Um filme interessante sobre o processo criativo. Incrível o modo que o Coppola abraça uma modernidade e experimentação formal, indo contra toda uma expectativa chata que existe em cima dele (vide os comentários aqui), criando algo realmente diferente. Quem sabe seja um pouco confuso e sem muito rumo conforme vai avançando, mas ainda sim é um filme bem profundo - tanto na questão metalinguística quanto no drama sobre o tempo e a cidade pequena. -, que só tem a melhorar em revisões. As cenas com o Edgar Allan Poe e o "guilty" na página de metalinguagem do dicionário são os pontos altos.
Para ser sincero, não me lembrava do filme ser tão humanista. Ele enxerga na Alice toda uma possibilidade humana, à parte da descartabilidade desse pós-capitalismo que a sociedade do filme vive, de reconstrução e esperança mesmo - algo que, por mais que tenha reflexos dessa realidade destrutiva (cria-se laços com a primeira coisa que aparecer na sua frente), parte de algo bem genuíno. E isso acaba sendo quem sabe o mote da série: não a morte das relações, mas sim a resistência a ela.
Fora isso, acho que a forma que esse filme encontra de esclarecer esse mote é simplesmente genial. Uma série que fala da interferência das corporações na vida e nas relações humanas, estreitando laços e mexendo com a realidade (clones, controle mental), coloca seus personagens em realidades virtuais criadas por uma grande corporação! Personagens morrem, voltam, mudam, são controlados, descontrolados, morrem de novo: nenhuma relação é permanente, nenhuma identidade é permanente, nenhuma realidade é permanente. O filme cria um jogo de cenários que parece brincar com uma lógica de estúdio e de gameplay, ao mesmo tempo que abraça completamente a realidade plástica que a Umbrella criou e, por fim, é algo divertido pra caramba - mas querem falar que ele não trabalha bem com roteiro.
O filme tem um foco absoluto na ação, cria um mecanismo pra tirar total proveito disso (brinca com pesadelo suburbano, zumbi clássico, filme B, kaiju, com os próprios Resident Evil) e ainda cria uma via de diálogo com seu tema e seu visual. De verdade, o que você espera mais de um filme? É a esperança e a união humana contra o corporativismo em meio a plásticas cenas de ação, ambientadas e filmadas com maestria, e pra mim cinema é isso.
O filme tem um sentimento que mais o assemelha a uma preparação para a obra que virá a seguir (Retribution) que uma obra isolada mesmo. Aqui quem sabe se solidifica essa morte das relações humanas que a série quer trabalhar, e da forma mais incrível: a criação e apresentação de um grupo, de forma simples e eficaz (como todo bom filme de zumbi faz), que se dissolve conforme o filme passa, chegando a uma vitória - mas que nunca se concretiza, se dissolvendo por completo no fim. Nenhuma relação é feita para durar, não é possível criar nenhum senso coletivo real e duradouro. Isso é vital pra realidade quase que fictícia com que o 5º filme trabalha. E bem, acho que eu nunca vou conseguir não gostar de bons filmes de gênero que culpam tudo em uma corporação. Anderson não é perfeito aqui, mas ele faz cada cena maravilhosa - desde o zumbi com o machado no banheiro até a cena final, ele pega essa plasticidade do CGI e consegue levar ela a outros níveis, tanto de clima quanto de visual mesmo. Não é efeito pra te convencer que aquilo poderia realmente ocorrer, mas sim que aquilo é MARAVILHOSO e LINDO DEMAIS. Isso sem contar que a trama ganha um ritmo meio frenético lá pelos seus 20 minutos que ela consegue segurar o resto do filme inteiro. Quem dera mais gente trabalhasse dessa forma.
Relações mitológicas auto-reverenciadoras, num contexto praticamente dum contrato social, e as suas fragilidades em um mundo que cresceu jogando Playstation 2 e ouvindo Marilyn Manson. Maravilhoso
Segunda vez que vejo o filme e acabei aumentando um pouco a nota. O retrato que o filme cria parece muito um Carpenter que dirige vídeo-clipes, tanto pelo mistério e ação, pelo visual arrojadinho e, principalmente, pelo modo que ele trata a Umbrella - algo que é de vital importância pros filmes que seguem. A corporação que chega ao cúmulo de ser menos humano que a máquina/a perda total de identidade que se segue. É o anti-capitalismo simplista, mas extremamente funcional. E é um filme divertido, serve bem para analisar a evolução do W.S. Anderson enquanto diretor dentro da franquia, na qual, mais pra frente, ele consegue pegar essa vocação pro clima e pro visual e torná-las em coisas realmente memoráveis.
Filme que se destrói, memória e vida que se destroem: não há reconstruções, não há outros pontos, apenas o reconhecimento da beleza, ironia e tristeza no mundano. Bonito filme.
A visão dolorida de uma impossibilidade dentro da imensidão das possibilidades. O filme inteiro parece se construir para aquela realização final, aquela montagem final - que não é algo extremamente genial, mas acho que demonstra perfeitamente a sinceridade e o coração imenso que o filme tem quando trata da relação entre a Emma Stone e o Ryan Gosling. E essa história, do amor que foi mas não foi, da química que leva à realização pessoal e que marca como nenhum outro, fala comigo mais de que me orgulho. Mas o que importa é que o filme sabe lidar com a relação entre os dois e tira um proveito ótimo da química imensa dali, de forma bem honesta e singela, já que as pretensões megalomaníacas do filme ficam pras outras vertentes da história - e aí que mora o seu problema..
