai na floresta e leva o filho à morada da bruxa (a Terra prometida que o Caleb bíblico adentra?), seja o bode que fala com os gêmeos (que depois desaparecem sem deixar rastro, seriam eles mesmos demônios?). Não à toa o momento em que o pai percebe e admite seu erro teológico, à noite, na chuva, acontece justamente antes do ataque final da bruxa da floresta.
No final das contas, dá pra perceber que o sofrimento e o horror que a gente acompanha no filme é o sofrimento de Thomasin
: ela que já na primeira cena tá perplexa por estar sendo expulsa do assentamento, ela que quando abre o olho não vê mais o irmão lá, ela que lida com essa culpa violentamente esfregada na sua cara pela mãe, ela que ainda acreditava ter no irmão um pequeno companheiro enquanto ele só encarava seus seios, ela que busca refúgio na figura covarde, fraca e (por isso mesmo) autoritária do pai e percebe que ele não tem como protegê-la da natureza... até que resolve se juntar a ela, abraçar os desejos que geram toda sua dor quando usa a ótica religiosa, abrir mão de um controle que não tem nada de natural. Dentro de um processo de "domesticação da natureza", comum no empreendimento colonial que culminou na sociedade estadunidense, a escolha feita por ela de aceitar como aquilo que não é "civilizado" expressa uma coragem e uma vontade de ser livre imensuráveis.
E mesmo não achando o filme essa maravilha toda, uma história que consegue nos fazer girar só um pouquinho nossa visão sobre o que é o "mal" e quem o define dessa forma merece algum crédito - ainda mais quando traz boas atuações e uma cinematografia que usa bem os planos para reforçar as noções de "controle" e "liberdade".
Esse filme tá há semanas na minha cabeça, por ser bem o tipo de história que gosto: ao mesmo tempo que é visualmente bem impressionante (tanto na parte animada, quanto na não-animada), conta uma história que cativa sobre autonomia e fuga, e defende uma tese bem dura sobre a realidade contemporânea. Não à toa esse filme tá há semanas rodando na minha cabeça e me botando pra pensar.
A versão fictícia de Robin Wright que vemos aqui, uma atriz que está otracizada depois de ter algumas glórias cinematógraficas no passado, e recebe uma proposta irrecu$ável no momento em que a atuação no cinema parece ter seus dias contados até me assustou um pouco, já que Robin voltou com tudo aos holofotes desde o sucesso de House of Cards, mas entendi melhor o quanto Ari Folman queria dar ares de realidade à sua obra quando soube que ele teve seu primeiro contato com a atriz sobre o filme no começo de 2012.
Ela já começa o filme tomando uma baita apagação de seu empresário Al, sobre como sempre tomou decisões erradas e sempre coube a ele apagar os incêndios de sua vida. Al é um cara pragmático: decisões boas são aquelas boas pros negócios. E é por isso que ele e Robin tem posições tão opostas quanto à digitalização de intérpretes. Pra ele, nada muda, já que no set todo mundo obedece um roteiro e as instruções de quem tá dirigindo, nada diferente de um programador inserir meia dúzia de linha de código numa tela preta e tirar dali uma cena de filme. Pra ela, tudo muda, já que a história do roteiro e o subtexto tado pela direção são só caminhos externos que conduzem ela à caixa preta de sentimentos que artistas tem dentro de si e que só eles podem acessar de jeito verdadeiro o suficiente para que quem assiste encontre também o artista que mora em seu peito e caminha em seu coração.
A vitória de Al e das circunstâncias a respeito dessa questão são só mais alguns gramas na grande bola de neve de consumo que a Miramount tá construindo. A ideia de digitalizar é boa para que as atrizes e atores não estraguem suas carreiras, diminuindo seu valor de mercado e consequentemente o valor dos produtos de entretenimento que vendem? Então é questão de tempo até que essas estrelas sejam em si o produto a ser consumido, como vemos na zona animada. E como todo prazer é momentâneo, enjoa e é substituído pela vontade de um prazer inteiramente novo, pra preencher uma vontade que só a gente tem, também é natural o desenvolvimento do outro tipo de droga que permite que pessoas construam em suas mentes as histórias e sensações que queiram, sem nem saber que queriam, enquanto se convencem que tudo é real.
É aqui que a tese de Ari Folman se mostra bem forte. O diretor parece defender que a indústria cinematográfica está cada dia menos interessada nas histórias e cada dia mais interessada em vender uma fuga da realidade; mais distante da arte, que é feita e apreciada por conta dos erros e acertos assim como a vida, se resumindo a mera criadora de protudos fugazes, que isolam as pessoas em suas mentes, em seu consumo. É pessimista demais, uma vez que mesmo as franquias caça-níqueis de ficção científica, como a "RRR" do filme, geralmente são grandes pontos de integração entre pessoas, construindo amizades e regando amores entre pessoas que compartilham do apreço pela obra, mas faz sentido dentro dessa proposta de levar os argumentos até a última potência para demonstrá-los. E diante de um processo de aumento das maratonas solitárias na Netflix e esvaziamento dos cinemas, quem pode dizer que ele tá de todo errado? A escalação de Right aqui pra interpretar uma personagem fictícia de si própria é um dos seus argumentos em prol de uma verdade, mesmo se tratando de uma ficção. É o filme se posicionando contra Al e a favor de Robin a respeito da mentira dos sets e da verdade da arte.
O que fica dessa porrada certa de Folman é a ideia de que essa redução genérica da sci-fi às franquias de ação do momento (que dão dinheiro à indústria e fazem a porra girar, como mostram os filmes de super-heróis) é uma subutilização de um gênero que tem milhares de recursos narrativos próprios para contar histórias brincando com essa fronteira entre realidade e invenção. E que às vezes até as bravuras mais admiráveis
como a que faz Robin encarar aquela realidade dolorosa em busca do filho
se esgotam - e quando isso acontece, é comum que a pessoa outrora corajosa prefira virar a cara mesmo. Distópico, até meio niilista, mas, de novo: o que foi que você fez quando se deparou com seu último grande problema? Resolveu de pronto, começou a trabalhar pra resolver no mesmo momento, ou foi assistir algo pra espairecer?
Depois de Batman vs Superman eu fiquei bem ansioso pra ver o que mais seria feito pra aprofundar e desenvolver esse promissor universo da DC, que tinha provado no filme de Snyder que podia ser mais do que o fraco "Man of Steel" tinha esboçado. Daí vem "Suicide Squad" e consegue ser talvez pior do que o frustrante reboot da história do Filho de Kripton. Realmente não consegui ficar feliz com nada no filme.
Nem falo do fato de que a grande ameaça do filme é criada justamente nas vias de formação do próprio Esquadrão, mas do quanto tudo isso e todo o resto sobre as personagens e suas conexões para além daquilo ali é deixado de lado.
Tirando o Deadshot e a Harley Quinn, todo mundo ali é tão profundo quanto uma poça de chuva.
O tão aguardado Joker de Jared Leto, que prometia tanto por invocar a faceta sádica e violenta do Palhaço, evidencia o fracasso do filme.
Noves fora os excessos da interpretação, da direção e da edição pra focar na loucura da personagem, os momentos em que contradições ou mesmo uma visão mais honesta e profunda da personagem podiam transparecer terminaram se tornando só mais cenas multicoloridas desse longo e chatíssimo videoclipe de ação.
Resumindo: você pode passar sem ver esse filme. Se tá tão curioso assim pra assistí-lo pra ter mais info sobre o univero cinematógrafico da DC, o filme acrescenta pouco, e eu resumo aqui pra você:
Amanda Waller é uma demonstração de como os metahumanos são uma questão de segurança mundial e sua ideia do Esquadrão tem a ver com o fato de que a galera superpoderosa tá quase sempre além dos limites dos Estados e Governos; a introdução de Harley Quinn aponta ela como assassina de Robin, apesar do desenrolar da história levar a gente a crer que o grande mentor da parada foi o Coringa; a cena pós-créditos indica que a transformação da Magia em ameaça colocou Waller numa posição ruim, e que isso foi o que fez ela ir correndo pedir cobertura pra Bruce Wayne, que ela sabe que é o Batman.
Só acrescento que Jean-Marc não deixou de fugir, a própria solução final para seus problemas foi uma fuga definitiva, da realidade que o oprimia, dos problemas que ele deveria solucionar mas com os quais pouco se importava. O ponto não é a fuga, a meu ver, mas a atenção: ele passa o tempo todo cercado de informação sobre o mundo e as pessoas mas ignora tudo igualmente, para no fim agir, empreendendo de fato uma fuga real e encontrando no seu destino o fim das ilusões.
Apesar de tudo isso, "A Era da Inocência" foi o filme que menos me prendeu da trilogia - e mesmo isso fazendo intencionalmente parte da mensagem que o filme quer passar a respeito da desintegração do Ocidente, foi difícil sustentar a experiência de assistí-lo pelo menos até o princípio do ato final, que oferece alguma reviravolta. Principalmente quando pontos odiosos da personalidade da protagonista são apresentados como alívio cômico (sua misoginia, sua lesbofobia, seu racismo) e não são alvos de crítica alguma nem mesmo no final (diante de suas revistas pornográficas, ele diz pra filha que não sabe de quem são - Arcand provavelmente achou que isso renderia risinhos da audiência).
De todo modo, a trilogia segue estabelecendo uma análise interessante sobre as últimas décadas do Ocidente, mas falha principalmente por se levar a sério demais. Esquece que o eixo de toda ficção é o fato de que ela cria as regras de seu próprio universo. Isso não é um problema, muito pelo contrário, é o forte da boa ficção, que cria suas regras particulares em um espaço limitado para direcionar nosso olhar pra esse mesmo espaço ao nosso redor. Mas aqui, na ânsia de falar de um "Ocidente contemporâneo", Denys Arcand encara sua ficção como "estudo de caso" real - e isso nenhuma ficção é de fato.
Se pra mim, que sou fã inverterado de filmes de zumbi, esse aqui foi assistido parcelado... é porque o negócio é complicado mesmo. E olha que tem Tye Sheridan como protagonista, e nunca vi um filme em que esse guri entrega atuação abaixo do esperado pela sinopse. O problema de "Scouts Guide..." não é de atuação, nem de execução, é de concepção mesmo: em um gênero saturado como o dos filmes de ataque zumbi nos últimos anos, pra se fazer valer a parada precisa trazer algo de original - e o que eles tentaram colocar como diferencial aqui, as cenas envolvendo piadas com a cultura pop contemporânea, arrancam o riso mas não salvam o barco.
