O novo longa do diretor Steve McQueen (12 Anos de Escravidão) é um bom policial onde seu maior mérito são as ótimas atuações graças a um elenco eclético e cheio de nomes de talento, encabeçados pela sempre excelente Viola Davis.
As Viúvas vale-se do momento onde a representatividade está em alta no cinema estadunidense e tenta encaixar isso e sua trama policial ao contexto sócio-econômico da contemporânea Chicago. Pena que o roteiro - apesar das boas intensões - acaba por se perder em diversas subtramas - apesar de interessantes - que não são desenvolvidas por completo. Além de exigir certa dose de descrença do espectador em dois momentos chave, o que acaba por nos deixar um tanto frustrados ao final da sessão.
O destaque vai mesmo para a direção de McQueen - o plano sequência do carro onde se encontra o personagem do Colin Farrell onde somos apresentados a dicotomia da cidade (da área carente à abastada) é sensacional - e as interpretações (pelo menos a Viola Davis merecia alguma indicação nas premiações).
No final, ainda com defeitos de roteiro, As Viúvas tem saldo positivo. Contudo, é realmente broxante pensar que com uma história mais polida e sem alguns excessos, teríamos um filmaço.
O representante tupiniquim para abocanhar uma vaguinha no Oscar do ano que vem - o que acabou não acontecendo merecidamente - é o típico caso de dinheiro jogado fora, tanto de quem pagou para o filme sair do papel, quanto de quem pagou ingresso - e pior para o primeiro caso, pois dificilmente o longa se pagará com sua arrecadação.
O Grande Circo Místico tem alguns bons momentos visuais e nada mais do que isso. O roteiro não desenvolve os personagens, nem situações que seriam interessantes, abandonando-as ao léu. Se talvez o diretor, Cacá Diegues, tivesse sido mais ousado e apostasse num filme mais longo, onde haveria tempo para o desenvolvimento necessário, talvez até teríamos uma obra interessante, pois o elenco não é de todo ruim e a ambientação circense, acompanhada de realismo mágico, é atraente. Uma pena.
As duas maiores qualidades de Uma Noite em 12 Anos são as seguintes: fugir do lugar comum que filmes sobre o passado de presidentes - seja de qualquer país - acabam caindo e nos incomodar e fazer refletir sobre a questão do autoritarismo e da tortura nesses tempos sombrios em que vivemos.
Conferi o longa de Àlvaro Brechner, em tela grande, no Rio de Janeiro, ao lado da minha namorada e de uma plateia afinada com o progressismo. Me senti "abraçado" - coisa que não acontecia há muitos anos comigo na sala escura - pelos meus companheiros de sessão. E isso foi fundamental, pois Uma Noite em 12 Anos é pesado e não poupa o espectador (fora raríssimos momentos onde há um pouco de humor). Não só pela maneira realista como é mostrado os maus tratos e a falta de humanidade tão presentes nas ditaduras latino americanas como pela perda da sanidade que pouco a pouco afeta o trio de protagonistas.
Dizem que o filme é sobre Mujica. De fato, o ex-presidente uruguaio é um dos protagonistas, contudo, por conta de sua personalidade, digamos, mais introspectiva, ele é o que menos "aparece" na película o que não é demérito nenhum, muito pelo contrário.
Uma Noite em 12 Anos, tecnicamente, é ótimo. Brechner soube enquadrar muito bem seus protagonistas, explorando todas as mazelas que a tortura física e psicológica pode causar. Ao mesmo tempo, eleva o espírito da resistência, mostrando que a determinação e o amor pela causa, mantém, até o mais frágil dos homens, inquebráveis.
Ao final de uma hora e quarenta de projeção o que nos resta é uma sensação conflituosa, onde saímos do cinema emocionados por conta da empatia que criamos com os três protagonistas e ao mesmo tempo com um sentimento forte de repulsa e coragem de gritar para o mundo que nunca mais vamos permitir que algo do gênero volte a acontecer no nosso continente. E eu sinto, eu sei, nós não vamos deixar.
A trama é simples e o elenco não é lá grande coisa (com exceção de Anne Bancroft), contudo Tourneur conduz com competência o longa, trazendo boas cenas de suspense, aliadas aos ótimos diálogos do roteiro.
Outro filmaço de Fatih Akin onde questões culturais/imigração entre Turquia e Alemanha vem a tona. O grande protagonista de Do Outro Lado é o acaso e suas consequências. Algumas coincidências do roteiro podem até parecerem forçadas, todavia o diretor conduz as rédeas de seu filme tão bem que consegue escapar, com louvor, das armadilhas em que esse tipo de artimanha da escrita pode levar, principalmente no seu final, que ficou bastante satisfatório. Se esse filme tivesse sido rodado em Hollywood, com certeza, teríamos um resultado clichê e cheio de chorume. Ao invés disso, temos um drama bem construído onde questões familiares e políticas caminham harmoniosamente.
O elenco é excelente, com destaque para Nursel Köse, cujo papel acaba sendo - infelizmente - pequeno, porém extremamente marcante, principalmente por conta de sua atuação, onde a atriz consegue expressar suas emoções através de um único olhar. Não a conhecia de outros trabalhos e imediatamente me tornei fã.
Esse é o terceiro longa de Fatih Akin que assisto. Os três são ótimos, fato que me fez ficar atento quanto a seus futuros trabalhos. Temos aqui mais um nome para a lista dos grandes diretores surgidos nos últimos vinte anos.
A diretora Valeska Grisebach consegue ser bem sucedida em lidar com um elenco e uma trama totalmente masculina, inclusive não é por acaso que título do longa é Western. Apesar de se passar nos dias de hoje, Western traz similaridades com o gênero do faroeste, tanto no arquétipo do "cowboy silencioso" quanto na "conquista de território".
O filme é sobre um grupo de trabalhadores da construção civil que são contratados para fazer um trabalho em solo búlgaro. Tal fato desperta velhas feridas - os nazistas invadiram a Bulgária durante a Segunda Guerra - culminando num conflito não explicito - embora haja muito preconceito de cunho xenofóbico/imperialista - entre os trabalhadores alemães e os habitantes de um vilarejo próximo a fronteira com a Grécia.
