O filme tem um propósito claro. Os personagens enfrentam os percalços para conseguir cumprir o propósito, um só, repetido várias vezes. Eles cumprem. O "apocalipse" em si não é o objetivo, apenas a trama. Não importa se ele chegou a um fim, porque o propósito era outro. Nisso nada há a dizer. O que podemos confessar é a falta de qualquer originalidade ou inovação técnica no trabalho. Faz o dever de casa.
Uma potente imagem para se pensar as formas de resistência, como o domínio de técnica, as mais ínfimas, aparentemente insignificantes, mas também de pensamento, ser capaz de moldar uma coisa para que se torne outra, sem perder a primeira. Simplesmente descobrir nas coisas do cotidiano, a potência de uma arma política, de uma forma de resistir e não apenas esperar (ter esperança) num futuro melhor. Sem o trabalho no presente, não há futuro que valha ser salvo.
Walter Benjamin, filósofo alemão, escreveu num texto intitulado "A imagem de Proust", que mais importante do que produzir uma arte do proletariado, deveria se pensar nos burgueses capazes de trair a própria classe, em nome da luta proletária. Não sei se João Moreira Salles faz isso no seu documentário. Ele é o confortável narrador que reflete à distância sobre as imagens... Mas, ao fazê-lo, adotando a posição entre a visão de sua mãe (ao questionamento de onde estaria ela, e depois da verdade) e a de um poeta marxista, na muralha da china, dá um tom de, pelo menos, simpatia. Mas, talvez a simpatia do rico que olha o povo de cima de sua cobertura... mesmo assim... Ele ainda é capaz de mostra a face burguesa do movimento francês de 68. Percebo uma certa concordância com a ideia de "projeto" sartreano (coisa semelhante ao que fez aqui, em 2013, Jabor relinchando pedindo uma bandeira... é o burguês falando nele, diretor...). Por isso não consegue reconhecer a potência do movimento. A ironia sobre a frase mais usada (debaixo dos paralelepipedos, a praia) deixa ver isso. É possível pensar uma forma de intensificar a potência sem buscar poder. Talvez ele não compreenda bem isso. por outro lado, consegue perceber as estruturas de poder. Os velórios mostrados no final, como tomada política diante de algo mais potente, a qual seria a dor, deixa entrever um uso possível desse saber para fins revolucionários. O importante é não se deixar apoderar por qualquer poder que seja. A dor e o choro são gestos impossíveis de racionalização pura. A emoção precisa tornar-se o centro da luta política, e não ser escanteada. Porque quando a luta, que justifica a morte, fracassa, é como se aquela mostre se perdesse, quando, na verdade, ela concerne a todos e sempre. A dor e o choro são anacrônicos. Ninguém fracassa aí. Perde, mas nunca fracassa verdadeiramente.
Eu, normalmente, espero algum tempo antes de comentar, para que os ânimos se acalmem. Mas, ainda não consigo fazer isso com essa série e esse final. Nunca vibrei tanto com um tapa na cara na vida. Mas, mais lindo do que o sabor da vingança foi o apoio mútuo entre as mulheres nessa série. Isso foi o mais bonito. Agora, vamos à revolução! Não apenas na série mas também na vida!
Mais um fetiche da plutocracia, de quem crê que o mundo só será melhor com os melhores. E que, portanto, há um excedente humano. Nada mais antidemocrático do que um filme desse tipo.
Uma bonita metáfora para a situação dos imigrantes, dos refugiados, dos desvalidos do "primeiro" mundo, sem dúvidas. Uma metáfora muito eficiente para falar sobre as políticas de xenofobia, em noma da "segurança"; condenação da diferença em nome de uma suposta "pátria"unificadora; da esperança nos mais improváveis heróis que o fazem a despeito de tudo.
Confesso que cheguei a esse filme através do livro de Rancière. Os diálogos são muito intensos e rápidos, muitas vezes contrariando a própria cena. Essa "ruptura" torna a obra mais interessante. Os momentos de silêncio, ou que o foco passa às coisas, intensifica o contrassenso, como se elas também tivessem direito a "falar", só que falam na medida em que se mostram, seja pela fogueira crepitando ou a vasilha com água (?) que o rapaz no capítulo 6 coloca no chão, ou mesmo o som dos ventos nas folhas.
