Poucas vezes nos últimos anos o martírio foi tratado de forma tão tocante e verdadeira. E o mais irônico é ter sido feito por um filme cujo protagonista é um fantasma por demais caricato, com direito a lençol e juros nos olhos. O fato é que "A Ghost Story" não apenas é um filme brilhante e universal ao tratar da perda e dificuldade de superação de um amor passado, mas um exercício de estilo absolutamente bem conduzido e orquestrado. Certamente apresenta um dos melhores trabalhos de direção do ano por demonstrar feitos tecnicamente dificílimos, como diversas sequências que mesclam muito bem a melancolia, o macabro e o cômico. Dono ainda de uma das melhores fotografias do ano e uma montagem espetacular, "A Ghost Story" é uma pérola que merece ser assistida e compreendida em sua totalidade, já que mesmo sendo um ensaio sobre um fantasma preso em seu limbo, também representa o que há de mais intrínseco na forma como nós humanos nos relacionamos com o próximo.
Este mais novo trabalho de Zvyagintsev muito me encantou desde seu plano de abertura. Para mim, não apenas o melhor longa do diretor, como também o melhor filme do ano até o momento. Sua abordagem lenta e cáustica só acrescenta à narrativa sobre seres humanos perdidos e incapazes de entender seus papéis em suas próprias vidas. "Loveless" utiliza de sua fotografia magistral para nos alocar em um ambiente frio, sujo e linear, onde as personagens são constantemente fotografadas atrás de vidros ou pressionadas pelas linhas retas dos ambientes que os cercam. O roteiro é doloroso e reserva questionamentos extremamente pungentes e reais e, nisso, é complementado pela montagem lenta e contemplativa que só aumenta a sensação de passagem do tempo e ostracismo. Muito, mas muito superior ao fraco "Leviatã" (filme anterior de Andrei), dificilmente a Rússia produzirá algo melhor que esta obra-prima nesse ano.
Thriller absolutamente bem construído não apenas em narrativa, como também em técnica. A tensão e o suspense apenas aumentam no desenrolar pausado e contemplativo do roteiro, cuja história apresenta um desenrolar muito à frente de seu tempo. Para além da superfície, ainda discorre sobre padrões de beleza e até que ponto o egoísmo humano prevalece sobre a liberdade dos demais. A fotografia é sublime e extremamente eficaz durante toda a projeção, não apenas pela forma como usa a neblina em prol da narrativa, mas também nos momentos onde as imagens se apresentam mais sóbrias. Como se não bastasse, ainda ousa na violência gráfica e abusa desta com inteligência para evocar no espectador a sensação de desconforto e angústia que permeiam durante toda a projeção.
A importância de um filme como este transcende o próprio cinema: é um manifesto contra a hipocrisia e as máscaras sociais que criamos para nos proteger. Certamente um filme à frente de seu tempo, para tirar os espectadores de toda uma década da zona de conforto. Temas como prostituição, pedofilia e abuso de poder são tratados por Fuller de forma explícita e sem rodeios, pautados por um roteiro (também habilmente escrito pelo diretor) ácido e por demais obscuro. E fora todos os méritos contextuais, o longa ainda abusa de uma estética magistralmente concebida, parecendo por vezes marginal e sujo, mas sem abandonar um bom gosto estético gigante (e nisso, abrir o filme com a cena de espancamento do cafetão é não somente uma afronta às produções da época, como um convite para mudança nos paradigmas do próprio cinema norte americano). Vale aplaudir também todas as referências do diretor à guerra (recorrente na obra de Samuel), sendo esta tratada do ponto de vista dos que ficaram - por isso o manequim vestido de soldado em dado momento da projeção. "O Beijo Amargo" é um filme sutil e ao mesmo tempo escandaloso, digno de um realizador com pulso firme, que sabe exatamente a que veio e qual seu papel dentro de tantos na sétima arte.
Talvez eu não tenha entendido a intenção da diretora em tratar a narrativa da forma como a vemos neste filme porque, embora bem contextualizado, me soou um tanto aleatório e desconexo. A mim, a ligação entre as três histórias não ficou muito clara, algo que prejudica por demais o longa já que, justamente quando cada fragmento começa a se desenrolar, somos jogados para a vida de outra mulher e aquela anterior permanece esquecida. O roteiro é arrastado e, apesar da belíssima fotografia e da montagem cuidadosa, a experiência é desgastante.
