Duck you Sucker retrata Juan, um ladrão de diligências, que conhece John, um revolucionário irlandês que tem talento com explosivos. Após se conhecerem, se veem em meio a eclosão da Revolução Mexicana, evento que marcou a sociedade mexicana do século XX.
Logo no começo de Duck you Sucker é possível observar o caráter de classe presente com a cena da diligência, em que vemos membros da alta sociedade mexicana, aliada com a Igreja, comendo e humilhando Juan, que seria um vagabundo, animal, desprezível entre outras coisas até que a diligência é atacada pela família de Juan, e assim o jogo inverte. Juan, um bruto, chega até estuprar uma das mulheres que l chamou de promíscuo. Quando conhece Sean ou John, decide que devem trabalhar juntos para roubar um banco cheio de ouro e dinheiro até que ao chegarem, não ha mais bancos, mas sim companheiros presos injustamente que Juan os liberta sem saber, se tornando herói da revolução.
Duck you sucker revela uma visão moral e cínica de Leone sobre a revolução, em que concorda com o seu acontecimento, embora saiba que haverá perdas e sacrifícios inestimáveis ao mesmo tempo que através da relação de amizade entre dois homens, expõe esse contexto de mudanças.
A princípio poderíamos dizer que não há um vilão em Duck you Sucker, mas na verdade há: é o governador do México, em que vemos os cartazes logo no início do filme. E se a pessoa física morre em determinado momento, continua a existir pois ele não é o vilão, mas sim a classe dominante.
Um dos diálogos mais memoráveis do filme é quando Juan afirma que não quer falar de revolução. Leone aqui concebe a prática em detrimento do ideal a partir da ação de John de jogar fora o livro de Bakunin. Embora também aqueles que estão no poder muitas vezes temem os nossos ideais, tanto que um capitão pega a obra de Bakunin e mostra ao seu superior, justificando a tortura e a barbárie.
Sean em seu flashback mostra que era infeliz na Irlanda, pois nao casou e ainda matou seu amigo e desejava sua esposa e acabou no México tentando fazer outra revolução. A partir do ponto de vista de Sean ou John, vemos através da montagem que há uma associação entre seu amigo na Irlanda e um suposto participante que seria traidor. Não houve traição, tanto que Sean diz que só julgou uma vez.
Há de se dizer que em alguns momentos Duck you Sucker carece de uma análise política mais aprofundada, pois não fica claro o cunho político e moral. Claro que não é de forma alguma a intenção de Leone fazer um manifesto, mas retratar uma temática como essa está fadada a pontos mais precisos que nem sempre são possíveis com essa ótica. Em alguns momentos o fato subjetivo pesa mais do que o objetivo e das condições materiais.
Deve ser mencionada a trilha de Morricone, que pontua a esperança daquele contexto, ao mesmo tempo que há um caráter de angústia pelas perdas.
Um ponto de interessante dessa obra, por exemplo, que as vezes não vemos no povo uma consciência revolucionária, até que Leone puxa o tapete e nos leva a pensar que não seria o contrário? Que nos tornamos revolucionários muitas vezes devido às circunstâncias e não chegamos a perceber?
Duck you Sucker é a obra mais singular de Leone ao retratar um lado multifacetado de um contexto revolucionário, usando como base a relação entre dois homens que mostram que o sonho americano é uma distopia, pois nunca deu ou dará certo, nesse sentido o filme dialoga com Bonnie e Clyde e outros filmes da contracultura.
Somente roubar bancos e expor os ricos opressores, não é revolucionário, mas libertar companheiros presos injustamente e matar os opressores sim e ficar ao lado dos seus companheiros até o fim, independente da vitória ser alcançada ou não.
Até por que há o que fazer depois de uma revolução, por mais que possamos achar o que virá após: construir uma nova sociedade.
O passado de Travis, personagem vivido por Harry Dean Stanton, possui marcas tão traumáticas que, quando é encontrado pelo irmão, em trapos, andando indefinidamente, não é capaz de sequer dizer uma palavra o que faz o irmão pensar que está mudo, aparentemente.
Encontrado no meio do deserto, em um ambiente de secura tão grande e em espaços tão amplos que o parecem esconder, Travis só queria fugir e fugir. O irmão o resgata e o leva "de volta à civilização", mas não é um caminho tão fácil, pois Travis não consegue andar de avião, então eles têm que voltar de carro por dois dias.
Ao retornar, Travis chora ao reencontrar seu filho. Entretanto, não consegue dormir e usa este tempo para lavar a louça na casa do seu irmão, engraxar os sapatos de todos ali na casa e olhar o horizonte. O que Travis procura?
Pode se dizer que a obsessão do personagem de Stanton é tentar se reencontrar como pessoa. Não à toa também, ele quer ser um pai para seu filho, quando por exemplo, procura em uma revista uma imagem de um pai. A humanização de Travis por Stanton é minuciosa, pois ao mesmo tempo que vemos um pai e todo o afeto que possui pelo seu filho, ao mesmo tempo seu olhar tem muito a dizer sobre seu passado, mesmo que não saibamos do que se trata exatamente.
Um dos grandes acertos de Wenders em Paris, Texas é não revelar parte dos detalhes da trama, pois de certa forma estragaria o mistério causado por este passado que envolve Travis e Jane. No começo do filme, o médico disse que Travis tinha um machucado na cabeça e logo depois, quando encontra o irmão ele não senta no passageiro do veículo, seria de um suposto acidente? Nunca saberemos a resposta. Travis enlouqueceu? Caiu no vício em álcool? Brigas constantes e a superficialidade do relacionamento? Problemas financeiros? Acidente que resultou na perda de memória? A verdade é que pouco importa qual foi o motivo do término entre os dois, mas aquilo que provocou em ambos, principalmente no protagonista e cuja herança nenhum dois dois poderia negar.
O jogo visual de cores em Paris, Texas faz uso recorrente do verde e do vermelho, já que o filme é sobre dois mundos separados e inconciliáveis que seguiram outros caminhos: enquanto o vermelho, cor mais quente, retrata o amor, possivelmente, o verde, cor mais fria retrata justamente a dureza e o trauma de um relacionamento de feridas jamais cicatrizáveis.
Outro aspecto que sem dúvida merece ser discutido em Paris, Texas é o conflito de gerações, que não se dá igual ao conflito existente no período da contracultura do cinema americano, entre gerações de pais e filho, embora aqui ate exista na figura do filho, que representa toda a cultura dos anos 80, de cultura pop e ficção científica, mas da diferença de idades num relacionamento, o que foi primordial para o seu fim, já que as diferenças de idade evidenciam as duas épocas diferentes.
O tamanho da cicatriz causado entre os dois leva a seguinte pergunta: qual o significado dos espelhos em Paris, Texas?
Evidentemente que representa um trauma no relacionamento de Travis e Jane. O trauma pode ser várias coisas, a minha hipótese é que, quando Jane começou a trabalhar como garota de programa, Travis não suportou o fato dela ter que vender o próprio corpo para obter dinheiro, já que o próprio Travis revelou que ele saia dos seus empregos constantemente, pois amava Jane e queria ficar o máximo de tempo possível com ela. Aliás, Paris, Texas é uma obra multidimensional por tratar de diversos aspectos e outro deles é o tempo. Nem todo o tempo cura as feridas assim como não é possível fugir para sempre do seu passado.
O espelho e a cabine refletem o fato de que duas pessoas que já se relacionaram já não conseguem nem se ver, não diretamente, pois é de tamanha fissura o histórico entre os dois que beira o insuportável e tempo nenhum resolverá este trauma. Em vários momentos, Travis não consegue olhar direto para o espelho, quando eles conversam de costas para o outro quando estão na cabine.
Em um dos momentos do terceiro ato, quando Travis e Jane falam um ao outro na cabine, Travis disse que depois que o amor entre os dois acabou, ele só queria dormir, algo que ele não consegue fazer, pois não esqueceu de Jane. É revelador, pois quem não dorme é por que não sonha e quem não sonha não vê um futuro ou mesmo o passado e suas lembranças doloridas
Finalmente, Paris, Texas é sobre a falência do sonho americano e da tentativa de padronização desse ideal de constituição de uma família assim como a fragilidade dos relacionamentos humanos. O nome do filme faz jus a isso, ao desejo de Travis de ter uma família feliz, e ao não encaixar neste modelo, revelam-se dois caminhos: ou a fuga permanente ou o enlouquecimento.
Se a impossibilidade de conciliação entre esses dois mundos é um fato, ao mesmo tempo nunca poderão esquecer os frutos e consequências desta relação, por mais que se tente seguir adiante.
A obra de Leon Hirszman retrata a formação do sindicalismo brasileiro no final da década de 70, com as explosões das greve dos metalúrgicos do ABC paulista que paralisaram a produção reivindicando aumento de 70% do salário, além da melhora das condições de vida dos operários, que viviam em bairros sem saneamento básico, em condições precárias, com salários desiguais entre homens e mulheres, jornadas extensas de trabalho e com crianças trabalhando, no contexto do final da ditadura civil-militar.
Com presença maciça da base dos metalúrgicos, as greves fizeram um enfrentamento real à ditadura e levou a uma série de conquista dos trabalhadores brasileiros, com uma retomada dos sindicatos após 15 anos do golpe de 64.
Observa-se uma relação de proximidade muito grande entre igrejas e sindicatos, com a igreja católica oferecendo apoio mútuo aos sindicatos e aos trabalhadores.
Aliás, é digno de se notar como o trabalho de base era organizado, com piquetes e presença nos bairros e pontos de ônibus, mostrando uma forma de disputa da hegemonia que hoje vemos inexistente por parte da esquerda ocupado hoje pelas igrejas evangélicas.
A figura de Lula como líder sindical que arrasta multidões com seu discurso é sem dúvida um dos aspectos mais notáveis de ABC da Greve.
A hipótese sobre Lula
Antes de dizer a hipótese sobre Lula, mostra-se importante uma breve contextualização sobre a história do sindicalismo brasileiro e sua formação na década de 70 e 80.
É bom que se diga que as greves não foram espontâneas mas foram fruto da organização dos trabalhadores.
Com as explosões das greves do ABC, um novo Sindicalismo vem à tona, que levou a formação da maior central sindical brasileira existente até hoje, a CUT em 1983.
Dentro da CUT, houve um processo de disputa entre duas tendências, a Articulação Sindical, grupo hegemônico que se concentrava nos aparatos sindicais que possuía um discurso moderado entre a base radical operária e o discurso da classe dominante.
E por outro lado que anteriormente se chamava Oposição Sindical metalúrgica que depois passou a se chamar CUT pela Base, com um trabalho muito forte nas fábricas e locais de trabalho. Com o tempo e após algumas derrotas, a oposição se fragiliza e é derrotada pera articulação, que mantém sua hegemonia no sindicalismo brasileiro dentro da CUT e do PT até hoje.
Pois bem, por que falar disso?
A forma com que a direção sindical constrói o sindicato dos metalúrgicos é extremamente burocratizada, pois manteve as bases presas as lideranças sindicais.
Muitos já devem ter visto aquele discurso que Lula mudou de lado, com sua vitória em 2002 e com o passar do tempo, cujo intuito era vencer uma eleição.
Não interpreto dessa forma. É possível observar na obra de Hirszman que Lula sempre esteve no campo da centro esquerda ou da social democracia. Ou seja, o campo social democrata não prega rupturas com o capitalismo, mas uma administração mais progressista deste, com medidas características do estado de bem estar social. Em ao menos três momentos, é notório a estratégia de Lula e da direção do sindicato dos metalúrgicos:
1- Quando também chama os trabalhadores para paralisação, mas fala aos trabalhadores para ficarem em casa, impedindo uma possível radicalização e enfrentamento com as forças policiais. Muitos operários após a intervenção do governo fizeram o enfrentamento contra a polícia e a tropa de choque, quando o governo interviu e abriu margem para uma radicalização do movimento.