Apesar do tema interessante, boas atuações e tecnicamente ótimo, Western peca por ser, as vezes, muito contemplativo e arrastado. Se não fossem esses pormenores estaríamos diante de uma obra muito mais marcante. Porém, ainda assim, é um boa pedida para quem gosta de cinema europeu.
Ótimo longa búlgaro que revela o atual panorama social do país. Um motorista de táxi assassina o gerente do seu banco por conta das taxas exorbitantes que o mesmo queria cobrar por um empréstimo (dinheiro necessário para o motorista - o táxi é um "bico" para complementar a renda - salvar seu negócio). Partindo daí, a câmera do diretor Stephan Komandarev acompanha diversos outros taxistas - e seus passageiros - durante a noite que se seguiu ao crime.
Komandarev surpreende com uma direção precisa onde temos diversos planos sequências que valorizam não só o filme esteticamente como também o trabalho do ótimo elenco. O roteiro cutuca nas feridas de uma nação considerada "periferia da Europa" onde suas mazelas sociais/econômicas/culturais são dissecadas através dos ótimos diálogos e comportamento tanto dos motoristas quanto de seus passageiros. Temos a juventude alienada. O taxista que quer tirar vantagem. O búlgaro que vive em outro país e que odeia e difama sua nação, só para citar alguns exemplos.
Direções trata da Búlgaria, no entanto, pode-se traçar um paralelo entre outros países emergentes, principalmente no que tange aos males sociais causados pelo capitalismo.
Longa iraniano quase documental que narra os percalços das mulheres, naquele país, que recém saíram da prisão. Se num Estado laico, a coisa já é complicada para indivíduos que cumpriram pena, imagina numa teocracia patriarcal como o Irã. E é justamente isso que o diretor Jafar Panahi expõe em O Círculo.
A câmera de Panahi segue suas protagonistas de perto e troca o ponto de vista das mulheres ao longo da narrativa de forma bem natural. O Círculo é cru. Não há trilha sonora e a forma tanto das atuações quanto do mise en scene são bastante naturalistas. Uma ótima pedida para quem quer conhecer mais da cultura de um país tão complexo e descobrir seu cinema, que, ao que venho notando, é bastante variado - tanto em temas quanto em formas de abordagem.
Assim como foi na época do neorrealismo italiano, Filhos do Paraíso é singelo, todavia, felizmente, sem nunca "poetizar" a pobreza. Aliás, em determinado momento, há até uma crítica válida sobre a questão entre pobres e ricos no Irã.
Tecnicamente, é impecável. Grandes atuações, principalmente das crianças, fotografia que nos "joga" diretamente nos becos de um bairro pobre iraniano, além de cenas muito bem pensadas, como, por exemplo, a que fecha o filme (com chave de ouro).
Filmes como Os Filhos do Paraíso são essenciais pois falam de problemas mundanos realmente relevantes. Na vida dos dois irmãos pobres, a falta de um simples par de sapatos faz uma diferença gigantesca, gerando inúmeros sacrifícios para que ambos possam frequentar a escola. O longa iraniano fala diretamente com o público brasileiro, ainda mais nos tempos em que vivemos, onde a extrema pobreza voltou com força total. Os Filhos do Paraíso é uma obra-prima, daquelas feitas para emocionar e refletir.
Obra surpreendente - a começar pela cena de abertura impactante - e bastante singular por desmistificar Tiradentes e humanizá-lo, tornando-o palpável e muito mais interessante do que o personagem que conhecemos através das aulas de História. Aqui ele é retratado ainda em sua época de alferes, como, praticamente, um brucutu pouco instruído que exibe "talento" com um boticão na mão e um dente ferrado à sua frente (com ecos de Humphrey Bogart em o Tesouro da Sierra Madre). O filme é munido de ótimas atuações, com destaque para o protagonista e o elenco de origem africana.
E o longa não é só bem sucedido em seu conceito, todo o trabalho de reconstituição de época de forma realista - quase documental - foi um tremendo acerto. A sujeira, o coloquialismo da linguagem, os costumes, as passagens que lembram os westerns, tudo, pelo menos para mim, funcionou que foi uma beleza. Tecnicamente, minha única ressalva foi o excesso de câmera na mão. Em algumas sequências essa forma de filmagem acabou atrapalhando. Todavia, esse pequeno tropeço não tira o brilho do longa, um dos melhores nacionais recentes que vi ultimamente.
Hideo Gosha é especialista em filmes de samurai com a temática "Ronin contra o Sistema". Tirania, de 1969, é mais um ótimo exemplar da safra iniciada com Três Samurais Fora da Lei no início da década de sessenta.
Aqui, Gosha nos apresenta a Magobei, um Ronin, atormentado pela culpa ao testemunhar o assassinato de todos os moradores de uma vila de pescadores e não ter feito nada para impedir, que vaga sem rumo em busca de redenção. E ela poderá vir assim que ele descobre que outro massacre de inocentes está sendo planejado.
Tirania é um filme lindo. Apresenta cenas de luta de cair o queixo, num tremendo tour de force do cineasta. A fotografia e trilha sonora não ficam atrás, sendo um deleite para os olhos e ouvidos. Virei fã de Hideo Gosha. Para mim, um dos melhores diretores nipônicos da época.
Tecnicamente é maravilhoso. Cenas de batalha fantásticas. Fotografia e direção de arte impecáveis. Até ai nada de novo no cinema de Zhang Yimou. Os trabalhos do cineasta chinês são sempre um deleite para os olhos. Em Flores do Oriente, vemos a crueldade dos imperialistas japoneses, nas vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, durante a ocupação do país na China. Curiosamente, o protagonista do longa, o ator Christian Bale, ficou famoso, ainda criança, sendo também protagonista de um filme com temática parecida, Império do Sol de Steven Spielberg.
Flores do Oriente vale mais pela ótima direção de Yimou do que pelo roteiro em si. Ao "hollywoodizar" a trama, o filme acaba caindo, em algumas partes, no melodrama. Todavia, o final, mais ou menos em aberto, compensa.
