Não assisti o primeiro e não senti falta de assisti-lo, pois este contextualiza bem o protagonista.
Apesar de carecer de um roteiro melhor as cenas de ação empolgam, e os efeitos especiais são um dos destaques, muito bem integrados quando surgem na tela.
Nas interpretações os destaques ficam pra interpretação surtada e oscilante de Nicolas Cage, que encontra aqui a oportunidade perfeita pra empregar seu característicos overacting. Idris Elba também ficou muito à vontade no papel de Moreau, mas infelizmente é pouco aproveitado na trama, apesar de render bons momentos com a parceria dele com Johnny Blaze.
Ao contrário de muita gente que desmerece a filmografia da dupla de diretores, eu aprecio muito seus trabalhos anteriores, e atualmente são dois dos poucos realizadores do gênero que chamam minha atenção pelo estilo enérgico que imprimem em seus trabalhos.
Pena que o filme não foi bem de público e nem de crítica, pois eu gostaria de ver mais um dirigido pela dupla, que cinematograficamente falando soube explorar bem o potencial do personagem. Merecia uma nova chance, na minha opinião.
Recomendo, mesmo pra quem não assistiu o primeiro filme.
É o filme "de luta" mais democrático que já assisti, com mulher, idoso, criança e até aleijado distribuindo porrada durante o "climax" do filme, que basicamente começa na metade dele!
Dublê tailandês devia ser o mais bem pago do mundo, porque tem que ter muita coragem (e ser muito louco) pra aceitar fazer umas cenas de ação que doem só de assistir.
Outra idéia não convencional que achei sensacional é o vilão do filme ser morto muito antes da história terminar com um tiro de bazuca (!).
Apesar de ser graficamente violento, e investir no sofrimento de crianças e idosos para tornar os inimigos ainda mais detestáveis, não tem como levar o filme a sério quando ele dá início à sua catártica seqüência de cenas de ação que abandonam qualquer fiapo de história que ele possuía na primeira metade. E é justamente o exagero que domina-o daí pra frente que o torna tão divertido de assistir.
E lembre-se: se você vir um tailandês amarrando uma faixa na cabeça, é porque a porra ficou séria.
Tornatore demonstra aqui uma capacidade invejável de reproduzir em todas as cores, texturas e sensações o florescer da sexualidade em um garoto cuja adolescência coincide com um momento dramático e traumático da Itália em plena 2ª Guerra Mundial.
Corajoso na maneira como exigiu dos atores entrega e despudor, o que certamente deve ter despertado sua parcela de controvérsias na época do lançamento do filme, parte da força e da afinidade que o filme desperta no espectador reside justamente em evitar quaisquer hipocrisias no momento de reproduzir visualmente os desejos do protagonista. Apesar de idealizadas, suas fantasias são autênticas pela carga sexual que possuem, e este é um dos grandes méritos de Tornatore.
Outro é a ótima sacada de mudar gradualmente o tom da histórica, sincronizando-a com as mudanças hormonais e emocionais de Renato, conforme este vai penetrando a intimidade de sua diva, e com isto tendo acesso a verdades mais profundas a respeito dela, e abandonando aos poucos a versão idealizada que carregava consigo.
Reparem também como o comportamento dos demais personagens mudam de uma versão mais caricata para um tom mais sério e sombrio conforme a história avança e o personagem amadurece, acompanhando sua visão cada vez menos filtrada por pelas cores e vivacidade de sua inocência.
Para que todo conjunto funcionasse foi fundamental a fotografia evocativa, que dá ao filme uma identidade visual que mescla uma atmosfera de sonho, lembrança e fotos amareladas e envelhecidas de um álbum de família, e a trilha sonora de Morricone, essencial para realçar o aspecto fantasioso e estilizado o filme.
E se tudo isto não convencê-lo de que é um filme que vale a pena, nunca é demais lembrar que Monica Bellucci exibe toda sua beleza e nudez em boa parte dele, o que é sempre motivo suficiente para conferir qualquer filme.