2- Quando Lula chama os trabalhadores a recuarem em um dado momento para voltarem ao trabalho depois de um período de greve muito forte dos metalúrgicos, que fez com que o governo ditatorial de Figueiredo intervisse nos sindicatos, substituindo as diretorias eleitas.
3- Quando aceita negociar com os patrões, e aqui não coloco que simplesmente negociar é ruim, mas frear a luta como foi feito, pois ao final vimos que 63% de aumento do salário foi conseguido sem punições e sem corte de salário, a sensação que fica é que poderia ter se conquistado muito mais, sem contar é claro, que a soberania da decisão de manter greve ou não deve ser sempre dos próprios trabalhadores e não de direção ou coordenação de sindicato, mas Lula e a direção sindical preferiu a volta da direção colegiada aos sindicatos e o fim da intervenção militar ao invés de um processo de radicalização da luta contra os patrões.
Pois bem, minha crítica é do ponto de vista estratégico, pois as vitórias conseguidas não foram poucas, mas era possível ter obtido mais vitórias. Muitos ali da base metalúrgica tinham uma concepção socialista e queriam que a luta continuasse e ABC mostra que uma vitória ampla era possível, com os sindicatos caminhando para uma possível independência.
No final das contas, Lula não queria a cassação do sindicato e também não perder o controle da base de trabalhadores e levar a cabo seu projeto para consolidar a hegemonia posteriormente dentro do PT e da CUT quando foram formados.
The Brink (A Beira) é um documentário que acompanha Steve Bannon, articulador político que ganhou fama após coordenar a campanha vitoriosa de Donald Trump à presidência dos EUA em 2016 em uma campanha polêmica, que permitiu a Bannon angariar capital político para formar uma rede mundial chamada O Movimento, articulação populista de extrema direita que visa chegar ao poder e combater imigrantes, o globalismo, o comunismo, o Papa, dentre outras coisas.
Um dos objetivos desse O Movimento é através de uma rede que envolve governos no campo da extrema direita, líderes políticos e empresários fortalecer essa rede ao redor do mundo e The Brink retrata justamente os bastidores em que Bannon se reúne e visita diversos países ao mesmo tempo em que no ano de 2018 está envolvido com as eleições legislativas dos EUA com campanha para diversos candidatos republicanos.
A posição anti imigrantes se revela um dos pontos centrais desse movimento e pode ser observado que Bannon articulava para tentar implodir a UE com a eleição de diversos partidos e lideranças populistas e só para citar alguns com que Bannon possui boas relações como Marine Le Pen, Mateo Salvini, Victor Orbán, etc. Para essas pessoas, defender a construção do muro entre EUA e Mexico ou que os imigrantes sejam deportados é justificável, pois os imigrantes colocam em risco os empregos dos americanos e doa europeus, seu estilo de vida e cultura de forma geral.
Uma questão que surge naturalmente com a criação desse grupo é seu financiamento e o documentário pontua esse momento, quando um jornalista questiona Bannon sobre os financiadores da organização C4, articulada pelo próprio Bannon, que alega que não pode divulgar o nome dos doadores, pois são privados.
A política externa complexa mundial é crucial para seu entendimento e um exemplo é as relações entre EUA e China. Bannon se reuniu com Miles Kwok, bilionário chinês que é acusado de vários crimes por seu governo e uma das coisas que o documentário revela é uma suposta ideia para derrubar o Partido Comunista Chinês. Aliás, Kwok anunciou que iria doar 100 milhões para Rule of The Law Fundo, gerenciada é claro, por Bannon.
É de tamanha notoriedade as intenções de Bannon que este realizou um documentário que o próprio classifica como propaganda chamado Trump @War, que foi utilizado nas eleições legislativas americanas em vários estados para fazer propaganda para candidatos republicanos apoiados por Trump.
Em outro momento, Bannon é confrontado por um jornalista e em uma entrevista negou e alegou não lembrar que tenha dito que o Brothers of a Italy é um partido neo fascista, e o jornalista disse que Bannon afirmou duas vezes, ao mesmo tempo que disse que o Movimento não aceitaria membros com essa ideologia nem antisemitas e quando confrontado.
John Thornton, presidente da Goldman Sachs, disse em um conversa com Bannon sobre as eleições eleitorais em 2018 em que este concorda: "Nós vamos pegar Bernie Sanders, os hispânicos e os negros". Bannon repetiu diversas vezes durante a projeção em vários momentos alegando não ser racista, antisemita dentre outras acusações, embora saibamos que na verdade é. O exemplo disso foi quando apoiou o candidato ao senado do Alabama, Roy Moore, acusado de abuso sexual.
Por um lado, a eficiência de The Brink está principalmente em retratar esses bastidores de articulação política com lideres de extrema direita ao redor mundo, apesar de esbarrar no próprio limite da obtenção das informações. Por outro, peca pela figura do próprio Bannon, que soa dissimulado quando confrontado por jornalistas e pela forma com que lida com as pessoas ao seu redor.
Fica no ar com a derrota dos republicanos nas eleições legislativas americanas dois pontos, que através das eleições e do bom senso é possível derrotar essa onda de extrema direita, e também que Bannon não é o articulador político que se pensa, quando temos justamente uma ascensão cada vez maior desse fenômeno da nova extrema direita e o cenário não é nada animador, pois se dependermos de eleições para barrar esse movimento, nossa derrota já pode estar consumada.
Coringa é a saga de um oprimido, que sofreu diversas mazelas sociais que vão desde abusos sofridos, agressões, abandono dos estudos, emprego precário, solidão e é sobretudo alguém excluído do tecido social que dirige toda sua sua revolta através da violência.
Há um caráter anti sistema visto na rebeldia contra aqueles que de alguma forma contribuíram para sua miséria. Embora multifacetado, não podemos nunca esquecer que se trata de um sociopata que possui algum tipo de distúrbio.
A caracterização de Phoenix mostra que sua degradação física e sua risada exemplifica sua penúria, que confunde-se permanentemente com choro, já que tem que engolir seco tudo que acontece em sua vida, e seu esforço ressalta o desgaste da sua vida.
Alguns subtextos são bem óbvios e a busca incessante pela figura paterna se mostra cansativa. O que mais interessa penso é tratar dos pontos políticos e Coringa não se coloca como uma simpático ao fascismo necessariamente por mais que aborde questões como o vazio, falta de solidariedade de classes e desorganização da classe trabalhadora, entretanto, também não é um filme revolucionário.
Arthur Fleeck é esquecível, mas o Coringa não e o filme consegue estabelecer muito bem a procura que a sociedade tem por símbolos, heróis ou vilões. Para muitos, ele conseguiu ser o símbolo de combate a injustiça e aos ricos e a disseminação da máscara de palhaço durante os protestos que mantém a invisibilidade dos manifestantes, já que estes só são visíveis para serem punidos ou para serem alimento midiático de audiência. Se o Coringa ao final se tornou visível assim como seus mascarados, os grevistas trabalhadores permaneceram esqueciveis, por mais que foram os atores sociais que deram inicio a revolta.
Talvez um dos maiores méritos deste filme está no fato de mostrar que o ódio enquanto afeto é legítimo, apesar de insuficiente para destruir a ordem. Essa rebeldia desorganizada e despolitizada tem como fim uma irracionalidade que é no mínimo preocupante e em certo momento o personagem diz que não é seu intuito fazer um movimento político.
Por mais que haja uma revolta e o filme transmite esse anseio, é problemático encaixar o filme como aliado da luta de classes. Não que isso não esteja presente, mas em nenhum momento é o intuito do Coringa que haja uma nova sociedade, por mais que reconheça a exclusão e o privilégio de uma minoria.
Thomas Wayne é rosto da classe dominante de Gotham, portanto é inimigo de classe. Mas luta de classes não se faz apenas com atos insurrecionalistas, por mais que estes em algum momento sejam necessários. Luta de classes se faz com organização, estratégia e fortalecimento de bases sociais e o papel exercido pelos grevistas do lixo mostra o caminho que deve ser tomado.
Bacurau é um filme que tendo a morte como ponto central mostra toda a violência que leva até ela e seu modus operandi de atuação. Em um Brasil futuro, uma cidade pequena do Nordeste após a morte de uma pessoa muito querida, é atingida por uma onda de assassinatos violentos de moradores locais.
Mendonça cria uma ambientação de Bacurau e seus habitantes como uma comunidade unida, como vemos no repasse de mensagens entre os moradores, mas também esquecida, desprovida dos mínimos recursos necessários a sobrevivência, como água, remédios e alimentos.
Se logo na cena inicial vemos o "ar de morte" que permeia todo Bacurau e o primeiro plano já reflete o intuito de Mendonça que ao partir do macro pro micro, ao longo da projeção a atmosfera de perigo que ronda aqueles personagens continua e o design de produção indica esse tom fúnebre e de putrefação.
Sem dúvidas, o caráter político de Bacurau é o que chama mais atenção. Alude por exemplo quando vemos os brasileiros de motocicletas aos liberais que "fascitaram" ou aqueles que acharam que seria possível fazer qualquer tipo de aliança com aqueles que hoje estão no poder e sua sede por vencer a todo custo e são escorraçados e perseguidos por não concordarem com alguma ação do governo, e claro, isso vai tanto de MBL, a Danilo Gentili, Sherazade, Reinaldo Azevedo, Miriam Leitão e etc. Impossível também não traçar comparações com certos setores da população, que tiram foto com mendigos como forma de ridicularização ou em casos mais bárbaros ainda.
Claramente os americanos do filme são referentes a milícia, mas não só isso, mas também ao imperialismo e ao colonialismo que afetam a soberania do país e a água assume um caráter de metáfora a outros interesses econômicos, visto a ligação destes grupos milicianos com o poder político local. Os americanos em sua violência extrema, injustificável e irracional, inclusive em um tom de competição, como se estivessem jogando video game.
O ponto mais tocante de toda a metáfora política presente em Bacurau é certamente a tentativa de certos grupos e pessoas tornar invisíveis aqueles parcelas e setores oprimidas. Quando Bacurau não aparece localizada é como se a cidade e seus habitantes não existissem, que é o intuito daqueles que hoje nos governam, tornar invisível para que estejam fadados ao silêncio e ao esquecimento. Só que Mendonça aposta nesta invisibilidade se voltando contra aqueles que chegaram ao poder. Usada como revide, esse ocultamento coloca seus habitantes na posição de inexistentes, mas ao mesmo tempo permite que se organizem coletivamente.
A saída que Mendonça propõe é real e violenta, pois há contas a acertar, como já aconteceu com o Czar na Russia e com o rei na França. Mais cedo ou mais tarde, isso acontecerá aqui também.
Petra Costa talvez seja uma das maiores documentaristas do Brasil atualmente. Seus filmes anteriores Elena e Olmo e a Gaivota trazem discussões temáticas riquíssimas em vários níveis. Elena por exemplo é centrado no conceito de documentário performático elaborado por Bill Nichols, um dos maiores teóricos documentaristas, que diz que o documentário performático "enfatiza suas dimensões subjetivas e afetivas".
Este Democracia em Vertigem tambem se apresenta como documentario performatico. Isso se revela neste projeto um problema de várias facetas. Primeiro, trata-se de um tema cuja amplitude exigiria um desafio a seu realizador em abarcar a totalidade exigida, não dando conta de discussões em vários aspectos que resultam em análises ou visões simplistas. Vou citar só um exemplo por enquanto, pois tratarei mais desse assunto baixo, mas quando por exemplo ela compara em vários momentos a ascensão da extrema direita com a ditadura militar e faz um paralelo com a história da própria família ao revelar ligações de seu avô dentro da empreiteira Andrade e Gutierrez, isso se mostra simples pra uma diretora tão talentosa.
