Adorável. Meu primeiro Wes Anderson, e fez jus à fama de filme leve, divertido e um tanto excêntrico. Ótima fotografia e roteiro, só achei que parte do elenco foi subaproveitada (como acontece geralmente em obras que possuem um elenco muito grande). Senti falta da Tilda Swinton no filme. Por outro lado, os atores infantis são bem convincentes.
Um dos melhores filmes do ano até agora, "Em Outro País" é adorável e singelo sem fazer esforço, fluindo naturalmente. Isabelle Hupert está ótima, mesmo apresentando personagens que não possuem uma gama considerável de emoções, mas que são, em seus breves dramas, ainda profundos. A fotografia do filme é ótima e sem exageros, mas a direção de Hong Sang-soo é que chama a atenção, com planos-sequência, closes, enquadramentos e movimentos de câmera bastante curiosos e interessantes.
O que mais chama a atenção em "10 Horas Até o Paraíso" é o paradoxo instaurado na imagem de Dennis, uma pessoa que por fora é bastante forte, mas que esconde uma dependência e insegurança quase crônicas. Nesse aspecto, ele lembra um pouco o personagem Jacky Vanmarsenille, de "Bullhead", filme belga do ano passado. Vale destacar a leve crítica sobre como é tratada a prostituição na Tailândia, algo que Apichatpong Weerasethakul nunca fez com seu patriotismo disfarçado de bucolismo fantástico (que eu adoro, mas acho ineficiente nesse sentido). Ponto também para o modo como o filme é conduzido, praticamente sem dramatização, uníssono, mas não por isso linear (muito pelo contrário).
Quando ouvi dizer que "Cosmopolis" retomava o cinema inicial do Cronenberg, esperava um filme bem mais grotesco e epilético. Não me decepcionei, muito pelo contrário, mas o estranhamento fica. O filme parece se inspirar no estilo narrativo do Linklater, principalmente se "Waking Life" for tomado como exemplo (personagem principal que segue em uma viagem quase surreal e pouco linear, coalhada de diálogos profundos, às vezes verborrágicos), mas a estética é toda cronenbergiana, bem como a crítica (que lembra "Videodrome", ao alertar o público com previsões de um futuro próximo caótico baseado num presente inconsistente e vazio). O simbolismo, no entanto, é bem mais sutil, e é aí onde Cronenberg parece estar mais "elegante" e menos agressivo. O carro como extensão do homem moderno, a desvalorização do mundo e do próprio dinheiro, a busca infinita por poder, tudo isso indicado a partir de elementos da trama que nem sempre são visuais e chamativos (como é usual na filmografia do canadense). Exceto por uma pretensão um pouco exacerbada e uma certa verborragia incômoda, é um ótimo filme que deve ser visto e revisto como fonte de reflexão sobre diversos assuntos que vão além do capitalismo e seus desdobramentos mais cruéis.
"Os Infratores" é um filme que procura encontrar forças no roteiro, sustentado por personagens carismáticos, que se apoiam na aura proporcionada por algumas lendas e num bom trabalho de interpretação da maioria do elenco (mesmo com um Gary Oldman subestimado ao ponto de virar coadjuvante). No entanto, o desenrolar da trama é bastante frágil, com algumas falhas, vários clichês e um final bem apressado. A trilha sonora ora funciona perfeitamente, ora constrange, bem como a fotografia. O gosto pela violência explícita é nítido e procura um apelo realista, mas às vezes soa exagerada (com direito a mangueirinhas de sangue à la Kill Bill). No mais, uma obra voltada pra diversão, com pouco valor histórico e que não deve ser levada muito à sério.
Quando "Dente Canino" foi lançado, muitas pessoas criticaram a obra por acharem que o diretor e roteirista, Giorgos Lanthimos, havia explorado pouco a premissa da história. Eu discordei, mas se elas quiserem falar o mesmo de "Alpes", talvez não haja outra opção senão concordar. O filme parte de uma ideia ótima, mas pouco oscila ao longo de 1h30. O mote do roteiro é inchar-se, através da introdução de novas famílias na narrativa - que acabam por somar pouco à trama. O foco na personagem de Aggeliki Papoulia acaba sendo ineficiente, por dizer pouco sobre ela. Os desdobramentos psicológicos são sutis e, por vezes, previsíveis, como uma quase óbvia perda de identidade da protagonista. Apesar de alguns turning points surpreendentes, o roteiro (premiado em Veneza) e o filme como um todo acabaram me decepcionando. Vale pela ótima fotografia, pela atuação da Aggeliki e pelo estilo de Lanthimos.
