Com bastante coisa a ser melhorada, a boa notícia é que a Warner parece finalmente ter encontrado o caminho
Dirigido por Zack Snyder. Roteiro por Chris Terrio e Joss Whedon. Com Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, J.K. Simmons, Ciarán Hinds, Amber Heard, Joe Morton
Uma das máximas que sempre distinguiu as franquias da Marvel e da DC no cinemas foi o tom adotado pelos filmes. Com isso, ambas sofriam com os pós e os contras de suas escolhas. Enquanto a primeira é adepta do humor leve e descompromissado (deixando seus filmes menos inovadores e mais descartáveis, por assim dizer), a última era mais solene e filosófica em demonstrar um mundo com super-heróis.
Infelizmente essa abordagem mais séria não caiu nas graças do público, de modo que as maiores críticas passaram a ser no tocante à melancolia de suas produções. Assim, a Warner viu-se na urgência de mudar o tom empregado – como já visto em Mulher-Maravilha –, sob pena ver ruir uma de suas maiores fontes de renda.
Nesse novo toar, Liga da Justiça, de muitas formas, se soma ao que Mulher-Maravilha já havia nos mostrado. Com muita aventura e engatinhando no humor, o filme que une alguns dos maiores heróis da DC contrasta em absoluto com Batman v Superman, seu antecessor cronológico.
Na trama, o mundo vive em desesperança após a morte de Superman (Cavill). Autoflagelado por culpa, Bruce Wayne (Affleck) segue na luta para reunir uma equipe de pessoas com poderes e, assim, poder combater a grande ameaça que se aproxima (Lobo da Estepe, vivido por Ciarán Hinds). Para isso, conta com a ajuda de Diana (Gadot) para recrutar Aquaman (Momoa), Flash (Miller) e Ciborgue (Fisher).
Logo de início, percebemos que o compasso da produção é bem mais rápido que seus antecessores. Algumas vezes até rápido demais. Sofrendo pela escolha de unir a equipe de heróis antes mesmo de serem apresentados em um filme solo, o filme precisa esbanjar de diálogos inverossímeis (então o famoso primogênito da Rainha de Atlântida, mestiço com humano, mas que não quer a coroa, e vive atormentado por viver entre dois mundos e não pertencer a eles, voltou, hein? Ninguém fala tantos apostos assim) para nos prover com o background que não temos. E isso se segue até metade do segundo ato.
Passada a correria exaustiva, um dos pontos altos do filmes vem justamente do relacionamento entre os integrantes da equipe. Individualmente, são poucas as informações para sustentarem os novatos em tela. Enquanto Ciborgue se mostra um dos mais interessantes personagens a ser explorados, Aquaman decepciona um pouco por ser apenas um clichê de macho man e Flash é apenas um jovem carente e bem humorado. Entretanto, quando juntos, fica muito mais fácil administrar as novidades. As piadas de Flash funcionam muito bem com o ar carrancudo dos demais. Mulher-Maravilha e o Batman, mais veteranos, são o elo forte do time e são muito bem explorados pelo roteiro para fazerem o que o fã espera: Batman usa de sua inteligência para persuadir a equipe a tomar determinada atitude e a Princesa de Themyscira desperta a nobreza de todos com suas palavras.
Outra grande qualidade da obra foi a forma com que retrataram Superman. As cores do uniforme mais vivas e – ainda que poucos – seus momentos isolados com cada integrante da Liga mostram um herói revitalizado e com grande potencial para novos filmes solos.
Muitos dos méritos se deram por conta da vinda de Joss Whedon, que, por sua vez, trouxe consigo Danny Elfman para a trilha sonora, sem medo de trazer as trilhas clássicas. Estão presentes os novos hinos, como a música da Mulher Maravilha (composta por Hans Zimmer e Junkie XL), mas há também o tema clássico de Superman (de John Williams) e o tema do Batman de Tim Burton (composto pelo próprio Elfman). Com isso, somos agraciados com um constante diálogo entre o novo e o velho, onde as músicas conversam e compõem algo completamente novo.
Ainda é muito perceptiva a presença de Zack Snyder, os easter-eggs e as cenas em slow-motion ainda existem aos montes. Entretanto, mais uma vez, ficou comprovado que, para o crescimento da franquia, o afastamento do diretor é medida impositiva.
Aliás, mais uma vez o diretor consegue denegrir sua imagem com a hiper-sexualização das amazonas tão bem construídas por Patty Jenkins. É berrante a diferença adotada por ambos. Enquanto a diretora nos mostrou guerreiras fortes e de armaduras verossímeis, Snyder pareceu ser mais adepto das mínimas tiras de couro. Além disso, todos os momentos que Gal Gadot estava em cena, a câmera optava por um plano americano contra-plongée para facilitar a visão de suas nádegas para os nerds pueris.
O vilão (Hinds) novamente perece ante sua linearidade e falta de motivação. Desde sua chegada, que parece muito aleatória, Lobo da Estepe nunca foi uma ameaça icônica. Na verdade, o General Zod continua sendo a maior ameaça enfrentada. Tomado por computação gráfica de má qualidade, Hinds, fica irreconhecível, servindo tão somente como a frágil motivação que uniu os super-heróis.
Se por um lado a Liga da Justiça mostra evolução em uma análise contextual, ela ainda paga pelos pecados de um início de universo compartilhado corrido e mal planejado. Um dos maiores acertos foi, definitivamente, o afastamento de Snyder da direção. O que antes era um futuro visto com pessimismo, agora, assim como o retorno esperançoso de Superman, virou um farol de esperança.
Confira a crítica do Catacrese com POUCOS SPOILERS:
"Thor: Ragnarok | Crítica
Muito colorido, Thor vive sua melhor aventura solo nos cinemas, mostrando potencial para seguir no panteão após a Fase 3
Dirigido por Taika Watiti. Roteiro por Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost. Com Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch, Tadanobu Asano, Zachary Levi, Ray Stevenson.
De todos os heróis do MCU adaptados ao cinema, Thor sempre foi o mais contestado. Seja no Thor, de Kenneth Branagh, ou em Thor: O Mundo Sombrio, de Alan Taylor, o Deus do Trovão sempre pareceu estar aquém de seu verdadeiro potencial, perdendo-se em tramas amorosas e aventuras insípidas. Tamanha é falta de convicção que, em seu terceiro filme, Kevin Feige traz um terceiro diretor, cujo estilo destoa demais dos dois anteriores; era chegada a hora de Taika Watiti, e isso não poderia ser mais acertado.
Em seu último filme dessa trilogia, Thor precisa enfrentar Hela, a Deusa da Morte e primogênita de Odin, a qual pretende ir muito além dos Nove Reinos. A trama simplista serve para fazer o que se espera: dar liga aos eventos que se sucedem. Com isso, entendemos como Thor vai parar em Sakaar e por que o Hulk aparece.
Hemsworth definitivamente encontrou sua melhor abordagem como asgardiano. Falhando um pouco quando lhe era exigido o elemento dramático, o ator demonstra um excelente timing cômico auto-debochado e depreciativo. Hiddleston também cresce como Loki no momento em que se despe da figura de grande antagonista e incorpora o papel de quase vilão, indo um pouco além do clássico anti-herói. Ruffalo (que funciona apenas enquanto Gigante Esmeralda) e Thompson não conseguem acompanhar os irmãos asgardianos e acabam lançando mão de caras e bocas desnecessárias para manter a caricatura.
Um dos personagens mais engraçados, com certeza, fica por conta de Korg, feito por captura de movimento do diretor, que busca o famoso humor sincero de Drax, mas, dessa vez, um pouco mais singelo e inocente.
Se por um lado os dois primeiros filmes sempre tentaram dar ao Thor certo impacto emocional e falharam, agora, Watiti definitivamente desiste disso. Na verdade, a escolha é inteligente a partir do momento em que, fazendo o filme funcionar com a engrenagem da comédia, os poucos momentos introspectivos acabam funcionando sem muito esforço por destoarem do contexto.
Entretanto, essa independência proclamada por Watiti traz consigo alguns ônus que prejudicam o universo cinematográfico. Ao mesmo tempo que inova trazendo um tom divertido - coisa já feita pelos Guardiões da Galáxia, então nem é tanta novidade assim -, o diretor se mostra incapaz de fazer mudanças cruciais no MCU, tal qual os irmãos Russo o fizeram. A autonomia do roteiro acaba por frustrar a expectativa de muitos dos fãs. Já nos primeiros cinco minutos, o protagonista faz um monólogo para esquecermos as Jóias do Infinito. Portanto, o diretor tira o pé do acelerador e tenta fazer um filme mais impessoal; tão distante que descarta (ou não mostra), sem o mínimo de consideração ou importância, atores e atrizes coadjuvantes.
Jeff Goldblum e Cate Blanchett foram as grandes sacadas da obra. Embora caindo na velha fórmula de tentar conquistar o universo, a Deusa da Morte mostra ser uma verdadeira ameaça com sua frieza maquiavélica. Já o Graõ-Mestre parece que foi idealizado com Goldblum em mente, suas suas maneirices e idiossincrasias fazem dele uma das escalações mais acertadas de todo o universo cinematográfico. Ele com certeza precisa voltar. Além disso, somos contemplados com cameos engraçadíssimos de Matt Damon e Sam Neill.
A trilha sonora faz homenagem a toda a jornada do Thor, o que mostra seu peso consolidado na franquia como um todo. Passeamos desde Thor: O Mundo Sombrio, a Vingadores: A Era de Ultron e começamos e terminamos com Immigrant Song, de Led Zeppelin (casualmente também dos anos setenta. Guardiões feelings).
Ousada, mas nem tanto; assim poderíamos definir a reinvenção de Thor ao fim de sua trilogia. O asgardiano definitivamente encontrou seu caminho nas mãos de Taika Watiti, mas poderia ter feito tão mais que terminamos o filme com um gosto agridoce na boca. Thor: Ragnarok é um dos filmes mais divertidos da Marvel e mostra um potencial até então inimaginável: fazer o Deus do Trovão ter seus filmes no rol dos mais esperados do ano.
Dirigido e roteirizado por Noah Baumbach. Com Adam Sandler, Grace Van Patten, Dustin Hoffman, Elizabeth Marvel, Emma Thompson, Ben Stiller, Judd Hirsch, Adam Driver, Sigourney Weaver.
Esse texto contém spoilers da trama.
Ao ouvir que um filme com Adam Sandler e Ben Stiller terminou em meio a aplausos e lágrimas no Festival de Cannes, o sentimento só podia ser um: incredulidade. Seria possível que os atores dos péssimos Sandy Wexler e Zoolander 2 conseguiriam recuperar o prestígio perdido em filmes comerciais? Em meio a essa névoa de dúvidas Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe estreia na Netflix e promete apimentar ainda mais a discussão: por que raios filmes de streaming são preteridos em relação aos do circuito de cinemas?
O enredo é sobre um dramédia familiar que gira em torno de Harold (Hoffman), um homem desajustado, com quatro casamentos e que possui três filhos (dois no primeiro, um no segundo). Com isso, somos apresentados a Danny (Sandler), Jean (Marvel) e Matthew (Stiller), o preferido, filho do novo casamento, o qual, casualmente, não seguiu a veia artística da família. Assim, após um acidente com o pai, os meio-irmãos são obrigados a conviver após muito tempo.
Mais do que um filme sobre laços familiares, Os Meyerowitz é obra sobre escolhas, aceitação e resignação. Com atuações primorosas, Sandler e Stiller traçam caminhos inversos aceitando o invencível: enquanto o primeiro vive o filho que ama o pai, mas é rejeitado por ele, o outro encarna o filho distante, mas que tem a admiração incondicional do patriarca. Esses dilemas acabam gerando diálogos excelentes entre os irmãos que vão desde o mero ciúmes até o fardo de ter que marcar presença na vida de quem não lhe dá valor.
Sandler busca alguns elementos de Embriagado de Amor, mas, dessa vez, apaixonado por sua filha e poder lhe oferecer tudo que seu pai não pôde contribuir para seu crescimento. Considerando as devidas proporções, o ator parece ter bebido da mesma fonte que inspirou Casey Affleck em Manchester À Beira-Mar, pois sempre parece estar rondando um ataque de nervos. Stiller – o maior destaque, sem dúvidas – novamente nos mostra que ele é capaz de oferecer muito mais do que faz normalmente. Buscando os elementos que cativaram o público em A Vida Secreta de Walter Mitty, o ator se mostra menos histérico e mais contemplativo. Marvel, que inicia com ares lúdicos, a medida que o longa passa, vai adquirindo contornos dramáticos que servem muito bem para ilustrar o início de uma reconexão entre os irmãos.
O diretor (Baumbach, que nos cativou com A Lula e a Baleia) continua almejando atingir o mesmo nicho de telespectador que Woody Allen. A estrutura episódica do trabalho, que intercala cenas através de fade outs é bem interessante a partir do momento em que se conhece o título original do filme. Horrendamente traduzido como Família Não Se Escolhe, o conteúdo original é Histórias dos Meyerowitz (Novas e Selecionadas), ou seja, assim como na vida, os capítulos se encerram para que novas fases possam surgir, seja essa troca sutil ou não.
Aliás a obra tem uma intimidade crescente muito evidente. No início os diálogos eram marcados por ouvintes desinteressados e perguntas protocolares. Perguntas educadas para alguém que não lhe daria resposta, mas faria outra pergunta educada. À medida que o filme passa, as respostas começam a vir; e vem acompanhadas de desabafos, lágrimas, gritos e brigas. Assim, os irmãos passam de desconhecidos a amigos, e de amigos a confidentes.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é um filme sutil sobre as diversas formas de relações familiares. No final das contas, todos se mostram responsáveis por seu próprio caminho, mas querendo dar seu melhor. Uns resignados, outros motivados a mudar. O que realmente importa é tentar ser feliz.
É muito satisfatório a indicação de progresso da Academia em dar atenção especial aos filmes de ficção científica. Distrito 9, Avatar, Gravidade e Perdido em Marte são exemplos de obras indicadas de um cinema que antes era preterido por ter sido considerado de gênero. Invasão alienígena é um tema extremamente explorado no cinema. De repente, dentro da ficção científica, seja o assunto com maior enfoque. Nesse pensamento, há vários elos que necessariamente trazemos junto ao se deparar com um filme assim: explosões, heroísmo, guerras e batalhas épicas. A Chegada quebra esse paradigma criado pelos blockbusters.
O enredo inicia como qualquer outro. Em um dia aleatório, a humanidade presencia a chegada de doze naves extraterrestres de formato ovalado (Conchas, como eles chamam). Imponentes, mas inofensivas, as naves pairam sobre o solo inertes. Com o background clichê estabelecido, o filme pode crescer no ponto que nasce sua beleza, o desenvolvimento. Suspeitando das intenções dos alienígenas, o exército norte-americano (representado na figura de Forrest Whitaker), procura a especialista em linguagem, Dra. Louise Banks (Amy Adams) e o matemático teórico Ian Donnely (Jeremy Renner), para estabelecerem contato com a civilização desconhecida.
Construindo a obra em clima de melancolia e desamparo, o excelente diretor, Denis Villeneuve, constrói seu clássico científico (com grandeza equivalente a 2001: Uma Odisseia no Espaço, Interestelar e Contato). Estreando na área da ficção espacial, Villeneuve demonstra, mais uma vez, ser um dos profissionais mais competentes de sua área, na atualidade. Passando por Incêndios, Os Suspeitos e Sicário: Terra de Ninguém, o diretor apresenta um leque infinito de recursos, sem repetir características e aprimorando sua estilística.
O elenco basicamente é Adams. Renner está ali para dar certo apoio, mas é com a Dra. Louise que vivemos a atmosfera de temor pelo desconhecido. Os primeiros minutos do filme servem para justificar a tristeza no semblante da personagem: perdeu sua filha, ainda adolescente. Sentimos o que a Dra. Banks sente. Após isso, na medida em que vai tentando se comunciar com os alienígenas, vivenciamos uma série de flashbacks pertinenentes ao momento. Uma verdadeira injustiça a ausência de sua indicação para o Oscar.
Misturando temas complexos como tempo, linguagem, história e memórias, o filme se desenvolve em ritmo lento, quase parando, algumas horas. Essa parada é necessária, durante todo o tempo somos guiados em clima de apreensão e trauma. Uma mulher sofrida em uma humanidade em crise. Aliás, não obstante a paleta fria e taciturna, a produção evolui com uma sensibilidade cativante. Ao mesmo tempo que descobre formas de contato, a protagonista se descobre e entende seu papel, não só na história, como na sua vida. Assim como em nossa mente, o filme mistura recordação e projeção. Não existe separação concreta entre ambos; a bem da verdade, no emaranhado de neurônios, as sinapses muitas vezes perdem a noção de tempo, misturando fatos e juntando eventos independentes (ou até fictícios).
A trilha sonora é um espetáculo à parte. Jóhann Jóhannssson fecha perfeitamente com a obra e pauta o filme em musicais transcendentais, indicando sempre epifanias e revelações. Ao cabo, finaliza com melodias sublimes, indicando a aceitação da protagonista com seu aprendizado.
Na terça parte, um plot twist sofisticado fecha a obra de forma primorosa e emocionante, unindo as várias temáticas, outrora sem relação alguma.
O tempo (cronológico e psicológico) é uma das grandezas da física que ainda não conseguimos superar. Na verdade, assusta muito quando esse dia chegar. Se soubéssemos nosso futuro, será que repetiríamos os mesmos erros? Alguns sim; os amores mais belos, mesmo que vividos apenas uma vez, serão lembrados para sempre.
Após cinquenta anos, finalmente um diretor entendeu a mensagem por trás do romance de Philip K. Dick
Dirigido por Denis Villeneuve. Roteiro por Hampton Fancher e Michael Green. Com Ryan Gosling, Dave Bautista, Robin Wright, Ana de Armas, Jared Leto, Sylvia Hoeks, Harrison Ford, Edward James Olmos, Lennie James.
Em 1982, em lua-de-mel com o público após revelar uma das protagonistas femininas mais fortes do cinema (Ripley, Alien – O Oitavo Passageiro), o diretor Ridley Scott inova o mundo do cinema; trazendo um filme que se passa em um futuro distópico, unindo elementos do noir e do steampunk, adaptando a obra de Philip K. Dick, nasce Blade Runner: O Caçador de Andróides.
Liberdades criativas à parte, por mais revolucionário e importante que fosse o filme de Scott, o diretor sempre deixou passar elementos importantes do romance, os quais tiravam muito do espírito da obra. Em 2017, ansiando por trazer novamente a história as telas, o diretor Denis Villeneuve é convocado unicamente com uma missão: revitalizar o mundo de Deckard e trazer a ele o que faltou na obra de 35 anos atrás, uma alma.
Na trama, trinta anos após os eventos do primeiro filme, o blade runner K (Gosling) se depara com uma revelação que tem o poder de mudar completamente a realidade que ele conhece. Para isso, precisa descobrir o paradeiro de um antigo blade runner, Rick Deckard (Ford).
Vários elementos foram mantidos em relação ao original, criando o vínculo com o espectador e homenageando, com justiça, o filme original. O sobretudo que K utiliza lembra muito o que Deckard trajava, além disso a visão panorâmica da cidade despida de natureza, bem como os constantes planos com neons das grandes corporações (mantendo a Coca-Cola, e trocando a Atari pela Sony), são alguns do elementos que remetem ao mundo mostrado por Scott em 1982.
Entretanto, ao mesmo tempo que entrega repetições do primeiro longa, Villeneuve mostra que sua obra traz identidade própria, com sua visão do mundo de Dick. Já na primeira cena, ao revelar uma árvore, tenta-se nos fazer subentender que esse não é o Blade Runner da década de oitenta. Abandonando o elemento noir e apenas mostrando a superfície do steampunk, o diretor pende muito mais para a ficção científica de Joseph Krosinski, de Tron e Oblivion, com elementos claros e arquitetura harmônica, o que deixa uma atmosfera meio Black Mirror por vezes. Claro, dentro do prédio de Wallace (Leto), o jogo de chiaroscuro é uma constante, sempre no objetivo de remeter que Wallace ao calçado vestido por Tyrrel no filme passado.
No mesmo passo que o filme, Hans Zimmer conduz a trilha sonora de forma magistral. Atualmente, arriscando mais em sintetizadores, o compositor se despe um pouco da indentidade orquestral que adquiriu. Claro, sempre dialogando com a trilha de Vangelis, principalmente nos momentos com Harrison Ford.
De muitas formas, Blade Runner 2049 é mais explícito em suas ideias do que foi O Caçador de Andróides. Seja nos diálogos ou no próprio mise-en-scène, o filme não deixa margem para interpretações dúbias ou, quando deixa, é por total intenção disto (como o diálogo entre Wallace e Deckard). Aliás, agora, em 2017, o filme finalmente atinge o âmago existencial provocado por Dick, cinquenta anos atrás. A partir do momento em que os andróides tem memórias, sentimentos próprios, e livre-arbítrio, o que os difere dos nascidos naturalmente (e precisa-se falar naturalmente já que a humanidade é condição adquirida e não de nascença)?
Enquanto Scott focou em um filme de ação com o romance entre dois personagens, Villeneuve preza as provocações da obra original, mostrando um filme de sensações incompletas. Somos submetidos às torturas do amar sem poder tocar, o amor fraternal sem poder ver crescer, criar sem poder ver, e o querer ser sem nascer.
Ao contrário do carisma de Harrison Ford, Gosling nos faz ver o filme de forma mais analítica. Até certo ponto, isso funciona muito bem considerando sua natureza, mas, com isso, não criamos os mesmos vínculos com o protagonista, o que nos faz ficar esperando Ford constantemente. A bem da verdade não há atuações de grande destaque na produção, de modo que as melhores cenas ficam por conta de Joi (de Armas), a qual experiencia o toque pela primeira vez na chuva, sendo uma sequencia realmente tocante.
Humildemente se curvando ao filme original, Blade Runner 2049 é muito maior do que o antecessor. Cortês na medida certa, a obra sabe onde respeitar os limites delineados pelo primeiro filme e sabe onde ir além. Villeneuve mais uma vez se superou e nos encantou. Que diretor fantástico!
Ano que variou entre altos e baixos nas adaptações de Stephen King tem mais um ótimo acréscimo
Dirigido por Mike Flanagan. Roteiro por Mike Flanagan e Jeff Howard. Com Carla Gugino, Bruce Greenwood, Henry Thomas, Carel Struycken, Kate Siegel, Chiara Aurelia, Natalie Roers, Gwendolyn Mulamba.
Em 1992, antes do movimento feminista ter a força que tem hoje, Stephen King surpreendeu o mundo com uma história que, nas mão de qualquer outro escritor, seria maçante. Como narrar, com eficiência, trezentas páginas sobre uma mulher algemada em uma cama? Trazendo elementos sensíveis como abuso sexual, machismo e relações interpessoais, o Mestre do Terror nos encanta com o Jogo Perigoso. Em 2017 o livro ganhou uma adaptação para as telas, exclusiva da Netflix, que faz jus à fama.
Não é demérito nem vergonha reconhecer que as produções da Netflix possuem um orçamento muito menor que os demais filmes das produtoras mainstream. Entretanto, dentro de suas limitações, a empresa de streaming tem surpreendido bastante em filmes como The Fundamentals of Caring, Beasts of No Nation, Barry, First They Killed My Father. Todavia, após trazer o péssimo O Nevoeiro – também baseada em um conto do escritor – para o Brasil com seu selo, a Netflix se desculpa com uma ótima adaptação.
No enredo, tentando reacender a chama do relacionamento, um casal de meia idade vai à casa de campo praticar jogos sexuais que consistem em algemar a mulher na cama. As coisas começam a ficar meio tensas quando, após uma discussão, o marido tem um ataque cardíaco, deixando a mulher algemada e isolada.
Gugino (que vive Jessie, a esposa) tem o trabalho predominantemente para si e o faz de forma muito eficiente. Fazendo diversas cenas complexas, a atriz entrega a Jessie idealizada pelo escritor lá em 1992. Mulher traumatizada, mas forte. Já Greenwood muda um pouco em relação ao Gerald do livro. Naturalmente, o ator é mais atraente que o personagem descrito nas páginas e, mesmo sendo um canalha, ainda é muito menos abusivo que aquele do livro.
Quem leu o romance pode se incomodar com alguns pontos adaptados; enquanto nas páginas, os delírios de Jessie eram diálogos entre personificações dela mesma (Ruth, Bobrinha, OVNIs e a Esposa Perfeita), na película, o diretor optou por dar a Gerald o papel da Esposa Perfeita, deixando a mensagem mais difícil de ser transmitida. Ora, Jogo Perigoso sempre foi sobre o conflito de uma mulher abusada pelo pai na infância e pelo marido quando adulta contra a mulher que ela gostaria de ser. Assim, é muito claro que Ruth e a Esposa Perfeita eram dois extremos de uma mesma pessoa, a primeira sendo feminista ativista e a segunda sendo a mulher moldada pela sociedade patriarcal.