Segundo filme de Fatih Akin que assisto - o primeiro foi o ótimo Em Pedaços - e não me decepciono.
Contra a Parede foi lançado em 2004 e traz a ex-atriz pornô alemã de origem turca Sibel Kekilli (Game of Thrones) em sua primeira atuação fora do cinema erótico. Sua performance visceral rendeu merecidos elogios e prêmios. Seu parceiro de elenco, Birol Ünel, não fica atrás, com seu personagem auto-destrutivo que aos poucos se descobre apaixonado.
Além de uma ótima história de amor atípica, Em Pedaços também é muito eficiente ao falar sobre imigração e os contrates culturais entre Turquia e Alemanha. O final é acertado e realista. Contudo, pode decepcionar os mais otimistas. Mas é aquilo, nem sempre a vida caminha como nós desejamos.
Filmaço de Fatih Akin - diretor que eu desconhecia e desde já admiro - que é um soco no estomago e desvirtua todos os esteriótipos de problemas de imigração/terrorismo, jogando na cara do espectador que o fascismo e os atos extremos estão muito mais perto do que imaginamos.
O longa tem um ótimo ritmo e grande atuação de Diane Kruger, que vai do céu ao inferno em questão de minutos. A cena final é esteticamente linda e seu significado fica por um bom tempo martelando na cabeça.
Produção tupiniquim/portenha de premissa muito boa, todavia de realização medíocre. Filme um tanto arrastado. Vale por ver, finalmente, a Carolina Dieckmann numa atuação decente,
A influência das religiões monoteístas - cristianismo e, principalmente, o islamismo - no Senegal é tema recorrente da obra do cineasta Ousmane Sembene. É notória a repulsa que o diretor sente por conta dessa cegueira religiosa que tomou seu povo de assalto e que deixou cicatrizes irreparáveis na cultura africana.
Guelwaar, filme de 1993, conta uma história inusitada. Por conta de um erro burocrático, o corpo de um cristão acaba sendo enterrado por engano no cemitério de um povoado muçulmano. Seu filho, um rapaz que vive em Paris, ao lado dos líderes do povoado cristão e de um policial, tentam resolver o problema, contudo, não será nada fácil convencer os islâmicos a cooperarem na correção do erro.
Em Guelwaar, Sembene vai ainda mais longe em sua crítica. Até mais do que em Ceddo, filme dos anos setenta, com temática semelhante, pois aqui ele escancara que além de sepultar uma cultura milenar, as religiões, ainda por cima, dividem o povo. Enquanto ficam preocupados com os dogmas de ambas as crenças, os habitantes do povoado não veem o que se passa a sua volta: são iludidos com doações de comida enquanto a corrupção do alto escalão impera. A única pessoa que enxergava a verdade era justamente o morto, Guelwaar. Em algumas cenas de flashback, a personalidade do falecido vem a tona, nos revelando uma persona atenta, combativa e desafiadora.
O estilo de Sembene continua o mesmo. Documental, prático e sem floreios. Seu cinema sempre traz um texto de teor político/social/religioso muito bem vindo e reflexivo. Atual e obrigatório, Sembene merece ser (re)conhecido por todos.
Mais uma vez os Irmãos Russo não deixam a peteca sair e acertam em sua abordagem do Universo Marvel, agora numa escala épica nunca antes vista. Guerra Infinita é o resultado de dez anos de trabalho árduo do estúdio para estruturar um universo coeso no cinema, assim como o faz nos quadrinhos há mais de cinquenta anos.
O grande crossover envolvendo quase todos os personagens apresentados ao longo dessa década acerta logo de início ao jogar o espectador direto na ação, sem delongas. Thanos está à caminho e não há tempo a perder. Aliás, em Guerra Infinita há uma completa inversão de papéis. O filme é de Thanos e sobre o mesmo. Ele é o personagem mais bem desenvolvido. É dele o arco principal. Os heróis, aqui, são relegados a coadjuvantes do Titã Louco, portanto não esperem grande desenvolvimento de tantos personagens, já que os mesmos nos foram apresentados e desenvolvidos em tantos outros filmes. As funções deles aqui são pontuais. Assim como acontece normalmente nas grandes sagas dos quadrinhos da editora.
A grande dúvida sobre esse filme era com relação a sua montagem. Como desenvolver narrativas paralelas sem perder o foco? Bem, felizmente, os Russo conseguiram. O filme é tão ágil e bem conduzido que suas duas horas e meia passam voando. As cenas de ação são ótimas e dinâmicas seguindo uma estrutura quase que saída diretamente das páginas dos gibis. O elenco, óbvio, é diverso e todos já sabem bem desempenhar suas funções. O destaque, no entanto, fica com Josh Brolin que consegue trazer certa emoção à um personagem totalmente digital. Longe do bonecão Lobo da Estepe do fraco Liga da Justiça, Thanos é palpável e ameaçador. Os roteiristas conseguiram acertar em suas motivações - mesmo que diferente dos quadrinhos - elevando o personagem, no quesito vilanesco, à figuras como Loki e Killmonger (embora eu ainda ache o último o melhor vilão da Marvel até o momento). O humor, como sempre, está presente, no entanto, de maneira mais contida e pontual já que a ameaça é grande e urgente. E, felizmente, os momentos cômicos funcionam. Não lembro de nenhuma piada que tenha sido totalmente sem graça ou constrangedora.
Eu não costumo gostar das trilhas sonoras dos filmes do estúdio, contudo, dessa vez, tenho que dar o braço à torcer para Alan Silvestri e sua partitura, pois ela é muito competente.
Sobre o filme, no geral, não tenho muitas ressalvas, mas algumas coisas incomodam, por exemplo: Bruce Banner. Essa sua versão cinematográfica vem o transformando num tremendo bobo da corte, deixando totalmente de lado sua personalidade conflituosa oriunda dos quadrinhos. Uma pena. Tirando isso, o Thor - outro que sempre me incomodou - até que deu uma melhorada e está bem menos bobo do que em seu filme anterior.