Impressionante. Ele opera pela lógica kafkaniana, agora daquele que encarna a lei, que se sabe a Lei. Mas, paradoxalmente, mostra que a lei não submete tudo, pois, para que ela seja total, é preciso que o próprio soberano a ela se submeta. O desejo dele de realizar tal plenitude, que também é uma busca pelo "Pai-Ausência", nunca se consuma, pois, como soberano, ele está "condenado" à liberdade diante da Lei. O filme é impecável, com uma trilha magnífica.
Sensacional a proposta. Toda a força da proposição de Simone de Beauvoir: "não se nasce mulher, torna-se" aparece aí. Mesmo a ideia de que cada condição é naturalizada torna-se ridícula quando exposto justamente seu contrário. Macho que chegar falando em "esteriótipo" é macho que não pode ver uma vergonha e já que ir passando no cartão em suaves prestações.
Penso que, ao contrário do que pensava Heidegger no vertiginoso e derradeiro ser-para-a-morte, há aqueles que nessa perspectiva tornam-se ser-para-a-vida, como fala Proust, aquele ou aquela que vai em direção ao fim de costas. É o caso de Watanabe e da história que conta Kurosawa. Mas, para quem fica com a morte, o caso é distinto: ela revela a vacuidade da nossa existência no cotidiano.
"- Não aceito 'não' como resposta. - Quão estuprador soa você" Acredito que essa nem tão singela resposta de Jessica Jones a Pryce sintetiza a perspectiva da série. Ela toma situações consideradas "normais" e mostra a perversão de tal condição, ainda mais quando se pensa do ponto de vista de toda aquela e aquele desajustado. A trama teve uma bom foco na relação feminina, com muitos momentos de sororidade. Sem contar que aprofundou o arco de Jessica, muito mais problemático que os demais. Há-de se pensar sobre essa condição que acaba por envolver qualquer personagem desse tipo: dificilmente alguém do padrão estabelecido, da "média vazia", mas uma singularidade que corre pelas margens. Detalhe para o fato dos episódios (pelo menos a maioria) terem sido dirigidos por mulheres.
Pudia ser Brasil 2018 sem muitas diferenças. Destaque para a postura do próprio Pasolini, com suas questões que desarmaram especialmente a classe "intelectual" da época.
Aquém de toda "questão política" do filme, eu gostaria de marcar uma única coisa: a encenação das mãos. usualmente, quando não a paisagem ou os movéis (cadeiras principalmente - aliás umas das cenas mais bonitas é a das cadeiras na igreja), o que aparece em cena, primeiramente, são as mãos: mãos em movimento, mãos em seus afazeres, mãos descansando. Passa-se, como na cena do ônibus, de uma mão a outra: do motorista aos passageiros que estão descendo, aos que estão sentados, aos que estão de pé. A câmera geralmente abaixo do ombro só mostra o rosto, quando as pessoas sentam ou descem de alguma maneira. Há toda uma plasticidade das mãos em cena, que estão "aquém" da política, mas não são menos dignas de encenação.
Sobre um solo fascista, as estrelas não florescem. Precisou um socialista para enxergá-las. Fotografia sempre magnífica. As personagens, todas caricatas, coisa de quem fantasia a memória.
A arte é uma ferida que fala na/pela mão do artista. Não há como querer se desfazer dessa "ferida". Cocteau põe em ação muitos elementos que obsedam a arte desde seu início: a obsessão por dar vida à obra (Pigmalião), a própria questão do duplo e do espelho ("que deveria refletir um pouco mais antes de devolver uma imagem") e artista como contemplador do mundo que o circunda, por exemplo. O surrealismo do autor serve ao propósito de encarnar essas questões e oferecer uma saída sempre por uma vida de morte. No fim, o artista é consumido na medida em que consome as matérias. Ele caí, como caí a torre no final. Não para a morte, mas para a imortalidade, ainda que tediosa, do por vir que ele engendra.
Todo mundo deseja um final como novela da globo, no qual tudo se explica, as coisas são postas nos seus devidos lugares. Subitamente descobre-se quem era o assassino todo o tempo, quem roubou quem, quem era filho de quem e daí por diante. Quando uma obra não se presta a tal trabalho, por que sua função não é a dos finais felizes e fechados, nunca foi, então a incompreensão surge como mácula que diminiu a "qualidade" da obra. Se há algum desejo de entender o que se passa, o exercício é simples: pensar, pesquisar, olhar mais atentamente ao que se passa, sem desperdiçar seja o que for. Eu também fiquei sem compreender a "razão".