O filme pode até focar-se demais na missão de Richard O'Barry e toda a equipe que acaba se reunindo em torno dele para fazer algo a respeito da matança de golfinhos em Taiji, ao mesmo tempo em que escolhe alguns personagens-chave para pintá-los de vilões, mas, por mais maniqueísta que ele possa soar em alguns momentos (como na dramatização das missões da equipe, e o manifesto público no final), crueldade contra seres vivos cuja inteligência e autoconsciência foram tantas vezes provadas cientificamente é algo que atinge fundo qualquer pessoa minimamente sensível ao sofrimento alheio, seja ele humano ou animal.
The Cove não é um documentário perfeito. Algumas escolhas na trilha sonora incomodam por darem um tom que muitas vezes não combina com o que está sendo mostrado. Há uma ridicularização excessiva em alguns pontos de parte dos envolvidos direta e indiretamente na matança de golfinhos, dando-lhes traços caricatos. Em outros momentos soa panfletário, e há uma nítida tentativa de tornar Louie e sua equipe heróis diante dos espectadores.
Por outro lado, as informações reunidas e expostas sobre a exploração e caça predatória são muito detalhadas e bem encadeadas, tornando clara para o leigo toda a complexidade do problema que busca não apenas revelar como combater.
O maior serviço que este documentário presta não é o de nos tratar como mera platéia para aplaudir os esforços de todos os envolvidos em sua produção (embora eles mereçam o crédito), mas o de nos provocar, cobrar alguma ação de nossa parte, se não através de nosso envolvimento em atividades semelhantes, ao menos em pequenas escolhas no nosso dia-a-dia que visem ajudar tal causa de alguma forma.
Repito o que eu acabo de escrever no Facebook como minha reação imediata ao que vi aqui: dá vontade de parar de consumir qualquer tipo de carne depois de assistir um filme tão alarmante como este. Por mais simplista que tal decisão possa soar diante de algo tão complicado de ser eliminado, é a partir destas pequenas escolhas, feitas coletivamente, que podemos mudar um pouco parte do que há de mais horrível neste mundo. É por isto que, por mais imperfeito que este filme seja, não consigo considerá-lo nada menos que excelente em sua maneira de nos atingir.
Às vezes é bom assistir um filme sem conhecer muito a respeito de sua produção, assim nossas reações a ele são mais puras, e nos surpreendemos com maior facilidade pelos rumos que ele toma, sem influência de "hype" e especulações em torno das grandes premiações. Demorei um tempo pra assistir Exit Through... e não me arrependi.
Começa que eu não conhecia muito sobre a história da street art, só sabia que Banksy era um artista muito respeitado por seu trabalho e influência, e que o documentário era dirigido por ele. Portanto minha primeira surpresa foi descobrir que na verdade ele se tratava, em parte, de um making of meio autobiográfico sobre sua própria produção, que acaba se transformando na história não-oficial da street art, que por sua vez é, no fundo, a história de um homem em busca de um objetivo para sua vida, o qual vai do grande triunfo de realizar seu sonho, ao ridículo de tornar-se uma piada que ele próprio se nega a enxergar.
É prazeroso e empolgante acompanhar a trajetória de Thierry, que parte de um mero hobby descompromissado para uma verdadeira cruzada que atinge proporções monumentais, quando ele se dá conta de que, sem perceber, estava montando uma coleção sem precedentes no mundo, na qual só faltava uma peça. E no ponto em que ele finalmente a conquista já estamos tão envolvidos com sua viagem que é impossível não conter aquela crescente onda de orgulho alheio em forma de calor que se espalha pelo corpo todo feito um arrepio de prazer. É quase como um êxtase religioso este momento.
