Como envelheceu mal, meu senhor... “Simplesmente Amor” é um dos grandes sucessos do britânico Richard Curtis, responsável pelos roteiros dos também adorados “Quatro Casamentos e um Funeral” e “Um Lugar Chamado Notting Hill”. Trata-se de uma comédia romântica multi-facetada que conta com um elenco de peso – alguns, inclusive, no auge de sua fama. Embora seja um filme divertido em vários momentos (como uma comédia romântica deve ser, pelo menos), LOVE ACTUALLY encontra, hoje, muitos problemas com suas piadas machistas, transfóbicas ou simplesmente preconceituosas. O arco de Colin Frissel, por exemplo, que encontra “amor” numa suruba com norte-americanas “dadas”, seria no mínimo revisto se este filme fosse lançado hoje. Assim ocorre com várias outras “piadinhas” expostas no longa, em menor ou maior gravidade. Não é um filme ruim, longe disso, mas certamente exige um desprendimento grande hoje para que possamos rir de situações “possivelmente cômicas” mas que só são, no fim das contas, reflexo e manutenção de preconceitos diversos que aquela geração vivia e que a nossa, inevitavelmente, herdou e mantém. Talvez, se este filme fosse menos problemático, seria lembrado com maior carinho pelas pessoas que o revisitam... Para hoje, ele envelheceu mal. Bem mal mesmo...
“Billy Mack: Olá, crianças! Aqui vai um importante conselho do seu Tio Bill. Não comprem drogas. Tornem-se estrelas do pop, e eles as darão de graça para vocês!”
Um clássico do ‘Terrir’, A Hora do Espanto é um filme dos anos 80 que tem toda a cara dos anos 80 – na vestimenta, nos cabelos, nos costumes – e o efeito dessa nostalgia hoje (ainda bem!), continua muito forte. Embora soe datado nos efeitos especiais (sobretudo na maquiagem) e involuntariamente cômico de vez em quando, FRIGHT NIGHT é uma grande pedida para um filme de mistério simples e direto ao ponto. Trata-se da estreia no cinema de Tom Holland, que viria a dirigir pouco depois o famosíssimo “Brinquedo Assassino”, que consagrou-o como uma referência no gênero. Chucky pode ser um boneco muito conhecido – e merecidamente, diga-se de passagem – mas é importante também voltar os olhos para este primeiro longa de Holland, principalmente pelo aspecto “juvenil” e “oitentista” que ele exala em cada cena, em cada fala, em cada clichê cinematográfico... Como narrativa/cinema, é um longa ok – não vai mais longe que a própria história que conta, mas faz seu dever de casa direitinho. Não é vanguarda estética e nem procura ser – trata-se de um filme que entrega o que precisa para ser um bom entretenimento, e, infelizmente, sê-lo já é estar acima da média, sobretudo no contexto deste subgênero. Um bom espanto!
“Peter Vincent: [brandindo um crucifixo] Sai pra lá, filho de Satã! Vampiro: [ri] Ah, sério? [Pega a cruz, quebra e joga longe] Vampiro: Você precisa ter fé para que isso funcione em mim!”
Não indico... HAPPY END é a sequência do aclamado AMOUR, filme do diretor austríaco Michael Haneke. Conhecido no mundo inteiro por seus filmes absolutamente incômodos, silenciosos e indigestos, Haneke lança em 2018 outro capítulo “mais do mesmo” para evidenciar o “mais do mesmo” real, tangível e insolúvel da burguesia que ‘cresceu e venceu’, e não sabe mais o que fazer de sua vitória. O tédio, marasmo no qual seus filmes se debruçam infinitamente, tem em HAPPY END mais um retrato dolorosamente seco, e quase insuportável – o celular pra distrair o tempo, a incomunicabilidade dos corpos que se sentam à mesma mesa todo dia, os abismos de interesses entre as pessoas de uma família que, embora tenham laços de sangue, não necessariamente têm laços afetivos. Haneke já havia explorado a temática antes (e de forma muito menos “despojada”) na sua chamada Trilogia da Incomunicabilidade, que inclusive recomendo a todas as pessoas que tenham curtido HAPPY END. São três filmes entre 1989 e 1994 que abordam a desesperança, o absurdo e o tédio, este mesmo tédio que vitima quase todos os seus personagens, e em ambientes bem semelhantes – o seio familiar, a metrópole e a formação dos indivíduos na infância. Por sentir que Haneke disse aqui o que já diz há décadas em outras (e mais impactantes) produções, HAPPY END não se destaca nem como cinema nem como obra no contexto da filmografia dele. Se você não viu, prefira os trampos que ele lançou nos anos 90 – aquilo ali é retumbantemente bom. Não indico este aqui.
Um pedaço de pesadelo misturado com conto para crianças! CORALINE é um filme estranho – uma animação em stop-motion que tangencia temas muito pesados ao passo que, pela estética “infantil”, pode ser facilmente consumida pelo público mais novo, que tanto gosta de animações. A trajetória de Coraline no ‘Mundo Secreto’ pode ser encarada como uma metáfora para muitos aspectos da vida, e o estranhamento que o filme causa ressoa bem depois de ser assistido pela primeira vez. Dirigido por Henry Selick (“O Estranho Mundo de Jack” e “James e o Pêssego Gigante”) e escrito pelo talentoso Neil Gaiman, o filme flerta com a estética mórbida que tornou famosos os trabalhos do diretor nos anos 90, aliada a uma técnica de animação de ponta que havia na época. É um longa macabro que tem muitos pontos altos; a exploração do bizarro/absurdo para um público infanto-juvenil, um roteiro bem cadenciado e resolvido e uma rara pitada de humor, que tira a tensão de algumas cenas bizarras... Não sei se assistiria com uma criança de uns 6, 7 anos – o filme tem momentos absurdos demais mesmo para os adultos – mas definitivamente é um dos que se firma na memória, seja pelo estranhamento, seja pela protagonista super carismática ou mesmo pelo conjunto da obra. É um passeio estranho, mas muito revigorante também. Vale a pena.
“The Other Mother: They say even the proudest spirit can be broken with love.”
“Arte não vende a não ser que você transe com todas as autoridades”. Melanie Martinez é um achado. Depois de estourar com seu primeiro álbum CRY BABY, a aclamada artista planejou o lançamento de um segundo, acompanhado por um longa-metragem escrito, dirigido e estrelado por ela mesma. As polêmicas que a envolveram e a demora absurda para o tratamento de cor atrasaram demais este projeto, que teria saído cerca de dois anos atrás, mas que ficou em pós-produção até agora... K-12 é um filme musical cujas canções são as que compõem o álbum de mesmo nome, que foi lançado ao mesmo tempo. Ambicioso, o projeto é uma continuação da temática “infantil/macabra” de CRY BABY (incluindo discretas citações de clipes anteriores, como “Sippy Cup” e “Dollhouse”). Bulimia, bullying, assédio, professores pedófilos: temas polêmicos, complexos e muito bem adereçados pela verve (impressionantemente madura) de Martinez, que é talvez a única artista pop a conseguir lançar um projeto desta natureza com esta idade. Contudo, embora tenha dito que o longa era uma história com início, meio e fim, Melanie não parece ter conseguido completar um arco ou mesmo construí-lo sob estruturas sólidas o suficiente. De fato, todo o trabalho fotográfico, indumentário e cenográfico de K-12 é da mais alta costura, mas o mesmo não pode ser dito sobre o enredo do longa... A história de Cry Baby, no que tange a narrativa e o seu desenrolar, é colocada em segundo plano para favorecer a estética (impecável) que o filme apresenta. Este é quase aquele caso das “molduras bonitas para quadros sem sal”, com a exceção das letras das canções, que continuam na mesma pegada (forte, crítica e ácida) do álbum anterior. No mais, só pelo caráter trans-midiático que este filme/álbum/turnê possui já se justifica uma olhada a fundo neste projeto. Quer você curta o som de Melanie ou não, o filme tem mensagens muito importantes para meninos e meninas, elas que passam por tantas situações na escola e que, infelizmente, continuam passando depois que acaba a “12th grade” (terceiro ano). K-12 é um microuniverso da sociedade contemporânea, como também é a escola, e este longa é uma maneira de pensar que relações aí se dão. Um bom filme. Um ótimo álbum.
"Eu nunca assinei para entrar no seu Clube de Teatro".
Fan service é isso, né, gente? EL CAMINO vem no aniversário de 10 anos de estreia de Breaking Bad, ambos escritos e dirigidos por Vince Gilligan, e toma lugar nos momentos imediatamente finais da série, quando o destino de Jesse Pinkman se apresenta de maneira nebulosa (para dizer o mínimo). Embora tenham sido anos de intervalo entre as aclamadas cinco temporadas de Breaking Bad e este filme, é quase como se tivesse sido gravado naquela época; Aaron Paul parece mais calvo, mas é só isso que realmente difere as duas montagens... É chato de dizer, mas este longa não parece se sustentar sozinho. Isto mais se assemelha a um episódio parado da quinta temporada que uma obra completa, exatamente – aqui, a intenção é dar respostas sobre o paradeiro de Jesse pós-Heisenberg, mas, como um filme independente, EL CAMINO não é lá uma experiência tão proveitosa... Primeiro, por ser muito longo; segundo, por resolver menos do que podia (o núcleo familiar de Walter, a família de Hank, vários arcos que foram ignorados em proveito do de Pinkman). E, em terceiro, o marasmo/lentidão de um projeto que, no fundo, não é nada parado – sobretudo Jesse, que sai da última temporada como um verdadeiro foragido. Embora tenha-se feito todo um auê em cima desta produção, no fim das contas ela é chocha e tem toda a cara de um fan service (aquele filme que só fãs dedicados vão gostar). Em uma comparação justa, é como a receptividade, em Cannes, daquele filme de 1992 de Twin Peaks, dirigido e escrito pelo David Lynch: o longa se pretendia uma resposta sobre os últimos dias de Laura Palmer, mas não entregou mais do que os fãs já sabiam, e o resultado? Vaias aos montes a um projeto que, no fim das contas, não tinha tanto assim para acrescentar ao conteúdo canônico das temporadas da série... É mais ou menos como se poderia ver EL CAMINO, se fosse material para Cannes. Não se sustenta e, no fim, não vai mais longe que um fan service chocho. Mediano.
“Walt: Você é muito sortudo, sabia? Você não teve que esperar toda a sua vida para fazer algo especial.”
Nada mal para um feijão-com-arroz... O conhecido diretor James Wan, criador dos "Jogos Mortais" e de alguns outros sucessos do Terror, retornou às telas com a continuação do que seria mais uma franquia bem-sucedida por ele iniciada: "Invocação do Mal", que mais tarde resultaria em spin-offs como "Annabelle" e "A Freira" (péssimos, aliás...). Embora já se perceba que esta fórmula “monstro horrendo que destrói tudo + breu total + jumpscares” apresenta mais sub-produções e filmes sem sal que antes, os trabalhos de Wan geralmente subvertem essa lógica. THE CONJURING é uma ode ao terror comercial da última década, com seus clichês mas que, ainda assim, funciona bem como representante do gênero. Sua sequência, que é este filme, segue o mesmo padrão e, apesar de não inovar ou superar o antecessor, ainda é o melhor que dá para ser em questão de linguagem do tal “terror-pipoca”. Combinando os clichês do gênero com as características já descritas, "Invocação do Mal 2" segue o casal Warren em mais um caso real, o Poltergeist de Enfield, que foi o exorcismo melhor documentado da história estadunidense. Patrick Wilson e Vera Farmiga continuam passando segurança e entregando em suas atuações papéis até profundos para um filme como esse; há boas cenas de tensão/suspense e bons contra-balanços de calmaria (em especial, uma cena com voz e violão ali no meio que funciona muito bem!). Em contrapartida, o filme dura talvez mais que o necessário para se fazer entender – esta história não precisava de quase duas horas e vinte – e os sustos são todos repetitivos e previsíveis... De qualquer forma, sigo pensando que a sequência deste filme, THE CONJUNRING 3, a estrear em 2020, não será nada mal – sobretudo se comparada com os spin-offs de "Annabelle" e "A Freira". Embora não seja o tipo de filme que traz novidades na seara de horrores maiores, a franquia “Invocação do Mal” está longe de ser ruim; por isso mesmo pode ser visitada sem receios... Divertido. Um bom feijão-com-arroz.