Essa crença no pouco, nos gesto e nos pequenos números musicais (que nem chegam a ser musicais propriamente ditos, mas sim coisas até espontâneas dentro do filme), são deixadas de lado quando filme quer falar de Hollywood. Chega até ser irônico um filme que tem a típica cena de "olha como essas pessoas são superficiais" ser tão apaixonado pela indústria cinematográfica - composta quase que completamente por essas pessoas que têm medo dos "nativos" dos resorts exóticos que visitam mundo a fora. E tudo isso remete às pretensões imensas que o filme tem, de certa forma. Os próprios números musicais que realmente existem (o inicial e o da festa) apontam muito isso, já que não têm um grande propósito narrativo (a não ser reafirmar clichês estúpidos) e nem artísticos, são só mesmo pra alimentar essa ideia de homenagear os musicais e atualizá-los, que é algo que o filme esquece de fazer e fica uma ideia meio jogada na trama. O filme, na verdade, não tem uma real razão para querer ser um musical propriamente dito: dos 4 ou 5 números, apenas 1 me pareceu realmente necessário para trama, e ele poderia facilmente existir no meio do filme, que é marcado pela música sem recorrer a ela diretamente. E, fora isso, ainda tem toda a questão da ascensão da Emma Stone e do amor do Ryan Gosling pelo Jazz, que o filme tenta fazer parecer mais interessante e profundo do que realmente são (muito massa que o Ryan Gosling branco de olhos azuis vai salvar o jazz, maior gênero de expressão de afro-americanos durante uns 60 anos).
Mas eu gostei do filme porque, justamente como falei aqui, ele esquece muito desses temas que esboça em seu início pra focar na relação, no amor, e isso funciona muito bem. O Chazelle cria aquela atmosfera colorida onírica e insere os personagens de forma ótima, conseguindo brincar muito bem com a música, sem de fato fazer números musicais gigantes. É um romance bem ritmado que só me faz ter raiva do diretor ter medo de fazer um filme pequeno, como deveria ser. Sem querer homenagear diretamente ninguém, sem querer salvar o Jazz, sem querer contar a linda história de Hollywood. O Godard tem aquela frase famosa falando que tudo que você precisa para fazer um filme é uma garota e uma arma - aqui, pode se dizer que tudo que o filme precisava era de uma garota e um piano, mas enfiaram uma indústria no meio.
É um filme que parece se desconstruir e reconstruir a cada instante, a cada novo momento na trama, e acaba criando uma atmosfera muito única. O melodrama, esse capitalismo derradeiro, o corporativismo e a perda da individualidade: o filme mescla tudo isso, algumas vezes tudo um em cima do outro, mas na maior parte do tempo separadamente (incrível como o filme oculta quase todos os grandes momentos da trama e se constrói em cima de coisas secundárias, do simples diálogo entre os personagens), e acaba, por fim, montando algo tão coeso que chega ser assustador. E tudo acaba remetendo ao modo que o filme termina, com uma das revelações mais sensacionais da história do cinema. Sem piscadinhas de auto-congratulação nem masturbações de roteiro, apenas a dor e a solidão (e a re-edição do filme inteiro, praticamente). Vasculhando nas próprias imagens, indo, voltando, montando e desmontando: a memória como o maior pesadelo, o arrependimento à flor da pele, o sistema como culpado, e o filme como uma ferramenta única de transportar sensações e sentimentos. Desumanizados, nos resta apenas a tristeza.
O desejo como representação da arte dentro duma indústria: desde do "autor" canastrão, que no fim é derrotado pela vida e desiste da arte, passando pela pequena indústria, modesta e sincera, chegando ao grande show - Hollywood propriamente dita. A partir daí Verhoeven se diverte, trabalha com o embate da Arte x Indústria (Nomi x Cristal), com a destruição lenta dessa artisticidade, e uma história de ascensão, com tudo para fechar com uma queda, mas acho que o diretor é apaixonado demais pela arte para concretizá-la no fim. Por mais que o filme inteiro grite "ou você engole a indústria, ou a indústria te engole", o final parece oferecer uma visão diferente. O diretor, que leva esse simbolismo do sexo até suas últimas consequências na trama, redime sua protagonista nos últimos momentos e, de certa forma, restaura a fé do filme na arte como um todo. Sempre haverá outro espaço, outro momento, outra oportunidade, em que a indústria é conciliada com o que se cria - Verhoeven com Elle, quase 20 anos depois de ser deserdado de Hollywood, que o diga.
E é interessante como o filme passa sua duração inteira com com esse olhar que o Goddess, tão crucificado pelo "artista de verdade", se trata sim de arte, estando sempre no liminar de entregar sua protagonista à indústria, mas nunca de fato o fazendo, o que é justamente a visão com que Verhoeven trabalhou sua vida inteira em Hollywood: trabalhando sempre com as grandes produções, mas sempre tratando aquilo como arte, mesmo com toda a nojeira em volta.
Acaba sendo um filme sobre o amor bandido que todo verdadeiro artista tem por sua indústria, e muito provavelmente não existe modo melhorar para ilustrar essa paixão do que o fetichismo à toda daqui. Muito bom.
A cena que eles pulam de paraquedas pela primeira vez parece uma pintura, coisa linda demais. De resto o filme é de um controle absurdo da diretora né, parece muito os filmes do McTiernan, que centram tudo na ação e no clima, com o resto ficando em segundo plano - e aí que a presença do Keanu e do Swayze ganham força, nessa canastrice irônica que não tem obrigação de nada, além de estar lá. E tudo isso na tradição maravilhosa do cinema americano de descrença nas instituições - com o surfe sendo apresentado como contra ponto duma forma espirituosa incrível. A trama se embola um pouco perto do final, mas nada que realmente atrapalhe. Ótimo filme.