“Pi” é um filme que bebe direto da filmografia de David Lynch. Extremamente sensorial, cria uma aura cyberpunk (que condiz com a proposta noir) através de uma fotografia bastante saturada, uma trilha sonora frenética e movimentos de câmera bastante agitados. Algumas escolhas gráficas, como o uso dos insetos, beiram, algumas vezes, o surrealismo, e flertam com características lynchianas de narrativa, distorcendo realidade de alucinação e tornando o todo ainda mais indigesto.
"Dark Shadows" começa muito bem, com a típica abordagem burtoniana de humor caricaturesco (que eu adoro). A premissa de unir os anos 70 com seres sobrenaturais é bem diferente e dá certo por um tempo. Mas, da metade pro final, o filme começa a inchar descontroladamente, alimentado por um kitsch de bastante mal gosto. O roteiro desanda, abre uma centena de furos e desperdiça os personagens, rendendo uma série de momentos constrangedores e fazendo com que até os fãs de Tim Burton se decepcionem. Pelo menos ainda vale a pena pela ótima direção de arte e pelo carisma do elenco principal, em especial uma surpreendente Eva Green (não me impressionaria em vê-la escalada em outros filmes do Burton).
Ridley Scott criou um filme inteiro de duas horas pra explicar algo numa cena que mal dura um minuto. Isso sim é um desperdício. "Prometheus" se anunciar como uma obra que discorre sobre a origem do ser humano é uma bela propaganda enganosa, porque a obra vai tão fundo quanto outros filmes de ficção científica: extraterrestres altamente violentos e contagiosos, prontos pra matar grotesca e epileticamente qualquer coisa que fizer o menor contato com eles. Como se não pudesse ficar mais raso, o filme é coalhado de diálogos vazios e performances pueris - a não ser, talvez, por Michael Fassbender e Noomi Rapace, mas a talentosa Charlize Theron não encontra espaço dentro da obra pra crescer. Nem a premissa de inserir um robô na trama parece salvá-la do clichê: David poderia ser uma excelente fonte de entendimento da relação criador-criatura, mas, salvo por uma ou duas frases de efeito, ele é completamente subutilizado como personagem, agindo tal qual apenas mais um mero humano.
Pra não dizer que esse "Prometheus" não me deixou de cabeça vazia, ficou o incômodo do porque os filmes sci-fi com extraterrestres são tão lineares e parecidos. Plantar nesse tipo de obra uma centena de alienígenas "ready to kill" faz parecer que hollywood quer mais e mais assustar as pessoas, como quem diz "não procure, pois é perigoso, eles podem te matar sem o menor aviso e de jeitos bastante dolorosos e estapafúrdios". É realmente triste ver o quanto esse gênero é desperdiçado apenas com "entretenimento" e quão poucos são os filmes sérios que tratam do assunto.
Bem decepcionante. Tudo bem que eu não esperava por um drama, mas o humor francês oscila bruscamente entre a puerilidade e a apelação mais baixa possível. Impossível não ficar constrangido com algumas cenas. No mais, é, como disseram mais abaixo, mais do mesmo. Vale alguns pontos pelo modo como trata certos tabus com uma naturalidade surpreendente - e também por um François Cluzet em plena forma.
Para além das lições de vida, de superação e todos aqueles gêneros "para americano ver", "Temple Grandin" carrega consigo uns aspectos bem interessantes, a citar as escolhas gráficas (planos-detalhe repentinos, fotografia diferenciada em alguns momentos), a ótima atuação de Claire Danes (que, salvo engano, levou todos os prêmios possíveis ano passado por essa performance) e a irônica característica de Temple se relacionar melhor com animais do que com seres humanos (o que faz pensar que as pessoas são mais irracionais do que aparentam ser, pois ela, com toda a sua lógica, era incapaz de entendê-las).
Pretensioso, mas corajoso e de grande melancolia, "Um Lugar Qualquer" (que seria melhor traduzido como "Em Algum Lugar") é a recriação melancólica da vida cotidiana de um ator de hollywood, mas poderia se aplicar a todos que são atormentados por um vazio existencial. O filme poderia cair na crítica piegas do consumismo e do estilo de vida fútil dos mais ricos, mas há um grande esforço de não dramatizar em nenhum nível a narrativa, para assim promover a identificação com um público maior. Assistir a essa obra é um exercício constante de sensibilidade e auto-reflexão.