Não, o Brasil não está vivendo uma volta ao passado. Não houve ao menos nem memória da Ditadura Militar, mas um novo capitulo se configurou: o Brasil é ao lado de países como Hungria, Polônia, Turquia, Filipinas, Itália, Índia, e é claro, EUA, uma das novas experiências de fascismo do século XXI. Ou seja, o cenário é grave, mas por incrível que pareça, os militares hoje são o eixo institucional que mantém o bolsonarismo funcionando dentro das instituições.
Por isso que Petra Costa se perde entre a subjetividade, tão acertada em alguns dos seus projetos anteriores e a objetividade que um assunto como esse tem. Reparem em O Processo da também excelente Maria Augusta Ramos e semelhante em alguns pontos. Sua forma acaba por dar ao documentário a faceta que ele exige e tenta não abarcar outras discussões sendo preciso na sua abordagem. Vejam, não estou dizendo que aprofundar um tema é ruim, mas fazer isso sem um foco específico ou motivo pode se revelar problemático e o caráter do documentário acaba por ser fundamental para que o filme seja efetivo. Basta ver que João Salles em No Intenso Agora realiza um documentario múltiplo e pessoal enquanto Petra Costa, todavia, está lidando com um assunto também complexo que vai além da simples polarização que tomou conta do país desde 2014 até agora. Não, o país não está dividido dessa forma, pois o Brasil vive a ascensão de um regime fascista e sua população tem se conduzido pra tal. Mas isso não quer dizer que há só dois lados, pelo contrário, o que se vê é uma pluralidade de visoes e ideias que começou justamente em 2013. Se há uma divisão que percebo que existe e essa é o motor da história, é a divisão entre pobres e ricos, classe dominante e dominados, senhores e escravos. Essa é a polarização fundamental que muitos ainda não se deram conta: a luta de classes.
Cabe citar outro exemplo desse tratamento dado pelo diretora que são os protestos de 2013. Quem leu, estudou o assunto e esteve presente ou como meu caso acompanhou a distância sabe que 2013 foi um dos maiores fenômenos políticos sociais da história recente do país e não resultou numa "polarização". 2013 teve de tudo envolvido em suas pautas e reduzir o fenômeno a dois lados políticos é no mínimo reducionista.
Além disso, o documentário peca por insistir em momentos muito disseminados na mídia oligopólia e nas redes sociais como a gravação do Juca e a tentativa de justificar tudo pelo áudio de Juca é no mínimo melancólica, já que processos políticos se deram de formas muito complexas, mas que são insuficientes para entender os meandros e a cumplicidade presente na política brasileira entre poder público e privado. Outro momento como o voto de Jean Willys e tantos outros no dia da votação do impeachment se fazia desnecessário. Alguns, no entanto, são bastante consistentes principalmente os bastidores da vitória de Dilma em 2010 ou a derrota na Camara na votação do impeachment.
A grande figura desse Democracia em Vertigem é sem rodeios o presidente Lula. E certamente daria páginas e páginas só pra discutir uma questão tão polêmica e complexa que sua figura representa. Mas não significa que a abordagem de Petra foi multifacetada. Sem dúvida, o momento da sua prisão é um momento dolorido no sindicato dos metalúrgicos, com a base e a militância não querendo deixa lo passar e cabe perguntar se não estavam certos? Apesar da humanização de Lula, é no mínimo estarrecedor que o maior líder da esquerda do Brasil e um dos maiores do mundo faça uma autocrítica dizendo apenas que não fez a reforma da mídia e que se aliou aor PMDB e aos bancos e as elites e ao fisiologismo.
Certamente muitos não vão gostar do que eu vou dizer aqui, e é extremamente necessário para que se discuta tematicamente esse documentário, mas que autocrítica sem vergonha. Poderíamos falar de tantos aspectos, que o Thomas Conti elaborou de forma muito completa em um texto no facebook, mas só pra citar alguns pontos, seus governos foram o que menos fizeram reforma agrária, fez com que a juventude negra e pobre fosse pra cadeia aumentando o número de presos no Brasil, foi responsável pela usina de Belo Monte, praticamente não demarcou terras indígenas, entregou a educação pro setor privado, sem contar por exemplos eventos que contribuíram pra própria prisão de Lula como as indicações ao STF, a lei Anti Terrorismo de Dilma assim como as repressões as jornadas de junho, ao Não Vai ter Copa e, por fim, o aparelhamento dos movimentos sociais e dos sindicatos e poderia falar de muito mais, mas vou ficar por aqui.
Não é questão de polarização e disse isso em um texto que publiquei recentemente no facebook, que qualquer análise sobre o fascismo tem que ser feita examinando os governos sociais democratas, pois eles criam condições pra sua ascensão.
Por isso que esse Democracia em Vertigem é um retrato com bons momentos, mas insuficiente para compreender os tempos sombrios vividos recentemente no país. No final das contas, Mano Brown e Caio Almendra também em um texto do facebook estão certos: só poderemos pensar em vencer enquanto esquerda quando uma autocrítica vier e ser feita de forma GERAL, AMPLA E IRRESTRITA.
Pois a forma como olhamos pro nosso passado sem dúvida nos direciona em como vamos construir nosso futuro.
Este estudo sobre a vida de Fred Rogers é genuíno ao mostrar um homem que prezava não pelas crianças em si, mas na relação de afeto deste com elas e como isso é fundamental para o que elas se tornariam no futuro.
É um filme tão necessário para o presente violento e agressivo que vivemos que figuras como Fred Rogers são o extremo oposto disso. Rogers seria um doutrinador, seria perseguido, seria ameaçado pelas redes sociais e por extremistas ou até mais que isso.
É revelador também como o perfil de Rogers desafia a lógica hegemônica por exemplo do homem heterossexual. Taxado de homessexual, como se isso realmente importasse, Rogers era um homem tolerante e queria mostrar para as crianças a importância da aceitação ou mesmo da frustração em virtude do que a sociedade e o capitalismo colocam como exemplo para as pessoas e quando isso não é alcançado. Seja vencedor, faça sucesso, através do suor é possível são os receituários neoliberais que nos são colocados e é impossível não relacionar isso com os cada vez mais frequentes massacres, crimes de ódio a minorias e as violências estruturais que nos cercam.
A forma com que Rogers em temas espinhosos para um programa de TV só torna ainda mais admirável sua trajetória, como por exemplo ao criticar o racismo da sociedade americana ou quando toca no tema da morte ou mesmo eventos catastróficos que as crianças não tenham a dimensão do que se trata e isso acaba por sendo evitado, fazendo com que haja uma bolha no que toca a relação afetiva entre pais e filhos.
A parte final consegue rebater uma crítica recorrente feita a um discurso de Rogers, "Todo mundo é especial" com um reconhecimento tanto por parte dos depoimentos presentes quanto por quem assiste por perceber que nas nossas trajetórias individuais, todos de alguma forma tiveram a sua importância. Não é preciso ir a Lua para algo memorável, um simples abraço ou mesmo uma palavra reconfortante consegue ser maior que isso.
Se há algo que possa descrever Depois de Horas é a sensação de incômodo deixada pelo filme com uma coisa aparentemente banal, que é voltar para casa. É como se esse universo criado por Scorsese fosse feito para não encaixar de alguma forma.
Paul é um fracassado, que trabalha em um escritório de uma firma, que não consegue ao menos massagear uma mulher que não caia no sono ou mesmo conquistar alguém do próprio sexo, e seu isolamento é acentuado no metrô quando vai comprar um bilhete ou quando liga para a polícia, que desliga a chamada. Percebam como as chaves são usadas também, Paul só consegue usar a chave de outros, não com a sua. Aliás, a chave do dono do bar contém o símbolo da tatuagem de Marcy, uma caveira.
Ora, ao adentrarmos o universo de Paul ao vermos lendo o livro de quando conhece Marcy, um dos primeiros sinais que vemos é o funcionário do café em que Paul e Marcy se conhecem que age de forma estranha, dançando e fazendo movimentos com o corpo, quando Paul depois que sua caneta falha, a pede emprestado.
Outro é quando uma das mulheres que conhece tira uma matéria de jornal colada em seu braço descrevendo boa parte dos acontecidos. Ele já teria sido esculpido? De qualquer forma, todas as mulheres do filme são ligadas a arte, até mesmo a moça que dirige o caminhão de sorvete que ela mesmo faz. Assim como as várias idas ao banheiro para lavar a mão e se molhar refletem uma tentativa de se purificar, o que obtém ao final, quando branco pelo papel do jornal, começa mais um dia de serviço.
Scorsese consegue criar um múltiplo ao alternar entre a sensualidade, o humor negro e a tensão, dando a impressão em certo momento de estar presenciando uma providencia divina numa Nova York transloucada.
Depois de Horas representa a duração da impotência masculina resultando na ausência de prazer feminino e a auto vitimização diante do olhar da sociedade expondo a fragilidade masculina diante desse prolongamento. Também é um filme sobre o desprendimento das coisas, enquanto Paul coloca no chegar em casa como seu objetivo outros nem ligam para a própria arte ou dinheiro, mas também este filme poderia ser a noite inacreditável de um sujeito que deu tudo errado.
O charme desse filme é como Stallone trás em sua perfomance um feito raro para filmes como esse: a imprevisibilidade. Stallone retrata um homem solidário, pronto para a ação e em seus trejeitos é notória a sua vontade na tentativa de salvar aqueles que estão presos, o que seria uma tentativa de redenção.
Seu protagonista, um homem que errou no passado e foi punido ao ser demitido, mas que não hesita em salvar outras pessoas, mesmo quando duvidado por todos e quando parece estar lutando apenas para garantir mais alguns minutos de vida e não para guiar por uma rota já traçada.
Ao tornar o perigo uma constante e ver que a possibilidade de todos serem salvos ser mínima, Daylight acerta por tornar factível o universo que representa ao revelar que seu "vilão" se é que assim pode ser chamado perpassa múltiplas instâncias. Se no começo uma explosão os atinge, logo o ar diante da sua toxidade e posteriormente o risco de afogamento, e até os que estão em terra, já que desejam explodir o túnel, visto que todos ali se encontram em um túnel abaixo do mar, esse fato contribui significativamente para a vulnerabilidade dos personagens. Ou seja, o perigo desse Daylight é a presença em um túnel sem saídas. Assim, o espaço acaba sendo importante não apenas para desenvolvimento da trama, mas também enquanto aspecto fundamental da narrativa. Se um túnel contém a metáfora óbvia de uma possível salvação ou milagre, e há referência disso algumas vezes, como a cruz de Cristo, este filme acaba por ser o oposto por a todo momento nos lembrar da ausência de esperanças, já que os dois túneis encontram-se bloqueados.
O roteiro escolhe por fugir do que seria um tradicional resgate ao preferir acreditar na força dos personagens que retrata do que no trabalho dos agentes de resgate. Aliás é aqui que o filme demonstra certa fragilidades na narrativa, como por exemplo alguns personagens sem função ou quando tenta vilanizar os agentes públicos que querem uma solução imediata para o túnel, além de alguns diálogos expositivos e por fim a rebeldia de alguns personagens.
Contando com uma influência evidente de Indiana Jones A Última Cruzada, Daylight é um ótimo filme e seu final faz jus ao título, não por causa de um indivíduo idealizado, mas devido a sua força que inspira seus colegas mediante a uma coletividade.
Cop Land expõe o modus operandi da polícia e também da justiça como um todo que absolve policiais assassinos e mata e prende jovens negros inocentes. Um dubiedade ainda presente nos dias de hoje.