Sério, que bosta é aquele final? O filme, que se divertiu durante sua duração inteira em relação a essa moral flutuante entre os personagens (o mocinho que vira vilão e vice-versa), simplesmente CAGA por tudo na conclusão. Gostava muito de como o filme centrava a fobia social da esposa e do cara envolta do personagem do Jason Bateman (tanto é que achei que o filme tratava muito bem essa fobia e as suas origens, tudo no formato thriller atmosférico que ele realmente fazia bem também), mas daí no final o filme simplesmente transforma o cara, uma vítima, num nojento e ela, a outra vítima, numa coitada que não merecia de jeito nenhum o que aconteceu.
Independente do estupro ter acontecido ou não, o tratamento que o filme dá a ele é muito escroto, dá até pra dizer que o filme o justifica - "good people deserve good things", pois é, COMO SER ESTUPRADA E TER UM FILHO DISSO, REALMENTE MUITO BOM. É como se não fosse pra gente achar que ela ter um filho de estupro é algo ruim, o importante mesmo é fazer a vingança espertinha pro homem perceber como mentir é feio (como se não bastasse a vida inteira dele desmoronar e o filme ser basicamente sobre como o comportamento dele afeta quem está a sua volta). Parece que o filme quer fazer o telespectador acreditar que, como o Gordon não é, teoricamente, uma "pessoa ruim", é tudo bem estuprar! Pode estuprar, ter filho, FILMAR, ser stalker nojento, o importante é que não é culpa dele, é do bullying, ele precisa se vingar! O foda é que, antes do final, até nem era culpa dele, era realmente uma questão de social awkward e de trauma, mas o filme estraga tudo isso com o final. Ele joga por água abaixo o tratamento de vilões/mocinhos ou um julgamento moral daquilo: no fim, todo mundo tá sujo, o cara, o marido e a coitada da esposa, que não tinha nada a ver com aquilo.
Enfim, um filme que se preocupa tanto em desconstruir um gênero, mas que, no fim, se curva aos piores vícios dele. Uma pena que a questão do bullying, das mentiras e dessa fobia social, que foram tão bem abordados, acabam não valendo nada no fim.
Escalas da cadeia alimentar. O absurdo que olha para a realidade e ri da nossa cara. Provavelmente o melhor filme pró-vegetarianismo que já vi. Aterrorizante e atmosférico até não poder mais. Engraçado esse filme ter começado a onda de slashers mas nenhum ter apostado nessa visão ultra-naturalista depois dele.
Filme de casa mal assombrada que se transforma em uma aventura crítica de justiça social em um piscar de olhos. Perfeito num comentário bem profundo sobre a situação de favelas e de segregação racial propriamente dita (no espaço), mas o filme realmente se torna infalível no ponto de que o verdadeiro terror encontra-se nessas barreiras de privacidade que criamos dentro de uma sociedade (uma bem injusta, diga-se de passagem). "Parece que somos nós que ficamos presos em casa!" diz a assassina torturadora de crianças sobre o crime em sua vizinhança. No fim, é um filme sobre o que cada um pode esconder "embaixo das escadas" - que, mesmo que isso se imploda em algum momento, é aterrorizante de qualquer forma. Viver em sociedade é estranho pra cacete.
"Incredible as it might seem ladies and gentlemen, after their bizarre, bloodcurling rampage of destruction, these strange creatures now appear to be mounting a musical number!"
Camadas da sociedade que se provam verossímeis conforme o filme evolui, uma mais absurda que a outra, no clima mais cartunesco e anárquico que poderia existir. Ciente de suas limitações, mas se preocupando apenas em se divertir e satirizar tudo e todos, principalmente a si mesmo. Tudo que você pode esperar de um filme de aventura e comédia.
Suspense divertido construído em cima duma premissa que renova bem os clichês do gênero - com as limitações da personagem, que poderiam ser apenas detalhezinhos mal trabalhados, sendo usadas não apenas como premissa dramática, mas sim incluídas no próprio gênero e execução do filme. E isso não só pra surdisse, mas também para a ansiedade e para o bloqueio criativo, todos bem encaixados na trama. Bom filme.
Que maravilhoso filme sobre a subjetividade e as infinitas possibilidades da vida. Pequenos sentimentos e gestos que criam pontos de vistas completamente diferentes sobre tudo e todos: a primeira metade, com um amor a primeira vista que se transforma em decepção e no homem sendo um cafajeste; a segunda metade, com um romance que encontra obstáculos, mas que no fim se constrói em cima de um homem solitário e perdido. Sang-soo, com seu cinema espontâneo e hipnotizante, deixa claro essa questão dos sentimentos nos pequenos detalhes do filme mesmo, como na opinião do diretor sobre a pintura ou na decisão de não fumar da pintora, que são coisas que diferem nas duas partes, mas não partem de pessoas diferentes; são apenas pessoas que, enfrentando situações distintas, sentem-se de formas distintas e, consequentemente, agem diferentemente. Poucos filmes capturam como a vida é tão aberta a possibilidades quanto completamente aleatória como esse. Uma jovem obra-prima.
A resolução final poderia ter um pouco mais de ritmo, mas é um bom filme sobre a cabeça humana. Incrível como Carpenter consegue encaixar gênero em qualquer lugar que ele quiser.
Se a solidão megalomaníaca dos containers no início do segundo segmento já era bem triste, o terceiro segmento do filme como um todo não é nada menos que devastador - ainda mais vindo em sequência dos takes mais hipnóticos e poéticos que o filme alcança. O filme, que se construía de maneira sóbria até então, mesclando bem as críticas, questões práticas e artísticas, se transforma numa tragédia. Em questão de 3 takes, o filme transforma poesia e beleza em lixo e desigualdade. Tem toda a questão que envolve a descartabilidade das coisas, mas é absurda a comparação dos trabalhadores do início do filme, passando pano no navio ou tratando de pequenas falhas na pintura, com as pessoas escalando as carcaças dos navios abandonados em seu fim. E o incrível é como o filme, em seus últimos 10 minutos, se preocupa em desconstruir qualquer ideia fetichistas que poderia existir em "filmar a pobreza", quebrando totalmente o seu conceito puramente de forma e se tornando realmente em algo bem humanista - se reconhecendo como um documentário que está simplesmente filmando pessoas normais em seu dia a dia, mesmo que construa algo bem maior ao mesmo tempo. Lindo e devastador.