Marina Abramovic entendeu que a direção rumo à perfeição não é pelo caminho do mais, mas do menos, apesar de tudo o que sinaliza o mundo em volta. The Artist is Present é uma experiência de simplicidade e lucidez, que leva a uma epifania constante e definitiva. E, se assistir isso de longe, através de um vídeo, já possui uma força enorme, não consigo nem imaginar como é estar lá.
É tangível o medo que transparece dos personagens de "O Sétimo Selo", diante da inevitabilidade da morte, algo onipresente na época da peste negra. Qualquer pessoa, a qualquer momento, poderia se deparar com a questão talvez mais existencial que o homem já tenha pensado: o que há depois da morte? Nem a própria Morte sabe, o que pode ser traduzido tanto numa incerteza crônica, quanto na certeza do vazio - e, analisando as críticas postas por Bergman à figura de Deus (tanto nesse filme, quanto em outros de sua carreira), eu fico com a segunda opção. As consequências são inevitáveis. Para quê eu vivi? Qual o sentido da vida se a morte é infalível e pode chegar a qualquer momento? Por que viver seguindo regras e leis quando nada nos espera do outro lado? O resultado é o caos, somado às loucuras individuais, que geram um frenesi coletivo. Nesse contexto, o cristianismo surge como uma maneira de manutenção da sociedade através do mito, mas tal poder, conferido aos corruptos da época (o clero despótico), se transforma num instrumento de opressão pelo medo. E aí vemos todos os desfechos infelizes da extrema misoginia da época (que extrapola os limites do pensamento católico para se tornar parte de uma cultura machista) e das guerras santas, dois fenômenos justificados pela crença em um deus, mas que só trouxeram sofrimento.
Por mais que seja nítida a mudança pela qual a igreja passou por todos esses anos, é incômodo saber que ainda há certa herança daquela época presente na sociedade atual, o que faz de "O Sétimo Selo" um filme mais contemporâneo do que ele aparenta ser.
Muito bom! Humor espontâneo e quase inocente de Billy Wilder, reforçado pelo caráter de Marilyn Monroe e pela funcionalidade de um roteiro simples, porém bem elaborado. Muita música, carisma, situações inusitadas e leveza, além de uma mão leve na condução, certa identificação por parte dos espectadores e um humor atemporal, certamente contribuíram para tornar esse filme um clássico da comédia.
"Código Desconhecido" é talvez o filme mais transgressor de Michael Haneke no que concerne à sua estrutura. Aqui, o diretor flerta um pouco com o cinema da segunda fase de Godard, brincando de forma desconcertante com som, imagem e montagem. Subverte a ordem típica de um filme mosaico (que começa com histórias individuais para depois cruzá-las), criando uma teoria do caos em cima de um evento (cotidiano) isolado no início por um belo plano-sequência - aliás, os planos fixos que permeiam esse trabalho são muito bem executados. A atitude é de uma sensibilidade estranha ao restante da obra, pois, se no começo Haneke mostra que uma simples briga de rua possui determinações e consequências brutais - e ele o mostra sem recorrer a sensacionalismos hollywoodianos -, o restante desse trabalho é bastante frio, boa parte disso devido aos cortes agressivos e que impedem uma maior absorção diegética da história (que muitas vezes tem de ser finalizada pelo próprio espectador, que "completa" os "relatos incompletos de diversas viagens"). A sensação é de inconclusão, o que aumenta a veracidade dos fatos mostrados, pois, em comparação a certos roteiros herméticos, é menos calculista e mais impessoal. Filme corajoso de pouquíssimas falhas (a saber, um pouco de maniqueísmo no segmento da família de negros, mas sem fugir a uma realidade tão incômoda quanto à situação dos romenos na Europa - porém mais conhecida).
"Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" é basicamente um livro de auto-ajuda em forma de filme, decorado com belíssimas gravuras (as paisagens do oriente nunca decepcionam) e certa medida de poesia imposta. A mensagem do livro? Fora do budismo não há salvação. Abrace a filosofia do Buda e até um assassino pode se regenerar. Não deixa de ser bonito, mas tanto didatismo faz com ele perca muito potencial de profundidade artística. E não fossem só os ensinamentos - como diria Marcelo Hessel, de "budismo de exportação" - que moram na obviedade do roteiro (explícita logo no título), a obra ainda conta com certa deselegância de um tipicamente agressivo cinema coreano (que é bom, mas não combina com a proposta zen-filosófica de "Primavera..."). O resultado? Cenas desnecessárias, montagens subestimadoras e uma trilha sonora claramente manipuladora e feita para você chorar (ainda que muito bonita). Teria feito mais sentido se não tivesse tanta vontade de fazer sentido.
