"Cara Gente Branca | Crítica (ou não) Oi, meu nome não é Hannah. Isso não está nas minhas fitas, nem no meu feed aparentemente.
Criada por Justin Simien. Dirigida por Justin Simien, Tina Mabry, Barry Jenkins, Charlie McDowell e Steven K. Tsuchida. Roteiro por Justin Simien, Leann Bowen, Chuck Hayward, Njeri Brown, Jack Moore e Nastaran Dibai. Com Logan Browning, Brandon P. Bell, John Patrick Amedori, Antoinette Robertson, DeRon Horton, Marque Richardson, Giancarlo Esposito.
Diferente das demais críticas que escrevo, aqui vou procurar abordar o tom íntimo. Assim, não esperem a mesma impessoalidade em um texto dissertativo como nas demais críticas. Isso me leva a pensar se isso é uma resenha ou não. Não sei como vai terminar. Veremos.
Ambientado dentro da Universidade de Winchester, o enredo acompanha quatro estudantes negros que vivem em uma universidade elitista e caucasiana. Após uma festa blackface de Halloween promovida pelos editores (brancos, óbvio) de uma revista interna e outros eventos que acontecem no decorrer da série, uma discussão quanto ao racismo institucionalizado se instaura nos corredores da universidade.
Os episódios fogem do padrão no momento em que cada um foca em um personagem. A narrativa, embora linear, foca em um personagem diferente por episódio. Isso gera um efeito fantástico já que, embora o preconceito seja objetivo — não existem justificativas para abominar uma etnia por ser o que é –, a forma como ele é encarado é absolutamente subjetiva. A consequência é que texto foge ao máximo de generalizações. Sam (Browning) é extremamente combativa e contestadora, enquanto Colandrea (Robertson) é ciente dos percalços vividos, mas mesmo assim tenta se encaixar no jeito branco de ser. Lionel (Williams) e Troy (Bell), por terem histórias distintas, enxergam o racismo também de formas diferentes.
A fuga do genérico, por exemplo, permite uma total aversão ao maniqueísmo. Não há, de fato, uma divisão simplista de branco, ruim, e negro, bom; na verdade, um dos protagonista, Gabe (Amedori), é branco e se solidariza com esses problemas sociais, isto é, sabe de sua condição privilegiada (caucasiana), mas não tenta justificar o racismo vivido com a batida frase: nem todos os brancos são assim. Há, também, a forma com que Sam reage ao ambiente ao redor; tão acostumada a duvidar e hostilizar ações contra suas origens, ela acaba vendo ofensas em quem é amigo e gostaria de ajudar.
A obra aborda o preconceito racial de uma forma diferente do que vimos até então. Começando pela própria narrativa (na voz pomposa de Esposito), a série duvida de sua própria seriedade, já que o narrador é equidistante dos negros e dos seus problemas vividos. Enquanto os demais trabalhos tentam construir uma crítica de forma didática, aqui vemos tudo com escárnio extremado. Claro, somos convidados a ver o lado de quem sofre com isso rotineiramente. O único efeito que isso pode causar é a exaustão. Cansados, quem sofre com racismo acaba encarando essas situações com raiva, deboche e hostilizando tudo o que vê.
A fotografia é excelente. Abusando de um primeiríssimo plano frontal, constantemente somos encarados pelos personagens, como se eles nos julgassem, assim como eles se sentem julgados dia após dia.
Críticas à parte, o maior espanto que isso causa é como uma série tão bem feita repercutiu tão pouco no meu feed de redes sociais. Enquanto 13 Reasons Why, com todos seus problemas de roteiro, faz até hoje aparecer postagens no meu Facebook, eu conto nos dedos quantas pessoas comentaram Cara Gente Branca.
Claro, cresci em uma família de classe média e estudei em colégios tradicionais onde negros eram minorias. Obviamente isso reflete em um contato menor com pessoas de outras etnias, não só de pele negra. Isso me leva a pensar o seguinte: em 13 Reasons Why, todo o alvoroço se deu porque todos viveram alguma experiência de bullying (ou pelo menos inventaram uma para se encaixar no assunto do momento); aqui, mais da metade dos meus contatos não sofreu com racismo, logo, se sentem confortáveis o suficiente para não repercutir a série.
Aliás, espero que não se sintam confortáveis para isso, por que a outra alternativa seria que eles são indiferentes. E isso seria realmente cruel. É muito fácil abrir a home de seu Facebook e escrever três linhas falando algo que nunca existiu ou descrever algo que nunca sentiu, só para tentar ilustrar que sabe as tragédias que Hannah passou. Agora, não existe como inventar que sofreu por ser negro quando você não é. Apenas quem sofre racismo sabe explicar o que é.
Eu não sei. Sinceramente, tento saber. Queria poder compadecer da dor alheia, ajudar a suportar o fardo e combater o máximo o que eu posso. Isso é ter empatia.
"Corra! | Crítica Novo suspense sobre racismo velado provoca o espectador através do estranhamento e quebra de clichês
Dirigido por Jordan Peele. Roteiro por Jordan Peele. Com: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones, Marcus Henderson, Betty Gabriel, LilRel Howery
A relação de uma família com cônjuges de etnias diversas é um tema recorrente no cinema. Se não me falha a memória, o primeiro a introduzir o tema foi o excelente drama Adivinhe Quem Vem Para Jantar?, com Sidney Poitier, ganhador de dois Oscars, em 1968; mais recentemente, em 2005, A Família da Noiva, com Ashton Kutcher e o falecido Bernie Mac, tentou reintroduzir o tema com leveza e sem a seriedade devida relativa ao impacto social do assunto. Em 2017 Corra! estreou sem compromisso algum, mas reavivou de forma excelente o debate.
Estreando na cadeira de direção, Peele conta a história de Chris (Kaluuya) e Rose (Williams), um jovem casal inter-racial que vai passar um final de semana no interior para conhecer a família dela. Ao chegar lá, Chris observa diversas atitudes suspeitas em uma família que se diz liberal e despida de preconceitos.
Muito competente em retratar as tensões vividas por Chris (tanto antes como durante o encontro), a obra mantém no espectador uma preocupação vibrante. Logo no início, ao fazer a pergunta eles sabem que sou negro?, podemos perceber a preocupação inerente do protagonista ao se sentir um alienígena num ambiente predominantemente branco. Claro, o preconceito velado aqui é tratado como uma metáfora, já que os segredos da família Armitage não são recorrentes às demais famílias. Aliás, o filme é muito feliz em trazer aquelas frases batidas das pessoas que não se dizem racistas, sempre pra fazer uma concessão no fim — hey, nós não somos racistas! Apenas tratamos de forma impessoal nossos empregados negros, mas votaríamos no Obama de novo se pudéssemos.
Como já falado, o estranhamento é figura constante no filme. A competência em trabalhar as sessões de hipnose, os saltos entre comicidade e suspense, bem como o corte abrupto entre os planos detalhe e os planos abertos (das mãos inquietas arranhando o braço da poltrona para Chris boiando no universo submerso), nos deixa incomodados tendo em vista a imprevisibilidade do que vem a seguir. Ora, o imprevisível é uma das premissas do filme, a partir do momento que ele nasce da quebra do clichê: em filmes de terror teen os negros são sempre os mais engraçados e os primeiros a morrerem; aqui, considerando o protagonismo de Chris, o espectador se vê diretamente combatendo o hábito construído nos cinemas.
Ademais, enquanto visita, vivenciamos o isolamento de Chris ao interagir com um grupo caucasiano elitista. As perguntas desconfortáveis, olhares enviesados e a curiosidade inconveniente são algumas das experiências que somos expostos em apenas um jantar.
Corroborando com a direção impecável, o filme ainda tem como destaque as atuações de Kaluuya e Howery (Rod Williams), que são as âncoras para que os demais atores trabalhem de forma convincente. Cada um é responsável por um tom do filme, enquanto Kaluuya vive na carne a tensão da obra, Howery é responsável pela comédia preocupada, uma verdadeira encenação do rir de nervoso e de uma constante preocupação com o desfecho.
Feito com orçamento de filme indie, Corra! tem sua recepção doméstica extremamente positiva. Sua forma lúdica e metafórica de evidenciar a crítica social consegue facilitar a transmissão da mensagem final.
Para quem não entender a moral, a única solução é hipnose.
"Arrow — 5ª Temporada | Crítica Série retoma o bom desenvolvimento das primeiras duas temporadas, vislumbrando anos melhores
Criada por Greg Berlanti, Marc Guggenheim e Andrew Kreisberg. Com Stephen Amell, David Ramsey, Willa Holland, Paul Blackthorne, Emily Bett Rickards, Katie Cassidy, Manu Bennett, Echo Kellum, Josh Segarra, Rick Gonzalez, Katrina Law, Juliana Harkavy, John Barrowman.
Durante as duas primeiras temporadas, Arrow demonstrou um nível que até então nunca tinha se imaginado em séries de televisão baseadas em super-heróis. Entretanto, desde que The Flash estreou, a série do arqueiro caiu num marasmo, de sorte que foi difícil de acompanhar a terceira e a quarta temporada.
Dessa vez, a temporada teve basicamente um grande vilão, de forma que fica difícil dividir em arcos, isto é, Prometheus, desde o início, foi muito presente como o arqui-inimigo. Assim, durante grande parte desse ano, a série foi envolvida no mistério por trás da identidade do vilão e guardou algumas boas reviravoltas para aqueles que pensavam que a série seguiria as HQs. Claro, sempre dividindo tempo de tela com os odiosos flashbacks, Arrow, em princípio, finaliza-os no exato ponto em que a série teve seu início. Em diversas entrevistas os produtores da série afirmaram que os flashbacks ficarão no passado (com o perdão do trocadilho).
Com um gancho infinitamente melhor que o de The Flash, a sexta temporada não garante retornos, já que a última cena desse ano surpreende, podendo ser considerada uma das melhores até então. Aliás, para alimentar ainda mais o esperado clímax, alguns personagens de temporadas anteriores retornam em grande estilo para algumas lutas que eram esperadas por todos (Canário contra Canário, e o duelo entre as herdeiras de Ra’s Al Ghul, especialmente).
Sem nenhum destaque especial nas atuações, quem aparentemente consegue surpreender é Blackthorne, que vive Quentin Lance. Todo seu arco do alcoolismo, aliada à montanha-russa emocional a quem ele é submetido em todas as temporadas (perde filha, volta filha, morre filha, ganha filha) faz com que o ex-detetive se saliente em relação aos demais. Curtis (Kellum) continua sendo o alívio cômico barato e imediato necessário para alienar a obra de sua própria sombriedade e seriedade.
Considerando que Malcolm Merlyn não retornará tão cedo nas temporadas vindouras de séries da DC, seu personagem finalizou sua participação de forma óbvia e satisfatória. Desde o início, ele demonstrou ser muito apegado a Thea e a amava com seu jeito distorcido e doentio.
Não é à toa que o último episódio se chama Lian Yu, os produtores sabem que a série retomou o passo que estava sendo dado nos dois primeiros anos e, para isso, foi preciso revisitar as origens e as motivações do arqueiro.
No verdadeiro clima de destruir para reconstruir do zero, Arrow inicia uma nova jornada. Tomara que ela seja tão boa quanto as primeiras.
"The Flash — 4ª Temporada | Crítica Quase mesmo vilão; quase mesmo drama; quase mesmo enredo; quase mesmo tudo
Criada por Greg Berlanti, Geoff Johns e Andrew Kreisberg. Com Grant Gustin, Candice Patton, Danielle Panabaker, Carlos Valdes, Tom Cavanagh, Jesse L. Martin, Keiynan Lonsdale, Violett Beane, John Wesley Shipp, Tom Felton, Jessica Camacho, Matt Letscher, Anne Dudek.
Pode ser uma incrível coincidência do destino, mas a série The Flash surgiu no exato momento em que Arrow começou a decair de qualidade. Os mais céticos dizem que isso é um mero infortúnio, os crentes dizem que é uma gangorra necessária. Por incrível que pareça, nessa temporada, quando Arrow tenta se reerguer, The Flash despenca na mesmice em uma temporada mediana.
Claro, há altos e baixos. Nem tudo é de se jogar fora, mas não vamos nos esquecer que as apostas eram altíssimas, afinal a temporada passada finalizou com o início do Ponto de Ignição! Nesse ano, devido a uma escolha de Barry, tudo poderia mudar, e era ainda mais inédito pelo fato de que poderia mudar em outras séries também! Mudou? Quase nada.
Quando a série estreou, todos os elogios foram voltados a sua coragem. Afinal, estava absolutamente engessada na mídia um universo DC realista graças aos sucessos de Arrow e a trilogia The Dark Knight, do Nolan. Flash, no entanto, foi além: com uma coragem ímpar, introduziu linha temporais diferentes, multiversos, meta-humanos, mas quando lhe foi exigido, novamente, capitanear as mudanças, falhou rude.