Mas Exit Through... tem outra grande sacada que é não parar em seu momento de maior glória, e seguir adiante para explorar as conseqüências dela. Quando um homem realiza seu maior sonho, o que lhe resta? Basta ver a perplexidade com que a resposta a esta pergunta é recebida pelos artistas cujo trabalho Thierry registrou em sua imensa coleção de vídeos para entendermos que alguns sonhos podem se tornar maiores do que o objetivo inicialmente perseguido.
Exit Through the Gift Shop acaba se revelando ao final como um apanhado do que há de mais significativo na street art, uma saudação àqueles dispostos a imortalizá-la através da documentação, e um alerta para os riscos da popularização e massificação da arte de um modo geral. É também um filme sobre a linha tênue que separa um verdadeiro gênio artístico de um oportunista que viu na arte que tanto admirava uma forma alcançar uma notoriedade tão grande ou maior que aqueles que o inspiraram. Mas, acima disto tudo, é um filme divertido, cheio daquelas ironias ao mesmo tempo deliciosas e dolorosas que a vida nos apresenta, e com um protagonista nos deixa divididos entre simpatizar com ele e desprezá-lo. Um grande filme, inusitado na genialidade de sua condução.
Um dos artifícios mais essenciais para o sucesso de uma narrativa ficcional cinematográfica, salvo raras exceções, é a inserção de um conflito em determinado ponto da história que irá movê-la, e seus personagens, até seu desfecho. Como Diz a Bíblia não é uma ficção, mas uma apurada e ampla análise de um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade desde sempre: o preconceito e a intolerância pelo que diferente. E se há um elemento narrativo que Daniel G. Karslake domina com maestria é a exposição dos muitos conflitos éticos, morais, religiosos e científicos que giram em torno da homossexualidade.
A abertura já nos joga em meio a uma enxurrada de ataques de fundamentalistas religiosos contra o que eles consideram uma "abominação", algo que vai contra a vontade de Deus, para só depois nos apresentar os pais e os filhos afetados por tamanha carga de incompreensão e fanatismo religioso em sua luta para não ceder a suas pressões.
Com uma montagem inteligente e agressiva, em vários momentos Karslake contrasta de maneira seca e objetiva os argumentos defendidos por cada um dos lados, como no momento em que vemos pessoas comemorando a eleição do bispo gay, seguido diretamente pelo depoimento de um homem que expõe seu imenso preconceito contra o ocorrido apoiando-se em seu fanatismo cego, entre muitos outros trechos semelhantes.
Apesar da montagem agressiva, o documentário é muito bem sucedido em criar vínculos afetivos entre o espectador e os vários personagens, ao expôr as dificuldades que foram obrigados a enfrentar tanto na sociedade em que vivem, como dentro de si mesmos, sendo forçados a vencer seus próprios preconceitos e medos para seguir adiante e voltar-se contra preceitos que julgavam fundamentais e inflexíveis em suas próprias religiões, a favor do amor por seus filhos. Difícil existir um conflito maior que este.
Por mais imparcial que o diretor procurou ser, ao apresentar de maneira muito equilibrada todos os lados da questão, é difícil terminar de assisti-lo sem revoltar-se profundamente com a imensa quantidade de pessoas que ainda existem neste mundo engajadas numa luta que vai contra o que há de mais essencial na religião cristã: a propagação do amor, não apenas entre um homem e uma mulher, mas entre a irmandade em que a humanidade deveria se converter, segundo as palavras de seu maior propagador, aquele que tanto veneram e morreu na cruz para purgá-los de seus pecados.
Felizmente o documentário também consegue ser gratificante ao mostrar o ponto de vista de vários religiosos mais conscientes da verdadeira natureza dos textos bíblicos, além de renovar nossa fé na capacidade do ser humano em acolher o diferente, ao mostrar pais e filhos corajosos em sua busca para se entenderem, se compreenderem e alcançarem alguma redenção, mesmo que esta chegue para alguns como resultado de uma tragédia.