Poderia ter sido melhor aproveitado. A sensação que fica é que várias partes foram omitidas, talvez da parte do próprio diretor, aparentemente a figura mais polêmica dessa filmagem. Mas é interessante como a "tortura psicológica" de von Trier é útil para a filmagem de "Dogville", como na escolha por filmar em locação, fazendo com que os atores sintam na pele a claustrofobia que o espectador sente ao assistir a obra final, e assim tornando tudo muito mais plausível. Fica fácil também de entender porque é difícil trabalhar com o cineasta (não por ele ser grosseiro - o que acontece às vezes - , mas por seu nível de exigência e sua incapacidade de conseguir se comunicar com seus "subordinados" e expressar em palavras o que realmente quer - dificuldade que é chamada aqui de insanidade). Interessante também como é mantido um jogo de aparências no processo de filmagem: é visível o stress emocional que os atores vivenciam (Paul Bettany chega a nomear de "guerra"), mas, diante da imprensa, foi uma "experiência maravilhosa". Apenas o confessionário consegue captar parte da essência da produção de "Dogville".
Interessante como "Amor Animal" se desenvolve, não estabelecendo um limite claro entre o que é verdade e ficção dentro da trama, e aumentando ainda mais a credibilidade de tudo que é mostrado na tela. Nesse sentido, Ulrich Seidl é bastante audacioso, seja por não temer qualquer interação direta com o objeto filmado, seja por retratar um tema tão controverso quanto a nossa relação com os animais. O que poderia ser uma apelação gratuita não ganha espaço dentro da história (cenas com maus tratos aos bichos de estimação, que poderiam ter sido facilmente incluídas para causar empatia com o público ambientalmente engajado, ficam de fora). O objetivo aqui não é militar pelos animais (não de forma explícita), mas mostrar o quanto nós também somos animais (e há quem diga que essa é uma forma de militância velada). Desenhar traços de zoofilia nas relações ultradependentes entre donos e bichinhos não basta. É preciso, através de imagens chocantes (que vão agressivamente do cômico ao bizarro) e uma montagem irônica, animalizar o ser humano, principalmente no que concerne às suas relações interpessoais e suas necessidades pessoais. Corajoso, criativo e firme na sua proposta. Melancólico, repulsivamente atraente e contundente no resultado.
Os enquadramentos de Jia Zhang-Ke são um destaque para "Sanxia Haoren". O diretor sempre parece diminuir as pessoas diante da paisagem, que nunca deixa de contemplar o rio (a natureza) e as construções que fazem parte do projeto da Três Gargantas (o progresso), como se o homem estivesse à mercê dessas duas forças e sem comando.
É notável também como os personagens parecem apáticos diante de tudo, como se esmagados emocionalmente por todas as mudanças que lhes eram impostas, chegando à triste e forçosa mudança de moradia. Nem a visita de um ovni (imaginário?) ou a morte de um amigo próximo parece abalá-los dessa vida mecânica e de trabalho para a prosperidade do Estado.
Moonrise Kingdom
4.2 2,1K Assista AgoraAdorável. Meu primeiro Wes Anderson, e fez jus à fama de filme leve, divertido e um tanto excêntrico. Ótima fotografia e roteiro, só achei que parte do elenco foi subaproveitada (como acontece geralmente em obras que possuem um elenco muito grande). Senti falta da Tilda Swinton no filme. Por outro lado, os atores infantis são bem convincentes.
A Visitante Francesa
3.2 76Um dos melhores filmes do ano até agora, "Em Outro País" é adorável e singelo sem fazer esforço, fluindo naturalmente. Isabelle Hupert está ótima, mesmo apresentando personagens que não possuem uma gama considerável de emoções, mas que são, em seus breves dramas, ainda profundos. A fotografia do filme é ótima e sem exageros, mas a direção de Hong Sang-soo é que chama a atenção, com planos-sequência, closes, enquadramentos e movimentos de câmera bastante curiosos e interessantes.