“Bill Wilkins: Esta é a minha casa! ESTA É A MINHA CASA!!”
Uma emocionante e inesquecível ode ao cinema. CINEMA PARADISO é um longa que discorre sobre o amadurecimento – e a inexorável passagem do tempo – na vida de um menino que se torna homem. Toto, como é chamado, conhece um projetor de filmes chamado Alfredo num pequeno cinema de sua cidade, o Cinema Paradiso, e é neste lugar que desemboca entre os dois uma verdadeira (e belíssima) amizade. Passado entre os anos 40 e 70, o filme narra o encontro, o desencontro e o reencontro de Toto com Alfredo, com o Cinema e com a sua cidade – seus antepassados, seus colegas antigos e suas imortais permanências. Todo o solo onde pisa é imanente, perene, fiel; tudo que ele observa já veio, e chegou, como a Boa Nova a ser sempre cantada, como uma melodia que nunca é esquecida. Toto retorna adulto à cidade que o criou e se re-conhece nas pessoas, nos objetos de sua infância e nos filmes do cinema... O “Paradiso” ainda está lá, no mesmo prédio, na mesma forma, mas algo mudou – o tempo passou, e não somos mais quem éramos no início. Quem diz se isto é bom ou ruim é a própria vida que a gente viveu (e qual a nossa relação sincera com o que a gente escolheu para si). CINEMA PARADISO é o passado, o presente e o futuro de uma pessoa, de várias pessoas, de várias vidas em comum. É uma das grandes contribuições italianas para a coleção de filmes imortais que o Cinema ajudou a fazer desembocar. Um longa apaixonado e apaixonante sobre a importância da arte na vida e formação de pessoas caridosas, empáticas e principalmente boas, como é a bondade pura de Toto, absoluta, irrestrita e cabal. O bem é total, e o Todo é bom. Uma criança feliz e apaixonada é um futuro que brilha, que frutifica. É um furto, é um fruto possível - É o próprio Paraíso.
"Alfredo: Saia daqui! Volte para Roma. Você é jovem e o mundo é seu. Eu sou velho. Não quero mais ouvir você falar. Quero ouvir outros falando sobre você. Não volte mais. Não pense sobre nós. Não olhe para trás. Não escreva. Não caia na nostalgia. Esqueça-nos completamente. E se você voltar, não venha me ver. Não vou te deixar entrar em minha casa. Entendido? Toto: Obrigado. Por tudo que você já fez por mim. Alfredo: O que quer que você acabe fazendo, ame-o. Ame-o como você amou aquela sala de projeção quando você era pequeno."
A aposta da Netflix na ficção científica brasileira começa a apresentar claros sinais de esgotamento... 3%, série produzida pelo maior serviço de streaming do mundo, chega a sua terceira temporada com mais falhas que acertos. A produção tem êxito principalmente na parte técnica: colorismo, fotografia, cenários e indumentária seguem bastante bem, alcançando aí um patamar no nível das novelas da Globo, se dá pra colocar assim. A trilha e edição de som idem, apesar de chamarem menos atenção agora. Os problemas são dois: o elenco e o roteiro. O elenco, capitaneado pela Bianca Comparato [Michele], ostenta maniqueísmos e atuações caricatas demais para ser levado a sério. Vaneza Oliveira, a Joana, parece só saber estar inconformada e gritar o tempo todo. Rodolfo Valente [Rafael] e Cynthia Senek [Gloria] têm muito destaque mas performances sofríveis – mais ele do que ela –, e isso faz com que o único que tenha realmente estofo, e seja tolerável de assistir e seguir seu arco até o fim, é o Rafael Lozano [Marco], até pelas reviravoltas que rolam com ele. No mais, os quase-figurantes não chamam atenção e tudo fica meio que por isso mesmo. O roteiro se sedimenta em bases frágeis. Todo o movimento do Maralto em relação à Concha é questionável – por quê toda a temporada gira em torno de um lugar que não interessa ao Maralto, e principalmente não o afeta de nenhuma forma? Pessoas rejeitadas ou que rejeitaram o Processo, e que passaram a viver fora de seus contornos, representam ameaça tal que precise ser monitorada assim? As atitudes “em manada”, de todo o povo da Concha contra qualquer coisa que represente tanto a Michele quanto o Maralto soam como uma crítica à polarização esquerda-direita que elegeu o Bolsonaro neste país, mas esta crítica é um subtexto raso e até insuficiente para justificar assistir à esta produção... Além disso tudo, mesmo os fãs das primeiras duas (excelentes) temporadas parecem ter sentido os sinais de esgotamento de ideias daqui. Talvez tenha a ver com a Dani Libardi, diretora solo nesta temporada, que nas anteriores trabalhou em quarteto para dirigir os episódios (com Daina Giannecchini, Jotagá Crema e Philippe Barcinski). A série, segundo a própria Netflix, ganhou a confirmação da quarta (e última) temporada recentemente. Poderá ser um suspiro impressionado ou aliviado: impressionado por um final impactante, que resolva todas as questões abertas pela história, ou aliviado por ter acabado antes de virar uma franquia de quinze temporadas (como ocorre com algumas produções na Netflix)... Esta daqui não desceu. Bateu até uma vergonha... Tomara que melhorem até o ano que vem!
“Michele: Eu não fui justa. Não existe um processo justo.”
E vamos de volta a Gilead... THE HANDMAID’S TALE chegou com o pé na porta dois anos atrás com a história de June, uma mulher que é capturada por uma teocracia em crescimento que toma conta dos Estados Unidos. Futurista, alarmante e gravíssima, a série tem ganhado audiência no mundo todo, e aumentado a popularidade da Hulu, a plataforma de streaming que tem se lançado como concorrência principal da Netflix nos últimos anos (junto da HBO). Com a exceção de um episódio (o nono), esta temporada segue implacável e impecável como as anteriores. A dura realidade distópica de Gilead tanto para Aias quanto (agora) para esposas e comandantes parece intransponível, mas germina nas mulheres um mundo novo, que-há-de-vir, em que a esperança e a paz hão de reinar para sempre. June, desta vez não mais “Ofjoseph” ou qualquer outro nome de posse, passa gradativamente a responder a ofensas e ordens de quem estiver pela frente. Nesta temporada, diferentemente de tudo que veio antes, June começa a fortalecer laços com suas aliadas e efetivamente criar um movimento contrário à ditadura teocrática de seu país. Margaret Atwood está lançando mundialmente a sequência do livro “O Conto da Aia”, que em breve chegará às livrarias do Brasil, e me pergunto o quanto da série já está no livro e o quanto só saberemos ao lê-lo de fato. Em entrevista ao El País no mês passado, ela disse que “sentiu que precisava escrever uma sequência [para ‘O Conto da Aia’] porque os problemas das mulheres hoje não são os mesmos que eram nos anos 80”. Na opinião da autora, a mulher ocupa hoje outro papel na sociedade, e embora tenhamos avançado em termos de direitos igualitários, certas estruturas se perpetuaram e – pior – se adaptaram à nova conjuntura. Como muito na série que é revisto e retorna ainda mais opressivo, Atwood escreveu talvez a obra ficional mais importante sobre o problema da mulher da nossa década. Creio que seguirá (infelizmente) atual, necessária e importante. Esta temporada é um exemplo exímio do que é destreza ao escrever sobre o sofrimento alheio. Super vale a pena. É duro, mas será pelo melhor. Pelo melhor para elas.
“Comandante Lawrence: Eu fiz a minha escolha. June: Não é sua escolha. Homens, patológicos do caralho... Você não está no comando. Eu estou. Então vai para a porra do seu escritório e acha um mapa pra mim. Obrigada. Comandante Lawrence: Ainda é a minha casa! Minha casa, senhorita. June: Você realmente acha que esta ainda é a sua casa?”
Em se tratando de esmiuçar o movimento Afrofuturista, HIGH TECH SOUL é um documentário que aborda o surgimento da música techno em Detroit, o berço da música eletrônica na cultura hip-hop dos Estados Unidos. Estruturalmente, este aqui vai bem mais longe que o documentário SAMPLE THIS!, que aborda o surgimento da cultura hip-hop em si, a partir de um disco de Bongo Rock. HIGH TECH SOUL é um retrato dinâmico e curto do processo esmiuçado que empreenderam os primeiros DJs do mundo, nas primeiras “nightclubs”, e com os aparelhos mais arcaicos possíveis. Com entrevistas dos próprios DJs e opiniões polêmicas acerca do movimento, o doc acerta em ser simples e direto ao ponto, não dando vazão para intervalos ou encheções de linguiça. No mais, é um assunto muito interessante, principalmente se colocado em referência ao movimento Afrofuturista em voga, com a pessoa negra na posição central de um momento tecnológico vanguardista do futuro. Entre este e SAMPLE THIS!, este aqui leva mil vezes. Brabo!
Uma boa continuação – talvez a única possível – para o que veio antes. IT 2 chega aos cinemas dois anos depois da estreia do primeiro, que, como no livro, conta a parte da história que se desenrola na infância dos protagonistas do “Clube dos Otários”. Ambas as produções apresentam as características básicas de um filme de terror (os jumpscares, o constante uso de sombras/escuridão, o antagonista unidimensionalmente mal e a violência desmedida), mas IT 2 chama a atenção pela edição ágil e pelo refinamento dos efeitos especiais, embora não vá muito mais longe que isso. Passar um livro de mais de mil páginas para a tela seria quase impossível, sobretudo se fosse com todas as cenas que nele ocorrem. Me impressionou muito o fato de usarem aqui elementos como o ritual de Chüd e a morte de Adrian Mellon (interpretado pelo incrível Xavier Dolan!), mas alguns pontos ficaram realmente soltos, como a relação de Henry Bowers com Pennywise e o namorado abusivo de Beverly Marsh, que aparece no início mas logo depois é engolido pela trama. No fim das contas, é um divertimento justo – um longa que tem momentos de tensão, de repouso e também seus exageros de ambos. Ainda penso que o filme de 91, mesmo tendo 3 horas, supera ambas as adaptações recentes juntas; apesar de limitado pela época em que foi produzido, aquele ainda ressoa pela notável construção da narrativa que, mesmo com tanto tempo, respeita a lógica do livro e não enfia exageros roteirísticos goela abaixo. Talvez seja a única continuação possível para o anterior, em questão de qualidade...
“Beverly Marsh: January embers. Ben Hanscom: My heart burns there, too. Beverly Marsh: It was you.”