O enredo começo no universo criado depois que Barry salva sua mãe. Ao se dar conta que não tem como conviver nesse espaço, o herói tenta retornar a sua linha universal originária. Entretanto, apenas descobre que criou um terceiro mundo (com pequenas diferenças em relação ao primeiro). Assim, com essa explicação se desenvolvendo ao longo dos episódios — e de forma bem clara; méritos da série — a temporada se dividiu em dois arcos que foram consequências diretas dos atos do velocista: o Alquimia e Savitar.
Com um total de vinte e três episódios, o terceiro ano não escapou de fillers completamente sem sentido, que foram feitos apenas para preencher lacunas das emissoras (como o musical com a Supergirl, piores quarenta minutos da vida). Aliás, na tentativa de criar uma urgência no espectador, a série se torna frustrante já que todos sabemos que Iris West não vai morrer, isto é, não tem urgência alguma no clímax; e se ela morrer, alguém vai trazer uma Iris do passado, da Terra 2, de Marte 1000, do raio que a parta, pra vestir os calçados da falecida. Claro, esse é o ônus e o bônus da própria estrutura diegética estabelecida na série.
O episódio final tenta aglutinar tudo que foi trazido pela temporada, bem como preparar o terreno para o vindouro quarto ano. Novamente, ao invés de criar algo que realmente gerasse expectativa, os produtores desenvolvem uma situação que sabemos que será resolvida, certamente, nos primeiros episódios que virão.
A atriz que mais cresceu sem dúvidas, foi Panabaker, como Caitlin Snow. Toda sua provação (com o fato de enfrentar e evitar um futuro inevitável, bem como começar uma nova jornada como uma Nevasca anti-heroína em vez de vilã) mostra que a personagem pode ser ainda mais complexa e aprofundada na temporada que está por vir. Com certeza, sua história é a mais esperada, justamente por ser a personagem menos maniqueísta.
Absolutamente mediana, a terceira temporada de The Flash só não é ruim porque ainda se vê certa dedicação de todos envolvidos com ela, seja no CGI — cujo investimento é infinitamente mais baixo que no cinema –, seja nas atuações. Rumores indicam que o big bad do ano que vem não será mais um velocista (graças a Deus), o que pode indicar a mudança necessária que a série precisa.
Flash pode ser o homem mais rápido do mundo, mas não vai chegar em nenhum lugar se não for na direção certa.
"Star Trek: Sem Fronteiras | Crítica Franquia reinventada nos cinemas continua fazendo sucesso relembrando as aventuras episódicas dos seriados
Dirigido por Justin Lin. Roteiro por Simon Pegg e Doug Jung. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella.
Há sete anos, J. J. Abrams tomou para si o risco de revigorar uma das maiores franquias existentes no mundo. O medo era evidente; como juntar um elenco que pudesse honrar os papéis que antes foram de Leonard Nimoy e William Shatner? Com uma rara genialidade, o diretor encontrou um argumento inovador, capaz de dá-lo liberdade criativa e honrar tudo que foi escrito no passado. Linhas temporais alternativas.
Com esse argumento, deu-se cheque branco de escrever as histórias como bem quisesse. E assim foi nos dois filmes anteriores. Agora, o diretor não estaria mais comandando a terceira produção, mas Justin Lee (responsável por quatro dos Velozes & Furiosos) honrou tudo que foi feito até o momento.
O enredo é menos catastrófico que Além da Escuridão. Após receber um chamado de socorro dentro de uma nebulosa, a U.S.S. Enterprise é emboscada por naves terroristas e acaba caindo em um planeta desabitado, separando a tripulação em grupos. Assim, cabe a eles se reunirem para destruir o novo inimigo que surgiu.
O filme tem um enredo simples e opta por um início muito direto; através de um monólogo de James T. Kirk (Pine, criando, enfim, sua imagem de Capitão Kirk), as cartas e os dramas são postos à mesa. Em dez minutos sabemos em que fase de pensamento todos os personagens estão. Com isso resolvido, pode-se abusar das cenas de ação; junto da resolução do conflito principal, as tramas secundárias se resolveriam por si só.
O elenco evidencia toda a química construída através dos anos. Pine define, enfim, sua interpretação para se James T. Kirk, esquecendo um pouco o lado caricato da canastrice; Quinto reitera seu talento para ser o novo Spock; Saldaña, muito competente sempre, é oficialmente a nova mulher espacial: de Avatar para Star Trek e para Guardiões da Galáxia e inverte, há tempos a atriz não pisa na Terra. Pegg, além de Montgomery Scott, agora, também, roteirista, fica muito confortável com seu papel de alívio cômico e construiu uma química boa com Sofia Boutella (que interpreta a alienígena Jaylah), um grande acréscimo ao elenco.
O grande destaque, entretanto, é de Karl Urban como Leonard “Magro” McCoy. Sempre com suas piadas irônicas e seu humor azedo, o ator interpreta, ao lado de Quinto, as melhores e mais divertidas cenas da nova trilogia.
A direção de Justin Lee é excelente nas tomadas de ação (cenas de luta, batalhas espaciais e até mesmo perseguições de motocicleta), mas fraca no que toca às tramas secundárias. Como já exposto, elas são tão supérfluas que se resolvem naturalmente junto do enredo, de forma que nem desperta a preocupação do espectador.
A trilha sonora do filme é um espetáculo à parte. De fato, é uma grata surpresa ouvir Beastie Boys e Public Enemy em um filme que se passa mais de duzentos anos no futuro.
O vilão, embora interpretado por Elba, é bom, mas não atinge o patamar de Benedict Cumberbatch. Na verdade não foi nem culpa do ator em si, mas o roteiro não fez jus ao seu talento. A pobreza argumentativa foi tanta que suas justificativas são aquém do romulano Nero, vilão interpretado por Eric Bana no primeiro filme. Quando pôde, o ator fez um bom trabalho, mas é impossível ir além do papel que lhe foi escrito.
Se por um lado o roteiro, escrito por Simon Pegg e Doug Jung, erra ao estabelecer parâmetros no vilão, por outro acerta em manter a linearidade dos personagens, sem mudar suas psiquês ou seus papéis drasticamente. Aliás, os antagonistas mesmo, embora diferentes personagens, são lineares em seu tom dramático típico da franquia.
Audaciosamente, indo até onde já esteve, Star Trek: Sem Fronteiras conquista o público e reforça sua posição de destaque como uma das franquias mais bem-sucedidas da cultura pop, encantando o mundo há cinquenta anos.
"Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D. — 4ª Temporada | Crítica AoS mantém a qualidade, sedimentando sua própria mitologia dentro do MCU
Criada por Joss Whedon, Jed Whedon e Maurissa Tancharoen. Com Clark Gregg, Ming-Na Wen, Chloe Bennet, Iain de Caestecker, Elizabeth Henstridge, Henry Simmons, Brett Dalton, John Hannah, Mallory Jensen, Adrian Pasdar, Natalia Cordova-Buckley, Jason O’Mara, Gabriel Luna.
Quando Joss Whedon anunciou que se afastaria da produção de Agents of S.H.I.E.L.D. (AoS), os fãs — já rançosos com o fraco desempenho da obra — praticamente desistiram de apostar na primeira série da Marvel que se passava dentro do MCU. Assim, aproveitando o lançamento de Capitão América: O Soldado Invernal, a primeira temporada passou por uma reestruturação necessária imposta pelas consequências do filme. Tudo mudou.
A série, que até então patinava e perdia audiência, conseguiu se consolidar no novo status quo do universo cinematográfico. A queda da S.H.I.E.L.D. fora um trunfo para alguns plot twists essenciais na sobrevida do trabalho. Com uma boa atuação e bons argumentos nas temporadas seguintes, a série alcançou relativo sucesso a ponto de tomar coragem para ela mesma lançar novos heróis. Na quarta temporada iríamos presenciar o Motorista Fantasma!
Se tem algo que o showrunner Jed Whedon aprendeu com seu irmão (Joss Whedon, diretor de Os Vingadores e criador de Buffy: A Caça-Vampiros) foi como trabalhar um grande equipe. Sabendo dosar as participações do elenco, bem como equilibrar os diversos focos através da temporada, Whedon sabe explorar a história dos protagonistas, dando-os uma verticalidade admirável, além de sedimentar os personagens eventuais e secundários.
Em seu quarto ano a série deixa um pouco de lado Daisy (Bennet), cuja história foi explorada à exaustão nos anos passados, deixando-a somente como suporte para introduzir devidamente o Motorista Fantasma (Luna). Portanto, personagens como Mack (Simmons), Fitz (Caestecker) e Radcliffe (Hannah) acabam tomando os holofotes muitas vezes, cientes de que era o momento explorar seus personagens.
Caestecker, novamente, confirma seu trabalho brilhante como Leopold Fitz. Cada ano que passa, o talentoso ator se supera na reflexão dos traumas e consequências de seus atos. Henstridge, que interpreta Jemma Simmons, acompanha-o com uma dramaturgia excelente. Sem dúvidas o casal engloba os atores mais talentosos, deixando Gregg, Wen e Bennet para trás no que toca à capacidade técnica.
Nessa temporada que terminou, AoS adotou uma postura interessante quanto à sua narrativa. Enquanto no passado as séries com mais de vinte episódios por ano tinha apenas um ou no máximo dois plots (o que as enchiam de episódios insossos, conhecidos como fillers), o seriado da Marvel se construiu em três enredos bem distintos: a introdução do Motorista Fantasma, MVAs (Modelos de Vida Artificiais) e o Framework (uma forma de Matrix do MCU), sempre com pontes muito orgânicas e verossímeis nos episódios de transição.
Claro, existem arcos mais interessantes que outros, sendo o do Motorista Fantasma com certeza o melhor. Luna e Jansen (AIDA) ganharam muito destaque como as novidades do quarto ano, enquanto essa foi uma antagonista convincente, aquele foi o antiherói digno de merecer sua própria série, tal qual o Justiceiro na Netflix.
Terminando com o pior — mas não ruim — entre os três arcos (Framework), um clímax meio decepcionante, e as clássicas pontes para a temporada vindoura, nada pode ser descartado. Caso o Motorista não tenha sua série própria, nada impede que possa atuar como personagem recorrente em AoS, considerando seu sucesso esse ano.
Aliás, os últimos segundos nos induzem a crer que, por mais que seja negado pela ABC, a série da família real dos inumanos vai ter relação com AoS. Os motivos que induzem a esse pensamento são que o cliffhanger praticamente induz a isso e, na primavera, AoS será transmitido no mesmo horário que Inumanos, após seu término, então uma poderá trabalhar com consequências diretas da outra.
Seja por streaming ou por broadcasting a Marvel continua se superando ao expandir o MCU além das telonas. Que venha a quinta temporada! Quanto mais episódios eu vejo, mais eu quero que esses personagens interajam nos cinemas. Será que Kevin Feige atenderá a esse pedido?
"Sniper Americano | Crítica O velho cowboy não se cansa do herói norte-americano
Dirigido por Clint Eastwood. Roteiro por Jason Hall. Com: Bradley Cooper, Siena Miller, Kyle Gallner, Cole Konis, Ben Reed, Elise Robertson, Luke Sunshine, Keir O’Donnell, Marnette Patterson.
Clint Eastwood tem um rol muito extenso de grandes trabalhos; à exceção do clichê Curvas da Vida (o qual não dirigiu), todos seus trabalhos são muito premiados e homenageados, dos faroestes a Gran Torino.
Em relação ao filme Sniper Americano, no entanto, o coração se divide em várias partes. Por um lado, entende-se o pensamento americano. Pessoas educadas desde a pequenez a acreditar que seu país é o salvador do mundo e o redentor de todos os pecados da humanidade. O público estado-unidense gosta de ver isso nas telas. Eles amam isso nas telas.
No início do longa, tenta-se disfarçar o pensamento pré-histórico de Chris Kyle (Cooper) com um discurso barato sobre lobos, ovelhas e cães de guarda. Mostra-se que esse pensamento guiou nosso herói durante toda a sua vida até o ponto que ele, fantasticamente, acha que é seu dever salvar o mundo dos maus.
Não se pode contaminar a atuação de Cooper com os ideais superficiais do filme. Ele fez tudo que que o trabalho exige: engordou, ganhou músculos e estudou os trejeitos do verdadeiro Chris Kyle, isto é, deformou e formou corpo e mente pela arte. Em suma, foi um grande ator.
Impossível, não ressaltar, também, a atuação de Sienna Miller como Taya Kyle. Através de seus olhos, acompanhamos o processo de desumanização do idolatrado soldado americano. No pós-guerra, nada é como era. A sensação de abandono que ela tem é repassada ao espectador com maestria.