Sem falar no roteiro, que, no maior estilo "Corra, Lola, Corra", intercala histórias de "universos paralelos" de forma bastante sutil.
10 Horas Até o Paraíso
3.7 34 Assista AgoraO que mais chama a atenção em "10 Horas Até o Paraíso" é o paradoxo instaurado na imagem de Dennis, uma pessoa que por fora é bastante forte, mas que esconde uma dependência e insegurança quase crônicas. Nesse aspecto, ele lembra um pouco o personagem Jacky Vanmarsenille, de "Bullhead", filme belga do ano passado. Vale destacar a leve crítica sobre como é tratada a prostituição na Tailândia, algo que Apichatpong Weerasethakul nunca fez com seu patriotismo disfarçado de bucolismo fantástico (que eu adoro, mas acho ineficiente nesse sentido). Ponto também para o modo como o filme é conduzido, praticamente sem dramatização, uníssono, mas não por isso linear (muito pelo contrário).
No entanto, incomoda a mudança de comportamento no final, que soou um tanto artificial.
Cosmópolis
2.7 1,0K Assista AgoraQuando ouvi dizer que "Cosmopolis" retomava o cinema inicial do Cronenberg, esperava um filme bem mais grotesco e epilético. Não me decepcionei, muito pelo contrário, mas o estranhamento fica. O filme parece se inspirar no estilo narrativo do Linklater, principalmente se "Waking Life" for tomado como exemplo (personagem principal que segue em uma viagem quase surreal e pouco linear, coalhada de diálogos profundos, às vezes verborrágicos), mas a estética é toda cronenbergiana, bem como a crítica (que lembra "Videodrome", ao alertar o público com previsões de um futuro próximo caótico baseado num presente inconsistente e vazio). O simbolismo, no entanto, é bem mais sutil, e é aí onde Cronenberg parece estar mais "elegante" e menos agressivo. O carro como extensão do homem moderno, a desvalorização do mundo e do próprio dinheiro, a busca infinita por poder, tudo isso indicado a partir de elementos da trama que nem sempre são visuais e chamativos (como é usual na filmografia do canadense). Exceto por uma pretensão um pouco exacerbada e uma certa verborragia incômoda, é um ótimo filme que deve ser visto e revisto como fonte de reflexão sobre diversos assuntos que vão além do capitalismo e seus desdobramentos mais cruéis.
Os Infratores
3.8 895 Assista Agora"Os Infratores" é um filme que procura encontrar forças no roteiro, sustentado por personagens carismáticos, que se apoiam na aura proporcionada por algumas lendas e num bom trabalho de interpretação da maioria do elenco (mesmo com um Gary Oldman subestimado ao ponto de virar coadjuvante). No entanto, o desenrolar da trama é bastante frágil, com algumas falhas, vários clichês e um final bem apressado. A trilha sonora ora funciona perfeitamente, ora constrange, bem como a fotografia. O gosto pela violência explícita é nítido e procura um apelo realista, mas às vezes soa exagerada (com direito a mangueirinhas de sangue à la Kill Bill). No mais, uma obra voltada pra diversão, com pouco valor histórico e que não deve ser levada muito à sério.
Alpes
3.5 89 Assista AgoraQuando "Dente Canino" foi lançado, muitas pessoas criticaram a obra por acharem que o diretor e roteirista, Giorgos Lanthimos, havia explorado pouco a premissa da história. Eu discordei, mas se elas quiserem falar o mesmo de "Alpes", talvez não haja outra opção senão concordar. O filme parte de uma ideia ótima, mas pouco oscila ao longo de 1h30. O mote do roteiro é inchar-se, através da introdução de novas famílias na narrativa - que acabam por somar pouco à trama. O foco na personagem de Aggeliki Papoulia acaba sendo ineficiente, por dizer pouco sobre ela. Os desdobramentos psicológicos são sutis e, por vezes, previsíveis, como uma quase óbvia perda de identidade da protagonista. Apesar de alguns turning points surpreendentes, o roteiro (premiado em Veneza) e o filme como um todo acabaram me decepcionando. Vale pela ótima fotografia, pela atuação da Aggeliki e pelo estilo de Lanthimos.