E ah, esse pôster daqui é muito feio, puta merda, se der pra trocar: http://i.imgur.com/3Gq1dpL.jpg.
Excepcional filme sobre a necessária reconstrução da identidade norte-americana atual. Um início sútil e certeiro sobre a desarmonia nas relações atuais entre imigrantes e estadunidenses, que logo se transforma numa análise de como o país acolheu esses imigrantes: de forma severa e até injusta, mas propiciando espaço para o avanço. A partir daí o filme se delicia mostrando a construção dessa identidade, em meio a bagunça, para o novo cidadão do país, de modo humorístico e leve que funciona perfeitamente. E é na sua conclusão que o filme parece deixar claro essa sua visão da necessidade de um recomeço para o país - assemelhando-se até a um western, com uma situação que se tornou tão insustentável que a solução talvez seja retornar ao século XIX e recomeçar tudo de novo. Na visão de Eastwood, isso vem por meio da crença nas instituições a cima de tudo, restando a ninguém mais a tarefa e a possibilidade de mudar a situação a não ser ao próprio Estado. O sacrifício em tempos civilizados, propiciando uma esperança de uma vida melhor. Perfeito.
As externas desse filme são um tanto quanto inacreditáveis. Incrível ver o filme após ter visto RR, do James Benning, que se resume em takes de trens atravessando paisagens norte-americanas, e se deparar, aqui, com as carruagens cortando paisagens que até se assemelham às do filme de Benning às vezes. É a sociedade e o progresso passando, mas não interferindo com a natureza, uma harmonia que pode se provar verdadeira ou não. Pura poesia em meio a guerra entre apaches e cowboys. E, no caso desse filme, a analogia "carruagem = sociedade" vai bem mais a fundo que no de RR, visto que os passageiros da diligência são, de fato, representações da sociedade. Uma sociedade corrupta, falsa, moralista, interesseira, mas também boa e profunda - tudo dependendo para onde você olhar. Mas Ford, já em 1939, deixava bem claro seu posicionamento: nunca confie em um homem de bem. Filmaço.
Clichês e decisões fáceis a parte, o filme ainda tem lá seus méritos. O modo que ele consegue retratar as relações entre gerações e culturas no Reino Unido atual é ótimo (a cena do skype com o chinês é fantástica), devido principalmente a quão bem o humorístico primeiro ato funciona, assim como é interessante e sútil a ideia do trabalhador que sofreu com Thatcher que ajuda o cidadão que sofre com o inchaço econômico europeu atual. De certa forma a ideia anti-burocrática acaba funcionando também no fim, mas ela infelizmente não vai muito além. Mesmo com seu personagem preso num labirinto de instituições bem kafkiano, o filme não faz muito proveito disso e permanece com sua visão simplista e superficial no retrato da situação - tanto é que o grande arco dramático do filme parte não desse problema com as instituições e sim dos próprios personagens, de forma bem fraca, por sinal.
Pra ser sincero acho estranho ele ter sido o vencedor da Palma de Ouro. Não é um filme ruim, mas também não apresenta algo tão relevante assim. Dá pra falar da questão social, mas, do modo que o filme foi feito, essa situação poderia caber em qualquer lugar do mundo, em praticamente qualquer época (a única coisa característica relativa à atualidade é o desemprego, mas isso é suficiente pra dizer que o filme retratou por completo a crise atual?). Pra mim ficou até parecendo uma daquelas decisões de Oscar onde, para o prêmio máximo, escolhem aquele filme mais modesto e "bonzinho", que definitivamente todo mundo gostou (mesmo que nem tanto), ao invés de optar algo realmente mais arriscado que causaria discordância.
O alicerce de um país e o próprio país. Um filme sobre paisagens, que são cortadas, contornadas, destruídas, e, no fim, reconstruídas. Mas também um filme sobre harmonias e desarmonias: a relação parental existente entre as pessoas e o trem; a exaustão de alguns takes que te questionam a necessidade de tanto para uma sociedade. Em meio a hipnose, o filme apresenta um Estados Unidos dos mais intimistas e profundos que já vi em tela. Lindo filme.
Acho maravilhoso como o diretor pega essa história que poderia facilmente ser um filme infantil tosco feito para TV e torna ela numa ótima aventura com temas tão bem trabalhados. Tudo isso porque ele soube lidar com o absurdo de tudo. A escala da ação é um show a parte (o filme faz o que o Homem Formiga não conseguiu), e o humor referencial é de uma inteligência ímpar. A mensagem em relação aos interesses corporativos e à perca de uma inocência (os filosóficos Gorgonites são caçados ininterruptamente pelos soldados norte-americanos!!!) também são ótimas e extremamente pontuais e funcionais. Enfim, um pequeno filme absurdo contra a indústria da guerra.
Virgínia
2.3 256 Assista AgoraUm filme interessante sobre o processo criativo. Incrível o modo que o Coppola abraça uma modernidade e experimentação formal, indo contra toda uma expectativa chata que existe em cima dele (vide os comentários aqui), criando algo realmente diferente. Quem sabe seja um pouco confuso e sem muito rumo conforme vai avançando, mas ainda sim é um filme bem profundo - tanto na questão metalinguística quanto no drama sobre o tempo e a cidade pequena. -, que só tem a melhorar em revisões. As cenas com o Edgar Allan Poe e o "guilty" na página de metalinguagem do dicionário são os pontos altos.