Portanto, os debates entre as ilusões de Gerald (Esposa Perfeita) e Jessie (Ruth) ficam menos óbvios no momento em que, sim, sabemos que ambos são criações da mente da esposa, mas não fica claro se Gerald fala o que ela realmente pensa ou o que ela deduz que ele falaria. Assim, a produção perde força ao evidenciar menos o conflito interno de Jessie, pois dá à suas vozes novas facetas.
Outro ponto é que a introdução de Joubert é muito mais óbvia do que mero jogo de luz e sombra como diz o livro, tirando o tom provocativo que o romance estabelece na discussão se ele é real ou não. Contudo, isso em nada prejudica a produção, apenas a diferencia da obra original.
Assim como o livro, a quantidade mínima de ambientes e personagens do trabalho contribuiu para que a Netflix pudesse adaptar esse excelente roteiro. O diretor, Mike Flanagan, que já tinha surpreendido com Hush: A Morte Ouve e patinado com Ouija: Origem do Mal faz um excelente trabalho. Jogo Perigoso é um dos poucos casos em que, devido a sua coesão textual, bem como o empenho dos que nele trabalharam, facilmente, agradará não só os cinéfilos de plantão, mas também os fãs do autor, juntando-se a IT – A Coisa como uma das melhores adaptações já feitas de seus romances.
Travestida de bucolismo, Aronofsky nos entrega sua masterpiece, provocando angústia em metáfora da teoria criacionista
Dirigido e escrito por Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson, Domhnall Gleeson, Jovan Adepo, Amanda Chiu, Patricia Summersett, Kristen Wiig.
Atenção: esse texto conterá spoilers do enredo.
É sempre uma experiência exaustiva ir ver um filme de Darren Aronofsky. Independentemente de juízo de valores, seus filmes indubitavelmente nos levarão à falência psicológica. Depois da derrapada em Noé, onde fez uma abordagem mais “carnal”, por assim dizer. O diretor volta aos temas religiosos, mas, dessa vez, através da metáfora e melhor do que nunca.
É muito complicado tentar entrar nas miudezas do roteiro sem entregar muita parte das intenções do filme. Na trama, um casal que vive tranquilamente em sua casa de campo vê a rotina mudar bruscamente quando um homem desconhecido bate à sua porta.
A atuação impecável de Jennifer Lawrence, rendida à situação que a cerca é sufocante. Ao se ver em meio de um total descontrole, a atriz, sozinha, nos contagia com seu pavor. Javier Bardem, ora carinhoso, ora irado, vira um verdadeiro antagonista, pois nos desperta desconfiança e suspeita. Ed Harris – em uma fase espetacular após sua atuação em Westworld – e Michelle Pfeiffer são os responsáveis por trazer, com maestria, ares de O Bebê de Rosemary, pois aparentam saber mais do que revelam aos seus anfitriões, muitas vezes, parecendo compartilhar de algum segredo junto a Bardem.
A fotografia do filme é irretocável a partir do instante em que, quando sozinhos em casa, a casa é arejada, iluminada, e os planos são abertos e agradáveis. À medida que vão chegando desconhecidos, a câmera fica gradativamente mais perto de Lawrence, aumentando a agorafobia. Aliás, quando feliz (Lawrence, a mãe), o campo que cerca a residência é belo, com a floresta longínqua e inofensiva; a partir do momento que o ambiente vai ficando hostil, a floresta parece se aproximar, a ponto de ameaçar engolir a casa inteira. Aliás, a trilha sonora, inexistente em certos momentos, contribui para a construção da atmosfera tensa.
Estabelecido pelo espectador que o filme é uma alegoria religiosa – o próprio Bardem, em um dos momentos mais didáticos do filme, revela que cada um entendeu seu poema de forma diferente – cabe a cada um de nós entender o que nos for mais conveniente.
Bardem (O Poeta, Artista), é Deus, nos créditos apenas identificado como Ele. Com isso, a Mãe (Lawrence) é vista como a Natureza. Note que é ela quem constrói a Casa (a Terra), sempre pensando em como agradaria mais o Poeta (você realmente o ama, já diria Pfeiffer). A partir do momento em Ele sofre de um bloqueio artístico, a casa se vê invadida por um casal, Harris e Pfeiffer (personificando Adão e Eva) e seus filhos (Caim e Abel). Todos os elementos remetem à teoria criacionista, inclusive, o assassinato de um irmão pelo outro.
Após comerem o fruto proibido (a destruição do cristal e o sexo), os estranhos são expulsos e o casal volta a viver em paz, e ela engravida. Coincidentemente, a inspiração para a nova poesia vem no mesmo momento, de sorte que, ao ficar pronta, a editora (Wiig, fazendo o papel da Igreja) é a responsável por distribui-la (disseminar a palavra). A partir desse momento, vemos todos os males do mundo: guerra, brigas de rua, fanatismo religioso, doenças, saqueamentos, execuções, etc.
Ao nascer a criança, roubada por Ele, o povo a ergue de braços abertos; o bebê é quebrado e comido - o corpo e o sangue de Cristo -, causando a fúria da Mãe/Maria. Ao explodir a casa, o único que sobra intacto é Ele (eu sou o que sou), que reconstrói a casa ao lado de outra Musa.
Da mesma forma que se vê Bardem como Deus, considerando se tratar de um filme de Aronofsky, que sempre trabalha com excelentes personagens femininas (vide Cisne Negro), o inverso também pode ser verdade (cada um entende o poema de forma diferente, não se esqueçam). Aqui, embora muitos elementos se assemelhem, Lawrence seria a própria Entidade Divina – é ela que entrega seu coração nos cartazes –, enquanto ele seria a religião/crença. A crença precisa da Mãe para se inspirar. Vejam que é ela quem constrói a casa sozinha – na Bíblia, quem constrói o Éden é Deus. Assim, ao ver todo o caos que impera pela palavra da religião, a Mãe percebe que o único jeito seria ela destruir a casa (Terra, no livro do Apocalipse), mesmo que isso cause sua morte. Entretanto, a religião sobrevive, e, mesmo com a morte da Entidade Divina, ela encontra outro ser para idolatrar, começando novamente o ciclo.
Das duas hipóteses, a mais niilista seria a segunda e, considerando o espírito, do diretor e roteirista, não seria de se espantar que fosse sua real intenção. Aliás, embora ambas tenham elementos da teoria criacionista, a segunda versão se enquadra mais no conceito geral de crença e religião – esgotamento pela fé – de modo que eu, particularmente, prefiro pensar que o diretor quis ser mais abrangente.
Idealizado para ser gigante e provocativo, mãe! vai muito além da religiosidade. Misturando Stanley Kubrick e Lars Von Trier, Aronofsky nos esmigalha e deprime através da matáfora com elementos como machismo, misoginia, intolerância e a sociedade autofágica como um todo.
Digna do título que carrega, a obra é admirável em todos seus espectros. Uma verdadeira obra-prima, assim como nossas mães.
Filme sobre guerra civil no Camboja, dirigido por Angelina Jolie, vai representar o país para o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2018
Dirigido por Angelina Jolie. Roteiro por Angelina Jolie e Loung Ung. Com Sereum Srey Moch, Phoeung Kompheak, Sveng Socheata, Mun Kimhak, Heng Dara, Khoun Sothea, Sarun Nika, Run Malyna, Oun Srey Neang.
A guerra por si só é uma catástrofe. Não existe outra definição. Sejam soldados, sejam civis, toda e qualquer vida perdida inocente. Enquanto os engravatados que decretaram o estado de guerra ficam em seus bunkers e suas salas secretas, os menos afortunados se veem por entre os tiros, perdendo membros e vidas, e depois enterrados em uma cova rasa.
Ciente disso, o início do filme dirigido pela excelente Angelina Jolie não poderia ser mais didático. Ao som de Sympathy for the Devil – não coincidentemente lançada durante o Regime do Khmer Vermelho –, dos Rolling Stones, a obra começa intercalando falas de Richard Nixon (presidente que capitaneou a Guerra do Vietnã) com os bombardeios nas florestas com napalms. Nós não iremos desrespeitar a posição neutra do Camboja, dizia o presidente, as fronteiras do Camboja com o Vietnã serão respeitadas, acrescentava ele.
A trama adapta o livro de Loung Ung, também roteirista aqui, sobre sua vida no país enquanto o Khmer Vermelho toma o poder, quando ela tinha cinco anos. Treinada no período para ser uma soldada em um campo de trabalho para órfãos, Ung viu seus seis irmãos serem mandados para outros campos de trabalhos forçados. O regime durou de 1975 até 1979, quando as tropas vietnamitas conseguiram tirar o regime tirano do poder.
Filmado de forma quase documental, First The Killed My Father tem pouquíssimo diálogos. Através dos olhos de uma criança (Moch), acompanhamos o êxodo de uma família, cujo pai trabalhava para o governo rendido ao regime comunista (apoiado pelos EUA, mas que perderam após eles mesmo retiraram suas tropas com o rabo entre as pernas). Devido às quantidades mínimas de conversa, a trilha sonora, idealizada por Marco Beltrami, foi feita com esmero, pois, sem chamar muito a atenção, ela precisava pautar, não só o sentimento, mas preencher as lacunas deixadas pela ausência das palavras, o que, certos momentos, coadunava com os tiros e com os bombardeios, tornando a plasticidade sonora homogênea.
A fotografia é feita com beleza e humildade. As tomadas aéreas, variando entre o panorâmico e o perpendicular, mostram a dureza dos campos comandados pelo Angkar e a fuga dos civis da capital Phnom Penh – aqui, havendo um jogo de cores elementar e claro, onde os que fugiam trajavam branco ou laranja, e a milícia que ingressava na capital vestia preto e vermelho.
Outro grande acerto é o elenco ser integralmente cambojano. Sem espaços para marketing ou whitewashing, Jolie e Ung subvertem a tendência de hollywoodizar um filme que perderia muito de seu elemento crítico nas (talentosas) mãos de um Steven Spielberg, Mel Gibson ou Oliver Stone da vida.
Feito de forma sincera e sensível por Angelina Jolie, essa, motivada por seu filho, Maddox Jolie-Pitt, produtor executivo da obra e cambojano de nascença, First They Killed My Father exige ser visto de forma sensível também por seu espectador. Sem grandes explosões, mas com momentos de violência, o filme choca de forma íntima. Aqui, a lágrima choca tanto quanto o sangue e, mesmo com todo seu silêncio, os olhares são ensurdecedores.
Direção de Andy Muschietti. Roteiro por Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman. Com Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Bill Skarsgård, Nicholas Hamilton, Jake Sim, Logan Thompson, Owen Teague, Jackson Robert Scott, Stephen Bogaert.
A Coisa é um dos maiores romances de Stephen King. Escrito e idealizado com capacidade ímpar, o Mestre do Terror, ao longo do livro, mostra que o monstro que nos assola vai muito além do palhaço que come criancinhas. Em 1990, a primeira adaptação do livro em minissérie tornou-se cult tão somente pela atuação fantástica de Tim Curry. Mas não passou nem perto de sua essência. O mesmo não pode se dizer de 2017.
Na trama, Bill (Lieberher), após perder seu irmão caçula, Georgie (Scott), percebe que a cidade está sendo assolada por um palhaço assassino (Skarsgård). Ao conversar com seus amigos, percebem que esse é um mau recorrente e que, a cada 27 anos, Derry sofre com catástrofes e tragédias.
Passando-se na década de 80, o filme pode parecer cópia de Stranger Things (para ajudar, Wolfhardt é um desses garotos) para os mais desavisados, mas não se esqueçamos que o romance foi publicado em 1986. Enquanto a obra televisiva intercalava o período adulto com a infância (mostrando Seth Green como Ritchie Tozier e Annette O’Toole como Beverly Marsh adulta), aqui o filme é mais linear, de sorte que foi dividido em duas partes. Portanto, apenas as crianças aparecem dessa vez.
Extremamente profissionais, os pré-adolescentes conseguem cativar e emocionar. Com a câmera na altura deles, os adultos constantemente aparecem em contra-plongeé e são mais ameaçadores que o normal. Nesse ponto o acerto é evidente. No romance, o Clube dos Otários percebe que a Coisa dominou a cidade inteira, de modo que ela ignora e, até mesmo, colabora, para suas tragédias – uma releitura perfeita das descrenças da época adulta. Em cenas rápidas como um casal de idosos ignorando quando Ben (Taylor, parecendo ter saído diretamente dos livros) apanha dos bullers ilustra perfeitamente a influência do monstro na cidade.
Com muita competência, o diretor argentino, Andy Muschietti, consegue constrastar a placidez da cidade pequena, com a violência com que o palhaço ataca, ou uma casa mal-assombrada e claustrofóbica – diga-se de passagem, com um mise-en-scéne clássico dos filmes de terror antigos. Outro grande acerto argumentativo, foi dar ênfase no relacionamento de Bev (Lillis) com seu pai abusivo (Bogaert). Intencionalmente, a personagem aqui foi feita mais forte e mais presente que no romance original, sendo uma das mais profundas – embora todos seja muito bem trabalhados. Na verdade, Bev só vê a Coisa quando está junto dos outros garotos, já que seu monstro é real e vive com ela.
Dessa vez temos um Pennywise muito diferente do de Tim Curry. Independentemente de ser melhor ou pior, Skarsgård tem um approach menos amistoso que Curry, o que o afasta um pouco da essência do personagem. Na verdade, a Coisa sempre precisou se alimentar de medo, mas, para isso, se aproximava de suas vítimas de forma amigável e carismática (o que, de fato, fazia o contraste entre a aparência inofensiva e a real ameaça); agora, Skarsgård, desde o início parece aterrorizante, fazendo, inclusive, menos piadas, afastando-se do Pennywise original.
O roteiro, escrito a seis mãos, acerta ao remover os momentos mais polêmicos do romance (a cena de sexo entre as crianças e a do animal morto na geladeira, pouco teriam a acrescer), transformando-os em outros menos impactantes, já que a mensagem do elo entre eles poderia ficar distorcida. Com isso, manteve-se pura a ligação entre todos.
Um dos maiores atributos de Stephen King é a capacidade de transformar em personagens as cidades em que passam suas tramas. Tal qual Aluísio Azevedo (O Cortiço), o autor norte-americano em romances como Os Estranhos, Trocas Macabras, A Coisa, Sob a Redoma, consegue dar vida a um sentimento coletivo e local. De repente, essa seria a maior dificuldade em transferir a literatura para o cinema. Em sua primeira adaptação (1990) It: A Coisa não conseguiu fazer Derry falar, agora, em 2017, podemos vê-la pronunciando suas primeiras sílabas. Isso é fantástico.
Série vendida como baseada no conto homônimo de Stephen King não cativa e se perde nas suas próprias falhas
Criado por Christian Torpe. Com Morgan Spector, Alyssa Sutherland, Gus Birney, Danica Curcic, Okezie Morro, Luke Cosgrove, Darren Pettie, Russel Posner, Frances Conroy, Irene Bedard, Deborah Allen, Holly Deveaux, Romaine Waite, Isiah Whitlock Jr., Bill Carr, Murlane Carew, Nabeel El Khafif.
É muito nebulosa a definição do que são os limites quando algo se diz “adaptado de” ou “baseado em”. Isso sempre gera uma série de discussões; se tentar ser totalmente fiel ao original, é sem criatividade e previsível, se inova, é desrespeitoso. Entretanto, há sempre o mínimo básico para serem consideradas histórias paralelas: o mesmo background, mesmos personagens e, quiçá, mesmos eventos.
Quando foi anunciado que O Nevoeiro seria adaptado como série televisiva, ao mesmo tempo, foi vendido com o selo de “baseado no conto de Stephen King”. Contudo, finda a primeira temporada, vê-se que tal anúncio foi descaradamente de má-fé, já que, a única coisa congruente entre ambos é famigerada névoa. Com personagens e locais diferentes, os próprios efeitos da névoa em si são completamente aleatórios, o que mostra que não, a série não é baseada na obra homônima.
As personagens, vítimas de um roteiro fraco, não cativam em momento algum. Kevin (Spector) desde o início, tenta ser o herói e bom samaritano, mas nunca convence com sua capacidade. Como a trama se passa em uma cidade, há várias personagens coadjuvantes, deixando impossível de fazer um laço com o espectador.
Na verdade, a obra toda desperdiçou uma boa oportunidade no momento em que optou o caminho que seguiria. Ao ter três núcleos isolados e distintos (igreja, hospital e shopping), poderia ter sido trabalhado um lado que derivasse para o gênero estabelecido por The Walking Dead, isto é, esses núcleos formariam clãs que tentariam se impor entre si, sendo que a névoa seria apenas o pano de fundo, tal como os zumbis são para TWD. Ao invés disso, se fôssemos mater o raciocínio na ideia do comparativo, a obra derivou para um lado mais Fear The Walking Dead, ou seja, prezou os mais os laços familiares em meio à crise, do que a sobrevivência em si.
Com isso, o resultado foi uma temporada insossa, que, na tentativa de manter o mistério, empilhava questionamentos na cabeça do espectador. Sem trazer explicação aparente alguma para a névoa, cada episódio virava uma tortura, já que, em princípio, nada se relacionava. Seria a névoa um evento da natureza? Divino? Estaria o exército por trás? Como o estupro se relaciona a isso? Todas as perguntas ficam sem respostas. Na verdade, esse quê de Lost que a série tentou trazer não se sustenta em segundo algum. Enquanto lá na ilha, os caminhos todos – nas primeiras temporadas – pareciam evoluir rumo à explicação, no nevoeiro, nenhum passo foi dado para isso.
Em meio a essa confusão, temos o CGI ruim e relaxado da neblina. Pelo amor de Cristo, não é como se não houvesse gelo seco ou qualquer outro tipo de fumaça para dar um efeito minimamente mais verossímil. Além disso, enquanto no conto, os demônios que viviam nela eram assustadores (voadores, gigantes, tentáculos, etc), na televisão temos insetos, animais e alucinações.
Produzida e transmitida nos Estados Unidos pelo canal Spike, no Brasil, a série ganhou o selo da Netflix, uma pena, pois muitos irão atribuir sua má qualidade à emissora de streaming. Com a demora para anunciar a renovação, possivelmente, a produtora esteja considerando se vale a pena insistir no erro. Se renovarem, que sejam mais coerentes.
Sátira do gênero de super-heróis cativa com carisma do protagonista que com as infinitas possibilidades que abre perante o espectador
Criada por Ben Edlund. Dirigida por Wally Pfister, Romeo Tirone, Sheree Folkson, Lev L. Spiro. Com Peter Serafinowicz, Griffin Newman, Valorie Curry, Ryan Woodle, Brendan Hines, Yara Martinez, Scott Speiser, Jackie Earle Haley, Michael Cerveris, John Pirkis.
Se pudéssemos definir qual o melhor elemento de uma paródia, esse seria a possibilidade. Com um leque enorme a frente, a paródia nunca se limita a cânones ou resoluções críveis, o absurdo é elementar e, por isso, incontestável. Desde que surgiu, em 1986, The Tick dialogava constantemente com os quadrinhos e os desenhos do gênero, tornando-se um símbolo da sátira.
A origem do super-herói nunca foi explicada da mesma forma em suas mídias. Seja como um louco que escapou de um hospício (quadrinhos), ou um alienígena do espaço (primeira série), a origem do herói sempre foi envolta de mistério. Na trama, em um universo em que super-heróis e vilões são uma realidade, o contador Arthur (Newman) percebe que um grande vilão no passado está vivo. À medida em que se aprofunda nesse mistério, Arthur conhece The Tick (Serafinowicz), um super-herói azul com super-força e aparentemente invulnerável, cujo passado é um mistério.
A melhor forma de analisar a série de 2017, é estabelecendo um comparativo com a falecida série de 2001. Em 2001, o trabalho era feito muito mais no intuito de homenagear os desenhos e os quadrinhos. Outrora as cenas era visivelmente feitas em estúdio, com fundos descaradamente falsos e efeitos sonoros previsíveis, agora, podemos ver ambientes abertos, melhor qualidade de efeitos visuais, e uma série – embora sátira – tentado aparece mais verossímil, com uniformes adaptados à mídia televisiva (em 2001, os vestuários dos heróis era feito de pano e silicone, sem enxertos plástico e/ou tecidos de aparência mais tecnológica).
Enquanto antigamente o carrapato azul era vivido por Patrick Warburton, agora é vivido por Peter Serafinowicz, ambos de vozes profundas, como exige o personagem. Warburton conseguia era fisicamente mais fiel aos desenhos e conseguia destacar muito mais o semblante louco do herói, mas Serafinowicz, embora mais esguio, é muito mais carismático com seu olhar plácido e semblante alegre, que estabelece um bom contraste com o poder do herói azul.
Arthur agora é vivido por Griffin Newman, enquanto no passado era interpretado por David Burke. Nesse ponto, houve um certo passo para trás. Enquanto Burke conseguia ser mais fiel ao cânone, com sua covardia e bom coração (e uniforme igual ao desenho, diga-se de passagem), o Arthur de Newman é somente irritante. A covardia do personagem agora simplesmente dá lugar à sua tosquice.
A presença de alguns personagens foi sentida; claro, trata-se da primeira parte de uma temporada apenas, muito mais deve vir no decorrer da obra, mas em 2001, a obra não tinha medo de introduzir heróis engraçadíssimos, como Batmanuel ou a Capitã Liberdade – seu constante flerte é a melhor metáfora da imigração latina na América do Norte, que já vi.
Contantemente provocando outros heróis, seja da Marvel ou da DC, The Tick faz piadas com o alcoolismo de Tony Stark ou o fato de Bruce Wayne ser um playboy. Nem mesmo Superman escapa com uma cópia escrachada: o Superian. O mundo de super-heróis rotineiros tenta traçar um paralelo com Watchmen, mas enquanto esse era visto do viés pessimista, em The Tick, eles são vistos como pseudocelebridades, conseguindo caminhar tranquilamente nas ruas, mas sendo atacados por um eventual fã pedindo autógrafos.
Feita com total leveza e descompromisso, The Tick é feita para fãs de super-heróis que não se importam de vê-los avacalhados ou debochados. Completamente apegada ao nonsense a série mistura a piada pronta e a improvisada, com um pouco de violência exacerbada. A típica série que não deverá ter uma legião de fãs xiitas, mas com certeza agradará muita gente.
Ambas as séries estão disponíveis no serviço de streaming Amazon Prime Video.
Com heróis cada vez mais complexos, Os Defensores mostra que pode ser o carro chefe dos produtos originais da Netflix
Criada por Douglas Petrie e Marco Ramirez. Com: Charlie Cox, Krysten Ritter, Mike Colter, Finn Jones, Elodie Yung, Jessica Henwick, Scott Glenn, Sigourney Weaver, Wai Ching Ho, Elden Henson, Simone Missick, Rosario Dawson, Yutaka Takeuchi, Ramon Rodriguez, Rachel Taylor, Deborah Ann Woll, Eka Darville, Babs Olusanmokun.
Quando a Netflix anunciou que adaptaria para a televisão os heróis urbanos da Marvel, a maior dúvida sempre foi em como a passagem seria feita. Hoje, passados dois anos desde a primeira temporada do Demolidor, com altos e baixos, a franquia que conquistou os fãs une os heróis em um bom crossover que faz jus ao legado até então.
A trama é bem óbvia; finalmente conhecemos os líderes do Tentáculo e suas reais intenções (embora bem rasas). Assim, unindo elementos dos anos anteriores, o grupo de heróis acaba se juntando na maior ilustração de o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Muito bem costurada às temporadas solo de cada herói, o enredo demora cerca de três episódios para justificar a união do time. Partindo de premissas deixadas claras em suas respectivas séries, a temporada funciona na medida em que o combustível de cada um segue sendo suas respectivas motivações individuais (Luke Cage quer o bem dos jovens do Harlem, enquanto Jessica Jones segue intrigada em um caso investigativo; Punho de Ferro segue na caça do Tentáculo e Demolidor busca uma vizinhança mais segura). Assim, mantendo a linearidade na psiquê dos personagens, o espectador não sente baque algum nos episódios.
Com tempos de tela proporcionais, o quarteto principal atua de forma como já se era esperado. Acertadamente, o roteiro acerta em manter o Tentáculo como antagonista, pois, caso contrário, o Punho de Ferro (Jones) seria esquecido – melhor que na primeira temporada, o herói ainda pena na construção de seu carisma; seu ódio ao grupo terrorista acaba o mantendo em evidência. Colter, embora mostrando-se um Luke Cage menos forçado, funciona muito bem quando divide tela com Jones, contudo, ambos continuam frágeis quando sozinhos em cena. Ritter e Cox constroem de forma muito fluida a relação Jessica Jones/Demolidor. Ambos conseguem brilhar em uma dinâmica divertida entre o estilo sarcástico de Jones e o fato de o Demônio de Hell’s Kitchen se levar a sério de mais.