Pi
3.8 768 Assista Agora“Pi” é um filme que bebe direto da filmografia de David Lynch. Extremamente sensorial, cria uma aura cyberpunk (que condiz com a proposta noir) através de uma fotografia bastante saturada, uma trilha sonora frenética e movimentos de câmera bastante agitados. Algumas escolhas gráficas, como o uso dos insetos, beiram, algumas vezes, o surrealismo, e flertam com características lynchianas de narrativa, distorcendo realidade de alucinação e tornando o todo ainda mais indigesto.
Sombras da Noite
3.1 4,0K Assista Agora"Dark Shadows" começa muito bem, com a típica abordagem burtoniana de humor caricaturesco (que eu adoro). A premissa de unir os anos 70 com seres sobrenaturais é bem diferente e dá certo por um tempo. Mas, da metade pro final, o filme começa a inchar descontroladamente, alimentado por um kitsch de bastante mal gosto. O roteiro desanda, abre uma centena de furos e desperdiça os personagens, rendendo uma série de momentos constrangedores e fazendo com que até os fãs de Tim Burton se decepcionem. Pelo menos ainda vale a pena pela ótima direção de arte e pelo carisma do elenco principal, em especial uma surpreendente Eva Green (não me impressionaria em vê-la escalada em outros filmes do Burton).
Prometheus
3.1 3,4K Assista AgoraRidley Scott criou um filme inteiro de duas horas pra explicar algo numa cena que mal dura um minuto. Isso sim é um desperdício. "Prometheus" se anunciar como uma obra que discorre sobre a origem do ser humano é uma bela propaganda enganosa, porque a obra vai tão fundo quanto outros filmes de ficção científica: extraterrestres altamente violentos e contagiosos, prontos pra matar grotesca e epileticamente qualquer coisa que fizer o menor contato com eles. Como se não pudesse ficar mais raso, o filme é coalhado de diálogos vazios e performances pueris - a não ser, talvez, por Michael Fassbender e Noomi Rapace, mas a talentosa Charlize Theron não encontra espaço dentro da obra pra crescer. Nem a premissa de inserir um robô na trama parece salvá-la do clichê: David poderia ser uma excelente fonte de entendimento da relação criador-criatura, mas, salvo por uma ou duas frases de efeito, ele é completamente subutilizado como personagem, agindo tal qual apenas mais um mero humano.
Pra não dizer que esse "Prometheus" não me deixou de cabeça vazia, ficou o incômodo do porque os filmes sci-fi com extraterrestres são tão lineares e parecidos. Plantar nesse tipo de obra uma centena de alienígenas "ready to kill" faz parecer que hollywood quer mais e mais assustar as pessoas, como quem diz "não procure, pois é perigoso, eles podem te matar sem o menor aviso e de jeitos bastante dolorosos e estapafúrdios". É realmente triste ver o quanto esse gênero é desperdiçado apenas com "entretenimento" e quão poucos são os filmes sérios que tratam do assunto.
Intocáveis
4.4 4,1K Assista AgoraBem decepcionante. Tudo bem que eu não esperava por um drama, mas o humor francês oscila bruscamente entre a puerilidade e a apelação mais baixa possível. Impossível não ficar constrangido com algumas cenas. No mais, é, como disseram mais abaixo, mais do mesmo. Vale alguns pontos pelo modo como trata certos tabus com uma naturalidade surpreendente - e também por um François Cluzet em plena forma.
The Star
4.8 2http://www.youtube.com/watch?v=ISotAeqpEd8
The Star
4.8 2Mudou minha vida pra sempre.
http://www.youtube.com/watch?v=IE5H8k8VE2M
Temple Grandin
4.3 336 Assista AgoraPara além das lições de vida, de superação e todos aqueles gêneros "para americano ver", "Temple Grandin" carrega consigo uns aspectos bem interessantes, a citar as escolhas gráficas (planos-detalhe repentinos, fotografia diferenciada em alguns momentos), a ótima atuação de Claire Danes (que, salvo engano, levou todos os prêmios possíveis ano passado por essa performance) e a irônica característica de Temple se relacionar melhor com animais do que com seres humanos (o que faz pensar que as pessoas são mais irracionais do que aparentam ser, pois ela, com toda a sua lógica, era incapaz de entendê-las).
Um Lugar Qualquer
3.3 810 Assista AgoraPretensioso, mas corajoso e de grande melancolia, "Um Lugar Qualquer" (que seria melhor traduzido como "Em Algum Lugar") é a recriação melancólica da vida cotidiana de um ator de hollywood, mas poderia se aplicar a todos que são atormentados por um vazio existencial. O filme poderia cair na crítica piegas do consumismo e do estilo de vida fútil dos mais ricos, mas há um grande esforço de não dramatizar em nenhum nível a narrativa, para assim promover a identificação com um público maior. Assistir a essa obra é um exercício constante de sensibilidade e auto-reflexão.