O final é inesperado e corajoso e com certeza vai pegar de jeito, principalmente, o público que não costuma ler os quadrinhos da editora. Já os calejados nos gibis vão ficar satisfeitos, no entanto vão sair do cinema matutando teoria atrás de teoria para reverter a situação. A cena pós crédito é muito boa e deixa um tremendo gancho para a continuação. Agora é esperar até maio do ano que vem para ver o que vai acontecer. Até lá, haja especulação.
Em 1981, debaixo do nariz dos milicos, Sócrates, Casagrande, Wladimir e companhia, trazem política ao Timão, mostrando que é possível o futebol andar antenado com o que acontece no país.
A Democracia Corintiana, a meu ver, foi o movimento mais importante da história do futebol brasileiro. Todas as decisões eram tomadas com base no voto, com extrema liberdade e entusiasmo social: por exemplo, o bicho - pagamento de prêmio em dinheiro pelos jogos ganhos - eram divididos com todos os colaboradores do Corinthians, de seu maior astro, Sócrates, à senhora que passava o uniforme dos jogadores. Imagine algo do gênero nos dias de hoje!? Isso sem contar que em campo, o time mandava muito bem e foi bi-campeão paulista nos anos de 82/83.
Em paralelo, a ótima montagem mostra o que acontecia no Brasil daquele período: o surgimento da new wave tupiniquim, a repressão dos milicos, as greves dos movimentos sindicais, a campanha das Diretas, etc, incluindo depoimentos de muita gente: Casagrande, Wladimir, outros jogadores do plantel, músicos, escritores, jornalistas, do presidente Lula e do craque Sócrates (que infelizmente faleceu antes do lançamento do filme).
Para os leigos em futebol, não há o menor problema. O filme não se foca em tática e nada do gênero. Sua função é fazer um paralelo entre o Timão da época e a ditadura, provando que nem sempre o jogador de futebol é um alienado. Saudades do Magrão, com seu futebol elegante, inteligência e verve política, o Doutor faz muita falta nos tempos sombrios em que vivemos.
Mais uma vez Ousmane Sembene não decepciona. Seu olhar preciso sobre temas relevantes e complexos que envolvem o continente Africano - e em alguns aspectos outras partes do mundo - sempre é de uma sensibilidade ímpar, apesar da crueza quase documental dos seus filmes. Ceddo trata do conflito cultural/religioso da adoção - ou melhor, imposição - do islamismo como religião oficial de uma pequena tribo num país não revelado (embora eu acredite se tratar do Senegal). A ascensão do Ímã (autoridade religiosa islâmica) no lugar cria a tensão necessária para um início de uma rebelião - que envolve o sequestro da filha do chefe da tribo - e gera diversas discussões entre os representantes da população sobre qual caminho seguir.
Sembene não poupa críticas as religiões monoteístas - islamismo e cristianismo - que sempre agiram de forma abrupta para angariar fieis e transformar culturalmente - quase sempre de forma nociva - todos os lugares por onde passam. Ceddo é um filme da década de setenta e se passa num lugar bem específico, contudo, ainda nos dias de hoje, mostra-se mais atual do que nunca, numa época em que até mesmo o ocidente vive com o sopro da teocracia em seu pescoço, inclusive aqui no Brasil. Portanto, Ceddo torna-se ainda mais obrigatório, pois além de um ótimo filme, de quebra, nos traz uma baita reflexão.
Complicado falar sobre um longa tão cheio de camadas como esse. Oriundo da excelente safra de filmes nipônicos lançados em 1964, A Mulher da Areia abrange diversos gêneros com maestria, tendo seu cenário - no caso a areia - como personagem de suma importância. Nunca antes tinha visto essa forma da natureza filmada de maneira tão claustrofóbica e erótica como nesse trabalho do diretor Hiroshi Teshigahara. O cineasta aguça o expectador com closes da areia nos corpos de seus protagonistas, misturados ao suor e ao calor quase insano do verão japonês. A mudança de personalidade do entomologista ao longo da projeção também é um excelente estudo antropológico de como as circunstâncias ao nosso redor mudam nossa forma de pensar e ver a vida. O final é surpreendente do ponto de vista cinematográfico, no entanto nem tanto como desenvolvimento de personagem. Sem sombra de dúvidas, um dos grandes filmes da década de sessenta. Obra-prima.
Candidato ao Oscar de Filme Estrangeiro desse ano muito bem conduzido e contundente para os dias atuais. Um insulto - como o próprio título do filme diz - causa uma tremenda celeuma entre libaneses e palestinos, abrindo velhas feridas e revelando como é terrível a situação de um povo que é considerado pária onde quer que esteja. No entanto, apesar de bem intencionado, ao seu final, o Insulto acaba por colocar panos quentes na situação que ele tão bem abordava até então. Contudo, esse pequeno deslize não tira os méritos de um dos melhores filmes do ano passado.
Filme teatral, com ótimos diálogos e atuação. Pena que caia na tentação de passar uma aura de Love Story (longa romântico da mesma época que levou multidões ao cinema), embora a relação entre os protagonistas seja muito mais complexa, tanto a música tema - de uma cafonice tremenda quanto o final - deixaram a desejar. No mais, o saldo ainda é positivo graças as boas situações apresentas na maioria do tempo de projeção.
O longa de Idrissa Ouedraogo tem influência do cinema de Sembène Ousmane na forma quase documental de sua narrativa. Também trata dos costumes, aqui numa pequena tribo num país africano não citado, onde questões como tradição, família e honra são colocadas a prova. O elenco é ótimo e Idrissa nos apresenta diversas cenas onde o cenário natural brilha. O final, surpreendente, foi muito bem vindo e coerente com tudo apresentado até então.
As Viúvas
3.4 410O novo longa do diretor Steve McQueen (12 Anos de Escravidão) é um bom policial onde seu maior mérito são as ótimas atuações graças a um elenco eclético e cheio de nomes de talento, encabeçados pela sempre excelente Viola Davis.
As Viúvas vale-se do momento onde a representatividade está em alta no cinema estadunidense e tenta encaixar isso e sua trama policial ao contexto sócio-econômico da contemporânea Chicago. Pena que o roteiro - apesar das boas intensões - acaba por se perder em diversas subtramas - apesar de interessantes - que não são desenvolvidas por completo. Além de exigir certa dose de descrença do espectador em dois momentos chave, o que acaba por nos deixar um tanto frustrados ao final da sessão.