De uma forma muito inteligente, o texto consegue unir os coadjuvantes para que eles tenham certos momentos de brilho também. Novamente, mantendo os pensamentos de temporadas passadas, o elenco mostra sua importância – com especial destaque a Elden Henson, que está cada vez melhor como Foggy Nelson. Henwick (Colleen Wing) e Ching Ho (Madame Gao) continuam muito caricatas; as diversas caras e bocas que fazem nos trazem um misto de irritação e pena. Dawson, espantosamente, tem menos destaque do que a expectativa criada nas outras cinco temporadas; sempre encarada como um “Nick Fury” da Marvel televisiva, a enfermeira teve uma importância muito menor do que lhe era esperado.
Um destaque à parte durante os oito episódios foi a fotografia. Sempre trazendo elementos de cada um dos protagonistas, em diversos momentos une o vermelho, o amarelo, o verde e o azúl/púrpura. Aliás, de uma forma muito prazerosa, nos vemos em um constante jogo entre o noir, o blaxploitation e a sofisticação. As trocas de cena, mostrando imagens de Nova York através de uma lente, deixam a mudança menos impactante de um tom para outro.
A vilã Alexandra, encarnada por Sigourney Weaver, sofre um pouco pela horizontalidade da organização a qual representa. Não há motivação crível no Tentáculo a não ser o cartunesco, assim, a atriz acaba sendo desperdiçada. A bem da verdade, a escolha não foi bem enquadrada ao papel, para aqueles que esperavam cenas de luta grandiosas, a idade da antagonista foi um empecilho para uma eventual coreografia. Yung, como Elektra, evoluiu muito desde o segundo ano de Demolidor; enquanto na temporada passada, a atriz serviu mais como um recurso para desacelerar o ritmo intenso, aqui, ela foi muito bem utilizada para mudar o status quo estabelecido.
As coreografias continuam deixando a desejar. Em algum momento, entre as duas temporadas do Homem Sem Medo e Punho de Ferro, os showrunners perderam a mão nas cenas de luta. Claro, há a clássica cena de luta no corredor, mas aqui, a câmera varia entre muitos ângulos, tirando o impacto da luta. Existe uma boa cena de luta no último episódio, aí sim, com planos sequência longos e panorâmicos de encher os olhos, mostrando o entrosamento da equipe.
Ao fim, como bem anunciado pelo produtores, Os Defensores reservou mudanças para todos os personagens. Quatro mudanças, quatro acertos. Embora sendo a quantidade ideal, com apenas oito episódios, fica aquela vontade de ver ainda mais. Os cliffhangers dos heróis, com exceção do Luke Cage, foram ótimos.
Corrigindo alguns erros do passado, a parceria entre as empresas mostra que está evoluindo. Os atores estão mais confortáveis e os enredos dignos da Era de Ouro dos quadrinhos. Aparentemente, com a confirmação do Justiceiro e boatos de que a Netflix irá adaptar outros heróis, podemos esperar uma sequência com ainda mais heróis.
Das maiores ausências, apenas faltou Come As You Are. Tomara que toque na segunda temporada.
Filme dos “Vingadores Russos” está bem longe de convencer, mas nos garante alguma diversão com um urso gigante carregando uma metralhadora nas costas
Dirigido por Sarik Andreasyan. Roteiro por Andrey Gavrilov. Com Anton Pampushnyy, Sanjar Madi, Sebastien Sisak, Alina Lanina, Valeriya Shkirando, Vyacheslav, Stanislav Shirin, Aleksandr Komissarov, Nikolay Shestak, Mila Maksimova, Igor Maslov.
Em meados de 2016, começou a circular na internet um trailer de um filme russo que tratava sobre um grupo de heróis que precisava unir forças contra um mal comum. O furor, com o tempo, esfriou, e nunca mais foi falado sobre o dito filme dos “Vingadores Russos”. Pois bem, no início de 2017, houve uma nova implosão cibernética: não se bem por que cargas d’água, mas esse filme iria ser transmitido nas salas de cinemas brasileiras. Bem que ele poderia nem ter vindo.
Na trama, durante o período de Guerra Fria, o governo soviética criou uma organização chamada Patriota, a qual criaria supersoldados para serem enviados nos focos de conflito. Anos depois, uma das cobaias se volta contra a Rússia, obrigando o governo a procurar os demais soldados, que passaram anos no anonimato, para vencer o grande inimigo.
Quanto aos poderes dos ditos Guardiões não há nada digno de nota. Arsus (Pampushnyy) é um cientista que vive isolado na Sibéria que pode se transformar em meio-urso, ou um urso completo (nunca pensei que falaria isso); Khan (Madi) é um ninja que usa duas lâminas de manuseio extremamente incoveniente e que pode se teleportar; Ler (Sisak) controla minérios e lidera o time; e Kseniya (Lanina) pode ficar invisível.
Cheio de clichês, o filme, muitas vezes parece um clipe musical, tamanha a quantidade de movimentos coreografados e encaradas ao telespectador. Essa pseudo quebra da quarta parede (nunca há uma conversa direta com a plateia) dá ao trabalho um tom demasiadamente infantil e amador, de modo que, já em meio ao filme perdemos totalmente o respeito pelo conjunto da obra. Faltou-lhe o nexo de causa que ligue sua atmosfera às técnicas de filmagem utilizadas.
Outra ponto que não favorece o trabalho é a maquiagem escolhida para representar o vilão, Stanislav Shirin (Kuratov). Para justificar suas habilidades, lançou-se mão de braços mecânicos e tubos conectando partes de seu corpo, mas não só isso, todas as próteses que formaram seus músculos, são muito evidentes – muitas piadas em relação ao six pack dele. O rosto, pateticamente deformado, lembra uma mistura de bebê com Jason Voorhees, antes de se tornar o apodrecido psicopata. Assim, é criado um vilão com cara de panaca, incapaz de transmitir a verdadeira ameaça que representa.
De ponto positivo, há apenas o urso de metralhadora – que é mais bem-humorada pela nossa incredulidade do que pela piada em si, já que é algo levado a sério no trabalho. Com um CGI bem pobre, há inclusive erros graves de continuidade dignos de Hulk (em uma cena a transformação rasga as calças e depois elas aparecem inteiras).
Repleto de boas intenções, o filme veio com o condão de mostrar que o cinema russo está ciente das atuais tendências do cinema mundial. Incapaz de satisfazê-las, infelizmente, o trabalho pende entre o ruim e o patético por se levar a sério em demasia. Pior de tudo é que o filme foi tão confiante que as cenas pós-créditos garantiram uma continuação. Vem mais clipe por aí.
Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro por Christopher Nolan. Com Fionn Whitehead, Damien Bonnard, Aneurin Barnard, James Bloor, Barry Keoghan, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Will Attenborough, Kenneth Branagh, Harry Styles, James D’Arcy, Cillian Murphy.
Christopher Nolan é um dos diretores mais contestados da atualidade. Ame-o ou deixe-o. Não há espaços para meio termos. Com filmes no currículo como a trilogia Batman, Interestelar, O Grande Truque, Amnésia e A Origem, o diretor, que começou empilhando sucessos, dá sinais de que atingiu um plateau criativo e/ou operacional. Continua tecnicamente impecável, óbvio, mas muito menos inovador. Infelizmente, nessa fase, surge Dunkirk.
O filme é muito competente ao estabelecer uma narrativa tripartite e intertemporal. Na história, acompanhamos a evacuação das tropas inglesas e francesas da praia de Dunquerque, que estava sitiada pelo alemães nazistas, no início da Segunda Guerra Mundial. Para isso, acompanhamos três frontes que se desenrolam em lapsos temporais distintos: na praia, vivemos uma semana; no mar, um dia; no ar, uma hora. Ao mesmo tempo que prazorosa, pois diferente, essa forma de narrativa traz consigo o ônus de que já saibamos o desfecho de alguns personagens, antes da conclusão “em sua linha temporal”.
Assim, em terra, vemos as tentativas de Tommy (Whitehead) em sair com vida da praia, passando a frente dos demais soldados; no mar, acompanhamos Mr. Dawson (Rylance), Peter (Glynn-Carney) e George (Keoghan), indo ao resgate dos soldados em um pequeno barco pesqueiro, uma vez que foram convocados pelo governo inglês; por fim, no ar, estaremos na cabine de Farrier (Hardy) que lidera outros dois pilotos para escoltar os destroyers e os pequenos barcos civis, que são constantemente atacados por caças nazistas.
Um dos principais pontos positivos da obra é, sem dúvidas, sua plasticidades artística. Com uma fotografia ampla, e ótimos ângulos das asas dos aviões, o filme é digno de salas IMAX. Ademais, as cenas em que a câmera fixa vira junto com o barco causa certa desorientação no espectador, fazendo a imersão ao trabalho muito mais plena. Dentro do caça, os movimentos rápidos da mira e a perseguição são sensacionais, já que não vemos como terceiro espectador, mas sim, um piloto.
Outro grande acerto é a edição e a mixagem de som que casa perfeitamente com a trilha de Hans Zimmer – o qual conseguiu revitalizar sua carreira de forma incrível, tirando-o da mesmice onde estava estagnado. Não é difícil imaginar que Dunkirk concorrerá aos Oscars no que toca à sua sonoplastia. Os estouros dos torpedos ou o barulho dos motores dos aviões reverberam de forma magistral, mas não apenas isso, os ecos da voz dos soldados quando estavam presos no barco encalhado, ou o abafamento dos sons na cabine dos pilotos são ótimos exemplos da perfeição sonora do filme.
Há certo questionamento que se pode fazer quanto à bestialização do inimigo. Filmes como Sniper Americano e, o já referido, até O Último Homem são completamente simplistas ao retratá-lo. No momento em que se lança mão de mostrar “o outro lado da linha”, deve-se fazer da forma correta; não basta mostrar um antagonista demoníaco desprovido de sentimento ou razão. Entretanto, Dunkirk consegue ser sufocante no momento em que mostra a ameaça alemã de forma onipresente e avassaladora. Em nenhum momento existe menção ao nome de Hitler ou ao nazismo, todavia, sua presença está no medo constante causado às tropas. Não há brechas a questionar as intenções de um inimigo invisível.
Embora acerte muito na parte técnica, o filme perde na parte humana. Com bons atores subaproveitados, o filme demora a cativar quem o vê. O núcleo marítimo é o que mais se aproxima de tal feito, mas, mesmo assim, não conseguem sustentar todo o trabalho. Com muitas vezes com o rosto tapado por máscaras de oxigênio, Hardy trabalha quase que integralmente apenas com os olhos, o que é um revés para a obra. Lógico, há cenas muito emocionantes, os olhos lacrimosos do comandante Bolton (Brannagh) em primeiríssimo plano ao olhar os barcos civis e chamá-los de casa, bem como a mentira contada por Peter ao soldado interpretado por Cillian Murphy, possuem uma carga emocional enorme se comparadas ao resto do filme.
Diferente de outros filmes de guerra, onde trazem uma crítica implícita a sua desnecessidade, como, por exemplo, o Mel Gibson o faz através da violência desacerbada (Até O Último Homem), Coppola o fez nas cenas cada vez maiores de Apocalypse Now, ou Oliver Stone trabalhou através do paralelo entre o assassino fanático e o idealista pacifista (Platoon, eternizado por Willem Dafoe), Dunkirk é meramente frio no sentido de retratar a guerra de forma quase documental. Não coube à obra criticar o conflito pelo motivo que fosse, apenas a retratou como um fato.
Na verdade, tamanha sua frieza que ao final, o resultado pouco importou. Com os soldados chegando em casa, ouvimos um discurso calculista de Winston Churchill, disfarçando através do otimismo e compreensão seu sentimento de derrota. E assim saímos quando as luzes acendem: desolados. Maquiando nosso sentimento de que a obra foi impecavelmente bem feita, quando, na verdade, existiam muito pontos a serem melhor trabalhados.
Dirigido por Michael Bay. Roteiro por Akiva Goldsman, Matt Holloway, Ken Nolan. Com Mark Wahlberg, Anthony Hopkins, Josh Duhamel, Laura Haddock, Santiago Cabrera, Isabela Moner, Jarrod Carmichael.
Diferente dos demais textos, dessa vez, volto-me a apropriar da primeira pessoa. Com o coração sangrando na ponta dos dedos, impossível não me envolver pessoalmente com o que aqui ficará escrito. Eu realmente achava que o filme seria uma bosta, entretanto, fui vê-lo somente movido pela esperança de isso poderia mudar. Mas só piora.
O filme começa sendo narrado por Sir Edmund Burton (Hopkins), um lorde inglês que, sabe-se lá por que, sabe tudo o que aconteceu no mundo. Assim, vemos uma guerra protagonizada por Rei Arthur e Merlin contra os bárbaros, de sorte que aqueles só venceram esses porque contaram com a ajuda dos Autobots. A partir daí voltamos ao futuro (assim como o último, o filme é no futuro) e é só tiro, porrada e bomba sem nexo algum.
Entendam: o que se faz aqui não é uma nota de repúdio a filmes de ação. Muito pelo contrário. Filmes de ação e aventura sempre foram e serão bem-vindos. O que não se pode admitir é um filme que está no quinto episódio e continua negando e tranformando e ignorando fatos trazidos pelos anteriores. O fato de trazer consigo o selo de “filme de ação” não é uma excusa para abdicar de personagens trabalhados ou minimamente complexos! Há um romance que nos é enfiado goela abaixo, uma criança de quatorze anos que sabe mais de anatomia alienígena que qualquer um e o Mark Wahlberg, que, por si só, é maluco.
Por óbvio, os personagens principais: Yeager (Wahlberg), Sir Edmund Burton e Vivian Wembley (Haddock) são perfeitamente estereotipados para que o espectador já saiba como eles pensam para que não percamos um segundo sequer de tiroteio ensandecido.
Afora isso, temos mais um exemplo de trailer que vende algo bem diferente do que o filme oferece (Esquadrão Suicida feelings), isto é, o trailer conta com muito mais de Optimus Prime do que a própria obra.
O maior problema que a franquia enfrenta é a necessidade do diretor, cada nova trama, querer aumentar a mitologia e a história da relação Autobots/humanos. Com isso, todo filme vira um tiro no pé ao negar condições e fatos estabelecidos pelo antecessor. Aliás, mesmo que tentasse se renovar, sempre precisamos enfrentar o Megatron (o famoso vilão que sempre volta, quase Jason Voorhees) e sua patota.
De fato, algumas coisas melhoraram; enquanto os primeiros dois tinham cortes muito rápidos nas cenas de combate – o que dificultava para o espectador saber quem é quem, já que era um monte de ferro brigando e atirando –, nesse os takes mais alongados facilitam na hora de nos situarmos na atmosfera do confllito.
Com Michael Bay anunciado que esse foi seu último filme (graças ao Senhor!), a única sensação que eu senti ao final foi a dúvida de quem aceitaria tomar para si uma bomba dessas. Claro, sempre podemos ligar o foda-se e fazer o sexto filme da franquia sem diretor algum, já fizemos os cinco primeiros dessa forma, não é?
Com grande elenco em teoria, mas sem química alguma, nova série da Netflix demora para mostrar a que veio
Criada por Francesca Delbanco e Nicholas Stoller. Dirigida por Nicholas Stoller. Roteiro por Tiffany Barrett. Com Keegan-Michael Key, Annie Parisse, Jae Suh Park, Fred Savage, Nat Faxon, Cobie Smulders, Billy Eichner, Greg Germann, Kate McKinno, Seth Rogen, Chris Elliott.
Quando há grande expectativa em algum lançamento, por óbvio, existem o ônus e o bônus. Pois então, a Netflix anunciou sua nova série de comédia em que Keegan-Michael Key, Colbie Smulders e Fred Savage, o que causou furor entre os espectadores. Smulders, inclusive, chegou a comparar Friends From College com o já falecido How I Met Your Mother (eterno em nossos corações), dizendo que aquele seria uma versão dark desse. Pura galhofa.
Em oito breves episódios, o enredo mostra o reencontro de um grupo de amigos de Harvard, vinte anos depois de formados. Para dar a carga dramática, muito rapidamente somos expostos ao panorama geral: Ethan (Key) é casado com Lisa (Smulders), mas tem um caso com Annie (Parisse) que desabafa com Marianne (Park). Além disso, Lisa é ex-namorada de Nick (Faxon). Para finalizar, os melhores amigos, Ethan e Max (Savage), trabalham juntos e enfrentam o ciúme do marido de Max, Felix (Eichner).
Um dos elementos mais louváveis da série foi, em um núcleo tão pequeno – apenas seis amigos –, conseguir trazer tamanha diversidade e melhor, tal característica nunca é debatida, simplesmente está lá. Assim, justamente pelo fato de passar desapercebida do espectador, tal característica é excelente pela naturalidade mostrada. Enquanto em Friends e How I Met Your Mother o núcleo era formado brancos e héteros, aqui vemos que o mundo vai muito além dessas delimitações. Key é filho de pai negro e mãe branca, Park é coreana e Savage interpreta um homossexual (casado, para o desespero de muitos).
Infelizmente, a série sofre pelo grande frenesi causado por seu anúncio. O elenco, em teoria é muito bom, mas sofre para entrar em harmonia e se conectar com o público, o que só acontece em meados do sétimo episódio, penúltimo do primeiro ano. Mesmo assim, há muito menos comédia do que fora prometido, de modo que muitos dos risos são gerados pelo famoso sentimento de “rir de nervoso”. Na verdade, são Smulders e Savage aqueles que, individualmente, levam o trabalho até ele começar a evoluir sozinho. Com menos tempo de tela que Key e Parisse, os atores se esforçam em cada minuto que aparecem. Keegan foi muito mal utilizado como Ethan; como seu personagem é naturalmente egocêntrico e adúltero, já há um certo repúdio por parte do espectador, e ele, mesmo com seu carisma, não consegue superar tal barreira.
Outro elemento que não funciona é a dinâmica dos amigos como um grupo. À exceção do episódio dos vinhedos, todas as cenas de jantares e eventos com todos parecem cheias de estranhamento e desconfiança, o que não é natural para amigos de longa data. Contudo, quando estão em núcleos menores, as cenas são muito mais prazerosas e as gags bem mais fáceis de emplacar.
Com coadjuvantes talentosos, a série flui mais fácil quando um deles contracena. As aparições de Kate McKinnon, Seth Rogen e Chris Elliott são hilárias, mas é aí que se percebe a fragilidade dos personagens centrais pois são ofuscados por completo pelos atores convidados.
Devendo em tudo a que se propôs, Friends From College merece uma segunda temporada devido ao seu season finale promissor, mas existe muita coisa a ser trabalhada. Muita coisa boa pode vir na evolução e no amadurecimento da relação dos amigos. Infelizmente, a Netflix, tão bem sucedida em suas séries dramáticas, ainda engatinha na comédia. Faz falta uma sitcom como fora outrora Friends e How I Met Your Mother, com risadas de fundo, câmeras fixas e mise em scène facilmente decorado. E nem venham falar de The Ranch.
Em filme de roteiro simples, Tom Holland brilha e Michael Keaton encarna um dos melhores vilões da Marvel nos cinemas
Dirigido por Jon Watts. Roteiro por Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers. Com Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Donald Glover, Jacob Batalon, Laura Harrier, Tony Revolory, Bokeem Woodbine, Michael Chernus, Logan Marshall-Green, Jennifer Connely, Gwyneth Paltrow.
Sempre foi com grande pesar que, no passado, o universo cinematográfico da Marvel foi visualizado abdicando das imagens do Homem-Aranha e dos X-Men. Claro, considerando que foi a venda de seus direitos para a Sony e Fox, respectivamente, que salvou a empresa da falência, era uma preço baixíssimo a se pagar.
À medida em que o tempo foi passando, a Marvel (então comprada pela Disney) se capitalizou o suficiente para forçar o retorno de seus personagens a sua casa. Seja retirando-os das histórias em quadrinhos, ou transformando suas origens, um pseudoboicote começou a existir em relação ao amigão da vizinhança ou aos mutantes.
Após um súbito corte na saga do Espetacular Homem-Aranha da Sony (gerada pelas reviews horríveis e arrecadação abaixo do que o esperado), para aqueles que esperavam um dos maiores super-heróis do MCU, o Cabeça de Teia retornou ao lar de forma muito mais modesta que o imaginado. Sua volta, entretanto, não poderia existir de forma melhor.
Com direção ordinária e roteiro pensado às pressas por seis cabeças, não se poderia esperar muita complexidade argumentativa. Claramente inspirado em filmes colegiais como Curtindo a Vida Adoidado ou o Clube dos Cinco, o filme mostra um Peter Parker (Holland) no colegial, administrando a súbita responsabilidade trazida a sua vida por Tony Stark em Capitão América: Guerra Civil. Conciliando a ansiedade de ser um Vingador, bem como a difícil vida no ensino médio, o garoto se depara com um vilão (Keaton) que utiliza a tecnologia Chitauri para traficar no submundo de Nova York.
Como já dito, as inspirações são claras; seja na sala de detenção ou nas cenas correndo pelos jardins das casas (onde inclusive, há um cena com Matthew Broderick no televisor, deixando clara a analogia), o filme mantém a aura escolar em todos os seus elementos. Para aqueles que imaginaram que Stark roubaria o filme para si, isso não aconteceu. Espertamente, usaram e abusaram a imagem de Hogan (Favreau) para fazer o link entre mestre e aprendiz. Assim, cabe a Downey Jr. algumas poucas cenas de eu avisei ou você pode ser melhor do que isso.
Com demasiada competência, o elenco do filme se encaixou de forma ótima. Holland (que tinha a difícil tarefa de substituir os talentosos Tobey Maguire e Andrew Garfield) muda completamente o ângulo de abordagem, o que lhe favorece; enquanto Maguire se debatia nas angústias da identidade secreta e Garfield direcionava as atenções ao lado descolado, Holland se destina a mostrar a jovialidade e o amadorismo do herói. De forma brilhante, ele se diverte consigo mesmo enquanto tenta se superar para chamar a atenção do Homem de Ferro, que o apadrinha.
Sem sombra de dúvidas o grande destaque fica por Michael Keaton; experiente em filmes de heróis, o ator se mostra o vilão mais verossímil e vertical desde Loki. Com os primeiros minutos do longa destinados a estabelecerem sua psique, somos expostos às motivações do Abutre. Sua sede de vingança e a vontade de garantir a melhor vida possível para sua família são verdadeiras o suficiente para possamos, inclusive, empatizar com o personagem de forma que há tempos não acontecia em qualquer outro filme do MCU.
O elenco complementar, da mesma forma, atua harmoniosamente com os demais. Marisa Tomei, embora subaproveitada, faz o papel da tia legal, que tenta usar sua jovialidade para se conectar a Peter, abandonando de vez a imagem da tutora frágil e idosa das demais Tias Mays. Zendaya tem alguns bons e rápidos momentos de tela, enquanto o alívio cômico fica por conta de Batalon (que o faz de forma ótima, diga-se de passagem). Favreau – em lua de mel com a Disney desde Mogli e dirigindo Rei Leão –, que nunca teve tanto tempo de tela como Happy Hogan, tem cenas excelentes com Holland e com certeza deveria ser mais explorado nos filmes.
Curiosamente, o espectador não tem nem pistas sobre alguns outros personagens conhecidos dos quadrinhos – não vêm nem indício de J. J. Jameson, Felicity Jones, ou a família Osborn –, de repente, para serem futuramente trabalhados nas sequências ou em outros filmes do spiderverse que passarão dentro do mesmo universo (ou não, ninguém sabe, nem eles). Claro, existem, espalhadas ao longo 133 minutos, uma infinidade de homenagens aos filmes de Sam Raimi, como a cena do trem em Homem-Aranha 2, ou ao beijo invertido de Homem-Aranha 1.
As cenas atrapalhadas de Peter Parker e sua origem desajeitada como super-herói podem até causar certo incômodo, mas que, ao som de Ramones, geram uma energia contagiante. Embora não existam cenas de ação emblemáticas e o clímax seja morno, o filme foca no amadurecimento de Peter enquanto herói e enquanto adolescente, onde muito bem sucedido.
Em Vingadores: Guerra Infinita, de repente, teremos um Homem-Aranha mais maduro (quase nada) e ciente de suas responsabilidades (um pouco), mas esperamos que mantenha o espírito dado por Holland. Nisso não podem mexer.
"Okja | Crítica Filme tocante da Netflix ataca a indústria carnista e brutalidade policial se travestido de conto infantil
Dirigido por Joon-ho Bong. Roteiro por Joon-ho Bong e Jon Ronson. Com Tilda Swinton, Giancarlo Esposito, Jake Gyllenhaal, Seo-Hyun Ahn, Shirley Henderson, Je-mun Yun, Steven Yeun, Paul Dano, Lily Collins, Daniel Henshall, Devon Bostick.