Para mim, o melhor trabalho de direção de McQueen não apenas pelo cuidado e inteligência com que desenvolve sua narrativa ácida, mas principalmente pela forma como brinca com a atenção do espectador a todo momento - por isso o enfoque atípico em personagens secundários. Além do que, entrega sequências de extrema beleza e dor, como o policial chorando durante a rebelião, ou mesmo o instigante plano longo do confronto moral entre o padre e o prisioneiro. Grande filme, aparentemente simples, mas que esconde uma complexidade narrativa gigante por detrás de sua abordagem etérea.
Estou absolutamente encantado com o poder da montagem deste filme. Um trabalho realmente exímio, quase um personagem à parte, que transparece muito bem toda a angustia e loucura do protagonista. À parte isso, o filme ainda é brilhante em sua concepção, com uma direção cautelosa e, mesmo tratando de um tema tão explosivo, parcimoniosa. E a performance de Gian Maria Volonté é absolutamente estonteante - visceral e urgente, como o próprio filme em si.
Excelente comédia de um Jerry Lewis que, na direção, soube inserir muito bem diversos elementos de reflexão sobre seu próprio papel na sociedade como comediante e estrela de cinema. A sequência de Lewis representando a si mesmo em frente a uma multidão de adoradores comprados não apenas é hilária, mas também é de uma genialidade crítica ferrenha. Além disso, o comediante acerta por apostar em um filme fora dos padrões da época, confiando muito mais que suas esquetes inteligentes são capazes de sustentar um filme com pouquíssimo (ou nenhum) enredo. Dessa forma, "O Mensageiro Trapalhão" é um filme que promete pouco e vai muito mais além do que promete - com direito a um encerramento emocionante e ácido.
Herzog se interessa pela verdade não para apenas retratar acontecimentos atípicos e memoráveis, mas para estudar como estes constroem ou destroem o caráter humano. "O Homem-Urso" rapidamente abandona o interesse pelos feitos ecológicos do protagonista e passa a explorá-lo como a pessoa perturbada e excêntrica que era. Grande filme, repleto de passagens emocionantes e muito fortes. E a maior tristeza de sua morte não se relaciona a ter morrido por ursos, mas sim ter vivido uma vida tão inquieta, incapaz de se relacionar conosco, humanos.
Interessantíssimo estudo de personagens, esse filme de Cronenberg. Muito mais complexo do que eu imaginaria. A relação dos dois irmãos é estabelecida de forma inicialmente sutil, mas que vai progredindo para dinâmicas perturbadoras até culminar em um encerramento estarrecedor. É hábil a forma como o diretor usa de detalhes e elementos específicos de cena para dar pistas sobre o que irá acontecer, e como costuma nortear o espectador através do uso de cores e de detalhes nos trejeitos das personagens protagonistas. Um filme perspicaz, que sabe usar a duração ao seu favor, onde o impacto surge não pela aversão a uma sequência específica, mas a um comportamento problemático progressivo.
O filme é um tanto mal desenvolvido, não apenas por criar uma ambientação que soa forçada, mas também por ter sérias dificuldades em manter qualquer clima de suspense ou uma trama minimamente interessante. Assim, o terceiro ato já surge desvalorizado e decepciona por uma conclusão preguiçosa e arrastada, mesmo que tenha sido filmada como um fechamento dinâmico e aventuresco.
Grande homenagem aos filmes de fantasma japoneses, parece mesclar muito bem a forma madura e sensorial de encarar os espíritos de "Contos da Lua Vaga", do Mizoguchi, com a ambientação inquietante e macabra de "Kwaidan", do Kobayashi. Comparações à parte, o filme ainda sobrevive como thriller policial e terror psicológico, onde o que mais assusta são as consequências do inesperado na vida das personagens. Aos poucos, a narrativa vai tecendo um comentário muito oportuno sobre o choque da realidade com o desconhecido e quais as ferramentas que utilizamos para tentar entender esta interação (há aqui uma mescla de religiões e filosofias espirituais). É um longa repleto de simbolismos que confia na sua capacidade de criar e manter a tensão para prender o espectador por mais de duas horas e meia, desde o público médio até o mais exigente. Infelizmente um filme que permaneceu escondido nas asas das maiores produções asiáticas do ano, mas ainda assim é um terror invejável e arrepiante, com algo mais a dizer.
Este longa conquista justamente pela beleza inerente que atrai o espectador a tentar decifrá-lo. Cada quadro é milimetricamente pensado e a fotografia genial só engrandece a empatia. É um conto de fadas adulto e muito perturbador sobre a perda da inocência e a repressão sexual. Consegue a graça de ser extremamente denso, carregado, mas ainda assim muito leve e fluido. Não apenas a obra-prima de Jaromil Jires, mas também um dos melhores exemplares da New Wave checa.