Um documentário mediano sobre um assunto alarmante... Assim como o “Driblando a Democracia”, de Thomas Huchon, PRIVACIDADE HACKEADA aborda o envolvimento da empresa Cambridge Analytica com os disparos de fake news e a campanha eleitoral de Donald Trump. Buscando examinar detidamente os empregados da C.A., o doc passa pelos gigantes da computação que construíram os big datas e põe em evidência pessoas que terceirizaram o seu acesso (incluindo Mark Zuckerberg, criador do Facebook, no notável julgamento que rolou sobre a rede anos atrás). Explicando de maneira um pouco confusa na primeira meia-hora, o longa de Jehane Noujaim e Karim Amer explora os desdobramentos da propagação de determinados conteúdos para determinadas personalidades delimitadas pelas plataformas digitais. Apesar de colocar uma cara possível para os autores da eleição de Trump (a Cambridge Analytica junto com o seu chefe de campanha), o longa não traz tanta novidade à mesa – a maior parte das informações já é até senso comum, de tão batidas. Passando pelo exemplo da eleição de Bolsonaro aqui, é no mínimo fundamental que não percamos a atenção em relação ao uso que fazemos das plataformas digitais, sobretudo o Google e o Facebook. Que existe um complexo movimento de mapeamento de interesses e personalidades da população mundial, isto é um fato – o que nos resta é repensar o uso que fazemos desses mesmos aparelhos e que relação devemos realmente construir com eles. É um documentário de alerta, mas só para quem nunca tinha ouvido falar em big datas e nos processos pelos quais o Facebook passou nos últimos anos. Adianto uma resposta possível: parar de usar o telefone senão para a comunicação direta, interpessoal – talvez a saída esteja em não nos deixarmos tornar mercado/mercadoria para empresas que terceirizem o nosso conteúdo. No fim das contas, o movimento para que os Direitos Digitais sejam incluídos nos Direitos Humanos (para que seja ilegal o vazamento dessas informações) é super importante, mas talvez nós, que vivemos nesta época, não cheguemos a pegar a mudança deste panorama. Talvez só quem vier depois de nós vai saber. Alarmante - mas mediano como um doc.
“Brittany Kaiser [para o comitê]: Eu recebi ofertas de introdução para clientes que recusei conhecer antes, como a Alternative na Alemanha e a campanha da Marine Le Pen. Eu recusei até pegar no telefone pra falar com eles.”
É aquela coisa do falso-horror, né... MIDSOMMAR é o segundo trabalho do premiado diretor Ari Aster, que deslanchou após o inesquecível “Hereditário”, de 2018. Este ano, Aster retorna às telonas com um filme melhor fotografado, mas sem sustância e nem um roteiro que faça jus às mais de duas horas e meia de experiência. “O Mal Não Espera a Noite” (aliás, uma péssima sugestão de nome da tradução brasileira...) flerta com o Novo-Terror, gênero que a produtora A24 tem feito desembocar com maestria nos recentes “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, “A Bruxa” e o próprio “Hereditário”. São filmes que subvertem as produções formulaicas de narrativas vazias, que conhecemos há muito tempo; todos têm em comum o pacing lento, a ausência de jumpscares, o uso dos ruídos e silêncio na trilha e uma fotografia estonteante, quesito no qual este aqui desbanca todos os outros. Porém, filmes não são só fotografia, e MIDSOMMAR falha mesmo nos elementos que deviam ser seus pontos fortes. A frágil construção dos antagonistas e de sua cultura, combinada com o parco background que temos de Dani e seus “amigos”, compromete o longa de forma irreversível, fazendo-o se estender mais do que precisava pra contar sua história de redenção e amor pelo absurdo – sua história, no fim das contas, de auto-aceitação. O processo que leva o casal ao solstício de verão na Suécia dura quase uma hora inteira sem necessidade, e a coisa toda engata lá pelas duas horas de longa, quando finalmente temos indícios de onde a história quer chegar. Discutir a simbologia desta ou daquela cena bizarra me parece muito pouco, sobretudo para a quantidade de tempo necessário para a produção do longa: foi quase um ano que Aster teve para entregar este projeto, que, convenhamos, foi uma produção mais corrida que o longa anterior. A desorientação do roteiro, apesar da boa montagem e composição do filme, compromete todo o resto: MIDSOMMAR teria sido mais instigante se fosse mais enxuto, com até meia hora a menos, e se tivesse um enredo de maior profundidade e menos "lentidão" inóqua, sem-razão-de-ser. Falso-horror vendido como thriller psicológico - este aqui não rolou.
“Siv: [in Swedish] This high my fire. No higher. No hotter!”
Este documentário foi longe demais... SAMPLE THIS questiona onde nasceu o "sample", e busca adereçar as origens da cultura hip-hop/rap a partir do lançamento e ressignificação do disco "Bongo Rock", do grupo Incredible Bongo Band, pelos primeiros DJs da época. Porém, muita coisa desanda no documentário de Dan Forrer – sendo a mais notável a inexistência de uma direção clara para o assunto, de um fio condutor que justifique o que a gente assiste aqui. O doc, que era pra ser sobre o hip-hop e o sampling, passa quase uma hora falando da história do disco esquecido de “Bongo Rock” e quase realmente esquece o assunto do qual se trata (no meio do caminho, inclusive, são citados Charles Manson, George Harrison e um ex-baterista do álbum de Michael Viner que assassinou a própria mãe). O documentário não sabe aonde quer chegar nem como chegar lá. A história é contada de maneira confusa através dos depoimentos de entrevistados demais, que não parecem se encaixar nunca com o tema escolhido. Demora quase uma hora para sermos introduzidos aos reais protagonistas desta história – os MCs e frequentadores daquela cultura germinal, em estado de poesia, que encontrou no sampling uma maneira inédita de se expressar. Enfim, SAMPLE THIS é certamente outra das bombas que está na Netflix – o assunto do doc é super interessante, mas a experiência em si é sofrível e pouco proveitosa para o que se propunha a ser. No mais, é só um filme ruim, que não tem muito em sua defesa. Há inúmeras outras séries e filmes, inclusive na Netflix, que abordam o tema de maneira mais efetiva – é só catar melhor. Evitem.
Agora sim! Em sua penúltima temporada, a série estadunidense THE AFFAIR retoma o fôlego perdido na anterior e entrega uma narrativa complexa e suficientemente íntegra – beirando a qualidade do primeiro roteiro. Aqui e ali se percebem excessos, sobretudo numa personagem nova que é inserida no arco de Noah, mas a produção, num geral, supera os fracassos da temporada anterior com bastante folga. Talvez a entrada de Sarah Sutherland no time de roteiristas Hagai Levi, Sarah Treem e Sharr White tenha surtido um efeito positivo. Falo do roteiro porque esta produção, em específico, tem uma dedicação especial à complexidade da narrativa, expandindo-a para os pontos de vista dos personagens para além do casal do “affair”. As perspectivas sempre foram a premissa básica e o diferencial da série, que na instalação passada não foram tão bem aproveitadas... Mas aqui, com toda a certeza, vemos novidade e frescor para os desdobramentos do caso entre Alison e Noah. Sim, há despedidas, há desfechos pouco claros e há becos sem saída, mas a série certamente voltou ao patamar original de boa condução e bom fluxo narrativo. Embora o episódio final não tenha tanta “cara” de finalização, o conjunto se justifica e também justifica a conferida à quinta, que ainda está sendo exibida pelo ShowTime. Assistam! Se curtiram as duas primeiras, com certeza esta quarta vale a pena!
“Noah: Por que estamos sentados aqui embaixo? Há um banco perfeito ali do lado! Helen: Eu quero ficar no nível do chão.”
Petra Costa, a notável documentarista brasileira, constrói em seu primeiro longa um retrato poético (e por isso mesmo triste) sobre sua irmã, Elena, e o doloroso processo de luto pelo qual sua família passou depois de seu suicídio. Tendo perdido sua irmã muito nova, Petra revisita e reprocessa detalhes de sua trajetória familiar, buscando imagens antigas das meninas e discorrendo sobre a dor, o choque, e a melancolia que dominou os dias que vieram (tomando inclusive os olhos de sua mãe, e afastando seu pai de qualquer conversa a respeito). Para quem não sabe da história, o documentário é um momento na vida da cineasta e uma tribulação particular pela qual ela passa, talvez na intenção de atravessá-la completamente. Faz-se necessário abraçar o caos como também as pessoas no caos, e reconhecer quem, no meio do inferno, não é inferno – e preservá-lo, e abrir-lhe espaço. É um belo filme sobre crescimento, maturidade e memória, e embora tenha, aqui e ali, passagens um pouco desnecessárias ou repetitivas, a narrativa é arquitetada com a destreza de quem soube articular o próprio luto e torná-lo arte, e uma das mais complexas, que é a arte do cinema. Como experiência estética/sensorial e até literária, trata-se de um grande filme, para ser digerido aos poucos, um momento de cada vez... Lindo demais...
"Elena: Bem, estou adoecida de amor. Põe a mão em mim, que eu viro água. Volta, me escolhe, me leva."
Então... Reconheço e aprecio imensamente o esforço de Charlie Brooker de continuar escrevendo para a série britânica-estadunidense BLACK MIRROR, que encontrou ali pela terceira/quarta temporadas seu auge de popularidade e, nos últimos anos, tem caído em desaprovação popular e crítica, apesar de conquistar aqui e ali prêmios internacionais importantes (Emmy, GLAAD e British Academy, pra citar alguns). Reconheço mesmo, apesar de pensar a experiência total da série como, a esta altura, mais desfavorável que favorável pela quantidade de episódios/filmes que gerou. A quinta temporada vem no contexto do lançamento, no finalzinho do ano passado, de “Bandersnatch”. Agora a NETFLIX já comprou até os pensamentos de Brooker e pode estar com uma cópia digital dele produzindo este material, que não saberemos a diferença. Retornando ao tamanho original de três episódios por temporada, BLACK MIRROR aborda (com extrema inteligência) a fluidez da sexualidade humana em dois homens negros, os efeitos de uma rede social gigantesca sobre o desespero de uma pessoa, e os processos criativos (e autodestrutivos) que envolvem a fama, a cultura pop e o capital, num episódio que debate bioética e o conceito do que é “verdadeiro”. Embora entenda que os temas são sempre urgentes, penso que a direção e construção das tramas não ficou tão boa – o destaque recai sobre o episódio “Stricking Vipers”, pelo flerte inédito com as quebras da Teoria Queer, e o ponto mais baixo fica sendo “Rachel, Jack and Ashley Too”, apesar dos esforços em ir mais longe. Gradativamente, a série de Brooker foi dando mais espaço para tramas mais “objetivas”, sobre “como as coisas vão acontecer” ou “onde vão dar”, e menos sobre “qual a profundidade do problema” e “de que maneira nossa sociedade pode chegar a ele”. Em suma, ela perdeu a mão da pegada crítica que ajudou a construir (e da qual até agora nenhuma outra conseguiu se aproximar em termos de diversidade temática). Sigo acreditando que B.M. estaria em melhores mãos se seguisse sendo produzida pelo Channel 4 e vendida para a NETFLIX, mas isto não podemos mudar, não é mesmo? Uma temporada mediana, infelizmente.
Um documentário muito problemático. AFTER PORN ENDS procura fazer um retrato socio-econômico das pessoas que trabalharam na indústria do sexo em torno dos anos 70/80 – época em que a pornografia tornou-se um mercado gigantesco e em vertiginosa ebulição. Sem saber se enviesar, Bryce Wagoner (que também dirigiu “After Porn Ends 2”) faz um comentário dúbio e incoerente sobre a indústria – ao mesmo tempo que uma ex-atriz fala sobre como passou a se sentir mal com suas imagens e não gosta de ver como ela era, o doc literalmente mostra como ela era, gratuitamente, em cenas de sexo explícito. A montagem num geral desfavorece o filme – os depoimentos são mal-montados, não traçam uma linha coesa, e muitas entrevistas parecem desnecessárias e fora de contexto (o doc foca demais na "parte boa" da coisa, o dinheiro que eles faziam e a fama, para adereçar os problemas reais nos últimos 20 minutos). É perceptível o desconforto das atrizes ao falar sobre sua 'carreira', e o doc também não esconde isso: são closes muito fechados nos rostos dos entrevistados, e os takes em off ainda são mal-enquadrados e mal-feitos; Em resumo, é um doc mal-produzido, talvez por ter sido barato demais, e que não soube tratar do assunto ou dos depoimentos em questão com a atenção que eles mereciam. Faltou tato, e isso é muito problemático. No fim das contas, AFTER PORN ENDS é um desserviço para quem se interessa pelo movimento Anti-Pornografia e pela questão em si. Se você procura por informação real sobre o assunto, visite o medium da página Anti-Pornografia – lá tem artigos incríveis sobre o movimento. Vai se informar melhor e mais profundamente do que com este doc. Péssimo e preguiçoso.