Quando foi anunciado que filmes da Netflix concorreriam a Palma de Ouro esse ano, instaurou-se um burburinho cogitando se seria esse o filme do cinema tradicional. Na verdade, ao revelar o espanhol Pedro Almodóvar (ainda apegado ao estilo cult enquanto arrogante) como o presidente do júri, Cannes se mostrou um verdadeiro artifício para encerrar a discussão ao afirmar que streaming nunca será cinema e vice-versa, praticamente acabando com as chances de Okja de vencer o grande prêmio e tornando sua participação meramente protocolar.
Mais uma vez o conservadorismo se mostra um empecilho para admirar a arte em suas diversas formas. Não é a primeira vez que isso acontece e não será a última.
O enredo é construído em diversas inspirações, desde Disney até Studio Ghibli. Começando com um anúncio inspirado Lucy Mirando (Swinton), somos apresentados aos super-leitões — seres que se assemelham a hipopótamos — quando ela se gaba de tê-los descoberto em uma inóspita região do Chile e por serem naturais e não-transgênicos. Assim, a solução para a fome do mundo passaria pelo consumo da carne de tais seres. Com um lapso temporal de dez anos, conhecemos Mikha (Ahn), na Coreia do Sul, uma menina que cuida de Okja, uma super-leitoa, desde seu nascimento e que fará de tudo para proteger sua amiga da exploração da indústria pecuarista.
Passeando por Dumbo, Meu Amigo Totoro e A Viagem de Chihiro, ao analisar o plot, não se pode confundir infantilidade com ingenuidade. Junto de Mikha, gradativamente, vai sendo retirado da frente do espectador o véu que cobre a fachado de uma empresa que vive da morte animal. Assim, o filme, que começa inocente, vai mostrando-se cruel com o passar dos minutos, o que causa um choque gigantesco, considerando o tom inicial imposto à obra.
As atuações oscilam entre bons e maus momentos. É inegável a influência do escatológico trazida pelo cinema sul-coreano de Bong. As ações exageradas e piadas em um timing péssimo não escondem suas origens. Swinton dispensa qualquer comentários, seus momentos em tela são sensacionais; Gyllenhaal mostra certa versatilidade e muita inspiração em Jack Sparrow para fazer seu personagem; Ahn ainda engatinha no sentido de aprofundar seus sentimentos; Dano, mais uma vez, mostra que é um ator injustamente desmerecido e que tem muita qualidade; e Yeun poderia ter mais tempo de tela.
A decisão de Bong em retratar Wilcox (Gyllenhaal) como um personagem cartunesco é mais uma afiada crítica que ridiculariza as escolhas de tais empresas para suas faces públicas; nada muito diferente do que o frango da Sadia ou o porco de fraque da Suinofest em Encantado/RS, por exemplo. Não menos importante foi a forma retratada da brutalidade policial (comprada pelas megaempresas, como ressaltado em um trecho do filme) que, sem piedade, atacava os idealistas desarmados com cacetadas na cabeça e chutes no tórax.
A fotografia lindíssima e as escolhas do figurino são perfeitas para o estilo empregado na obra. As roupas extravagantes de Lucy Maduro trazem um quê de Jogos Vorazes, enquanto o casaco vermelho de Mikha destoa do mundo de cores frias e pastel de Nova York e Seul, que aceitou a ideia do domínio do homem sobre o animal e tornou-se apático por isso. Os planos-detalhe nos olhos tão humanos e nas lágrimas de Okja servem para mostrar o inferno que os animais criados para o abate são submetidos antes da morte certa.
Quase um paradoxo que, antes de ser transmitido em Cannes, o filme foi vaiado por quem lá estava e terminou aplaudido. Não é muito diferente quando alguém afirma ser vegetariano ou vegano, já que, antes de expor seus ideais, é rotulado de chato e/ou nojento, mas que depois mostra ser apenas mais um que faz o que acredita, e por isso deve ser respeitado.
Com um primeiro ato emocional, um segundo ato dramático e um terceiro ato chocante (as fazendas dos porcos é Auschwitz redesenhada), Okja tem um fim niilista e reflexivo que nos reduz à nossa mediocridade sobre fazer a mudança sozinhos. Com o término, ficamos engasgados por nossa impotência, mas cheios de esperança ao vermos que existem outros como nós. Chega de defender-se sob o lençol da hipocrisia. Chega.
Nota: 5/6
PS: coincidentemente ou não, Almodóvar é o novo garoto-propaganda da Prada, que possui uma infindade de artigos em couro animal. Fica a reflexão sobre o quão comprados podem ser os julgamentos dos ditos “formadores de opinião” e o quanto isso pode ter influenciado para que ele expusesse sua opinião tão abertamente sobre a grande evidência que a produções independentes da Netflix estão tomando."
"A Múmia | Crítica Com o perdão do trocadilho, mesmo com todo whitewashing no Egito Antigo, é obscuro o início do Dark Universe
Dirigido por Alex Kurtzman. Roteiro por David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman. Com Tom Cruise, Russell Crowe, Annabelle Wallis, Sofia Boutella, Jake Johnson, Courtney B. Vance.
Que o tal do Universo Compartilhado é o novo grito pop ninguém duvida. Começando pela Marvel, todas as produtoras querem dar uma bocada na nova galinha dos ovos de ouro do cinema. Óbvio, para se inspirarem no MCU, é porque ele deu muito certo (e deu!), mas isso não quer dizer que absolutamente qualquer coisa nesse sentido irá funcionar. Os óculos 3D só funcionaram em Avatar e em meia dúzia de trabalhos até então. A Warner recém começou a acertar o passo com os heróis da DC, a Universal e seu Dark Universe, de igual forma, começaram de forma apática e atropelada.
O enredo acompanha Nick (Cruise) e Vail (Johnson), soldados do exército norte-americano que fazem renda roubando artefatos históricos para vendê-los no mercado negro. Ao acaso, em uma expedição liderada por Jenny (Wallis), descobrem a tumba da Princesa Ahmanet (Boutella), que foi mumificada viva, de sorte que ela volta buscando liberar um grande mal sobre o mundo.
Fugindo do terror do clássico de 1932, o filme retorna ao gênero de aventura que foi estabelecido em A Múmia de 1999, entretanto, sem o mesmo carisma. O diretor e os roteiristas é completamente incompetente no que toca à condução do filme. A começar, novamente, pelo whitewashing do Egito Antigo e pelo comando do casting: de alguma forma acham que é verossímil que Tom Cruise, no auge dos 55 anos, contracene com mulheres de 33 (Wallis) e 35 (Boutella) anos. Ora, não é possível que ainda perdure esse pensamento de que os galãs hollywoodianos possam envelhecer, mas as divas têm que incessantemente se renovarem, pois Deus me livre se elas passarem dos quarenta. Deve ser alguma coisa relacionada a autoafirmação que o homem precisa de que aos ciquenta anos continua sendo um ser viril e cheio de estamina. Por que as mulheres não podem ter essa inspiração também?
Aliás, mais um filme que mostra o Egito Antigo, mais um filme que não coloca atores negros nesse período. Em um olhar histórico-sociológico, A Múmia é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e, no máximo, alguns pardos para justificar a localização geográfica, podemos ver a dor de Hollywood em admitir que eles reconhecem uma civilização de cultura negra que não seja no coração selvagem da savana africana.
Para se somar às mancadas, A Múmia evolui de forma afobada e displicente. O roteiro, na tentativa de encaixar e explicar o Prodigium, cede muito espaço à organização, deixando de lado os protagonistas e a própria monstra do filme. Com isso, há excessos de cenas descartáveis, como a luta entre Nick e Mr. Hyde (Crowe, que funcionará como elo entre os vários longas do Dark Universe), que em nada complementa com a obra. Lógico, há umas boas sacadas que não fazem o filme ser totalmente ruim; a cena da queda do avião em gravidade zero e a tempestade de areia a partir das vidraças de Londres (considerando que vidro é areia derretida) foram boas ideias utilizadas.
O elenco também não convence. Tom Cruise está o mesmo, não dá mais pra distinguir o Nick do Ethan Hunt ou do Jack Reacher — são todos absolutamente iguais. Annabelle Wallis trabalha de forma artificial e sem peso; Sophia Boutella é a mais dedicada, tentando todo o trabalho nas costas. Crowe parece confortável em sua forma caricata.
O grande problema foram as escolhas. Com um diretor inexpressivo, o filme ficou suspenso em uma zona de conforto para quem a produz, mas que já cansou o expectador. A ação e aventura já estão sendo exploradas à exaustão por super-heróis, Star Wars, Transformers e o raio que o parta. Não custava tentar inovar nesse ponto e fazer um shared universe que derivasse pro terror. Faltou tomar alguns riscos.
Terminada a sessão e acesas as luzes, a conclusão era só uma: Tom Cruise precisa entender que envelheceu. Aliás, nós precisamos entender e aceitar que envelhecer é normal. No ritmo insano de Missão Impossível, A Múmia tenta ser uma aventura de tirar o fôlego, mas seu efeito é o inverso. Dá muito sono e, pior, muita saudade do Brendan Fraser.
"Deuses Americanos — 1ª Temporada | Crítica Fotografia surrealista e excelentes atuações no primeiro ano da série que adapta romance de Neil Gaiman
Criada por Neil Gaiman. Produzida por Bryan Fuller, Neil Gaiman e Michael Green. Com Ricky Whittle, Emily Browning, Crispin Glover, Bruce Langley, Yetide Badaki, Pablo Schreiber, Ian McShane, Gillian Anderson, Demore Barnes, Chris Obi, Omid Abtahi, Cloris Leachman, Orlando Jones, Peter Stormare, Mousa Kraish, Corbin Bernsen, Jonathan Tucker, Kristin Chenoweth, Jeremy Davies.
Esse texto conterá spoilers da primeira temporada.
Certo momento, em meio ao season finale, Mad Sweeney vira para Laura Moon e diz: e o que você acha que os deuses fazem? Fazem o que sempre fizeram: ferram com todos nós. Não leve a mal. Realmente, o leprechaum tinha razão.
Não é novidade a história: o homem acredita no deus, da fé o deus surge e provê ao homem o que ele pediu em oração. Entretanto, mesmo que não inédita, a premissa não deixa de ser menos saborosa. Graças à competência dos produtores, a história da primeira temporada de Deuses Americanos, a qual aborda exatamente esse tópico, mostra meandros e novas cores, fugindo da simples construção lógica exposta.
Construída com diversos personagens, mas particularmente sob o ponto de vista do ex-presidiário Shadow Moon (Whittle), a trama mostra o mundo de Shadow virar do avesso quando, no dia em que sai do cárcere, recebe a notícia da morte de sua esposa (Browning). Sem nada a perder, acaba aceitando o emprego oferecido pelo misterioso Mr. Wednesday (McShane) e embarca em uma viagem surreal pelos Estados Unidos.
Começando pelo ponto negativo, a temporada, com apenas oito episódios, caminha sobre o gelo fino do mistério. Assim, em apenas um arco de descobrimento, ao longo dos episódios, cada vez mais perguntas vão sendo levantadas sem responder aos questionamentos anteriores. Para um telespectador mais impaciente isso pode fazer com que ele desista da jornada, pois os episódios acabam exigindo sua total atenção sem dar nada em troca. Se desconsiderar o excesso de perguntas, as quais serão respondidas em temporadas vindouras, a série é um novo sopro de vida a quem a assiste, considerando sua qualidade técnica e sua estilística única.
O primeiro destaque óbvio trazido pela série foi sua identidade única; com ares de David Lynch, o tom surreal nos faz pensar, muitas vezes, que estamos vendo uma grande pintura de Salvador Dali. Já na abertura podemos ver, através da psicodelia, que o pano de fundo será a dicotomia entre as novas e as velhas crenças — o astronauta crucificado, o Menorá com as diversas entradas de plugue existentes, o Buda em meio aos fármacos, o corvo com rastro de foguete atrás, entre outros. Além disso, os constantes sonhos de Shadow trazem consigo uma paleta colorida que varia entre o rosa e o azul, em luz neon.
Aliás, Shadow é o único ponto real da história. Enquanto em seu carro com Wednesday, participamos da road trip sem desconforto algum, mas no momento em que mais personagens entram em cena, imediatamente o semblante de Shadow (bem como o nosso), se altera para um misto de desconforto e curiosidade, com uma dúvida sobre o que é real e o que não é.
A coragem na quebra de paradigmas foi uma constante em cada episódio. Com enfoques bem definidos a cada semana, em sua estreia a série abordou, ainda que brevemente, os problemas enfrentados por egressos do sistema prisional, a segunda semana foi inaugurada por um discurso fervoroso de racismo estrutural. No terceiro episódio presenciamos uma das cenas de sexo mais íntimas e comoventes veiculadas na televisão (curiosamente, entre dois homens muçulmanos). Houve também um belo episódio que critica a cultura bélica de liberação de armas adotada pelo espírito norte-americano, e finaliza mostrando o empoderamento feminino na pessoa de Bilquis (Badaki), em combate com o machismo e a misoginia.
É indubitável que todos os atores atuam de forma primorosa, mas os maiores destaques ficam por conta de Browning (Laura Moon), Schreiber (Mad Sweeney), Anderson (Media) e, claro, McShane (Wednesday). A química nas cenas entre Laura e Mad Sweeney é evidente, tanto que, no episódio que retrata a história da entidade irlandesa, Browning deu rosto à pessoa responsável por trazê-lo às Américas. McShane mostra toda a canastrice necessária para o papel que exerce. E Anderson protagonizou o melhor episódio da série (Lemon Scented You), onde personificou com esmero as personalidades de David Bowie e Marilyn Monroe.
Outro grande acerto foi (por enquanto) a exclusão dos Mrs. Town, Wood e Stone — personagens do romance original. Ao excluí-los, a série abriu a possibilidade de inserir os Homens Sem Rosto, que, por sua vez, podem personificar o Mr. World (Glover) e ainda adicionam mais tensão à atmosfera lynchiana, com sua total ausência de feições, figurino saliente e movimentos coreografados.
Terminando com um season finale à altura do que foi todo o primeiro ano, Deuses Americanos responde apenas uma das perguntas ao mostrar que Wednesday, na verdade, é Odin, do panteão nórdico. Muitas pontas ficaram soltas nas últimas cenas, como o que Laura Moon irá fazer agora que sabe que foi Odin quem mandou matá-la, ou como vai ser a reação dos humanos agora que a Páscoa minguou todas as plantações?
De qualquer forma, o que antes estava em um patamar de guerra fria passou a ser guerra declarada. E estamos bem no meio dela. Como isso é bom.
Muito mais que uma mera história de origem, um marco
Dirigido por Patty Jenkins. Roteiro por Allan Heinberg. Com Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner, Eugene Brave Rock, Lucy Davis, Elena Anaya.
Além de ser o primeiro filme de super-heroína como protagonista, Mulher-Maravilha trazia consigo o complicado rótulo de difícil adaptação. Havia muito peso em cima dos profissionais que nele trabalhavam. Afinal, o filme precisava atingir toda a expectativa, não só pelo bem da parceria DC/Warner (altamente contestada), mas para contribuir com a bandeira do empoderamento feminino. Assim, quando sobem os créditos finais, o sentimento é apenas um: pura catarse.
Esteado em uma história de origem clássica, o filme dedica os primeiros minutos a nos apresentar às amazonas e a Themyscira, civilização de mulheres guerreiras criadas por Zeus e a ilha paradisíaca em que vivem sem a contaminação do homem. Nessa ilha, vemos a infância de Diana e rapidamente estamos ambientados com seus princípios e a aventura que a aguarda quando ela decide ir derrotar Ares – que controlava os bastidores da Primeira Guerra Mundial – ao lado de Steve Trevor (Pine).
Uma das maiores sacadas da diretora e do roteirista foi ambientar o filme durante a primeira grande guerra, principalmente, por dois motivos: considerando que o Capitão América se passa durante a Segunda Guerra Mundial, evita-se comparações mais nervosas; e a primeira guerra é muito mais nebulosa em termos de motivação de nações, conseguindo fugir da estrutura Aliados/Eixo. Aliás isso fica muito claro logo nas primeiras cenas de Diana em Londres, quando ela confronta um general inglês e suas decisões questionáveis.
Patty Jenkins mostra absoluto controle e competência no desenvolvimento da obra. Nada acontece sem razão; desde os primeiros diálogos entre Diana e Trevor, fica muito claro que ele vai ter um papel predominantemente de guia não só geográfico, mas consuetudinário. E isso mostra-se muito importante no amadurecimento da super-heroína, já que, intrínseca à sua nobreza e sua bondade, vem a ingenuidade de ter sido criada em uma ilha perfeitamente estruturada e despida de preconceitos (existem amazonas de todas as etnias e ocupando posições de destaque). Aliás, em nenhum momento a princesa de Themyscira é sexualizada ou objetificada; até mesmo o uso da contestada saia é justificado quando mostra a protagonista treinando movimentos de combate nas vestes misóginas da época pós-vitoriana.
O elenco atua de forma tão harmônica e sublime que cada um merece um parágrafo em particular. Diana (Gadot) é absolutamente convincente ao demonstrar seu altruísmo, seus discursos bravos e nobres, mas ao mesmo tempo inocentes, cativam e nos aproxima da super-heroína a ponto de que passamos a confiar cegamente em suas atitudes e suas palavras; Steve (Pine), no momento em que a viu a princesa, já entendeu seu papel de suporte, já que era ela quem tinha poderes para liderar, protagonizando os diálogos mais engraçados e elucidando vários costumes da civilização dos homens. A equipe dos desajustados: Sameer (Saïd), Charlie (Bremner) e Chief (Brave Rock), cada um, tem uma função essencial no amadurecimento da Mulher-Maravilha; todos servem para mostrá-la que a guerra não existe somente por causa de Ares, mas sim, durante toda a história, civilizações foram subjugadas e escravizadas, de sorte que todos carregam o peso do racismo e das escolhas da raça humana ao longo das eras.
Etta James (Davis) por muito pouco escapou do estereótipo da gordinha engraçada, contudo, sua imagem retrata muito mais a reação do público do que o alívio cômico propriamente dito. Nascida em Londres no final do século XIX, fica bestificada, assim como nós, ao ver tudo que a mulher pode ser, quando plena, fora de amarras machistas e patriarcais.
Aliás, as motivações de Ares são tão verossímeis quanto às de Zod ou Ultron, por exemplo. A purificação através da destruição é uma fórmula batida já em filmes de super-heróis, mas, no momento em que Ultron ficou muito linear, Zod e Ares conseguem verticalizar suas intenções, deixando-os mais convincentes e dando a eles mais profundidade.
O roteiro, embora com alguns plot twists previsíveis, faz muito bem seu papel ao priorizar o aprendizado de Diana. Desde o treinamento para ser guerreira com Hipólita (Nielsen, muito sábia e humana como rainha de Themyscira) e Antíope (Wright, tia e general amazona, que não esconde no olhar a admiração e o amor pela sobrinha, e deslumbrante nas cenas de ação), até o romance com Trevor (colocado de forma sincera, mostrando a forma com que a princesa via a relação entre eles), as experiências acontecem com o único intuito de transformar a amazona em uma heroína complexa e cheia de camadas.
As cenas de lutam não fogem do que já está consolidado nesse gênero. As cenas em slow-motion (clara influência de Snyder no longa) e o clímax piromaníaco servem para conectar o filme ao gênero dos super-heróis, embora suas aspirações transcendam o próprio estilo que o originou.
Agora, nos resta torcer que Liga da Justiça continue explorando a liderança e a importânica dela, diegética e factualmente. Surgindo com consciência do que representa, Mulher-Maravilha supera as expectativas sendo o melhor filme da DC, quiçá de todos os super-heróis.
"Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar | Crítica Jack Sparrow está cansado em mais um bom filme da franquia que deveria ter terminado no terceiro longa
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg. Roteiro por Jeff Nathanson. Com Johnny Depp, Javier Bardem, Geoffrey Rush, Brenton Thwaites, Kaya Scodelario, Kevin McNally, David Wenham, Martin Klebba, Orlando Bloom, Keira Knightley, Paul McCartney.
Em meados de 2003, a Disney, que no momento passava por crise criativa e financeira, resolveu arriscar e lançar uma franquia que seria baseada em um brinquedo de seus parques. Surgiu, assim, Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra.
Sucesso absoluto de bilheteria, o primeiro filme, que teve grande investimento, garantiu uma sequência de dois filmes ainda mais megalomaníacos, O Baú da Morte e No Fim do Mundo. Todos alcançaram grandes bilheterias, mas era unanimidade que a franquia estava perdendo seu fôlego. Depois de um quarto filme pífio e sem eira nem beira (Navegando em Águas Misteriosas, em 2011), agora, quatorze anos após o primeiro, conhecemos A Vingança de Salazar apenas para confirmar o esmorecimento da franquia.
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg, o filme foi feito como quem faz uma receita de bolo pronto. Não há espaços para arriscar ou inventar. Revisitando alguns elementos do primeiro filme, bem como aparando algumas arestas da primeira trilogia, temos um episódico e honesto filme de sessão da tarde. O inimigo dessa vez é o Capitão Salazar (Bardem), o qual é o primeiro declarado inimigo de Jack Sparrow (Depp), um capitão de barco fantasma que sai a caça do pirata bêbado. Assim, de forma simplista, somos reapresentados aos amigos antigos de filmes passados, bem como conhecemos os novos integrantes da trupe: Henry Turner (Thwaites), filho de Elizabeth e Will, e Carina Smyth (Kaya Scodelario), a astrônoma acusada de bruxaria.
O elenco age de forma automática, visto que é a quinta vez que vivem seus papéis. Entretanto, é visível o cansaço de todos na tela. Johnny Depp tem sua atuação mais desinspirada desde A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça; Geoffey Rush age como se todo take fosse uma penitência; Orlando Bloom e Keita Knightley estão lá apenas para preencher algumas lacunas, nada mais. Thwaites e Scodelario, os novatos, em nada acrescem; sem carisma, os momentos em tela deles são totalmente dispensáveis.
De repente, o único que realmente faz algum esforço é Bardem. Encarnando (se é que podemos dizer isso de um fantasma) Salazar, o ator convence com sua sede de vingança, mesmo com a explicação breve de sua origem. É inegável que Bardem é um dos melhores atores hoje.
As cenas de ação continuam espetaculares. Os grandes efeitos visuais, aliados à trilha sonora aventuresca e à ação mais contida, deixam o filme muito leve, que o aproxima dos primeiros filmes da franquia, com um clima de Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido. Claro, há uma estrutura típica dos filmes de aventura, qual seja, a busca de um artefato (o Santo Graal). Seja em Piratas do Caribe, Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido, o herói sempre sai em busca de um artefato poderoso que altera a realidade, mas que será usado de forma altruística.
Com um enredo previsível e boas cenas de ação, Piratas do Caribe não é mais o que foi um dia. Em uma época em que os filmes tentam se reinventar (e os filmes de super-herói são o maior exemplo disso), não há mais tanto espaço para mais do mesmo, onde nem há esforço sequer.
Liga da Justiça
3.3 2,5K Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Liga da Justiça | Crítica
Com bastante coisa a ser melhorada, a boa notícia é que a Warner parece finalmente ter encontrado o caminho
Dirigido por Zack Snyder. Roteiro por Chris Terrio e Joss Whedon. Com Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, J.K. Simmons, Ciarán Hinds, Amber Heard, Joe Morton
Uma das máximas que sempre distinguiu as franquias da Marvel e da DC no cinemas foi o tom adotado pelos filmes. Com isso, ambas sofriam com os pós e os contras de suas escolhas. Enquanto a primeira é adepta do humor leve e descompromissado (deixando seus filmes menos inovadores e mais descartáveis, por assim dizer), a última era mais solene e filosófica em demonstrar um mundo com super-heróis.
Infelizmente essa abordagem mais séria não caiu nas graças do público, de modo que as maiores críticas passaram a ser no tocante à melancolia de suas produções. Assim, a Warner viu-se na urgência de mudar o tom empregado – como já visto em Mulher-Maravilha –, sob pena ver ruir uma de suas maiores fontes de renda.
Nesse novo toar, Liga da Justiça, de muitas formas, se soma ao que Mulher-Maravilha já havia nos mostrado. Com muita aventura e engatinhando no humor, o filme que une alguns dos maiores heróis da DC contrasta em absoluto com Batman v Superman, seu antecessor cronológico.