Resident Evil 5: Retribuição
2.9 3,0K Assista AgoraPara ser sincero, não me lembrava do filme ser tão humanista. Ele enxerga na Alice toda uma possibilidade humana, à parte da descartabilidade desse pós-capitalismo que a sociedade do filme vive, de reconstrução e esperança mesmo - algo que, por mais que tenha reflexos dessa realidade destrutiva (cria-se laços com a primeira coisa que aparecer na sua frente), parte de algo bem genuíno. E isso acaba sendo quem sabe o mote da série: não a morte das relações, mas sim a resistência a ela.
Fora isso, acho que a forma que esse filme encontra de esclarecer esse mote é simplesmente genial. Uma série que fala da interferência das corporações na vida e nas relações humanas, estreitando laços e mexendo com a realidade (clones, controle mental), coloca seus personagens em realidades virtuais criadas por uma grande corporação! Personagens morrem, voltam, mudam, são controlados, descontrolados, morrem de novo: nenhuma relação é permanente, nenhuma identidade é permanente, nenhuma realidade é permanente. O filme cria um jogo de cenários que parece brincar com uma lógica de estúdio e de gameplay, ao mesmo tempo que abraça completamente a realidade plástica que a Umbrella criou e, por fim, é algo divertido pra caramba - mas querem falar que ele não trabalha bem com roteiro.
O filme tem um foco absoluto na ação, cria um mecanismo pra tirar total proveito disso (brinca com pesadelo suburbano, zumbi clássico, filme B, kaiju, com os próprios Resident Evil) e ainda cria uma via de diálogo com seu tema e seu visual. De verdade, o que você espera mais de um filme? É a esperança e a união humana contra o corporativismo em meio a plásticas cenas de ação, ambientadas e filmadas com maestria, e pra mim cinema é isso.
Resident Evil 4: Recomeço
3.1 1,9K Assista AgoraO filme tem um sentimento que mais o assemelha a uma preparação para a obra que virá a seguir (Retribution) que uma obra isolada mesmo. Aqui quem sabe se solidifica essa morte das relações humanas que a série quer trabalhar, e da forma mais incrível: a criação e apresentação de um grupo, de forma simples e eficaz (como todo bom filme de zumbi faz), que se dissolve conforme o filme passa, chegando a uma vitória - mas que nunca se concretiza, se dissolvendo por completo no fim. Nenhuma relação é feita para durar, não é possível criar nenhum senso coletivo real e duradouro. Isso é vital pra realidade quase que fictícia com que o 5º filme trabalha. E bem, acho que eu nunca vou conseguir não gostar de bons filmes de gênero que culpam tudo em uma corporação. Anderson não é perfeito aqui, mas ele faz cada cena maravilhosa - desde o zumbi com o machado no banheiro até a cena final, ele pega essa plasticidade do CGI e consegue levar ela a outros níveis, tanto de clima quanto de visual mesmo. Não é efeito pra te convencer que aquilo poderia realmente ocorrer, mas sim que aquilo é MARAVILHOSO e LINDO DEMAIS. Isso sem contar que a trama ganha um ritmo meio frenético lá pelos seus 20 minutos que ela consegue segurar o resto do filme inteiro. Quem dera mais gente trabalhasse dessa forma.
John Wick: De Volta ao Jogo
3.8 1,8K Assista AgoraRelações mitológicas auto-reverenciadoras, num contexto praticamente dum contrato social, e as suas fragilidades em um mundo que cresceu jogando Playstation 2 e ouvindo Marilyn Manson. Maravilhoso
Resident Evil: O Hóspede Maldito
3.4 1,1K Assista AgoraSegunda vez que vejo o filme e acabei aumentando um pouco a nota. O retrato que o filme cria parece muito um Carpenter que dirige vídeo-clipes, tanto pelo mistério e ação, pelo visual arrojadinho e, principalmente, pelo modo que ele trata a Umbrella - algo que é de vital importância pros filmes que seguem. A corporação que chega ao cúmulo de ser menos humano que a máquina/a perda total de identidade que se segue. É o anti-capitalismo simplista, mas extremamente funcional. E é um filme divertido, serve bem para analisar a evolução do W.S. Anderson enquanto diretor dentro da franquia, na qual, mais pra frente, ele consegue pegar essa vocação pro clima e pro visual e torná-las em coisas realmente memoráveis.
It's Such a Beautiful Day
4.2 11Filme que se destrói, memória e vida que se destroem: não há reconstruções, não há outros pontos, apenas o reconhecimento da beleza, ironia e tristeza no mundano. Bonito filme.
La La Land: Cantando Estações
4.1 3,6K Assista AgoraA visão dolorida de uma impossibilidade dentro da imensidão das possibilidades. O filme inteiro parece se construir para aquela realização final, aquela montagem final - que não é algo extremamente genial, mas acho que demonstra perfeitamente a sinceridade e o coração imenso que o filme tem quando trata da relação entre a Emma Stone e o Ryan Gosling. E essa história, do amor que foi mas não foi, da química que leva à realização pessoal e que marca como nenhum outro, fala comigo mais de que me orgulho. Mas o que importa é que o filme sabe lidar com a relação entre os dois e tira um proveito ótimo da química imensa dali, de forma bem honesta e singela, já que as pretensões megalomaníacas do filme ficam pras outras vertentes da história - e aí que mora o seu problema..