Tecnicamente o filme é irretocável. O detalhamento e esmero do design de produção é fascinante e cada frame é um quadro vivo de tão belo. Pena que sirva à um roteiro tão pobre. Não propriamente por ser preguiçoso ou de gosto duvidoso, mas por tratar as três histórias aqui mostradas através de personagens tão desinteressantes e situações repetitivas. O longa parece engatinhar e durante diversos minutos nada de muito construtivo se desenrola em tela. Não é à toa que a produção não consegue sustentar nem seu meros 63 minutos (divididos em 3 partes) sem soar arrastado e enfadonho.
Pode não possuir o melhor roteiro dentre os filmes de Lang e nem o maior clímax de suas obras, mas certamente sabe criar e manter aquela atmosfera noir que atrai tantos cinéfilos à Hollywood da década de 40/50. O grande trunfo é que Fritz, como magistral diretor que é, entende seus erros e sabe compensá-los fortemente em diversas outras fortalezas deste seu filme. Assim, para um encerramento não tão grandioso quanto se esperaria neste tipo de narrativa, temos uma série de questionamentos sobre ética e moral postos ao espectador quando a sessão acaba. Grande noir muitas vezes ignorado na carreira do realizador austríaco.
Mea culpa: até o momento, este é o primeiro filme de Xavier Dolan que assisto. E o escolhi para ser meu primeiro contato com seu cinema justamente por uma afinidade ocasional que senti à aura que o cerca (confesso que as comparações com Hitchcock me estimularam um tanto também). E certamente preciso assistir a mais de seus trabalhos e atestar o que me parece bem nítido aqui: o amadurecimento de um cineasta novo e não tão experiente assim, que parece ter pisado pela primeira vez em solo adulto e sentido a responsabilidade de contar uma história polêmica com toda a complexidade e cuidado que ela merece. De fato, o filme é tecnicamente muito interessante e lança mão de técnicas nada sutis para transmitir sensações (como a mudança brusca da razão de aspecto em algumas cenas) - o que, bem empregado, se mostrou um atrativo a mais. Além do que, a relação construída entre a dupla de protagonistas é retratada de forma notável por um roteiro lento e pausado, que sabe muito bem o que dizer e quando dizer. Só não é uma obra exemplar pela forma como se desvirtua totalmente no ato final, apresentando uma terceira personagem que se revela, além de dispensável, dona de atitudes totalmente incoerentes com tudo que se tinha visto até o momento. "Tom na Fazenda" se encerra cambaleando, um tanto infantilizado, mas ainda apresenta um desenvolvimento digo de gente grande.
Logo em seu primeiro filme, o gênio Dreyer demonstra as preocupações e anseios que o atormentarão ao longo de toda sua carreira. Ao realizador, pouco importa o acontecimento em sua forma bruta, mas o modo como este afronta as crenças e costumes de seus personagens - o quanto influencia em suas decisões e maneira de enxergar a vida. A roupagem aqui é fiel ao tom de todo o resto da obra de Dreyer, emanando um clima melancólico e (por que não?) um tanto paranoico. E o encerramento surge como um rasgo de tristeza e melancolia na vida de personagens que pareciam fadados ao desastre desde o início.
Comédia de situações brilhante de Scorsese, sem dúvidas um de seus filmes mais subestimados. Incrível como usa da ironia implícita para tecer uma crítica social gigante sobre a influência midiática na vida de um cidadão aparentemente comum. Fascinante também o modo como De Niro e Scorsese se entendem, mesmo um estando à frente e o outro atrás das câmeras. É possível sentir a química e o entrosamento de um realizador dirigindo seu companheiro de carreira. E além de tudo ainda apresenta um Jerry Lewis despido de seu personagem costumeiro mas mesmo assim fazendo rir simplesmente pela ausência do tom cômico.
Trabalho absolutamente magistral do (quase) estreante Barry Jenkins - visceral e universal. A técnica impecável (seja a fotografia deslumbrante ou a montagem fabulosa) respalda um roteiro genial e uma direção de condução lenta e cirurgicamente precisa. "Moonlight" é o choque entre ideais de uma sociedade ainda arcaica e a revolução cultural de uma nova época. E para além de tudo, é um estudo de personagens brilhante, de forma que o final (anti-clímax para alguns)
O grande problema é o filme auto-sabotar a própria proposta. Logo nos créditos inicias, o espectador é apresentado a um letreiro orgulhoso anunciando que todos os atores são nativos e que o longa é apresentado no idioma desta tribo - implantando expectativas de que algo a mais poderia surgir dessa abordagem atípica. Mas não tarda para que o filme mostre sua falta de originalidade e entusiasmo, transformando a jornada dos protagonistas não apenas em um emaranhado de situações desinspiradas, mas também carentes de qualquer originalidade que se prometia no início. O longa parece apostar nas belezas naturais da floresta para mascarar um roteiro péssimo e mal conduzido pela direção frouxa. O tipo de filme que poderia ser dirigido por qualquer um, em qualquer idioma e qualquer local do mundo, reduzindo o potencial da novidade anunciada nos créditos a um mero detalhe que logo deixa de importar.