Stallone consegue tornar palpável a figura de um homem honesto, afetado por uma fragilidade física decorrente de uma boa ação, ao observamos suas inseguranças ou mesmo seu lado infantil, o que nos faz duvidar em boa parte da projeção da sua capacidade em ocupar o seu posto. É justamente essa dúvida que torna sua caracterização múltipla em vários aspectos, como por exemplo ao fugir do estereótipo físico ao qual estamos acostumados a vê-lo, seu policial parece desmotivado e nos dá a entender que sua vida é em certa medida melancólica em uma cidade cercada de policiais corruptos.
Sua estrutura narrativa capta a essência do filme original, tanto em termos narrativos quanto visuais.
No filme original temos um Rocky cujo ímpeto contrasta com uma falta de rumo diante de suas dificuldades enfrentadas enquanto aqui vemos sua angústia diante do vazio proporcionado pela morte de sua esposa, aliado a um filho distante e seu trabalho que passou a ser de contador de histórias das suas lutas no seu restaurante.
Não deixa de ser notável como este Rocky Balboa adota sua lógica narrativa e visual. Chama a atenção por exemplo uso de cores do design de produção em verde e vermelho, usados também no filme de 1976, nos ambientes dessa Filadelfia de forma a retratar a frieza do luto de Rocky que se encontra em frangalhos ao mesmo tempo o calor que mostra seu fogo interior e o ímpeto pela vontade de lutar, ou para dizer em poucas palavras uma dor e uma força imensuráveis. É como se Rocky tivesse se tornado parte do espaço, daquela cidade e daquele bairro, como diz seu cunhado em dado momento, o que contribuiu para o estado de espírito de Rocky estivesse a perecer.
Essa mesma lógica é utilizada no figurinos; se vemos um Rocky de branco ao inicio ao levantar da cama como sinal diante de uma possível aposentadoria, em seguida vemos um verde posterior para retratar seu estado de espírito combalido e por fim o vermelho com o seu retorno ao ringue.
Ainda, a direção de fotografia do filme é eficiente por empregar uma lógica que atesta a distância entre Balboa e seu filho simplesmente pelo posicionamento e enquadramento da câmera, ao ambientar a separação de ambos.
Aliás ao falar dessa cena se há algo que não pode faltar ao falar deste Rocky Balboa certamente é a atuação magistral de Stallone, talvez uma das suas melhores ao nos mostrar um Balboa humano e multifacetado, ao enxergarmos as suas feridas, mas também sua força. Consegue combinar na figura de Rocky um coração admirável aliado a uma brutalidade no ringue que se completam. Essa cena do diálogo do seu filho é memorável por sua atuação.
No primeiro filme, se havia dúvidas de uma possível "sorte de principiante" que Rocky foi respondendo ao longo dos anos nas sequências, aqui temos a prova definitiva da sua gana assim como do seu talento. Rocky é um filme sobretudo sobre afetos, e o medo é um deles, conforme Rocky pergunta ao seu oponente em dado momento. Aliás é o que o angustia a lutar, o medo do que sua vida se tornou. Afinal, depois do topo, o que resta? Algumas dores ou sentimentos nunca desaparecem, mas podemos seguir em frente e continuar de pé e Rocky está determinado a isso.
É um grande filme não apenas do ponto de vista narrativo, mas também estético com uma atuação central de Stallone que nos faz ver na gana de Rocky mais do que a possibilidade do sucesso em si, mas no próprio processo em si que o leva a enfrentar um dos maiores desafios da sua vida e fazer história.
O mundo de Andy é um dos filmes mais esquecidos de 1999, tamanho sucesso de inúmeros filmes nesse ano. Milos Forman, o diretor por excelência da contracultura e da Nova Hollywood, faz aqui o seu último grande trabalho cuja atuação de Jim Carrey é um dos seus trabalhos também ignorados de forma inacreditável. Kaufman, um indivíduo deslocado, desafiador e com uma postura anti sistema, questiona de forma contundente o formato do show business, e ver aquilo que as emissoras de TV fazem para privilegiar o caráter comercial em detrimento da arte, é deprimente vendo como esta última é vista por Andy que se vê como um artista que ama aquilo que faz.
É possível já perceber logo no primeiro ato do filme como a infância de Andy terá reflexos fundamentais na sua trajetória (como o fato de muitas das suas ideias terem um origem proveniente da infância como o uso de bonecos, ou suas imitações que sua irmã era o público). E isso não é mera coincidência, ao observar como são os pais de Andy, um exemplo da família tradicional americana, e vários outros momentos ao longo da projeção vermos a reação dos seus pais diante de vários acontecimentos marcantes.
Seu talento (rei da energia negativa conforme diz George Shapiro em certo momento) para ser um babaca atrai polêmicas e isso lhe custa um preço tão caro que influi diretamente na sua vida e aquilo que acontece já no terceiro ato do filme, tamanha a radicalidade da sua performance constatada por exemplo quando lê para uma audiência O Grande Gatsby.
O grande destaque de O Mundo de Andy claro é Jim Carrey. Sua atuação não apenas encarna Andy Kaufman com tamanho brilhantismo, mas também algo cobre características físicas como o olhar, o andar, sua postura (é genial em vários momentos encontrarmos Kaufman de costas, como se isso retratasse a própria postura do indivíduo na sociedade) a dicção e muitos outros pequenos detalhes (se a atuação de Carrey foi estupenda, não menos trabalhosa foi sua relação dentro do set de filmagem durante a produção o filme, algo retratado no ótimo Jim and Andy The Great Beyond). Não é à toa a exatidão com que Carrey recria as perfomances de Kaufman como a sua estreia no SNL ou sua ida ao talkshow de Letterman.
(Não leia a menos que já visto o filme).
A direção de Milos Forman é irretocável, cujas decisões dão a dimensão da personalidade de Andy como por exemplo terminar um filme que acaba de comecar (cujo simbolismo é notório com a trajetória do próprio protagonista) ou mesmo adiar a presença de um determinado personagem para que nós também sejamos surpreendidos assim como a plateia nas performances de Kaufmann embora esta nunca tenha a certeza que tudo ali é planejado, me refiro tanto a Bob quanto a Jerry Lawler.
A cena em que Kaufman observa deitado o "médico" quando está em viagem nas Filipinas é de profunda relevância, pois capta o modus operandi do humor de Kaufman direcionado ao imprevisto, ao choque e a ludibriação. E sua risada é talvez um dos momentos mais ambíguos dentro do próprio filme. Se até agora não abordei sobre Tony Clifton, não é porque este não merece, mas justamente o contrário, sua presença intensifica ainda mais a própria ambiguidade de Andy. Seu lado negativo contrasta enormemente com o seu lado positivo, cuja similaridade é justamente essa intensidade em provocar reações extremas do seu público.
Caso o final do filme fosse feito por um diretor mais inexperiente, a cena final seria a morte de Kaufman. Milos Forman opta, todavia, pelo "ressurgimento" se é que assim posso chamar de Tony Clifton cantando I Will Survive, não podendo ser ainda mais ilustrativo, o que ressalta ainda mais a história de um homem de tamanha convicção naquilo que acreditava, que não torna absurdo pensar que tenha desafiado a própria morte.
Expõe de maneira brutal o processo de genocídio vivido pelos indígenas, desde a destruição da sua cultura até a luta pela terra, a tensão diária da sua luta, a ação do congresso nacional e a bancada ruralista (troque a "Questão Indígena" por Questão Palestina e verá o racismo de uma senadora que não a toa, tem o apelido de Miss Motosserra). Aliado a isso, a força da Frente Parlamentar do Agronegócio que realiza leilões como forma de financiar as próprias milícias que darão continuidade ao extermínio indígena. Revoltante, o documentário se propõe também a examinar a luta institucional e como um partido que enquanto hegemonia do campo da esquerda, basicamente não lutou por aqueles a quem defende, fazendo parte do mesmo campo o qual jurou combater. (Belo Monte sendo defendido por Hoffman beira ao cinismo e ao nojo completo, equiparando-se a Caiado, a Heinze e a outros ruralistas). O convívio do diretor com as aldeias mostra o humanismo deste com os indígenas e a memória histórica de algo que perpassou a colonização, a famosa Lei de Terras de 1850, ou mesmo a SPI de 1910, que deveria defender os índios, mas ajudou no processo de destruição da cultura, e por fim a Funai, que em plena ditadura (e é sempre bom lembrar contribuiu na morte de pelo menos 8000 índios) criou a guarda indígena que dentre coisas, realizou processos de tortura com os povos originários. A morte de 50 lideranças indígenas em contraste com a morte de 3 policiais em um período de 30 anos só evidencia a discrepância de forças, cuja cena final indigna pelo grau de violência e pela inverdade do discurso de que os indígenas são os culpados pela situação do país. (Claro, trata-se das ideias da classe dominante). Certamente, Martírio é um dos maiores documentários da história recente do nosso cinema por ressaltar uma dívida histórica a qual ainda estamos contribuindo para aumenta-la, principalmente por relegar povos e culturas ao silêncio da história. A força dos povos indígenas os quais vêm sendo destruídos há 500 anos, nos encoraja a impedir os retrocessos que estão por vir
O período sombrio da ditadura militar uruguaia com a perspectiva de 3 militantes de esquerda que fizeram parte da luta armada no Uruguai, Mujica, Mauricio Rosenfoc e Eleuterio Fernandez. Sua trajetória em várias cadeias, entre idas de tortura física e psicológica, confinados em espaços ínfimos à beira da insanidade mental, as raras visitas, as condições inacreditáveis pelas quais passaram nas prisões (constantemente algemados e sem mesmo poder falar) tornam a experiência do filme chocante diante dos abusos cometidos pelos soldados e militares. A noite de 12 anos retrata as arbitrariedades não apenas de um país, mas da América Latina como um todo em seu período histórico das ditaduras e diz o óbvio nestes tempos sombrios que voltaram para nos assombrar, cujo interesse de alguns grupos conservadores e de extrema-direita é apagar da memória aquilo que foi feito. O processo de memória nunca foi tão importante como agora para que possamos lembrar aquilo que não pode ser esquecido. Por isso, como diz a certa personagem do filme, não podemos desistir nunca, e encontrar forças para resistir.
Trás fôlego a um subgênero cujas experiências recentes caíram num lugar comum indo além com subtextos críticos em certos momentos. Apesar da fragilidade dos rumos tomados no terceiro ato, o clima de tensão construído em cenas chaves são o ponto alto da narrativa.
Um estudo de personagem sensível e tocante que nos mostra através das lindas paisagens que embora alguns momentos sejam inesquecíveis, o deserto nos abre a possibilidade de voar livremente.
179)Dedo na Ferida - Hábil ao mostrar o predatismo do sistema capitalista, Tendler não analisa somente os abismos e estratificações de um sistema, mas demonstra também capacidade de ilustrar com exemplos e números o quão destruidores e inescrupulosos são os grupos dominantes, cujo maior intuito é a redução drástica da democracia a partir da exclusão total. 5/5 #filmes2018
Comprar Ingressos
Este site usa cookies para oferecer a melhor experiência possível. Ao navegar em nosso site, você concorda com o uso de cookies.
Se você precisar de mais informações e / ou não quiser que os cookies sejam colocados ao usar o site, visite a página da Política de Privacidade.
Quando Explode a Vingança
4.1 133 Assista AgoraContém spoilers.
Duck you Sucker retrata Juan, um ladrão de diligências, que conhece John, um revolucionário irlandês que tem talento com explosivos. Após se conhecerem, se veem em meio a eclosão da Revolução Mexicana, evento que marcou a sociedade mexicana do século XX.