Aceitei apenas o fato, como princípio de partida, de que o rapaz possuia algum tipo de poder para realizar o que realizou. Sem problemas. A arte tem tal liberdade. Não muito tempo depois do começo, já sabemos a motivação real e o desejo de vingança. A tensão está presente desde sempre com a trilha sonora. Cada personagem parece flutuar numa bolha imóvel ao qual o outro não acessa, a não ser pela linguagem sempre sofrível e apática. Mas, isso não é o suficiente para tentar compreender a obra. Isso sequer explica o título. Todavia, talvez por sorte, percebi uma coisa que, sem considerar como gratuidade do dito, possa ajudar a ampliar o entendimento, senão a apreensão. Quando Steven vai falar com o diretor da escola dos meninos, o homem "revela" que a filha dele havia escrito um trabalho excelente sobre "Ifigência". Informação aparentemente desnecessária. Porém, esse mero fato, possibilita escrever a obra de Lanthimos numa tradição que vai da tragédia de Eurípedes, passando por Racine e desaguando em Michel Azama. Isto é, nada muito simples. A partir dessa possibilidade, é possível entender, por exemplo, o título: o "cervo sagrado", na peça euripidiana, é o animal que Agamemnon mata e depois vangloria-se, irritando profundamente a deusa Artêmis, quem exige do rei o sacrifício de sua filha Ifigênia. O "sacrifício" aparece como o operador, na peça, da relação da decisão, no espaço do mito, do rei. Decidir não vem sem consequência. E tomar uma decisão entre duas possibilidades terríveis, ainda que em nome da glória, não a torna menos selvagem. Além disso, aquele a quem cabe a decisão é o verdadeiro culpado, mas não é quem será punido. O espaço dessas tragédias é também o espaço das erínias, as deusas da justiça e da vingança. Poderíamos pensar no rapaz como uma encarnação dessas erínias (de onde vem seu poder). Não há razão ("logos", que também pode ser traduzido como "discurso racional") que convença uma erínia quando está em busca de justiça. Não é a toa que ele fala constantemente em "equilibrio" do universo. Enredado nesse esquema, não é de se estranhar que o filme adiquira um aspecto irreal, como se transportado para um lugar mítico, fechado na casa do casal. Da obra de Racine, talvez, provenha o drama singular de cada um frente ao "sacrifício". Obviamente que eles não acreditam estar respondendo a um chamado do universo para reestabelecer o destino. Pelo contrário, na proximidade do fim certo, já previsto pela "erínia", eles começam a querem mostrar seu valor, em nome do desejo de viver, sem muita sinceridade, não se importando se outro membro da família morrerá. Deixar ao acaso a decisão, como se faz no final é uma forma de "democracia". Poderíamos pensar que, em alguma medida, frente à necessidade do sacrfício (forma de justiça, forma de governo antiga) responde o acaso (que na Grécia era a forma mais radical e própria da democracia).
Um filme herdeiro da forma balzaquiana de contar suas histórias. Os diálogos, com frases soberbas, são sempre interessantes, cheios de ironia. Acredito que esse seja o modo peculiar de fazer comédia dos franceses. A iminência da guerra, talvez, seja um elemento a soar nas camadas do filme, sem contar a xenofobia latente que só não atinge Christine claramente porque ela está casada com um homem muito rico. O dinheiro a protege. Mas, a ideia de que "mãos estrangeiras podem acabar com o herói do progresso" deixa isso evidente.
Próxima Parada: Apocalipse
1.8 497O filme tem um propósito claro. Os personagens enfrentam os percalços para conseguir cumprir o propósito, um só, repetido várias vezes. Eles cumprem. O "apocalipse" em si não é o objetivo, apenas a trama. Não importa se ele chegou a um fim, porque o propósito era outro. Nisso nada há a dizer. O que podemos confessar é a falta de qualquer originalidade ou inovação técnica no trabalho. Faz o dever de casa.
Um Condenado à Morte Escapou
4.4 69Uma potente imagem para se pensar as formas de resistência, como o domínio de técnica, as mais ínfimas, aparentemente insignificantes, mas também de pensamento, ser capaz de moldar uma coisa para que se torne outra, sem perder a primeira. Simplesmente descobrir nas coisas do cotidiano, a potência de uma arma política, de uma forma de resistir e não apenas esperar (ter esperança) num futuro melhor. Sem o trabalho no presente, não há futuro que valha ser salvo.