Isso rola principalemente porque... já deu de besteirol, né? "Zombieland" e o genial "Shawn of the Dead" demonstraram na década passada que o legado de "Return of the Living Dead" podia ser atualizado e expandido com qualidade, sem apelar pra mesma fórmula de piadas ruins + misoginia + zumbis, mas Cristopher Landon resolveu jogar esse aprendizado fora. "Scouts Guide..." simplesmente pega essa mesma fórmula e atualiza. Pouco, muito pouco pra um gênero que nos últimos anos rendeu algumas das principais séries, games e filmes da indústria cinematográfica estadunidense. E sem contar que, porra, o filme que inaugurou o gênero traz no seu DNA uma Crítica Social Foda™ , botando o dedo na cara do racismo dominante nos EUA em plena década de 60, e aí a gente tem aqui um filme que só tem
A estética meio vaporwave fazendo uma releitura dos tropos do gênero "terror sobrenatural" me atraiu logo no poster, e me deixou com a expectativa de encontrar algo na linha de "It Follows". A relação é inevitável por serem dois filmes de horror lançados com cerca de um ano de diferença e beberem nas mesmas fontes estéticas, mas enquanto longa de David Robert Mitchell apresenta uma resposta bem particular de seu tempo à demanda central do gênero (falar dos medos das pessoas a partir de uma metáfora), Jordan Galland prefere renovar a tradição oitentista.
É preciso dizer que essa ideia do filme falar do que acontece depois do exorcismo é bem legal, principalmente por trazer a posessão pra esfera do ordinário:
não estamos falando somente de escalar um prédio e pular de um terraço sem se machucar como Hazel fez, o ponto aqui é perder o controle de si mesmo que sua vida permaneça funcional em alguns aspectos. Ao passo que isso é assustador, a possibilidade de sua vida seguir normalmente sem que você esteja no controle dela e sem que ninguém ao redor perceba, é também real, já que é exatamente isso que acontece quando se lida com a maior parte dos transtornos psíquicos. Galland elabora bem essa metáfora, mas não parece muito a fim de fazer as pessoas penetrarem nela, e é aí que se diferencia brutalmente de Mitchell: aonde "It Follows" explora bastante o plano em primeira pessoa, o vazio ao redor e os movimentos contínuos como convites para a reflexão, "Ava's Possesion" restringe o plano às personagens, ao que acontece em seu redor, às mensagens que Ava recebe direta e indiretamente do espírito que a possuiu, suas visões e à intricada trama que envolve sua possessão.
Essa fórmula funciona e realmente prende a audiência até o final, quando entendemos como e porquê Ava foi possuída.
Olhando pra trás agora, a escolha por começar a história após o exorcismo da protagonista não deixa de ser uma forma do diretor nos dar o mesmo conselho que Tony dá a ela, quando depois de superar tudo o questiona se algum dia saberá a razão da possessão: "você está livre, fique feliz". Somente para logo em seguido o próprio Naphula mostrar pra ela a verdade. Inclusive aquele final "recapitulatório" me lembrou os clássicos dos jumpscares oitentistas, hahaha, muito bom.
A experiência de assistir o filme foi boa, do tipo que me deixou curioso para ver os extras do DVD/Bluray e saber mais sobre toda a produção (cinematografia, edição, produção da trilha sonora, tudo). Me frustrou um pouco a personagem de Lou Taylor Pucci, que do mesmo jeito que chega à trama vai embora, sendo mal aproveitada quando podia acrescentar profundidade à situação de Ava com as consequências da possessão. Da mesma forma incomoda bastante a branquitude do filme, infelizmente tão comum na indústria estadunidense. Não faz o filme deixar de ser legal, mas faz pensar que dava pra ser bem melhor.
Tenho a impressão que Audrey Tautou ficou marcada para sempre como a ínterprete de "moças doces, meigas e levemente estranhas" desde Amelie Poulain. Posso estar completamente enganado, não vi tanta coisa assim da filmografia dela, mas quase sempre que vejo a atriz em cena essa sensação bate com força. E "A Delicadeza do Amor" foi mais uma dessas experiências (o que não é ruim não, viu?).
Não, ela não ~~repete a personagem~~, e isso aqui fica óbvio:
o momento da perda de François (muito bem valorizado pelo tremor da câmera, que se mantém estável durante todo o filme), o jeito como Nathalie se joga no trabalho pra superar o luto, a firmeza com que trata Charles diante de seu assédio, nada disso cabe na fofura-extrema-idealizada de Amelie, mas cabe em Nathalie, fazem parte dela, e nada na interpretação de Audrey leva a questionar isso.
O filme aliás, que se desenvolve mesmo a partir dessa experiência de luto, é bem mais verossímil do que seu começo pode dar a entender
(nada contra romances, amo/sou, mas... o que é aquela cena do casamento? E a sequência de fotos da lua de mel? Na ânsia de ser fofo, foi piegas; no afã de se relacionar com aquela experiência romântica que todo mundo teve ao menos uma vez na vida, foi esteticamente banal).
Essa abordagem do luto, levando em consideração a dor, a reconstrução, a ressignificação, a rotina de contato e cuidado com o vazio, foi a mais bela e menos trágica que lembro de ver no cinema - no fim, não imobilizou Nathalie pra sempre, nem foi combustível para nenhuma experiência épica, foi o que o luto e a morte de quem a gente ama sempre é: parte da vida, algo que machuca mas com o que aprendemos a lidar, e que nunca será o suficiente para apagar a pessoa que partiu de dentro de nós.
O desenrolar da relação de Markus e Nathalie é ótimo.
As cenas de reencontros sendo emendadas umas nas outras (porque nada que aconteceu no intervalo importa), o tédio de Markus ao visitar os pais (porque ela está tão longe), os minutos que duram horas na festa de aniversário do escritório (porque o tempo corre quando a gente se diverte), é tudo tão comum e belo!
E Markus, que personagem! Minha namorada o tempo todo se divertia e constatava o quanto #SomosTodosMarkus, e é verdade
- ainda que não sigamos ao encontro da crush esperando um segundo beijo mesmo sem contexto, ou fujamos correndo depois de um encontro legal com medo de sofrer de amor, esse pensamento está dentro de todo mundo, não?
E não é que "Doutor Estranho" realmente redefiniu o MCU?
Trazendo questões morais ambíguas ao mesmo tempo que advoga em favor da capacidade humana de se reinventar, o filme é bonito, tem mensagens importantes sobre o tempo e a vida e confunde um pouco, à primeira vista, a linha do tempo da Marvel
- mas só à primeira vista, porque se você pensa um pouquinho, percebe que o acidente de Strange aconteceu pouco depois do primeiro "Avengers" e sua luta principal acontece mais ou menos ao mesmo tempo que "Era de Ultron".
Mas o que mais me cativou aqui foi a virtude de Strange. Não falo da mágica, mas do atributo que o levou a entrar em contato com ela em primeiro lugar. Assim como alguns outros heróis importantes da Marvel, os poderes de Stephen são uma espécie de recompensa por uma virtude inabalável: Steve Rogers sempre teve uma coragem absuda, Tony Stark sempre brilhou pela sua capacidade de raciocinar rápido e por isso inventar coisas, e tudo isso já é em si heróico, enquanto a virtude motriz de Strange é... o aprendizado.
Veja, ele estudou e praticou muito pra ser o médico que veio a ser, e também se jogou de corpo e alma nos estudos em Tamar-Kaj, sempre se diferenciando por sua velocidade de perfeição de aprendizado. Alguns podem dizer que é a mesma genialidade de Stark, mas não é - o brilho de Stark está em sua capacidade de criação, enquanto Strange se destaca por compreender as criações e descobertas alheias e, consequentemente, reconhecer os momentos de lançar mão delas.
, o começo do filme é absurdamente corrido, e isso ajuda a confundir o "lugar" do longa na linha do tempo do MCU. Além disso, todas as críticas à forma como o estúdio lidou com representatividade neste caso se fazem mais que pertinentes: Tilda Swinton está ótima como The Ancient One, mas essa seletividade de representação (porque não poderia ser uma mulher asiática, já que havia o interesse de trocar o gênero da personagem?) somada à conveniência política de não mencionar a China é ridiculamente nojenta; a apresentação de uma personagem negra basilar para a história como Mordo foi interessantíssima, e sua conversão final em vilão foi frustrante (a cota de heróis negros tá preenchida por Rhodes e T'Challa?), mesmo que alinhada com a trajetória original da personagem.
De todo modo, depois da frustração enorme que Guerra Civil me causou, Doutor Estranho trabalhou certo pra equilibrar a balança da Marvel em 2016. Que venha "Guardiões da Galáxia 2"!
Depois de meses, resolvi assistir a continuação d"O Declínio do Império Americano". O negócio é que eu esperava uma continuação no sentido estético mais comum no cinema, um esticamento, uma continuidade. E "As Invasões Bárbaras" até continua, sim, a desenvolver a premissa de "crise de valores" da sociedade ocidental contemporânea, principalmente com a crítica à intelectualidade academicista ocidental, e traz de volta as personagens do primeiro longa, mas rompe com muita coisa: com a leveza, com a lascívia e até com o cinismo que marca aquela história. Aqui não há cinismo porque não tem como fingir distância. A morte bate na porta de todo mundo, e quando presta visita a um vizinho nosso é impossível passar indiferente.
A analogia com o Império Romano continua bem estruturada: s
e o Declínio do Império havia sido marcado pela decadência mortal dos "valores coletivos" em virtude de sentimentos e prazeres individuais, as Invasões Bárbaras significam a destruição das instituições da civilização em prol de outros significados pessoais e coletivos: se o Império organiza criando problemas, a corrupção resolve criando privilégios; a busca individualista ganha outros significados, já que para Gaelle amor não passa de uma palavra vazia e para Nathalie o entorpecer significa menos prazer do que alívio; e o sucesso de Sebastien não é um fim, nem um meio, parece mais uma máquina de movimento perpetuo ao infinito e além, sem sentido nenhum que não seja a conquista automática e plena.
Gostei mais desse do que do primeiro por rever as personagens, o que dá a suas histórias uma noção menos generalista e mais individualizada.
Pierre, que parecia se tratar de um caso insuperável de canastrão assumido, convertido em pai de uma família turbulenta; Louise, que antes se batia com os limites de sua forma de lidar com sexualidade, agora a ostenta orgulhosa (sua fala sobre ser inteligente e sensível o suficiente e precisar somente de um parceiro sexual é incrível. De primeira Rémy parece o mesmo, mas Nathalie lê perfeitamente o que está acontecendo: diante da morte, ele encarnara o passado - menos ególatra e megalomaníaco, é verdade, mas ainda assim o passado. Ver Louise expremida por toda aquela situação foi de cortar o coração, mas a dor da perda tem desses poderes, ainda mais a perda de alguém que foi um parceiro de uma vida, mesmo que à sua própria maneira.
Essa derrocada e essas mudanças não deixam de ser uma representação da geração que não apenas pensou que mudaria o mundo, como que o governaria... e acabou preza pelos limites da vida cotidiana. E sendo governada.
De todos, Sebastien é a personificação da crise central que os dois filmes falam
: individualista mas não hedonista, trabalha muito mas não para produzir nada para o mundo, capaz mas somente do que quer/precisa alcançar. Ele, filho de Rémy, um "iletrado" que frustra o pai por não ler, bárbaro que vem do outro lado da Atlântico para passar por cima de tudo que está em sua frente e fazer o que precisa fazer: acompanhar os últimos momentos e enterrar o pai. O mais curioso é que mesmo ultrapassando tantas barreiras, ele nem parece estar se esforçando (tirando a cena em que teme o carro que passa a seu lado enquanto espera na porta do traficante, ele permanece incólume por todo o filme). O cara chega ao ponto de ir buscar drogas na delegacia (!!) dentro de uma sala de interrogatório (!!!) monitorada por câmeras (!!!!). E, no fim, a aprovação paterna veio, assim como a aprovação romana aos "bárbaros" também veio. Mas já era tarde e o Império já havia caído.