“Asia Carrera [sobre sair da indústria pornô]: As outras meninas saem com um gosto ruim na boca e elas... E eu só… Eu não tenho nada além de boas memórias quando olho para trás.” [ela se mudou para Utah, o único estado nos EUA em que a pornografia é ilegal, para não ser mais reconhecida]
Absolutamente aterrorizante. Aterrador. Absurdo. Em contraposição às leituras do “sagrado feminino”, o filme de Luca Guadagnino, uma releitura do clássico de mesmo nome de Dario Argento, é uma ode ao “profano feminino”, por assim dizer. Mergulhando no submundo da dança, com seus grilhões e chaves, SUSPIRIA leva às últimas consequências a dualidade do aprisionamento do feminino – na conduta disciplinatória em relação à mulher e em sua consequente “desobediência impassível”, impossivelmente deidática e diabólica. O filme é uma tese do feminino como potência dominante, destruidora, total. No tratamento de cor, o vermelho é o tom bastante presente, sendo essência da mulher, no sangue, nas vísceras, nos interiores – muito, muito mais vermelhos que nos homens das guerras, das traições e nos homens perdidos. O feminino como um movimento profundo e para-dentro (porque o masculino é um movimento para-fora), e quanta escuridão se pode encontrar nos recônditos insondáveis de uma mulher que se percebe livre. É sim uma questão de gênero, mas também sobre como quase toda civilização se enraizou no pensamento de que a mulher (e o feminino, afinal) deve ser contida, dominada, silenciada justamente por ser temida – do machismo como um movimento para afastar a mulher do poder, por medo de que ela tome totalmente o seu espaço. O macho busca a própria liberdade no exterior, “para-fora”, enquanto a fêmea geralmente a encontra dentro de si, “para-dentro”. E, em “Suspíria”, o que vemos é a absoluta vitória do gênero em superar o masculino, literal e figurativamente falando. Um elenco poderoso de mulheres, uma hierarquia doentia de monstras, um segredo que só ‘elas partilham’. Um bom roteiro, com excelente edição (das melhores que vi nos últimos anos) e um final retumbante, aterrador, absurdo como é a liberdade feminina ainda hoje. Ecos dessas imagens ficarão por meses aqui. No mais, é um filme longo, que não chega a se arrastar, mas exige certa força de vontade para ir até o fim – o desconforto vem mais da situação delas que necessariamente do enredo ou de sua condução. É um longa bastante interessante e que deve ser olhado sobretudo por quem tem estômago. Sobretudo por quem entende que lugar realmente ocupa o feminino. Sobretudo pela mulher.
“Miss Huller: [para Dr. Klemperer] Quando mulheres te falam a verdade, você não sente pena delas. Você diz que elas têm delírios!”
Um dos raros casos de mudança completa de roteiro – tapete puxado com êxito! IF I STAY é um drama/romance diferente. Assinado por R. J. Cutler, que não fez trabalhos significativos antes, o filme traz elementos das comédias românticas e os mistura com os de um drama hospitalar com alguma naturalidade – faz sentido, no contexto da história, que as cenas sejam sobrepostas de maneira até crua, desavisada; trazendo no roteiro uma adaptação do best-seller homônimo de Gayle Forman, um acidente de carro interrompe as vidas da família Hall, e uma nova decisão precisa ser tomada... Tal decisão é da protagonista Mia, a filha mais velha, que se apaixona por um músico da cidade e quer encontrar o seu lugar no mundo. Como atuação e produção, o filme não coloca à mesa nada novo – os mesmos clichês de gênero, as mesmas tomadas de todos os outros filmes românticos existentes. Porém, o que “Se eu Ficar” tem de muito diferente é a guinada radical que ele toma com o acidente, e a maneira como os acontecimentos tomam lugar no inconsciente de Mia – uma protagonista em coma, trafegando em espírito por sua própria história, contemplando a si mesma em virtude e perda, em vitória e pecado. O filme não se limita a explorar o drama da protagonista e aborda outros núcleos e possibilidades antes de mergulhar na mais importante decisão que ela precisa fazer. Filosoficamente, um impasse se faz, mas é possível sair dessa – há de se ter muita esperança e amor-próprio para continuar, mas... Ela tem? Só assistindo pra saber. Uma grata surpresa esbarrar nisso daqui. Não é um filme ruim – é só limitado em alguns aspectos. Argumentativamente, é uma composição bastante interessante, até. Dê uma chance!
"Denny: Às vezes você faz escolhas na vida, e às vezes as escolhas é que fazem você."
Outra das comédias românticas dos anos 90 que traduz o pensamento afetivo/emocional de uma geração – mas que não envelheceu tão bem quanto poderia ter. QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL é um clássico dirigido por Mike Newell ("Príncipe da Pérsia", "Donnie Brasco"), estrelando o queridinho Hugh Grant, e que foi um sucesso estrondoso de público – cerca de 240 milhões de dólares para um filme que custou aproximadamente 6 milhões. É inegável que, culturalmente, trata-se de um longa que não foi esquecido, figurando bastante bem na estante em que outros de sua geração estão (entre eles, “Uma Linda Mulher”, “Um Lugar Chamado Notting Hill” e “10 Coisas que Odeio em Você”). Mas como os demais de sua época – salvo raras exceções – “Quatro Casamentos...” apresenta sinais de mau-envelhecimento. Há piadinhas machistas, há certos preconceitos “da época” e também uma maneira um tanto antiquada de abordar o encontro entre um homem e uma mulher, quase sempre retratado como ‘uma mulher esperando algo de um homem’, passiva, beldade submissa e misteriosa, impossivelmente distante e encantadora. Aliás, numa leitura mais moderna, a personagem de Andie MacDowell é basicamente uma atiçadora “tentando” Hugh Grant, sabendo dele a paixão inconfessa. De qualquer maneira, é ainda um divertimento possível, se fizermos vista grossa a alguns desses elementos. Grant tem todo o carisma do mundo, como sempre, e o longa é bem articulado ao apresentar esses quatro casamentos (e o surpreendente belo funeral que ocorre ali no meio). Há sempre boas lições sobre amor a aprender em comédias românticas simples como esta – é um prato cheio para quem curte o gênero. E tenho dito!
“Matthew: Perhaps you will forgive me if I turn from my own feelings to the words of another splendid bugger: W.H. Auden. This is actually what I want to say:
‘Stop all the clocks, cut off the telephone, Prevent the dog from barking with a juicy bone, Silence the pianos and with muffled drum Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead Scribbling on the sky the message He Is Dead, Put crepe bows round the white necks of the public doves, Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West, My working week and my Sunday rest, My noon, my midnight, my talk, my song; I thought that love would last for ever: I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one; Pack up the moon and dismantle the sun; Pour away the ocean and sweep up the wood; For nothing now can ever come to any good.’”
Aqui, os sinais de inchaço se apresentam ainda mais firmes. THE AFFAIR começou como uma série instigante ao apresentar os diferentes pontos de vista que Noah e Alison, dois amantes, tinham ao viver o caso e participar de um episódio brutal de violência, até então desconhecido, que resultou na morte de um dos personagens. Ao longo do tempo, vamos sendo apresentados a outras perspectivas de personagens centrais e a trama fica mais complexa, culminando no desfecho chocante da segunda temporada. Aqui, na terceira instalação dos roteiristas Hagai Levi e Sarah Treem, vemos mais firmes os sinais de inchaço pelos quais passou a série na segunda temporada. Começando com um episódio substancialmente diferente – mais parecido com um terror que um suspense –, a temporada decai em encheções de linguiça e arcos pouco interessantes para os quatro protagonistas. Há, aqui e ali, lembranças das primeiras temporadas na abordagem dos pontos de vista, mas os episódios, majoritariamente, perdem a pegada “individualista” e como que contam um "panorama dos quatro" sem se importar tanto com detalhes narrativos. O charme que o ponto de vista de cada um trouxe à série é substituído gradualmente por affairs diferentes, sem as óticas opostas, e por conflitos de interesse menos impactantes e substanciais – quase não vemos os filhos de Noah em relação à quantidade de vezes que os novos casos aparecem na tela, por exemplo. É, de forma geral, uma temporada aquém da antecessora e bastante aquém à primeira, que foi disruptiva e primordial para tudo o que se seguiu. Tenho a intenção de acompanhar as últimas duas produções quase só para ver aonde vai dar esta estória – mas com pouca esperança de efetivamente receber um enredo que vá mais longe do que já foi. Não tá sendo tudo isso...
"Alison: Todo mundo pensa que a vida já está dada, mas nós duas sabemos que não está. Nós duas sabemos que o fôlego pode acabar, por isso sabemos que a vida é um presente. Você vai sentir falta da Dawn, mas vai manter sua memória viva. A partir de hoje, você vai viver por vocês duas."
Difícil elencar só um elemento que não funcione aqui. ANNABELLE 3 é, sendo curto e grosso, didático demais, com roteiro estúpido e condução fraca. Comercialmente mais-do-mesmo e descartável no pior sentido – não é o melhor da franquia e não chega perto de ser um bom filme “independentemente dela”. A história da boneca de Ed e Lorraine Warren já deu o que tinha que dar, ainda mais na fórmula fast-food em que seus filmes foram feitos; consigo inclusive ver mais spin-offs e reboots de personagens apresentados aqui, para a manutenção do império do terror imediatista que caracteriza a obra recente de James Wan, responsável pelo aclamado (e odiado) “Jogos Mortais” original. Apesar de apresentar novidades interessantes, como um elenco inteiramente feminino (personagens com poder de voz e decisão) e duas ou três cenas muito bem feitas seguindo a fórmula jumpscare, o motor de ANNABELLE 3 é pífio: uma sucessão de decisões equivocadas, despreparos adolescentes e inconsequências questionáveis. Irrita porque é muita burrice, não parece real em momento algum e acaba caindo duro no chão, tentando um voo que nunca seria, no fim das contas, bem-sucedido. É o último que vejo produzido pelo Wan. A minha cota já deu. E quem reclamar desta resenha é adolescente frustrado.
“Lorraine Warren: Há muito mal neste quarto. Mas sabe o que eu realmente gosto sobre ele? Todo o mal que está aqui me lembra de todo o bem que há lá fora.”
Simplesmente Amor
3.5 889 Assista AgoraComo envelheceu mal, meu senhor...
“Simplesmente Amor” é um dos grandes sucessos do britânico Richard Curtis, responsável pelos roteiros dos também adorados “Quatro Casamentos e um Funeral” e “Um Lugar Chamado Notting Hill”. Trata-se de uma comédia romântica multi-facetada que conta com um elenco de peso – alguns, inclusive, no auge de sua fama.