No Intenso Agora
4.0 38Walter Benjamin, filósofo alemão, escreveu num texto intitulado "A imagem de Proust", que mais importante do que produzir uma arte do proletariado, deveria se pensar nos burgueses capazes de trair a própria classe, em nome da luta proletária. Não sei se João Moreira Salles faz isso no seu documentário. Ele é o confortável narrador que reflete à distância sobre as imagens... Mas, ao fazê-lo, adotando a posição entre a visão de sua mãe (ao questionamento de onde estaria ela, e depois da verdade) e a de um poeta marxista, na muralha da china, dá um tom de, pelo menos, simpatia. Mas, talvez a simpatia do rico que olha o povo de cima de sua cobertura... mesmo assim... Ele ainda é capaz de mostra a face burguesa do movimento francês de 68. Percebo uma certa concordância com a ideia de "projeto" sartreano (coisa semelhante ao que fez aqui, em 2013, Jabor relinchando pedindo uma bandeira... é o burguês falando nele, diretor...). Por isso não consegue reconhecer a potência do movimento. A ironia sobre a frase mais usada (debaixo dos paralelepipedos, a praia) deixa ver isso. É possível pensar uma forma de intensificar a potência sem buscar poder. Talvez ele não compreenda bem isso. por outro lado, consegue perceber as estruturas de poder. Os velórios mostrados no final, como tomada política diante de algo mais potente, a qual seria a dor, deixa entrever um uso possível desse saber para fins revolucionários. O importante é não se deixar apoderar por qualquer poder que seja. A dor e o choro são gestos impossíveis de racionalização pura. A emoção precisa tornar-se o centro da luta política, e não ser escanteada. Porque quando a luta, que justifica a morte, fracassa, é como se aquela mostre se perdesse, quando, na verdade, ela concerne a todos e sempre. A dor e o choro são anacrônicos. Ninguém fracassa aí. Perde, mas nunca fracassa verdadeiramente.
O Conto da Aia (2ª Temporada)
4.5 1,2K Assista AgoraEu, normalmente, espero algum tempo antes de comentar, para que os ânimos se acalmem. Mas, ainda não consigo fazer isso com essa série e esse final. Nunca vibrei tanto com um tapa na cara na vida. Mas, mais lindo do que o sabor da vingança foi o apoio mútuo entre as mulheres nessa série. Isso foi o mais bonito. Agora, vamos à revolução! Não apenas na série mas também na vida!
Atlanta (1ª Temporada)
4.5 294 Assista AgoraDemorei a entender a importância e potência dessa série, que só percebi quando apareceu um justin bieber negro. O episódio 7 é simplesmente genial.
Um Lugar Silencioso
4.0 3,0K Assista AgoraÉ legal, até perceber como que a galera não entendeu que o som era a fraqueza dos bichos. Os morcegos estão aí pra isso, né não?
Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível
3.2 738 Assista AgoraMais um fetiche da plutocracia, de quem crê que o mundo só será melhor com os melhores. E que, portanto, há um excedente humano. Nada mais antidemocrático do que um filme desse tipo.
Ilha dos Cachorros
4.2 655 Assista AgoraUma bonita metáfora para a situação dos imigrantes, dos refugiados, dos desvalidos do "primeiro" mundo, sem dúvidas. Uma metáfora muito eficiente para falar sobre as políticas de xenofobia, em noma da "segurança"; condenação da diferença em nome de uma suposta "pátria"unificadora; da esperança nos mais improváveis heróis que o fazem a despeito de tudo.
Unbreakable Kimmy Schmidt (4ª Temporada)
4.0 145 Assista AgoraTão rápido, que pouco deu pra aproveitar os absurdos e as maravilhas da temporada.
Brooklyn Nine-Nine (5ª Temporada)
4.5 183 Assista AgoraNão foi dessa vez, Satãtrumptemer, que vc nos tirou essa série maravilhinda.
Da Nuvem À Resistência
3.7 3Confesso que cheguei a esse filme através do livro de Rancière. Os diálogos são muito intensos e rápidos, muitas vezes contrariando a própria cena. Essa "ruptura" torna a obra mais interessante. Os momentos de silêncio, ou que o foco passa às coisas, intensifica o contrassenso, como se elas também tivessem direito a "falar", só que falam na medida em que se mostram, seja pela fogueira crepitando ou a vasilha com água (?) que o rapaz no capítulo 6 coloca no chão, ou mesmo o som dos ventos nas folhas.
Cara Gente Branca (Volume 2)
4.2 123 Assista AgoraSó esqueceram um "detalhe": toda a luta de classes.