Espaço, dilemas morais, policial e bandido, alienígenas devoradores de pessoas e escuro, muito escuro pra economizar nos efeitos especiais: um clássico instântaneo dos sci-fi de baixo orçamento. Usa bem os clichês para se firmar como obra de gênero, e se destaca ao meu ver nem tanto no enredo em si, mas nas personagens.
Porque todo mundo ali é ambíguo: da piloto-que-vira-capitã que quase matou todos os eus passageiros à menina que se veste de menino para garantir segurança e desenvolve uma idolatria pelo assassino condenado que faz parte do grupo. Engraçado que o único personagem que se mantém o mesmo ao longo de toda agonia vivida pelo grupo é Imam, o muçulmano que tem sua religiosidade aflorada (e que tem com Riddick uma discussão muito interessante sobre crença em Deus). E o final da capitã foi doloroso, apesar de bater certa na principal contradição dela, que de egoísta disposta a matar pessoas para viver se tornou uma líder altruísta que morreu tentando resgatar um membro de sua tripulação.
De todo modo, o filme me decepcionou nas sequências de ação, ainda mais tendo um nome forte como Vin Diesel. Além disso a falta de background me frustrou um pouco, por algum motivo eu esperava um sci-fi mais "de raíz", e "Eclipse Mortal" está mais para um survival horror espacial. Não é ruim, mas subaproveita possibilidades. Fiquei curioso para ver o desenrolar da história de Riddick, no entanto. Os filmes seguintes já estão na lista.
Filmes com uma locação só geralmente são automaticamente rotulados como "parados", "monótonos", "sem ação". Se alguém falar isso de "7 años" vai estar contando uma mentira enorme. A revelação das verdades e a destruição das máscaras inicialmente usadas por cada um dos sócios geral sobressaltos por minuto, com histórias jogadas na cara, lealdades indo pelo cano, estereótipos se provando incapazes de representar completamente a realidade sobre as pessoas. Palmas para as interpretações, todas, já que elas são do jeito que o roteiro pede para criar a tensão durante os 80 minutos de dilemas éticos. Mesmo que não se trate do melhor filme a já abordar esse tipo de questão, entretém e coloca para pensar, testar seus próprios limites. Na dúvida, vale lembrar: nunca soneguem, crianças.
Se teve uma coisa que vale a pena se repetir sempre sobre a indústria de filmes de super-heróis é: não acredite no hype, principalmente quando ele é extremamente negativo. Agora em 2016 destruíram "Batman vs Superman" como se fosse o pior filme já produzido, sendo que é um filme bom - não "excelente", nem "maravilhoso", mas "bom". Ano passado o escolhido pra ir pra fogueira e virar combustível do fenômeno da Marvel Studios foi "Quarteto Fantástico", mas que por ser dirigido por um diretor menos cultuado e ter uma base de fãs menos incondicionais foi menos defendido. Daí demorei tanto pra assistir o filme, e ainda fui ver esperando uma bosta fedida. Que bom que me surpreendi.
Porque "Quarteto Fantástico" traz personagens verossímeis para uma situação bem pouco crível. Aborda a aquisição de poderes sob uma ótica meio assustadora, que casa muito bem com o momento de vida que as personagens enfrentam.
O que é a cena de Reed se arrastando pelo chão do laboratório, vendo Johnny carbonizado e ainda em chamas e Ben esmagado pelas pedras? E a reação dele, de sumir por um ano, se culpando? A mágoa de Ben por ter sido abandonado por Reed? O ódio de Victor, que já existia antes dele integrar o projeto e que cresceu no ano em que ficou abandonado no planeta alienígena? Aliás, o Dr. Destino aqui é ótimo: super-poderoso, aparentemente insuperável, um verdadeiro monstro.
O problema é... todo o resto, A interferência do estúdio nitidamente se deu atenuando o terror que o diretor havia imaginado para todo este arco.
Johnny, que representa uma voz dissonante do grupo, o único que parece satisfeito com seus poderes, é muito pouco trabalhado - o cara ficou catatônico no primeiro momento da mutação, de repente ele é só um soldado feliz por viver de adrenalina? E Sue, que foi arrastada praquela situação pra tentar salvar seus amigos, não tem nem um pingo de raiva, de ressentimento, na relação com o irmão?
A verossimilhança no desenvolvimento das personagens, que era ponto altíssimo, cai por terra.
Isso torna o filme menor do que poderia ser, sim. Mas... "pior" de todos? Menos, galera, menos. O filme é legal e diverte, e ainda deixa a vontade de ver a continuação da história sim. Pena que nunca virá.
"Invocação do Mal 2" já começou rompendo um pouco os paradigmas atuais do cinema de terror por ser uma história concebida desde o começo como uma franquia: não é um caça-níqueis feito pra pongar no sucesso do filme original, é uma história mesmo contada em partes. Por isso também que considero até melhor do que o primeiro: estamos mais familiarizados com o casal Warren, já sabemos quem são e quais seus conflitos, e aqui vemos eles de fato
Vi uma galera criticando a paleta de cores do filme, sendo que isso foi o que mais me chamou atenção no filme. A história do primeiro se passa no começo dos anos 70 e o tom sóbrio e sombrio faz parte da construção estética e da contextualização da história, sim. Como esse se passa no final da mesma década, a mudança estética é compreensível. E tinha que rolar: os Warren sempre estiveram no olho do mainstream, divulgando os assuntos relacionados a paranormalidade, alimentando certa "febre" modista e isso acontecia porque eles mesmos respiravam o ar dos tempos que viviam. O figurino do filme é ótimo pra reforçar isso, e ainda traz consigo uma afirmação que gostei muito, sobre como essas histórias de terror não acontecem somente em casas isoladas em cidades do interior. Esse é o grande ponto dos Warren, não é mesmo? Sobre como essas forças paranormais existem e se manifestam o tempo todo, em todo lugar? Bem coerente afirmar isso esteticamente também
(e sem abrir mão das cenas sombrias e dos jumpscares tradicionais)
. Claro que podia ser melhor, algumas coisas não fazem muito sentido, a ausências de personagens negras incomoda e tudo mais. De todo modo, curti. Ansioso pra ver o próximo capítulo da história desse casal - e torcendo pra ele de fato pautar o que tá rolando na sociedade, na época, não apenas referenciar rapidamente pra contextualizar a audiência.
Na busca por uma comédia romântica leve na Netflix, "My Man is a Loser" saltou às vistas e, opa, aquele ali é John Stamos? O que podia dar errado, não é mesmo?
Muita coisa. Não é o pior filme do gênero, é verdade. Mas me enganou, desgraçado. Tudo bem que essa sinopse já entregava quase tudo sobre esse perde e ganha entre solteirice e vida de casado
e como no final Mike e Clarissa iriam ficar juntos
. O negócio é que justamente pelo destaque de Clarrisa no poster eu imaginei que ela teria mais destaque - e deveria, de longe ela é a personagem mais interessante do filme inteiro, que passa ao largo de estereótipos fáceis. No lugar disso o que encontramos são piadas sobre casais, assédio sexual e predadorismo sexual. Tinha como ser melhor, né?
O que achei bacana foi que ao menos o filme traz alguma diversidade dentro de seus estereótipos. Apesar de estarem em situações parecidas, Paul e Marty são caras completamente diferentes, e que enfrentam problemas distintos dentro de suas relações. Até o garanhão do Mike traz algumas novidades curiosas, principalmente sobre como ele aparenta DE FATO se interessar pelas personalidades e histórias das mulheres com quem sai (ainda que só por uma noite, é verdade). Isso é legal.
Até agora, esse foi o da franquia que mais me entreteve. O roteiro e as atuações são tão superiores assim aos dois primeiros, ou a direção é tão maravilhosa? Não. Mas é que a essa altura a mente da gente já desistiu de estabeler relação entre esses filmes e os jogos e aceita que tá de frente não pra uma história de survival horror, mas sim de ficção científica, ação e aventura. Isso diminui as possibilidades de frustração.
(PRA QUÊ Isaacs sacrifica dois de seus assistentes dando de comida pro zumbi? tá fácil assim encontrar cientista num mundo devastado pelo T-Virus pra ele se dar ao luxo de abrir mão de gente?).
Mas, né, é um filme pra rir e se divertir com cenas de ação - que, por sinal, são ótimas
Pra vocÊs verem o que é a memória: eu lembrava desse filme como sendo mó denso, bem amarrado, assustador... daí reassisti outro dia e percebi que a motivação de Spence em liberar o T-Virus é ridícula, o modus operandi dele é bizarro, a amnésia dele não faz sentido (a de Alice até faz) e a quantidade de insanidades nas cenas de ação é ridiculamente engraçada. O filme me divertiu mas... né? Não dá pra confiar na memória.
Às vezes a gente esquece que o foco principal de todo filme é, ou deveria ser, contar uma história. E quanto a isso, ninguém pode reclamar de "The Captive": o filme conta a história do sequestro de Cass, o impacto em seus pais, a investigação da polícia e das pessoas envolvidas nessa busca.
O ritmo, indo e voltando na linha do tempo, foi um acerto: uma vez que a gente começa o filme já sabendo que Cass está viva e quem é seu sequestrador, o quebra-cabeças que temos que montar é do que está acontecendo, na verdade. Nesse sentido, o filme ainda "pega leve" com alguns didatismos
- afinal, estamos falando de um thriller que traz um final feliz, a solução de um caso no final, se fosse linear demais a tensão podia se dissipar
.
Gostei de como as cenas curtas e com pouco movimento foram o trabalhadas do jeito certinho pra entregar o que a gente precisa saber das personagens ao mesmo tempo que a história é contada. E as atuações são boas o suficiente pra plantar uma dúvida a
té a respeito do envolvimento de Matt e Jeff com a rede de pedofilia
. Todas as atuações são muito boas, até a falta de informação a respeito dessa rede de criminosos faz com a personalidade doentia de Mika assuste de verdade.
Até o que não costumo gostar em filmes, como o uso da trilha sonorara pra inflar uma cena com emoção, aqui me pareceu cair bem. A falta que senti aqui foi de um trama maior do que a história contada. Digo, gostei de como "The Captive" não fala apenas de como Cassandra é cativa de uma sequestrador, mas de como todos envolvidos no seu caso se tornam cativos de algo também, claro -
Matt da culpa, Tina da dor, Nicole de sua importência diante das crianças que passam pelo que ela sofreu, Jeff da raiva pelos casos que não solucionou... até Mika também, se mostra cativo de seu vazio e de sua solidão (é patética a cena dele buscando um amigo no chefe e parceiro criminoso, Vince)
. Mas essa falta fala menos de uma falha do filme e mais sobre a pretensão que projetei nela, o que é bom. Não se trata do melhor filme do gênero, mas é sem sombra de dúvida um bom filme.