Logo no começo de Duck you Sucker é possível observar o caráter de classe presente com a cena da diligência, em que vemos membros da alta sociedade mexicana, aliada com a Igreja, comendo e humilhando Juan, que seria um vagabundo, animal, desprezível entre outras coisas até que a diligência é atacada pela família de Juan, e assim o jogo inverte. Juan, um bruto, chega até estuprar uma das mulheres que l chamou de promíscuo. Quando conhece Sean ou John, decide que devem trabalhar juntos para roubar um banco cheio de ouro e dinheiro até que ao chegarem, não ha mais bancos, mas sim companheiros presos injustamente que Juan os liberta sem saber, se tornando herói da revolução.
Duck you sucker revela uma visão moral e cínica de Leone sobre a revolução, em que concorda com o seu acontecimento, embora saiba que haverá perdas e sacrifícios inestimáveis ao mesmo tempo que através da relação de amizade entre dois homens, expõe esse contexto de mudanças.
A princípio poderíamos dizer que não há um vilão em Duck you Sucker, mas na verdade há: é o governador do México, em que vemos os cartazes logo no início do filme. E se a pessoa física morre em determinado momento, continua a existir pois ele não é o vilão, mas sim a classe dominante.
Um dos diálogos mais memoráveis do filme é quando Juan afirma que não quer falar de revolução. Leone aqui concebe a prática em detrimento do ideal a partir da ação de John de jogar fora o livro de Bakunin. Embora também aqueles que estão no poder muitas vezes temem os nossos ideais, tanto que um capitão pega a obra de Bakunin e mostra ao seu superior, justificando a tortura e a barbárie.
Sean em seu flashback mostra que era infeliz na Irlanda, pois nao casou e ainda matou seu amigo e desejava sua esposa e acabou no México tentando fazer outra revolução. A partir do ponto de vista de Sean ou John, vemos através da montagem que há uma associação entre seu amigo na Irlanda e um suposto participante que seria traidor. Não houve traição, tanto que Sean diz que só julgou uma vez.
Há de se dizer que em alguns momentos Duck you Sucker carece de uma análise política mais aprofundada, pois não fica claro o cunho político e moral. Claro que não é de forma alguma a intenção de Leone fazer um manifesto, mas retratar uma temática como essa está fadada a pontos mais precisos que nem sempre são possíveis com essa ótica. Em alguns momentos o fato subjetivo pesa mais do que o objetivo e das condições materiais.
Deve ser mencionada a trilha de Morricone, que pontua a esperança daquele contexto, ao mesmo tempo que há um caráter de angústia pelas perdas.
Um ponto de interessante dessa obra, por exemplo, que as vezes não vemos no povo uma consciência revolucionária, até que Leone puxa o tapete e nos leva a pensar que não seria o contrário? Que nos tornamos revolucionários muitas vezes devido às circunstâncias e não chegamos a perceber?
Duck you Sucker é a obra mais singular de Leone ao retratar um lado multifacetado de um contexto revolucionário, usando como base a relação entre dois homens que mostram que o sonho americano é uma distopia, pois nunca deu ou dará certo, nesse sentido o filme dialoga com Bonnie e Clyde e outros filmes da contracultura.
Somente roubar bancos e expor os ricos opressores, não é revolucionário, mas libertar companheiros presos injustamente e matar os opressores sim e ficar ao lado dos seus companheiros até o fim, independente da vitória ser alcançada ou não.
Até por que há o que fazer depois de uma revolução, por mais que possamos achar o que virá após: construir uma nova sociedade.
Paris, Texas
4.3 696 Assista AgoraO passado de Travis, personagem vivido por Harry Dean Stanton, possui marcas tão traumáticas que, quando é encontrado pelo irmão, em trapos, andando indefinidamente, não é capaz de sequer dizer uma palavra o que faz o irmão pensar que está mudo, aparentemente.
Encontrado no meio do deserto, em um ambiente de secura tão grande e em espaços tão amplos que o parecem esconder, Travis só queria fugir e fugir. O irmão o resgata e o leva "de volta à civilização", mas não é um caminho tão fácil, pois Travis não consegue andar de avião, então eles têm que voltar de carro por dois dias.
Ao retornar, Travis chora ao reencontrar seu filho. Entretanto, não consegue dormir e usa este tempo para lavar a louça na casa do seu irmão, engraxar os sapatos de todos ali na casa e olhar o horizonte. O que Travis procura?
Pode se dizer que a obsessão do personagem de Stanton é tentar se reencontrar como pessoa. Não à toa também, ele quer ser um pai para seu filho, quando por exemplo, procura em uma revista uma imagem de um pai. A humanização de Travis por Stanton é minuciosa, pois ao mesmo tempo que vemos um pai e todo o afeto que possui pelo seu filho, ao mesmo tempo seu olhar tem muito a dizer sobre seu passado, mesmo que não saibamos do que se trata exatamente.
Um dos grandes acertos de Wenders em Paris, Texas é não revelar parte dos detalhes da trama, pois de certa forma estragaria o mistério causado por este passado que envolve Travis e Jane. No começo do filme, o médico disse que Travis tinha um machucado na cabeça e logo depois, quando encontra o irmão ele não senta no passageiro do veículo, seria de um suposto acidente? Nunca saberemos a resposta. Travis enlouqueceu? Caiu no vício em álcool? Brigas constantes e a superficialidade do relacionamento? Problemas financeiros? Acidente que resultou na perda de memória? A verdade é que pouco importa qual foi o motivo do término entre os dois, mas aquilo que provocou em ambos, principalmente no protagonista e cuja herança nenhum dois dois poderia negar.
O jogo visual de cores em Paris, Texas faz uso recorrente do verde e do vermelho, já que o filme é sobre dois mundos separados e inconciliáveis que seguiram outros caminhos: enquanto o vermelho, cor mais quente, retrata o amor, possivelmente, o verde, cor mais fria retrata justamente a dureza e o trauma de um relacionamento de feridas jamais cicatrizáveis.
Outro aspecto que sem dúvida merece ser discutido em Paris, Texas é o conflito de gerações, que não se dá igual ao conflito existente no período da contracultura do cinema americano, entre gerações de pais e filho, embora aqui ate exista na figura do filho, que representa toda a cultura dos anos 80, de cultura pop e ficção científica, mas da diferença de idades num relacionamento, o que foi primordial para o seu fim, já que as diferenças de idade evidenciam as duas épocas diferentes.
O tamanho da cicatriz causado entre os dois leva a seguinte pergunta: qual o significado dos espelhos em Paris, Texas?
Evidentemente que representa um trauma no relacionamento de Travis e Jane. O trauma pode ser várias coisas, a minha hipótese é que, quando Jane começou a trabalhar como garota de programa, Travis não suportou o fato dela ter que vender o próprio corpo para obter dinheiro, já que o próprio Travis revelou que ele saia dos seus empregos constantemente, pois amava Jane e queria ficar o máximo de tempo possível com ela. Aliás, Paris, Texas é uma obra multidimensional por tratar de diversos aspectos e outro deles é o tempo. Nem todo o tempo cura as feridas assim como não é possível fugir para sempre do seu passado.
O espelho e a cabine refletem o fato de que duas pessoas que já se relacionaram já não conseguem nem se ver, não diretamente, pois é de tamanha fissura o histórico entre os dois que beira o insuportável e tempo nenhum resolverá este trauma. Em vários momentos, Travis não consegue olhar direto para o espelho, quando eles conversam de costas para o outro quando estão na cabine.
Em um dos momentos do terceiro ato, quando Travis e Jane falam um ao outro na cabine, Travis disse que depois que o amor entre os dois acabou, ele só queria dormir, algo que ele não consegue fazer, pois não esqueceu de Jane. É revelador, pois quem não dorme é por que não sonha e quem não sonha não vê um futuro ou mesmo o passado e suas lembranças doloridas
Finalmente, Paris, Texas é sobre a falência do sonho americano e da tentativa de padronização desse ideal de constituição de uma família assim como a fragilidade dos relacionamentos humanos. O nome do filme faz jus a isso, ao desejo de Travis de ter uma família feliz, e ao não encaixar neste modelo, revelam-se dois caminhos: ou a fuga permanente ou o enlouquecimento.
Se a impossibilidade de conciliação entre esses dois mundos é um fato, ao mesmo tempo nunca poderão esquecer os frutos e consequências desta relação, por mais que se tente seguir adiante.
ABC da Greve
4.2 41A obra de Leon Hirszman retrata a formação do sindicalismo brasileiro no final da década de 70, com as explosões das greve dos metalúrgicos do ABC paulista que paralisaram a produção reivindicando aumento de 70% do salário, além da melhora das condições de vida dos operários, que viviam em bairros sem saneamento básico, em condições precárias, com salários desiguais entre homens e mulheres, jornadas extensas de trabalho e com crianças trabalhando, no contexto do final da ditadura civil-militar.
Com presença maciça da base dos metalúrgicos, as greves fizeram um enfrentamento real à ditadura e levou a uma série de conquista dos trabalhadores brasileiros, com uma retomada dos sindicatos após 15 anos do golpe de 64.
Observa-se uma relação de proximidade muito grande entre igrejas e sindicatos, com a igreja católica oferecendo apoio mútuo aos sindicatos e aos trabalhadores.
Aliás, é digno de se notar como o trabalho de base era organizado, com piquetes e presença nos bairros e pontos de ônibus, mostrando uma forma de disputa da hegemonia que hoje vemos inexistente por parte da esquerda ocupado hoje pelas igrejas evangélicas.
A figura de Lula como líder sindical que arrasta multidões com seu discurso é sem dúvida um dos aspectos mais notáveis de ABC da Greve.
A hipótese sobre Lula
Antes de dizer a hipótese sobre Lula, mostra-se importante uma breve contextualização sobre a história do sindicalismo brasileiro e sua formação na década de 70 e 80.
É bom que se diga que as greves não foram espontâneas mas foram fruto da organização dos trabalhadores.
Com as explosões das greves do ABC, um novo Sindicalismo vem à tona, que levou a formação da maior central sindical brasileira existente até hoje, a CUT em 1983.
Dentro da CUT, houve um processo de disputa entre duas tendências, a Articulação Sindical, grupo hegemônico que se concentrava nos aparatos sindicais que possuía um discurso moderado entre a base radical operária e o discurso da classe dominante.
E por outro lado que anteriormente se chamava Oposição Sindical metalúrgica que depois passou a se chamar CUT pela Base, com um trabalho muito forte nas fábricas e locais de trabalho. Com o tempo e após algumas derrotas, a oposição se fragiliza e é derrotada pera articulação, que mantém sua hegemonia no sindicalismo brasileiro dentro da CUT e do PT até hoje.
Pois bem, por que falar disso?
A forma com que a direção sindical constrói o sindicato dos metalúrgicos é extremamente burocratizada, pois manteve as bases presas as lideranças sindicais.
Muitos já devem ter visto aquele discurso que Lula mudou de lado, com sua vitória em 2002 e com o passar do tempo, cujo intuito era vencer uma eleição.
Não interpreto dessa forma. É possível observar na obra de Hirszman que Lula sempre esteve no campo da centro esquerda ou da social democracia.
Ou seja, o campo social democrata não prega rupturas com o capitalismo, mas uma administração mais progressista deste, com medidas características do estado de bem estar social. Em ao menos três momentos, é notório a estratégia de Lula e da direção do sindicato dos metalúrgicos:
1- Quando também chama os trabalhadores para paralisação, mas fala aos trabalhadores para ficarem em casa, impedindo uma possível radicalização e enfrentamento com as forças policiais. Muitos operários após a intervenção do governo fizeram o enfrentamento contra a polícia e a tropa de choque, quando o governo interviu e abriu margem para uma radicalização do movimento.