Embora seja um filme divertido em vários momentos (como uma comédia romântica deve ser, pelo menos), LOVE ACTUALLY encontra, hoje, muitos problemas com suas piadas machistas, transfóbicas ou simplesmente preconceituosas. O arco de Colin Frissel, por exemplo, que encontra “amor” numa suruba com norte-americanas “dadas”, seria no mínimo revisto se este filme fosse lançado hoje. Assim ocorre com várias outras “piadinhas” expostas no longa, em menor ou maior gravidade.
Não é um filme ruim, longe disso, mas certamente exige um desprendimento grande hoje para que possamos rir de situações “possivelmente cômicas” mas que só são, no fim das contas, reflexo e manutenção de preconceitos diversos que aquela geração vivia e que a nossa, inevitavelmente, herdou e mantém. Talvez, se este filme fosse menos problemático, seria lembrado com maior carinho pelas pessoas que o revisitam...
Para hoje, ele envelheceu mal. Bem mal mesmo...
“Billy Mack: Olá, crianças! Aqui vai um importante conselho do seu Tio Bill. Não comprem drogas. Tornem-se estrelas do pop, e eles as darão de graça para vocês!”
A Hora do Espanto
3.6 588 Assista AgoraUm clássico do ‘Terrir’, A Hora do Espanto é um filme dos anos 80 que tem toda a cara dos anos 80 – na vestimenta, nos cabelos, nos costumes – e o efeito dessa nostalgia hoje (ainda bem!), continua muito forte.
Embora soe datado nos efeitos especiais (sobretudo na maquiagem) e involuntariamente cômico de vez em quando, FRIGHT NIGHT é uma grande pedida para um filme de mistério simples e direto ao ponto. Trata-se da estreia no cinema de Tom Holland, que viria a dirigir pouco depois o famosíssimo “Brinquedo Assassino”, que consagrou-o como uma referência no gênero. Chucky pode ser um boneco muito conhecido – e merecidamente, diga-se de passagem – mas é importante também voltar os olhos para este primeiro longa de Holland, principalmente pelo aspecto “juvenil” e “oitentista” que ele exala em cada cena, em cada fala, em cada clichê cinematográfico...
Como narrativa/cinema, é um longa ok – não vai mais longe que a própria história que conta, mas faz seu dever de casa direitinho. Não é vanguarda estética e nem procura ser – trata-se de um filme que entrega o que precisa para ser um bom entretenimento, e, infelizmente, sê-lo já é estar acima da média, sobretudo no contexto deste subgênero.
Um bom espanto!
“Peter Vincent: [brandindo um crucifixo] Sai pra lá, filho de Satã!
Vampiro: [ri] Ah, sério?
[Pega a cruz, quebra e joga longe]
Vampiro: Você precisa ter fé para que isso funcione em mim!”
Happy End
3.5 93 Assista AgoraNão indico...
HAPPY END é a sequência do aclamado AMOUR, filme do diretor austríaco Michael Haneke. Conhecido no mundo inteiro por seus filmes absolutamente incômodos, silenciosos e indigestos, Haneke lança em 2018 outro capítulo “mais do mesmo” para evidenciar o “mais do mesmo” real, tangível e insolúvel da burguesia que ‘cresceu e venceu’, e não sabe mais o que fazer de sua vitória.
O tédio, marasmo no qual seus filmes se debruçam infinitamente, tem em HAPPY END mais um retrato dolorosamente seco, e quase insuportável – o celular pra distrair o tempo, a incomunicabilidade dos corpos que se sentam à mesma mesa todo dia, os abismos de interesses entre as pessoas de uma família que, embora tenham laços de sangue, não necessariamente têm laços afetivos. Haneke já havia explorado a temática antes (e de forma muito menos “despojada”) na sua chamada Trilogia da Incomunicabilidade, que inclusive recomendo a todas as pessoas que tenham curtido HAPPY END. São três filmes entre 1989 e 1994 que abordam a desesperança, o absurdo e o tédio, este mesmo tédio que vitima quase todos os seus personagens, e em ambientes bem semelhantes – o seio familiar, a metrópole e a formação dos indivíduos na infância.
Por sentir que Haneke disse aqui o que já diz há décadas em outras (e mais impactantes) produções, HAPPY END não se destaca nem como cinema nem como obra no contexto da filmografia dele. Se você não viu, prefira os trampos que ele lançou nos anos 90 – aquilo ali é retumbantemente bom.
Não indico este aqui.
Coraline e o Mundo Secreto
4.1 1,9K Assista AgoraUm pedaço de pesadelo misturado com conto para crianças!
CORALINE é um filme estranho – uma animação em stop-motion que tangencia temas muito pesados ao passo que, pela estética “infantil”, pode ser facilmente consumida pelo público mais novo, que tanto gosta de animações. A trajetória de Coraline no ‘Mundo Secreto’ pode ser encarada como uma metáfora para muitos aspectos da vida, e o estranhamento que o filme causa ressoa bem depois de ser assistido pela primeira vez.
Dirigido por Henry Selick (“O Estranho Mundo de Jack” e “James e o Pêssego Gigante”) e escrito pelo talentoso Neil Gaiman, o filme flerta com a estética mórbida que tornou famosos os trabalhos do diretor nos anos 90, aliada a uma técnica de animação de ponta que havia na época. É um longa macabro que tem muitos pontos altos; a exploração do bizarro/absurdo para um público infanto-juvenil, um roteiro bem cadenciado e resolvido e uma rara pitada de humor, que tira a tensão de algumas cenas bizarras...
Não sei se assistiria com uma criança de uns 6, 7 anos – o filme tem momentos absurdos demais mesmo para os adultos – mas definitivamente é um dos que se firma na memória, seja pelo estranhamento, seja pela protagonista super carismática ou mesmo pelo conjunto da obra.
É um passeio estranho, mas muito revigorante também. Vale a pena.
“The Other Mother: They say even the proudest spirit can be broken with love.”
K-12
3.8 67“Arte não vende a não ser que você transe com todas as autoridades”.
Melanie Martinez é um achado. Depois de estourar com seu primeiro álbum CRY BABY, a aclamada artista planejou o lançamento de um segundo, acompanhado por um longa-metragem escrito, dirigido e estrelado por ela mesma. As polêmicas que a envolveram e a demora absurda para o tratamento de cor atrasaram demais este projeto, que teria saído cerca de dois anos atrás, mas que ficou em pós-produção até agora...
K-12 é um filme musical cujas canções são as que compõem o álbum de mesmo nome, que foi lançado ao mesmo tempo. Ambicioso, o projeto é uma continuação da temática “infantil/macabra” de CRY BABY (incluindo discretas citações de clipes anteriores, como “Sippy Cup” e “Dollhouse”). Bulimia, bullying, assédio, professores pedófilos: temas polêmicos, complexos e muito bem adereçados pela verve (impressionantemente madura) de Martinez, que é talvez a única artista pop a conseguir lançar um projeto desta natureza com esta idade.
Contudo, embora tenha dito que o longa era uma história com início, meio e fim, Melanie não parece ter conseguido completar um arco ou mesmo construí-lo sob estruturas sólidas o suficiente. De fato, todo o trabalho fotográfico, indumentário e cenográfico de K-12 é da mais alta costura, mas o mesmo não pode ser dito sobre o enredo do longa... A história de Cry Baby, no que tange a narrativa e o seu desenrolar, é colocada em segundo plano para favorecer a estética (impecável) que o filme apresenta. Este é quase aquele caso das “molduras bonitas para quadros sem sal”, com a exceção das letras das canções, que continuam na mesma pegada (forte, crítica e ácida) do álbum anterior.
No mais, só pelo caráter trans-midiático que este filme/álbum/turnê possui já se justifica uma olhada a fundo neste projeto. Quer você curta o som de Melanie ou não, o filme tem mensagens muito importantes para meninos e meninas, elas que passam por tantas situações na escola e que, infelizmente, continuam passando depois que acaba a “12th grade” (terceiro ano).
K-12 é um microuniverso da sociedade contemporânea, como também é a escola, e este longa é uma maneira de pensar que relações aí se dão.
Um bom filme. Um ótimo álbum.
"Eu nunca assinei para entrar no seu Clube de Teatro".
El Camino: Um Filme de Breaking Bad
3.7 843 Assista AgoraFan service é isso, né, gente?
EL CAMINO vem no aniversário de 10 anos de estreia de Breaking Bad, ambos escritos e dirigidos por Vince Gilligan, e toma lugar nos momentos imediatamente finais da série, quando o destino de Jesse Pinkman se apresenta de maneira nebulosa (para dizer o mínimo). Embora tenham sido anos de intervalo entre as aclamadas cinco temporadas de Breaking Bad e este filme, é quase como se tivesse sido gravado naquela época; Aaron Paul parece mais calvo, mas é só isso que realmente difere as duas montagens...
É chato de dizer, mas este longa não parece se sustentar sozinho. Isto mais se assemelha a um episódio parado da quinta temporada que uma obra completa, exatamente – aqui, a intenção é dar respostas sobre o paradeiro de Jesse pós-Heisenberg, mas, como um filme independente, EL CAMINO não é lá uma experiência tão proveitosa...
Primeiro, por ser muito longo; segundo, por resolver menos do que podia (o núcleo familiar de Walter, a família de Hank, vários arcos que foram ignorados em proveito do de Pinkman). E, em terceiro, o marasmo/lentidão de um projeto que, no fundo, não é nada parado – sobretudo Jesse, que sai da última temporada como um verdadeiro foragido.
Embora tenha-se feito todo um auê em cima desta produção, no fim das contas ela é chocha e tem toda a cara de um fan service (aquele filme que só fãs dedicados vão gostar). Em uma comparação justa, é como a receptividade, em Cannes, daquele filme de 1992 de Twin Peaks, dirigido e escrito pelo David Lynch: o longa se pretendia uma resposta sobre os últimos dias de Laura Palmer, mas não entregou mais do que os fãs já sabiam, e o resultado? Vaias aos montes a um projeto que, no fim das contas, não tinha tanto assim para acrescentar ao conteúdo canônico das temporadas da série...
É mais ou menos como se poderia ver EL CAMINO, se fosse material para Cannes.
Não se sustenta e, no fim, não vai mais longe que um fan service chocho.
Mediano.
“Walt: Você é muito sortudo, sabia? Você não teve que esperar toda a sua vida para fazer algo especial.”
Invocação do Mal 2
3.8 2,1K Assista AgoraNada mal para um feijão-com-arroz...
O conhecido diretor James Wan, criador dos "Jogos Mortais" e de alguns outros sucessos do Terror, retornou às telas com a continuação do que seria mais uma franquia bem-sucedida por ele iniciada: "Invocação do Mal", que mais tarde resultaria em spin-offs como "Annabelle" e "A Freira" (péssimos, aliás...).
Embora já se perceba que esta fórmula “monstro horrendo que destrói tudo + breu total + jumpscares” apresenta mais sub-produções e filmes sem sal que antes, os trabalhos de Wan geralmente subvertem essa lógica. THE CONJURING é uma ode ao terror comercial da última década, com seus clichês mas que, ainda assim, funciona bem como representante do gênero. Sua sequência, que é este filme, segue o mesmo padrão e, apesar de não inovar ou superar o antecessor, ainda é o melhor que dá para ser em questão de linguagem do tal “terror-pipoca”.
Combinando os clichês do gênero com as características já descritas, "Invocação do Mal 2" segue o casal Warren em mais um caso real, o Poltergeist de Enfield, que foi o exorcismo melhor documentado da história estadunidense. Patrick Wilson e Vera Farmiga continuam passando segurança e entregando em suas atuações papéis até profundos para um filme como esse; há boas cenas de tensão/suspense e bons contra-balanços de calmaria (em especial, uma cena com voz e violão ali no meio que funciona muito bem!). Em contrapartida, o filme dura talvez mais que o necessário para se fazer entender – esta história não precisava de quase duas horas e vinte – e os sustos são todos repetitivos e previsíveis...