Fico feliz que um dos documentários mais belos dos últimos anos tenha sido reconhecido pela seleção do Oscar e irá atingir a vida de muito mais espectadores que teria se caísse no ostracismo. Acontece que "Life, Animated" é o exemplo de vida imitando a arte. O tipo de história tão incrível que dificilmente você acreditaria ser verdade se alguém lhe contasse. E o mais encantador é comprovar o papel transformador e edificante da arte na vida de cada ser humano que se propõe a entendê-la e senti-la plenamente.
O processo de perda é amplamente explorado nos diversos formatos de arte. Principalmente no cinema - a mais sinestésica delas. Mas há alguns anos não se lançava um filme sobre luto tão sensível e delicado quanto esta pequena obra-prima "Manchester à Beira-Mar". O filme é de uma sutileza tão grande, mas ainda assim de uma dor lancinante. Uma daquelas pérolas onde cada elemento se encaixa para representar acertadamente um contexto maior. Não apenas a fenomenal performance de Casey Affleck (certamente o melhor desempenho de sua carreira) demonstra a falta de esperança de um personagem morto por dentro, mas também toda a técnica ao seu entorno. A fotografia absolutamente deslumbrante (que filma o protagonista sempre separado do mundo por vidros e janelas fechadas) parece encontrar beleza no meio do desespero e transformar um simples ramo florido ou um reflexo de barco no mar em algo monumental. Assim como a montagem, que costura muito bem o passado do personagem de Affleck, reforçando a sensação de que este não conseguirá vislumbrar seu futuro enquanto seus traumas ainda o perseguirem. No fim das contas, este é um longa verdadeiro, de pessoas reais e histórias da vida. Nem tudo se resolve de maneira heroica, mas todos sempre se adaptam ao final - como todo bom ser resiliente.
Apesar de sua irregularidade, é um filme despretensioso e que possui um coração gigante. Com um roteiro afiado em suas críticas sociais e políticas, expõe um tema de extrema importância com toda a delicadeza e competência. Certamente não é o filme mais bem realizado do ano (tecnicamente não possui nada de muito destacável – exceto a competente direção de arte), nem mesmo o mais bem interpretado. Mas ainda assim é um projeto importante que merece a notoriedade que conquistou.
Certamente este é o tipo de filme reconhecido muito mais por mostrar à Academia o que querem ver que propriamente pelos seus méritos fílmicos. Desta forma, indicado às principais categorias do Oscar 2017, tem-se este filme irregular e manipulador. Muito aquém, inclusive, da própria filmografia trôpega de Mel Gibson como diretor. Com um primeiro ato desandado, o filme não decide muito bem o tom que pretende adotar e acaba passeando por diversas abordagens sem se focar em nenhuma – alterando sua lógica narrativa a cada novo acontecimento e personagem. Felizmente, após o início da guerra, o filme se encontra e se transforma em uma obra bem mais coerente, de ritmo admirável, e técnica digna de nota. A mixagem e edição de som são imponentes, enquanto a belíssima trilha sonora só complementa a sensação de triunfo em batalha. E, apesar de todas as polêmicas, é inegável a eficiência de Gibson na direção de suas sequências de batalha, acrescentando um tom de desespero pela violência extrema que mostra em tela (e pontos também para a montagem eficiente, que confere urgência e agilidade às batalhas épicas) – ainda que seu trabalho atrás das câmeras seja corrupto e manipulador (notem como endeusa desesperadamente a figura do protagonista). No fim das contas, “Até o Último Homem” soa mais como uma desculpa para levar às telas longas sequências de sanguinolência que propriamente por um ideal maior. Mas ao menos uma desculpa bem orquestrada, vale dizer.
Sombras da Vida
3.8 1,3K Assista AgoraPoucas vezes nos últimos anos o martírio foi tratado de forma tão tocante e verdadeira. E o mais irônico é ter sido feito por um filme cujo protagonista é um fantasma por demais caricato, com direito a lençol e juros nos olhos. O fato é que "A Ghost Story" não apenas é um filme brilhante e universal ao tratar da perda e dificuldade de superação de um amor passado, mas um exercício de estilo absolutamente bem conduzido e orquestrado. Certamente apresenta um dos melhores trabalhos de direção do ano por demonstrar feitos tecnicamente dificílimos, como diversas sequências que mesclam muito bem a melancolia, o macabro e o cômico. Dono ainda de uma das melhores fotografias do ano e uma montagem espetacular, "A Ghost Story" é uma pérola que merece ser assistida e compreendida em sua totalidade, já que mesmo sendo um ensaio sobre um fantasma preso em seu limbo, também representa o que há de mais intrínseco na forma como nós humanos nos relacionamos com o próximo.