Vingadores: Guerra Infinita
4.3 2,6K Assista AgoraIgual uma novela da globo, só que boa. As piadas quase sempre salvam.
Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita
4.2 45Impressionante. Ele opera pela lógica kafkaniana, agora daquele que encarna a lei, que se sabe a Lei. Mas, paradoxalmente, mostra que a lei não submete tudo, pois, para que ela seja total, é preciso que o próprio soberano a ela se submeta. O desejo dele de realizar tal plenitude, que também é uma busca pelo "Pai-Ausência", nunca se consuma, pois, como soberano, ele está "condenado" à liberdade diante da Lei.
O filme é impecável, com uma trilha magnífica.
Eu Não Sou um Homem Fácil
3.5 737 Assista AgoraSensacional a proposta. Toda a força da proposição de Simone de Beauvoir: "não se nasce mulher, torna-se" aparece aí. Mesmo a ideia de que cada condição é naturalizada torna-se ridícula quando exposto justamente seu contrário.
Macho que chegar falando em "esteriótipo" é macho que não pode ver uma vergonha e já que ir passando no cartão em suaves prestações.
Viver
4.4 166 Assista AgoraPenso que, ao contrário do que pensava Heidegger no vertiginoso e derradeiro ser-para-a-morte, há aqueles que nessa perspectiva tornam-se ser-para-a-vida, como fala Proust, aquele ou aquela que vai em direção ao fim de costas. É o caso de Watanabe e da história que conta Kurosawa. Mas, para quem fica com a morte, o caso é distinto: ela revela a vacuidade da nossa existência no cotidiano.
Santa Clarita Diet (2ª Temporada)
4.1 222Adoro as conversas absurdas, sempre com autoironia, o que torna tudo mais divertido.
Jessica Jones (2ª Temporada)
3.6 286 Assista Agora"- Não aceito 'não' como resposta.
- Quão estuprador soa você"
Acredito que essa nem tão singela resposta de Jessica Jones a Pryce sintetiza a perspectiva da série. Ela toma situações consideradas "normais" e mostra a perversão de tal condição, ainda mais quando se pensa do ponto de vista de toda aquela e aquele desajustado. A trama teve uma bom foco na relação feminina, com muitos momentos de sororidade. Sem contar que aprofundou o arco de Jessica, muito mais problemático que os demais. Há-de se pensar sobre essa condição que acaba por envolver qualquer personagem desse tipo: dificilmente alguém do padrão estabelecido, da "média vazia", mas uma singularidade que corre pelas margens.
Detalhe para o fato dos episódios (pelo menos a maioria) terem sido dirigidos por mulheres.
Comícios de Amor
4.2 13Pudia ser Brasil 2018 sem muitas diferenças. Destaque para a postura do próprio Pasolini, com suas questões que desarmaram especialmente a classe "intelectual" da época.
O Diabo, Provavelmente
3.7 45Aquém de toda "questão política" do filme, eu gostaria de marcar uma única coisa: a encenação das mãos. usualmente, quando não a paisagem ou os movéis (cadeiras principalmente - aliás umas das cenas mais bonitas é a das cadeiras na igreja), o que aparece em cena, primeiramente, são as mãos: mãos em movimento, mãos em seus afazeres, mãos descansando. Passa-se, como na cena do ônibus, de uma mão a outra: do motorista aos passageiros que estão descendo, aos que estão sentados, aos que estão de pé. A câmera geralmente abaixo do ombro só mostra o rosto, quando as pessoas sentam ou descem de alguma maneira. Há toda uma plasticidade das mãos em cena, que estão "aquém" da política, mas não são menos dignas de encenação.
Amarcord
4.2 178 Assista AgoraSobre um solo fascista, as estrelas não florescem. Precisou um socialista para enxergá-las. Fotografia sempre magnífica. As personagens, todas caricatas, coisa de quem fantasia a memória.
O Sangue de um Poeta
4.2 44A arte é uma ferida que fala na/pela mão do artista. Não há como querer se desfazer dessa "ferida". Cocteau põe em ação muitos elementos que obsedam a arte desde seu início: a obsessão por dar vida à obra (Pigmalião), a própria questão do duplo e do espelho ("que deveria refletir um pouco mais antes de devolver uma imagem") e artista como contemplador do mundo que o circunda, por exemplo. O surrealismo do autor serve ao propósito de encarnar essas questões e oferecer uma saída sempre por uma vida de morte. No fim, o artista é consumido na medida em que consome as matérias. Ele caí, como caí a torre no final. Não para a morte, mas para a imortalidade, ainda que tediosa, do por vir que ele engendra.