Talvez a mensagem mais ressonante que este excelente documentário de Eduardo Coutinho conseguiu passar, além da flagrante semelhança entre a política dos militares de 1964, distorcendo fatos para atingir supostos inimigos assim como os estadunidenses em suas campanhas militares ao longo de décadas (como bem observou meu xará abaixo), é a da capacidade que uma família de camponeses nordestinos teve de espalhar sua presença e influência pelo país inteiro e fora dele através de seus filhos, todos marcados pelo passado em comum e pelo meio onde viveram nas quase duas décadas seguintes à separação da família, indicado por seus sotaques tão variados quanto os existentes nas diferentes regiões do Brasil.
Foi o que mais chamou minha atenção, além da habilidade de Coutinho deixar seus entrevistados muito à vontade com a presença da câmera, e extrair deles relatos muito sinceros, emocionados e poderosos. Grande momento do cinema brasileiro, que merecia todo um trabalho de restauração e recuperação da imagem e do som para deixá-lo à altura do rico e pertinente material que reuniu.
Excelente documentário que, apesar de despertar fascínio e curiosidade através dos relatos de experiências com o DMT, é equilibrado o suficiente em suas entrevistas para não inclinar-se para a apologia pura, tomando o caminho mais centrado e correto de incentivar pesquisas mais aprofundadas a respeito de uma molécula que parece guardar e desencadear tantos segredos, dando à mente humana acesso a uma quantidade imensurável de informações, a respeito de nós mesmos e do universo.
Foi muito feliz da parte dos realizadores a inclusão de vários grafismos mesclando imagens geradas por computador, pinturas e fractais para ilustrar os relatos que tomam parte do documentário, somando-os a uma trilha sonora evocativa que estimula o espectador a criar em seu próprio quadro mental as imagens descritas pelos entrevistados. Com isto o documentário se tornou mais rico por levar o espectador a participar da experiência de livre associação vivenciada por alguns deles, e tirar suas próprias conclusões a respeito delas.
Elogiável também é a maneira sóbria com que os entrevistados foram selecionados, e suas diferentes visões e opiniões reunidas a fim de expôr o tema da maneira mais abrangente e imparcial possível.
Não o vejo como uma elaborada tentativa de aumentar o número de usuários do DMT, mas, acima de tudo, uma bela iniciativa de despertar em nós o interesse de investigar mais a fundo nós mesmos, nosso papel no mundo e em nosso futuro como espécie, e um incentivo a mais pra agregarmos e combinarmos mais conhecimento, proveniente de diferentes ramos da ciência, sem medo de relacioná-la às experiências espirituais e místicas, estas igualmente humanas. Há um preconceito ainda muito grande contra aqueles que tentam derrubar as barreiras entre tais fontes de conhecimento, e é sempre louvável quando alguém procura conscientizar-nos de que tais combinações podem ser enriquecedoras e fundamentais para nosso futuro, se bem embasadas e livres de repressões preconceituosas.
Êxtase cinematográfico. Não consigo pensar em descrição melhor. Pra assistir na melhor resolução possível, na maior tela que encontrar. Imersão total garantida.
É o tipo de filme que devia passar todo ano nos cinemas, pois todo cinéfilo merecia ter uma experiência como esta no "templo" mais adequado a ela. E se tem um filme que merece este tratamento é este.
O filme adota um estilo de narrativa muito semelhante ao da excepcional série americana The Wire, concentrando-se tanto nas minúcias do trabalho da BPM como na vida pessoal de seus membros e de algumas das vítimas e criminosos de cujos casos eles cuidam.
Fiquei tão interessado em cada subtrama e em cada um dos membros da brigada, e na variedade de casos com os quais têm que lidar, que desejei assistir uma série baseada no filme, que se aprofundasse em cada caso investigado, e me permitisse conhecer um pouco mais da vida de cada um daqueles homens e mulheres tão cheios de histórias pra contar. Não consigo pensar em elogio melhor para um filme como este, que consegue ser tão completo no tema que aborda, e ainda assim te deixa com vontade de continuar um pouco mais ao lado de seus personagens.