Entretanto, o diretor (Clint) escancara o seu pensamento em relação à Guerra do Iraque. Ao fazer uma ligação pífia dos atentados de onze de setembro com a invasão no Oriente Médio, ele mostra que, na verdade, os Estados Unidos da América apenas queriam pacificar o mundo. Mandou seus nobres soldados com o objetivo de deixar o mundo mais seguro.
Aliás, o maniqueísmo exacerbado e irritante do roteiro faz, inclusive, nosso querido sniper encontrar seu algoz: um sírio, campeão de tiro nas olimpíadas e caçador de recompensas. Em certo ponto, parece que tudo se resume a uma rixa entre os dois. Como já ressaltado, não nos é dada a chance de criar qualquer empatia pelos muçulmanos. Eles não falam. Como entender os mudos fanáticos? Ou melhor, utilizando uma expressão do próprio filme, como entender os selvagens?
O filme é muito bem produzido (à exceção da famigerada cena do bebê de brinquedo), mesmo com a limitação do orçamento. Os erros de produção percebidos são gafes até toleráveis. Não se pode deixá-las levar ao empobrecimento do filme.
O problema está nos ideais passados. Meio infeliz e batido o uso do jovem branco, patriota, que ama seu país mais que sua vida, e se transforma em herói nacional. O mundo não é tão romântico como Clint pensa. Snipers Americanos e Resgate dos Soldados Ryans servem apenas para alimentar um ego extremamente fermentado na infância norte-americana.
Como falado, o maior problema do filme é com a demonização do oposto. A visão partidária e tendenciosa levou o filme a tentar criar de um super-homem real.
O porquê do nome do filme ser Sniper Americano é desconhecido. Ao longo dos 132 minutos de filme, apenas sete mortes aconteceram por rifle. No meio do filme, simplesmente, esqueçamos os tiros de longa distância, peguemos uma metralhadora e vamos à luta; afinal, salvar os soldados americanos é o que importa. O sistema militar, na verdade, não é nem um pouco hierárquico; todos podemos desobedecer ordens expressas de superiores e largar nossos postos. Isso no futuro vai render um grande filme.
"Crítica | 13 Reasons Why Nova série da Netflix é repleta de boas intenções, mas falha em pontos cruciais na construção da trama
Dirigido por Kyle Patrick Alvarez, Gregg Araki, Carl Franklin, Tom McCarthy e Jessica Yu. Roteiro de Brian Yorkey, Elizabeth Benjamin, Diana Son, Thomas Higgins, Nathan Jackson, Nathan Louis Jackson, Nic Sheff, Hayley Tyler. Com: Dylan Minnette, Katherine Langford, Christian Navarro, Justin Prentice, Steven Silver, Miles Heizer, Ajiona Alexus, Michele Selene Ang, Alisha Boe, Ross Butler, Brandon Flynn, Amy Hargreaves, Derek Luke, Brian d’Arcy James, Kate Walsh.
Esse review pode conter spoilers da série.
A adolescência é uma fase conturbada. Independentemente do tamanho dos problemas, o jovem enfrenta-o como se fosse uma situação de vida ou morte. Infelizmente, em alguns casos, é exatamente isso.
A série adapta o romance homônimo do escritor Jay Asher, o qual narra a história de Hannah (Langford), uma jovem que, após de sofrer uma série de traumas, suicidou-se, deixando fitas endereçadas a treze pessoas que ela culpa por isso. Assim, acompanhamos Clay (Minnette) enquanto as ouve e que não entende por que motivo é um dos treze.
Recebida entre críticas e aplausos, é indiscutível que a produção está repleta de boas intenções. Temas como o bullying, abuso sexual, solidão e exposição, são tratados com muita seriedade. A obra é necessária pois traz de forma clara os prejuízos que esse tipo de humilhação e experiência cria na vida de quem a sofre. Entretanto, ao mesmo tempo em que nobre por vir de peito aberto, a série peca em falhas técnicas que quase chegam ao grotesco. Construída em uma estrutura maniqueísta e, muitas vezes, ilógica, a construção da obra sempre tem o intuito de prevalecer a dramatização ao debate. Entretanto, tal opção acaba abafando (e, portanto, diminuindo) o argumento que deveria ser o cerne do trabalho.
O roteiro é sofrível. Nitidamente voltado ao público adolescente, há uma quantidade absurda de sequências nonsense ridículas e uma criação de um suspense patético e inexistente. Afinal, o que Clay fez de tão horrível para estar nas fitas? As inúmeras vezes em que ele foi censurado pelos outros doze indicavam que ele teria sido o pior de todos, o que, ao cabo, não se comprova. Toda a primeira temporada se constrói em um mistério inexistente. Por que todos o questionam se ouviu sua fita — sendo que até mesmo o acusam de ter causado diretamente a morte de Hannah — se na verdade ele foi o único que não merecia estar ali?
As falhas não terminam aí. Por que Tony (Navarro) era o guardião das fitas? O que ele fez? São questionamentos básicos como esse que deixam o roteiro da série risível. As desnecessárias cenas da escalada, ou de ouvir a fita à beira de um penhasco são de uma extravagância absurda que não condizem com absolutamente mais nada na obra. Aliás, em certo momento somos induzidos a questionar a veracidade dos relatos de Hannah; tal abordagem some misteriosamente e, novamente, somos conduzidos à realidade absoluta em que ela fala apenas a verdade — de repente porque questioná-la seria dar complexidade em demasia ao pobre texto. Claro, a única coisa que prospera (e isso, sim, é um acerto) é o que é verdade para Hannah. A subjetividade é elementar para quem tira sua própria vida. Problemas que para uns são mínimos, para quem se matou poderiam ser insuportáveis.
Aliás, Clay, outra vítima do roteiro fajuto, vira um berdamerda diante do excesso de autoflagelação ao ouvir as fitas. Por mais que Dylan Minette seja um ator talentoso, a empatia que criamos por seu personagem dá lugar a uma crescente irritação oriunda de seu comportamento ilógico e alucinações, que apenas servem para gerar uma tensão esdrúxula (garantia de muitas risadas quando ele, literalmente, grita para a voz de Hannah sair de sua cabeça, em meio aos alunos no corredor do colégio).
Isso para não passar páginas discorrendo nos erros crassos. Não falamos aqui na falta de perícia do corpo de Jeff para averiguar se ele estava realmente embriagado; os pais estúpidos que ignoram toda e qualquer reação explosiva ou melancólica dos filhos; e (a cereja do bolo) um vilão que conta todo seu plano maligno para ser pego em um gravador invisível.
O elenco, repleto de estreantes, tem muitos talentos. Minette é um bom ator, que se esforça muito para cativar como Clay; Alisha Boe, como Jessica, é a maior revelação da série, tanto pelas experiências vivenciadas, como a forma que ela as refletiu na obra. Kate Walsh e Brian d’Arcy James, como os pais de Hannah, Olivia e Andy Baker, são o maior destaque de todo o trabalho; incrível a forma que retrataram a perda de um filho, especialmente no momento em que a encontram na banheira.
Uma das maiores preocupações com o lançamento da obra é um fenômeno conhecido como efeito Werther, onde um suicídio que tenha ganhado evidência acaba inspirando outras pessoas a cometerem tal atrocidade nos mesmos moldes. De fato, a exposição visual nas cenas da morte são um verdadeiro bê-a-bá para que outras pessoas possam fazer isso também. O excelente trabalho dos atores envolvidos, bem como a clareza com que tudo foi mostrado, mesmo que com o intuito de chocar o espectador, é uma irresponsabilidade tremenda, que pode resultar em situações irreversíveis.
A bem da verdade, 13 Reasons Why nasce de uma necessidade: debater misoginia, abuso sexual e exclusão de forma clara e séria. O amadorismo de quem a escreveu oblitera todo e qualquer esforço dos atores.
Infelizmente, por certa incompetência de roteiro, o debate que tinha tudo para ser muito proveitoso, virou mais uma temporada de Malhação.
"Crítica | Velozes e Furiosos 8 Franquia acerta em apostar no exagerado e é garantia de entretenimento fácil
Dirigido por F. Gary Gray. Roteiro de Chris Morgan. Com: Vin Diesel, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Tyrese Gibson, Ludacris, Scott Eastwood, Jason Statham, Nathalie Emmanuel, Elsa Pataky, Luke Evans, Kristofer Hivju, Kurt Russell, Helen Mirren e Charlize Theron.
O maior indício do amadurecimento é descobrir o papel que exercemos perante os outros. O mundo é assim, na vida e na arte. É inegável é que Velozes e Furiosos aprendeu com isso; o que começou como algo que se levava a sério, com agentes infiltrados e gangues de rua, descambou para a ação irrestrita e tramas internacionais. Claro, na verdade, o nicho do filme nunca foi sobre tramas autocontidas, mas sim estrambólicas e exageradas.
Na trama, Dominic Toretto (Vin Diesel) é chantageado por Cipher (Theron) a trair sua equipe e ajudá-la a roubar armas para que ela possa estabelecer uma nova ordem mundial — é sério! Assim, cabe aos seus amigos conterem o ímpeto criminoso (de novo) de Dom. Como diria Hobbs, Toretto just went rogue, com direito a pausa e olhares dramáticos.
Com o enredo simples de coração, o filme não demora muito para ir ao que interessa, a ação. Em uma crescente que vem se formando desde Velozes e Furiosos 4, o filme abraça o exagerado e o novelesco. Sempre com a família como o núcleo duro de suas ideologias, Toretto não pestaneja em criar o caos se for para manter aqueles que ele ama seguros. Claro, os pequenos pontos que criam a identidade da franquia ainda estão lá: a introdução com um racha, os planos-detalhe em bundas com mini-shortinhos e takes rápidos de marchas engatando e pés nos aceleradores.
É muito prazeroso ver as brincadeiras entre os pequenos grupos que se formam dentro da família Toretto. Roman e Tej, Hobbs e Deckard (Gibson e Ludacris, Johnson e Statham, respectivamente), são duas duplas dignas de filmes próprios, tamanha a química deles em cena. Assim, as cenas mais sombrias ficam por conta de Diesel e Charlize. Óbvio, não escapam dos chavões, clichês e frases de efeito, mas, mesmo assim, tentam dar certa profundidade a personagens que em essência deveriam ser tão cartunescos quanto os outros.
O diretor, F. Gary Gray, de longe não tem a competência de James Wan (Velozes e Furiosos 7) para o entretenimento, mas com um elenco que atua junto há tanto tempo e uma franquia com identidade tão estabelecida, não há muito a ser feito ou inovado, de sorte que o filme evolui basicamente no automático. As cenas de ação são realmente divertidas; para uma série que já teve carros de paraquedas, perseguições em túneis, em pontes, arrastando cofres gigantes ou de cabeça pra baixo, dessa vez somo levados às ruas engarrafadas e claustrofóbicas de Nova York. Garantia de batidas, capotagens e chuva de carros (sim, chuva de carros).
E se ainda há qualquer dúvida quanto ao entretenimento descabidamente absurdo do filme, pode-se descartá-la quando há uma perseguição envolvendo um submarino ou quando Hobbs desvia um míssil com suas mãos (!!!!).
Se a obra acerta no envolvimentos dos personagens e nas cenas de ação de perseguição, peca na insistência de suas gags. De fato, Roman é conhecido por ser o piadista do grupo, mas dessa vez exageraram em suas tiradas nada espontâneas e previsíveis. Há também uma cena de ação com Statham dentro de um avião que a piada é explorada em demasia, tornando-se cansativa e irritante.
Conformado e inspirado pela galhofa e autopiada, Velozes e Furiosos 8 resolve uma trilogia e dá início a outras tantas, ciente — felizmente — de que tudo pode (e deve) acontecer. Em uma entrevista, Vin Diesel afirmou que gostaria de ver os Furiosos no espaço. Por que não?
"Crítica | Castelo de Areia Novo filme de guerra da Netflix aposta no minimalismo para se desvencilhar da imagem do herói norte-americano
Dirigido por Fernando Coimbra. Roteiro por Chris Roessner. Com: Nicholas Hoult, Logan Marshall-Green, Glen Powell, Beau Knapp, Neil Brown Jr., Henry Cavill, Navid Nagahban, Nabil Elouahabi, Tommy Flanagan, Sam Spruell.
A Guerra do Iraque, criada pelo então presidente George W. Bush, foi de repente o primeiro dos absurdos do século XXI. Iniciada em 2003, o conflito foi responsável pela morte de mais de três mil soldados. Óbvio, não eram três mil heróis. Eram jovens, com sonhos e projetos interrompidos por uma guerra absurda inventada por um almofadinha. Castelo de Areia faz questão que isso seja entendido.
O enredo engloba o conflito de forma micro e não macro. Na história, o grupo do sargento Harper (Marshall-Green), o qual ansiava pelo retorno, é destacado para uma última missão: reabastecer a água de um vilarejo, cujo estação de tratamento foi atingida por um explosivo. Cientes de que não seria uma tarefa fácil (a milícia local os culpava — com razão — pela explosão), os soldados vão sabendo que nem todos iriam retornar.