Essa crença no pouco, nos gesto e nos pequenos números musicais (que nem chegam a ser musicais propriamente ditos, mas sim coisas até espontâneas dentro do filme), são deixadas de lado quando filme quer falar de Hollywood. Chega até ser irônico um filme que tem a típica cena de "olha como essas pessoas são superficiais" ser tão apaixonado pela indústria cinematográfica - composta quase que completamente por essas pessoas que têm medo dos "nativos" dos resorts exóticos que visitam mundo a fora. E tudo isso remete às pretensões imensas que o filme tem, de certa forma. Os próprios números musicais que realmente existem (o inicial e o da festa) apontam muito isso, já que não têm um grande propósito narrativo (a não ser reafirmar clichês estúpidos) e nem artísticos, são só mesmo pra alimentar essa ideia de homenagear os musicais e atualizá-los, que é algo que o filme esquece de fazer e fica uma ideia meio jogada na trama. O filme, na verdade, não tem uma real razão para querer ser um musical propriamente dito: dos 4 ou 5 números, apenas 1 me pareceu realmente necessário para trama, e ele poderia facilmente existir no meio do filme, que é marcado pela música sem recorrer a ela diretamente. E, fora isso, ainda tem toda a questão da ascensão da Emma Stone e do amor do Ryan Gosling pelo Jazz, que o filme tenta fazer parecer mais interessante e profundo do que realmente são (muito massa que o Ryan Gosling branco de olhos azuis vai salvar o jazz, maior gênero de expressão de afro-americanos durante uns 60 anos).
Mas eu gostei do filme porque, justamente como falei aqui, ele esquece muito desses temas que esboça em seu início pra focar na relação, no amor, e isso funciona muito bem. O Chazelle cria aquela atmosfera colorida onírica e insere os personagens de forma ótima, conseguindo brincar muito bem com a música, sem de fato fazer números musicais gigantes. É um romance bem ritmado que só me faz ter raiva do diretor ter medo de fazer um filme pequeno, como deveria ser. Sem querer homenagear diretamente ninguém, sem querer salvar o Jazz, sem querer contar a linda história de Hollywood. O Godard tem aquela frase famosa falando que tudo que você precisa para fazer um filme é uma garota e uma arma - aqui, pode se dizer que tudo que o filme precisava era de uma garota e um piano, mas enfiaram uma indústria no meio.
Enigma do Poder
3.5 39É um filme que parece se desconstruir e reconstruir a cada instante, a cada novo momento na trama, e acaba criando uma atmosfera muito única. O melodrama, esse capitalismo derradeiro, o corporativismo e a perda da individualidade: o filme mescla tudo isso, algumas vezes tudo um em cima do outro, mas na maior parte do tempo separadamente (incrível como o filme oculta quase todos os grandes momentos da trama e se constrói em cima de coisas secundárias, do simples diálogo entre os personagens), e acaba, por fim, montando algo tão coeso que chega ser assustador. E tudo acaba remetendo ao modo que o filme termina, com uma das revelações mais sensacionais da história do cinema. Sem piscadinhas de auto-congratulação nem masturbações de roteiro, apenas a dor e a solidão (e a re-edição do filme inteiro, praticamente). Vasculhando nas próprias imagens, indo, voltando, montando e desmontando: a memória como o maior pesadelo, o arrependimento à flor da pele, o sistema como culpado, e o filme como uma ferramenta única de transportar sensações e sentimentos. Desumanizados, nos resta apenas a tristeza.
Showgirls
3.0 211 Assista AgoraO desejo como representação da arte dentro duma indústria: desde do "autor" canastrão, que no fim é derrotado pela vida e desiste da arte, passando pela pequena indústria, modesta e sincera, chegando ao grande show - Hollywood propriamente dita. A partir daí Verhoeven se diverte, trabalha com o embate da Arte x Indústria (Nomi x Cristal), com a destruição lenta dessa artisticidade, e uma história de ascensão, com tudo para fechar com uma queda, mas acho que o diretor é apaixonado demais pela arte para concretizá-la no fim. Por mais que o filme inteiro grite "ou você engole a indústria, ou a indústria te engole", o final parece oferecer uma visão diferente. O diretor, que leva esse simbolismo do sexo até suas últimas consequências na trama, redime sua protagonista nos últimos momentos e, de certa forma, restaura a fé do filme na arte como um todo. Sempre haverá outro espaço, outro momento, outra oportunidade, em que a indústria é conciliada com o que se cria - Verhoeven com Elle, quase 20 anos depois de ser deserdado de Hollywood, que o diga.
E é interessante como o filme passa sua duração inteira com com esse olhar que o Goddess, tão crucificado pelo "artista de verdade", se trata sim de arte, estando sempre no liminar de entregar sua protagonista à indústria, mas nunca de fato o fazendo, o que é justamente a visão com que Verhoeven trabalhou sua vida inteira em Hollywood: trabalhando sempre com as grandes produções, mas sempre tratando aquilo como arte, mesmo com toda a nojeira em volta.
Acaba sendo um filme sobre o amor bandido que todo verdadeiro artista tem por sua indústria, e muito provavelmente não existe modo melhorar para ilustrar essa paixão do que o fetichismo à toda daqui. Muito bom.
Caçadores de Emoção
3.7 471 Assista AgoraA cena que eles pulam de paraquedas pela primeira vez parece uma pintura, coisa linda demais. De resto o filme é de um controle absurdo da diretora né, parece muito os filmes do McTiernan, que centram tudo na ação e no clima, com o resto ficando em segundo plano - e aí que a presença do Keanu e do Swayze ganham força, nessa canastrice irônica que não tem obrigação de nada, além de estar lá. E tudo isso na tradição maravilhosa do cinema americano de descrença nas instituições - com o surfe sendo apresentado como contra ponto duma forma espirituosa incrível. A trama se embola um pouco perto do final, mas nada que realmente atrapalhe. Ótimo filme.
O Presente
3.4 834 Assista AgoraCaso triste de um filme que sacrifica todo seu ponto e trama pra fechar com um finalzinho *whoa shocking mind blowing so smart*
Sério, que bosta é aquele final?