O destaque vai mesmo para a direção de McQueen - o plano sequência do carro onde se encontra o personagem do Colin Farrell onde somos apresentados a dicotomia da cidade (da área carente à abastada) é sensacional - e as interpretações (pelo menos a Viola Davis merecia alguma indicação nas premiações).
No final, ainda com defeitos de roteiro, As Viúvas tem saldo positivo. Contudo, é realmente broxante pensar que com uma história mais polida e sem alguns excessos, teríamos um filmaço.
O Grande Circo Místico
2.2 139O representante tupiniquim para abocanhar uma vaguinha no Oscar do ano que vem - o que acabou não acontecendo merecidamente - é o típico caso de dinheiro jogado fora, tanto de quem pagou para o filme sair do papel, quanto de quem pagou ingresso - e pior para o primeiro caso, pois dificilmente o longa se pagará com sua arrecadação.
O Grande Circo Místico tem alguns bons momentos visuais e nada mais do que isso. O roteiro não desenvolve os personagens, nem situações que seriam interessantes, abandonando-as ao léu. Se talvez o diretor, Cacá Diegues, tivesse sido mais ousado e apostasse num filme mais longo, onde haveria tempo para o desenvolvimento necessário, talvez até teríamos uma obra interessante, pois o elenco não é de todo ruim e a ambientação circense, acompanhada de realismo mágico, é atraente. Uma pena.
A Noite de 12 Anos
4.3 302 Assista AgoraAs duas maiores qualidades de Uma Noite em 12 Anos são as seguintes: fugir do lugar comum que filmes sobre o passado de presidentes - seja de qualquer país - acabam caindo e nos incomodar e fazer refletir sobre a questão do autoritarismo e da tortura nesses tempos sombrios em que vivemos.
Conferi o longa de Àlvaro Brechner, em tela grande, no Rio de Janeiro, ao lado da minha namorada e de uma plateia afinada com o progressismo. Me senti "abraçado" - coisa que não acontecia há muitos anos comigo na sala escura - pelos meus companheiros de sessão. E isso foi fundamental, pois Uma Noite em 12 Anos é pesado e não poupa o espectador (fora raríssimos momentos onde há um pouco de humor). Não só pela maneira realista como é mostrado os maus tratos e a falta de humanidade tão presentes nas ditaduras latino americanas como pela perda da sanidade que pouco a pouco afeta o trio de protagonistas.
Dizem que o filme é sobre Mujica. De fato, o ex-presidente uruguaio é um dos protagonistas, contudo, por conta de sua personalidade, digamos, mais introspectiva, ele é o que menos "aparece" na película o que não é demérito nenhum, muito pelo contrário.
Uma Noite em 12 Anos, tecnicamente, é ótimo. Brechner soube enquadrar muito bem seus protagonistas, explorando todas as mazelas que a tortura física e psicológica pode causar. Ao mesmo tempo, eleva o espírito da resistência, mostrando que a determinação e o amor pela causa, mantém, até o mais frágil dos homens, inquebráveis.
Ao final de uma hora e quarenta de projeção o que nos resta é uma sensação conflituosa, onde saímos do cinema emocionados por conta da empatia que criamos com os três protagonistas e ao mesmo tempo com um sentimento forte de repulsa e coragem de gritar para o mundo que nunca mais vamos permitir que algo do gênero volte a acontecer no nosso continente. E eu sinto, eu sei, nós não vamos deixar.
A Maleta Fatídica
3.6 16A trama é simples e o elenco não é lá grande coisa (com exceção de Anne Bancroft), contudo Tourneur conduz com competência o longa, trazendo boas cenas de suspense, aliadas aos ótimos diálogos do roteiro.
Do Outro Lado
4.1 79Outro filmaço de Fatih Akin onde questões culturais/imigração entre Turquia e Alemanha vem a tona. O grande protagonista de Do Outro Lado é o acaso e suas consequências. Algumas coincidências do roteiro podem até parecerem forçadas, todavia o diretor conduz as rédeas de seu filme tão bem que consegue escapar, com louvor, das armadilhas em que esse tipo de artimanha da escrita pode levar, principalmente no seu final, que ficou bastante satisfatório. Se esse filme tivesse sido rodado em Hollywood, com certeza, teríamos um resultado clichê e cheio de chorume. Ao invés disso, temos um drama bem construído onde questões familiares e políticas caminham harmoniosamente.
O elenco é excelente, com destaque para Nursel Köse, cujo papel acaba sendo - infelizmente - pequeno, porém extremamente marcante, principalmente por conta de sua atuação, onde a atriz consegue expressar suas emoções através de um único olhar. Não a conhecia de outros trabalhos e imediatamente me tornei fã.
Esse é o terceiro longa de Fatih Akin que assisto. Os três são ótimos, fato que me fez ficar atento quanto a seus futuros trabalhos. Temos aqui mais um nome para a lista dos grandes diretores surgidos nos últimos vinte anos.
Western
3.5 15 Assista AgoraA diretora Valeska Grisebach consegue ser bem sucedida em lidar com um elenco e uma trama totalmente masculina, inclusive não é por acaso que título do longa é Western. Apesar de se passar nos dias de hoje, Western traz similaridades com o gênero do faroeste, tanto no arquétipo do "cowboy silencioso" quanto na "conquista de território".
O filme é sobre um grupo de trabalhadores da construção civil que são contratados para fazer um trabalho em solo búlgaro. Tal fato desperta velhas feridas - os nazistas invadiram a Bulgária durante a Segunda Guerra - culminando num conflito não explicito - embora haja muito preconceito de cunho xenofóbico/imperialista - entre os trabalhadores alemães e os habitantes de um vilarejo próximo a fronteira com a Grécia.
Apesar do tema interessante, boas atuações e tecnicamente ótimo, Western peca por ser, as vezes, muito contemplativo e arrastado. Se não fossem esses pormenores estaríamos diante de uma obra muito mais marcante. Porém, ainda assim, é um boa pedida para quem gosta de cinema europeu.