Na trama, o mundo vive em desesperança após a morte de Superman (Cavill). Autoflagelado por culpa, Bruce Wayne (Affleck) segue na luta para reunir uma equipe de pessoas com poderes e, assim, poder combater a grande ameaça que se aproxima (Lobo da Estepe, vivido por Ciarán Hinds). Para isso, conta com a ajuda de Diana (Gadot) para recrutar Aquaman (Momoa), Flash (Miller) e Ciborgue (Fisher).
Logo de início, percebemos que o compasso da produção é bem mais rápido que seus antecessores. Algumas vezes até rápido demais. Sofrendo pela escolha de unir a equipe de heróis antes mesmo de serem apresentados em um filme solo, o filme precisa esbanjar de diálogos inverossímeis (então o famoso primogênito da Rainha de Atlântida, mestiço com humano, mas que não quer a coroa, e vive atormentado por viver entre dois mundos e não pertencer a eles, voltou, hein? Ninguém fala tantos apostos assim) para nos prover com o background que não temos. E isso se segue até metade do segundo ato.
Passada a correria exaustiva, um dos pontos altos do filmes vem justamente do relacionamento entre os integrantes da equipe. Individualmente, são poucas as informações para sustentarem os novatos em tela. Enquanto Ciborgue se mostra um dos mais interessantes personagens a ser explorados, Aquaman decepciona um pouco por ser apenas um clichê de macho man e Flash é apenas um jovem carente e bem humorado. Entretanto, quando juntos, fica muito mais fácil administrar as novidades. As piadas de Flash funcionam muito bem com o ar carrancudo dos demais. Mulher-Maravilha e o Batman, mais veteranos, são o elo forte do time e são muito bem explorados pelo roteiro para fazerem o que o fã espera: Batman usa de sua inteligência para persuadir a equipe a tomar determinada atitude e a Princesa de Themyscira desperta a nobreza de todos com suas palavras.
Outra grande qualidade da obra foi a forma com que retrataram Superman. As cores do uniforme mais vivas e – ainda que poucos – seus momentos isolados com cada integrante da Liga mostram um herói revitalizado e com grande potencial para novos filmes solos.
Muitos dos méritos se deram por conta da vinda de Joss Whedon, que, por sua vez, trouxe consigo Danny Elfman para a trilha sonora, sem medo de trazer as trilhas clássicas. Estão presentes os novos hinos, como a música da Mulher Maravilha (composta por Hans Zimmer e Junkie XL), mas há também o tema clássico de Superman (de John Williams) e o tema do Batman de Tim Burton (composto pelo próprio Elfman). Com isso, somos agraciados com um constante diálogo entre o novo e o velho, onde as músicas conversam e compõem algo completamente novo.
Ainda é muito perceptiva a presença de Zack Snyder, os easter-eggs e as cenas em slow-motion ainda existem aos montes. Entretanto, mais uma vez, ficou comprovado que, para o crescimento da franquia, o afastamento do diretor é medida impositiva.
Aliás, mais uma vez o diretor consegue denegrir sua imagem com a hiper-sexualização das amazonas tão bem construídas por Patty Jenkins. É berrante a diferença adotada por ambos. Enquanto a diretora nos mostrou guerreiras fortes e de armaduras verossímeis, Snyder pareceu ser mais adepto das mínimas tiras de couro. Além disso, todos os momentos que Gal Gadot estava em cena, a câmera optava por um plano americano contra-plongée para facilitar a visão de suas nádegas para os nerds pueris.
O vilão (Hinds) novamente perece ante sua linearidade e falta de motivação. Desde sua chegada, que parece muito aleatória, Lobo da Estepe nunca foi uma ameaça icônica. Na verdade, o General Zod continua sendo a maior ameaça enfrentada. Tomado por computação gráfica de má qualidade, Hinds, fica irreconhecível, servindo tão somente como a frágil motivação que uniu os super-heróis.
Se por um lado a Liga da Justiça mostra evolução em uma análise contextual, ela ainda paga pelos pecados de um início de universo compartilhado corrido e mal planejado. Um dos maiores acertos foi, definitivamente, o afastamento de Snyder da direção. O que antes era um futuro visto com pessimismo, agora, assim como o retorno esperançoso de Superman, virou um farol de esperança.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Thor: Ragnarok
3.7 1,9K Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese com POUCOS SPOILERS:
"Thor: Ragnarok | Crítica
Muito colorido, Thor vive sua melhor aventura solo nos cinemas, mostrando potencial para seguir no panteão após a Fase 3
Dirigido por Taika Watiti. Roteiro por Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost. Com Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch, Tadanobu Asano, Zachary Levi, Ray Stevenson.
De todos os heróis do MCU adaptados ao cinema, Thor sempre foi o mais contestado. Seja no Thor, de Kenneth Branagh, ou em Thor: O Mundo Sombrio, de Alan Taylor, o Deus do Trovão sempre pareceu estar aquém de seu verdadeiro potencial, perdendo-se em tramas amorosas e aventuras insípidas. Tamanha é falta de convicção que, em seu terceiro filme, Kevin Feige traz um terceiro diretor, cujo estilo destoa demais dos dois anteriores; era chegada a hora de Taika Watiti, e isso não poderia ser mais acertado.
Em seu último filme dessa trilogia, Thor precisa enfrentar Hela, a Deusa da Morte e primogênita de Odin, a qual pretende ir muito além dos Nove Reinos. A trama simplista serve para fazer o que se espera: dar liga aos eventos que se sucedem. Com isso, entendemos como Thor vai parar em Sakaar e por que o Hulk aparece.
Hemsworth definitivamente encontrou sua melhor abordagem como asgardiano. Falhando um pouco quando lhe era exigido o elemento dramático, o ator demonstra um excelente timing cômico auto-debochado e depreciativo. Hiddleston também cresce como Loki no momento em que se despe da figura de grande antagonista e incorpora o papel de quase vilão, indo um pouco além do clássico anti-herói. Ruffalo (que funciona apenas enquanto Gigante Esmeralda) e Thompson não conseguem acompanhar os irmãos asgardianos e acabam lançando mão de caras e bocas desnecessárias para manter a caricatura.
Um dos personagens mais engraçados, com certeza, fica por conta de Korg, feito por captura de movimento do diretor, que busca o famoso humor sincero de Drax, mas, dessa vez, um pouco mais singelo e inocente.
Se por um lado os dois primeiros filmes sempre tentaram dar ao Thor certo impacto emocional e falharam, agora, Watiti definitivamente desiste disso. Na verdade, a escolha é inteligente a partir do momento em que, fazendo o filme funcionar com a engrenagem da comédia, os poucos momentos introspectivos acabam funcionando sem muito esforço por destoarem do contexto.
Entretanto, essa independência proclamada por Watiti traz consigo alguns ônus que prejudicam o universo cinematográfico. Ao mesmo tempo que inova trazendo um tom divertido - coisa já feita pelos Guardiões da Galáxia, então nem é tanta novidade assim -, o diretor se mostra incapaz de fazer mudanças cruciais no MCU, tal qual os irmãos Russo o fizeram. A autonomia do roteiro acaba por frustrar a expectativa de muitos dos fãs. Já nos primeiros cinco minutos, o protagonista faz um monólogo para esquecermos as Jóias do Infinito. Portanto, o diretor tira o pé do acelerador e tenta fazer um filme mais impessoal; tão distante que descarta (ou não mostra), sem o mínimo de consideração ou importância, atores e atrizes coadjuvantes.
Jeff Goldblum e Cate Blanchett foram as grandes sacadas da obra. Embora caindo na velha fórmula de tentar conquistar o universo, a Deusa da Morte mostra ser uma verdadeira ameaça com sua frieza maquiavélica. Já o Graõ-Mestre parece que foi idealizado com Goldblum em mente, suas suas maneirices e idiossincrasias fazem dele uma das escalações mais acertadas de todo o universo cinematográfico. Ele com certeza precisa voltar. Além disso, somos contemplados com cameos engraçadíssimos de Matt Damon e Sam Neill.
A trilha sonora faz homenagem a toda a jornada do Thor, o que mostra seu peso consolidado na franquia como um todo. Passeamos desde Thor: O Mundo Sombrio, a Vingadores: A Era de Ultron e começamos e terminamos com Immigrant Song, de Led Zeppelin (casualmente também dos anos setenta. Guardiões feelings).
Ousada, mas nem tanto; assim poderíamos definir a reinvenção de Thor ao fim de sua trilogia. O asgardiano definitivamente encontrou seu caminho nas mãos de Taika Watiti, mas poderia ter feito tão mais que terminamos o filme com um gosto agridoce na boca. Thor: Ragnarok é um dos filmes mais divertidos da Marvel e mostra um potencial até então inimaginável: fazer o Deus do Trovão ter seus filmes no rol dos mais esperados do ano.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe (Histórias Novas e Selecionadas)
3.4 257 Assista AgoraCrítica do Catacrese COM SPOILERS:
"Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe | Crítica
Me perdoe Adam Sandler. Me perdoe Ben Stiller.
Dirigido e roteirizado por Noah Baumbach. Com Adam Sandler, Grace Van Patten, Dustin Hoffman, Elizabeth Marvel, Emma Thompson, Ben Stiller, Judd Hirsch, Adam Driver, Sigourney Weaver.
Esse texto contém spoilers da trama.
Ao ouvir que um filme com Adam Sandler e Ben Stiller terminou em meio a aplausos e lágrimas no Festival de Cannes, o sentimento só podia ser um: incredulidade. Seria possível que os atores dos péssimos Sandy Wexler e Zoolander 2 conseguiriam recuperar o prestígio perdido em filmes comerciais? Em meio a essa névoa de dúvidas Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe estreia na Netflix e promete apimentar ainda mais a discussão: por que raios filmes de streaming são preteridos em relação aos do circuito de cinemas?
O enredo é sobre um dramédia familiar que gira em torno de Harold (Hoffman), um homem desajustado, com quatro casamentos e que possui três filhos (dois no primeiro, um no segundo). Com isso, somos apresentados a Danny (Sandler), Jean (Marvel) e Matthew (Stiller), o preferido, filho do novo casamento, o qual, casualmente, não seguiu a veia artística da família. Assim, após um acidente com o pai, os meio-irmãos são obrigados a conviver após muito tempo.
Mais do que um filme sobre laços familiares, Os Meyerowitz é obra sobre escolhas, aceitação e resignação. Com atuações primorosas, Sandler e Stiller traçam caminhos inversos aceitando o invencível: enquanto o primeiro vive o filho que ama o pai, mas é rejeitado por ele, o outro encarna o filho distante, mas que tem a admiração incondicional do patriarca. Esses dilemas acabam gerando diálogos excelentes entre os irmãos que vão desde o mero ciúmes até o fardo de ter que marcar presença na vida de quem não lhe dá valor.
Sandler busca alguns elementos de Embriagado de Amor, mas, dessa vez, apaixonado por sua filha e poder lhe oferecer tudo que seu pai não pôde contribuir para seu crescimento. Considerando as devidas proporções, o ator parece ter bebido da mesma fonte que inspirou Casey Affleck em Manchester À Beira-Mar, pois sempre parece estar rondando um ataque de nervos. Stiller – o maior destaque, sem dúvidas – novamente nos mostra que ele é capaz de oferecer muito mais do que faz normalmente. Buscando os elementos que cativaram o público em A Vida Secreta de Walter Mitty, o ator se mostra menos histérico e mais contemplativo. Marvel, que inicia com ares lúdicos, a medida que o longa passa, vai adquirindo contornos dramáticos que servem muito bem para ilustrar o início de uma reconexão entre os irmãos.
O diretor (Baumbach, que nos cativou com A Lula e a Baleia) continua almejando atingir o mesmo nicho de telespectador que Woody Allen. A estrutura episódica do trabalho, que intercala cenas através de fade outs é bem interessante a partir do momento em que se conhece o título original do filme. Horrendamente traduzido como Família Não Se Escolhe, o conteúdo original é Histórias dos Meyerowitz (Novas e Selecionadas), ou seja, assim como na vida, os capítulos se encerram para que novas fases possam surgir, seja essa troca sutil ou não.
Aliás a obra tem uma intimidade crescente muito evidente. No início os diálogos eram marcados por ouvintes desinteressados e perguntas protocolares. Perguntas educadas para alguém que não lhe daria resposta, mas faria outra pergunta educada. À medida que o filme passa, as respostas começam a vir; e vem acompanhadas de desabafos, lágrimas, gritos e brigas. Assim, os irmãos passam de desconhecidos a amigos, e de amigos a confidentes.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é um filme sutil sobre as diversas formas de relações familiares. No final das contas, todos se mostram responsáveis por seu próprio caminho, mas querendo dar seu melhor. Uns resignados, outros motivados a mudar. O que realmente importa é tentar ser feliz.
Nota: 4/6 (Bom)"
A Chegada
4.2 3,4K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"A Chegada – Crítica
É muito satisfatório a indicação de progresso da Academia em dar atenção especial aos filmes de ficção científica. Distrito 9, Avatar, Gravidade e Perdido em Marte são exemplos de obras indicadas de um cinema que antes era preterido por ter sido considerado de gênero. Invasão alienígena é um tema extremamente explorado no cinema. De repente, dentro da ficção científica, seja o assunto com maior enfoque. Nesse pensamento, há vários elos que necessariamente trazemos junto ao se deparar com um filme assim: explosões, heroísmo, guerras e batalhas épicas. A Chegada quebra esse paradigma criado pelos blockbusters.
O enredo inicia como qualquer outro. Em um dia aleatório, a humanidade presencia a chegada de doze naves extraterrestres de formato ovalado (Conchas, como eles chamam). Imponentes, mas inofensivas, as naves pairam sobre o solo inertes. Com o background clichê estabelecido, o filme pode crescer no ponto que nasce sua beleza, o desenvolvimento. Suspeitando das intenções dos alienígenas, o exército norte-americano (representado na figura de Forrest Whitaker), procura a especialista em linguagem, Dra. Louise Banks (Amy Adams) e o matemático teórico Ian Donnely (Jeremy Renner), para estabelecerem contato com a civilização desconhecida.
Construindo a obra em clima de melancolia e desamparo, o excelente diretor, Denis Villeneuve, constrói seu clássico científico (com grandeza equivalente a 2001: Uma Odisseia no Espaço, Interestelar e Contato). Estreando na área da ficção espacial, Villeneuve demonstra, mais uma vez, ser um dos profissionais mais competentes de sua área, na atualidade. Passando por Incêndios, Os Suspeitos e Sicário: Terra de Ninguém, o diretor apresenta um leque infinito de recursos, sem repetir características e aprimorando sua estilística.
O elenco basicamente é Adams. Renner está ali para dar certo apoio, mas é com a Dra. Louise que vivemos a atmosfera de temor pelo desconhecido. Os primeiros minutos do filme servem para justificar a tristeza no semblante da personagem: perdeu sua filha, ainda adolescente. Sentimos o que a Dra. Banks sente. Após isso, na medida em que vai tentando se comunciar com os alienígenas, vivenciamos uma série de flashbacks pertinenentes ao momento. Uma verdadeira injustiça a ausência de sua indicação para o Oscar.
Misturando temas complexos como tempo, linguagem, história e memórias, o filme se desenvolve em ritmo lento, quase parando, algumas horas. Essa parada é necessária, durante todo o tempo somos guiados em clima de apreensão e trauma. Uma mulher sofrida em uma humanidade em crise. Aliás, não obstante a paleta fria e taciturna, a produção evolui com uma sensibilidade cativante. Ao mesmo tempo que descobre formas de contato, a protagonista se descobre e entende seu papel, não só na história, como na sua vida. Assim como em nossa mente, o filme mistura recordação e projeção. Não existe separação concreta entre ambos; a bem da verdade, no emaranhado de neurônios, as sinapses muitas vezes perdem a noção de tempo, misturando fatos e juntando eventos independentes (ou até fictícios).
A trilha sonora é um espetáculo à parte. Jóhann Jóhannssson fecha perfeitamente com a obra e pauta o filme em musicais transcendentais, indicando sempre epifanias e revelações. Ao cabo, finaliza com melodias sublimes, indicando a aceitação da protagonista com seu aprendizado.
Na terça parte, um plot twist sofisticado fecha a obra de forma primorosa e emocionante, unindo as várias temáticas, outrora sem relação alguma.
O tempo (cronológico e psicológico) é uma das grandezas da física que ainda não conseguimos superar. Na verdade, assusta muito quando esse dia chegar. Se soubéssemos nosso futuro, será que repetiríamos os mesmos erros? Alguns sim; os amores mais belos, mesmo que vividos apenas uma vez, serão lembrados para sempre.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Blade Runner 2049
4.0 1,7K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Blade Runner 2049 | Crítica
Após cinquenta anos, finalmente um diretor entendeu a mensagem por trás do romance de Philip K. Dick
Dirigido por Denis Villeneuve. Roteiro por Hampton Fancher e Michael Green. Com Ryan Gosling, Dave Bautista, Robin Wright, Ana de Armas, Jared Leto, Sylvia Hoeks, Harrison Ford, Edward James Olmos, Lennie James.
Em 1982, em lua-de-mel com o público após revelar uma das protagonistas femininas mais fortes do cinema (Ripley, Alien – O Oitavo Passageiro), o diretor Ridley Scott inova o mundo do cinema; trazendo um filme que se passa em um futuro distópico, unindo elementos do noir e do steampunk, adaptando a obra de Philip K. Dick, nasce Blade Runner: O Caçador de Andróides.
Liberdades criativas à parte, por mais revolucionário e importante que fosse o filme de Scott, o diretor sempre deixou passar elementos importantes do romance, os quais tiravam muito do espírito da obra. Em 2017, ansiando por trazer novamente a história as telas, o diretor Denis Villeneuve é convocado unicamente com uma missão: revitalizar o mundo de Deckard e trazer a ele o que faltou na obra de 35 anos atrás, uma alma.
Na trama, trinta anos após os eventos do primeiro filme, o blade runner K (Gosling) se depara com uma revelação que tem o poder de mudar completamente a realidade que ele conhece. Para isso, precisa descobrir o paradeiro de um antigo blade runner, Rick Deckard (Ford).
Vários elementos foram mantidos em relação ao original, criando o vínculo com o espectador e homenageando, com justiça, o filme original. O sobretudo que K utiliza lembra muito o que Deckard trajava, além disso a visão panorâmica da cidade despida de natureza, bem como os constantes planos com neons das grandes corporações (mantendo a Coca-Cola, e trocando a Atari pela Sony), são alguns do elementos que remetem ao mundo mostrado por Scott em 1982.
Entretanto, ao mesmo tempo que entrega repetições do primeiro longa, Villeneuve mostra que sua obra traz identidade própria, com sua visão do mundo de Dick. Já na primeira cena, ao revelar uma árvore, tenta-se nos fazer subentender que esse não é o Blade Runner da década de oitenta. Abandonando o elemento noir e apenas mostrando a superfície do steampunk, o diretor pende muito mais para a ficção científica de Joseph Krosinski, de Tron e Oblivion, com elementos claros e arquitetura harmônica, o que deixa uma atmosfera meio Black Mirror por vezes. Claro, dentro do prédio de Wallace (Leto), o jogo de chiaroscuro é uma constante, sempre no objetivo de remeter que Wallace ao calçado vestido por Tyrrel no filme passado.
No mesmo passo que o filme, Hans Zimmer conduz a trilha sonora de forma magistral. Atualmente, arriscando mais em sintetizadores, o compositor se despe um pouco da indentidade orquestral que adquiriu. Claro, sempre dialogando com a trilha de Vangelis, principalmente nos momentos com Harrison Ford.
De muitas formas, Blade Runner 2049 é mais explícito em suas ideias do que foi O Caçador de Andróides. Seja nos diálogos ou no próprio mise-en-scène, o filme não deixa margem para interpretações dúbias ou, quando deixa, é por total intenção disto (como o diálogo entre Wallace e Deckard). Aliás, agora, em 2017, o filme finalmente atinge o âmago existencial provocado por Dick, cinquenta anos atrás. A partir do momento em que os andróides tem memórias, sentimentos próprios, e livre-arbítrio, o que os difere dos nascidos naturalmente (e precisa-se falar naturalmente já que a humanidade é condição adquirida e não de nascença)?
Enquanto Scott focou em um filme de ação com o romance entre dois personagens, Villeneuve preza as provocações da obra original, mostrando um filme de sensações incompletas. Somos submetidos às torturas do amar sem poder tocar, o amor fraternal sem poder ver crescer, criar sem poder ver, e o querer ser sem nascer.
Ao contrário do carisma de Harrison Ford, Gosling nos faz ver o filme de forma mais analítica. Até certo ponto, isso funciona muito bem considerando sua natureza, mas, com isso, não criamos os mesmos vínculos com o protagonista, o que nos faz ficar esperando Ford constantemente. A bem da verdade não há atuações de grande destaque na produção, de modo que as melhores cenas ficam por conta de Joi (de Armas), a qual experiencia o toque pela primeira vez na chuva, sendo uma sequencia realmente tocante.
Humildemente se curvando ao filme original, Blade Runner 2049 é muito maior do que o antecessor. Cortês na medida certa, a obra sabe onde respeitar os limites delineados pelo primeiro filme e sabe onde ir além. Villeneuve mais uma vez se superou e nos encantou. Que diretor fantástico!
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Jogo Perigoso
3.5 1,1K Assista AgoraConfira a Crítica do Catacrese COM SPOILERS:
"Jogo Perigoso | Crítica
Ano que variou entre altos e baixos nas adaptações de Stephen King tem mais um ótimo acréscimo
Dirigido por Mike Flanagan. Roteiro por Mike Flanagan e Jeff Howard. Com Carla Gugino, Bruce Greenwood, Henry Thomas, Carel Struycken, Kate Siegel, Chiara Aurelia, Natalie Roers, Gwendolyn Mulamba.
Em 1992, antes do movimento feminista ter a força que tem hoje, Stephen King surpreendeu o mundo com uma história que, nas mão de qualquer outro escritor, seria maçante. Como narrar, com eficiência, trezentas páginas sobre uma mulher algemada em uma cama? Trazendo elementos sensíveis como abuso sexual, machismo e relações interpessoais, o Mestre do Terror nos encanta com o Jogo Perigoso. Em 2017 o livro ganhou uma adaptação para as telas, exclusiva da Netflix, que faz jus à fama.
Não é demérito nem vergonha reconhecer que as produções da Netflix possuem um orçamento muito menor que os demais filmes das produtoras mainstream. Entretanto, dentro de suas limitações, a empresa de streaming tem surpreendido bastante em filmes como The Fundamentals of Caring, Beasts of No Nation, Barry, First They Killed My Father. Todavia, após trazer o péssimo O Nevoeiro – também baseada em um conto do escritor – para o Brasil com seu selo, a Netflix se desculpa com uma ótima adaptação.
No enredo, tentando reacender a chama do relacionamento, um casal de meia idade vai à casa de campo praticar jogos sexuais que consistem em algemar a mulher na cama. As coisas começam a ficar meio tensas quando, após uma discussão, o marido tem um ataque cardíaco, deixando a mulher algemada e isolada.
Gugino (que vive Jessie, a esposa) tem o trabalho predominantemente para si e o faz de forma muito eficiente. Fazendo diversas cenas complexas, a atriz entrega a Jessie idealizada pelo escritor lá em 1992. Mulher traumatizada, mas forte. Já Greenwood muda um pouco em relação ao Gerald do livro. Naturalmente, o ator é mais atraente que o personagem descrito nas páginas e, mesmo sendo um canalha, ainda é muito menos abusivo que aquele do livro.
Quem leu o romance pode se incomodar com alguns pontos adaptados; enquanto nas páginas, os delírios de Jessie eram diálogos entre personificações dela mesma (Ruth, Bobrinha, OVNIs e a Esposa Perfeita), na película, o diretor optou por dar a Gerald o papel da Esposa Perfeita, deixando a mensagem mais difícil de ser transmitida. Ora, Jogo Perigoso sempre foi sobre o conflito de uma mulher abusada pelo pai na infância e pelo marido quando adulta contra a mulher que ela gostaria de ser. Assim, é muito claro que Ruth e a Esposa Perfeita eram dois extremos de uma mesma pessoa, a primeira sendo feminista ativista e a segunda sendo a mulher moldada pela sociedade patriarcal.
Portanto, os debates entre as ilusões de Gerald (Esposa Perfeita) e Jessie (Ruth) ficam menos óbvios no momento em que, sim, sabemos que ambos são criações da mente da esposa, mas não fica claro se Gerald fala o que ela realmente pensa ou o que ela deduz que ele falaria. Assim, a produção perde força ao evidenciar menos o conflito interno de Jessie, pois dá à suas vozes novas facetas.
Outro ponto é que a introdução de Joubert é muito mais óbvia do que mero jogo de luz e sombra como diz o livro, tirando o tom provocativo que o romance estabelece na discussão se ele é real ou não. Contudo, isso em nada prejudica a produção, apenas a diferencia da obra original.