2- Quando Lula chama os trabalhadores a recuarem em um dado momento para voltarem ao trabalho depois de um período de greve muito forte dos metalúrgicos, que fez com que o governo ditatorial de Figueiredo intervisse nos sindicatos, substituindo as diretorias eleitas.
3- Quando aceita negociar com os patrões, e aqui não coloco que simplesmente negociar é ruim, mas frear a luta como foi feito, pois ao final vimos que 63% de aumento do salário foi conseguido sem punições e sem corte de salário, a sensação que fica é que poderia ter se conquistado muito mais, sem contar é claro, que a soberania da decisão de manter greve ou não deve ser sempre dos próprios trabalhadores e não de direção ou coordenação de sindicato, mas Lula e a direção sindical preferiu a volta da direção colegiada aos sindicatos e o fim da intervenção militar ao invés de um processo de radicalização da luta contra os patrões.
Pois bem, minha crítica é do ponto de vista estratégico, pois as vitórias conseguidas não foram poucas, mas era possível ter obtido mais vitórias. Muitos ali da base metalúrgica tinham uma concepção socialista e queriam que a luta continuasse e ABC mostra que uma vitória ampla era possível, com os sindicatos caminhando para uma possível independência.
No final das contas, Lula não queria a cassação do sindicato e também não perder o controle da base de trabalhadores e levar a cabo seu projeto para consolidar a hegemonia posteriormente dentro do PT e da CUT quando foram formados.
A Beira
3.8 3The Brink (A Beira) é um documentário que acompanha Steve Bannon, articulador político que ganhou fama após coordenar a campanha vitoriosa de Donald Trump à presidência dos EUA em 2016 em uma campanha polêmica, que permitiu a Bannon angariar capital político para formar uma rede mundial chamada O Movimento, articulação populista de extrema direita que visa chegar ao poder e combater imigrantes, o globalismo, o comunismo, o Papa, dentre outras coisas.
Um dos objetivos desse O Movimento é através de uma rede que envolve governos no campo da extrema direita, líderes políticos e empresários fortalecer essa rede ao redor do mundo e The Brink retrata justamente os bastidores em que Bannon se reúne e visita diversos países ao mesmo tempo em que no ano de 2018 está envolvido com as eleições legislativas dos EUA com campanha para diversos candidatos republicanos.
A posição anti imigrantes se revela um dos pontos centrais desse movimento e pode ser observado que Bannon articulava para tentar implodir a UE com a eleição de diversos partidos e lideranças populistas e só para citar alguns com que Bannon possui boas relações como Marine Le Pen, Mateo Salvini, Victor Orbán, etc. Para essas pessoas, defender a construção do muro entre EUA e Mexico ou que os imigrantes sejam deportados é justificável, pois os imigrantes colocam em risco os empregos dos americanos e doa europeus, seu estilo de vida e cultura de forma geral.
Uma questão que surge naturalmente com a criação desse grupo é seu financiamento e o documentário pontua esse momento, quando um jornalista questiona Bannon sobre os financiadores da organização C4, articulada pelo próprio Bannon, que alega que não pode divulgar o nome dos doadores, pois são privados.
A política externa complexa mundial é crucial para seu entendimento e um exemplo é as relações entre EUA e China. Bannon se reuniu com Miles Kwok, bilionário chinês que é acusado de vários crimes por seu governo e uma das coisas que o documentário revela é uma suposta ideia para derrubar o Partido Comunista Chinês. Aliás, Kwok anunciou que iria doar 100 milhões para Rule of The Law Fundo, gerenciada é claro, por Bannon.
É de tamanha notoriedade as intenções de Bannon que este realizou um documentário que o próprio classifica como propaganda chamado Trump @War, que foi utilizado nas eleições legislativas americanas em vários estados para fazer propaganda para candidatos republicanos apoiados por Trump.
Em outro momento, Bannon é confrontado por um jornalista e em uma entrevista negou e alegou não lembrar que tenha dito que o Brothers of a Italy é um partido neo fascista, e o jornalista disse que Bannon afirmou duas vezes, ao mesmo tempo que disse que o Movimento não aceitaria membros com essa ideologia nem antisemitas e quando confrontado.
John Thornton, presidente da Goldman Sachs, disse em um conversa com Bannon sobre as eleições eleitorais em 2018 em que este concorda: "Nós vamos pegar Bernie Sanders, os hispânicos e os negros". Bannon repetiu diversas vezes durante a projeção em vários momentos alegando não ser racista, antisemita dentre outras acusações, embora saibamos que na verdade é. O exemplo disso foi quando apoiou o candidato ao senado do Alabama, Roy Moore, acusado de abuso sexual.
Por um lado, a eficiência de The Brink está principalmente em retratar esses bastidores de articulação política com lideres de extrema direita ao redor mundo, apesar de esbarrar no próprio limite da obtenção das informações. Por outro, peca pela figura do próprio Bannon, que soa dissimulado quando confrontado por jornalistas e pela forma com que lida com as pessoas ao seu redor.
Fica no ar com a derrota dos republicanos nas eleições legislativas americanas dois pontos, que através das eleições e do bom senso é possível derrotar essa onda de extrema direita, e também que Bannon não é o articulador político que se pensa, quando temos justamente uma ascensão cada vez maior desse fenômeno da nova extrema direita e o cenário não é nada animador, pois se dependermos de eleições para barrar esse movimento, nossa derrota já pode estar consumada.
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraCoringa é a saga de um oprimido, que sofreu diversas mazelas sociais que vão desde abusos sofridos, agressões, abandono dos estudos, emprego precário, solidão e é sobretudo alguém excluído do tecido social que dirige toda sua sua revolta através da violência.
Há um caráter anti sistema visto na rebeldia contra aqueles que de alguma forma contribuíram para sua miséria. Embora multifacetado, não podemos nunca esquecer que se trata de um sociopata que possui algum tipo de distúrbio.
A caracterização de Phoenix mostra que sua degradação física e sua risada exemplifica sua penúria, que confunde-se permanentemente com choro, já que tem que engolir seco tudo que acontece em sua vida, e seu esforço ressalta o desgaste da sua vida.
Alguns subtextos são bem óbvios e a busca incessante pela figura paterna se mostra cansativa. O que mais interessa penso é tratar dos pontos políticos e Coringa não se coloca como uma simpático ao fascismo necessariamente por mais que aborde questões como o vazio, falta de solidariedade de classes e desorganização da classe trabalhadora, entretanto, também não é um filme revolucionário.
Arthur Fleeck é esquecível, mas o Coringa não e o filme consegue estabelecer muito bem a procura que a sociedade tem por símbolos, heróis ou vilões. Para muitos, ele conseguiu ser o símbolo de combate a injustiça e aos ricos e a disseminação da máscara de palhaço durante os protestos que mantém a invisibilidade dos manifestantes, já que estes só são visíveis para serem punidos ou para serem alimento midiático de audiência. Se o Coringa ao final se tornou visível assim como seus mascarados, os grevistas trabalhadores permaneceram esqueciveis, por mais que foram os atores sociais que deram inicio a revolta.
Talvez um dos maiores méritos deste filme está no fato de mostrar que o ódio enquanto afeto é legítimo, apesar de insuficiente para destruir a ordem. Essa rebeldia desorganizada e despolitizada tem como fim uma irracionalidade que é no mínimo preocupante e em certo momento o personagem diz que não é seu intuito fazer um movimento político.
Por mais que haja uma revolta e o filme transmite esse anseio, é problemático encaixar o filme como aliado da luta de classes. Não que isso não esteja presente, mas em nenhum momento é o intuito do Coringa que haja uma nova sociedade, por mais que reconheça a exclusão e o privilégio de uma minoria.
Thomas Wayne é rosto da classe dominante de Gotham, portanto é inimigo de classe. Mas luta de classes não se faz apenas com atos insurrecionalistas, por mais que estes em algum momento sejam necessários. Luta de classes se faz com organização, estratégia e fortalecimento de bases sociais e o papel exercido pelos grevistas do lixo mostra o caminho que deve ser tomado.
Bacurau
4.3 2,7K Assista AgoraBacurau é um filme que tendo a morte como ponto central mostra toda a violência que leva até ela e seu modus operandi de atuação. Em um Brasil futuro, uma cidade pequena do Nordeste após a morte de uma pessoa muito querida, é atingida por uma onda de assassinatos violentos de moradores locais.
Mendonça cria uma ambientação de Bacurau e seus habitantes como uma comunidade unida, como vemos no repasse de mensagens entre os moradores, mas também esquecida, desprovida dos mínimos recursos necessários a sobrevivência, como água, remédios e alimentos.
Se logo na cena inicial vemos o "ar de morte" que permeia todo Bacurau e o primeiro plano já reflete o intuito de Mendonça que ao partir do macro pro micro, ao longo da projeção a atmosfera de perigo que ronda aqueles personagens continua e o design de produção indica esse tom fúnebre e de putrefação.
Sem dúvidas, o caráter político de Bacurau é o que chama mais atenção. Alude por exemplo quando vemos os brasileiros de motocicletas aos liberais que "fascitaram" ou aqueles que acharam que seria possível fazer qualquer tipo de aliança com aqueles que hoje estão no poder e sua sede por vencer a todo custo e são escorraçados e perseguidos por não concordarem com alguma ação do governo, e claro, isso vai tanto de MBL, a Danilo Gentili, Sherazade, Reinaldo Azevedo, Miriam Leitão e etc. Impossível também não traçar comparações com certos setores da população, que tiram foto com mendigos como forma de ridicularização ou em casos mais bárbaros ainda.
Claramente os americanos do filme são referentes a milícia, mas não só isso, mas também ao imperialismo e ao colonialismo que afetam a soberania do país e a água assume um caráter de metáfora a outros interesses econômicos, visto a ligação destes grupos milicianos com o poder político local. Os americanos em sua violência extrema, injustificável e irracional, inclusive em um tom de competição, como se estivessem jogando video game.
O ponto mais tocante de toda a metáfora política presente em Bacurau é certamente a tentativa de certos grupos e pessoas tornar invisíveis aqueles parcelas e setores oprimidas. Quando Bacurau não aparece localizada é como se a cidade e seus habitantes não existissem, que é o intuito daqueles que hoje nos governam, tornar invisível para que estejam fadados ao silêncio e ao esquecimento. Só que Mendonça aposta nesta invisibilidade se voltando contra aqueles que chegaram ao poder. Usada como revide, esse ocultamento coloca seus habitantes na posição de inexistentes, mas ao mesmo tempo permite que se organizem coletivamente.
A saída que Mendonça propõe é real e violenta, pois há contas a acertar, como já aconteceu com o Czar na Russia e com o rei na França. Mais cedo ou mais tarde, isso acontecerá aqui também.
Democracia em Vertigem
4.1 1,3KPetra Costa talvez seja uma das maiores documentaristas do Brasil atualmente. Seus filmes anteriores Elena e Olmo e a Gaivota trazem discussões temáticas riquíssimas em vários níveis. Elena por exemplo é centrado no conceito de documentário performático elaborado por Bill Nichols, um dos maiores teóricos documentaristas, que diz que o documentário performático "enfatiza suas dimensões subjetivas e afetivas".
Este Democracia em Vertigem tambem se apresenta como documentario performatico. Isso se revela neste projeto um problema de várias facetas. Primeiro, trata-se de um tema cuja amplitude exigiria um desafio a seu realizador em abarcar a totalidade exigida, não dando conta de discussões em vários aspectos que resultam em análises ou visões simplistas. Vou citar só um exemplo por enquanto, pois tratarei mais desse assunto baixo, mas quando por exemplo ela compara em vários momentos a ascensão da extrema direita com a ditadura militar e faz um paralelo com a história da própria família ao revelar ligações de seu avô dentro da empreiteira Andrade e Gutierrez, isso se mostra simples pra uma diretora tão talentosa.