Nesse ambiente, vemos o mundo através dos olhos de Matt Ocre (Hoult, em uma atuação muito sólida), o soldado que entrou no exército apenas para ganhar dinheiro para financiar seus estudos. A obra mostra claramente que Ocre é contra o conflito, quando quebra sua própria mão para poder ser enviado para casa. O grupo de soldados é muito heterogêneo, o que facilita o andamento da trama. Chutsky (Powell) é o soldado convencido a odiar o mundo islâmico; Harper comanda-os com compaixão, mas severidade; Burton e Enzo (vividos por Knapp e Neil Brown Jr., respectivamente) chegaram pelo heroísmo e tradição familiar. Syverson (Cavill) destoa dos demais por ser o capitão brucutu, de sorte que fica superficial e caricato.
O elenco todo se envolve com muita facilidade, com especial destaque às atuação de Hoult e Marshall-Green, que estão em tela em praticamente oitenta por cento do tempo do filme. À medida que vão se envolvendo mais e mais com os confrontos, ambos ficam vinculados à guerra, sem mais querer voltar para casa.
O diretor brasileiro, Fernando Coimbra, conduz seu trabalho com maestria. Limitado pelo orçamento reduzido oferecido pela produtora de streaming, Coimbra aposta em cenas menores, sem grandes explosões e membros despedaçados (na sua cara, Mel Gibson). Optando muitas vezes por não mostrar de onde vêm os tiros, o diretor intencionalmente deixa o espectador desconfortável por não saber se os soldados norte-americanos estão conseguindo algum avanço.
Aliás o próprio texto do roteiro é excelente em diversos aspectos. Os soldados sempre deixam claros que não há como confiar nos iraquianos, visto que eles mesmo usam crianças para cometerem atentados. Ainda, ele sempre tenta desconstruir a imagem do herói norte-americano e do islâmico selvagem; há vítimas em ambos os lados, os soldados por serem enviados mesmo não concordando com o confronto, e as pessoas que lá viviam e tiveram seus lares tomados, vendo-se em meio a um campo de batalha. Tamanha a crueldade de algumas cenas que mostram os próprios iraquianos sendo mortos por seus conterrâneos. O ponto mais alto da obra é o diálogo — ainda que breve — entre Ocre e Arif (Elouahabi), enquanto o primeiro vinha da terra da economia liberal, mas precisava pagar pela educação, o outro, invadido, conseguiu os serviços de forma gratuita em seu país.
Castelo de Areia é o típico filme que chegou sem fazer muito rebuliço, mas que vale a pena conferir pelo talento humano que o envolve. É verdade, faltou aparar algumas arestas ou de repente deixar mais clara sua verdadeira intenção. Como suas ideias ficam muito nas entrelinhas, é muito fácil existirem milhares de interpretações para as reais intenções do filme. A única certeza mesmo é o sentimento que o filme passa em seu último suspiro.
"X-Men: Apocalypse | Crítica Bryan Singer continua, com todas as forças, tentando salvar a remendada franquia
Dirigido por Bryan Singer. Roteiro por Simon Kinberg. Com: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Oscar Isaac, Rosa Byrne, Evan Peters, Josh Helman, Sophie Turner, Tye Sheridan, Lucas Till, Kodi Smit-McPhee, Ben Hardy, Alexandra Shipp, Lana Condor, Olivia Munn.
Em 2016, o mundo amanheceu debatendo o preconceito racial no cinema. Foi uma semana de movimentos, diálogos e novas resoluções. Tudo passou. Então devemos ignorar. Devemos ignorar que o cinema volitivamente quer reescrever a história sob o viés caucasiano de ser. Vamos negar que, após isso, veio um fracassado Deuses do Egito, que sucumbiu ante essa polêmica, que pareceu que não ia se repetir. Vamos esquecer que isso passou despercebidamente pelos olhares clínicos dos críticos ao redor do globo.
A sequência inicial de X-Men: Apocalypse, em um olhar histórico-sociológico, é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e negros fazendo o papel de escravos (olha só! Que novidade!), Apocalypse (Oscar Isaac), o primeiro mutante, surge como se fosse uma divindade. Esquecendo o fato de que o filme encara as pirâmides como se fossem palácios — e não tumbas como de fato eram –, a sequência inicial proporciona ótimas cenas de ação, mostrando uma violência que ainda não havia sido demonstrada em seus predecessores.
Críticas históricas à parte, vamos ao ponto que interessa. Afinal, se fôssemos buscar aprendizado, deveríamos procurar um bom documentário.
O enredo do filme orbita em torno desse mutante. Uma divindade esquecida que acorda milênios depois, querendo retomar o mundo que lhe foi tirado. Partindo dessa premissa, no melhor estilo Michael Bay, o filme usa isso de combustível para seguidas sequências de ação e destruição em massa.
O dinamismo que o filme apresenta faz passar de forma fluida seus 144 minutos. Sem perder muito tempo com histórias e explicações, de forma natural, o filme vai se desenrolando (e ao mesmo tempo se diminuindo) de forma que o argumento usado no início de purificação, vira um mero pretexto pra conquista global. Méritos para o filme.
A nova equipe de mutantes, conhecida dos tempos do desenho animado, é construída com certa naturalidade. À exceção do novo Ciclope (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner) e Noturno (Kodi Smit-McPhee) mostram boa desenvoltura em seus papéis, sendo que esse último, no fim, acaba sendo preterido em relação à primeira, para que ela possa se desenvolver. O problema de Tye Sheridan, de repente, é o fato de ele mostrar um pouco mais de boçalidade do que deveria o futuro líder da equipe.
James McAvoy, como Professor Xavier, e Michael Fassbender, como Magneto, mostram, cada vez mais, a excelência de suas performances. Grandes nomes do cinema, já confortáveis em suas funções. Uma pena que o arco de Magneto esteja ficando cansativo, já que em todos os filmes dessa nova trilogia, ele passe pelos mesmos questionamentos: começa inerte, é provocado a ir para o mal e termina se exilando.
Inegável também a antipatia que se desenvolve por Nicholas Hoult (o Fera) e Jennifer Lawrence (Mística). Em total desrespeito ao cânone, ambos se escondem de sua aparência real, com o roteiro inventando motivos escusos para que os atores possam aparecer mais nas telas, sem toneladas de maquiagem no rosto. Afinal, até que ponto a essência do personagem pode ficar ferida por um capricho de contrato de atuação? Não me lembro de isso acontecer em Dredd, com Karl Urban, ou em V de Vingança, com Hugo Weaving.
Mercúrio, assume de vez um protagonismo merecido e previsto desde o Dias de Um Futuro Esquecido, com mais destaque ainda para Evan Peters. Infelizmente, os trailers prometeram mais de Psylocke (Olivia Munn) do que nos foi entregue, resumindo sua participação a três ou quatro linhas.
Alexandra Shipp, como Tempestade, mostra um ressurgimento muito digno da mutante, com atuação e figurino, mostrando desde cedo seu papel de liderança, que será importante para seu futuro.
É inevitável que se abram várias brechas e vários erros com o enredo do filme passado. Afinal, erros de continuidade são, praticamente, uma sequência lógica quando há volta no tempo. Felizmente, esse filme não possui aqueles finais que requerem nossa boa vontade para esquecer (alguém lembra da Mística como Stryker no fim do filme anterior?).
Claro, existe a dispensável participação de Hugh Jackman, como Wolverine. Saturado como personagem, o filme precisou fazer o dito fan-service para satisfazer as massas que vão às telonas.
X-Men: Apocalypse não é o melhor filme da saga. Aquém de Dias de Um Futuro Esquecido e X-Men 2, este filme faz seu papel de reintroduzir as conhecidas figuras da equipe clássica dos mutantes. Que isso sirva de lição para que o diretor Bryan Singer não abandone o barco como fez em X-Men: Confronto Final, sob pena de entrarmos em um looping de constantes reinícios.
"Em 2014, uma Marvel já ciente do estrondoso sucesso de seus filmes resolve arriscar ainda mais. Consolidando heróis que até antes de serem lançados eram considerados B (Homem de Ferro, Capitão América, Thor) a empresa resolve apostar as fichas em um grupo de anti-heróis tão desconhecidos que poderiam ser considerados até mesmo de categoria D. Surge, assim, os Guradiões da Galáxia.
Impressionando por seu excelente timing cômico, a imensa harmonia entre os atores que estavam no time e um roteiro que se alinhava ao MCU em momentos pontuais, o primeiro filme foi um sucesso absoluto de público e crítica. Em 2017, Guardiões da Galáxia Vol. 2 não era mais uma aposta; era, sim, um dos filmes mais esperados do ano.
E que filme.
Passados poucos meses após o fim do primeiro (destoando dos demais filmes, que seguiam uma cronologia linear), o filme continua abordando seu principal mote: família – parece que tudo que o Vin Diesel faz envolve família. Na trama, consolidados como famosos mercenários, o grupo começa a ser contratado para fazer diversas tarefas universo afora. Em meio a uma aventura, eles encontram Ego (Russel), o qual alega ser pai de Quill (Pratt).
Ciente de seus pontos fortes e acertos do antecessor, Guardiões da Galáxia Vol. 2 reforça suas características mais evidentes: o humor e a aventura. De início, o a entrada das piadas pode até parecer um pouco forçada, causando certo estranhamento, mas à medida em que o enredo evolui, nos acostumamos com o ritmo ditado pela obra, de forma que as suspeitas iniciais não se justificam.
O elenco inteiro, novamente, atua de forma maravilhosa, com especial destaque a Yondu (Rooker) e Drax (Bautista). Enquanto no primeiro filme ambos sofreram com menos tempo de tela, nesse os dois são os personagens mais carismáticos e cativantes (os diálogos de Drax com Mantis e Youndu com Rocket Racoon são hilários). O elenco original mantém a qualidade que justificou todo seu destaque no passado: Pratt está muito mais espontâneo como Senhor das Estrelas, Saldana parece que é Gamora desde nascença e, até mesmo, Nebulosa tem maior destaque, aprofundando os dramas familiares entre ela e Gamora. Os acréscimos de Stallone (Stakar, com muito mais tempo em tela do que o esperado), Russell (Ego), Klementieff (Mantis) e Debicki (Ayesha) atuam como se já tivessem lá há longa data.
O design de produção, por seu turno, não fica atrás. Mostrando diversos mundos ao longo do filme, o trabalho é muito competente ao diferenciá-los das mais diversas formas. Enquanto os Soberanos, com suas peles douradas, beirando o divino, são frios e calculistas, o planeta de encontro dos mercenários, com suas prostitutas robóticas, lembra um gueto sujo de Hanói ou Bangkok. Aliás, com as diversas raças alienígenas que aparecem, eis aqui o primeiro candidato ao Oscar 2018 de melhor maquiagem.
Toda aura construída remete à década de 80. Desde as referências mais óbvias, como a trilha-sonora, a obra se constrói com várias remissões. As naves dos Soberanos, por exemplo, controladas remotamente, lembram antigo fliperamas onde várias pessoas ansiosas acompanhavam alguém bater algum recorde. O planeta Ego, cheio de cor e vida, lembra as paletas coloridas que marcaram a moda na época (lembram, também, bastante a psicodelia de Doutor Estranho, o que cria uma identidade com esse universo multicolorido).
A direção de James Gunn novamente surpreende por seu total controle do trabalho. Monopolizando direção e roteiro, o diretor não dá ponto sem nó. Até mesmo os easter-eggs e os fan-services escapam da gratuidade, sendo absurdamente provocativos no sentido de nos incitar a criar teorias sobre eventos futuros. Aliás, Gunn é muito competente ao dosar a comédia e o drama em diálogos como Peter e Gamora, Peter e Ego e Gamora e Nebulosa. Nesse momento percebemos que os personagens de fato possuem uma história e, com ela, vem sua carga emocional.
Ao chegar em clímax muito intenso, a obra nos desmonta por não nos deixar preparados para tamanha emoção. Sim, os Guardiões da Galáxia são anti-heróis, mas são mortais, são falíveis. Seu heroísmo vem justamente da qualidade de tentar se superar sempre.
Cara Gente Branca (Volume 1)
4.3 304 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Cara Gente Branca | Crítica (ou não)
Oi, meu nome não é Hannah. Isso não está nas minhas fitas, nem no meu feed aparentemente.
Criada por Justin Simien. Dirigida por Justin Simien, Tina Mabry, Barry Jenkins, Charlie McDowell e Steven K. Tsuchida. Roteiro por Justin Simien, Leann Bowen, Chuck Hayward, Njeri Brown, Jack Moore e Nastaran Dibai. Com Logan Browning, Brandon P. Bell, John Patrick Amedori, Antoinette Robertson, DeRon Horton, Marque Richardson, Giancarlo Esposito.