Sem Amor
3.8 319 Assista AgoraEste mais novo trabalho de Zvyagintsev muito me encantou desde seu plano de abertura. Para mim, não apenas o melhor longa do diretor, como também o melhor filme do ano até o momento. Sua abordagem lenta e cáustica só acrescenta à narrativa sobre seres humanos perdidos e incapazes de entender seus papéis em suas próprias vidas. "Loveless" utiliza de sua fotografia magistral para nos alocar em um ambiente frio, sujo e linear, onde as personagens são constantemente fotografadas atrás de vidros ou pressionadas pelas linhas retas dos ambientes que os cercam. O roteiro é doloroso e reserva questionamentos extremamente pungentes e reais e, nisso, é complementado pela montagem lenta e contemplativa que só aumenta a sensação de passagem do tempo e ostracismo. Muito, mas muito superior ao fraco "Leviatã" (filme anterior de Andrei), dificilmente a Rússia produzirá algo melhor que esta obra-prima nesse ano.
Os Olhos Sem Rosto
4.0 232Thriller absolutamente bem construído não apenas em narrativa, como também em técnica. A tensão e o suspense apenas aumentam no desenrolar pausado e contemplativo do roteiro, cuja história apresenta um desenrolar muito à frente de seu tempo. Para além da superfície, ainda discorre sobre padrões de beleza e até que ponto o egoísmo humano prevalece sobre a liberdade dos demais. A fotografia é sublime e extremamente eficaz durante toda a projeção, não apenas pela forma como usa a neblina em prol da narrativa, mas também nos momentos onde as imagens se apresentam mais sóbrias. Como se não bastasse, ainda ousa na violência gráfica e abusa desta com inteligência para evocar no espectador a sensação de desconforto e angústia que permeiam durante toda a projeção.
O Beijo Amargo
4.2 54 Assista AgoraA importância de um filme como este transcende o próprio cinema: é um manifesto contra a hipocrisia e as máscaras sociais que criamos para nos proteger. Certamente um filme à frente de seu tempo, para tirar os espectadores de toda uma década da zona de conforto. Temas como prostituição, pedofilia e abuso de poder são tratados por Fuller de forma explícita e sem rodeios, pautados por um roteiro (também habilmente escrito pelo diretor) ácido e por demais obscuro. E fora todos os méritos contextuais, o longa ainda abusa de uma estética magistralmente concebida, parecendo por vezes marginal e sujo, mas sem abandonar um bom gosto estético gigante (e nisso, abrir o filme com a cena de espancamento do cafetão é não somente uma afronta às produções da época, como um convite para mudança nos paradigmas do próprio cinema norte americano). Vale aplaudir também todas as referências do diretor à guerra (recorrente na obra de Samuel), sendo esta tratada do ponto de vista dos que ficaram - por isso o manequim vestido de soldado em dado momento da projeção. "O Beijo Amargo" é um filme sutil e ao mesmo tempo escandaloso, digno de um realizador com pulso firme, que sabe exatamente a que veio e qual seu papel dentro de tantos na sétima arte.
Certas Mulheres
3.1 76 Assista AgoraTalvez eu não tenha entendido a intenção da diretora em tratar a narrativa da forma como a vemos neste filme porque, embora bem contextualizado, me soou um tanto aleatório e desconexo. A mim, a ligação entre as três histórias não ficou muito clara, algo que prejudica por demais o longa já que, justamente quando cada fragmento começa a se desenrolar, somos jogados para a vida de outra mulher e aquela anterior permanece esquecida. O roteiro é arrastado e, apesar da belíssima fotografia e da montagem cuidadosa, a experiência é desgastante.
Fome
4.0 310Para mim, o melhor trabalho de direção de McQueen não apenas pelo cuidado e inteligência com que desenvolve sua narrativa ácida, mas principalmente pela forma como brinca com a atenção do espectador a todo momento - por isso o enfoque atípico em personagens secundários. Além do que, entrega sequências de extrema beleza e dor, como o policial chorando durante a rebelião, ou mesmo o instigante plano longo do confronto moral entre o padre e o prisioneiro. Grande filme, aparentemente simples, mas que esconde uma complexidade narrativa gigante por detrás de sua abordagem etérea.