Infelizmente, a tendência de segurar a neutralidade do filme some nos minutos finais, com a cena do telefonema e a cena final desnecessária.
Marina Abramovic: A Artista Está Presente
4.5 150Marina Abramovic entendeu que a direção rumo à perfeição não é pelo caminho do mais, mas do menos, apesar de tudo o que sinaliza o mundo em volta. The Artist is Present é uma experiência de simplicidade e lucidez, que leva a uma epifania constante e definitiva. E, se assistir isso de longe, através de um vídeo, já possui uma força enorme, não consigo nem imaginar como é estar lá.
Não me aguentei quando ela encontrou o Ulay.
O Sétimo Selo
4.4 1,0KÉ tangível o medo que transparece dos personagens de "O Sétimo Selo", diante da inevitabilidade da morte, algo onipresente na época da peste negra. Qualquer pessoa, a qualquer momento, poderia se deparar com a questão talvez mais existencial que o homem já tenha pensado: o que há depois da morte? Nem a própria Morte sabe, o que pode ser traduzido tanto numa incerteza crônica, quanto na certeza do vazio - e, analisando as críticas postas por Bergman à figura de Deus (tanto nesse filme, quanto em outros de sua carreira), eu fico com a segunda opção. As consequências são inevitáveis. Para quê eu vivi? Qual o sentido da vida se a morte é infalível e pode chegar a qualquer momento? Por que viver seguindo regras e leis quando nada nos espera do outro lado? O resultado é o caos, somado às loucuras individuais, que geram um frenesi coletivo. Nesse contexto, o cristianismo surge como uma maneira de manutenção da sociedade através do mito, mas tal poder, conferido aos corruptos da época (o clero despótico), se transforma num instrumento de opressão pelo medo. E aí vemos todos os desfechos infelizes da extrema misoginia da época (que extrapola os limites do pensamento católico para se tornar parte de uma cultura machista) e das guerras santas, dois fenômenos justificados pela crença em um deus, mas que só trouxeram sofrimento.
Por mais que seja nítida a mudança pela qual a igreja passou por todos esses anos, é incômodo saber que ainda há certa herança daquela época presente na sociedade atual, o que faz de "O Sétimo Selo" um filme mais contemporâneo do que ele aparenta ser.
Quanto Mais Quente Melhor
4.3 853 Assista AgoraMuito bom! Humor espontâneo e quase inocente de Billy Wilder, reforçado pelo caráter de Marilyn Monroe e pela funcionalidade de um roteiro simples, porém bem elaborado. Muita música, carisma, situações inusitadas e leveza, além de uma mão leve na condução, certa identificação por parte dos espectadores e um humor atemporal, certamente contribuíram para tornar esse filme um clássico da comédia.
Código Desconhecido
3.7 79 Assista Agora"Código Desconhecido" é talvez o filme mais transgressor de Michael Haneke no que concerne à sua estrutura. Aqui, o diretor flerta um pouco com o cinema da segunda fase de Godard, brincando de forma desconcertante com som, imagem e montagem. Subverte a ordem típica de um filme mosaico (que começa com histórias individuais para depois cruzá-las), criando uma teoria do caos em cima de um evento (cotidiano) isolado no início por um belo plano-sequência - aliás, os planos fixos que permeiam esse trabalho são muito bem executados. A atitude é de uma sensibilidade estranha ao restante da obra, pois, se no começo Haneke mostra que uma simples briga de rua possui determinações e consequências brutais - e ele o mostra sem recorrer a sensacionalismos hollywoodianos -, o restante desse trabalho é bastante frio, boa parte disso devido aos cortes agressivos e que impedem uma maior absorção diegética da história (que muitas vezes tem de ser finalizada pelo próprio espectador, que "completa" os "relatos incompletos de diversas viagens"). A sensação é de inconclusão, o que aumenta a veracidade dos fatos mostrados, pois, em comparação a certos roteiros herméticos, é menos calculista e mais impessoal. Filme corajoso de pouquíssimas falhas (a saber, um pouco de maniqueísmo no segmento da família de negros, mas sem fugir a uma realidade tão incômoda quanto à situação dos romenos na Europa - porém mais conhecida).