O Sacrifício do Cervo Sagrado
3.7 1,2K Assista AgoraTodo mundo deseja um final como novela da globo, no qual tudo se explica, as coisas são postas nos seus devidos lugares. Subitamente descobre-se quem era o assassino todo o tempo, quem roubou quem, quem era filho de quem e daí por diante. Quando uma obra não se presta a tal trabalho, por que sua função não é a dos finais felizes e fechados, nunca foi, então a incompreensão surge como mácula que diminiu a "qualidade" da obra. Se há algum desejo de entender o que se passa, o exercício é simples: pensar, pesquisar, olhar mais atentamente ao que se passa, sem desperdiçar seja o que for. Eu também fiquei sem compreender a "razão".
Aceitei apenas o fato, como princípio de partida, de que o rapaz possuia algum tipo de poder para realizar o que realizou. Sem problemas. A arte tem tal liberdade. Não muito tempo depois do começo, já sabemos a motivação real e o desejo de vingança. A tensão está presente desde sempre com a trilha sonora. Cada personagem parece flutuar numa bolha imóvel ao qual o outro não acessa, a não ser pela linguagem sempre sofrível e apática. Mas, isso não é o suficiente para tentar compreender a obra. Isso sequer explica o título. Todavia, talvez por sorte, percebi uma coisa que,
sem considerar como gratuidade do dito, possa ajudar a ampliar o entendimento, senão a apreensão. Quando Steven vai falar com o diretor da escola dos meninos, o homem "revela" que a filha dele havia escrito um trabalho excelente sobre "Ifigência". Informação aparentemente desnecessária. Porém, esse mero fato, possibilita escrever a obra de Lanthimos numa tradição que vai da tragédia de Eurípedes, passando por Racine e desaguando em Michel Azama. Isto é, nada muito simples. A partir dessa possibilidade, é possível entender, por exemplo, o título: o "cervo sagrado", na peça euripidiana, é o animal que Agamemnon mata e depois vangloria-se, irritando profundamente a deusa Artêmis, quem exige do rei o sacrifício de sua filha Ifigênia. O "sacrifício" aparece como o operador, na peça, da relação da decisão, no espaço do mito, do rei. Decidir não vem sem consequência. E tomar uma decisão entre duas possibilidades terríveis, ainda que em nome da glória, não a torna menos selvagem. Além disso, aquele a quem cabe a decisão é o verdadeiro culpado, mas não é quem será punido. O espaço dessas tragédias é também o espaço das erínias, as deusas da justiça e da vingança. Poderíamos pensar no rapaz como uma encarnação dessas erínias (de onde vem seu poder). Não há razão ("logos", que também pode ser traduzido como "discurso racional") que convença uma erínia quando está em busca de justiça. Não é a toa que ele fala constantemente em "equilibrio" do universo. Enredado nesse esquema, não é de se estranhar que o filme adiquira um aspecto irreal, como se transportado para um lugar mítico, fechado na casa do casal. Da obra de Racine, talvez, provenha o drama singular de cada um frente ao "sacrifício". Obviamente que eles não acreditam estar respondendo a um chamado do universo para reestabelecer o destino. Pelo contrário, na proximidade do fim certo, já previsto pela "erínia", eles começam a querem mostrar seu valor, em nome do desejo de viver, sem muita sinceridade, não se importando se outro membro da família morrerá. Deixar ao acaso a decisão, como se faz no final é uma forma de "democracia". Poderíamos pensar que, em alguma medida, frente à necessidade do sacrfício (forma de justiça, forma de governo antiga) responde o acaso (que na Grécia era a forma mais radical e própria da democracia).
A Regra do Jogo
4.1 122 Assista AgoraUm filme herdeiro da forma balzaquiana de contar suas histórias. Os diálogos, com frases soberbas, são sempre interessantes, cheios de ironia. Acredito que esse seja o modo peculiar de fazer comédia dos franceses. A iminência da guerra, talvez, seja um elemento a soar nas camadas do filme, sem contar a xenofobia latente que só não atinge Christine claramente porque ela está casada com um homem muito rico. O dinheiro a protege. Mas, a ideia de que "mãos estrangeiras podem acabar com o herói do progresso" deixa isso evidente.