Direções
3.9 17Ótimo longa búlgaro que revela o atual panorama social do país. Um motorista de táxi assassina o gerente do seu banco por conta das taxas exorbitantes que o mesmo queria cobrar por um empréstimo (dinheiro necessário para o motorista - o táxi é um "bico" para complementar a renda - salvar seu negócio). Partindo daí, a câmera do diretor Stephan Komandarev acompanha diversos outros taxistas - e seus passageiros - durante a noite que se seguiu ao crime.
Komandarev surpreende com uma direção precisa onde temos diversos planos sequências que valorizam não só o filme esteticamente como também o trabalho do ótimo elenco. O roteiro cutuca nas feridas de uma nação considerada "periferia da Europa" onde suas mazelas sociais/econômicas/culturais são dissecadas através dos ótimos diálogos e comportamento tanto dos motoristas quanto de seus passageiros. Temos a juventude alienada. O taxista que quer tirar vantagem. O búlgaro que vive em outro país e que odeia e difama sua nação, só para citar alguns exemplos.
Direções trata da Búlgaria, no entanto, pode-se traçar um paralelo entre outros países emergentes, principalmente no que tange aos males sociais causados pelo capitalismo.
O Círculo
4.1 32Longa iraniano quase documental que narra os percalços das mulheres, naquele país, que recém saíram da prisão. Se num Estado laico, a coisa já é complicada para indivíduos que cumpriram pena, imagina numa teocracia patriarcal como o Irã. E é justamente isso que o diretor Jafar Panahi expõe em O Círculo.
A câmera de Panahi segue suas protagonistas de perto e troca o ponto de vista das mulheres ao longo da narrativa de forma bem natural. O Círculo é cru. Não há trilha sonora e a forma tanto das atuações quanto do mise en scene são bastante naturalistas. Uma ótima pedida para quem quer conhecer mais da cultura de um país tão complexo e descobrir seu cinema, que, ao que venho notando, é bastante variado - tanto em temas quanto em formas de abordagem.
Filhos do Paraíso
4.4 344 Assista AgoraAssim como foi na época do neorrealismo italiano, Filhos do Paraíso é singelo, todavia, felizmente, sem nunca "poetizar" a pobreza. Aliás, em determinado momento, há até uma crítica válida sobre a questão entre pobres e ricos no Irã.
Tecnicamente, é impecável. Grandes atuações, principalmente das crianças, fotografia que nos "joga" diretamente nos becos de um bairro pobre iraniano, além de cenas muito bem pensadas, como, por exemplo, a que fecha o filme (com chave de ouro).
Filmes como Os Filhos do Paraíso são essenciais pois falam de problemas mundanos realmente relevantes. Na vida dos dois irmãos pobres, a falta de um simples par de sapatos faz uma diferença gigantesca, gerando inúmeros sacrifícios para que ambos possam frequentar a escola. O longa iraniano fala diretamente com o público brasileiro, ainda mais nos tempos em que vivemos, onde a extrema pobreza voltou com força total. Os Filhos do Paraíso é uma obra-prima, daquelas feitas para emocionar e refletir.
Joaquim
3.6 71 Assista AgoraObra surpreendente - a começar pela cena de abertura impactante - e bastante singular por desmistificar Tiradentes e humanizá-lo, tornando-o palpável e muito mais interessante do que o personagem que conhecemos através das aulas de História. Aqui ele é retratado ainda em sua época de alferes, como, praticamente, um brucutu pouco instruído que exibe "talento" com um boticão na mão e um dente ferrado à sua frente (com ecos de Humphrey Bogart em o Tesouro da Sierra Madre). O filme é munido de ótimas atuações, com destaque para o protagonista e o elenco de origem africana.
E o longa não é só bem sucedido em seu conceito, todo o trabalho de reconstituição de época de forma realista - quase documental - foi um tremendo acerto. A sujeira, o coloquialismo da linguagem, os costumes, as passagens que lembram os westerns, tudo, pelo menos para mim, funcionou que foi uma beleza. Tecnicamente, minha única ressalva foi o excesso de câmera na mão. Em algumas sequências essa forma de filmagem acabou atrapalhando. Todavia, esse pequeno tropeço não tira o brilho do longa, um dos melhores nacionais recentes que vi ultimamente.
Tirania
4.2 7Hideo Gosha é especialista em filmes de samurai com a temática "Ronin contra o Sistema". Tirania, de 1969, é mais um ótimo exemplar da safra iniciada com Três Samurais Fora da Lei no início da década de sessenta.
Aqui, Gosha nos apresenta a Magobei, um Ronin, atormentado pela culpa ao testemunhar o assassinato de todos os moradores de uma vila de pescadores e não ter feito nada para impedir, que vaga sem rumo em busca de redenção. E ela poderá vir assim que ele descobre que outro massacre de inocentes está sendo planejado.
Tirania é um filme lindo. Apresenta cenas de luta de cair o queixo, num tremendo tour de force do cineasta. A fotografia e trilha sonora não ficam atrás, sendo um deleite para os olhos e ouvidos. Virei fã de Hideo Gosha. Para mim, um dos melhores diretores nipônicos da época.
Flores do Oriente
4.2 774 Assista AgoraTecnicamente é maravilhoso. Cenas de batalha fantásticas. Fotografia e direção de arte impecáveis. Até ai nada de novo no cinema de Zhang Yimou. Os trabalhos do cineasta chinês são sempre um deleite para os olhos. Em Flores do Oriente, vemos a crueldade dos imperialistas japoneses, nas vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, durante a ocupação do país na China. Curiosamente, o protagonista do longa, o ator Christian Bale, ficou famoso, ainda criança, sendo também protagonista de um filme com temática parecida, Império do Sol de Steven Spielberg.
Flores do Oriente vale mais pela ótima direção de Yimou do que pelo roteiro em si. Ao "hollywoodizar" a trama, o filme acaba caindo, em algumas partes, no melodrama. Todavia, o final, mais ou menos em aberto, compensa.
Contra a Parede
4.1 156Segundo filme de Fatih Akin que assisto - o primeiro foi o ótimo Em Pedaços - e não me decepciono.