A Classe Operária Vai ao Paraíso
4.1 60Estou absolutamente encantado com o poder da montagem deste filme. Um trabalho realmente exímio, quase um personagem à parte, que transparece muito bem toda a angustia e loucura do protagonista. À parte isso, o filme ainda é brilhante em sua concepção, com uma direção cautelosa e, mesmo tratando de um tema tão explosivo, parcimoniosa. E a performance de Gian Maria Volonté é absolutamente estonteante - visceral e urgente, como o próprio filme em si.
O Mensageiro Trapalhão
3.7 37Excelente comédia de um Jerry Lewis que, na direção, soube inserir muito bem diversos elementos de reflexão sobre seu próprio papel na sociedade como comediante e estrela de cinema. A sequência de Lewis representando a si mesmo em frente a uma multidão de adoradores comprados não apenas é hilária, mas também é de uma genialidade crítica ferrenha. Além disso, o comediante acerta por apostar em um filme fora dos padrões da época, confiando muito mais que suas esquetes inteligentes são capazes de sustentar um filme com pouquíssimo (ou nenhum) enredo. Dessa forma, "O Mensageiro Trapalhão" é um filme que promete pouco e vai muito mais além do que promete - com direito a um encerramento emocionante e ácido.
O Homem-Urso
4.1 143 Assista AgoraHerzog se interessa pela verdade não para apenas retratar acontecimentos atípicos e memoráveis, mas para estudar como estes constroem ou destroem o caráter humano. "O Homem-Urso" rapidamente abandona o interesse pelos feitos ecológicos do protagonista e passa a explorá-lo como a pessoa perturbada e excêntrica que era. Grande filme, repleto de passagens emocionantes e muito fortes. E a maior tristeza de sua morte não se relaciona a ter morrido por ursos, mas sim ter vivido uma vida tão inquieta, incapaz de se relacionar conosco, humanos.
Gêmeos: Mórbida Semelhança
3.7 193Interessantíssimo estudo de personagens, esse filme de Cronenberg. Muito mais complexo do que eu imaginaria. A relação dos dois irmãos é estabelecida de forma inicialmente sutil, mas que vai progredindo para dinâmicas perturbadoras até culminar em um encerramento estarrecedor. É hábil a forma como o diretor usa de detalhes e elementos específicos de cena para dar pistas sobre o que irá acontecer, e como costuma nortear o espectador através do uso de cores e de detalhes nos trejeitos das personagens protagonistas. Um filme perspicaz, que sabe usar a duração ao seu favor, onde o impacto surge não pela aversão a uma sequência específica, mas a um comportamento problemático progressivo.
The Silenced
3.1 116O filme é um tanto mal desenvolvido, não apenas por criar uma ambientação que soa forçada, mas também por ter sérias dificuldades em manter qualquer clima de suspense ou uma trama minimamente interessante. Assim, o terceiro ato já surge desvalorizado e decepciona por uma conclusão preguiçosa e arrastada, mesmo que tenha sido filmada como um fechamento dinâmico e aventuresco.
O Lamento
3.9 431 Assista AgoraGrande homenagem aos filmes de fantasma japoneses, parece mesclar muito bem a forma madura e sensorial de encarar os espíritos de "Contos da Lua Vaga", do Mizoguchi, com a ambientação inquietante e macabra de "Kwaidan", do Kobayashi. Comparações à parte, o filme ainda sobrevive como thriller policial e terror psicológico, onde o que mais assusta são as consequências do inesperado na vida das personagens. Aos poucos, a narrativa vai tecendo um comentário muito oportuno sobre o choque da realidade com o desconhecido e quais as ferramentas que utilizamos para tentar entender esta interação (há aqui uma mescla de religiões e filosofias espirituais). É um longa repleto de simbolismos que confia na sua capacidade de criar e manter a tensão para prender o espectador por mais de duas horas e meia, desde o público médio até o mais exigente. Infelizmente um filme que permaneceu escondido nas asas das maiores produções asiáticas do ano, mas ainda assim é um terror invejável e arrepiante, com algo mais a dizer.
Valerie e Sua Semana de Deslumbramentos
3.9 191 Assista AgoraEste longa conquista justamente pela beleza inerente que atrai o espectador a tentar decifrá-lo. Cada quadro é milimetricamente pensado e a fotografia genial só engrandece a empatia. É um conto de fadas adulto e muito perturbador sobre a perda da inocência e a repressão sexual. Consegue a graça de ser extremamente denso, carregado, mas ainda assim muito leve e fluido. Não apenas a obra-prima de Jaromil Jires, mas também um dos melhores exemplares da New Wave checa.