Não, o Brasil não está vivendo uma volta ao passado. Não houve ao menos nem memória da Ditadura Militar, mas um novo capitulo se configurou: o Brasil é ao lado de países como Hungria, Polônia, Turquia, Filipinas, Itália, Índia, e é claro, EUA, uma das novas experiências de fascismo do século XXI. Ou seja, o cenário é grave, mas por incrível que pareça, os militares hoje são o eixo institucional que mantém o bolsonarismo funcionando dentro das instituições.
Por isso que Petra Costa se perde entre a subjetividade, tão acertada em alguns dos seus projetos anteriores e a objetividade que um assunto como esse tem. Reparem em O Processo da também excelente Maria Augusta Ramos e semelhante em alguns pontos. Sua forma acaba por dar ao documentário a faceta que ele exige e tenta não abarcar outras discussões sendo preciso na sua abordagem. Vejam, não estou dizendo que aprofundar um tema é ruim, mas fazer isso sem um foco específico ou motivo pode se revelar problemático e o caráter do documentário acaba por ser fundamental para que o filme seja efetivo. Basta ver que João Salles em No Intenso Agora realiza um documentario múltiplo e pessoal enquanto Petra Costa, todavia, está lidando com um assunto também complexo que vai além da simples polarização que tomou conta do país desde 2014 até agora. Não, o país não está dividido dessa forma, pois o Brasil vive a ascensão de um regime fascista e sua população tem se conduzido pra tal. Mas isso não quer dizer que há só dois lados, pelo contrário, o que se vê é uma pluralidade de visoes e ideias que começou justamente em 2013. Se há uma divisão que percebo que existe e essa é o motor da história, é a divisão entre pobres e ricos, classe dominante e dominados, senhores e escravos. Essa é a polarização fundamental que muitos ainda não se deram conta: a luta de classes.
Cabe citar outro exemplo desse tratamento dado pelo diretora que são os protestos de 2013. Quem leu, estudou o assunto e esteve presente ou como meu caso acompanhou a distância sabe que 2013 foi um dos maiores fenômenos políticos sociais da história recente do país e não resultou numa "polarização". 2013 teve de tudo envolvido em suas pautas e reduzir o fenômeno a dois lados políticos é no mínimo reducionista.
Além disso, o documentário peca por insistir em momentos muito disseminados na mídia oligopólia e nas redes sociais como a gravação do Juca e a tentativa de justificar tudo pelo áudio de Juca é no mínimo melancólica, já que processos políticos se deram de formas muito complexas, mas que são insuficientes para entender os meandros e a cumplicidade presente na política brasileira entre poder público e privado. Outro momento como o voto de Jean Willys e tantos outros no dia da votação do impeachment se fazia desnecessário. Alguns, no entanto, são bastante consistentes principalmente os bastidores da vitória de Dilma em 2010 ou a derrota na Camara na votação do impeachment.
A grande figura desse Democracia em Vertigem é sem rodeios o presidente Lula. E certamente daria páginas e páginas só pra discutir uma questão tão polêmica e complexa que sua figura representa. Mas não significa que a abordagem de Petra foi multifacetada. Sem dúvida, o momento da sua prisão é um momento dolorido no sindicato dos metalúrgicos, com a base e a militância não querendo deixa lo passar e cabe perguntar se não estavam certos? Apesar da humanização de Lula, é no mínimo estarrecedor que o maior líder da esquerda do Brasil e um dos maiores do mundo faça uma autocrítica dizendo apenas que não fez a reforma da mídia e que se aliou aor PMDB e aos bancos e as elites e ao fisiologismo.
Certamente muitos não vão gostar do que eu vou dizer aqui, e é extremamente necessário para que se discuta tematicamente esse documentário, mas que autocrítica sem vergonha. Poderíamos falar de tantos aspectos, que o Thomas Conti elaborou de forma muito completa em um texto no facebook, mas só pra citar alguns pontos, seus governos foram o que menos fizeram reforma agrária, fez com que a juventude negra e pobre fosse pra cadeia aumentando o número de presos no Brasil, foi responsável pela usina de Belo Monte, praticamente não demarcou terras indígenas, entregou a educação pro setor privado, sem contar por exemplos eventos que contribuíram pra própria prisão de Lula como as indicações ao STF, a lei Anti Terrorismo de Dilma assim como as repressões as jornadas de junho, ao Não Vai ter Copa e, por fim, o aparelhamento dos movimentos sociais e dos sindicatos e poderia falar de muito mais, mas vou ficar por aqui.
Não é questão de polarização e disse isso em um texto que publiquei recentemente no facebook, que qualquer análise sobre o fascismo tem que ser feita examinando os governos sociais democratas, pois eles criam condições pra sua ascensão.
Por isso que esse Democracia em Vertigem é um retrato com bons momentos, mas insuficiente para compreender os tempos sombrios vividos recentemente no país. No final das contas, Mano Brown e Caio Almendra também em um texto do facebook estão certos: só poderemos pensar em vencer enquanto esquerda quando uma autocrítica vier e ser feita de forma GERAL, AMPLA E IRRESTRITA.
Pois a forma como olhamos pro nosso passado sem dúvida nos direciona em como vamos construir nosso futuro.
Fred Rogers: O Padrinho da Criançada
4.3 43Este estudo sobre a vida de Fred Rogers é genuíno ao mostrar um homem que prezava não pelas crianças em si, mas na relação de afeto deste com elas e como isso é fundamental para o que elas se tornariam no futuro.
É um filme tão necessário para o presente violento e agressivo que vivemos que figuras como Fred Rogers são o extremo oposto disso. Rogers seria um doutrinador, seria perseguido, seria ameaçado pelas redes sociais e por extremistas ou até mais que isso.
É revelador também como o perfil de Rogers desafia a lógica hegemônica por exemplo do homem heterossexual. Taxado de homessexual, como se isso realmente importasse, Rogers era um homem tolerante e queria mostrar para as crianças a importância da aceitação ou mesmo da frustração em virtude do que a sociedade e o capitalismo colocam como exemplo para as pessoas e quando isso não é alcançado. Seja vencedor, faça sucesso, através do suor é possível são os receituários neoliberais que nos são colocados e é impossível não relacionar isso com os cada vez mais frequentes massacres, crimes de ódio a minorias e as violências estruturais que nos cercam.
A forma com que Rogers em temas espinhosos para um programa de TV só torna ainda mais admirável sua trajetória, como por exemplo ao criticar o racismo da sociedade americana ou quando toca no tema da morte ou mesmo eventos catastróficos que as crianças não tenham a dimensão do que se trata e isso acaba por sendo evitado, fazendo com que haja uma bolha no que toca a relação afetiva entre pais e filhos.
A parte final consegue rebater uma crítica recorrente feita a um discurso de Rogers, "Todo mundo é especial" com um reconhecimento tanto por parte dos depoimentos presentes quanto por quem assiste por perceber que nas nossas trajetórias individuais, todos de alguma forma tiveram a sua importância. Não é preciso ir a Lua para algo memorável, um simples abraço ou mesmo uma palavra reconfortante consegue ser maior que isso.
Caminhos Perigosos
3.6 255 Assista AgoraUm prelúdio de Os Bons Companheiros.
Depois de Horas
4.0 453 Assista AgoraContém muitos spoilers.
Se há algo que possa descrever Depois de Horas é a sensação de incômodo deixada pelo filme com uma coisa aparentemente banal, que é voltar para casa. É como se esse universo criado por Scorsese fosse feito para não encaixar de alguma forma.
Paul é um fracassado, que trabalha em um escritório de uma firma, que não consegue ao menos massagear uma mulher que não caia no sono ou mesmo conquistar alguém do próprio sexo, e seu isolamento é acentuado no metrô quando vai comprar um bilhete ou quando liga para a polícia, que desliga a chamada. Percebam como as chaves são usadas também, Paul só consegue usar a chave de outros, não com a sua. Aliás, a chave do dono do bar contém o símbolo da tatuagem de Marcy, uma caveira.
Ora, ao adentrarmos o universo de Paul ao vermos lendo o livro de quando conhece Marcy, um dos primeiros sinais que vemos é o funcionário do café em que Paul e Marcy se conhecem que age de forma estranha, dançando e fazendo movimentos com o corpo, quando Paul depois que sua caneta falha, a pede emprestado.
Outro é quando uma das mulheres que conhece tira uma matéria de jornal colada em seu braço descrevendo boa parte dos acontecidos. Ele já teria sido esculpido? De qualquer forma, todas as mulheres do filme são ligadas a arte, até mesmo a moça que dirige o caminhão de sorvete que ela mesmo faz. Assim como as várias idas ao banheiro para lavar a mão e se molhar refletem uma tentativa de se purificar, o que obtém ao final, quando branco pelo papel do jornal, começa mais um dia de serviço.
Scorsese consegue criar um múltiplo ao alternar entre a sensualidade, o humor negro e a tensão, dando a impressão em certo momento de estar presenciando uma providencia divina numa Nova York transloucada.
Depois de Horas representa a duração da impotência masculina resultando na ausência de prazer feminino e a auto vitimização diante do olhar da sociedade expondo a fragilidade masculina diante desse prolongamento. Também é um filme sobre o desprendimento das coisas, enquanto Paul coloca no chegar em casa como seu objetivo outros nem ligam para a própria arte ou dinheiro, mas também este filme poderia ser a noite inacreditável de um sujeito que deu tudo errado.
Daylight
3.1 191 Assista AgoraO charme desse filme é como Stallone trás em sua perfomance um feito raro para filmes como esse: a imprevisibilidade. Stallone retrata um homem solidário, pronto para a ação e em seus trejeitos é notória a sua vontade na tentativa de salvar aqueles que estão presos, o que seria uma tentativa de redenção.
Seu protagonista, um homem que errou no passado e foi punido ao ser demitido, mas que não hesita em salvar outras pessoas, mesmo quando duvidado por todos e quando parece estar lutando apenas para garantir mais alguns minutos de vida e não para guiar por uma rota já traçada.
Ao tornar o perigo uma constante e ver que a possibilidade de todos serem salvos ser mínima, Daylight acerta por tornar factível o universo que representa ao revelar que seu "vilão" se é que assim pode ser chamado perpassa múltiplas instâncias. Se no começo uma explosão os atinge, logo o ar diante da sua toxidade e posteriormente o risco de afogamento, e até os que estão em terra, já que desejam explodir o túnel, visto que todos ali se encontram em um túnel abaixo do mar, esse fato contribui significativamente para a vulnerabilidade dos personagens. Ou seja, o perigo desse Daylight é a presença em um túnel sem saídas. Assim, o espaço acaba sendo importante não apenas para desenvolvimento da trama, mas também enquanto aspecto fundamental da narrativa. Se um túnel contém a metáfora óbvia de uma possível salvação ou milagre, e há referência disso algumas vezes, como a cruz de Cristo, este filme acaba por ser o oposto por a todo momento nos lembrar da ausência de esperanças, já que os dois túneis encontram-se bloqueados.
O roteiro escolhe por fugir do que seria um tradicional resgate ao preferir acreditar na força dos personagens que retrata do que no trabalho dos agentes de resgate. Aliás é aqui que o filme demonstra certa fragilidades na narrativa, como por exemplo alguns personagens sem função ou quando tenta vilanizar os agentes públicos que querem uma solução imediata para o túnel, além de alguns diálogos expositivos e por fim a rebeldia de alguns personagens.
Contando com uma influência evidente de Indiana Jones A Última Cruzada, Daylight é um ótimo filme e seu final faz jus ao título, não por causa de um indivíduo idealizado, mas devido a sua força que inspira seus colegas mediante a uma coletividade.