Assim como o livro, a quantidade mínima de ambientes e personagens do trabalho contribuiu para que a Netflix pudesse adaptar esse excelente roteiro. O diretor, Mike Flanagan, que já tinha surpreendido com Hush: A Morte Ouve e patinado com Ouija: Origem do Mal faz um excelente trabalho. Jogo Perigoso é um dos poucos casos em que, devido a sua coesão textual, bem como o empenho dos que nele trabalharam, facilmente, agradará não só os cinéfilos de plantão, mas também os fãs do autor, juntando-se a IT – A Coisa como uma das melhores adaptações já feitas de seus romances.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Mãe!
4.0 3,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese COM SPOILERS!
"Mãe! | Crítica e Análise
Travestida de bucolismo, Aronofsky nos entrega sua masterpiece, provocando angústia em metáfora da teoria criacionista
Dirigido e escrito por Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson, Domhnall Gleeson, Jovan Adepo, Amanda Chiu, Patricia Summersett, Kristen Wiig.
Atenção: esse texto conterá spoilers do enredo.
É sempre uma experiência exaustiva ir ver um filme de Darren Aronofsky. Independentemente de juízo de valores, seus filmes indubitavelmente nos levarão à falência psicológica. Depois da derrapada em Noé, onde fez uma abordagem mais “carnal”, por assim dizer. O diretor volta aos temas religiosos, mas, dessa vez, através da metáfora e melhor do que nunca.
É muito complicado tentar entrar nas miudezas do roteiro sem entregar muita parte das intenções do filme. Na trama, um casal que vive tranquilamente em sua casa de campo vê a rotina mudar bruscamente quando um homem desconhecido bate à sua porta.
A atuação impecável de Jennifer Lawrence, rendida à situação que a cerca é sufocante. Ao se ver em meio de um total descontrole, a atriz, sozinha, nos contagia com seu pavor. Javier Bardem, ora carinhoso, ora irado, vira um verdadeiro antagonista, pois nos desperta desconfiança e suspeita. Ed Harris – em uma fase espetacular após sua atuação em Westworld – e Michelle Pfeiffer são os responsáveis por trazer, com maestria, ares de O Bebê de Rosemary, pois aparentam saber mais do que revelam aos seus anfitriões, muitas vezes, parecendo compartilhar de algum segredo junto a Bardem.
A fotografia do filme é irretocável a partir do instante em que, quando sozinhos em casa, a casa é arejada, iluminada, e os planos são abertos e agradáveis. À medida que vão chegando desconhecidos, a câmera fica gradativamente mais perto de Lawrence, aumentando a agorafobia. Aliás, quando feliz (Lawrence, a mãe), o campo que cerca a residência é belo, com a floresta longínqua e inofensiva; a partir do momento que o ambiente vai ficando hostil, a floresta parece se aproximar, a ponto de ameaçar engolir a casa inteira. Aliás, a trilha sonora, inexistente em certos momentos, contribui para a construção da atmosfera tensa.
Estabelecido pelo espectador que o filme é uma alegoria religiosa – o próprio Bardem, em um dos momentos mais didáticos do filme, revela que cada um entendeu seu poema de forma diferente – cabe a cada um de nós entender o que nos for mais conveniente.
Bardem (O Poeta, Artista), é Deus, nos créditos apenas identificado como Ele. Com isso, a Mãe (Lawrence) é vista como a Natureza. Note que é ela quem constrói a Casa (a Terra), sempre pensando em como agradaria mais o Poeta (você realmente o ama, já diria Pfeiffer). A partir do momento em Ele sofre de um bloqueio artístico, a casa se vê invadida por um casal, Harris e Pfeiffer (personificando Adão e Eva) e seus filhos (Caim e Abel). Todos os elementos remetem à teoria criacionista, inclusive, o assassinato de um irmão pelo outro.
Após comerem o fruto proibido (a destruição do cristal e o sexo), os estranhos são expulsos e o casal volta a viver em paz, e ela engravida. Coincidentemente, a inspiração para a nova poesia vem no mesmo momento, de sorte que, ao ficar pronta, a editora (Wiig, fazendo o papel da Igreja) é a responsável por distribui-la (disseminar a palavra). A partir desse momento, vemos todos os males do mundo: guerra, brigas de rua, fanatismo religioso, doenças, saqueamentos, execuções, etc.
Ao nascer a criança, roubada por Ele, o povo a ergue de braços abertos; o bebê é quebrado e comido - o corpo e o sangue de Cristo -, causando a fúria da Mãe/Maria. Ao explodir a casa, o único que sobra intacto é Ele (eu sou o que sou), que reconstrói a casa ao lado de outra Musa.
Da mesma forma que se vê Bardem como Deus, considerando se tratar de um filme de Aronofsky, que sempre trabalha com excelentes personagens femininas (vide Cisne Negro), o inverso também pode ser verdade (cada um entende o poema de forma diferente, não se esqueçam). Aqui, embora muitos elementos se assemelhem, Lawrence seria a própria Entidade Divina – é ela que entrega seu coração nos cartazes –, enquanto ele seria a religião/crença. A crença precisa da Mãe para se inspirar. Vejam que é ela quem constrói a casa sozinha – na Bíblia, quem constrói o Éden é Deus. Assim, ao ver todo o caos que impera pela palavra da religião, a Mãe percebe que o único jeito seria ela destruir a casa (Terra, no livro do Apocalipse), mesmo que isso cause sua morte. Entretanto, a religião sobrevive, e, mesmo com a morte da Entidade Divina, ela encontra outro ser para idolatrar, começando novamente o ciclo.
Das duas hipóteses, a mais niilista seria a segunda e, considerando o espírito, do diretor e roteirista, não seria de se espantar que fosse sua real intenção. Aliás, embora ambas tenham elementos da teoria criacionista, a segunda versão se enquadra mais no conceito geral de crença e religião – esgotamento pela fé – de modo que eu, particularmente, prefiro pensar que o diretor quis ser mais abrangente.
Idealizado para ser gigante e provocativo, mãe! vai muito além da religiosidade. Misturando Stanley Kubrick e Lars Von Trier, Aronofsky nos esmigalha e deprime através da matáfora com elementos como machismo, misoginia, intolerância e a sociedade autofágica como um todo.
Digna do título que carrega, a obra é admirável em todos seus espectros. Uma verdadeira obra-prima, assim como nossas mães.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Primeiro, Mataram o Meu Pai
3.8 238 Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese, SEM SPOILERS:
"First They Killed My Father | Crítica
Filme sobre guerra civil no Camboja, dirigido por Angelina Jolie, vai representar o país para o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2018
Dirigido por Angelina Jolie. Roteiro por Angelina Jolie e Loung Ung. Com Sereum Srey Moch, Phoeung Kompheak, Sveng Socheata, Mun Kimhak, Heng Dara, Khoun Sothea, Sarun Nika, Run Malyna, Oun Srey Neang.
A guerra por si só é uma catástrofe. Não existe outra definição. Sejam soldados, sejam civis, toda e qualquer vida perdida inocente. Enquanto os engravatados que decretaram o estado de guerra ficam em seus bunkers e suas salas secretas, os menos afortunados se veem por entre os tiros, perdendo membros e vidas, e depois enterrados em uma cova rasa.
Ciente disso, o início do filme dirigido pela excelente Angelina Jolie não poderia ser mais didático. Ao som de Sympathy for the Devil – não coincidentemente lançada durante o Regime do Khmer Vermelho –, dos Rolling Stones, a obra começa intercalando falas de Richard Nixon (presidente que capitaneou a Guerra do Vietnã) com os bombardeios nas florestas com napalms. Nós não iremos desrespeitar a posição neutra do Camboja, dizia o presidente, as fronteiras do Camboja com o Vietnã serão respeitadas, acrescentava ele.
A trama adapta o livro de Loung Ung, também roteirista aqui, sobre sua vida no país enquanto o Khmer Vermelho toma o poder, quando ela tinha cinco anos. Treinada no período para ser uma soldada em um campo de trabalho para órfãos, Ung viu seus seis irmãos serem mandados para outros campos de trabalhos forçados. O regime durou de 1975 até 1979, quando as tropas vietnamitas conseguiram tirar o regime tirano do poder.
Filmado de forma quase documental, First The Killed My Father tem pouquíssimo diálogos. Através dos olhos de uma criança (Moch), acompanhamos o êxodo de uma família, cujo pai trabalhava para o governo rendido ao regime comunista (apoiado pelos EUA, mas que perderam após eles mesmo retiraram suas tropas com o rabo entre as pernas). Devido às quantidades mínimas de conversa, a trilha sonora, idealizada por Marco Beltrami, foi feita com esmero, pois, sem chamar muito a atenção, ela precisava pautar, não só o sentimento, mas preencher as lacunas deixadas pela ausência das palavras, o que, certos momentos, coadunava com os tiros e com os bombardeios, tornando a plasticidade sonora homogênea.
A fotografia é feita com beleza e humildade. As tomadas aéreas, variando entre o panorâmico e o perpendicular, mostram a dureza dos campos comandados pelo Angkar e a fuga dos civis da capital Phnom Penh – aqui, havendo um jogo de cores elementar e claro, onde os que fugiam trajavam branco ou laranja, e a milícia que ingressava na capital vestia preto e vermelho.
Outro grande acerto é o elenco ser integralmente cambojano. Sem espaços para marketing ou whitewashing, Jolie e Ung subvertem a tendência de hollywoodizar um filme que perderia muito de seu elemento crítico nas (talentosas) mãos de um Steven Spielberg, Mel Gibson ou Oliver Stone da vida.
Feito de forma sincera e sensível por Angelina Jolie, essa, motivada por seu filho, Maddox Jolie-Pitt, produtor executivo da obra e cambojano de nascença, First They Killed My Father exige ser visto de forma sensível também por seu espectador. Sem grandes explosões, mas com momentos de violência, o filme choca de forma íntima. Aqui, a lágrima choca tanto quanto o sangue e, mesmo com todo seu silêncio, os olhares são ensurdecedores.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
It: A Coisa
3.9 3,0K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS:
"It: A Coisa – 1º Capítulo | Crítica
Direção de Andy Muschietti. Roteiro por Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman. Com Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Bill Skarsgård, Nicholas Hamilton, Jake Sim, Logan Thompson, Owen Teague, Jackson Robert Scott, Stephen Bogaert.
A Coisa é um dos maiores romances de Stephen King. Escrito e idealizado com capacidade ímpar, o Mestre do Terror, ao longo do livro, mostra que o monstro que nos assola vai muito além do palhaço que come criancinhas. Em 1990, a primeira adaptação do livro em minissérie tornou-se cult tão somente pela atuação fantástica de Tim Curry. Mas não passou nem perto de sua essência. O mesmo não pode se dizer de 2017.
Na trama, Bill (Lieberher), após perder seu irmão caçula, Georgie (Scott), percebe que a cidade está sendo assolada por um palhaço assassino (Skarsgård). Ao conversar com seus amigos, percebem que esse é um mau recorrente e que, a cada 27 anos, Derry sofre com catástrofes e tragédias.
Passando-se na década de 80, o filme pode parecer cópia de Stranger Things (para ajudar, Wolfhardt é um desses garotos) para os mais desavisados, mas não se esqueçamos que o romance foi publicado em 1986. Enquanto a obra televisiva intercalava o período adulto com a infância (mostrando Seth Green como Ritchie Tozier e Annette O’Toole como Beverly Marsh adulta), aqui o filme é mais linear, de sorte que foi dividido em duas partes. Portanto, apenas as crianças aparecem dessa vez.
Extremamente profissionais, os pré-adolescentes conseguem cativar e emocionar. Com a câmera na altura deles, os adultos constantemente aparecem em contra-plongeé e são mais ameaçadores que o normal. Nesse ponto o acerto é evidente. No romance, o Clube dos Otários percebe que a Coisa dominou a cidade inteira, de modo que ela ignora e, até mesmo, colabora, para suas tragédias – uma releitura perfeita das descrenças da época adulta. Em cenas rápidas como um casal de idosos ignorando quando Ben (Taylor, parecendo ter saído diretamente dos livros) apanha dos bullers ilustra perfeitamente a influência do monstro na cidade.
Com muita competência, o diretor argentino, Andy Muschietti, consegue constrastar a placidez da cidade pequena, com a violência com que o palhaço ataca, ou uma casa mal-assombrada e claustrofóbica – diga-se de passagem, com um mise-en-scéne clássico dos filmes de terror antigos. Outro grande acerto argumentativo, foi dar ênfase no relacionamento de Bev (Lillis) com seu pai abusivo (Bogaert). Intencionalmente, a personagem aqui foi feita mais forte e mais presente que no romance original, sendo uma das mais profundas – embora todos seja muito bem trabalhados. Na verdade, Bev só vê a Coisa quando está junto dos outros garotos, já que seu monstro é real e vive com ela.
Dessa vez temos um Pennywise muito diferente do de Tim Curry. Independentemente de ser melhor ou pior, Skarsgård tem um approach menos amistoso que Curry, o que o afasta um pouco da essência do personagem. Na verdade, a Coisa sempre precisou se alimentar de medo, mas, para isso, se aproximava de suas vítimas de forma amigável e carismática (o que, de fato, fazia o contraste entre a aparência inofensiva e a real ameaça); agora, Skarsgård, desde o início parece aterrorizante, fazendo, inclusive, menos piadas, afastando-se do Pennywise original.
O roteiro, escrito a seis mãos, acerta ao remover os momentos mais polêmicos do romance (a cena de sexo entre as crianças e a do animal morto na geladeira, pouco teriam a acrescer), transformando-os em outros menos impactantes, já que a mensagem do elo entre eles poderia ficar distorcida. Com isso, manteve-se pura a ligação entre todos.
Um dos maiores atributos de Stephen King é a capacidade de transformar em personagens as cidades em que passam suas tramas. Tal qual Aluísio Azevedo (O Cortiço), o autor norte-americano em romances como Os Estranhos, Trocas Macabras, A Coisa, Sob a Redoma, consegue dar vida a um sentimento coletivo e local. De repente, essa seria a maior dificuldade em transferir a literatura para o cinema. Em sua primeira adaptação (1990) It: A Coisa não conseguiu fazer Derry falar, agora, em 2017, podemos vê-la pronunciando suas primeiras sílabas. Isso é fantástico.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
O Nevoeiro (1ª Temporada)
3.0 461 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"O Nevoeiro – 1ª Temporada | Crítica
Série vendida como baseada no conto homônimo de Stephen King não cativa e se perde nas suas próprias falhas
Criado por Christian Torpe. Com Morgan Spector, Alyssa Sutherland, Gus Birney, Danica Curcic, Okezie Morro, Luke Cosgrove, Darren Pettie, Russel Posner, Frances Conroy, Irene Bedard, Deborah Allen, Holly Deveaux, Romaine Waite, Isiah Whitlock Jr., Bill Carr, Murlane Carew, Nabeel El Khafif.
É muito nebulosa a definição do que são os limites quando algo se diz “adaptado de” ou “baseado em”. Isso sempre gera uma série de discussões; se tentar ser totalmente fiel ao original, é sem criatividade e previsível, se inova, é desrespeitoso. Entretanto, há sempre o mínimo básico para serem consideradas histórias paralelas: o mesmo background, mesmos personagens e, quiçá, mesmos eventos.
Quando foi anunciado que O Nevoeiro seria adaptado como série televisiva, ao mesmo tempo, foi vendido com o selo de “baseado no conto de Stephen King”. Contudo, finda a primeira temporada, vê-se que tal anúncio foi descaradamente de má-fé, já que, a única coisa congruente entre ambos é famigerada névoa. Com personagens e locais diferentes, os próprios efeitos da névoa em si são completamente aleatórios, o que mostra que não, a série não é baseada na obra homônima.
As personagens, vítimas de um roteiro fraco, não cativam em momento algum. Kevin (Spector) desde o início, tenta ser o herói e bom samaritano, mas nunca convence com sua capacidade. Como a trama se passa em uma cidade, há várias personagens coadjuvantes, deixando impossível de fazer um laço com o espectador.
Na verdade, a obra toda desperdiçou uma boa oportunidade no momento em que optou o caminho que seguiria. Ao ter três núcleos isolados e distintos (igreja, hospital e shopping), poderia ter sido trabalhado um lado que derivasse para o gênero estabelecido por The Walking Dead, isto é, esses núcleos formariam clãs que tentariam se impor entre si, sendo que a névoa seria apenas o pano de fundo, tal como os zumbis são para TWD. Ao invés disso, se fôssemos mater o raciocínio na ideia do comparativo, a obra derivou para um lado mais Fear The Walking Dead, ou seja, prezou os mais os laços familiares em meio à crise, do que a sobrevivência em si.
Com isso, o resultado foi uma temporada insossa, que, na tentativa de manter o mistério, empilhava questionamentos na cabeça do espectador. Sem trazer explicação aparente alguma para a névoa, cada episódio virava uma tortura, já que, em princípio, nada se relacionava. Seria a névoa um evento da natureza? Divino? Estaria o exército por trás? Como o estupro se relaciona a isso? Todas as perguntas ficam sem respostas. Na verdade, esse quê de Lost que a série tentou trazer não se sustenta em segundo algum. Enquanto lá na ilha, os caminhos todos – nas primeiras temporadas – pareciam evoluir rumo à explicação, no nevoeiro, nenhum passo foi dado para isso.
Em meio a essa confusão, temos o CGI ruim e relaxado da neblina. Pelo amor de Cristo, não é como se não houvesse gelo seco ou qualquer outro tipo de fumaça para dar um efeito minimamente mais verossímil. Além disso, enquanto no conto, os demônios que viviam nela eram assustadores (voadores, gigantes, tentáculos, etc), na televisão temos insetos, animais e alucinações.
Produzida e transmitida nos Estados Unidos pelo canal Spike, no Brasil, a série ganhou o selo da Netflix, uma pena, pois muitos irão atribuir sua má qualidade à emissora de streaming. Com a demora para anunciar a renovação, possivelmente, a produtora esteja considerando se vale a pena insistir no erro. Se renovarem, que sejam mais coerentes.
Nota: 1/6 (Muito Ruim)"
The Tick (1ª Temporada)
3.6 38 Assista AgoraCrítica do Catacres SEM SPOILERS!
"The Tick – 1ª Temporada – 1ª Parte | Crítica
Sátira do gênero de super-heróis cativa com carisma do protagonista que com as infinitas possibilidades que abre perante o espectador
Criada por Ben Edlund. Dirigida por Wally Pfister, Romeo Tirone, Sheree Folkson, Lev L. Spiro. Com Peter Serafinowicz, Griffin Newman, Valorie Curry, Ryan Woodle, Brendan Hines, Yara Martinez, Scott Speiser, Jackie Earle Haley, Michael Cerveris, John Pirkis.
Se pudéssemos definir qual o melhor elemento de uma paródia, esse seria a possibilidade. Com um leque enorme a frente, a paródia nunca se limita a cânones ou resoluções críveis, o absurdo é elementar e, por isso, incontestável. Desde que surgiu, em 1986, The Tick dialogava constantemente com os quadrinhos e os desenhos do gênero, tornando-se um símbolo da sátira.
A origem do super-herói nunca foi explicada da mesma forma em suas mídias. Seja como um louco que escapou de um hospício (quadrinhos), ou um alienígena do espaço (primeira série), a origem do herói sempre foi envolta de mistério. Na trama, em um universo em que super-heróis e vilões são uma realidade, o contador Arthur (Newman) percebe que um grande vilão no passado está vivo. À medida em que se aprofunda nesse mistério, Arthur conhece The Tick (Serafinowicz), um super-herói azul com super-força e aparentemente invulnerável, cujo passado é um mistério.
A melhor forma de analisar a série de 2017, é estabelecendo um comparativo com a falecida série de 2001. Em 2001, o trabalho era feito muito mais no intuito de homenagear os desenhos e os quadrinhos. Outrora as cenas era visivelmente feitas em estúdio, com fundos descaradamente falsos e efeitos sonoros previsíveis, agora, podemos ver ambientes abertos, melhor qualidade de efeitos visuais, e uma série – embora sátira – tentado aparece mais verossímil, com uniformes adaptados à mídia televisiva (em 2001, os vestuários dos heróis era feito de pano e silicone, sem enxertos plástico e/ou tecidos de aparência mais tecnológica).
Enquanto antigamente o carrapato azul era vivido por Patrick Warburton, agora é vivido por Peter Serafinowicz, ambos de vozes profundas, como exige o personagem. Warburton conseguia era fisicamente mais fiel aos desenhos e conseguia destacar muito mais o semblante louco do herói, mas Serafinowicz, embora mais esguio, é muito mais carismático com seu olhar plácido e semblante alegre, que estabelece um bom contraste com o poder do herói azul.
Arthur agora é vivido por Griffin Newman, enquanto no passado era interpretado por David Burke. Nesse ponto, houve um certo passo para trás. Enquanto Burke conseguia ser mais fiel ao cânone, com sua covardia e bom coração (e uniforme igual ao desenho, diga-se de passagem), o Arthur de Newman é somente irritante. A covardia do personagem agora simplesmente dá lugar à sua tosquice.
A presença de alguns personagens foi sentida; claro, trata-se da primeira parte de uma temporada apenas, muito mais deve vir no decorrer da obra, mas em 2001, a obra não tinha medo de introduzir heróis engraçadíssimos, como Batmanuel ou a Capitã Liberdade – seu constante flerte é a melhor metáfora da imigração latina na América do Norte, que já vi.
Contantemente provocando outros heróis, seja da Marvel ou da DC, The Tick faz piadas com o alcoolismo de Tony Stark ou o fato de Bruce Wayne ser um playboy. Nem mesmo Superman escapa com uma cópia escrachada: o Superian. O mundo de super-heróis rotineiros tenta traçar um paralelo com Watchmen, mas enquanto esse era visto do viés pessimista, em The Tick, eles são vistos como pseudocelebridades, conseguindo caminhar tranquilamente nas ruas, mas sendo atacados por um eventual fã pedindo autógrafos.
Feita com total leveza e descompromisso, The Tick é feita para fãs de super-heróis que não se importam de vê-los avacalhados ou debochados. Completamente apegada ao nonsense a série mistura a piada pronta e a improvisada, com um pouco de violência exacerbada. A típica série que não deverá ter uma legião de fãs xiitas, mas com certeza agradará muita gente.
Ambas as séries estão disponíveis no serviço de streaming Amazon Prime Video.
Nota 4/6 (Bom)"
Os Defensores
3.5 501Crítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Os Defensores – 1ª Temporada | Crítica
Com heróis cada vez mais complexos, Os Defensores mostra que pode ser o carro chefe dos produtos originais da Netflix
Criada por Douglas Petrie e Marco Ramirez. Com: Charlie Cox, Krysten Ritter, Mike Colter, Finn Jones, Elodie Yung, Jessica Henwick, Scott Glenn, Sigourney Weaver, Wai Ching Ho, Elden Henson, Simone Missick, Rosario Dawson, Yutaka Takeuchi, Ramon Rodriguez, Rachel Taylor, Deborah Ann Woll, Eka Darville, Babs Olusanmokun.
Quando a Netflix anunciou que adaptaria para a televisão os heróis urbanos da Marvel, a maior dúvida sempre foi em como a passagem seria feita. Hoje, passados dois anos desde a primeira temporada do Demolidor, com altos e baixos, a franquia que conquistou os fãs une os heróis em um bom crossover que faz jus ao legado até então.
A trama é bem óbvia; finalmente conhecemos os líderes do Tentáculo e suas reais intenções (embora bem rasas). Assim, unindo elementos dos anos anteriores, o grupo de heróis acaba se juntando na maior ilustração de o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Muito bem costurada às temporadas solo de cada herói, o enredo demora cerca de três episódios para justificar a união do time. Partindo de premissas deixadas claras em suas respectivas séries, a temporada funciona na medida em que o combustível de cada um segue sendo suas respectivas motivações individuais (Luke Cage quer o bem dos jovens do Harlem, enquanto Jessica Jones segue intrigada em um caso investigativo; Punho de Ferro segue na caça do Tentáculo e Demolidor busca uma vizinhança mais segura). Assim, mantendo a linearidade na psiquê dos personagens, o espectador não sente baque algum nos episódios.
Com tempos de tela proporcionais, o quarteto principal atua de forma como já se era esperado. Acertadamente, o roteiro acerta em manter o Tentáculo como antagonista, pois, caso contrário, o Punho de Ferro (Jones) seria esquecido – melhor que na primeira temporada, o herói ainda pena na construção de seu carisma; seu ódio ao grupo terrorista acaba o mantendo em evidência. Colter, embora mostrando-se um Luke Cage menos forçado, funciona muito bem quando divide tela com Jones, contudo, ambos continuam frágeis quando sozinhos em cena. Ritter e Cox constroem de forma muito fluida a relação Jessica Jones/Demolidor. Ambos conseguem brilhar em uma dinâmica divertida entre o estilo sarcástico de Jones e o fato de o Demônio de Hell’s Kitchen se levar a sério de mais.