5 Centímetros por Segundo
3.9 383Tecnicamente o filme é irretocável. O detalhamento e esmero do design de produção é fascinante e cada frame é um quadro vivo de tão belo. Pena que sirva à um roteiro tão pobre. Não propriamente por ser preguiçoso ou de gosto duvidoso, mas por tratar as três histórias aqui mostradas através de personagens tão desinteressantes e situações repetitivas. O longa parece engatinhar e durante diversos minutos nada de muito construtivo se desenrola em tela. Não é à toa que a produção não consegue sustentar nem seu meros 63 minutos (divididos em 3 partes) sem soar arrastado e enfadonho.
No Silêncio de uma Cidade
3.8 22Pode não possuir o melhor roteiro dentre os filmes de Lang e nem o maior clímax de suas obras, mas certamente sabe criar e manter aquela atmosfera noir que atrai tantos cinéfilos à Hollywood da década de 40/50. O grande trunfo é que Fritz, como magistral diretor que é, entende seus erros e sabe compensá-los fortemente em diversas outras fortalezas deste seu filme. Assim, para um encerramento não tão grandioso quanto se esperaria neste tipo de narrativa, temos uma série de questionamentos sobre ética e moral postos ao espectador quando a sessão acaba. Grande noir muitas vezes ignorado na carreira do realizador austríaco.
Tom na Fazenda
3.7 368 Assista AgoraMea culpa: até o momento, este é o primeiro filme de Xavier Dolan que assisto. E o escolhi para ser meu primeiro contato com seu cinema justamente por uma afinidade ocasional que senti à aura que o cerca (confesso que as comparações com Hitchcock me estimularam um tanto também). E certamente preciso assistir a mais de seus trabalhos e atestar o que me parece bem nítido aqui: o amadurecimento de um cineasta novo e não tão experiente assim, que parece ter pisado pela primeira vez em solo adulto e sentido a responsabilidade de contar uma história polêmica com toda a complexidade e cuidado que ela merece. De fato, o filme é tecnicamente muito interessante e lança mão de técnicas nada sutis para transmitir sensações (como a mudança brusca da razão de aspecto em algumas cenas) - o que, bem empregado, se mostrou um atrativo a mais. Além do que, a relação construída entre a dupla de protagonistas é retratada de forma notável por um roteiro lento e pausado, que sabe muito bem o que dizer e quando dizer. Só não é uma obra exemplar pela forma como se desvirtua totalmente no ato final, apresentando uma terceira personagem que se revela, além de dispensável, dona de atitudes totalmente incoerentes com tudo que se tinha visto até o momento. "Tom na Fazenda" se encerra cambaleando, um tanto infantilizado, mas ainda apresenta um desenvolvimento digo de gente grande.
O Presidente
4.0 6Logo em seu primeiro filme, o gênio Dreyer demonstra as preocupações e anseios que o atormentarão ao longo de toda sua carreira. Ao realizador, pouco importa o acontecimento em sua forma bruta, mas o modo como este afronta as crenças e costumes de seus personagens - o quanto influencia em suas decisões e maneira de enxergar a vida. A roupagem aqui é fiel ao tom de todo o resto da obra de Dreyer, emanando um clima melancólico e (por que não?) um tanto paranoico. E o encerramento surge como um rasgo de tristeza e melancolia na vida de personagens que pareciam fadados ao desastre desde o início.
O Rei da Comédia
4.0 366 Assista AgoraComédia de situações brilhante de Scorsese, sem dúvidas um de seus filmes mais subestimados. Incrível como usa da ironia implícita para tecer uma crítica social gigante sobre a influência midiática na vida de um cidadão aparentemente comum. Fascinante também o modo como De Niro e Scorsese se entendem, mesmo um estando à frente e o outro atrás das câmeras. É possível sentir a química e o entrosamento de um realizador dirigindo seu companheiro de carreira. E além de tudo ainda apresenta um Jerry Lewis despido de seu personagem costumeiro mas mesmo assim fazendo rir simplesmente pela ausência do tom cômico.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista AgoraTrabalho absolutamente magistral do (quase) estreante Barry Jenkins - visceral e universal. A técnica impecável (seja a fotografia deslumbrante ou a montagem fabulosa) respalda um roteiro genial e uma direção de condução lenta e cirurgicamente precisa. "Moonlight" é o choque entre ideais de uma sociedade ainda arcaica e a revolução cultural de uma nova época. E para além de tudo, é um estudo de personagens brilhante, de forma que o final (anti-clímax para alguns)
soa como uma exposição inquietante dos traumas que os cercam e é mais que suficiente para encerrar a projeção deixando quem o assiste aterrorizado -
Tanna
3.3 73 Assista AgoraO grande problema é o filme auto-sabotar a própria proposta. Logo nos créditos inicias, o espectador é apresentado a um letreiro orgulhoso anunciando que todos os atores são nativos e que o longa é apresentado no idioma desta tribo - implantando expectativas de que algo a mais poderia surgir dessa abordagem atípica. Mas não tarda para que o filme mostre sua falta de originalidade e entusiasmo, transformando a jornada dos protagonistas não apenas em um emaranhado de situações desinspiradas, mas também carentes de qualquer originalidade que se prometia no início. O longa parece apostar nas belezas naturais da floresta para mascarar um roteiro péssimo e mal conduzido pela direção frouxa. O tipo de filme que poderia ser dirigido por qualquer um, em qualquer idioma e qualquer local do mundo, reduzindo o potencial da novidade anunciada nos créditos a um mero detalhe que logo deixa de importar.