MEUDEUS DO CÉU QUE COMÉDIA ROMÂNTICA MARAVILHOSA! Constrangimento, impulso, vacilo, coincidências, química, boa vontade, risadas e amor. É meio que tudo que a gente espera de um filme do gênero e "Man Up" entrega com perfeição. E com uma mensagem necessária, essa coisa de olhar para o futuro sempre com esperança, né? Simon Pegg ótimo como sempre, e nem tenho o que falar de Lake Bell que mal conheci e já considero pacas. Em uma época em que praticamente toda comédia romântica tem uma base dramática pesada, esse filme trata de seu peso emocional com muito humor autodepreciativo - o que é ótimo, porque se chorar expurga os males, a risada ajuda a afastá-los também, hahaha. Só não dou cinco estrelas porque
O Paradoxo Cloverfield
2.7 780 Assista AgoraEm tempos de binge watching e instantaneidade de tudo, é bacana ver uma franquia bem planejada e bem trabalhada ao longo de 8 anos. Os três filmes até aqui lançados de "Cloverfield" são um bom caminho para o cinema de entretenimento cada vez mais industrializado de como serializar a produção de seus produtos e direcioná-los para um público amplo e diverso: cada um tem uma cara, cada um tem um estilo e todos são interessantes para desvendar esse universo ficcional. Mas o mais importante em termos de construção de Universo é esse aqui mesmo.
"Cloverfield: Paradox" coloca uma espécie de "ponto inicial" na história da frranquia, explicando a origem dos monstros que vimos em "Monster" e "Lane" e o que os teria trazido. E entrega bem enquanto filme de ação-aventura sci-fi com lição de moral bem definida em seu embate entre certo e errado, individual e coletivo, coletividade familiar e coletividade estrangeira... o problema é a forma absurdamente didática e clichê com que isso é feita. Além disso, em certos momentos, o filme abre mão completamente de fazer sentido (quem assistiu não vai precisar de uma MÃOZINHA pra entender).
Além disso, o filme parece abrir mão de parte de sua qualidade na tentativa de explicar melhor o que é aquele universo. E isso é, em si, meio negativo. Porque o tom explicativo já argumenta contra o mistério construído pelos dois filmes e trabalhado de forma "indiciária" em um ou outro elemento e até no ARG feito pela produção, incentivando os fãs a descobrirem o que de fato se passava, e isso soa incoerente. Isso pior quando as explicações são insuficientes. Porque, vamos lá: "Paradox" se passa no futuro, em 2028, e envolve duas coisas caindo em direação ao mar: na dimensão 1 tem o pod com Hamilton e Schmidt (que o final nos leva a crer que pode ter sido engolido pelo monstro) e na dimensão 2 tem a estação espacial. E, no primeiro filme, temos uma cena final em que se vê um objeto caindo no mar. Isso seria uma ótima forma de amarrar os filmes, certo? Seria... se as coisas não fossem tão desconexas. Por quê?
1) Quando a tripulação tem acesso à comunicação com a Terra da dimensão 2, eles recebem notícias apenas de guerras, não de monstros, então tudo nos leva a crer que os monstros são originários, na verdade, de uma dimensão 3 e que tiveram acesso à dimensão 1 quando o Shepard abriu um buraco interdimensional
2) Na cena final de "Monster", vemos o objeto caindo no mar e, no final, um grito de monstro, confirmando que se trataria da dimensão 1 e o objeto caindo tenderia a ser o pod de "Paradox"
3) Mas ao longo de "Paradox" recebemos indícios de que o planeta esta destruído, sendo atacado por monstros em todos os lugares, e a cena final de "Monster" mostra uma praia pacífica, com pessoas curtindo o mar, o que não se encaixa em nada com o cenário apocalíptico que vemos. Ou seja: tentou explicar, não explicou.
Ou seja: "Paradox" entretém e continua bem a proposta de entregar histórias diferentes em vários sentidos, todas unidas pelo universo da invasão misteriosa de monstros da franquia "Cloverfield", mas a incoerência e insuficiência de seu didatismo fazem com que o filme não chegue nem perto de ser o que pretendia ser. É uma boa diversão pra quem curte a franquia e gosta de sci-fi.
[visto em 06/02/18]
Logan
4.3 2,6K Assista Agora"Logan" é um filme legal, ponto. Não somente um filme de super-heróis muito bom, não somente um encerramento ótimo para uma saga de mais de uma década, não somente um final à altura de um personagem que nós conhecemos paulatinamente ao longo de 6 filmes - é uma obra sobre envelhecimento, sobre responsabilidades, sobre o embate entre a aceitação da realidade em nome da sobrevivência e o ímpeto de mudança dessa realidade em nome do idealismo.
De quebra, o filme soube representar muito bem a HQ que adapta.
A amargura de um Logan que viu os X-Men morrerem, que viu a deterioriação de seu mentor ser a responsável pela morte de seus amigos, que viu os Mutantes deixarem de ser a esperança de um mundo melhor para passarem a ser os cadáveres deixados pra trás por um mundo cada vez pior, "Old Man Logan" foi representado à altura. E a violência de verdade, com osso estourado e sangue pulando, que ganhou carta branca pra aparecer na tela depois do sucesso de "Deadpool", é muito bem empregada aqui - Wolverine é um animal em combate, sempre foi, e sua clone mirim não podia ser diferente (e a cinematografia e a direção das cenas de ação fazem jus à essa abordagem).
Foi foda ver Xavier na condição em que está aqui. Mas quer história mais verossímil que essa, a do filho quebrado que tem que dar seus corres pra tomar conta do pai? É essa a cara que envelhecer guarda pra maior parte das famílias do mundo. E é possível que digam que Logan não é "filho" de Xavier por não compartilhar dos genes dele, mas até aí a gente pode dizer também que Laura não pode ser filha de Logan justamente por somente compartilhar os genes dele e nada mais. No final das contas, se tem algo que X-Men ensina direitinho e esse filme lembra com maestria é que família não é uma questão de sangue, mas de amor - o amor que Xavier lembrou que existia ao cruzar com aquela família na estrada,um amor que Logan só sentiu plenamente no seu último suspiro infelizmente (mas que já o coloca na frente do monte de gente quem vive e morre sem conhecer esse sentimento).
Aliás, essa sequência envolvendo a família Mulson me causou estranheza à primeira vista, porque simplesmente não é a cara de Xavier colocar em risco pessoas inocentes. Mas é preciso lembrar do quão estranha é aquela situação toda, pois Charles está degenerando, pode morrer a qualquer momento e já não é mais a mesma pessoa.
Os vilões, apesar de não terem nada de super (o que é ótimo, reforça a realidade da história e aproxima aquele envelhecimento em busca de alguma esperança do nosso envelhecimento também), trazem personas clássicas dos quadrinhos: o mercenário irônico de Boyd Holbrook e o cientista eugenista de Richard E. Grant. Essa é uma manutenção boa de algo típico do gênero "filme de super-herói", mas tem outras ruins também. Tipo: o fato do esqueleto de Laura ser de adamantium não faz muito sentido, uma vez que o esqueleto metálico foi COLOCADO em Logan, logo é algo que ele não teria como passar à frente geneticamente, por exemplo. Aliás, Laura é ótima, Dafne Keen arrasa, só escorrega nos momentos dramáticos que parecem pouco reais (o que é compreensível, tanto pela sua pouca experiência de vida mesmo - afinal, qual sofrimento aquela menina ia evocar na atuação dela, o dia em que ela abriu o pote de sorvete e tinha feijão dentro - quanto pela consequente falta de relação que ela tem com o o personagem de Logan - pô, ela tem menos tempo de vida do que nós temos conhecendo o Wolverine, rs). E por mais que se sustente sozinho enquanto obra cinematográfica, não deixa de ser filme de super-herói, então insiste em limitar suas tentativas de aprofundamento em questões humanas universais (elas tão ali, mas são abordadas sutilmente, um segundo plano da história).
A mim agradou muito a aproximação com outro gênero fílmico que tem tudo a ver com a história contada, que são os westerns. Tá tudo ali, o cara tentando somente sobreviver e sendo puxado pra briga, prezando antes de tudo pela única família que ainda tem e sendo obrigado a se envolver na defesa de uma esperança na qual a priori ele nem acredita, que tem na sua arma sua principal culpa (e que o mata por dentro, assim como a culpa, levando a metáfora dos poderes mutantes a um nível individual bem poderoso) e que encontra seu propósito no deserto empoeirado. Isso foi legal e bem apropriado, especialmente a inserção do clássico "Os Brutos Também Amam". E agora que Logan foi embora, realmente, não existem mais armas no vale. Pelo menos não nessa linha do tempo.
[visto em 04/03/17]
Contágio Letal
2.4 421 Assista AgoraAntes de qualquer coisa, preciso dizer que o que mais me faz atrai nos bons filmes de terror, em especial do subgênero "ataque zumbi", é essa parada de criar uma história que tanto prende pelo desfecho dela mesma quanto pela metáfora que ela representa a respeito de certas dinâmicas pessoais e sociais. E num contexto em que o pop não poupou nem os zumbis e enfiou guela abaixo filme romântico de zumbi fofinho enquanto fazia terra arrasada pra transformar o gênero numa repetição de histórias de sobrivência ad eternum, "Contracted" quebra esse lugar comum como uma pedra na vidraça.
Se você viu o filme e achou uma merda, ou ficou bem incomodado com a falta de explicação sobe a doença, preciso te dizer: cê tava olhando pro lugar errado. O foco aqui não é a doença, nem mesmo o cara que passa ela à frente - o foco é o vazio e a impessoalidade.
A cena inicial do filme, em que vemos quem depois nós vamos saber ser BJ abusando sexualmente de um cadáver, desperta um nojo. E esse nojo com o decorrer da história se torna generalizado; aquela cena não está ali somente pra nos apresentar BJ, mas pra dar o primeiro dos vários exemplos que teremos de como as pessoas nessa história não se importam de verdade com as outras pessoas ou com qualquer noção de certo errado, e isso fica nítido a medida que a doença vai se agravando em Sam. Do médico que ignora aquele conjunto absurdo de sintomas pra não ter muito trabalho à "melhor amiga" que usa a descoberta do estupro de Sam pra criar uma situação em que possa ficar com ela, passando pela mãe que não quer escutar o que está acontecendo com a filha porque sua cabeça já lhe forneceu as respostas apropriadas, pelo chefe que só considera válido faltar o trabalho por razões médicas caso a pessoa esteja literalmente morrendo, pelo cara bonzinho que "se preocupa" com a menina mas não percebe o quão mal ela está quando se encontra sozinho com ela no mesmo cômodo. O lance da doença ser sexualmente transmissível, aliás, é uma boa sacada, afinal sexo é uma parada absurdamente íntima que esse processo de impessoalização da vida tem tratado de desintimizar - aqui a velha estratégia de "aumentar absurdamente um ponto para provar sua revelância", tão famosa na ficção científica, funciona melhor do que eu imaginei que seria capaz.
A forma como esse nojo escalona é bem construída também: inicialmente, o problema é BJ; depois, quando vemos Sam com Nikki no restaurante, pensamos que talvez o problema sejam os homens, somente; quando a mãe age de modo escroto com ela, a gente pensa "porra, esses coroas são foda"; daí depois é a vez do médico... e do chefe... e da ex... e aí cê percebe que a morte de Sam é a morte da individualidade, a adequação forçada, a submissão ao "siga-nos ou pereça". Ela também parou de se importar.