De qualquer forma, sigo pensando que a sequência deste filme, THE CONJUNRING 3, a estrear em 2020, não será nada mal – sobretudo se comparada com os spin-offs de "Annabelle" e "A Freira". Embora não seja o tipo de filme que traz novidades na seara de horrores maiores, a franquia “Invocação do Mal” está longe de ser ruim; por isso mesmo pode ser visitada sem receios...
Divertido. Um bom feijão-com-arroz.
“Bill Wilkins: Esta é a minha casa! ESTA É A MINHA CASA!!”
Cinema Paradiso
4.5 1,4K Assista AgoraUma emocionante e inesquecível ode ao cinema.
CINEMA PARADISO é um longa que discorre sobre o amadurecimento – e a inexorável passagem do tempo – na vida de um menino que se torna homem. Toto, como é chamado, conhece um projetor de filmes chamado Alfredo num pequeno cinema de sua cidade, o Cinema Paradiso, e é neste lugar que desemboca entre os dois uma verdadeira (e belíssima) amizade.
Passado entre os anos 40 e 70, o filme narra o encontro, o desencontro e o reencontro de Toto com Alfredo, com o Cinema e com a sua cidade – seus antepassados, seus colegas antigos e suas imortais permanências. Todo o solo onde pisa é imanente, perene, fiel; tudo que ele observa já veio, e chegou, como a Boa Nova a ser sempre cantada, como uma melodia que nunca é esquecida. Toto retorna adulto à cidade que o criou e se re-conhece nas pessoas, nos objetos de sua infância e nos filmes do cinema... O “Paradiso” ainda está lá, no mesmo prédio, na mesma forma, mas algo mudou – o tempo passou, e não somos mais quem éramos no início. Quem diz se isto é bom ou ruim é a própria vida que a gente viveu (e qual a nossa relação sincera com o que a gente escolheu para si).
CINEMA PARADISO é o passado, o presente e o futuro de uma pessoa, de várias pessoas, de várias vidas em comum. É uma das grandes contribuições italianas para a coleção de filmes imortais que o Cinema ajudou a fazer desembocar. Um longa apaixonado e apaixonante sobre a importância da arte na vida e formação de pessoas caridosas, empáticas e principalmente boas, como é a bondade pura de Toto, absoluta, irrestrita e cabal.
O bem é total, e o Todo é bom. Uma criança feliz e apaixonada é um futuro que brilha, que frutifica. É um furto, é um fruto possível -
É o próprio Paraíso.
"Alfredo: Saia daqui! Volte para Roma. Você é jovem e o mundo é seu. Eu sou velho. Não quero mais ouvir você falar. Quero ouvir outros falando sobre você. Não volte mais. Não pense sobre nós. Não olhe para trás. Não escreva. Não caia na nostalgia. Esqueça-nos completamente. E se você voltar, não venha me ver. Não vou te deixar entrar em minha casa. Entendido?
Toto: Obrigado. Por tudo que você já fez por mim.
Alfredo: O que quer que você acabe fazendo, ame-o. Ame-o como você amou aquela sala de projeção quando você era pequeno."
3% (3ª Temporada)
3.7 127A aposta da Netflix na ficção científica brasileira começa a apresentar claros sinais de esgotamento...
3%, série produzida pelo maior serviço de streaming do mundo, chega a sua terceira temporada com mais falhas que acertos. A produção tem êxito principalmente na parte técnica: colorismo, fotografia, cenários e indumentária seguem bastante bem, alcançando aí um patamar no nível das novelas da Globo, se dá pra colocar assim. A trilha e edição de som idem, apesar de chamarem menos atenção agora. Os problemas são dois: o elenco e o roteiro.
O elenco, capitaneado pela Bianca Comparato [Michele], ostenta maniqueísmos e atuações caricatas demais para ser levado a sério. Vaneza Oliveira, a Joana, parece só saber estar inconformada e gritar o tempo todo. Rodolfo Valente [Rafael] e Cynthia Senek [Gloria] têm muito destaque mas performances sofríveis – mais ele do que ela –, e isso faz com que o único que tenha realmente estofo, e seja tolerável de assistir e seguir seu arco até o fim, é o Rafael Lozano [Marco], até pelas reviravoltas que rolam com ele. No mais, os quase-figurantes não chamam atenção e tudo fica meio que por isso mesmo.
O roteiro se sedimenta em bases frágeis. Todo o movimento do Maralto em relação à Concha é questionável – por quê toda a temporada gira em torno de um lugar que não interessa ao Maralto, e principalmente não o afeta de nenhuma forma? Pessoas rejeitadas ou que rejeitaram o Processo, e que passaram a viver fora de seus contornos, representam ameaça tal que precise ser monitorada assim? As atitudes “em manada”, de todo o povo da Concha contra qualquer coisa que represente tanto a Michele quanto o Maralto soam como uma crítica à polarização esquerda-direita que elegeu o Bolsonaro neste país, mas esta crítica é um subtexto raso e até insuficiente para justificar assistir à esta produção...
Além disso tudo, mesmo os fãs das primeiras duas (excelentes) temporadas parecem ter sentido os sinais de esgotamento de ideias daqui. Talvez tenha a ver com a Dani Libardi, diretora solo nesta temporada, que nas anteriores trabalhou em quarteto para dirigir os episódios (com Daina Giannecchini, Jotagá Crema e Philippe Barcinski).
A série, segundo a própria Netflix, ganhou a confirmação da quarta (e última) temporada recentemente. Poderá ser um suspiro impressionado ou aliviado: impressionado por um final impactante, que resolva todas as questões abertas pela história, ou aliviado por ter acabado antes de virar uma franquia de quinze temporadas (como ocorre com algumas produções na Netflix)...
Esta daqui não desceu. Bateu até uma vergonha...
Tomara que melhorem até o ano que vem!
“Michele: Eu não fui justa. Não existe um processo justo.”
O Conto da Aia (3ª Temporada)
4.3 596 Assista AgoraE vamos de volta a Gilead...
THE HANDMAID’S TALE chegou com o pé na porta dois anos atrás com a história de June, uma mulher que é capturada por uma teocracia em crescimento que toma conta dos Estados Unidos. Futurista, alarmante e gravíssima, a série tem ganhado audiência no mundo todo, e aumentado a popularidade da Hulu, a plataforma de streaming que tem se lançado como concorrência principal da Netflix nos últimos anos (junto da HBO).
Com a exceção de um episódio (o nono), esta temporada segue implacável e impecável como as anteriores. A dura realidade distópica de Gilead tanto para Aias quanto (agora) para esposas e comandantes parece intransponível, mas germina nas mulheres um mundo novo, que-há-de-vir, em que a esperança e a paz hão de reinar para sempre. June, desta vez não mais “Ofjoseph” ou qualquer outro nome de posse, passa gradativamente a responder a ofensas e ordens de quem estiver pela frente. Nesta temporada, diferentemente de tudo que veio antes, June começa a fortalecer laços com suas aliadas e efetivamente criar um movimento contrário à ditadura teocrática de seu país.
Margaret Atwood está lançando mundialmente a sequência do livro “O Conto da Aia”, que em breve chegará às livrarias do Brasil, e me pergunto o quanto da série já está no livro e o quanto só saberemos ao lê-lo de fato. Em entrevista ao El País no mês passado, ela disse que “sentiu que precisava escrever uma sequência [para ‘O Conto da Aia’] porque os problemas das mulheres hoje não são os mesmos que eram nos anos 80”. Na opinião da autora, a mulher ocupa hoje outro papel na sociedade, e embora tenhamos avançado em termos de direitos igualitários, certas estruturas se perpetuaram e – pior – se adaptaram à nova conjuntura. Como muito na série que é revisto e retorna ainda mais opressivo, Atwood escreveu talvez a obra ficional mais importante sobre o problema da mulher da nossa década.
Creio que seguirá (infelizmente) atual, necessária e importante. Esta temporada é um exemplo exímio do que é destreza ao escrever sobre o sofrimento alheio.
Super vale a pena.
É duro, mas será pelo melhor. Pelo melhor para elas.
“Comandante Lawrence: Eu fiz a minha escolha.
June: Não é sua escolha. Homens, patológicos do caralho... Você não está no comando. Eu estou. Então vai para a porra do seu escritório e acha um mapa pra mim. Obrigada.
Comandante Lawrence: Ainda é a minha casa! Minha casa, senhorita.
June: Você realmente acha que esta ainda é a sua casa?”
High Tech Soul: The Creation of Techno Music
4.2 1Em se tratando de esmiuçar o movimento Afrofuturista, HIGH TECH SOUL é um documentário que aborda o surgimento da música techno em Detroit, o berço da música eletrônica na cultura hip-hop dos Estados Unidos. Estruturalmente, este aqui vai bem mais longe que o documentário SAMPLE THIS!, que aborda o surgimento da cultura hip-hop em si, a partir de um disco de Bongo Rock.
HIGH TECH SOUL é um retrato dinâmico e curto do processo esmiuçado que empreenderam os primeiros DJs do mundo, nas primeiras “nightclubs”, e com os aparelhos mais arcaicos possíveis. Com entrevistas dos próprios DJs e opiniões polêmicas acerca do movimento, o doc acerta em ser simples e direto ao ponto, não dando vazão para intervalos ou encheções de linguiça.
No mais, é um assunto muito interessante, principalmente se colocado em referência ao movimento Afrofuturista em voga, com a pessoa negra na posição central de um momento tecnológico vanguardista do futuro. Entre este e SAMPLE THIS!, este aqui leva mil vezes.
Brabo!
It: Capítulo Dois
3.4 1,5K Assista AgoraUma boa continuação – talvez a única possível – para o que veio antes.
IT 2 chega aos cinemas dois anos depois da estreia do primeiro, que, como no livro, conta a parte da história que se desenrola na infância dos protagonistas do “Clube dos Otários”. Ambas as produções apresentam as características básicas de um filme de terror (os jumpscares, o constante uso de sombras/escuridão, o antagonista unidimensionalmente mal e a violência desmedida), mas IT 2 chama a atenção pela edição ágil e pelo refinamento dos efeitos especiais, embora não vá muito mais longe que isso.
Passar um livro de mais de mil páginas para a tela seria quase impossível, sobretudo se fosse com todas as cenas que nele ocorrem. Me impressionou muito o fato de usarem aqui elementos como o ritual de Chüd e a morte de Adrian Mellon (interpretado pelo incrível Xavier Dolan!), mas alguns pontos ficaram realmente soltos, como a relação de Henry Bowers com Pennywise e o namorado abusivo de Beverly Marsh, que aparece no início mas logo depois é engolido pela trama.
No fim das contas, é um divertimento justo – um longa que tem momentos de tensão, de repouso e também seus exageros de ambos. Ainda penso que o filme de 91, mesmo tendo 3 horas, supera ambas as adaptações recentes juntas; apesar de limitado pela época em que foi produzido, aquele ainda ressoa pela notável construção da narrativa que, mesmo com tanto tempo, respeita a lógica do livro e não enfia exageros roteirísticos goela abaixo.
Talvez seja a única continuação possível para o anterior, em questão de qualidade...
“Beverly Marsh: January embers.
Ben Hanscom: My heart burns there, too.
Beverly Marsh: It was you.”
Privacidade Hackeada
3.8 119 Assista AgoraUm documentário mediano sobre um assunto alarmante...