Cop Land
3.2 129 Assista AgoraCop Land expõe o modus operandi da polícia e também da justiça como um todo que absolve policiais assassinos e mata e prende jovens negros inocentes. Um dubiedade ainda presente nos dias de hoje.
Stallone consegue tornar palpável a figura de um homem honesto, afetado por uma fragilidade física decorrente de uma boa ação, ao observamos suas inseguranças ou mesmo seu lado infantil, o que nos faz duvidar em boa parte da projeção da sua capacidade em ocupar o seu posto. É justamente essa dúvida que torna sua caracterização múltipla em vários aspectos, como por exemplo ao fugir do estereótipo físico ao qual estamos acostumados a vê-lo, seu policial parece desmotivado e nos dá a entender que sua vida é em certa medida melancólica em uma cidade cercada de policiais corruptos.
Rocky Balboa
3.8 573 Assista AgoraSua estrutura narrativa capta a essência do filme original, tanto em termos narrativos quanto visuais.
No filme original temos um Rocky cujo ímpeto contrasta com uma falta de rumo diante de suas dificuldades enfrentadas enquanto aqui vemos sua angústia diante do vazio proporcionado pela morte de sua esposa, aliado a um filho distante e seu trabalho que passou a ser de contador de histórias das suas lutas no seu restaurante.
Não deixa de ser notável como este Rocky Balboa adota sua lógica narrativa e visual. Chama a atenção por exemplo uso de cores do design de produção em verde e vermelho, usados também no filme de 1976, nos ambientes dessa Filadelfia de forma a retratar a frieza do luto de Rocky que se encontra em frangalhos ao mesmo tempo o calor que mostra seu fogo interior e o ímpeto pela vontade de lutar, ou para dizer em poucas palavras uma dor e uma força imensuráveis. É como se Rocky tivesse se tornado parte do espaço, daquela cidade e daquele bairro, como diz seu cunhado em dado momento, o que contribuiu para o estado de espírito de Rocky estivesse a perecer.
Essa mesma lógica é utilizada no figurinos; se vemos um Rocky de branco ao inicio ao levantar da cama como sinal diante de uma possível aposentadoria, em seguida vemos um verde posterior para retratar seu estado de espírito combalido e por fim o vermelho com o seu retorno ao ringue.
Ainda, a direção de fotografia do filme é eficiente por empregar uma lógica que atesta a distância entre Balboa e seu filho simplesmente pelo posicionamento e enquadramento da câmera, ao ambientar a separação de ambos.
Aliás ao falar dessa cena se há algo que não pode faltar ao falar deste Rocky Balboa certamente é a atuação magistral de Stallone, talvez uma das suas melhores ao nos mostrar um Balboa humano e multifacetado, ao enxergarmos as suas feridas, mas também sua força. Consegue combinar na figura de Rocky um coração admirável aliado a uma brutalidade no ringue que se completam. Essa cena do diálogo do seu filho é memorável por sua atuação.
No primeiro filme, se havia dúvidas de uma possível "sorte de principiante" que Rocky foi respondendo ao longo dos anos nas sequências, aqui temos a prova definitiva da sua gana assim como do seu talento. Rocky é um filme sobretudo sobre afetos, e o medo é um deles, conforme Rocky pergunta ao seu oponente em dado momento. Aliás é o que o angustia a lutar, o medo do que sua vida se tornou. Afinal, depois do topo, o que resta? Algumas dores ou sentimentos nunca desaparecem, mas podemos seguir em frente e continuar de pé e Rocky está determinado a isso.
Rocky: Um Lutador
4.1 845 Assista AgoraÉ um grande filme não apenas do ponto de vista narrativo, mas também estético com uma atuação central de Stallone que nos faz ver na gana de Rocky mais do que a possibilidade do sucesso em si, mas no próprio processo em si que o leva a enfrentar um dos maiores desafios da sua vida e fazer história.
O Mundo de Andy
3.9 357O mundo de Andy é um dos filmes mais esquecidos de 1999, tamanho sucesso de inúmeros filmes nesse ano. Milos Forman, o diretor por excelência da contracultura e da Nova Hollywood, faz aqui o seu último grande trabalho cuja atuação de Jim Carrey é um dos seus trabalhos também ignorados de forma inacreditável. Kaufman, um indivíduo deslocado, desafiador e com uma postura anti sistema, questiona de forma contundente o formato do show business, e ver aquilo que as emissoras de TV fazem para privilegiar o caráter comercial em detrimento da arte, é deprimente vendo como esta última é vista por Andy que se vê como um artista que ama aquilo que faz.
É possível já perceber logo no primeiro ato do filme como a infância de Andy terá reflexos fundamentais na sua trajetória (como o fato de muitas das suas ideias terem um origem proveniente da infância como o uso de bonecos, ou suas imitações que sua irmã era o público). E isso não é mera coincidência, ao observar como são os pais de Andy, um exemplo da família tradicional americana, e vários outros momentos ao longo da projeção vermos a reação dos seus pais diante de vários acontecimentos marcantes.
Seu talento (rei da energia negativa conforme diz George Shapiro em certo momento) para ser um babaca atrai polêmicas e isso lhe custa um preço tão caro que influi diretamente na sua vida e aquilo que acontece já no terceiro ato do filme, tamanha a radicalidade da sua performance constatada por exemplo quando lê para uma audiência O Grande Gatsby.
O grande destaque de O Mundo de Andy claro é Jim Carrey. Sua atuação não apenas encarna Andy Kaufman com tamanho brilhantismo, mas também algo cobre características físicas como o olhar, o andar, sua postura (é genial em vários momentos encontrarmos Kaufman de costas, como se isso retratasse a própria postura do indivíduo na sociedade) a dicção e muitos outros pequenos detalhes (se a atuação de Carrey foi estupenda, não menos trabalhosa foi sua relação dentro do set de filmagem durante a produção o filme, algo retratado no ótimo Jim and Andy The Great Beyond). Não é à toa a exatidão com que Carrey recria as perfomances de Kaufman como a sua estreia no SNL ou sua ida ao talkshow de Letterman.
(Não leia a menos que já visto o filme).
A direção de Milos Forman é irretocável, cujas decisões dão a dimensão da personalidade de Andy como por exemplo terminar um filme que acaba de comecar (cujo simbolismo é notório com a trajetória do próprio protagonista) ou mesmo adiar a presença de um determinado personagem para que nós também sejamos surpreendidos assim como a plateia nas performances de Kaufmann embora esta nunca tenha a certeza que tudo ali é planejado, me refiro tanto a Bob quanto a Jerry Lawler.
A cena em que Kaufman observa deitado o "médico" quando está em viagem nas Filipinas é de profunda relevância, pois capta o modus operandi do humor de Kaufman direcionado ao imprevisto, ao choque e a ludibriação. E sua risada é talvez um dos momentos mais ambíguos dentro do próprio filme.
Se até agora não abordei sobre Tony Clifton, não é porque este não merece, mas justamente o contrário, sua presença intensifica ainda mais a própria ambiguidade de Andy. Seu lado negativo contrasta enormemente com o seu lado positivo, cuja similaridade é justamente essa intensidade em provocar reações extremas do seu público.
Caso o final do filme fosse feito por um diretor mais inexperiente, a cena final seria a morte de Kaufman. Milos Forman opta, todavia, pelo "ressurgimento" se é que assim posso chamar de Tony Clifton cantando I Will Survive, não podendo ser ainda mais ilustrativo, o que ressalta ainda mais a história de um homem de tamanha convicção naquilo que acreditava, que não torna absurdo pensar que tenha desafiado a própria morte.
Martírio
4.6 59Expõe de maneira brutal o processo de genocídio vivido pelos indígenas, desde a destruição da sua cultura até a luta pela terra, a tensão diária da sua luta, a ação do congresso nacional e a bancada ruralista (troque a "Questão Indígena" por Questão Palestina e verá o racismo de uma senadora que não a toa, tem o apelido de Miss Motosserra). Aliado a isso, a força da Frente Parlamentar do Agronegócio que realiza leilões como forma de financiar as próprias milícias que darão continuidade ao extermínio indígena.
Revoltante, o documentário se propõe também a examinar a luta institucional e como um partido que enquanto hegemonia do campo da esquerda, basicamente não lutou por aqueles a quem defende, fazendo parte do mesmo campo o qual jurou combater. (Belo Monte sendo defendido por Hoffman beira ao cinismo e ao nojo completo, equiparando-se a Caiado, a Heinze e a outros ruralistas).
O convívio do diretor com as aldeias mostra o humanismo deste com os indígenas e a memória histórica de algo que perpassou a colonização, a famosa Lei de Terras de 1850, ou mesmo a SPI de 1910, que deveria defender os índios, mas ajudou no processo de destruição da cultura, e por fim a Funai, que em plena ditadura (e é sempre bom lembrar contribuiu na morte de pelo menos 8000 índios) criou a guarda indígena que dentre coisas, realizou processos de tortura com os povos originários.
A morte de 50 lideranças indígenas em contraste com a morte de 3 policiais em um período de 30 anos só evidencia a discrepância de forças, cuja cena final indigna pelo grau de violência e pela inverdade do discurso de que os indígenas são os culpados pela situação do país. (Claro, trata-se das ideias da classe dominante).
Certamente, Martírio é um dos maiores documentários da história recente do nosso cinema por ressaltar uma dívida histórica a qual ainda estamos contribuindo para aumenta-la, principalmente por relegar povos e culturas ao silêncio da história. A força dos povos indígenas os quais vêm sendo destruídos há 500 anos, nos encoraja a impedir os retrocessos que estão por vir
A Noite de 12 Anos
4.3 302 Assista AgoraO período sombrio da ditadura militar uruguaia com a perspectiva de 3 militantes de esquerda que fizeram parte da luta armada no Uruguai, Mujica, Mauricio Rosenfoc e Eleuterio Fernandez. Sua trajetória em várias cadeias, entre idas de tortura física e psicológica, confinados em espaços ínfimos à beira da insanidade mental, as raras visitas, as condições inacreditáveis pelas quais passaram nas prisões (constantemente algemados e sem mesmo poder falar) tornam a experiência do filme chocante diante dos abusos cometidos pelos soldados e militares.
A noite de 12 anos retrata as arbitrariedades não apenas de um país, mas da América Latina como um todo em seu período histórico das ditaduras e diz o óbvio nestes tempos sombrios que voltaram para nos assombrar, cujo interesse de alguns grupos conservadores e de extrema-direita é apagar da memória aquilo que foi feito. O processo de memória nunca foi tão importante como agora para que possamos lembrar aquilo que não pode ser esquecido. Por isso, como diz a certa personagem do filme, não podemos desistir nunca, e encontrar forças para resistir.
Invasão Zumbi
4.0 2,0K Assista AgoraTrás fôlego a um subgênero cujas experiências recentes caíram num lugar comum indo além com subtextos críticos em certos momentos. Apesar da fragilidade dos rumos tomados no terceiro ato, o clima de tensão construído em cenas chaves são o ponto alto da narrativa.
A Noiva do Deserto
3.6 12 Assista AgoraUm estudo de personagem sensível e tocante que nos mostra através das lindas paisagens que embora alguns momentos sejam inesquecíveis, o deserto nos abre a possibilidade de voar livremente.
Dedo na Ferida
4.0 6179)Dedo na Ferida - Hábil ao mostrar o predatismo do sistema capitalista, Tendler não analisa somente os abismos e estratificações de um sistema, mas demonstra também capacidade de ilustrar com exemplos e números o quão destruidores e inescrupulosos são os grupos dominantes, cujo maior intuito é a redução drástica da democracia a partir da exclusão total. 5/5 #filmes2018