O fato dela ser uma mulher lésbica, inclusive, só torna a metáfora mais poderosa.
O estupro, a ida ao médico, o diálogo com a mãe, a postura escrota da ex, tudo ganha contornos ainda mais sofridos à luz da lesbofobia que ela tá lidando o tempo todo, seja a que se apresenta na violência sexual (porque obviamente BJ ouviu as conversas e aquele estupro teve um quê de corretivo), seja a vocalizada pela sua mãe, seja a disfarçada pela "gentileza" de Riley.
Dessa forma, a mordida em Alice significa um ponto sem volta. Porque até o surto diante de Nikki ainda pode passar como um acesso de fúria, uma insanidade temporária diante de todas aquelas situações estranhas (que sabemos que não é, é uma demonstração de como ela está se encaixando na dinâmica do "ou é do meu jeito ou de jeito nenhum", ligando o foda-se pras outras pessoas envolvidas com ela). Mas a mordida, ainda mais logo depois do beijo, traz uma resposta, né? Se toda a doença representa essa morte da individualide, a mordida da proto-zumbi é um ato antropofágico - "você não me usou? agora eu te uso, como alimento". Daí apesar de só vermos uma zumbi clássica no final do filme e sozinha, dá pra considerar que "Contracted" atualizou perfeitamente a ideia de George Romero sobre o ataque zumbi: se viver é se importar, todo mundo que interage com ela ao longo do filme já tava meio morto-vivo o tempo todo.
Como ninguém é besta, essa lacuna na parte ficção-científica da coisa serve também como um gancho pra transformação dessa bela história de horror e solidão numa franquia, né? Já tem o segundo filme, aonde imagino que entreguem mais sobre BJ e sua aparente imunidade à doença (porque Sam começa a se transformar bem rápido) OU falem mais de como essa onda surgiu - "ou" mesmo, porque só aí já tem argumento pra dois novos filmes que inevitavelmente serão oferecerão menos camadas de leitura do que esse aqui mas que satisfarão melhor esse hábito que a gente desenvolveu de lidar com histórias esperando uma resposta não apenas mastigada, mas vomitada na nossa garganta mesmo, pra gente não ter nem que fazer tanta força pra engolir. Daí mesmo percebendo que dava pra contar essa mesma história, com essa mesma mensagem,de uma forma muito mais bacana e instigante, eu tenho que tirar meu chapéu. É preciso coragem pra jogar um pedaço pão a gente que se acostumou a só comer sopa e pensar que dentes só existem pra serem exibidos.
[visto em 28/02/17]
Os Nossos Meninos
3.5 15Minha mãe costuma dizer que o ser humano é um momento. "Os Nossos Meninos" pega esse dizer e demonstra direitinho todas as possibilidades de significação dele.
Porque o ser humano é formado por uma sequência de momentos, como foram Michelle e Benedetta pelas impressões que seus pais construíram de si sobre eles - Michelle e a distância eterna do pai seguido da complacência da mãe, Benni e o oportunismo favorecedor do pai ao lado do coleguismo neutro da madrasta - e sobre eles mesmos - aonde Paolo é o correto e preocupado com os outros enquanto Massimo é o corrupto egoísta.
Do mesmo modo, é em um momento que as interrogações sobre si se tornam afirmações, como foi quando diante da mendiga os dois primos expressaram seu apreço pela violência... e em outro estas mesmas certezas se esvanecem, como quando o irmão "canalha" sugere que os culpados se entreguem e o irmão "ético" em um rompante o atropela para proteger seu filho assassino.
Mas o que mais me marcou no filme é essa perspectiva de legado social. "Os Nossos Meninos" que estamos deixando no mundo são justamente esses momentos egóicos, de expressão de um rompante orgulhoso e um ódio tremendo pelo outro,
seja na cena inicial em que a agressividade do pai e a explosão assassina do policial no carro deixam pra trás um menino orfão e potencialmente paraplégico, seja na cena final em que o humano, responsável e ético Paolo deixa pra trás a pessoa que considerava correto ser
[visto em 27/02/17]
Rua Cloverfield, 10
3.5 1,9KSabe aqueles momentos das séries de TV quando você vê um arco realmente bom, do tipo que chega revigora sua intenção de continuar acompanhando o seriado, mas fica triste dele estar tendo que se desenrolar ali, dentro daquela trama, servindo de trampolim praquela história (que existia antes dele e vai continuar a existir depois dele), e não existindo por si, em seus próprios termos? Então, foi bem isso que senti com "10, Cloverfield Lane".
Em termos de construção de personagem e desenvolvimento da narrativa, o filme é sensacional. Vemos Michelle no meio de um ataque de pânico jogando tudo pra cima e fugindo, vemos o acidente e depois mergulhamos naquela dúvida absurda sobre QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO? dentro daquele bunker com Howard e Emmett. Vamos conhecendo cada um dos três aos poucos, acreditando e desacreditando de tudo em certa medida. E tudo no filme funciona muito bem... mas ele não precisava se passar no universo de "Cloverfield".
Primeiro porque uma grande parte da graça do filme, o suspense sobre Howard ser um sequestrador-abusador OU um maluco tentando sobreviver a um apocalipse, vai embora quando a gente parte já do pressuposto de que essa história tem a ver com o monstro que destruiu Nova York no outro filme
(e olha que a condução da história consegue ainda jogar um pouco de fumaça nisso, pra vocês terem noção de como esse roteiro, essas atuações e essa direção são boas - eles nos dão 01 certeza antes do filme começar e eles conseguem nos fazer duvidar desse único pressuposto quando querem).
Segundo porque, estando dentro da franquia, todo o poder da metáfora em torno de Michelle automaticamente vai para um segundo plano, uma vez que o mais importante ali é como essa história se conecta a do filme de 2008. E, porra, é uma história do caralho!
Michelle é nitidamente uma mulher que cresceu em frangalhos devido à postura abusiva de seu pai, incapaz de lidar com confrontos (corre quando vê outras crianças sendo agredidas na rua, como diz a Emmett, e foge depois do que, até onde sabemos, foi uma mera discussão com seu namorado/noivo/whatever), incapaz de lutar mesmo quando é necessário. Daí ela se vê enclausurada com um sujeito estranho que se encaixa perfeitamente no perfil daqueles sociopatas que sequestra crianças na esquina da escola e mantém em cativeiro por quinze anos. A história dele parece louca à princípio, suspeita demais à medida em que as tendências agressivas e manipuladoras dele vão se revelando. E mesmo com suspeitas sobre o cenário do mundo exterior, sobre ser tão ruim quanto ele fala ou não, há certezas sobre o cenário interno a partir do momento em que ela e Emmett juntam os pontos: Howard é louco, é um assassino, um sequestrador e um pedófilo. Então quando ela se levanta contra ele e quando articula um plano de fuga, ela tá fazendo as pazes com sua própria história - ela tá pedindo desculpas a si pelo que sofreu, ao seu irmão pelo que ele sofreu quando tentava defendê-la, à menina que ela viu ser arrastada pelo pai na rua e não teve capacidade de intervier, à vítima que havia tentado escapar de lá antes dela. E quando, depois de derrotar aquela nave, ela decide ir pra Houston pra ajudar as pessoas que precisam de ajuda, ela tá mostrando que aquela pessoa, refém das circunstâncias, não existe mais; ela tá dando um ultimato a todas as pessoas que carregam dentro de si uma ferida muito incapacitante, chamando todo mundo pra tentar usar a cura do outro como terapia de cura pra si. Num mundo em que a discussão sobre a superação de opressões estruturais frequentemente exige uma resposta em forma de políticas públicas de alcance coletivo, esse tipo de história faz a gente se questionar o quanto nós, pessoas "comuns" não podemos fazer dentro de nossas esferas de atuação - e isso sem apelar pra uma pegada exageradamente individualista que não teria lugar, ainda mais sobre um tema tão profundo quanto o abuso psicoemocional e sexual de crianças.
Enfim, o filme é legal e entrega o que a gente busca quando senta pra assistir ele. Mas pelo material que apresenta, dá pra imaginar possibilidades muito mais densas de associar, por exemplo, o horror de Michelle com aquele cenário ao seu redor e a dor de perceber o quanto aquela soma de incerteza de horror iminente exige que ela seja outra pessoa
- no filme isso acontece, mas muito mágica e rapidamente, uma vez que a obra tá comprometida em entregar uma história com começo, meio e fim bem mastigadinhos, sem exigir tanto da audiência (no máximo, que a pessoa encontre as peças que a produção espalhou durante o pré-lançamento e durante o desenrolar do filme), sem nenhum aspecto ambíguo dentro de suas propostas centrais (integrar a história no universo de "Cloverfield" enquanto conta a história de Michelle).
[visto em 26/02/17]
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraO subtítulo de "A Bruxa" explica tudo que precisa pra preparar a gente pra história que o filme quer contar. Afinal, no meio de toda briga entre quem achou chato e quem achou poético, quem achou uma perda de tempo e quem achou um ganho impensável, o que é inegável é que a gente se depara com um conto popular da Nova Inglaterra.
A história da família expulsa do assentamento em que vivia pela oposição religiosa que seu pai apresentava à Igreja local não se encaixa no tipo de coisa que a gente geralmente vê em filmes de terror, mas sim nos velhos contos de terror: o mal que existe além da fronteira, vindo do desconhecido e que joga um véu de desconfiança em torno de tudo ao redor.
Mas "A Bruxa" tem como traço em comum bem marcante com os bons filmes de terror nos últimos anos a utilização da alegoria metafórica comum nessas histórias pra falar de realidades sociais bem reais.
O filme começa logo com a expulsão da família do assentamento em um julgamento repleto de pessoas vestidas do jeito que manda o Manual do Colono Ultrareligioso do Século XVII™. Vemos eles saindo no fundo da carroça, o portão de madeira se fechando, a família se acomodando na floresta pra passar a noite enquanto canta seus louvores e trilha sonora inflando a cena faz a gente entender que os limites da crença deles (e da eficácia das regras deles, pra si e pros outros) ficou pra trás junto com o júri de crentes. Agora eles são uma família no meio de uma natureza com a qual não conseguem lidar, seja a que existe dentro de si (a covardia do pai em assumir seus atos, a tristeza da mãe em se sentir distante de deus, o despertar de Caleb pro desejo sexual - amplificado pela rigidez da fé familiar -, a culpa de Thomasin por não conseguir se encaixar dentro do que era posto como correto por sua família), seja a de fora deles (a colheita fracassada, as tentativas patéticas de caçar).
O desenrolar dos acontecimentos vão demonstrando como o que a família chama de "fé" não a protege, só os enclausura dentro de si.
E é uma clausura que significa nada pra natureza ao redor: toda a simbologia dos fatos vai cercando aquela família, seja a lebre que expõe a fraqueza do pai na floresta e leva o filho à morada da bruxa (a Terra prometida que o Caleb bíblico adentra?), seja o bode que fala com os gêmeos (que depois desaparecem sem deixar rastro, seriam eles mesmos demônios?). Não à toa o momento em que o pai percebe e admite seu erro teológico, à noite, na chuva, acontece justamente antes do ataque final da bruxa da floresta.