De uma forma muito inteligente, o texto consegue unir os coadjuvantes para que eles tenham certos momentos de brilho também. Novamente, mantendo os pensamentos de temporadas passadas, o elenco mostra sua importância – com especial destaque a Elden Henson, que está cada vez melhor como Foggy Nelson. Henwick (Colleen Wing) e Ching Ho (Madame Gao) continuam muito caricatas; as diversas caras e bocas que fazem nos trazem um misto de irritação e pena. Dawson, espantosamente, tem menos destaque do que a expectativa criada nas outras cinco temporadas; sempre encarada como um “Nick Fury” da Marvel televisiva, a enfermeira teve uma importância muito menor do que lhe era esperado.
Um destaque à parte durante os oito episódios foi a fotografia. Sempre trazendo elementos de cada um dos protagonistas, em diversos momentos une o vermelho, o amarelo, o verde e o azúl/púrpura. Aliás, de uma forma muito prazerosa, nos vemos em um constante jogo entre o noir, o blaxploitation e a sofisticação. As trocas de cena, mostrando imagens de Nova York através de uma lente, deixam a mudança menos impactante de um tom para outro.
A vilã Alexandra, encarnada por Sigourney Weaver, sofre um pouco pela horizontalidade da organização a qual representa. Não há motivação crível no Tentáculo a não ser o cartunesco, assim, a atriz acaba sendo desperdiçada. A bem da verdade, a escolha não foi bem enquadrada ao papel, para aqueles que esperavam cenas de luta grandiosas, a idade da antagonista foi um empecilho para uma eventual coreografia. Yung, como Elektra, evoluiu muito desde o segundo ano de Demolidor; enquanto na temporada passada, a atriz serviu mais como um recurso para desacelerar o ritmo intenso, aqui, ela foi muito bem utilizada para mudar o status quo estabelecido.
As coreografias continuam deixando a desejar. Em algum momento, entre as duas temporadas do Homem Sem Medo e Punho de Ferro, os showrunners perderam a mão nas cenas de luta. Claro, há a clássica cena de luta no corredor, mas aqui, a câmera varia entre muitos ângulos, tirando o impacto da luta. Existe uma boa cena de luta no último episódio, aí sim, com planos sequência longos e panorâmicos de encher os olhos, mostrando o entrosamento da equipe.
Ao fim, como bem anunciado pelo produtores, Os Defensores reservou mudanças para todos os personagens. Quatro mudanças, quatro acertos. Embora sendo a quantidade ideal, com apenas oito episódios, fica aquela vontade de ver ainda mais. Os cliffhangers dos heróis, com exceção do Luke Cage, foram ótimos.
Corrigindo alguns erros do passado, a parceria entre as empresas mostra que está evoluindo. Os atores estão mais confortáveis e os enredos dignos da Era de Ouro dos quadrinhos. Aparentemente, com a confirmação do Justiceiro e boatos de que a Netflix irá adaptar outros heróis, podemos esperar uma sequência com ainda mais heróis.
Das maiores ausências, apenas faltou Come As You Are. Tomara que toque na segunda temporada.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Os Guardiões
2.1 271 Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Os Guardiões (Zaschchitniki) | Crítica
Filme dos “Vingadores Russos” está bem longe de convencer, mas nos garante alguma diversão com um urso gigante carregando uma metralhadora nas costas
Dirigido por Sarik Andreasyan. Roteiro por Andrey Gavrilov. Com Anton Pampushnyy, Sanjar Madi, Sebastien Sisak, Alina Lanina, Valeriya Shkirando, Vyacheslav, Stanislav Shirin, Aleksandr Komissarov, Nikolay Shestak, Mila Maksimova, Igor Maslov.
Em meados de 2016, começou a circular na internet um trailer de um filme russo que tratava sobre um grupo de heróis que precisava unir forças contra um mal comum. O furor, com o tempo, esfriou, e nunca mais foi falado sobre o dito filme dos “Vingadores Russos”. Pois bem, no início de 2017, houve uma nova implosão cibernética: não se bem por que cargas d’água, mas esse filme iria ser transmitido nas salas de cinemas brasileiras. Bem que ele poderia nem ter vindo.
Na trama, durante o período de Guerra Fria, o governo soviética criou uma organização chamada Patriota, a qual criaria supersoldados para serem enviados nos focos de conflito. Anos depois, uma das cobaias se volta contra a Rússia, obrigando o governo a procurar os demais soldados, que passaram anos no anonimato, para vencer o grande inimigo.
Quanto aos poderes dos ditos Guardiões não há nada digno de nota. Arsus (Pampushnyy) é um cientista que vive isolado na Sibéria que pode se transformar em meio-urso, ou um urso completo (nunca pensei que falaria isso); Khan (Madi) é um ninja que usa duas lâminas de manuseio extremamente incoveniente e que pode se teleportar; Ler (Sisak) controla minérios e lidera o time; e Kseniya (Lanina) pode ficar invisível.
Cheio de clichês, o filme, muitas vezes parece um clipe musical, tamanha a quantidade de movimentos coreografados e encaradas ao telespectador. Essa pseudo quebra da quarta parede (nunca há uma conversa direta com a plateia) dá ao trabalho um tom demasiadamente infantil e amador, de modo que, já em meio ao filme perdemos totalmente o respeito pelo conjunto da obra. Faltou-lhe o nexo de causa que ligue sua atmosfera às técnicas de filmagem utilizadas.
Outra ponto que não favorece o trabalho é a maquiagem escolhida para representar o vilão, Stanislav Shirin (Kuratov). Para justificar suas habilidades, lançou-se mão de braços mecânicos e tubos conectando partes de seu corpo, mas não só isso, todas as próteses que formaram seus músculos, são muito evidentes – muitas piadas em relação ao six pack dele. O rosto, pateticamente deformado, lembra uma mistura de bebê com Jason Voorhees, antes de se tornar o apodrecido psicopata. Assim, é criado um vilão com cara de panaca, incapaz de transmitir a verdadeira ameaça que representa.
De ponto positivo, há apenas o urso de metralhadora – que é mais bem-humorada pela nossa incredulidade do que pela piada em si, já que é algo levado a sério no trabalho. Com um CGI bem pobre, há inclusive erros graves de continuidade dignos de Hulk (em uma cena a transformação rasga as calças e depois elas aparecem inteiras).
Repleto de boas intenções, o filme veio com o condão de mostrar que o cinema russo está ciente das atuais tendências do cinema mundial. Incapaz de satisfazê-las, infelizmente, o trabalho pende entre o ruim e o patético por se levar a sério em demasia. Pior de tudo é que o filme foi tão confiante que as cenas pós-créditos garantiram uma continuação. Vem mais clipe por aí.
Nota: 2/6 (Ruim)"
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraNÃO ME XINGUEM!
Confira a Crítica do Catacrese de Dunkirk
"Dunkirk | Crítica
Um bom filme, mas não de guerra
Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro por Christopher Nolan. Com Fionn Whitehead, Damien Bonnard, Aneurin Barnard, James Bloor, Barry Keoghan, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Will Attenborough, Kenneth Branagh, Harry Styles, James D’Arcy, Cillian Murphy.
Christopher Nolan é um dos diretores mais contestados da atualidade. Ame-o ou deixe-o. Não há espaços para meio termos. Com filmes no currículo como a trilogia Batman, Interestelar, O Grande Truque, Amnésia e A Origem, o diretor, que começou empilhando sucessos, dá sinais de que atingiu um plateau criativo e/ou operacional. Continua tecnicamente impecável, óbvio, mas muito menos inovador. Infelizmente, nessa fase, surge Dunkirk.
O filme é muito competente ao estabelecer uma narrativa tripartite e intertemporal. Na história, acompanhamos a evacuação das tropas inglesas e francesas da praia de Dunquerque, que estava sitiada pelo alemães nazistas, no início da Segunda Guerra Mundial. Para isso, acompanhamos três frontes que se desenrolam em lapsos temporais distintos: na praia, vivemos uma semana; no mar, um dia; no ar, uma hora. Ao mesmo tempo que prazorosa, pois diferente, essa forma de narrativa traz consigo o ônus de que já saibamos o desfecho de alguns personagens, antes da conclusão “em sua linha temporal”.
Assim, em terra, vemos as tentativas de Tommy (Whitehead) em sair com vida da praia, passando a frente dos demais soldados; no mar, acompanhamos Mr. Dawson (Rylance), Peter (Glynn-Carney) e George (Keoghan), indo ao resgate dos soldados em um pequeno barco pesqueiro, uma vez que foram convocados pelo governo inglês; por fim, no ar, estaremos na cabine de Farrier (Hardy) que lidera outros dois pilotos para escoltar os destroyers e os pequenos barcos civis, que são constantemente atacados por caças nazistas.
Um dos principais pontos positivos da obra é, sem dúvidas, sua plasticidades artística. Com uma fotografia ampla, e ótimos ângulos das asas dos aviões, o filme é digno de salas IMAX. Ademais, as cenas em que a câmera fixa vira junto com o barco causa certa desorientação no espectador, fazendo a imersão ao trabalho muito mais plena. Dentro do caça, os movimentos rápidos da mira e a perseguição são sensacionais, já que não vemos como terceiro espectador, mas sim, um piloto.
Outro grande acerto é a edição e a mixagem de som que casa perfeitamente com a trilha de Hans Zimmer – o qual conseguiu revitalizar sua carreira de forma incrível, tirando-o da mesmice onde estava estagnado. Não é difícil imaginar que Dunkirk concorrerá aos Oscars no que toca à sua sonoplastia. Os estouros dos torpedos ou o barulho dos motores dos aviões reverberam de forma magistral, mas não apenas isso, os ecos da voz dos soldados quando estavam presos no barco encalhado, ou o abafamento dos sons na cabine dos pilotos são ótimos exemplos da perfeição sonora do filme.
Há certo questionamento que se pode fazer quanto à bestialização do inimigo. Filmes como Sniper Americano e, o já referido, até O Último Homem são completamente simplistas ao retratá-lo. No momento em que se lança mão de mostrar “o outro lado da linha”, deve-se fazer da forma correta; não basta mostrar um antagonista demoníaco desprovido de sentimento ou razão. Entretanto, Dunkirk consegue ser sufocante no momento em que mostra a ameaça alemã de forma onipresente e avassaladora. Em nenhum momento existe menção ao nome de Hitler ou ao nazismo, todavia, sua presença está no medo constante causado às tropas. Não há brechas a questionar as intenções de um inimigo invisível.
Embora acerte muito na parte técnica, o filme perde na parte humana. Com bons atores subaproveitados, o filme demora a cativar quem o vê. O núcleo marítimo é o que mais se aproxima de tal feito, mas, mesmo assim, não conseguem sustentar todo o trabalho. Com muitas vezes com o rosto tapado por máscaras de oxigênio, Hardy trabalha quase que integralmente apenas com os olhos, o que é um revés para a obra. Lógico, há cenas muito emocionantes, os olhos lacrimosos do comandante Bolton (Brannagh) em primeiríssimo plano ao olhar os barcos civis e chamá-los de casa, bem como a mentira contada por Peter ao soldado interpretado por Cillian Murphy, possuem uma carga emocional enorme se comparadas ao resto do filme.
Diferente de outros filmes de guerra, onde trazem uma crítica implícita a sua desnecessidade, como, por exemplo, o Mel Gibson o faz através da violência desacerbada (Até O Último Homem), Coppola o fez nas cenas cada vez maiores de Apocalypse Now, ou Oliver Stone trabalhou através do paralelo entre o assassino fanático e o idealista pacifista (Platoon, eternizado por Willem Dafoe), Dunkirk é meramente frio no sentido de retratar a guerra de forma quase documental. Não coube à obra criticar o conflito pelo motivo que fosse, apenas a retratou como um fato.
Na verdade, tamanha sua frieza que ao final, o resultado pouco importou. Com os soldados chegando em casa, ouvimos um discurso calculista de Winston Churchill, disfarçando através do otimismo e compreensão seu sentimento de derrota. E assim saímos quando as luzes acendem: desolados. Maquiando nosso sentimento de que a obra foi impecavelmente bem feita, quando, na verdade, existiam muito pontos a serem melhor trabalhados.
Nota: 4/6 (Bom)"
A Rede Social
3.6 3,1K Assista Agoratenho a impressão que, todo filme, o jesse eisenberg faz o mesmo papel
Transformers: O Último Cavaleiro
2.6 508 Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS:
"Transformers: O Último Cavaleiro | Crítica
Chega! Internem o Michael Bay, por favor
Dirigido por Michael Bay. Roteiro por Akiva Goldsman, Matt Holloway, Ken Nolan. Com Mark Wahlberg, Anthony Hopkins, Josh Duhamel, Laura Haddock, Santiago Cabrera, Isabela Moner, Jarrod Carmichael.
Diferente dos demais textos, dessa vez, volto-me a apropriar da primeira pessoa. Com o coração sangrando na ponta dos dedos, impossível não me envolver pessoalmente com o que aqui ficará escrito. Eu realmente achava que o filme seria uma bosta, entretanto, fui vê-lo somente movido pela esperança de isso poderia mudar. Mas só piora.
O filme começa sendo narrado por Sir Edmund Burton (Hopkins), um lorde inglês que, sabe-se lá por que, sabe tudo o que aconteceu no mundo. Assim, vemos uma guerra protagonizada por Rei Arthur e Merlin contra os bárbaros, de sorte que aqueles só venceram esses porque contaram com a ajuda dos Autobots. A partir daí voltamos ao futuro (assim como o último, o filme é no futuro) e é só tiro, porrada e bomba sem nexo algum.
Entendam: o que se faz aqui não é uma nota de repúdio a filmes de ação. Muito pelo contrário. Filmes de ação e aventura sempre foram e serão bem-vindos. O que não se pode admitir é um filme que está no quinto episódio e continua negando e tranformando e ignorando fatos trazidos pelos anteriores. O fato de trazer consigo o selo de “filme de ação” não é uma excusa para abdicar de personagens trabalhados ou minimamente complexos! Há um romance que nos é enfiado goela abaixo, uma criança de quatorze anos que sabe mais de anatomia alienígena que qualquer um e o Mark Wahlberg, que, por si só, é maluco.
Por óbvio, os personagens principais: Yeager (Wahlberg), Sir Edmund Burton e Vivian Wembley (Haddock) são perfeitamente estereotipados para que o espectador já saiba como eles pensam para que não percamos um segundo sequer de tiroteio ensandecido.
Afora isso, temos mais um exemplo de trailer que vende algo bem diferente do que o filme oferece (Esquadrão Suicida feelings), isto é, o trailer conta com muito mais de Optimus Prime do que a própria obra.
O maior problema que a franquia enfrenta é a necessidade do diretor, cada nova trama, querer aumentar a mitologia e a história da relação Autobots/humanos. Com isso, todo filme vira um tiro no pé ao negar condições e fatos estabelecidos pelo antecessor. Aliás, mesmo que tentasse se renovar, sempre precisamos enfrentar o Megatron (o famoso vilão que sempre volta, quase Jason Voorhees) e sua patota.
De fato, algumas coisas melhoraram; enquanto os primeiros dois tinham cortes muito rápidos nas cenas de combate – o que dificultava para o espectador saber quem é quem, já que era um monte de ferro brigando e atirando –, nesse os takes mais alongados facilitam na hora de nos situarmos na atmosfera do confllito.
Com Michael Bay anunciado que esse foi seu último filme (graças ao Senhor!), a única sensação que eu senti ao final foi a dúvida de quem aceitaria tomar para si uma bomba dessas. Claro, sempre podemos ligar o foda-se e fazer o sexto filme da franquia sem diretor algum, já fizemos os cinco primeiros dessa forma, não é?
Nota: 1/6 (Muito Ruim)"
Amigos da Faculdade (1ª Temporada)
2.8 117 Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Friends From College – 1ª Temporada | Crítica
Com grande elenco em teoria, mas sem química alguma, nova série da Netflix demora para mostrar a que veio
Criada por Francesca Delbanco e Nicholas Stoller. Dirigida por Nicholas Stoller. Roteiro por Tiffany Barrett. Com Keegan-Michael Key, Annie Parisse, Jae Suh Park, Fred Savage, Nat Faxon, Cobie Smulders, Billy Eichner, Greg Germann, Kate McKinno, Seth Rogen, Chris Elliott.
Quando há grande expectativa em algum lançamento, por óbvio, existem o ônus e o bônus. Pois então, a Netflix anunciou sua nova série de comédia em que Keegan-Michael Key, Colbie Smulders e Fred Savage, o que causou furor entre os espectadores. Smulders, inclusive, chegou a comparar Friends From College com o já falecido How I Met Your Mother (eterno em nossos corações), dizendo que aquele seria uma versão dark desse. Pura galhofa.
Em oito breves episódios, o enredo mostra o reencontro de um grupo de amigos de Harvard, vinte anos depois de formados. Para dar a carga dramática, muito rapidamente somos expostos ao panorama geral: Ethan (Key) é casado com Lisa (Smulders), mas tem um caso com Annie (Parisse) que desabafa com Marianne (Park). Além disso, Lisa é ex-namorada de Nick (Faxon). Para finalizar, os melhores amigos, Ethan e Max (Savage), trabalham juntos e enfrentam o ciúme do marido de Max, Felix (Eichner).
Um dos elementos mais louváveis da série foi, em um núcleo tão pequeno – apenas seis amigos –, conseguir trazer tamanha diversidade e melhor, tal característica nunca é debatida, simplesmente está lá. Assim, justamente pelo fato de passar desapercebida do espectador, tal característica é excelente pela naturalidade mostrada. Enquanto em Friends e How I Met Your Mother o núcleo era formado brancos e héteros, aqui vemos que o mundo vai muito além dessas delimitações. Key é filho de pai negro e mãe branca, Park é coreana e Savage interpreta um homossexual (casado, para o desespero de muitos).
Infelizmente, a série sofre pelo grande frenesi causado por seu anúncio. O elenco, em teoria é muito bom, mas sofre para entrar em harmonia e se conectar com o público, o que só acontece em meados do sétimo episódio, penúltimo do primeiro ano. Mesmo assim, há muito menos comédia do que fora prometido, de modo que muitos dos risos são gerados pelo famoso sentimento de “rir de nervoso”. Na verdade, são Smulders e Savage aqueles que, individualmente, levam o trabalho até ele começar a evoluir sozinho. Com menos tempo de tela que Key e Parisse, os atores se esforçam em cada minuto que aparecem. Keegan foi muito mal utilizado como Ethan; como seu personagem é naturalmente egocêntrico e adúltero, já há um certo repúdio por parte do espectador, e ele, mesmo com seu carisma, não consegue superar tal barreira.
Outro elemento que não funciona é a dinâmica dos amigos como um grupo. À exceção do episódio dos vinhedos, todas as cenas de jantares e eventos com todos parecem cheias de estranhamento e desconfiança, o que não é natural para amigos de longa data. Contudo, quando estão em núcleos menores, as cenas são muito mais prazerosas e as gags bem mais fáceis de emplacar.
Com coadjuvantes talentosos, a série flui mais fácil quando um deles contracena. As aparições de Kate McKinnon, Seth Rogen e Chris Elliott são hilárias, mas é aí que se percebe a fragilidade dos personagens centrais pois são ofuscados por completo pelos atores convidados.
Devendo em tudo a que se propôs, Friends From College merece uma segunda temporada devido ao seu season finale promissor, mas existe muita coisa a ser trabalhada. Muita coisa boa pode vir na evolução e no amadurecimento da relação dos amigos. Infelizmente, a Netflix, tão bem sucedida em suas séries dramáticas, ainda engatinha na comédia. Faz falta uma sitcom como fora outrora Friends e How I Met Your Mother, com risadas de fundo, câmeras fixas e mise em scène facilmente decorado. E nem venham falar de The Ranch.
Nota: 3/6 (Regular)"
Homem-Aranha: De Volta ao Lar
3.8 1,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Homem-Aranha: De Volta ao Lar | Crítica
Em filme de roteiro simples, Tom Holland brilha e Michael Keaton encarna um dos melhores vilões da Marvel nos cinemas
Dirigido por Jon Watts. Roteiro por Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers. Com Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Donald Glover, Jacob Batalon, Laura Harrier, Tony Revolory, Bokeem Woodbine, Michael Chernus, Logan Marshall-Green, Jennifer Connely, Gwyneth Paltrow.
Sempre foi com grande pesar que, no passado, o universo cinematográfico da Marvel foi visualizado abdicando das imagens do Homem-Aranha e dos X-Men. Claro, considerando que foi a venda de seus direitos para a Sony e Fox, respectivamente, que salvou a empresa da falência, era uma preço baixíssimo a se pagar.
À medida em que o tempo foi passando, a Marvel (então comprada pela Disney) se capitalizou o suficiente para forçar o retorno de seus personagens a sua casa. Seja retirando-os das histórias em quadrinhos, ou transformando suas origens, um pseudoboicote começou a existir em relação ao amigão da vizinhança ou aos mutantes.
Após um súbito corte na saga do Espetacular Homem-Aranha da Sony (gerada pelas reviews horríveis e arrecadação abaixo do que o esperado), para aqueles que esperavam um dos maiores super-heróis do MCU, o Cabeça de Teia retornou ao lar de forma muito mais modesta que o imaginado. Sua volta, entretanto, não poderia existir de forma melhor.
Com direção ordinária e roteiro pensado às pressas por seis cabeças, não se poderia esperar muita complexidade argumentativa. Claramente inspirado em filmes colegiais como Curtindo a Vida Adoidado ou o Clube dos Cinco, o filme mostra um Peter Parker (Holland) no colegial, administrando a súbita responsabilidade trazida a sua vida por Tony Stark em Capitão América: Guerra Civil. Conciliando a ansiedade de ser um Vingador, bem como a difícil vida no ensino médio, o garoto se depara com um vilão (Keaton) que utiliza a tecnologia Chitauri para traficar no submundo de Nova York.
Como já dito, as inspirações são claras; seja na sala de detenção ou nas cenas correndo pelos jardins das casas (onde inclusive, há um cena com Matthew Broderick no televisor, deixando clara a analogia), o filme mantém a aura escolar em todos os seus elementos. Para aqueles que imaginaram que Stark roubaria o filme para si, isso não aconteceu. Espertamente, usaram e abusaram a imagem de Hogan (Favreau) para fazer o link entre mestre e aprendiz. Assim, cabe a Downey Jr. algumas poucas cenas de eu avisei ou você pode ser melhor do que isso.
Com demasiada competência, o elenco do filme se encaixou de forma ótima. Holland (que tinha a difícil tarefa de substituir os talentosos Tobey Maguire e Andrew Garfield) muda completamente o ângulo de abordagem, o que lhe favorece; enquanto Maguire se debatia nas angústias da identidade secreta e Garfield direcionava as atenções ao lado descolado, Holland se destina a mostrar a jovialidade e o amadorismo do herói. De forma brilhante, ele se diverte consigo mesmo enquanto tenta se superar para chamar a atenção do Homem de Ferro, que o apadrinha.
Sem sombra de dúvidas o grande destaque fica por Michael Keaton; experiente em filmes de heróis, o ator se mostra o vilão mais verossímil e vertical desde Loki. Com os primeiros minutos do longa destinados a estabelecerem sua psique, somos expostos às motivações do Abutre. Sua sede de vingança e a vontade de garantir a melhor vida possível para sua família são verdadeiras o suficiente para possamos, inclusive, empatizar com o personagem de forma que há tempos não acontecia em qualquer outro filme do MCU.
O elenco complementar, da mesma forma, atua harmoniosamente com os demais. Marisa Tomei, embora subaproveitada, faz o papel da tia legal, que tenta usar sua jovialidade para se conectar a Peter, abandonando de vez a imagem da tutora frágil e idosa das demais Tias Mays. Zendaya tem alguns bons e rápidos momentos de tela, enquanto o alívio cômico fica por conta de Batalon (que o faz de forma ótima, diga-se de passagem). Favreau – em lua de mel com a Disney desde Mogli e dirigindo Rei Leão –, que nunca teve tanto tempo de tela como Happy Hogan, tem cenas excelentes com Holland e com certeza deveria ser mais explorado nos filmes.
Curiosamente, o espectador não tem nem pistas sobre alguns outros personagens conhecidos dos quadrinhos – não vêm nem indício de J. J. Jameson, Felicity Jones, ou a família Osborn –, de repente, para serem futuramente trabalhados nas sequências ou em outros filmes do spiderverse que passarão dentro do mesmo universo (ou não, ninguém sabe, nem eles). Claro, existem, espalhadas ao longo 133 minutos, uma infinidade de homenagens aos filmes de Sam Raimi, como a cena do trem em Homem-Aranha 2, ou ao beijo invertido de Homem-Aranha 1.