Diferente das demais críticas que escrevo, aqui vou procurar abordar o tom íntimo. Assim, não esperem a mesma impessoalidade em um texto dissertativo como nas demais críticas. Isso me leva a pensar se isso é uma resenha ou não. Não sei como vai terminar. Veremos.
Ambientado dentro da Universidade de Winchester, o enredo acompanha quatro estudantes negros que vivem em uma universidade elitista e caucasiana. Após uma festa blackface de Halloween promovida pelos editores (brancos, óbvio) de uma revista interna e outros eventos que acontecem no decorrer da série, uma discussão quanto ao racismo institucionalizado se instaura nos corredores da universidade.
Os episódios fogem do padrão no momento em que cada um foca em um personagem. A narrativa, embora linear, foca em um personagem diferente por episódio. Isso gera um efeito fantástico já que, embora o preconceito seja objetivo — não existem justificativas para abominar uma etnia por ser o que é –, a forma como ele é encarado é absolutamente subjetiva. A consequência é que texto foge ao máximo de generalizações. Sam (Browning) é extremamente combativa e contestadora, enquanto Colandrea (Robertson) é ciente dos percalços vividos, mas mesmo assim tenta se encaixar no jeito branco de ser. Lionel (Williams) e Troy (Bell), por terem histórias distintas, enxergam o racismo também de formas diferentes.
A fuga do genérico, por exemplo, permite uma total aversão ao maniqueísmo. Não há, de fato, uma divisão simplista de branco, ruim, e negro, bom; na verdade, um dos protagonista, Gabe (Amedori), é branco e se solidariza com esses problemas sociais, isto é, sabe de sua condição privilegiada (caucasiana), mas não tenta justificar o racismo vivido com a batida frase: nem todos os brancos são assim. Há, também, a forma com que Sam reage ao ambiente ao redor; tão acostumada a duvidar e hostilizar ações contra suas origens, ela acaba vendo ofensas em quem é amigo e gostaria de ajudar.
A obra aborda o preconceito racial de uma forma diferente do que vimos até então. Começando pela própria narrativa (na voz pomposa de Esposito), a série duvida de sua própria seriedade, já que o narrador é equidistante dos negros e dos seus problemas vividos. Enquanto os demais trabalhos tentam construir uma crítica de forma didática, aqui vemos tudo com escárnio extremado. Claro, somos convidados a ver o lado de quem sofre com isso rotineiramente. O único efeito que isso pode causar é a exaustão. Cansados, quem sofre com racismo acaba encarando essas situações com raiva, deboche e hostilizando tudo o que vê.
A fotografia é excelente. Abusando de um primeiríssimo plano frontal, constantemente somos encarados pelos personagens, como se eles nos julgassem, assim como eles se sentem julgados dia após dia.
Críticas à parte, o maior espanto que isso causa é como uma série tão bem feita repercutiu tão pouco no meu feed de redes sociais. Enquanto 13 Reasons Why, com todos seus problemas de roteiro, faz até hoje aparecer postagens no meu Facebook, eu conto nos dedos quantas pessoas comentaram Cara Gente Branca.
Claro, cresci em uma família de classe média e estudei em colégios tradicionais onde negros eram minorias. Obviamente isso reflete em um contato menor com pessoas de outras etnias, não só de pele negra. Isso me leva a pensar o seguinte: em 13 Reasons Why, todo o alvoroço se deu porque todos viveram alguma experiência de bullying (ou pelo menos inventaram uma para se encaixar no assunto do momento); aqui, mais da metade dos meus contatos não sofreu com racismo, logo, se sentem confortáveis o suficiente para não repercutir a série.
Aliás, espero que não se sintam confortáveis para isso, por que a outra alternativa seria que eles são indiferentes. E isso seria realmente cruel. É muito fácil abrir a home de seu Facebook e escrever três linhas falando algo que nunca existiu ou descrever algo que nunca sentiu, só para tentar ilustrar que sabe as tragédias que Hannah passou. Agora, não existe como inventar que sofreu por ser negro quando você não é. Apenas quem sofre racismo sabe explicar o que é.
Eu não sei. Sinceramente, tento saber. Queria poder compadecer da dor alheia, ajudar a suportar o fardo e combater o máximo o que eu posso. Isso é ter empatia.
Faltou muita empatia na minha timeline.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Corra!
4.2 3,6K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Corra! | Crítica
Novo suspense sobre racismo velado provoca o espectador através do estranhamento e quebra de clichês
Dirigido por Jordan Peele. Roteiro por Jordan Peele. Com: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones, Marcus Henderson, Betty Gabriel, LilRel Howery
A relação de uma família com cônjuges de etnias diversas é um tema recorrente no cinema. Se não me falha a memória, o primeiro a introduzir o tema foi o excelente drama Adivinhe Quem Vem Para Jantar?, com Sidney Poitier, ganhador de dois Oscars, em 1968; mais recentemente, em 2005, A Família da Noiva, com Ashton Kutcher e o falecido Bernie Mac, tentou reintroduzir o tema com leveza e sem a seriedade devida relativa ao impacto social do assunto. Em 2017 Corra! estreou sem compromisso algum, mas reavivou de forma excelente o debate.
Estreando na cadeira de direção, Peele conta a história de Chris (Kaluuya) e Rose (Williams), um jovem casal inter-racial que vai passar um final de semana no interior para conhecer a família dela. Ao chegar lá, Chris observa diversas atitudes suspeitas em uma família que se diz liberal e despida de preconceitos.
Muito competente em retratar as tensões vividas por Chris (tanto antes como durante o encontro), a obra mantém no espectador uma preocupação vibrante. Logo no início, ao fazer a pergunta eles sabem que sou negro?, podemos perceber a preocupação inerente do protagonista ao se sentir um alienígena num ambiente predominantemente branco. Claro, o preconceito velado aqui é tratado como uma metáfora, já que os segredos da família Armitage não são recorrentes às demais famílias. Aliás, o filme é muito feliz em trazer aquelas frases batidas das pessoas que não se dizem racistas, sempre pra fazer uma concessão no fim — hey, nós não somos racistas! Apenas tratamos de forma impessoal nossos empregados negros, mas votaríamos no Obama de novo se pudéssemos.
Como já falado, o estranhamento é figura constante no filme. A competência em trabalhar as sessões de hipnose, os saltos entre comicidade e suspense, bem como o corte abrupto entre os planos detalhe e os planos abertos (das mãos inquietas arranhando o braço da poltrona para Chris boiando no universo submerso), nos deixa incomodados tendo em vista a imprevisibilidade do que vem a seguir. Ora, o imprevisível é uma das premissas do filme, a partir do momento que ele nasce da quebra do clichê: em filmes de terror teen os negros são sempre os mais engraçados e os primeiros a morrerem; aqui, considerando o protagonismo de Chris, o espectador se vê diretamente combatendo o hábito construído nos cinemas.
Ademais, enquanto visita, vivenciamos o isolamento de Chris ao interagir com um grupo caucasiano elitista. As perguntas desconfortáveis, olhares enviesados e a curiosidade inconveniente são algumas das experiências que somos expostos em apenas um jantar.
Corroborando com a direção impecável, o filme ainda tem como destaque as atuações de Kaluuya e Howery (Rod Williams), que são as âncoras para que os demais atores trabalhem de forma convincente. Cada um é responsável por um tom do filme, enquanto Kaluuya vive na carne a tensão da obra, Howery é responsável pela comédia preocupada, uma verdadeira encenação do rir de nervoso e de uma constante preocupação com o desfecho.
Feito com orçamento de filme indie, Corra! tem sua recepção doméstica extremamente positiva. Sua forma lúdica e metafórica de evidenciar a crítica social consegue facilitar a transmissão da mensagem final.
Para quem não entender a moral, a única solução é hipnose.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Arqueiro (5ª Temporada)
3.8 108 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Arrow — 5ª Temporada | Crítica
Série retoma o bom desenvolvimento das primeiras duas temporadas, vislumbrando anos melhores
Criada por Greg Berlanti, Marc Guggenheim e Andrew Kreisberg. Com Stephen Amell, David Ramsey, Willa Holland, Paul Blackthorne, Emily Bett Rickards, Katie Cassidy, Manu Bennett, Echo Kellum, Josh Segarra, Rick Gonzalez, Katrina Law, Juliana Harkavy, John Barrowman.
Durante as duas primeiras temporadas, Arrow demonstrou um nível que até então nunca tinha se imaginado em séries de televisão baseadas em super-heróis. Entretanto, desde que The Flash estreou, a série do arqueiro caiu num marasmo, de sorte que foi difícil de acompanhar a terceira e a quarta temporada.
Dessa vez, a temporada teve basicamente um grande vilão, de forma que fica difícil dividir em arcos, isto é, Prometheus, desde o início, foi muito presente como o arqui-inimigo. Assim, durante grande parte desse ano, a série foi envolvida no mistério por trás da identidade do vilão e guardou algumas boas reviravoltas para aqueles que pensavam que a série seguiria as HQs. Claro, sempre dividindo tempo de tela com os odiosos flashbacks, Arrow, em princípio, finaliza-os no exato ponto em que a série teve seu início. Em diversas entrevistas os produtores da série afirmaram que os flashbacks ficarão no passado (com o perdão do trocadilho).
Com um gancho infinitamente melhor que o de The Flash, a sexta temporada não garante retornos, já que a última cena desse ano surpreende, podendo ser considerada uma das melhores até então. Aliás, para alimentar ainda mais o esperado clímax, alguns personagens de temporadas anteriores retornam em grande estilo para algumas lutas que eram esperadas por todos (Canário contra Canário, e o duelo entre as herdeiras de Ra’s Al Ghul, especialmente).
Sem nenhum destaque especial nas atuações, quem aparentemente consegue surpreender é Blackthorne, que vive Quentin Lance. Todo seu arco do alcoolismo, aliada à montanha-russa emocional a quem ele é submetido em todas as temporadas (perde filha, volta filha, morre filha, ganha filha) faz com que o ex-detetive se saliente em relação aos demais. Curtis (Kellum) continua sendo o alívio cômico barato e imediato necessário para alienar a obra de sua própria sombriedade e seriedade.
Considerando que Malcolm Merlyn não retornará tão cedo nas temporadas vindouras de séries da DC, seu personagem finalizou sua participação de forma óbvia e satisfatória. Desde o início, ele demonstrou ser muito apegado a Thea e a amava com seu jeito distorcido e doentio.
Não é à toa que o último episódio se chama Lian Yu, os produtores sabem que a série retomou o passo que estava sendo dado nos dois primeiros anos e, para isso, foi preciso revisitar as origens e as motivações do arqueiro.
No verdadeiro clima de destruir para reconstruir do zero, Arrow inicia uma nova jornada. Tomara que ela seja tão boa quanto as primeiras.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
The Flash (3ª Temporada)
3.6 172 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"The Flash — 4ª Temporada | Crítica
Quase mesmo vilão; quase mesmo drama; quase mesmo enredo; quase mesmo tudo
Criada por Greg Berlanti, Geoff Johns e Andrew Kreisberg. Com Grant Gustin, Candice Patton, Danielle Panabaker, Carlos Valdes, Tom Cavanagh, Jesse L. Martin, Keiynan Lonsdale, Violett Beane, John Wesley Shipp, Tom Felton, Jessica Camacho, Matt Letscher, Anne Dudek.
Pode ser uma incrível coincidência do destino, mas a série The Flash surgiu no exato momento em que Arrow começou a decair de qualidade. Os mais céticos dizem que isso é um mero infortúnio, os crentes dizem que é uma gangorra necessária. Por incrível que pareça, nessa temporada, quando Arrow tenta se reerguer, The Flash despenca na mesmice em uma temporada mediana.
Claro, há altos e baixos. Nem tudo é de se jogar fora, mas não vamos nos esquecer que as apostas eram altíssimas, afinal a temporada passada finalizou com o início do Ponto de Ignição! Nesse ano, devido a uma escolha de Barry, tudo poderia mudar, e era ainda mais inédito pelo fato de que poderia mudar em outras séries também! Mudou? Quase nada.
Quando a série estreou, todos os elogios foram voltados a sua coragem. Afinal, estava absolutamente engessada na mídia um universo DC realista graças aos sucessos de Arrow e a trilogia The Dark Knight, do Nolan. Flash, no entanto, foi além: com uma coragem ímpar, introduziu linha temporais diferentes, multiversos, meta-humanos, mas quando lhe foi exigido, novamente, capitanear as mudanças, falhou rude.
O enredo começo no universo criado depois que Barry salva sua mãe. Ao se dar conta que não tem como conviver nesse espaço, o herói tenta retornar a sua linha universal originária. Entretanto, apenas descobre que criou um terceiro mundo (com pequenas diferenças em relação ao primeiro). Assim, com essa explicação se desenvolvendo ao longo dos episódios — e de forma bem clara; méritos da série — a temporada se dividiu em dois arcos que foram consequências diretas dos atos do velocista: o Alquimia e Savitar.