O filme, que se divertiu durante sua duração inteira em relação a essa moral flutuante entre os personagens (o mocinho que vira vilão e vice-versa), simplesmente CAGA por tudo na conclusão. Gostava muito de como o filme centrava a fobia social da esposa e do cara envolta do personagem do Jason Bateman (tanto é que achei que o filme tratava muito bem essa fobia e as suas origens, tudo no formato thriller atmosférico que ele realmente fazia bem também), mas daí no final o filme simplesmente transforma o cara, uma vítima, num nojento e ela, a outra vítima, numa coitada que não merecia de jeito nenhum o que aconteceu.
Independente do estupro ter acontecido ou não, o tratamento que o filme dá a ele é muito escroto, dá até pra dizer que o filme o justifica - "good people deserve good things", pois é, COMO SER ESTUPRADA E TER UM FILHO DISSO, REALMENTE MUITO BOM. É como se não fosse pra gente achar que ela ter um filho de estupro é algo ruim, o importante mesmo é fazer a vingança espertinha pro homem perceber como mentir é feio (como se não bastasse a vida inteira dele desmoronar e o filme ser basicamente sobre como o comportamento dele afeta quem está a sua volta). Parece que o filme quer fazer o telespectador acreditar que, como o Gordon não é, teoricamente, uma "pessoa ruim", é tudo bem estuprar! Pode estuprar, ter filho, FILMAR, ser stalker nojento, o importante é que não é culpa dele, é do bullying, ele precisa se vingar! O foda é que, antes do final, até nem era culpa dele, era realmente uma questão de social awkward e de trauma, mas o filme estraga tudo isso com o final. Ele joga por água abaixo o tratamento de vilões/mocinhos ou um julgamento moral daquilo: no fim, todo mundo tá sujo, o cara, o marido e a coitada da esposa, que não tinha nada a ver com aquilo.
Enfim, um filme que se preocupa tanto em desconstruir um gênero, mas que, no fim, se curva aos piores vícios dele. Uma pena que a questão do bullying, das mentiras e dessa fobia social, que foram tão bem abordados, acabam não valendo nada no fim.
O Massacre da Serra Elétrica
3.7 1K Assista AgoraEscalas da cadeia alimentar. O absurdo que olha para a realidade e ri da nossa cara. Provavelmente o melhor filme pró-vegetarianismo que já vi. Aterrorizante e atmosférico até não poder mais. Engraçado esse filme ter começado a onda de slashers mas nenhum ter apostado nessa visão ultra-naturalista depois dele.
As Criaturas Atrás das Paredes
3.3 197 Assista AgoraFilme de casa mal assombrada que se transforma em uma aventura crítica de justiça social em um piscar de olhos. Perfeito num comentário bem profundo sobre a situação de favelas e de segregação racial propriamente dita (no espaço), mas o filme realmente se torna infalível no ponto de que o verdadeiro terror encontra-se nessas barreiras de privacidade que criamos dentro de uma sociedade (uma bem injusta, diga-se de passagem). "Parece que somos nós que ficamos presos em casa!" diz a assassina torturadora de crianças sobre o crime em sua vizinhança. No fim, é um filme sobre o que cada um pode esconder "embaixo das escadas" - que, mesmo que isso se imploda em algum momento, é aterrorizante de qualquer forma. Viver em sociedade é estranho pra cacete.
Gremlins 2: A Nova Geração
3.3 283 Assista Agora"Incredible as it might seem ladies and gentlemen, after their bizarre, bloodcurling rampage of destruction, these strange creatures now appear to be mounting a musical number!"
Camadas da sociedade que se provam verossímeis conforme o filme evolui, uma mais absurda que a outra, no clima mais cartunesco e anárquico que poderia existir. Ciente de suas limitações, mas se preocupando apenas em se divertir e satirizar tudo e todos, principalmente a si mesmo. Tudo que você pode esperar de um filme de aventura e comédia.
Hush: A Morte Ouve
3.5 1,5KSuspense divertido construído em cima duma premissa que renova bem os clichês do gênero - com as limitações da personagem, que poderiam ser apenas detalhezinhos mal trabalhados, sendo usadas não apenas como premissa dramática, mas sim incluídas no próprio gênero e execução do filme. E isso não só pra surdisse, mas também para a ansiedade e para o bloqueio criativo, todos bem encaixados na trama. Bom filme.
Certo Agora, Errado Antes
3.8 49 Assista AgoraQue maravilhoso filme sobre a subjetividade e as infinitas possibilidades da vida. Pequenos sentimentos e gestos que criam pontos de vistas completamente diferentes sobre tudo e todos: a primeira metade, com um amor a primeira vista que se transforma em decepção e no homem sendo um cafajeste; a segunda metade, com um romance que encontra obstáculos, mas que no fim se constrói em cima de um homem solitário e perdido. Sang-soo, com seu cinema espontâneo e hipnotizante, deixa claro essa questão dos sentimentos nos pequenos detalhes do filme mesmo, como na opinião do diretor sobre a pintura ou na decisão de não fumar da pintora, que são coisas que diferem nas duas partes, mas não partem de pessoas diferentes; são apenas pessoas que, enfrentando situações distintas, sentem-se de formas distintas e, consequentemente, agem diferentemente. Poucos filmes capturam como a vida é tão aberta a possibilidades quanto completamente aleatória como esse. Uma jovem obra-prima.
Aterrorizada
2.8 542A resolução final poderia ter um pouco mais de ritmo, mas é um bom filme sobre a cabeça humana. Incrível como Carpenter consegue encaixar gênero em qualquer lugar que ele quiser.
Salò, ou os 120 Dias de Sodoma
3.2 1,0KO Estado é uma merda.