Contra a Parede foi lançado em 2004 e traz a ex-atriz pornô alemã de origem turca Sibel Kekilli (Game of Thrones) em sua primeira atuação fora do cinema erótico. Sua performance visceral rendeu merecidos elogios e prêmios. Seu parceiro de elenco, Birol Ünel, não fica atrás, com seu personagem auto-destrutivo que aos poucos se descobre apaixonado.
Além de uma ótima história de amor atípica, Em Pedaços também é muito eficiente ao falar sobre imigração e os contrates culturais entre Turquia e Alemanha. O final é acertado e realista. Contudo, pode decepcionar os mais otimistas. Mas é aquilo, nem sempre a vida caminha como nós desejamos.
Em Pedaços
3.9 236 Assista AgoraFilmaço de Fatih Akin - diretor que eu desconhecia e desde já admiro - que é um soco no estomago e desvirtua todos os esteriótipos de problemas de imigração/terrorismo, jogando na cara do espectador que o fascismo e os atos extremos estão muito mais perto do que imaginamos.
O longa tem um ótimo ritmo e grande atuação de Diane Kruger, que vai do céu ao inferno em questão de minutos. A cena final é esteticamente linda e seu significado fica por um bom tempo martelando na cabeça.
O Silêncio do Céu
3.5 225 Assista AgoraProdução tupiniquim/portenha de premissa muito boa, todavia de realização medíocre. Filme um tanto arrastado. Vale por ver, finalmente, a Carolina Dieckmann numa atuação decente,
Hostis
3.7 157Bom western de direção e elenco competentes. Apesar não trazer grandes novidades, prende a atenção e tem uma trama interessante de redenção.
Guelwaar
3.9 2A influência das religiões monoteístas - cristianismo e, principalmente, o islamismo - no Senegal é tema recorrente da obra do cineasta Ousmane Sembene. É notória a repulsa que o diretor sente por conta dessa cegueira religiosa que tomou seu povo de assalto e que deixou cicatrizes irreparáveis na cultura africana.
Guelwaar, filme de 1993, conta uma história inusitada. Por conta de um erro burocrático, o corpo de um cristão acaba sendo enterrado por engano no cemitério de um povoado muçulmano. Seu filho, um rapaz que vive em Paris, ao lado dos líderes do povoado cristão e de um policial, tentam resolver o problema, contudo, não será nada fácil convencer os islâmicos a cooperarem na correção do erro.
Em Guelwaar, Sembene vai ainda mais longe em sua crítica. Até mais do que em Ceddo, filme dos anos setenta, com temática semelhante, pois aqui ele escancara que além de sepultar uma cultura milenar, as religiões, ainda por cima, dividem o povo. Enquanto ficam preocupados com os dogmas de ambas as crenças, os habitantes do povoado não veem o que se passa a sua volta: são iludidos com doações de comida enquanto a corrupção do alto escalão impera. A única pessoa que enxergava a verdade era justamente o morto, Guelwaar. Em algumas cenas de flashback, a personalidade do falecido vem a tona, nos revelando uma persona atenta, combativa e desafiadora.
O estilo de Sembene continua o mesmo. Documental, prático e sem floreios. Seu cinema sempre traz um texto de teor político/social/religioso muito bem vindo e reflexivo. Atual e obrigatório, Sembene merece ser (re)conhecido por todos.
Vingadores: Guerra Infinita
4.3 2,6K Assista AgoraMais uma vez os Irmãos Russo não deixam a peteca sair e acertam em sua abordagem do Universo Marvel, agora numa escala épica nunca antes vista. Guerra Infinita é o resultado de dez anos de trabalho árduo do estúdio para estruturar um universo coeso no cinema, assim como o faz nos quadrinhos há mais de cinquenta anos.
O grande crossover envolvendo quase todos os personagens apresentados ao longo dessa década acerta logo de início ao jogar o espectador direto na ação, sem delongas. Thanos está à caminho e não há tempo a perder. Aliás, em Guerra Infinita há uma completa inversão de papéis. O filme é de Thanos e sobre o mesmo. Ele é o personagem mais bem desenvolvido. É dele o arco principal. Os heróis, aqui, são relegados a coadjuvantes do Titã Louco, portanto não esperem grande desenvolvimento de tantos personagens, já que os mesmos nos foram apresentados e desenvolvidos em tantos outros filmes. As funções deles aqui são pontuais. Assim como acontece normalmente nas grandes sagas dos quadrinhos da editora.
A grande dúvida sobre esse filme era com relação a sua montagem. Como desenvolver narrativas paralelas sem perder o foco? Bem, felizmente, os Russo conseguiram. O filme é tão ágil e bem conduzido que suas duas horas e meia passam voando. As cenas de ação são ótimas e dinâmicas seguindo uma estrutura quase que saída diretamente das páginas dos gibis. O elenco, óbvio, é diverso e todos já sabem bem desempenhar suas funções. O destaque, no entanto, fica com Josh Brolin que consegue trazer certa emoção à um personagem totalmente digital. Longe do bonecão Lobo da Estepe do fraco Liga da Justiça, Thanos é palpável e ameaçador. Os roteiristas conseguiram acertar em suas motivações - mesmo que diferente dos quadrinhos - elevando o personagem, no quesito vilanesco, à figuras como Loki e Killmonger (embora eu ainda ache o último o melhor vilão da Marvel até o momento). O humor, como sempre, está presente, no entanto, de maneira mais contida e pontual já que a ameaça é grande e urgente. E, felizmente, os momentos cômicos funcionam. Não lembro de nenhuma piada que tenha sido totalmente sem graça ou constrangedora.
Eu não costumo gostar das trilhas sonoras dos filmes do estúdio, contudo, dessa vez, tenho que dar o braço à torcer para Alan Silvestri e sua partitura, pois ela é muito competente.
Sobre o filme, no geral, não tenho muitas ressalvas, mas algumas coisas incomodam, por exemplo: Bruce Banner. Essa sua versão cinematográfica vem o transformando num tremendo bobo da corte, deixando totalmente de lado sua personalidade conflituosa oriunda dos quadrinhos. Uma pena. Tirando isso, o Thor - outro que sempre me incomodou - até que deu uma melhorada e está bem menos bobo do que em seu filme anterior.