Com um total de vinte e três episódios, o terceiro ano não escapou de fillers completamente sem sentido, que foram feitos apenas para preencher lacunas das emissoras (como o musical com a Supergirl, piores quarenta minutos da vida). Aliás, na tentativa de criar uma urgência no espectador, a série se torna frustrante já que todos sabemos que Iris West não vai morrer, isto é, não tem urgência alguma no clímax; e se ela morrer, alguém vai trazer uma Iris do passado, da Terra 2, de Marte 1000, do raio que a parta, pra vestir os calçados da falecida. Claro, esse é o ônus e o bônus da própria estrutura diegética estabelecida na série.
O episódio final tenta aglutinar tudo que foi trazido pela temporada, bem como preparar o terreno para o vindouro quarto ano. Novamente, ao invés de criar algo que realmente gerasse expectativa, os produtores desenvolvem uma situação que sabemos que será resolvida, certamente, nos primeiros episódios que virão.
A atriz que mais cresceu sem dúvidas, foi Panabaker, como Caitlin Snow. Toda sua provação (com o fato de enfrentar e evitar um futuro inevitável, bem como começar uma nova jornada como uma Nevasca anti-heroína em vez de vilã) mostra que a personagem pode ser ainda mais complexa e aprofundada na temporada que está por vir. Com certeza, sua história é a mais esperada, justamente por ser a personagem menos maniqueísta.
Absolutamente mediana, a terceira temporada de The Flash só não é ruim porque ainda se vê certa dedicação de todos envolvidos com ela, seja no CGI — cujo investimento é infinitamente mais baixo que no cinema –, seja nas atuações. Rumores indicam que o big bad do ano que vem não será mais um velocista (graças a Deus), o que pode indicar a mudança necessária que a série precisa.
Flash pode ser o homem mais rápido do mundo, mas não vai chegar em nenhum lugar se não for na direção certa.
Nota: 3/6 (Regular)"
Star Trek: Sem Fronteiras
3.8 566 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Star Trek: Sem Fronteiras | Crítica
Franquia reinventada nos cinemas continua fazendo sucesso relembrando as aventuras episódicas dos seriados
Dirigido por Justin Lin. Roteiro por Simon Pegg e Doug Jung. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella.
Há sete anos, J. J. Abrams tomou para si o risco de revigorar uma das maiores franquias existentes no mundo. O medo era evidente; como juntar um elenco que pudesse honrar os papéis que antes foram de Leonard Nimoy e William Shatner? Com uma rara genialidade, o diretor encontrou um argumento inovador, capaz de dá-lo liberdade criativa e honrar tudo que foi escrito no passado. Linhas temporais alternativas.
Com esse argumento, deu-se cheque branco de escrever as histórias como bem quisesse. E assim foi nos dois filmes anteriores. Agora, o diretor não estaria mais comandando a terceira produção, mas Justin Lee (responsável por quatro dos Velozes & Furiosos) honrou tudo que foi feito até o momento.
O enredo é menos catastrófico que Além da Escuridão. Após receber um chamado de socorro dentro de uma nebulosa, a U.S.S. Enterprise é emboscada por naves terroristas e acaba caindo em um planeta desabitado, separando a tripulação em grupos. Assim, cabe a eles se reunirem para destruir o novo inimigo que surgiu.
O filme tem um enredo simples e opta por um início muito direto; através de um monólogo de James T. Kirk (Pine, criando, enfim, sua imagem de Capitão Kirk), as cartas e os dramas são postos à mesa. Em dez minutos sabemos em que fase de pensamento todos os personagens estão. Com isso resolvido, pode-se abusar das cenas de ação; junto da resolução do conflito principal, as tramas secundárias se resolveriam por si só.
O elenco evidencia toda a química construída através dos anos. Pine define, enfim, sua interpretação para se James T. Kirk, esquecendo um pouco o lado caricato da canastrice; Quinto reitera seu talento para ser o novo Spock; Saldaña, muito competente sempre, é oficialmente a nova mulher espacial: de Avatar para Star Trek e para Guardiões da Galáxia e inverte, há tempos a atriz não pisa na Terra. Pegg, além de Montgomery Scott, agora, também, roteirista, fica muito confortável com seu papel de alívio cômico e construiu uma química boa com Sofia Boutella (que interpreta a alienígena Jaylah), um grande acréscimo ao elenco.
O grande destaque, entretanto, é de Karl Urban como Leonard “Magro” McCoy. Sempre com suas piadas irônicas e seu humor azedo, o ator interpreta, ao lado de Quinto, as melhores e mais divertidas cenas da nova trilogia.
A direção de Justin Lee é excelente nas tomadas de ação (cenas de luta, batalhas espaciais e até mesmo perseguições de motocicleta), mas fraca no que toca às tramas secundárias. Como já exposto, elas são tão supérfluas que se resolvem naturalmente junto do enredo, de forma que nem desperta a preocupação do espectador.
A trilha sonora do filme é um espetáculo à parte. De fato, é uma grata surpresa ouvir Beastie Boys e Public Enemy em um filme que se passa mais de duzentos anos no futuro.
O vilão, embora interpretado por Elba, é bom, mas não atinge o patamar de Benedict Cumberbatch. Na verdade não foi nem culpa do ator em si, mas o roteiro não fez jus ao seu talento. A pobreza argumentativa foi tanta que suas justificativas são aquém do romulano Nero, vilão interpretado por Eric Bana no primeiro filme. Quando pôde, o ator fez um bom trabalho, mas é impossível ir além do papel que lhe foi escrito.
Se por um lado o roteiro, escrito por Simon Pegg e Doug Jung, erra ao estabelecer parâmetros no vilão, por outro acerta em manter a linearidade dos personagens, sem mudar suas psiquês ou seus papéis drasticamente. Aliás, os antagonistas mesmo, embora diferentes personagens, são lineares em seu tom dramático típico da franquia.
Audaciosamente, indo até onde já esteve, Star Trek: Sem Fronteiras conquista o público e reforça sua posição de destaque como uma das franquias mais bem-sucedidas da cultura pop, encantando o mundo há cinquenta anos.
Vida longa e próspera para ela.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Agentes da S.H.I.E.L.D. (4ª Temporada)
4.2 124 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D. — 4ª Temporada | Crítica
AoS mantém a qualidade, sedimentando sua própria mitologia dentro do MCU
Criada por Joss Whedon, Jed Whedon e Maurissa Tancharoen. Com Clark Gregg, Ming-Na Wen, Chloe Bennet, Iain de Caestecker, Elizabeth Henstridge, Henry Simmons, Brett Dalton, John Hannah, Mallory Jensen, Adrian Pasdar, Natalia Cordova-Buckley, Jason O’Mara, Gabriel Luna.
Quando Joss Whedon anunciou que se afastaria da produção de Agents of S.H.I.E.L.D. (AoS), os fãs — já rançosos com o fraco desempenho da obra — praticamente desistiram de apostar na primeira série da Marvel que se passava dentro do MCU. Assim, aproveitando o lançamento de Capitão América: O Soldado Invernal, a primeira temporada passou por uma reestruturação necessária imposta pelas consequências do filme. Tudo mudou.
A série, que até então patinava e perdia audiência, conseguiu se consolidar no novo status quo do universo cinematográfico. A queda da S.H.I.E.L.D. fora um trunfo para alguns plot twists essenciais na sobrevida do trabalho. Com uma boa atuação e bons argumentos nas temporadas seguintes, a série alcançou relativo sucesso a ponto de tomar coragem para ela mesma lançar novos heróis. Na quarta temporada iríamos presenciar o Motorista Fantasma!
Se tem algo que o showrunner Jed Whedon aprendeu com seu irmão (Joss Whedon, diretor de Os Vingadores e criador de Buffy: A Caça-Vampiros) foi como trabalhar um grande equipe. Sabendo dosar as participações do elenco, bem como equilibrar os diversos focos através da temporada, Whedon sabe explorar a história dos protagonistas, dando-os uma verticalidade admirável, além de sedimentar os personagens eventuais e secundários.
Em seu quarto ano a série deixa um pouco de lado Daisy (Bennet), cuja história foi explorada à exaustão nos anos passados, deixando-a somente como suporte para introduzir devidamente o Motorista Fantasma (Luna). Portanto, personagens como Mack (Simmons), Fitz (Caestecker) e Radcliffe (Hannah) acabam tomando os holofotes muitas vezes, cientes de que era o momento explorar seus personagens.
Caestecker, novamente, confirma seu trabalho brilhante como Leopold Fitz. Cada ano que passa, o talentoso ator se supera na reflexão dos traumas e consequências de seus atos. Henstridge, que interpreta Jemma Simmons, acompanha-o com uma dramaturgia excelente. Sem dúvidas o casal engloba os atores mais talentosos, deixando Gregg, Wen e Bennet para trás no que toca à capacidade técnica.
Nessa temporada que terminou, AoS adotou uma postura interessante quanto à sua narrativa. Enquanto no passado as séries com mais de vinte episódios por ano tinha apenas um ou no máximo dois plots (o que as enchiam de episódios insossos, conhecidos como fillers), o seriado da Marvel se construiu em três enredos bem distintos: a introdução do Motorista Fantasma, MVAs (Modelos de Vida Artificiais) e o Framework (uma forma de Matrix do MCU), sempre com pontes muito orgânicas e verossímeis nos episódios de transição.
Claro, existem arcos mais interessantes que outros, sendo o do Motorista Fantasma com certeza o melhor. Luna e Jansen (AIDA) ganharam muito destaque como as novidades do quarto ano, enquanto essa foi uma antagonista convincente, aquele foi o antiherói digno de merecer sua própria série, tal qual o Justiceiro na Netflix.
Terminando com o pior — mas não ruim — entre os três arcos (Framework), um clímax meio decepcionante, e as clássicas pontes para a temporada vindoura, nada pode ser descartado. Caso o Motorista não tenha sua série própria, nada impede que possa atuar como personagem recorrente em AoS, considerando seu sucesso esse ano.
Aliás, os últimos segundos nos induzem a crer que, por mais que seja negado pela ABC, a série da família real dos inumanos vai ter relação com AoS. Os motivos que induzem a esse pensamento são que o cliffhanger praticamente induz a isso e, na primavera, AoS será transmitido no mesmo horário que Inumanos, após seu término, então uma poderá trabalhar com consequências diretas da outra.
Seja por streaming ou por broadcasting a Marvel continua se superando ao expandir o MCU além das telonas. Que venha a quinta temporada! Quanto mais episódios eu vejo, mais eu quero que esses personagens interajam nos cinemas. Será que Kevin Feige atenderá a esse pedido?
Veremos.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Sniper Americano
3.6 1,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Sniper Americano | Crítica
O velho cowboy não se cansa do herói norte-americano
Dirigido por Clint Eastwood. Roteiro por Jason Hall. Com: Bradley Cooper, Siena Miller, Kyle Gallner, Cole Konis, Ben Reed, Elise Robertson, Luke Sunshine, Keir O’Donnell, Marnette Patterson.
Clint Eastwood tem um rol muito extenso de grandes trabalhos; à exceção do clichê Curvas da Vida (o qual não dirigiu), todos seus trabalhos são muito premiados e homenageados, dos faroestes a Gran Torino.
Em relação ao filme Sniper Americano, no entanto, o coração se divide em várias partes. Por um lado, entende-se o pensamento americano. Pessoas educadas desde a pequenez a acreditar que seu país é o salvador do mundo e o redentor de todos os pecados da humanidade. O público estado-unidense gosta de ver isso nas telas. Eles amam isso nas telas.
No início do longa, tenta-se disfarçar o pensamento pré-histórico de Chris Kyle (Cooper) com um discurso barato sobre lobos, ovelhas e cães de guarda. Mostra-se que esse pensamento guiou nosso herói durante toda a sua vida até o ponto que ele, fantasticamente, acha que é seu dever salvar o mundo dos maus.
Não se pode contaminar a atuação de Cooper com os ideais superficiais do filme. Ele fez tudo que que o trabalho exige: engordou, ganhou músculos e estudou os trejeitos do verdadeiro Chris Kyle, isto é, deformou e formou corpo e mente pela arte. Em suma, foi um grande ator.
Impossível, não ressaltar, também, a atuação de Sienna Miller como Taya Kyle. Através de seus olhos, acompanhamos o processo de desumanização do idolatrado soldado americano. No pós-guerra, nada é como era. A sensação de abandono que ela tem é repassada ao espectador com maestria.