Assim como o “Driblando a Democracia”, de Thomas Huchon, PRIVACIDADE HACKEADA aborda o envolvimento da empresa Cambridge Analytica com os disparos de fake news e a campanha eleitoral de Donald Trump. Buscando examinar detidamente os empregados da C.A., o doc passa pelos gigantes da computação que construíram os big datas e põe em evidência pessoas que terceirizaram o seu acesso (incluindo Mark Zuckerberg, criador do Facebook, no notável julgamento que rolou sobre a rede anos atrás).
Explicando de maneira um pouco confusa na primeira meia-hora, o longa de Jehane Noujaim e Karim Amer explora os desdobramentos da propagação de determinados conteúdos para determinadas personalidades delimitadas pelas plataformas digitais. Apesar de colocar uma cara possível para os autores da eleição de Trump (a Cambridge Analytica junto com o seu chefe de campanha), o longa não traz tanta novidade à mesa – a maior parte das informações já é até senso comum, de tão batidas.
Passando pelo exemplo da eleição de Bolsonaro aqui, é no mínimo fundamental que não percamos a atenção em relação ao uso que fazemos das plataformas digitais, sobretudo o Google e o Facebook. Que existe um complexo movimento de mapeamento de interesses e personalidades da população mundial, isto é um fato – o que nos resta é repensar o uso que fazemos desses mesmos aparelhos e que relação devemos realmente construir com eles.
É um documentário de alerta, mas só para quem nunca tinha ouvido falar em big datas e nos processos pelos quais o Facebook passou nos últimos anos. Adianto uma resposta possível: parar de usar o telefone senão para a comunicação direta, interpessoal – talvez a saída esteja em não nos deixarmos tornar mercado/mercadoria para empresas que terceirizem o nosso conteúdo. No fim das contas, o movimento para que os Direitos Digitais sejam incluídos nos Direitos Humanos (para que seja ilegal o vazamento dessas informações) é super importante, mas talvez nós, que vivemos nesta época, não cheguemos a pegar a mudança deste panorama.
Talvez só quem vier depois de nós vai saber.
Alarmante - mas mediano como um doc.
“Brittany Kaiser [para o comitê]: Eu recebi ofertas de introdução para clientes que recusei conhecer antes, como a Alternative na Alemanha e a campanha da Marine Le Pen. Eu recusei até pegar no telefone pra falar com eles.”
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
3.6 2,8K Assista AgoraÉ aquela coisa do falso-horror, né...
MIDSOMMAR é o segundo trabalho do premiado diretor Ari Aster, que deslanchou após o inesquecível “Hereditário”, de 2018. Este ano, Aster retorna às telonas com um filme melhor fotografado, mas sem sustância e nem um roteiro que faça jus às mais de duas horas e meia de experiência.
“O Mal Não Espera a Noite” (aliás, uma péssima sugestão de nome da tradução brasileira...) flerta com o Novo-Terror, gênero que a produtora A24 tem feito desembocar com maestria nos recentes “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, “A Bruxa” e o próprio “Hereditário”. São filmes que subvertem as produções formulaicas de narrativas vazias, que conhecemos há muito tempo; todos têm em comum o pacing lento, a ausência de jumpscares, o uso dos ruídos e silêncio na trilha e uma fotografia estonteante, quesito no qual este aqui desbanca todos os outros.
Porém, filmes não são só fotografia, e MIDSOMMAR falha mesmo nos elementos que deviam ser seus pontos fortes. A frágil construção dos antagonistas e de sua cultura, combinada com o parco background que temos de Dani e seus “amigos”, compromete o longa de forma irreversível, fazendo-o se estender mais do que precisava pra contar sua história de redenção e amor pelo absurdo – sua história, no fim das contas, de auto-aceitação. O processo que leva o casal ao solstício de verão na Suécia dura quase uma hora inteira sem necessidade, e a coisa toda engata lá pelas duas horas de longa, quando finalmente temos indícios de onde a história quer chegar.
Discutir a simbologia desta ou daquela cena bizarra me parece muito pouco, sobretudo para a quantidade de tempo necessário para a produção do longa: foi quase um ano que Aster teve para entregar este projeto, que, convenhamos, foi uma produção mais corrida que o longa anterior. A desorientação do roteiro, apesar da boa montagem e composição do filme, compromete todo o resto: MIDSOMMAR teria sido mais instigante se fosse mais enxuto, com até meia hora a menos, e se tivesse um enredo de maior profundidade e menos "lentidão" inóqua, sem-razão-de-ser.
Falso-horror vendido como thriller psicológico - este aqui não rolou.
“Siv: [in Swedish] This high my fire. No higher. No hotter!”
Sample This
3.3 4Este documentário foi longe demais...
SAMPLE THIS questiona onde nasceu o "sample", e busca adereçar as origens da cultura hip-hop/rap a partir do lançamento e ressignificação do disco "Bongo Rock", do grupo Incredible Bongo Band, pelos primeiros DJs da época. Porém, muita coisa desanda no documentário de Dan Forrer – sendo a mais notável a inexistência de uma direção clara para o assunto, de um fio condutor que justifique o que a gente assiste aqui. O doc, que era pra ser sobre o hip-hop e o sampling, passa quase uma hora falando da história do disco esquecido de “Bongo Rock” e quase realmente esquece o assunto do qual se trata (no meio do caminho, inclusive, são citados Charles Manson, George Harrison e um ex-baterista do álbum de Michael Viner que assassinou a própria mãe).
O documentário não sabe aonde quer chegar nem como chegar lá. A história é contada de maneira confusa através dos depoimentos de entrevistados demais, que não parecem se encaixar nunca com o tema escolhido. Demora quase uma hora para sermos introduzidos aos reais protagonistas desta história – os MCs e frequentadores daquela cultura germinal, em estado de poesia, que encontrou no sampling uma maneira inédita de se expressar.
Enfim, SAMPLE THIS é certamente outra das bombas que está na Netflix – o assunto do doc é super interessante, mas a experiência em si é sofrível e pouco proveitosa para o que se propunha a ser. No mais, é só um filme ruim, que não tem muito em sua defesa.
Há inúmeras outras séries e filmes, inclusive na Netflix, que abordam o tema de maneira mais efetiva – é só catar melhor.
Evitem.
The Affair: Infidelidade (4ª Temporada)
4.2 83 Assista AgoraAgora sim!
Em sua penúltima temporada, a série estadunidense THE AFFAIR retoma o fôlego perdido na anterior e entrega uma narrativa complexa e suficientemente íntegra – beirando a qualidade do primeiro roteiro. Aqui e ali se percebem excessos, sobretudo numa personagem nova que é inserida no arco de Noah, mas a produção, num geral, supera os fracassos da temporada anterior com bastante folga.
Talvez a entrada de Sarah Sutherland no time de roteiristas Hagai Levi, Sarah Treem e Sharr White tenha surtido um efeito positivo. Falo do roteiro porque esta produção, em específico, tem uma dedicação especial à complexidade da narrativa, expandindo-a para os pontos de vista dos personagens para além do casal do “affair”. As perspectivas sempre foram a premissa básica e o diferencial da série, que na instalação passada não foram tão bem aproveitadas...
Mas aqui, com toda a certeza, vemos novidade e frescor para os desdobramentos do caso entre Alison e Noah. Sim, há despedidas, há desfechos pouco claros e há becos sem saída, mas a série certamente voltou ao patamar original de boa condução e bom fluxo narrativo. Embora o episódio final não tenha tanta “cara” de finalização, o conjunto se justifica e também justifica a conferida à quinta, que ainda está sendo exibida pelo ShowTime.
Assistam! Se curtiram as duas primeiras, com certeza esta quarta vale a pena!
“Noah: Por que estamos sentados aqui embaixo? Há um banco perfeito ali do lado!
Helen: Eu quero ficar no nível do chão.”
Elena
4.2 1,3K Assista AgoraPetra Costa, a notável documentarista brasileira, constrói em seu primeiro longa um retrato poético (e por isso mesmo triste) sobre sua irmã, Elena, e o doloroso processo de luto pelo qual sua família passou depois de seu suicídio.
Tendo perdido sua irmã muito nova, Petra revisita e reprocessa detalhes de sua trajetória familiar, buscando imagens antigas das meninas e discorrendo sobre a dor, o choque, e a melancolia que dominou os dias que vieram (tomando inclusive os olhos de sua mãe, e afastando seu pai de qualquer conversa a respeito).
Para quem não sabe da história, o documentário é um momento na vida da cineasta e uma tribulação particular pela qual ela passa, talvez na intenção de atravessá-la completamente. Faz-se necessário abraçar o caos como também as pessoas no caos, e reconhecer quem, no meio do inferno, não é inferno – e preservá-lo, e abrir-lhe espaço.
É um belo filme sobre crescimento, maturidade e memória, e embora tenha, aqui e ali, passagens um pouco desnecessárias ou repetitivas, a narrativa é arquitetada com a destreza de quem soube articular o próprio luto e torná-lo arte, e uma das mais complexas, que é a arte do cinema.
Como experiência estética/sensorial e até literária, trata-se de um grande filme, para ser digerido aos poucos, um momento de cada vez...
Lindo demais...
"Elena: Bem, estou adoecida de amor. Põe a mão em mim, que eu viro água. Volta, me escolhe, me leva."
Black Mirror (5ª Temporada)
3.2 959Então...
Reconheço e aprecio imensamente o esforço de Charlie Brooker de continuar escrevendo para a série britânica-estadunidense BLACK MIRROR, que encontrou ali pela terceira/quarta temporadas seu auge de popularidade e, nos últimos anos, tem caído em desaprovação popular e crítica, apesar de conquistar aqui e ali prêmios internacionais importantes (Emmy, GLAAD e British Academy, pra citar alguns). Reconheço mesmo, apesar de pensar a experiência total da série como, a esta altura, mais desfavorável que favorável pela quantidade de episódios/filmes que gerou.
A quinta temporada vem no contexto do lançamento, no finalzinho do ano passado, de “Bandersnatch”. Agora a NETFLIX já comprou até os pensamentos de Brooker e pode estar com uma cópia digital dele produzindo este material, que não saberemos a diferença. Retornando ao tamanho original de três episódios por temporada, BLACK MIRROR aborda (com extrema inteligência) a fluidez da sexualidade humana em dois homens negros, os efeitos de uma rede social gigantesca sobre o desespero de uma pessoa, e os processos criativos (e autodestrutivos) que envolvem a fama, a cultura pop e o capital, num episódio que debate bioética e o conceito do que é “verdadeiro”.
Embora entenda que os temas são sempre urgentes, penso que a direção e construção das tramas não ficou tão boa – o destaque recai sobre o episódio “Stricking Vipers”, pelo flerte inédito com as quebras da Teoria Queer, e o ponto mais baixo fica sendo “Rachel, Jack and Ashley Too”, apesar dos esforços em ir mais longe. Gradativamente, a série de Brooker foi dando mais espaço para tramas mais “objetivas”, sobre “como as coisas vão acontecer” ou “onde vão dar”, e menos sobre “qual a profundidade do problema” e “de que maneira nossa sociedade pode chegar a ele”.
Em suma, ela perdeu a mão da pegada crítica que ajudou a construir (e da qual até agora nenhuma outra conseguiu se aproximar em termos de diversidade temática). Sigo acreditando que B.M. estaria em melhores mãos se seguisse sendo produzida pelo Channel 4 e vendida para a NETFLIX, mas isto não podemos mudar, não é mesmo?
Uma temporada mediana, infelizmente.
Ashley O: “I’m going down in history”.
Depois que o Pornô Acaba
3.2 45Um documentário muito problemático.
AFTER PORN ENDS procura fazer um retrato socio-econômico das pessoas que trabalharam na indústria do sexo em torno dos anos 70/80 – época em que a pornografia tornou-se um mercado gigantesco e em vertiginosa ebulição.