No final das contas, dá pra perceber que o sofrimento e o horror que a gente acompanha no filme é o sofrimento de Thomasin
: ela que já na primeira cena tá perplexa por estar sendo expulsa do assentamento, ela que quando abre o olho não vê mais o irmão lá, ela que lida com essa culpa violentamente esfregada na sua cara pela mãe, ela que ainda acreditava ter no irmão um pequeno companheiro enquanto ele só encarava seus seios, ela que busca refúgio na figura covarde, fraca e (por isso mesmo) autoritária do pai e percebe que ele não tem como protegê-la da natureza... até que resolve se juntar a ela, abraçar os desejos que geram toda sua dor quando usa a ótica religiosa, abrir mão de um controle que não tem nada de natural. Dentro de um processo de "domesticação da natureza", comum no empreendimento colonial que culminou na sociedade estadunidense, a escolha feita por ela de aceitar como aquilo que não é "civilizado" expressa uma coragem e uma vontade de ser livre imensuráveis.
[visto em 25/02/17]
O Congresso Futurista
3.9 295 Assista AgoraEsse filme tá há semanas na minha cabeça, por ser bem o tipo de história que gosto: ao mesmo tempo que é visualmente bem impressionante (tanto na parte animada, quanto na não-animada), conta uma história que cativa sobre autonomia e fuga, e defende uma tese bem dura sobre a realidade contemporânea. Não à toa esse filme tá há semanas rodando na minha cabeça e me botando pra pensar.
A versão fictícia de Robin Wright que vemos aqui, uma atriz que está otracizada depois de ter algumas glórias cinematógraficas no passado, e recebe uma proposta irrecu$ável no momento em que a atuação no cinema parece ter seus dias contados até me assustou um pouco, já que Robin voltou com tudo aos holofotes desde o sucesso de House of Cards, mas entendi melhor o quanto Ari Folman queria dar ares de realidade à sua obra quando soube que ele teve seu primeiro contato com a atriz sobre o filme no começo de 2012.
Ela já começa o filme tomando uma baita apagação de seu empresário Al, sobre como sempre tomou decisões erradas e sempre coube a ele apagar os incêndios de sua vida. Al é um cara pragmático: decisões boas são aquelas boas pros negócios. E é por isso que ele e Robin tem posições tão opostas quanto à digitalização de intérpretes. Pra ele, nada muda, já que no set todo mundo obedece um roteiro e as instruções de quem tá dirigindo, nada diferente de um programador inserir meia dúzia de linha de código numa tela preta e tirar dali uma cena de filme. Pra ela, tudo muda, já que a história do roteiro e o subtexto tado pela direção são só caminhos externos que conduzem ela à caixa preta de sentimentos que artistas tem dentro de si e que só eles podem acessar de jeito verdadeiro o suficiente para que quem assiste encontre também o artista que mora em seu peito e caminha em seu coração.
A vitória de Al e das circunstâncias a respeito dessa questão são só mais alguns gramas na grande bola de neve de consumo que a Miramount tá construindo. A ideia de digitalizar é boa para que as atrizes e atores não estraguem suas carreiras, diminuindo seu valor de mercado e consequentemente o valor dos produtos de entretenimento que vendem? Então é questão de tempo até que essas estrelas sejam em si o produto a ser consumido, como vemos na zona animada. E como todo prazer é momentâneo, enjoa e é substituído pela vontade de um prazer inteiramente novo, pra preencher uma vontade que só a gente tem, também é natural o desenvolvimento do outro tipo de droga que permite que pessoas construam em suas mentes as histórias e sensações que queiram, sem nem saber que queriam, enquanto se convencem que tudo é real.
É aqui que a tese de Ari Folman se mostra bem forte. O diretor parece defender que a indústria cinematográfica está cada dia menos interessada nas histórias e cada dia mais interessada em vender uma fuga da realidade; mais distante da arte, que é feita e apreciada por conta dos erros e acertos assim como a vida, se resumindo a mera criadora de protudos fugazes, que isolam as pessoas em suas mentes, em seu consumo. É pessimista demais, uma vez que mesmo as franquias caça-níqueis de ficção científica, como a "RRR" do filme, geralmente são grandes pontos de integração entre pessoas, construindo amizades e regando amores entre pessoas que compartilham do apreço pela obra, mas faz sentido dentro dessa proposta de levar os argumentos até a última potência para demonstrá-los. E diante de um processo de aumento das maratonas solitárias na Netflix e esvaziamento dos cinemas, quem pode dizer que ele tá de todo errado? A escalação de Right aqui pra interpretar uma personagem fictícia de si própria é um dos seus argumentos em prol de uma verdade, mesmo se tratando de uma ficção. É o filme se posicionando contra Al e a favor de Robin a respeito da mentira dos sets e da verdade da arte.
O que fica dessa porrada certa de Folman é a ideia de que essa redução genérica da sci-fi às franquias de ação do momento (que dão dinheiro à indústria e fazem a porra girar, como mostram os filmes de super-heróis) é uma subutilização de um gênero que tem milhares de recursos narrativos próprios para contar histórias brincando com essa fronteira entre realidade e invenção. E que às vezes até as bravuras mais admiráveis
como a que faz Robin encarar aquela realidade dolorosa em busca do filho
Esquadrão Suicida
2.8 4,0K Assista AgoraDepois de Batman vs Superman eu fiquei bem ansioso pra ver o que mais seria feito pra aprofundar e desenvolver esse promissor universo da DC, que tinha provado no filme de Snyder que podia ser mais do que o fraco "Man of Steel" tinha esboçado. Daí vem "Suicide Squad" e consegue ser talvez pior do que o frustrante reboot da história do Filho de Kripton. Realmente não consegui ficar feliz com nada no filme.
O roteiro e os diálogos são horríveis.
Nem falo do fato de que a grande ameaça do filme é criada justamente nas vias de formação do próprio Esquadrão, mas do quanto tudo isso e todo o resto sobre as personagens e suas conexões para além daquilo ali é deixado de lado.
O tão aguardado Joker de Jared Leto, que prometia tanto por invocar a faceta sádica e violenta do Palhaço, evidencia o fracasso do filme.
Noves fora os excessos da interpretação, da direção e da edição pra focar na loucura da personagem, os momentos em que contradições ou mesmo uma visão mais honesta e profunda da personagem podiam transparecer terminaram se tornando só mais cenas multicoloridas desse longo e chatíssimo videoclipe de ação.
Resumindo: você pode passar sem ver esse filme. Se tá tão curioso assim pra assistí-lo pra ter mais info sobre o univero cinematógrafico da DC, o filme acrescenta pouco, e eu resumo aqui pra você:
Amanda Waller é uma demonstração de como os metahumanos são uma questão de segurança mundial e sua ideia do Esquadrão tem a ver com o fato de que a galera superpoderosa tá quase sempre além dos limites dos Estados e Governos; a introdução de Harley Quinn aponta ela como assassina de Robin, apesar do desenrolar da história levar a gente a crer que o grande mentor da parada foi o Coringa; a cena pós-créditos indica que a transformação da Magia em ameaça colocou Waller numa posição ruim, e que isso foi o que fez ela ir correndo pedir cobertura pra Bruce Wayne, que ela sabe que é o Batman.
[visto em 20/11/16]
A Era da Inocência
3.5 27Quase tudo que há pra ser dito sobre o filme, Roberto bem apontou em seu comentário: https://filmow.com/comentarios/418499/.
Só acrescento que Jean-Marc não deixou de fugir, a própria solução final para seus problemas foi uma fuga definitiva, da realidade que o oprimia, dos problemas que ele deveria solucionar mas com os quais pouco se importava. O ponto não é a fuga, a meu ver, mas a atenção: ele passa o tempo todo cercado de informação sobre o mundo e as pessoas mas ignora tudo igualmente, para no fim agir, empreendendo de fato uma fuga real e encontrando no seu destino o fim das ilusões.
Apesar de tudo isso, "A Era da Inocência" foi o filme que menos me prendeu da trilogia - e mesmo isso fazendo intencionalmente parte da mensagem que o filme quer passar a respeito da desintegração do Ocidente, foi difícil sustentar a experiência de assistí-lo pelo menos até o princípio do ato final, que oferece alguma reviravolta. Principalmente quando pontos odiosos da personalidade da protagonista são apresentados como alívio cômico (sua misoginia, sua lesbofobia, seu racismo) e não são alvos de crítica alguma nem mesmo no final (diante de suas revistas pornográficas, ele diz pra filha que não sabe de quem são - Arcand provavelmente achou que isso renderia risinhos da audiência).
De todo modo, a trilogia segue estabelecendo uma análise interessante sobre as últimas décadas do Ocidente, mas falha principalmente por se levar a sério demais. Esquece que o eixo de toda ficção é o fato de que ela cria as regras de seu próprio universo. Isso não é um problema, muito pelo contrário, é o forte da boa ficção, que cria suas regras particulares em um espaço limitado para direcionar nosso olhar pra esse mesmo espaço ao nosso redor. Mas aqui, na ânsia de falar de um "Ocidente contemporâneo", Denys Arcand encara sua ficção como "estudo de caso" real - e isso nenhuma ficção é de fato.
[visto em 12/11/16]
Como Sobreviver a um Ataque Zumbi
3.1 524 Assista AgoraSe pra mim, que sou fã inverterado de filmes de zumbi, esse aqui foi assistido parcelado... é porque o negócio é complicado mesmo. E olha que tem Tye Sheridan como protagonista, e nunca vi um filme em que esse guri entrega atuação abaixo do esperado pela sinopse. O problema de "Scouts Guide..." não é de atuação, nem de execução, é de concepção mesmo: em um gênero saturado como o dos filmes de ataque zumbi nos últimos anos, pra se fazer valer a parada precisa trazer algo de original - e o que eles tentaram colocar como diferencial aqui, as cenas envolvendo piadas com a cultura pop contemporânea, arrancam o riso mas não salvam o barco.
Isso rola principalemente porque... já deu de besteirol, né? "Zombieland" e o genial "Shawn of the Dead" demonstraram na década passada que o legado de "Return of the Living Dead" podia ser atualizado e expandido com qualidade, sem apelar pra mesma fórmula de piadas ruins + misoginia + zumbis, mas Cristopher Landon resolveu jogar esse aprendizado fora. "Scouts Guide..." simplesmente pega essa mesma fórmula e atualiza. Pouco, muito pouco pra um gênero que nos últimos anos rendeu algumas das principais séries, games e filmes da indústria cinematográfica estadunidense. E sem contar que, porra, o filme que inaugurou o gênero traz no seu DNA uma Crítica Social Foda™ , botando o dedo na cara do racismo dominante nos EUA em plena década de 60, e aí a gente tem aqui um filme que só tem
1)uma personagem negra, 2) que morre na velocidade da luz?