Paraíso: Fé
3.7 55ótimo trailer http://www.youtube.com/watch?v=pYOddVREv80
Zazie no Metrô
3.8 85Achei fofo, mas tão cansativo quanto um daqueles desenhos da Looney Tunes. No entanto, o final é muito bom.
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera
4.3 377"Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" é basicamente um livro de auto-ajuda em forma de filme, decorado com belíssimas gravuras (as paisagens do oriente nunca decepcionam) e certa medida de poesia imposta. A mensagem do livro? Fora do budismo não há salvação. Abrace a filosofia do Buda e até um assassino pode se regenerar. Não deixa de ser bonito, mas tanto didatismo faz com ele perca muito potencial de profundidade artística. E não fossem só os ensinamentos - como diria Marcelo Hessel, de "budismo de exportação" - que moram na obviedade do roteiro (explícita logo no título), a obra ainda conta com certa deselegância de um tipicamente agressivo cinema coreano (que é bom, mas não combina com a proposta zen-filosófica de "Primavera..."). O resultado? Cenas desnecessárias, montagens subestimadoras e uma trilha sonora claramente manipuladora e feita para você chorar (ainda que muito bonita). Teria feito mais sentido se não tivesse tanta vontade de fazer sentido.
Dogville Confessions
3.7 52Poderia ter sido melhor aproveitado. A sensação que fica é que várias partes foram omitidas, talvez da parte do próprio diretor, aparentemente a figura mais polêmica dessa filmagem. Mas é interessante como a "tortura psicológica" de von Trier é útil para a filmagem de "Dogville", como na escolha por filmar em locação, fazendo com que os atores sintam na pele a claustrofobia que o espectador sente ao assistir a obra final, e assim tornando tudo muito mais plausível. Fica fácil também de entender porque é difícil trabalhar com o cineasta (não por ele ser grosseiro - o que acontece às vezes - , mas por seu nível de exigência e sua incapacidade de conseguir se comunicar com seus "subordinados" e expressar em palavras o que realmente quer - dificuldade que é chamada aqui de insanidade). Interessante também como é mantido um jogo de aparências no processo de filmagem: é visível o stress emocional que os atores vivenciam (Paul Bettany chega a nomear de "guerra"), mas, diante da imprensa, foi uma "experiência maravilhosa". Apenas o confessionário consegue captar parte da essência da produção de "Dogville".
Amor Animal
3.6 12Interessante como "Amor Animal" se desenvolve, não estabelecendo um limite claro entre o que é verdade e ficção dentro da trama, e aumentando ainda mais a credibilidade de tudo que é mostrado na tela. Nesse sentido, Ulrich Seidl é bastante audacioso, seja por não temer qualquer interação direta com o objeto filmado, seja por retratar um tema tão controverso quanto a nossa relação com os animais. O que poderia ser uma apelação gratuita não ganha espaço dentro da história (cenas com maus tratos aos bichos de estimação, que poderiam ter sido facilmente incluídas para causar empatia com o público ambientalmente engajado, ficam de fora). O objetivo aqui não é militar pelos animais (não de forma explícita), mas mostrar o quanto nós também somos animais (e há quem diga que essa é uma forma de militância velada). Desenhar traços de zoofilia nas relações ultradependentes entre donos e bichinhos não basta. É preciso, através de imagens chocantes (que vão agressivamente do cômico ao bizarro) e uma montagem irônica, animalizar o ser humano, principalmente no que concerne às suas relações interpessoais e suas necessidades pessoais. Corajoso, criativo e firme na sua proposta. Melancólico, repulsivamente atraente e contundente no resultado.
Em Busca da Vida
3.9 34Os enquadramentos de Jia Zhang-Ke são um destaque para "Sanxia Haoren". O diretor sempre parece diminuir as pessoas diante da paisagem, que nunca deixa de contemplar o rio (a natureza) e as construções que fazem parte do projeto da Três Gargantas (o progresso), como se o homem estivesse à mercê dessas duas forças e sem comando.
É notável também como os personagens parecem apáticos diante de tudo, como se esmagados emocionalmente por todas as mudanças que lhes eram impostas, chegando à triste e forçosa mudança de moradia. Nem a visita de um ovni (imaginário?) ou a morte de um amigo próximo parece abalá-los dessa vida mecânica e de trabalho para a prosperidade do Estado.