As cenas atrapalhadas de Peter Parker e sua origem desajeitada como super-herói podem até causar certo incômodo, mas que, ao som de Ramones, geram uma energia contagiante. Embora não existam cenas de ação emblemáticas e o clímax seja morno, o filme foca no amadurecimento de Peter enquanto herói e enquanto adolescente, onde muito bem sucedido.
Em Vingadores: Guerra Infinita, de repente, teremos um Homem-Aranha mais maduro (quase nada) e ciente de suas responsabilidades (um pouco), mas esperamos que mantenha o espírito dado por Holland. Nisso não podem mexer.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Okja
4.0 1,3K Assista AgoraCrítica do Catacrese, sem spoilers.
"Okja | Crítica
Filme tocante da Netflix ataca a indústria carnista e brutalidade policial se travestido de conto infantil
Dirigido por Joon-ho Bong. Roteiro por Joon-ho Bong e Jon Ronson. Com Tilda Swinton, Giancarlo Esposito, Jake Gyllenhaal, Seo-Hyun Ahn, Shirley Henderson, Je-mun Yun, Steven Yeun, Paul Dano, Lily Collins, Daniel Henshall, Devon Bostick.
Quando foi anunciado que filmes da Netflix concorreriam a Palma de Ouro esse ano, instaurou-se um burburinho cogitando se seria esse o filme do cinema tradicional. Na verdade, ao revelar o espanhol Pedro Almodóvar (ainda apegado ao estilo cult enquanto arrogante) como o presidente do júri, Cannes se mostrou um verdadeiro artifício para encerrar a discussão ao afirmar que streaming nunca será cinema e vice-versa, praticamente acabando com as chances de Okja de vencer o grande prêmio e tornando sua participação meramente protocolar.
Mais uma vez o conservadorismo se mostra um empecilho para admirar a arte em suas diversas formas. Não é a primeira vez que isso acontece e não será a última.
O enredo é construído em diversas inspirações, desde Disney até Studio Ghibli. Começando com um anúncio inspirado Lucy Mirando (Swinton), somos apresentados aos super-leitões — seres que se assemelham a hipopótamos — quando ela se gaba de tê-los descoberto em uma inóspita região do Chile e por serem naturais e não-transgênicos. Assim, a solução para a fome do mundo passaria pelo consumo da carne de tais seres. Com um lapso temporal de dez anos, conhecemos Mikha (Ahn), na Coreia do Sul, uma menina que cuida de Okja, uma super-leitoa, desde seu nascimento e que fará de tudo para proteger sua amiga da exploração da indústria pecuarista.
Passeando por Dumbo, Meu Amigo Totoro e A Viagem de Chihiro, ao analisar o plot, não se pode confundir infantilidade com ingenuidade. Junto de Mikha, gradativamente, vai sendo retirado da frente do espectador o véu que cobre a fachado de uma empresa que vive da morte animal. Assim, o filme, que começa inocente, vai mostrando-se cruel com o passar dos minutos, o que causa um choque gigantesco, considerando o tom inicial imposto à obra.
As atuações oscilam entre bons e maus momentos. É inegável a influência do escatológico trazida pelo cinema sul-coreano de Bong. As ações exageradas e piadas em um timing péssimo não escondem suas origens. Swinton dispensa qualquer comentários, seus momentos em tela são sensacionais; Gyllenhaal mostra certa versatilidade e muita inspiração em Jack Sparrow para fazer seu personagem; Ahn ainda engatinha no sentido de aprofundar seus sentimentos; Dano, mais uma vez, mostra que é um ator injustamente desmerecido e que tem muita qualidade; e Yeun poderia ter mais tempo de tela.
A decisão de Bong em retratar Wilcox (Gyllenhaal) como um personagem cartunesco é mais uma afiada crítica que ridiculariza as escolhas de tais empresas para suas faces públicas; nada muito diferente do que o frango da Sadia ou o porco de fraque da Suinofest em Encantado/RS, por exemplo. Não menos importante foi a forma retratada da brutalidade policial (comprada pelas megaempresas, como ressaltado em um trecho do filme) que, sem piedade, atacava os idealistas desarmados com cacetadas na cabeça e chutes no tórax.
A fotografia lindíssima e as escolhas do figurino são perfeitas para o estilo empregado na obra. As roupas extravagantes de Lucy Maduro trazem um quê de Jogos Vorazes, enquanto o casaco vermelho de Mikha destoa do mundo de cores frias e pastel de Nova York e Seul, que aceitou a ideia do domínio do homem sobre o animal e tornou-se apático por isso. Os planos-detalhe nos olhos tão humanos e nas lágrimas de Okja servem para mostrar o inferno que os animais criados para o abate são submetidos antes da morte certa.
Quase um paradoxo que, antes de ser transmitido em Cannes, o filme foi vaiado por quem lá estava e terminou aplaudido. Não é muito diferente quando alguém afirma ser vegetariano ou vegano, já que, antes de expor seus ideais, é rotulado de chato e/ou nojento, mas que depois mostra ser apenas mais um que faz o que acredita, e por isso deve ser respeitado.
Com um primeiro ato emocional, um segundo ato dramático e um terceiro ato chocante (as fazendas dos porcos é Auschwitz redesenhada), Okja tem um fim niilista e reflexivo que nos reduz à nossa mediocridade sobre fazer a mudança sozinhos. Com o término, ficamos engasgados por nossa impotência, mas cheios de esperança ao vermos que existem outros como nós. Chega de defender-se sob o lençol da hipocrisia. Chega.
Nota: 5/6
PS: coincidentemente ou não, Almodóvar é o novo garoto-propaganda da Prada, que possui uma infindade de artigos em couro animal. Fica a reflexão sobre o quão comprados podem ser os julgamentos dos ditos “formadores de opinião” e o quanto isso pode ter influenciado para que ele expusesse sua opinião tão abertamente sobre a grande evidência que a produções independentes da Netflix estão tomando."
Okja
4.0 1,3K Assista Agoraeles conseguiram. finalmente conseguiram fazer eu virar vegano.
A Múmia
2.5 1K Assista AgoraCrítica do Catacrese sobre o filme:
"A Múmia | Crítica
Com o perdão do trocadilho, mesmo com todo whitewashing no Egito Antigo, é obscuro o início do Dark Universe
Dirigido por Alex Kurtzman. Roteiro por David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman. Com Tom Cruise, Russell Crowe, Annabelle Wallis, Sofia Boutella, Jake Johnson, Courtney B. Vance.
Que o tal do Universo Compartilhado é o novo grito pop ninguém duvida. Começando pela Marvel, todas as produtoras querem dar uma bocada na nova galinha dos ovos de ouro do cinema. Óbvio, para se inspirarem no MCU, é porque ele deu muito certo (e deu!), mas isso não quer dizer que absolutamente qualquer coisa nesse sentido irá funcionar. Os óculos 3D só funcionaram em Avatar e em meia dúzia de trabalhos até então. A Warner recém começou a acertar o passo com os heróis da DC, a Universal e seu Dark Universe, de igual forma, começaram de forma apática e atropelada.
O enredo acompanha Nick (Cruise) e Vail (Johnson), soldados do exército norte-americano que fazem renda roubando artefatos históricos para vendê-los no mercado negro. Ao acaso, em uma expedição liderada por Jenny (Wallis), descobrem a tumba da Princesa Ahmanet (Boutella), que foi mumificada viva, de sorte que ela volta buscando liberar um grande mal sobre o mundo.
Fugindo do terror do clássico de 1932, o filme retorna ao gênero de aventura que foi estabelecido em A Múmia de 1999, entretanto, sem o mesmo carisma. O diretor e os roteiristas é completamente incompetente no que toca à condução do filme. A começar, novamente, pelo whitewashing do Egito Antigo e pelo comando do casting: de alguma forma acham que é verossímil que Tom Cruise, no auge dos 55 anos, contracene com mulheres de 33 (Wallis) e 35 (Boutella) anos. Ora, não é possível que ainda perdure esse pensamento de que os galãs hollywoodianos possam envelhecer, mas as divas têm que incessantemente se renovarem, pois Deus me livre se elas passarem dos quarenta. Deve ser alguma coisa relacionada a autoafirmação que o homem precisa de que aos ciquenta anos continua sendo um ser viril e cheio de estamina. Por que as mulheres não podem ter essa inspiração também?
Aliás, mais um filme que mostra o Egito Antigo, mais um filme que não coloca atores negros nesse período. Em um olhar histórico-sociológico, A Múmia é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e, no máximo, alguns pardos para justificar a localização geográfica, podemos ver a dor de Hollywood em admitir que eles reconhecem uma civilização de cultura negra que não seja no coração selvagem da savana africana.
Para se somar às mancadas, A Múmia evolui de forma afobada e displicente. O roteiro, na tentativa de encaixar e explicar o Prodigium, cede muito espaço à organização, deixando de lado os protagonistas e a própria monstra do filme. Com isso, há excessos de cenas descartáveis, como a luta entre Nick e Mr. Hyde (Crowe, que funcionará como elo entre os vários longas do Dark Universe), que em nada complementa com a obra. Lógico, há umas boas sacadas que não fazem o filme ser totalmente ruim; a cena da queda do avião em gravidade zero e a tempestade de areia a partir das vidraças de Londres (considerando que vidro é areia derretida) foram boas ideias utilizadas.
O elenco também não convence. Tom Cruise está o mesmo, não dá mais pra distinguir o Nick do Ethan Hunt ou do Jack Reacher — são todos absolutamente iguais. Annabelle Wallis trabalha de forma artificial e sem peso; Sophia Boutella é a mais dedicada, tentando todo o trabalho nas costas. Crowe parece confortável em sua forma caricata.
O grande problema foram as escolhas. Com um diretor inexpressivo, o filme ficou suspenso em uma zona de conforto para quem a produz, mas que já cansou o expectador. A ação e aventura já estão sendo exploradas à exaustão por super-heróis, Star Wars, Transformers e o raio que o parta. Não custava tentar inovar nesse ponto e fazer um shared universe que derivasse pro terror. Faltou tomar alguns riscos.
Terminada a sessão e acesas as luzes, a conclusão era só uma: Tom Cruise precisa entender que envelheceu. Aliás, nós precisamos entender e aceitar que envelhecer é normal. No ritmo insano de Missão Impossível, A Múmia tenta ser uma aventura de tirar o fôlego, mas seu efeito é o inverso. Dá muito sono e, pior, muita saudade do Brendan Fraser.
Nota: 2/6 (Ruim)"
Deuses Americanos (1ª Temporada)
4.1 515 Assista AgoraCrítica do Catacrese COM Spoilers!
"Deuses Americanos — 1ª Temporada | Crítica
Fotografia surrealista e excelentes atuações no primeiro ano da série que adapta romance de Neil Gaiman
Criada por Neil Gaiman. Produzida por Bryan Fuller, Neil Gaiman e Michael Green. Com Ricky Whittle, Emily Browning, Crispin Glover, Bruce Langley, Yetide Badaki, Pablo Schreiber, Ian McShane, Gillian Anderson, Demore Barnes, Chris Obi, Omid Abtahi, Cloris Leachman, Orlando Jones, Peter Stormare, Mousa Kraish, Corbin Bernsen, Jonathan Tucker, Kristin Chenoweth, Jeremy Davies.
Esse texto conterá spoilers da primeira temporada.
Certo momento, em meio ao season finale, Mad Sweeney vira para Laura Moon e diz: e o que você acha que os deuses fazem? Fazem o que sempre fizeram: ferram com todos nós. Não leve a mal. Realmente, o leprechaum tinha razão.
Não é novidade a história: o homem acredita no deus, da fé o deus surge e provê ao homem o que ele pediu em oração. Entretanto, mesmo que não inédita, a premissa não deixa de ser menos saborosa. Graças à competência dos produtores, a história da primeira temporada de Deuses Americanos, a qual aborda exatamente esse tópico, mostra meandros e novas cores, fugindo da simples construção lógica exposta.
Construída com diversos personagens, mas particularmente sob o ponto de vista do ex-presidiário Shadow Moon (Whittle), a trama mostra o mundo de Shadow virar do avesso quando, no dia em que sai do cárcere, recebe a notícia da morte de sua esposa (Browning). Sem nada a perder, acaba aceitando o emprego oferecido pelo misterioso Mr. Wednesday (McShane) e embarca em uma viagem surreal pelos Estados Unidos.
Começando pelo ponto negativo, a temporada, com apenas oito episódios, caminha sobre o gelo fino do mistério. Assim, em apenas um arco de descobrimento, ao longo dos episódios, cada vez mais perguntas vão sendo levantadas sem responder aos questionamentos anteriores. Para um telespectador mais impaciente isso pode fazer com que ele desista da jornada, pois os episódios acabam exigindo sua total atenção sem dar nada em troca. Se desconsiderar o excesso de perguntas, as quais serão respondidas em temporadas vindouras, a série é um novo sopro de vida a quem a assiste, considerando sua qualidade técnica e sua estilística única.
O primeiro destaque óbvio trazido pela série foi sua identidade única; com ares de David Lynch, o tom surreal nos faz pensar, muitas vezes, que estamos vendo uma grande pintura de Salvador Dali. Já na abertura podemos ver, através da psicodelia, que o pano de fundo será a dicotomia entre as novas e as velhas crenças — o astronauta crucificado, o Menorá com as diversas entradas de plugue existentes, o Buda em meio aos fármacos, o corvo com rastro de foguete atrás, entre outros. Além disso, os constantes sonhos de Shadow trazem consigo uma paleta colorida que varia entre o rosa e o azul, em luz neon.
Aliás, Shadow é o único ponto real da história. Enquanto em seu carro com Wednesday, participamos da road trip sem desconforto algum, mas no momento em que mais personagens entram em cena, imediatamente o semblante de Shadow (bem como o nosso), se altera para um misto de desconforto e curiosidade, com uma dúvida sobre o que é real e o que não é.
A coragem na quebra de paradigmas foi uma constante em cada episódio. Com enfoques bem definidos a cada semana, em sua estreia a série abordou, ainda que brevemente, os problemas enfrentados por egressos do sistema prisional, a segunda semana foi inaugurada por um discurso fervoroso de racismo estrutural. No terceiro episódio presenciamos uma das cenas de sexo mais íntimas e comoventes veiculadas na televisão (curiosamente, entre dois homens muçulmanos). Houve também um belo episódio que critica a cultura bélica de liberação de armas adotada pelo espírito norte-americano, e finaliza mostrando o empoderamento feminino na pessoa de Bilquis (Badaki), em combate com o machismo e a misoginia.
É indubitável que todos os atores atuam de forma primorosa, mas os maiores destaques ficam por conta de Browning (Laura Moon), Schreiber (Mad Sweeney), Anderson (Media) e, claro, McShane (Wednesday). A química nas cenas entre Laura e Mad Sweeney é evidente, tanto que, no episódio que retrata a história da entidade irlandesa, Browning deu rosto à pessoa responsável por trazê-lo às Américas. McShane mostra toda a canastrice necessária para o papel que exerce. E Anderson protagonizou o melhor episódio da série (Lemon Scented You), onde personificou com esmero as personalidades de David Bowie e Marilyn Monroe.
Outro grande acerto foi (por enquanto) a exclusão dos Mrs. Town, Wood e Stone — personagens do romance original. Ao excluí-los, a série abriu a possibilidade de inserir os Homens Sem Rosto, que, por sua vez, podem personificar o Mr. World (Glover) e ainda adicionam mais tensão à atmosfera lynchiana, com sua total ausência de feições, figurino saliente e movimentos coreografados.
Terminando com um season finale à altura do que foi todo o primeiro ano, Deuses Americanos responde apenas uma das perguntas ao mostrar que Wednesday, na verdade, é Odin, do panteão nórdico. Muitas pontas ficaram soltas nas últimas cenas, como o que Laura Moon irá fazer agora que sabe que foi Odin quem mandou matá-la, ou como vai ser a reação dos humanos agora que a Páscoa minguou todas as plantações?
De qualquer forma, o que antes estava em um patamar de guerra fria passou a ser guerra declarada. E estamos bem no meio dela. Como isso é bom.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Mulher-Maravilha
4.1 2,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Mulher-Maravilha | Crítica
Muito mais que uma mera história de origem, um marco
Dirigido por Patty Jenkins. Roteiro por Allan Heinberg. Com Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner, Eugene Brave Rock, Lucy Davis, Elena Anaya.
Além de ser o primeiro filme de super-heroína como protagonista, Mulher-Maravilha trazia consigo o complicado rótulo de difícil adaptação. Havia muito peso em cima dos profissionais que nele trabalhavam. Afinal, o filme precisava atingir toda a expectativa, não só pelo bem da parceria DC/Warner (altamente contestada), mas para contribuir com a bandeira do empoderamento feminino. Assim, quando sobem os créditos finais, o sentimento é apenas um: pura catarse.
Esteado em uma história de origem clássica, o filme dedica os primeiros minutos a nos apresentar às amazonas e a Themyscira, civilização de mulheres guerreiras criadas por Zeus e a ilha paradisíaca em que vivem sem a contaminação do homem. Nessa ilha, vemos a infância de Diana e rapidamente estamos ambientados com seus princípios e a aventura que a aguarda quando ela decide ir derrotar Ares – que controlava os bastidores da Primeira Guerra Mundial – ao lado de Steve Trevor (Pine).
Uma das maiores sacadas da diretora e do roteirista foi ambientar o filme durante a primeira grande guerra, principalmente, por dois motivos: considerando que o Capitão América se passa durante a Segunda Guerra Mundial, evita-se comparações mais nervosas; e a primeira guerra é muito mais nebulosa em termos de motivação de nações, conseguindo fugir da estrutura Aliados/Eixo. Aliás isso fica muito claro logo nas primeiras cenas de Diana em Londres, quando ela confronta um general inglês e suas decisões questionáveis.
Patty Jenkins mostra absoluto controle e competência no desenvolvimento da obra. Nada acontece sem razão; desde os primeiros diálogos entre Diana e Trevor, fica muito claro que ele vai ter um papel predominantemente de guia não só geográfico, mas consuetudinário. E isso mostra-se muito importante no amadurecimento da super-heroína, já que, intrínseca à sua nobreza e sua bondade, vem a ingenuidade de ter sido criada em uma ilha perfeitamente estruturada e despida de preconceitos (existem amazonas de todas as etnias e ocupando posições de destaque). Aliás, em nenhum momento a princesa de Themyscira é sexualizada ou objetificada; até mesmo o uso da contestada saia é justificado quando mostra a protagonista treinando movimentos de combate nas vestes misóginas da época pós-vitoriana.
O elenco atua de forma tão harmônica e sublime que cada um merece um parágrafo em particular. Diana (Gadot) é absolutamente convincente ao demonstrar seu altruísmo, seus discursos bravos e nobres, mas ao mesmo tempo inocentes, cativam e nos aproxima da super-heroína a ponto de que passamos a confiar cegamente em suas atitudes e suas palavras; Steve (Pine), no momento em que a viu a princesa, já entendeu seu papel de suporte, já que era ela quem tinha poderes para liderar, protagonizando os diálogos mais engraçados e elucidando vários costumes da civilização dos homens. A equipe dos desajustados: Sameer (Saïd), Charlie (Bremner) e Chief (Brave Rock), cada um, tem uma função essencial no amadurecimento da Mulher-Maravilha; todos servem para mostrá-la que a guerra não existe somente por causa de Ares, mas sim, durante toda a história, civilizações foram subjugadas e escravizadas, de sorte que todos carregam o peso do racismo e das escolhas da raça humana ao longo das eras.
Etta James (Davis) por muito pouco escapou do estereótipo da gordinha engraçada, contudo, sua imagem retrata muito mais a reação do público do que o alívio cômico propriamente dito. Nascida em Londres no final do século XIX, fica bestificada, assim como nós, ao ver tudo que a mulher pode ser, quando plena, fora de amarras machistas e patriarcais.
Aliás, as motivações de Ares são tão verossímeis quanto às de Zod ou Ultron, por exemplo. A purificação através da destruição é uma fórmula batida já em filmes de super-heróis, mas, no momento em que Ultron ficou muito linear, Zod e Ares conseguem verticalizar suas intenções, deixando-os mais convincentes e dando a eles mais profundidade.
O roteiro, embora com alguns plot twists previsíveis, faz muito bem seu papel ao priorizar o aprendizado de Diana. Desde o treinamento para ser guerreira com Hipólita (Nielsen, muito sábia e humana como rainha de Themyscira) e Antíope (Wright, tia e general amazona, que não esconde no olhar a admiração e o amor pela sobrinha, e deslumbrante nas cenas de ação), até o romance com Trevor (colocado de forma sincera, mostrando a forma com que a princesa via a relação entre eles), as experiências acontecem com o único intuito de transformar a amazona em uma heroína complexa e cheia de camadas.
As cenas de lutam não fogem do que já está consolidado nesse gênero. As cenas em slow-motion (clara influência de Snyder no longa) e o clímax piromaníaco servem para conectar o filme ao gênero dos super-heróis, embora suas aspirações transcendam o próprio estilo que o originou.
Agora, nos resta torcer que Liga da Justiça continue explorando a liderança e a importânica dela, diegética e factualmente. Surgindo com consciência do que representa, Mulher-Maravilha supera as expectativas sendo o melhor filme da DC, quiçá de todos os super-heróis.
Nota: 7/6 (Espetacular)"
Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar
3.3 1,1K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar | Crítica
Jack Sparrow está cansado em mais um bom filme da franquia que deveria ter terminado no terceiro longa
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg. Roteiro por Jeff Nathanson. Com Johnny Depp, Javier Bardem, Geoffrey Rush, Brenton Thwaites, Kaya Scodelario, Kevin McNally, David Wenham, Martin Klebba, Orlando Bloom, Keira Knightley, Paul McCartney.
Em meados de 2003, a Disney, que no momento passava por crise criativa e financeira, resolveu arriscar e lançar uma franquia que seria baseada em um brinquedo de seus parques. Surgiu, assim, Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra.
Sucesso absoluto de bilheteria, o primeiro filme, que teve grande investimento, garantiu uma sequência de dois filmes ainda mais megalomaníacos, O Baú da Morte e No Fim do Mundo. Todos alcançaram grandes bilheterias, mas era unanimidade que a franquia estava perdendo seu fôlego. Depois de um quarto filme pífio e sem eira nem beira (Navegando em Águas Misteriosas, em 2011), agora, quatorze anos após o primeiro, conhecemos A Vingança de Salazar apenas para confirmar o esmorecimento da franquia.
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg, o filme foi feito como quem faz uma receita de bolo pronto. Não há espaços para arriscar ou inventar. Revisitando alguns elementos do primeiro filme, bem como aparando algumas arestas da primeira trilogia, temos um episódico e honesto filme de sessão da tarde. O inimigo dessa vez é o Capitão Salazar (Bardem), o qual é o primeiro declarado inimigo de Jack Sparrow (Depp), um capitão de barco fantasma que sai a caça do pirata bêbado. Assim, de forma simplista, somos reapresentados aos amigos antigos de filmes passados, bem como conhecemos os novos integrantes da trupe: Henry Turner (Thwaites), filho de Elizabeth e Will, e Carina Smyth (Kaya Scodelario), a astrônoma acusada de bruxaria.
O elenco age de forma automática, visto que é a quinta vez que vivem seus papéis. Entretanto, é visível o cansaço de todos na tela. Johnny Depp tem sua atuação mais desinspirada desde A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça; Geoffey Rush age como se todo take fosse uma penitência; Orlando Bloom e Keita Knightley estão lá apenas para preencher algumas lacunas, nada mais. Thwaites e Scodelario, os novatos, em nada acrescem; sem carisma, os momentos em tela deles são totalmente dispensáveis.
De repente, o único que realmente faz algum esforço é Bardem. Encarnando (se é que podemos dizer isso de um fantasma) Salazar, o ator convence com sua sede de vingança, mesmo com a explicação breve de sua origem. É inegável que Bardem é um dos melhores atores hoje.
As cenas de ação continuam espetaculares. Os grandes efeitos visuais, aliados à trilha sonora aventuresca e à ação mais contida, deixam o filme muito leve, que o aproxima dos primeiros filmes da franquia, com um clima de Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido. Claro, há uma estrutura típica dos filmes de aventura, qual seja, a busca de um artefato (o Santo Graal). Seja em Piratas do Caribe, Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido, o herói sempre sai em busca de um artefato poderoso que altera a realidade, mas que será usado de forma altruística.
Com um enredo previsível e boas cenas de ação, Piratas do Caribe não é mais o que foi um dia. Em uma época em que os filmes tentam se reinventar (e os filmes de super-herói são o maior exemplo disso), não há mais tanto espaço para mais do mesmo, onde nem há esforço sequer.
Que, pelo menos, se dediquem.
Nota: 4/6 (Bom)"