[visto em 12/11/16]
Marcas da Possessão
2.6 27A estética meio vaporwave fazendo uma releitura dos tropos do gênero "terror sobrenatural" me atraiu logo no poster, e me deixou com a expectativa de encontrar algo na linha de "It Follows". A relação é inevitável por serem dois filmes de horror lançados com cerca de um ano de diferença e beberem nas mesmas fontes estéticas, mas enquanto longa de David Robert Mitchell apresenta uma resposta bem particular de seu tempo à demanda central do gênero (falar dos medos das pessoas a partir de uma metáfora), Jordan Galland prefere renovar a tradição oitentista.
É preciso dizer que essa ideia do filme falar do que acontece depois do exorcismo é bem legal, principalmente por trazer a posessão pra esfera do ordinário:
não estamos falando somente de escalar um prédio e pular de um terraço sem se machucar como Hazel fez, o ponto aqui é perder o controle de si mesmo que sua vida permaneça funcional em alguns aspectos. Ao passo que isso é assustador, a possibilidade de sua vida seguir normalmente sem que você esteja no controle dela e sem que ninguém ao redor perceba, é também real, já que é exatamente isso que acontece quando se lida com a maior parte dos transtornos psíquicos. Galland elabora bem essa metáfora, mas não parece muito a fim de fazer as pessoas penetrarem nela, e é aí que se diferencia brutalmente de Mitchell: aonde "It Follows" explora bastante o plano em primeira pessoa, o vazio ao redor e os movimentos contínuos como convites para a reflexão, "Ava's Possesion" restringe o plano às personagens, ao que acontece em seu redor, às mensagens que Ava recebe direta e indiretamente do espírito que a possuiu, suas visões e à intricada trama que envolve sua possessão.
Essa fórmula funciona e realmente prende a audiência até o final, quando entendemos como e porquê Ava foi possuída.
Olhando pra trás agora, a escolha por começar a história após o exorcismo da protagonista não deixa de ser uma forma do diretor nos dar o mesmo conselho que Tony dá a ela, quando depois de superar tudo o questiona se algum dia saberá a razão da possessão: "você está livre, fique feliz". Somente para logo em seguido o próprio Naphula mostrar pra ela a verdade. Inclusive aquele final "recapitulatório" me lembrou os clássicos dos jumpscares oitentistas, hahaha, muito bom.
A experiência de assistir o filme foi boa, do tipo que me deixou curioso para ver os extras do DVD/Bluray e saber mais sobre toda a produção (cinematografia, edição, produção da trilha sonora, tudo). Me frustrou um pouco a personagem de Lou Taylor Pucci, que do mesmo jeito que chega à trama vai embora, sendo mal aproveitada quando podia acrescentar profundidade à situação de Ava com as consequências da possessão. Da mesma forma incomoda bastante a branquitude do filme, infelizmente tão comum na indústria estadunidense. Não faz o filme deixar de ser legal, mas faz pensar que dava pra ser bem melhor.
[visto em 11/11/16]
A Delicadeza do Amor
3.9 919 Assista AgoraTenho a impressão que Audrey Tautou ficou marcada para sempre como a ínterprete de "moças doces, meigas e levemente estranhas" desde Amelie Poulain. Posso estar completamente enganado, não vi tanta coisa assim da filmografia dela, mas quase sempre que vejo a atriz em cena essa sensação bate com força. E "A Delicadeza do Amor" foi mais uma dessas experiências (o que não é ruim não, viu?).
Não, ela não ~~repete a personagem~~, e isso aqui fica óbvio:
o momento da perda de François (muito bem valorizado pelo tremor da câmera, que se mantém estável durante todo o filme), o jeito como Nathalie se joga no trabalho pra superar o luto, a firmeza com que trata Charles diante de seu assédio, nada disso cabe na fofura-extrema-idealizada de Amelie, mas cabe em Nathalie, fazem parte dela, e nada na interpretação de Audrey leva a questionar isso.
O filme aliás, que se desenvolve mesmo a partir dessa experiência de luto, é bem mais verossímil do que seu começo pode dar a entender
(nada contra romances, amo/sou, mas... o que é aquela cena do casamento? E a sequência de fotos da lua de mel? Na ânsia de ser fofo, foi piegas; no afã de se relacionar com aquela experiência romântica que todo mundo teve ao menos uma vez na vida, foi esteticamente banal).
O desenrolar da relação de Markus e Nathalie é ótimo.
As cenas de reencontros sendo emendadas umas nas outras (porque nada que aconteceu no intervalo importa), o tédio de Markus ao visitar os pais (porque ela está tão longe), os minutos que duram horas na festa de aniversário do escritório (porque o tempo corre quando a gente se diverte), é tudo tão comum e belo!
- ainda que não sigamos ao encontro da crush esperando um segundo beijo mesmo sem contexto, ou fujamos correndo depois de um encontro legal com medo de sofrer de amor, esse pensamento está dentro de todo mundo, não?
[visto em 08/11/16]
Doutor Estranho
4.0 2,2K Assista AgoraE não é que "Doutor Estranho" realmente redefiniu o MCU?
Trazendo questões morais ambíguas ao mesmo tempo que advoga em favor da capacidade humana de se reinventar, o filme é bonito, tem mensagens importantes sobre o tempo e a vida e confunde um pouco, à primeira vista, a linha do tempo da Marvel
- mas só à primeira vista, porque se você pensa um pouquinho, percebe que o acidente de Strange aconteceu pouco depois do primeiro "Avengers" e sua luta principal acontece mais ou menos ao mesmo tempo que "Era de Ultron".
Mas o que mais me cativou aqui foi a virtude de Strange. Não falo da mágica, mas do atributo que o levou a entrar em contato com ela em primeiro lugar. Assim como alguns outros heróis importantes da Marvel, os poderes de Stephen são uma espécie de recompensa por uma virtude inabalável: Steve Rogers sempre teve uma coragem absuda, Tony Stark sempre brilhou pela sua capacidade de raciocinar rápido e por isso inventar coisas, e tudo isso já é em si heróico, enquanto a virtude motriz de Strange é... o aprendizado.
Veja, ele estudou e praticou muito pra ser o médico que veio a ser, e também se jogou de corpo e alma nos estudos em Tamar-Kaj, sempre se diferenciando por sua velocidade de perfeição de aprendizado. Alguns podem dizer que é a mesma genialidade de Stark, mas não é - o brilho de Stark está em sua capacidade de criação, enquanto Strange se destaca por compreender as criações e descobertas alheias e, consequentemente, reconhecer os momentos de lançar mão delas.
Pra não dizer que só falei das flores
, o começo do filme é absurdamente corrido, e isso ajuda a confundir o "lugar" do longa na linha do tempo do MCU. Além disso, todas as críticas à forma como o estúdio lidou com representatividade neste caso se fazem mais que pertinentes: Tilda Swinton está ótima como The Ancient One, mas essa seletividade de representação (porque não poderia ser uma mulher asiática, já que havia o interesse de trocar o gênero da personagem?) somada à conveniência política de não mencionar a China é ridiculamente nojenta; a apresentação de uma personagem negra basilar para a história como Mordo foi interessantíssima, e sua conversão final em vilão foi frustrante (a cota de heróis negros tá preenchida por Rhodes e T'Challa?), mesmo que alinhada com a trajetória original da personagem.
De todo modo, depois da frustração enorme que Guerra Civil me causou, Doutor Estranho trabalhou certo pra equilibrar a balança da Marvel em 2016. Que venha "Guardiões da Galáxia 2"!
[visto em 03/11/16]
As Invasões Bárbaras
4.0 203Depois de meses, resolvi assistir a continuação d"O Declínio do Império Americano". O negócio é que eu esperava uma continuação no sentido estético mais comum no cinema, um esticamento, uma continuidade. E "As Invasões Bárbaras" até continua, sim, a desenvolver a premissa de "crise de valores" da sociedade ocidental contemporânea, principalmente com a crítica à intelectualidade academicista ocidental, e traz de volta as personagens do primeiro longa, mas rompe com muita coisa: com a leveza, com a lascívia e até com o cinismo que marca aquela história. Aqui não há cinismo porque não tem como fingir distância. A morte bate na porta de todo mundo, e quando presta visita a um vizinho nosso é impossível passar indiferente.
A analogia com o Império Romano continua bem estruturada: s
e o Declínio do Império havia sido marcado pela decadência mortal dos "valores coletivos" em virtude de sentimentos e prazeres individuais, as Invasões Bárbaras significam a destruição das instituições da civilização em prol de outros significados pessoais e coletivos: se o Império organiza criando problemas, a corrupção resolve criando privilégios; a busca individualista ganha outros significados, já que para Gaelle amor não passa de uma palavra vazia e para Nathalie o entorpecer significa menos prazer do que alívio; e o sucesso de Sebastien não é um fim, nem um meio, parece mais uma máquina de movimento perpetuo ao infinito e além, sem sentido nenhum que não seja a conquista automática e plena.
Gostei mais desse do que do primeiro por rever as personagens, o que dá a suas histórias uma noção menos generalista e mais individualizada.
Pierre, que parecia se tratar de um caso insuperável de canastrão assumido, convertido em pai de uma família turbulenta; Louise, que antes se batia com os limites de sua forma de lidar com sexualidade, agora a ostenta orgulhosa (sua fala sobre ser inteligente e sensível o suficiente e precisar somente de um parceiro sexual é incrível. De primeira Rémy parece o mesmo, mas Nathalie lê perfeitamente o que está acontecendo: diante da morte, ele encarnara o passado - menos ególatra e megalomaníaco, é verdade, mas ainda assim o passado. Ver Louise expremida por toda aquela situação foi de cortar o coração, mas a dor da perda tem desses poderes, ainda mais a perda de alguém que foi um parceiro de uma vida, mesmo que à sua própria maneira.
De todos, Sebastien é a personificação da crise central que os dois filmes falam
: individualista mas não hedonista, trabalha muito mas não para produzir nada para o mundo, capaz mas somente do que quer/precisa alcançar. Ele, filho de Rémy, um "iletrado" que frustra o pai por não ler, bárbaro que vem do outro lado da Atlântico para passar por cima de tudo que está em sua frente e fazer o que precisa fazer: acompanhar os últimos momentos e enterrar o pai. O mais curioso é que mesmo ultrapassando tantas barreiras, ele nem parece estar se esforçando (tirando a cena em que teme o carro que passa a seu lado enquanto espera na porta do traficante, ele permanece incólume por todo o filme). O cara chega ao ponto de ir buscar drogas na delegacia (!!) dentro de uma sala de interrogatório (!!!) monitorada por câmeras (!!!!). E, no fim, a aprovação paterna veio, assim como a aprovação romana aos "bárbaros" também veio. Mas já era tarde e o Império já havia caído.
[visto em 02/11/16]
Eclipse Mortal
3.3 224 Assista AgoraEspaço, dilemas morais, policial e bandido, alienígenas devoradores de pessoas e escuro, muito escuro pra economizar nos efeitos especiais: um clássico instântaneo dos sci-fi de baixo orçamento. Usa bem os clichês para se firmar como obra de gênero, e se destaca ao meu ver nem tanto no enredo em si, mas nas personagens.