Entretanto, o diretor (Clint) escancara o seu pensamento em relação à Guerra do Iraque. Ao fazer uma ligação pífia dos atentados de onze de setembro com a invasão no Oriente Médio, ele mostra que, na verdade, os Estados Unidos da América apenas queriam pacificar o mundo. Mandou seus nobres soldados com o objetivo de deixar o mundo mais seguro.
Aliás, o maniqueísmo exacerbado e irritante do roteiro faz, inclusive, nosso querido sniper encontrar seu algoz: um sírio, campeão de tiro nas olimpíadas e caçador de recompensas. Em certo ponto, parece que tudo se resume a uma rixa entre os dois. Como já ressaltado, não nos é dada a chance de criar qualquer empatia pelos muçulmanos. Eles não falam. Como entender os mudos fanáticos? Ou melhor, utilizando uma expressão do próprio filme, como entender os selvagens?
O filme é muito bem produzido (à exceção da famigerada cena do bebê de brinquedo), mesmo com a limitação do orçamento. Os erros de produção percebidos são gafes até toleráveis. Não se pode deixá-las levar ao empobrecimento do filme.
O problema está nos ideais passados. Meio infeliz e batido o uso do jovem branco, patriota, que ama seu país mais que sua vida, e se transforma em herói nacional. O mundo não é tão romântico como Clint pensa. Snipers Americanos e Resgate dos Soldados Ryans servem apenas para alimentar um ego extremamente fermentado na infância norte-americana.
Como falado, o maior problema do filme é com a demonização do oposto. A visão partidária e tendenciosa levou o filme a tentar criar de um super-homem real.
O porquê do nome do filme ser Sniper Americano é desconhecido. Ao longo dos 132 minutos de filme, apenas sete mortes aconteceram por rifle. No meio do filme, simplesmente, esqueçamos os tiros de longa distância, peguemos uma metralhadora e vamos à luta; afinal, salvar os soldados americanos é o que importa. O sistema militar, na verdade, não é nem um pouco hierárquico; todos podemos desobedecer ordens expressas de superiores e largar nossos postos. Isso no futuro vai render um grande filme.
Nota: 3/6 (Regular)"
13 Reasons Why (1ª Temporada)
3.8 1,5K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Crítica | 13 Reasons Why
Nova série da Netflix é repleta de boas intenções, mas falha em pontos cruciais na construção da trama
Dirigido por Kyle Patrick Alvarez, Gregg Araki, Carl Franklin, Tom McCarthy e Jessica Yu. Roteiro de Brian Yorkey, Elizabeth Benjamin, Diana Son, Thomas Higgins, Nathan Jackson, Nathan Louis Jackson, Nic Sheff, Hayley Tyler. Com: Dylan Minnette, Katherine Langford, Christian Navarro, Justin Prentice, Steven Silver, Miles Heizer, Ajiona Alexus, Michele Selene Ang, Alisha Boe, Ross Butler, Brandon Flynn, Amy Hargreaves, Derek Luke, Brian d’Arcy James, Kate Walsh.
Esse review pode conter spoilers da série.
A adolescência é uma fase conturbada. Independentemente do tamanho dos problemas, o jovem enfrenta-o como se fosse uma situação de vida ou morte. Infelizmente, em alguns casos, é exatamente isso.
A série adapta o romance homônimo do escritor Jay Asher, o qual narra a história de Hannah (Langford), uma jovem que, após de sofrer uma série de traumas, suicidou-se, deixando fitas endereçadas a treze pessoas que ela culpa por isso. Assim, acompanhamos Clay (Minnette) enquanto as ouve e que não entende por que motivo é um dos treze.
Recebida entre críticas e aplausos, é indiscutível que a produção está repleta de boas intenções. Temas como o bullying, abuso sexual, solidão e exposição, são tratados com muita seriedade. A obra é necessária pois traz de forma clara os prejuízos que esse tipo de humilhação e experiência cria na vida de quem a sofre. Entretanto, ao mesmo tempo em que nobre por vir de peito aberto, a série peca em falhas técnicas que quase chegam ao grotesco. Construída em uma estrutura maniqueísta e, muitas vezes, ilógica, a construção da obra sempre tem o intuito de prevalecer a dramatização ao debate. Entretanto, tal opção acaba abafando (e, portanto, diminuindo) o argumento que deveria ser o cerne do trabalho.
O roteiro é sofrível. Nitidamente voltado ao público adolescente, há uma quantidade absurda de sequências nonsense ridículas e uma criação de um suspense patético e inexistente. Afinal, o que Clay fez de tão horrível para estar nas fitas? As inúmeras vezes em que ele foi censurado pelos outros doze indicavam que ele teria sido o pior de todos, o que, ao cabo, não se comprova. Toda a primeira temporada se constrói em um mistério inexistente. Por que todos o questionam se ouviu sua fita — sendo que até mesmo o acusam de ter causado diretamente a morte de Hannah — se na verdade ele foi o único que não merecia estar ali?
As falhas não terminam aí. Por que Tony (Navarro) era o guardião das fitas? O que ele fez? São questionamentos básicos como esse que deixam o roteiro da série risível. As desnecessárias cenas da escalada, ou de ouvir a fita à beira de um penhasco são de uma extravagância absurda que não condizem com absolutamente mais nada na obra. Aliás, em certo momento somos induzidos a questionar a veracidade dos relatos de Hannah; tal abordagem some misteriosamente e, novamente, somos conduzidos à realidade absoluta em que ela fala apenas a verdade — de repente porque questioná-la seria dar complexidade em demasia ao pobre texto. Claro, a única coisa que prospera (e isso, sim, é um acerto) é o que é verdade para Hannah. A subjetividade é elementar para quem tira sua própria vida. Problemas que para uns são mínimos, para quem se matou poderiam ser insuportáveis.
Aliás, Clay, outra vítima do roteiro fajuto, vira um berdamerda diante do excesso de autoflagelação ao ouvir as fitas. Por mais que Dylan Minette seja um ator talentoso, a empatia que criamos por seu personagem dá lugar a uma crescente irritação oriunda de seu comportamento ilógico e alucinações, que apenas servem para gerar uma tensão esdrúxula (garantia de muitas risadas quando ele, literalmente, grita para a voz de Hannah sair de sua cabeça, em meio aos alunos no corredor do colégio).
Isso para não passar páginas discorrendo nos erros crassos. Não falamos aqui na falta de perícia do corpo de Jeff para averiguar se ele estava realmente embriagado; os pais estúpidos que ignoram toda e qualquer reação explosiva ou melancólica dos filhos; e (a cereja do bolo) um vilão que conta todo seu plano maligno para ser pego em um gravador invisível.
O elenco, repleto de estreantes, tem muitos talentos. Minette é um bom ator, que se esforça muito para cativar como Clay; Alisha Boe, como Jessica, é a maior revelação da série, tanto pelas experiências vivenciadas, como a forma que ela as refletiu na obra. Kate Walsh e Brian d’Arcy James, como os pais de Hannah, Olivia e Andy Baker, são o maior destaque de todo o trabalho; incrível a forma que retrataram a perda de um filho, especialmente no momento em que a encontram na banheira.
Uma das maiores preocupações com o lançamento da obra é um fenômeno conhecido como efeito Werther, onde um suicídio que tenha ganhado evidência acaba inspirando outras pessoas a cometerem tal atrocidade nos mesmos moldes. De fato, a exposição visual nas cenas da morte são um verdadeiro bê-a-bá para que outras pessoas possam fazer isso também. O excelente trabalho dos atores envolvidos, bem como a clareza com que tudo foi mostrado, mesmo que com o intuito de chocar o espectador, é uma irresponsabilidade tremenda, que pode resultar em situações irreversíveis.
A bem da verdade, 13 Reasons Why nasce de uma necessidade: debater misoginia, abuso sexual e exclusão de forma clara e séria. O amadorismo de quem a escreveu oblitera todo e qualquer esforço dos atores.
Infelizmente, por certa incompetência de roteiro, o debate que tinha tudo para ser muito proveitoso, virou mais uma temporada de Malhação.
Nota: 3/6 (Regular)"
Velozes e Furiosos 8
3.4 745 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Crítica | Velozes e Furiosos 8
Franquia acerta em apostar no exagerado e é garantia de entretenimento fácil
Dirigido por F. Gary Gray. Roteiro de Chris Morgan. Com: Vin Diesel, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Tyrese Gibson, Ludacris, Scott Eastwood, Jason Statham, Nathalie Emmanuel, Elsa Pataky, Luke Evans, Kristofer Hivju, Kurt Russell, Helen Mirren e Charlize Theron.
O maior indício do amadurecimento é descobrir o papel que exercemos perante os outros. O mundo é assim, na vida e na arte. É inegável é que Velozes e Furiosos aprendeu com isso; o que começou como algo que se levava a sério, com agentes infiltrados e gangues de rua, descambou para a ação irrestrita e tramas internacionais. Claro, na verdade, o nicho do filme nunca foi sobre tramas autocontidas, mas sim estrambólicas e exageradas.
Na trama, Dominic Toretto (Vin Diesel) é chantageado por Cipher (Theron) a trair sua equipe e ajudá-la a roubar armas para que ela possa estabelecer uma nova ordem mundial — é sério! Assim, cabe aos seus amigos conterem o ímpeto criminoso (de novo) de Dom. Como diria Hobbs, Toretto just went rogue, com direito a pausa e olhares dramáticos.
Com o enredo simples de coração, o filme não demora muito para ir ao que interessa, a ação. Em uma crescente que vem se formando desde Velozes e Furiosos 4, o filme abraça o exagerado e o novelesco. Sempre com a família como o núcleo duro de suas ideologias, Toretto não pestaneja em criar o caos se for para manter aqueles que ele ama seguros. Claro, os pequenos pontos que criam a identidade da franquia ainda estão lá: a introdução com um racha, os planos-detalhe em bundas com mini-shortinhos e takes rápidos de marchas engatando e pés nos aceleradores.
É muito prazeroso ver as brincadeiras entre os pequenos grupos que se formam dentro da família Toretto. Roman e Tej, Hobbs e Deckard (Gibson e Ludacris, Johnson e Statham, respectivamente), são duas duplas dignas de filmes próprios, tamanha a química deles em cena. Assim, as cenas mais sombrias ficam por conta de Diesel e Charlize. Óbvio, não escapam dos chavões, clichês e frases de efeito, mas, mesmo assim, tentam dar certa profundidade a personagens que em essência deveriam ser tão cartunescos quanto os outros.
O diretor, F. Gary Gray, de longe não tem a competência de James Wan (Velozes e Furiosos 7) para o entretenimento, mas com um elenco que atua junto há tanto tempo e uma franquia com identidade tão estabelecida, não há muito a ser feito ou inovado, de sorte que o filme evolui basicamente no automático. As cenas de ação são realmente divertidas; para uma série que já teve carros de paraquedas, perseguições em túneis, em pontes, arrastando cofres gigantes ou de cabeça pra baixo, dessa vez somo levados às ruas engarrafadas e claustrofóbicas de Nova York. Garantia de batidas, capotagens e chuva de carros (sim, chuva de carros).
E se ainda há qualquer dúvida quanto ao entretenimento descabidamente absurdo do filme, pode-se descartá-la quando há uma perseguição envolvendo um submarino ou quando Hobbs desvia um míssil com suas mãos (!!!!).
Se a obra acerta no envolvimentos dos personagens e nas cenas de ação de perseguição, peca na insistência de suas gags. De fato, Roman é conhecido por ser o piadista do grupo, mas dessa vez exageraram em suas tiradas nada espontâneas e previsíveis. Há também uma cena de ação com Statham dentro de um avião que a piada é explorada em demasia, tornando-se cansativa e irritante.
Conformado e inspirado pela galhofa e autopiada, Velozes e Furiosos 8 resolve uma trilogia e dá início a outras tantas, ciente — felizmente — de que tudo pode (e deve) acontecer. Em uma entrevista, Vin Diesel afirmou que gostaria de ver os Furiosos no espaço. Por que não?
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Castelo de Areia
3.2 120 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Crítica | Castelo de Areia
Novo filme de guerra da Netflix aposta no minimalismo para se desvencilhar da imagem do herói norte-americano
Dirigido por Fernando Coimbra. Roteiro por Chris Roessner. Com: Nicholas Hoult, Logan Marshall-Green, Glen Powell, Beau Knapp, Neil Brown Jr., Henry Cavill, Navid Nagahban, Nabil Elouahabi, Tommy Flanagan, Sam Spruell.
A Guerra do Iraque, criada pelo então presidente George W. Bush, foi de repente o primeiro dos absurdos do século XXI. Iniciada em 2003, o conflito foi responsável pela morte de mais de três mil soldados. Óbvio, não eram três mil heróis. Eram jovens, com sonhos e projetos interrompidos por uma guerra absurda inventada por um almofadinha. Castelo de Areia faz questão que isso seja entendido.