O final é inesperado e corajoso e com certeza vai pegar de jeito, principalmente, o público que não costuma ler os quadrinhos da editora. Já os calejados nos gibis vão ficar satisfeitos, no entanto vão sair do cinema matutando teoria atrás de teoria para reverter a situação. A cena pós crédito é muito boa e deixa um tremendo gancho para a continuação. Agora é esperar até maio do ano que vem para ver o que vai acontecer. Até lá, haja especulação.
Democracia em Preto e Branco
4.1 35Em 1981, debaixo do nariz dos milicos, Sócrates, Casagrande, Wladimir e companhia, trazem política ao Timão, mostrando que é possível o futebol andar antenado com o que acontece no país.
A Democracia Corintiana, a meu ver, foi o movimento mais importante da história do futebol brasileiro. Todas as decisões eram tomadas com base no voto, com extrema liberdade e entusiasmo social: por exemplo, o bicho - pagamento de prêmio em dinheiro pelos jogos ganhos - eram divididos com todos os colaboradores do Corinthians, de seu maior astro, Sócrates, à senhora que passava o uniforme dos jogadores. Imagine algo do gênero nos dias de hoje!? Isso sem contar que em campo, o time mandava muito bem e foi bi-campeão paulista nos anos de 82/83.
Em paralelo, a ótima montagem mostra o que acontecia no Brasil daquele período: o surgimento da new wave tupiniquim, a repressão dos milicos, as greves dos movimentos sindicais, a campanha das Diretas, etc, incluindo depoimentos de muita gente: Casagrande, Wladimir, outros jogadores do plantel, músicos, escritores, jornalistas, do presidente Lula e do craque Sócrates (que infelizmente faleceu antes do lançamento do filme).
Para os leigos em futebol, não há o menor problema. O filme não se foca em tática e nada do gênero. Sua função é fazer um paralelo entre o Timão da época e a ditadura, provando que nem sempre o jogador de futebol é um alienado. Saudades do Magrão, com seu futebol elegante, inteligência e verve política, o Doutor faz muita falta nos tempos sombrios em que vivemos.
Ceddo
3.8 22Mais uma vez Ousmane Sembene não decepciona. Seu olhar preciso sobre temas relevantes e complexos que envolvem o continente Africano - e em alguns aspectos outras partes do mundo - sempre é de uma sensibilidade ímpar, apesar da crueza quase documental dos seus filmes. Ceddo trata do conflito cultural/religioso da adoção - ou melhor, imposição - do islamismo como religião oficial de uma pequena tribo num país não revelado (embora eu acredite se tratar do Senegal). A ascensão do Ímã (autoridade religiosa islâmica) no lugar cria a tensão necessária para um início de uma rebelião - que envolve o sequestro da filha do chefe da tribo - e gera diversas discussões entre os representantes da população sobre qual caminho seguir.
Sembene não poupa críticas as religiões monoteístas - islamismo e cristianismo - que sempre agiram de forma abrupta para angariar fieis e transformar culturalmente - quase sempre de forma nociva - todos os lugares por onde passam. Ceddo é um filme da década de setenta e se passa num lugar bem específico, contudo, ainda nos dias de hoje, mostra-se mais atual do que nunca, numa época em que até mesmo o ocidente vive com o sopro da teocracia em seu pescoço, inclusive aqui no Brasil. Portanto, Ceddo torna-se ainda mais obrigatório, pois além de um ótimo filme, de quebra, nos traz uma baita reflexão.
A Mulher da Areia
4.5 96Complicado falar sobre um longa tão cheio de camadas como esse. Oriundo da excelente safra de filmes nipônicos lançados em 1964, A Mulher da Areia abrange diversos gêneros com maestria, tendo seu cenário - no caso a areia - como personagem de suma importância. Nunca antes tinha visto essa forma da natureza filmada de maneira tão claustrofóbica e erótica como nesse trabalho do diretor Hiroshi Teshigahara. O cineasta aguça o expectador com closes da areia nos corpos de seus protagonistas, misturados ao suor e ao calor quase insano do verão japonês. A mudança de personalidade do entomologista ao longo da projeção também é um excelente estudo antropológico de como as circunstâncias ao nosso redor mudam nossa forma de pensar e ver a vida. O final é surpreendente do ponto de vista cinematográfico, no entanto nem tanto como desenvolvimento de personagem. Sem sombra de dúvidas, um dos grandes filmes da década de sessenta. Obra-prima.
O Insulto
4.1 168Candidato ao Oscar de Filme Estrangeiro desse ano muito bem conduzido e contundente para os dias atuais. Um insulto - como o próprio título do filme diz - causa uma tremenda celeuma entre libaneses e palestinos, abrindo velhas feridas e revelando como é terrível a situação de um povo que é considerado pária onde quer que esteja. No entanto, apesar de bem intencionado, ao seu final, o Insulto acaba por colocar panos quentes na situação que ele tão bem abordava até então. Contudo, esse pequeno deslize não tira os méritos de um dos melhores filmes do ano passado.
Tudo Bem no Ano que Vem
3.8 58Filme teatral, com ótimos diálogos e atuação. Pena que caia na tentação de passar uma aura de Love Story (longa romântico da mesma época que levou multidões ao cinema), embora a relação entre os protagonistas seja muito mais complexa, tanto a música tema - de uma cafonice tremenda quanto o final - deixaram a desejar. No mais, o saldo ainda é positivo graças as boas situações apresentas na maioria do tempo de projeção.
Tilaï - Questão de Honra
3.7 4 Assista AgoraO longa de Idrissa Ouedraogo tem influência do cinema de Sembène Ousmane na forma quase documental de sua narrativa. Também trata dos costumes, aqui numa pequena tribo num país africano não citado, onde questões como tradição, família e honra são colocadas a prova. O elenco é ótimo e Idrissa nos apresenta diversas cenas onde o cenário natural brilha. O final, surpreendente, foi muito bem vindo e coerente com tudo apresentado até então.