Porque todo mundo ali é ambíguo: da piloto-que-vira-capitã que quase matou todos os eus passageiros à menina que se veste de menino para garantir segurança e desenvolve uma idolatria pelo assassino condenado que faz parte do grupo. Engraçado que o único personagem que se mantém o mesmo ao longo de toda agonia vivida pelo grupo é Imam, o muçulmano que tem sua religiosidade aflorada (e que tem com Riddick uma discussão muito interessante sobre crença em Deus). E o final da capitã foi doloroso, apesar de bater certa na principal contradição dela, que de egoísta disposta a matar pessoas para viver se tornou uma líder altruísta que morreu tentando resgatar um membro de sua tripulação.
De todo modo, o filme me decepcionou nas sequências de ação, ainda mais tendo um nome forte como Vin Diesel. Além disso a falta de background me frustrou um pouco, por algum motivo eu esperava um sci-fi mais "de raíz", e "Eclipse Mortal" está mais para um survival horror espacial. Não é ruim, mas subaproveita possibilidades. Fiquei curioso para ver o desenrolar da história de Riddick, no entanto. Os filmes seguintes já estão na lista.
[visto em 31/10/16]
7 años
3.6 93 Assista AgoraFilmes com uma locação só geralmente são automaticamente rotulados como "parados", "monótonos", "sem ação". Se alguém falar isso de "7 años" vai estar contando uma mentira enorme. A revelação das verdades e a destruição das máscaras inicialmente usadas por cada um dos sócios geral sobressaltos por minuto, com histórias jogadas na cara, lealdades indo pelo cano, estereótipos se provando incapazes de representar completamente a realidade sobre as pessoas. Palmas para as interpretações, todas, já que elas são do jeito que o roteiro pede para criar a tensão durante os 80 minutos de dilemas éticos. Mesmo que não se trate do melhor filme a já abordar esse tipo de questão, entretém e coloca para pensar, testar seus próprios limites. Na dúvida, vale lembrar: nunca soneguem, crianças.
[visto em 30/10/16]
Quarteto Fantástico
2.2 1,7K Assista AgoraSe teve uma coisa que vale a pena se repetir sempre sobre a indústria de filmes de super-heróis é: não acredite no hype, principalmente quando ele é extremamente negativo. Agora em 2016 destruíram "Batman vs Superman" como se fosse o pior filme já produzido, sendo que é um filme bom - não "excelente", nem "maravilhoso", mas "bom". Ano passado o escolhido pra ir pra fogueira e virar combustível do fenômeno da Marvel Studios foi "Quarteto Fantástico", mas que por ser dirigido por um diretor menos cultuado e ter uma base de fãs menos incondicionais foi menos defendido. Daí demorei tanto pra assistir o filme, e ainda fui ver esperando uma bosta fedida. Que bom que me surpreendi.
Porque "Quarteto Fantástico" traz personagens verossímeis para uma situação bem pouco crível. Aborda a aquisição de poderes sob uma ótica meio assustadora, que casa muito bem com o momento de vida que as personagens enfrentam.
O que é a cena de Reed se arrastando pelo chão do laboratório, vendo Johnny carbonizado e ainda em chamas e Ben esmagado pelas pedras? E a reação dele, de sumir por um ano, se culpando? A mágoa de Ben por ter sido abandonado por Reed? O ódio de Victor, que já existia antes dele integrar o projeto e que cresceu no ano em que ficou abandonado no planeta alienígena? Aliás, o Dr. Destino aqui é ótimo: super-poderoso, aparentemente insuperável, um verdadeiro monstro.
O problema é... todo o resto, A interferência do estúdio nitidamente se deu atenuando o terror que o diretor havia imaginado para todo este arco.
Johnny, que representa uma voz dissonante do grupo, o único que parece satisfeito com seus poderes, é muito pouco trabalhado - o cara ficou catatônico no primeiro momento da mutação, de repente ele é só um soldado feliz por viver de adrenalina? E Sue, que foi arrastada praquela situação pra tentar salvar seus amigos, não tem nem um pingo de raiva, de ressentimento, na relação com o irmão?
Isso torna o filme menor do que poderia ser, sim. Mas... "pior" de todos? Menos, galera, menos. O filme é legal e diverte, e ainda deixa a vontade de ver a continuação da história sim. Pena que nunca virá.
[visto em 30/10/16]
Invocação do Mal 2
3.8 2,1K Assista Agora"Invocação do Mal 2" já começou rompendo um pouco os paradigmas atuais do cinema de terror por ser uma história concebida desde o começo como uma franquia: não é um caça-níqueis feito pra pongar no sucesso do filme original, é uma história mesmo contada em partes. Por isso também que considero até melhor do que o primeiro: estamos mais familiarizados com o casal Warren, já sabemos quem são e quais seus conflitos, e aqui vemos eles de fato
encarando um perigo contra suas próprias vidas
Vi uma galera criticando a paleta de cores do filme, sendo que isso foi o que mais me chamou atenção no filme. A história do primeiro se passa no começo dos anos 70 e o tom sóbrio e sombrio faz parte da construção estética e da contextualização da história, sim. Como esse se passa no final da mesma década, a mudança estética é compreensível. E tinha que rolar: os Warren sempre estiveram no olho do mainstream, divulgando os assuntos relacionados a paranormalidade, alimentando certa "febre" modista e isso acontecia porque eles mesmos respiravam o ar dos tempos que viviam. O figurino do filme é ótimo pra reforçar isso, e ainda traz consigo uma afirmação que gostei muito, sobre como essas histórias de terror não acontecem somente em casas isoladas em cidades do interior. Esse é o grande ponto dos Warren, não é mesmo? Sobre como essas forças paranormais existem e se manifestam o tempo todo, em todo lugar? Bem coerente afirmar isso esteticamente também
(e sem abrir mão das cenas sombrias e dos jumpscares tradicionais)
[visto em 16/10/16]
Salvando o Casamento
1.9 12Na busca por uma comédia romântica leve na Netflix, "My Man is a Loser" saltou às vistas e, opa, aquele ali é John Stamos? O que podia dar errado, não é mesmo?
Muita coisa. Não é o pior filme do gênero, é verdade. Mas me enganou, desgraçado. Tudo bem que essa sinopse já entregava quase tudo sobre esse perde e ganha entre solteirice e vida de casado
e como no final Mike e Clarissa iriam ficar juntos
O que achei bacana foi que ao menos o filme traz alguma diversidade dentro de seus estereótipos. Apesar de estarem em situações parecidas, Paul e Marty são caras completamente diferentes, e que enfrentam problemas distintos dentro de suas relações. Até o garanhão do Mike traz algumas novidades curiosas, principalmente sobre como ele aparenta DE FATO se interessar pelas personalidades e histórias das mulheres com quem sai (ainda que só por uma noite, é verdade). Isso é legal.
[visto em 17/10/16]
Resident Evil 3: A Extinção
3.1 780 Assista AgoraAté agora, esse foi o da franquia que mais me entreteve. O roteiro e as atuações são tão superiores assim aos dois primeiros, ou a direção é tão maravilhosa? Não. Mas é que a essa altura a mente da gente já desistiu de estabeler relação entre esses filmes e os jogos e aceita que tá de frente não pra uma história de survival horror, mas sim de ficção científica, ação e aventura. Isso diminui as possibilidades de frustração.
É divertido ver a extensão dos poderes de Alice
(a mulher queimou o chip do satélite!!!!)
(como assim LJ levou umas 12h entre ser mordido e virar zumbi???)
(PRA QUÊ Isaacs sacrifica dois de seus assistentes dando de comida pro zumbi? tá fácil assim encontrar cientista num mundo devastado pelo T-Virus pra ele se dar ao luxo de abrir mão de gente?).
: a chegada de de Alice ao comboio de Claire e a luta dela com Tyrant é ótima
Resident Evil 2: Apocalipse
3.3 823 Assista AgoraLembrava de ter visto esse filme e achado bem ruim. E... é, ele é bem ruim mesmo. Mas me tirou umas risadas, o que mostra que nem tudo está perdido.
Resident Evil: O Hóspede Maldito
3.4 1,1K Assista AgoraPra vocÊs verem o que é a memória: eu lembrava desse filme como sendo mó denso, bem amarrado, assustador... daí reassisti outro dia e percebi que a motivação de Spence em liberar o T-Virus é ridícula, o modus operandi dele é bizarro, a amnésia dele não faz sentido (a de Alice até faz) e a quantidade de insanidades nas cenas de ação é ridiculamente engraçada. O filme me divertiu mas... né? Não dá pra confiar na memória.
À Procura
2.8 279 Assista AgoraÀs vezes a gente esquece que o foco principal de todo filme é, ou deveria ser, contar uma história. E quanto a isso, ninguém pode reclamar de "The Captive": o filme conta a história do sequestro de Cass, o impacto em seus pais, a investigação da polícia e das pessoas envolvidas nessa busca.
O ritmo, indo e voltando na linha do tempo, foi um acerto: uma vez que a gente começa o filme já sabendo que Cass está viva e quem é seu sequestrador, o quebra-cabeças que temos que montar é do que está acontecendo, na verdade. Nesse sentido, o filme ainda "pega leve" com alguns didatismos
, como ao repetir o áudio do diálogo entre Cass e seu pai no carro no momento em que ele entende a dica dada por ela
- afinal, estamos falando de um thriller que traz um final feliz, a solução de um caso no final, se fosse linear demais a tensão podia se dissipar
Gostei de como as cenas curtas e com pouco movimento foram o trabalhadas do jeito certinho pra entregar o que a gente precisa saber das personagens ao mesmo tempo que a história é contada. E as atuações são boas o suficiente pra plantar uma dúvida a
té a respeito do envolvimento de Matt e Jeff com a rede de pedofilia
Até o que não costumo gostar em filmes, como o uso da trilha sonorara pra inflar uma cena com emoção, aqui me pareceu cair bem. A falta que senti aqui foi de um trama maior do que a história contada. Digo, gostei de como "The Captive" não fala apenas de como Cassandra é cativa de uma sequestrador, mas de como todos envolvidos no seu caso se tornam cativos de algo também, claro -
Matt da culpa, Tina da dor, Nicole de sua importência diante das crianças que passam pelo que ela sofreu, Jeff da raiva pelos casos que não solucionou... até Mika também, se mostra cativo de seu vazio e de sua solidão (é patética a cena dele buscando um amigo no chefe e parceiro criminoso, Vince)
[visto em 25/09/16]
(Des)Encontro Perfeito
3.5 173 Assista AgoraMEUDEUS DO CÉU QUE COMÉDIA ROMÂNTICA MARAVILHOSA! Constrangimento, impulso, vacilo, coincidências, química, boa vontade, risadas e amor. É meio que tudo que a gente espera de um filme do gênero e "Man Up" entrega com perfeição. E com uma mensagem necessária, essa coisa de olhar para o futuro sempre com esperança, né? Simon Pegg ótimo como sempre, e nem tenho o que falar de Lake Bell que mal conheci e já considero pacas. Em uma época em que praticamente toda comédia romântica tem uma base dramática pesada, esse filme trata de seu peso emocional com muito humor autodepreciativo - o que é ótimo, porque se chorar expurga os males, a risada ajuda a afastá-los também, hahaha. Só não dou cinco estrelas porque
a postura de Sean com Nancy incomoda demais, o tempo todo, e PORRA, só tem gente branca n Inglaterra, é???
[visto em 24/09/16]