At Sea
4.3 2Se a solidão megalomaníaca dos containers no início do segundo segmento já era bem triste, o terceiro segmento do filme como um todo não é nada menos que devastador - ainda mais vindo em sequência dos takes mais hipnóticos e poéticos que o filme alcança. O filme, que se construía de maneira sóbria até então, mesclando bem as críticas, questões práticas e artísticas, se transforma numa tragédia. Em questão de 3 takes, o filme transforma poesia e beleza em lixo e desigualdade. Tem toda a questão que envolve a descartabilidade das coisas, mas é absurda a comparação dos trabalhadores do início do filme, passando pano no navio ou tratando de pequenas falhas na pintura, com as pessoas escalando as carcaças dos navios abandonados em seu fim. E o incrível é como o filme, em seus últimos 10 minutos, se preocupa em desconstruir qualquer ideia fetichistas que poderia existir em "filmar a pobreza", quebrando totalmente o seu conceito puramente de forma e se tornando realmente em algo bem humanista - se reconhecendo como um documentário que está simplesmente filmando pessoas normais em seu dia a dia, mesmo que construa algo bem maior ao mesmo tempo. Lindo e devastador.
E ah, esse pôster daqui é muito feio, puta merda, se der pra trocar: http://i.imgur.com/3Gq1dpL.jpg.
Gran Torino
4.2 1,5K Assista AgoraExcepcional filme sobre a necessária reconstrução da identidade norte-americana atual. Um início sútil e certeiro sobre a desarmonia nas relações atuais entre imigrantes e estadunidenses, que logo se transforma numa análise de como o país acolheu esses imigrantes: de forma severa e até injusta, mas propiciando espaço para o avanço. A partir daí o filme se delicia mostrando a construção dessa identidade, em meio a bagunça, para o novo cidadão do país, de modo humorístico e leve que funciona perfeitamente. E é na sua conclusão que o filme parece deixar claro essa sua visão da necessidade de um recomeço para o país - assemelhando-se até a um western, com uma situação que se tornou tão insustentável que a solução talvez seja retornar ao século XIX e recomeçar tudo de novo. Na visão de Eastwood, isso vem por meio da crença nas instituições a cima de tudo, restando a ninguém mais a tarefa e a possibilidade de mudar a situação a não ser ao próprio Estado. O sacrifício em tempos civilizados, propiciando uma esperança de uma vida melhor. Perfeito.
No Tempo das Diligências
4.1 143 Assista AgoraAs externas desse filme são um tanto quanto inacreditáveis. Incrível ver o filme após ter visto RR, do James Benning, que se resume em takes de trens atravessando paisagens norte-americanas, e se deparar, aqui, com as carruagens cortando paisagens que até se assemelham às do filme de Benning às vezes. É a sociedade e o progresso passando, mas não interferindo com a natureza, uma harmonia que pode se provar verdadeira ou não. Pura poesia em meio a guerra entre apaches e cowboys. E, no caso desse filme, a analogia "carruagem = sociedade" vai bem mais a fundo que no de RR, visto que os passageiros da diligência são, de fato, representações da sociedade. Uma sociedade corrupta, falsa, moralista, interesseira, mas também boa e profunda - tudo dependendo para onde você olhar. Mas Ford, já em 1939, deixava bem claro seu posicionamento: nunca confie em um homem de bem. Filmaço.
Eu, Daniel Blake
4.3 533 Assista AgoraClichês e decisões fáceis a parte, o filme ainda tem lá seus méritos. O modo que ele consegue retratar as relações entre gerações e culturas no Reino Unido atual é ótimo (a cena do skype com o chinês é fantástica), devido principalmente a quão bem o humorístico primeiro ato funciona, assim como é interessante e sútil a ideia do trabalhador que sofreu com Thatcher que ajuda o cidadão que sofre com o inchaço econômico europeu atual. De certa forma a ideia anti-burocrática acaba funcionando também no fim, mas ela infelizmente não vai muito além. Mesmo com seu personagem preso num labirinto de instituições bem kafkiano, o filme não faz muito proveito disso e permanece com sua visão simplista e superficial no retrato da situação - tanto é que o grande arco dramático do filme parte não desse problema com as instituições e sim dos próprios personagens, de forma bem fraca, por sinal.
Pra ser sincero acho estranho ele ter sido o vencedor da Palma de Ouro. Não é um filme ruim, mas também não apresenta algo tão relevante assim. Dá pra falar da questão social, mas, do modo que o filme foi feito, essa situação poderia caber em qualquer lugar do mundo, em praticamente qualquer época (a única coisa característica relativa à atualidade é o desemprego, mas isso é suficiente pra dizer que o filme retratou por completo a crise atual?). Pra mim ficou até parecendo uma daquelas decisões de Oscar onde, para o prêmio máximo, escolhem aquele filme mais modesto e "bonzinho", que definitivamente todo mundo gostou (mesmo que nem tanto), ao invés de optar algo realmente mais arriscado que causaria discordância.
RR
3.9 1O alicerce de um país e o próprio país. Um filme sobre paisagens, que são cortadas, contornadas, destruídas, e, no fim, reconstruídas. Mas também um filme sobre harmonias e desarmonias: a relação parental existente entre as pessoas e o trem; a exaustão de alguns takes que te questionam a necessidade de tanto para uma sociedade. Em meio a hipnose, o filme apresenta um Estados Unidos dos mais intimistas e profundos que já vi em tela. Lindo filme.
Pequenos Guerreiros
3.2 520 Assista AgoraAcho maravilhoso como o diretor pega essa história que poderia facilmente ser um filme infantil tosco feito para TV e torna ela numa ótima aventura com temas tão bem trabalhados. Tudo isso porque ele soube lidar com o absurdo de tudo. A escala da ação é um show a parte (o filme faz o que o Homem Formiga não conseguiu), e o humor referencial é de uma inteligência ímpar. A mensagem em relação aos interesses corporativos e à perca de uma inocência (os filosóficos Gorgonites são caçados ininterruptamente pelos soldados norte-americanos!!!) também são ótimas e extremamente pontuais e funcionais. Enfim, um pequeno filme absurdo contra a indústria da guerra.