O enredo engloba o conflito de forma micro e não macro. Na história, o grupo do sargento Harper (Marshall-Green), o qual ansiava pelo retorno, é destacado para uma última missão: reabastecer a água de um vilarejo, cujo estação de tratamento foi atingida por um explosivo. Cientes de que não seria uma tarefa fácil (a milícia local os culpava — com razão — pela explosão), os soldados vão sabendo que nem todos iriam retornar.
Nesse ambiente, vemos o mundo através dos olhos de Matt Ocre (Hoult, em uma atuação muito sólida), o soldado que entrou no exército apenas para ganhar dinheiro para financiar seus estudos. A obra mostra claramente que Ocre é contra o conflito, quando quebra sua própria mão para poder ser enviado para casa. O grupo de soldados é muito heterogêneo, o que facilita o andamento da trama. Chutsky (Powell) é o soldado convencido a odiar o mundo islâmico; Harper comanda-os com compaixão, mas severidade; Burton e Enzo (vividos por Knapp e Neil Brown Jr., respectivamente) chegaram pelo heroísmo e tradição familiar. Syverson (Cavill) destoa dos demais por ser o capitão brucutu, de sorte que fica superficial e caricato.
O elenco todo se envolve com muita facilidade, com especial destaque às atuação de Hoult e Marshall-Green, que estão em tela em praticamente oitenta por cento do tempo do filme. À medida que vão se envolvendo mais e mais com os confrontos, ambos ficam vinculados à guerra, sem mais querer voltar para casa.
O diretor brasileiro, Fernando Coimbra, conduz seu trabalho com maestria. Limitado pelo orçamento reduzido oferecido pela produtora de streaming, Coimbra aposta em cenas menores, sem grandes explosões e membros despedaçados (na sua cara, Mel Gibson). Optando muitas vezes por não mostrar de onde vêm os tiros, o diretor intencionalmente deixa o espectador desconfortável por não saber se os soldados norte-americanos estão conseguindo algum avanço.
Aliás o próprio texto do roteiro é excelente em diversos aspectos. Os soldados sempre deixam claros que não há como confiar nos iraquianos, visto que eles mesmo usam crianças para cometerem atentados. Ainda, ele sempre tenta desconstruir a imagem do herói norte-americano e do islâmico selvagem; há vítimas em ambos os lados, os soldados por serem enviados mesmo não concordando com o confronto, e as pessoas que lá viviam e tiveram seus lares tomados, vendo-se em meio a um campo de batalha. Tamanha a crueldade de algumas cenas que mostram os próprios iraquianos sendo mortos por seus conterrâneos. O ponto mais alto da obra é o diálogo — ainda que breve — entre Ocre e Arif (Elouahabi), enquanto o primeiro vinha da terra da economia liberal, mas precisava pagar pela educação, o outro, invadido, conseguiu os serviços de forma gratuita em seu país.
Castelo de Areia é o típico filme que chegou sem fazer muito rebuliço, mas que vale a pena conferir pelo talento humano que o envolve. É verdade, faltou aparar algumas arestas ou de repente deixar mais clara sua verdadeira intenção. Como suas ideias ficam muito nas entrelinhas, é muito fácil existirem milhares de interpretações para as reais intenções do filme. A única certeza mesmo é o sentimento que o filme passa em seu último suspiro.
Assim como sua missão, a própria guerra é em vão.
Nota: 4/6 (Bom)"
X-Men: Apocalipse
3.5 2,1K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"X-Men: Apocalypse | Crítica
Bryan Singer continua, com todas as forças, tentando salvar a remendada franquia
Dirigido por Bryan Singer. Roteiro por Simon Kinberg. Com: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Oscar Isaac, Rosa Byrne, Evan Peters, Josh Helman, Sophie Turner, Tye Sheridan, Lucas Till, Kodi Smit-McPhee, Ben Hardy, Alexandra Shipp, Lana Condor, Olivia Munn.
Em 2016, o mundo amanheceu debatendo o preconceito racial no cinema. Foi uma semana de movimentos, diálogos e novas resoluções. Tudo passou. Então devemos ignorar. Devemos ignorar que o cinema volitivamente quer reescrever a história sob o viés caucasiano de ser. Vamos negar que, após isso, veio um fracassado Deuses do Egito, que sucumbiu ante essa polêmica, que pareceu que não ia se repetir. Vamos esquecer que isso passou despercebidamente pelos olhares clínicos dos críticos ao redor do globo.
A sequência inicial de X-Men: Apocalypse, em um olhar histórico-sociológico, é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e negros fazendo o papel de escravos (olha só! Que novidade!), Apocalypse (Oscar Isaac), o primeiro mutante, surge como se fosse uma divindade. Esquecendo o fato de que o filme encara as pirâmides como se fossem palácios — e não tumbas como de fato eram –, a sequência inicial proporciona ótimas cenas de ação, mostrando uma violência que ainda não havia sido demonstrada em seus predecessores.
Críticas históricas à parte, vamos ao ponto que interessa. Afinal, se fôssemos buscar aprendizado, deveríamos procurar um bom documentário.
O enredo do filme orbita em torno desse mutante. Uma divindade esquecida que acorda milênios depois, querendo retomar o mundo que lhe foi tirado. Partindo dessa premissa, no melhor estilo Michael Bay, o filme usa isso de combustível para seguidas sequências de ação e destruição em massa.
O dinamismo que o filme apresenta faz passar de forma fluida seus 144 minutos. Sem perder muito tempo com histórias e explicações, de forma natural, o filme vai se desenrolando (e ao mesmo tempo se diminuindo) de forma que o argumento usado no início de purificação, vira um mero pretexto pra conquista global. Méritos para o filme.
A nova equipe de mutantes, conhecida dos tempos do desenho animado, é construída com certa naturalidade. À exceção do novo Ciclope (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner) e Noturno (Kodi Smit-McPhee) mostram boa desenvoltura em seus papéis, sendo que esse último, no fim, acaba sendo preterido em relação à primeira, para que ela possa se desenvolver. O problema de Tye Sheridan, de repente, é o fato de ele mostrar um pouco mais de boçalidade do que deveria o futuro líder da equipe.
James McAvoy, como Professor Xavier, e Michael Fassbender, como Magneto, mostram, cada vez mais, a excelência de suas performances. Grandes nomes do cinema, já confortáveis em suas funções. Uma pena que o arco de Magneto esteja ficando cansativo, já que em todos os filmes dessa nova trilogia, ele passe pelos mesmos questionamentos: começa inerte, é provocado a ir para o mal e termina se exilando.
Inegável também a antipatia que se desenvolve por Nicholas Hoult (o Fera) e Jennifer Lawrence (Mística). Em total desrespeito ao cânone, ambos se escondem de sua aparência real, com o roteiro inventando motivos escusos para que os atores possam aparecer mais nas telas, sem toneladas de maquiagem no rosto. Afinal, até que ponto a essência do personagem pode ficar ferida por um capricho de contrato de atuação? Não me lembro de isso acontecer em Dredd, com Karl Urban, ou em V de Vingança, com Hugo Weaving.
Mercúrio, assume de vez um protagonismo merecido e previsto desde o Dias de Um Futuro Esquecido, com mais destaque ainda para Evan Peters. Infelizmente, os trailers prometeram mais de Psylocke (Olivia Munn) do que nos foi entregue, resumindo sua participação a três ou quatro linhas.
Alexandra Shipp, como Tempestade, mostra um ressurgimento muito digno da mutante, com atuação e figurino, mostrando desde cedo seu papel de liderança, que será importante para seu futuro.
É inevitável que se abram várias brechas e vários erros com o enredo do filme passado. Afinal, erros de continuidade são, praticamente, uma sequência lógica quando há volta no tempo. Felizmente, esse filme não possui aqueles finais que requerem nossa boa vontade para esquecer (alguém lembra da Mística como Stryker no fim do filme anterior?).
Claro, existe a dispensável participação de Hugh Jackman, como Wolverine. Saturado como personagem, o filme precisou fazer o dito fan-service para satisfazer as massas que vão às telonas.
X-Men: Apocalypse não é o melhor filme da saga. Aquém de Dias de Um Futuro Esquecido e X-Men 2, este filme faz seu papel de reintroduzir as conhecidas figuras da equipe clássica dos mutantes. Que isso sirva de lição para que o diretor Bryan Singer não abandone o barco como fez em X-Men: Confronto Final, sob pena de entrarmos em um looping de constantes reinícios.
Nota: 3/6 (Regular)"
Guardiões da Galáxia Vol. 2
4.0 1,7K Assista AgoraCrítica SEM SPOILERS do Catacrese:
"Em 2014, uma Marvel já ciente do estrondoso sucesso de seus filmes resolve arriscar ainda mais. Consolidando heróis que até antes de serem lançados eram considerados B (Homem de Ferro, Capitão América, Thor) a empresa resolve apostar as fichas em um grupo de anti-heróis tão desconhecidos que poderiam ser considerados até mesmo de categoria D. Surge, assim, os Guradiões da Galáxia.
Impressionando por seu excelente timing cômico, a imensa harmonia entre os atores que estavam no time e um roteiro que se alinhava ao MCU em momentos pontuais, o primeiro filme foi um sucesso absoluto de público e crítica. Em 2017, Guardiões da Galáxia Vol. 2 não era mais uma aposta; era, sim, um dos filmes mais esperados do ano.
E que filme.
Passados poucos meses após o fim do primeiro (destoando dos demais filmes, que seguiam uma cronologia linear), o filme continua abordando seu principal mote: família – parece que tudo que o Vin Diesel faz envolve família. Na trama, consolidados como famosos mercenários, o grupo começa a ser contratado para fazer diversas tarefas universo afora. Em meio a uma aventura, eles encontram Ego (Russel), o qual alega ser pai de Quill (Pratt).
Ciente de seus pontos fortes e acertos do antecessor, Guardiões da Galáxia Vol. 2 reforça suas características mais evidentes: o humor e a aventura. De início, o a entrada das piadas pode até parecer um pouco forçada, causando certo estranhamento, mas à medida em que o enredo evolui, nos acostumamos com o ritmo ditado pela obra, de forma que as suspeitas iniciais não se justificam.
O elenco inteiro, novamente, atua de forma maravilhosa, com especial destaque a Yondu (Rooker) e Drax (Bautista). Enquanto no primeiro filme ambos sofreram com menos tempo de tela, nesse os dois são os personagens mais carismáticos e cativantes (os diálogos de Drax com Mantis e Youndu com Rocket Racoon são hilários). O elenco original mantém a qualidade que justificou todo seu destaque no passado: Pratt está muito mais espontâneo como Senhor das Estrelas, Saldana parece que é Gamora desde nascença e, até mesmo, Nebulosa tem maior destaque, aprofundando os dramas familiares entre ela e Gamora. Os acréscimos de Stallone (Stakar, com muito mais tempo em tela do que o esperado), Russell (Ego), Klementieff (Mantis) e Debicki (Ayesha) atuam como se já tivessem lá há longa data.
O design de produção, por seu turno, não fica atrás. Mostrando diversos mundos ao longo do filme, o trabalho é muito competente ao diferenciá-los das mais diversas formas. Enquanto os Soberanos, com suas peles douradas, beirando o divino, são frios e calculistas, o planeta de encontro dos mercenários, com suas prostitutas robóticas, lembra um gueto sujo de Hanói ou Bangkok. Aliás, com as diversas raças alienígenas que aparecem, eis aqui o primeiro candidato ao Oscar 2018 de melhor maquiagem.
Toda aura construída remete à década de 80. Desde as referências mais óbvias, como a trilha-sonora, a obra se constrói com várias remissões. As naves dos Soberanos, por exemplo, controladas remotamente, lembram antigo fliperamas onde várias pessoas ansiosas acompanhavam alguém bater algum recorde. O planeta Ego, cheio de cor e vida, lembra as paletas coloridas que marcaram a moda na época (lembram, também, bastante a psicodelia de Doutor Estranho, o que cria uma identidade com esse universo multicolorido).
A direção de James Gunn novamente surpreende por seu total controle do trabalho. Monopolizando direção e roteiro, o diretor não dá ponto sem nó. Até mesmo os easter-eggs e os fan-services escapam da gratuidade, sendo absurdamente provocativos no sentido de nos incitar a criar teorias sobre eventos futuros. Aliás, Gunn é muito competente ao dosar a comédia e o drama em diálogos como Peter e Gamora, Peter e Ego e Gamora e Nebulosa. Nesse momento percebemos que os personagens de fato possuem uma história e, com ela, vem sua carga emocional.
Ao chegar em clímax muito intenso, a obra nos desmonta por não nos deixar preparados para tamanha emoção. Sim, os Guardiões da Galáxia são anti-heróis, mas são mortais, são falíveis. Seu heroísmo vem justamente da qualidade de tentar se superar sempre.
Nisso eles são sensacionais.
E nem falamos do Bebê Groot.
Nota 6/6 (Ótimo)"