Vida, Animada
3.9 59Fico feliz que um dos documentários mais belos dos últimos anos tenha sido reconhecido pela seleção do Oscar e irá atingir a vida de muito mais espectadores que teria se caísse no ostracismo. Acontece que "Life, Animated" é o exemplo de vida imitando a arte. O tipo de história tão incrível que dificilmente você acreditaria ser verdade se alguém lhe contasse. E o mais encantador é comprovar o papel transformador e edificante da arte na vida de cada ser humano que se propõe a entendê-la e senti-la plenamente.
Manchester à Beira-Mar
3.8 1,4K Assista AgoraO processo de perda é amplamente explorado nos diversos formatos de arte. Principalmente no cinema - a mais sinestésica delas. Mas há alguns anos não se lançava um filme sobre luto tão sensível e delicado quanto esta pequena obra-prima "Manchester à Beira-Mar". O filme é de uma sutileza tão grande, mas ainda assim de uma dor lancinante. Uma daquelas pérolas onde cada elemento se encaixa para representar acertadamente um contexto maior. Não apenas a fenomenal performance de Casey Affleck (certamente o melhor desempenho de sua carreira) demonstra a falta de esperança de um personagem morto por dentro, mas também toda a técnica ao seu entorno. A fotografia absolutamente deslumbrante (que filma o protagonista sempre separado do mundo por vidros e janelas fechadas) parece encontrar beleza no meio do desespero e transformar um simples ramo florido ou um reflexo de barco no mar em algo monumental. Assim como a montagem, que costura muito bem o passado do personagem de Affleck, reforçando a sensação de que este não conseguirá vislumbrar seu futuro enquanto seus traumas ainda o perseguirem. No fim das contas, este é um longa verdadeiro, de pessoas reais e histórias da vida. Nem tudo se resolve de maneira heroica, mas todos sempre se adaptam ao final - como todo bom ser resiliente.
Estrelas Além do Tempo
4.3 1,5K Assista AgoraApesar de sua irregularidade, é um filme despretensioso e que possui um coração gigante. Com um roteiro afiado em suas críticas sociais e políticas, expõe um tema de extrema importância com toda a delicadeza e competência. Certamente não é o filme mais bem realizado do ano (tecnicamente não possui nada de muito destacável – exceto a competente direção de arte), nem mesmo o mais bem interpretado. Mas ainda assim é um projeto importante que merece a notoriedade que conquistou.
Até o Último Homem
4.2 2,0K Assista AgoraCertamente este é o tipo de filme reconhecido muito mais por mostrar à Academia o que querem ver que propriamente pelos seus méritos fílmicos. Desta forma, indicado às principais categorias do Oscar 2017, tem-se este filme irregular e manipulador. Muito aquém, inclusive, da própria filmografia trôpega de Mel Gibson como diretor. Com um primeiro ato desandado, o filme não decide muito bem o tom que pretende adotar e acaba passeando por diversas abordagens sem se focar em nenhuma – alterando sua lógica narrativa a cada novo acontecimento e personagem. Felizmente, após o início da guerra, o filme se encontra e se transforma em uma obra bem mais coerente, de ritmo admirável, e técnica digna de nota. A mixagem e edição de som são imponentes, enquanto a belíssima trilha sonora só complementa a sensação de triunfo em batalha. E, apesar de todas as polêmicas, é inegável a eficiência de Gibson na direção de suas sequências de batalha, acrescentando um tom de desespero pela violência extrema que mostra em tela (e pontos também para a montagem eficiente, que confere urgência e agilidade às batalhas épicas) – ainda que seu trabalho atrás das câmeras seja corrupto e manipulador (notem como endeusa desesperadamente a figura do protagonista). No fim das contas, “Até o Último Homem” soa mais como uma desculpa para levar às telas longas sequências de sanguinolência que propriamente por um ideal maior. Mas ao menos uma desculpa bem orquestrada, vale dizer.