Sem saber se enviesar, Bryce Wagoner (que também dirigiu “After Porn Ends 2”) faz um comentário dúbio e incoerente sobre a indústria – ao mesmo tempo que uma ex-atriz fala sobre como passou a se sentir mal com suas imagens e não gosta de ver como ela era, o doc literalmente mostra como ela era, gratuitamente, em cenas de sexo explícito. A montagem num geral desfavorece o filme – os depoimentos são mal-montados, não traçam uma linha coesa, e muitas entrevistas parecem desnecessárias e fora de contexto (o doc foca demais na "parte boa" da coisa, o dinheiro que eles faziam e a fama, para adereçar os problemas reais nos últimos 20 minutos).
É perceptível o desconforto das atrizes ao falar sobre sua 'carreira', e o doc também não esconde isso: são closes muito fechados nos rostos dos entrevistados, e os takes em off ainda são mal-enquadrados e mal-feitos; Em resumo, é um doc mal-produzido, talvez por ter sido barato demais, e que não soube tratar do assunto ou dos depoimentos em questão com a atenção que eles mereciam.
Faltou tato, e isso é muito problemático. No fim das contas, AFTER PORN ENDS é um desserviço para quem se interessa pelo movimento Anti-Pornografia e pela questão em si.
Se você procura por informação real sobre o assunto, visite o medium da página Anti-Pornografia – lá tem artigos incríveis sobre o movimento. Vai se informar melhor e mais profundamente do que com este doc.
Péssimo e preguiçoso.
“Asia Carrera [sobre sair da indústria pornô]: As outras meninas saem com um gosto ruim na boca e elas... E eu só… Eu não tenho nada além de boas memórias quando olho para trás.” [ela se mudou para Utah, o único estado nos EUA em que a pornografia é ilegal, para não ser mais reconhecida]
Suspíria: A Dança do Medo
3.7 1,2K Assista AgoraAbsolutamente aterrorizante. Aterrador. Absurdo.
Em contraposição às leituras do “sagrado feminino”, o filme de Luca Guadagnino, uma releitura do clássico de mesmo nome de Dario Argento, é uma ode ao “profano feminino”, por assim dizer. Mergulhando no submundo da dança, com seus grilhões e chaves, SUSPIRIA leva às últimas consequências a dualidade do aprisionamento do feminino – na conduta disciplinatória em relação à mulher e em sua consequente “desobediência impassível”, impossivelmente deidática e diabólica.
O filme é uma tese do feminino como potência dominante, destruidora, total. No tratamento de cor, o vermelho é o tom bastante presente, sendo essência da mulher, no sangue, nas vísceras, nos interiores – muito, muito mais vermelhos que nos homens das guerras, das traições e nos homens perdidos. O feminino como um movimento profundo e para-dentro (porque o masculino é um movimento para-fora), e quanta escuridão se pode encontrar nos recônditos insondáveis de uma mulher que se percebe livre.
É sim uma questão de gênero, mas também sobre como quase toda civilização se enraizou no pensamento de que a mulher (e o feminino, afinal) deve ser contida, dominada, silenciada justamente por ser temida – do machismo como um movimento para afastar a mulher do poder, por medo de que ela tome totalmente o seu espaço. O macho busca a própria liberdade no exterior, “para-fora”, enquanto a fêmea geralmente a encontra dentro de si, “para-dentro”. E, em “Suspíria”, o que vemos é a absoluta vitória do gênero em superar o masculino, literal e figurativamente falando.
Um elenco poderoso de mulheres, uma hierarquia doentia de monstras, um segredo que só ‘elas partilham’. Um bom roteiro, com excelente edição (das melhores que vi nos últimos anos) e um final retumbante, aterrador, absurdo como é a liberdade feminina ainda hoje. Ecos dessas imagens ficarão por meses aqui. No mais, é um filme longo, que não chega a se arrastar, mas exige certa força de vontade para ir até o fim – o desconforto vem mais da situação delas que necessariamente do enredo ou de sua condução. É um longa bastante interessante e que deve ser olhado sobretudo por quem tem estômago.
Sobretudo por quem entende que lugar realmente ocupa o feminino.
Sobretudo pela mulher.
“Miss Huller: [para Dr. Klemperer] Quando mulheres te falam a verdade, você não sente pena delas. Você diz que elas têm delírios!”
Se Eu Ficar
3.5 1,9K Assista AgoraUm dos raros casos de mudança completa de roteiro – tapete puxado com êxito!
IF I STAY é um drama/romance diferente. Assinado por R. J. Cutler, que não fez trabalhos significativos antes, o filme traz elementos das comédias românticas e os mistura com os de um drama hospitalar com alguma naturalidade – faz sentido, no contexto da história, que as cenas sejam sobrepostas de maneira até crua, desavisada; trazendo no roteiro uma adaptação do best-seller homônimo de Gayle Forman, um acidente de carro interrompe as vidas da família Hall, e uma nova decisão precisa ser tomada... Tal decisão é da protagonista Mia, a filha mais velha, que se apaixona por um músico da cidade e quer encontrar o seu lugar no mundo.
Como atuação e produção, o filme não coloca à mesa nada novo – os mesmos clichês de gênero, as mesmas tomadas de todos os outros filmes românticos existentes. Porém, o que “Se eu Ficar” tem de muito diferente é a guinada radical que ele toma com o acidente, e a maneira como os acontecimentos tomam lugar no inconsciente de Mia – uma protagonista em coma, trafegando em espírito por sua própria história, contemplando a si mesma em virtude e perda, em vitória e pecado.
O filme não se limita a explorar o drama da protagonista e aborda outros núcleos e possibilidades antes de mergulhar na mais importante decisão que ela precisa fazer. Filosoficamente, um impasse se faz, mas é possível sair dessa – há de se ter muita esperança e amor-próprio para continuar, mas... Ela tem?
Só assistindo pra saber.
Uma grata surpresa esbarrar nisso daqui. Não é um filme ruim – é só limitado em alguns aspectos. Argumentativamente, é uma composição bastante interessante, até.
Dê uma chance!
"Denny: Às vezes você faz escolhas na vida, e às vezes as escolhas é que fazem você."
Quatro Casamentos e Um Funeral
3.3 256 Assista AgoraOutra das comédias românticas dos anos 90 que traduz o pensamento afetivo/emocional de uma geração – mas que não envelheceu tão bem quanto poderia ter.
QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL é um clássico dirigido por Mike Newell ("Príncipe da Pérsia", "Donnie Brasco"), estrelando o queridinho Hugh Grant, e que foi um sucesso estrondoso de público – cerca de 240 milhões de dólares para um filme que custou aproximadamente 6 milhões. É inegável que, culturalmente, trata-se de um longa que não foi esquecido, figurando bastante bem na estante em que outros de sua geração estão (entre eles, “Uma Linda Mulher”, “Um Lugar Chamado Notting Hill” e “10 Coisas que Odeio em Você”).
Mas como os demais de sua época – salvo raras exceções – “Quatro Casamentos...” apresenta sinais de mau-envelhecimento. Há piadinhas machistas, há certos preconceitos “da época” e também uma maneira um tanto antiquada de abordar o encontro entre um homem e uma mulher, quase sempre retratado como ‘uma mulher esperando algo de um homem’, passiva, beldade submissa e misteriosa, impossivelmente distante e encantadora. Aliás, numa leitura mais moderna, a personagem de Andie MacDowell é basicamente uma atiçadora “tentando” Hugh Grant, sabendo dele a paixão inconfessa.
De qualquer maneira, é ainda um divertimento possível, se fizermos vista grossa a alguns desses elementos. Grant tem todo o carisma do mundo, como sempre, e o longa é bem articulado ao apresentar esses quatro casamentos (e o surpreendente belo funeral que ocorre ali no meio). Há sempre boas lições sobre amor a aprender em comédias românticas simples como esta – é um prato cheio para quem curte o gênero.
E tenho dito!
“Matthew: Perhaps you will forgive me if I turn from my own feelings to the words of another splendid bugger: W.H. Auden. This is actually what I want to say:
‘Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.’”
The Affair: Infidelidade (3ª Temporada)
3.6 53 Assista AgoraAqui, os sinais de inchaço se apresentam ainda mais firmes.
THE AFFAIR começou como uma série instigante ao apresentar os diferentes pontos de vista que Noah e Alison, dois amantes, tinham ao viver o caso e participar de um episódio brutal de violência, até então desconhecido, que resultou na morte de um dos personagens. Ao longo do tempo, vamos sendo apresentados a outras perspectivas de personagens centrais e a trama fica mais complexa, culminando no desfecho chocante da segunda temporada.
Aqui, na terceira instalação dos roteiristas Hagai Levi e Sarah Treem, vemos mais firmes os sinais de inchaço pelos quais passou a série na segunda temporada. Começando com um episódio substancialmente diferente – mais parecido com um terror que um suspense –, a temporada decai em encheções de linguiça e arcos pouco interessantes para os quatro protagonistas. Há, aqui e ali, lembranças das primeiras temporadas na abordagem dos pontos de vista, mas os episódios, majoritariamente, perdem a pegada “individualista” e como que contam um "panorama dos quatro" sem se importar tanto com detalhes narrativos.
O charme que o ponto de vista de cada um trouxe à série é substituído gradualmente por affairs diferentes, sem as óticas opostas, e por conflitos de interesse menos impactantes e substanciais – quase não vemos os filhos de Noah em relação à quantidade de vezes que os novos casos aparecem na tela, por exemplo. É, de forma geral, uma temporada aquém da antecessora e bastante aquém à primeira, que foi disruptiva e primordial para tudo o que se seguiu.
Tenho a intenção de acompanhar as últimas duas produções quase só para ver aonde vai dar esta estória – mas com pouca esperança de efetivamente receber um enredo que vá mais longe do que já foi.
Não tá sendo tudo isso...
"Alison: Todo mundo pensa que a vida já está dada, mas nós duas sabemos que não está. Nós duas sabemos que o fôlego pode acabar, por isso sabemos que a vida é um presente. Você vai sentir falta da Dawn, mas vai manter sua memória viva. A partir de hoje, você vai viver por vocês duas."
Annabelle 3: De Volta Para Casa
2.8 681 Assista AgoraDifícil elencar só um elemento que não funcione aqui.
ANNABELLE 3 é, sendo curto e grosso, didático demais, com roteiro estúpido e condução fraca. Comercialmente mais-do-mesmo e descartável no pior sentido – não é o melhor da franquia e não chega perto de ser um bom filme “independentemente dela”. A história da boneca de Ed e Lorraine Warren já deu o que tinha que dar, ainda mais na fórmula fast-food em que seus filmes foram feitos; consigo inclusive ver mais spin-offs e reboots de personagens apresentados aqui, para a manutenção do império do terror imediatista que caracteriza a obra recente de James Wan, responsável pelo aclamado (e odiado) “Jogos Mortais” original.
Apesar de apresentar novidades interessantes, como um elenco inteiramente feminino (personagens com poder de voz e decisão) e duas ou três cenas muito bem feitas seguindo a fórmula jumpscare, o motor de ANNABELLE 3 é pífio: uma sucessão de decisões equivocadas, despreparos adolescentes e inconsequências questionáveis. Irrita porque é muita burrice, não parece real em momento algum e acaba caindo duro no chão, tentando um voo que nunca seria, no fim das contas, bem-sucedido.
É o último que vejo produzido pelo Wan. A minha cota já deu.
E quem reclamar desta resenha é adolescente frustrado.
“Lorraine Warren: Há muito mal neste quarto. Mas sabe o que eu realmente gosto sobre ele? Todo o mal que está aqui me lembra de todo o bem que há lá fora.”