Um dos melhores filmes que assisti este ano até agora. Maïwenn sem dúvida é uma diretora cujo trabalho merece ser acompanhado de perto.
Um diretor no ápice de suas capacidades criativas. Uma trilha sonora que beira o sublime e etéreo. A obra máxima de Fellini, e um dos finais mais belos e catárticos da história do cinema. De fazer chorar e com gosto diante do espetáculo que se conclui perfeito em cada aspecto.
A verdade é que eu comprei a jornada onírica, espiritual e transcendental do Tio Boonmee, e deixei a razão e a lógica um pouco de lado. Não digo que é um filme em que você deve "desligar o cérebro", muito pelo contrário. Mas é, sem dúvida, um filme que te convida a entrar naquele microverso de cabeça, e encará-lo com a mesma trivialidade com que Boonmee e seus familiares recebem sua esposa falecida e seu filho-macaco.
Não vou tentar vender aqui uma leitura profunda e altamente filosófica do filme, pois cheguei num ponto dele em que não tentei mais extrair uma grande verdade daquilo que vi. O que realmente me cativou aqui foi a capacidade do diretor em me levar praquele sonho, e me sentir totalmente imerso no sonho de outra pessoa, e apreciar muito a viagem, sem estragá-la tentando analisá-la.
Fiquei muito feliz com o que vi, da mesma forma que Boonmee abraçou sua viagem final para a caverna do princípio e do fim, assim como a princesa aceitou a oferta do peixe que prometeu transformá-la, ou o filho que foi atrás da criatura mítica na qual acabou transformado. Acho que esta é a principal mensagem que o filme acaba passando no final: todos temos que seguir em frente e abraçar as mudanças, pois nada permanecesse o mesmo, como defende o budismo. A vida é mutação constante.
Venho aprendendo cada vez mais a abraçar o cinema como a arte que me permite viajar pelo mundo inteiro, ver e experimentar fatos e sentimentos que dificilmente terei a chance de vivenciar pessoalmente ao longo de minha vida, por mais que ela dê uma guinada inesperada, e eu consiga embarcar numa jornada como a do ciclista coreano que aparece pontualmente em vários momentos deste documentário.
Este ano fiz questão de me distanciar o máximo que pude de produções norte-americanas e dar uma atenção especial para filmes de outros países, e tive sorte de ter à minha disposição toda a filmografia de Werner Herzog, que apesar de alemão, é um diretor que viajou o mundo inteiro, e registrou episódios curiosos e inusitados nos vários países em que esteve, trazendo um pouco desse multiplicidade cultural que este planeta abriga em si para seus espectadores.
A Vida em Um Dia é a coroação desta minha peregrinação cinematográfica, que só fez aumentar minha paixão por documentários, aumentando, igualmente, minha sede por mais deles.
É uma experiência arrebatadora e enriquecedora, para alguém como eu, que vive no interior de Minas Gerais, sem muitas perspectivas para conhecer outros países, encontrar um filme deste nível, que dá acesso a um pedacinho da vida de cidadãos do mundo inteiro. Eu a definiria como uma experiência religiosa no sentido de tornar-me mais ligado e mais envolvido com o que há de mais essencial e definidor daquilo que chamamos humano.
Este documentário transpira humanidade, e vez ou outra tudo que precisamos para nos sentir mais completos, mais integrados a uma entidade maior, é ter acesso a experiências semelhantes vindas de pessoas diferentes, de nacionalidades e culturas diferentes. E quando falo de "entidade", não falo de um Deus, mas do que todos nós formamos, deste corpo coletivo que todos nós, e toda a vida neste planeta, forma. Às vezes é esta noção que tanto precisamos para sentir que estamos no lugar certo, e fazemos parte de algo que está além de nós. Apenas saber disto faz com que nos sintamos mais especiais.
É como a garota ao final, que sintetiza todo o projeto com seu relato um tanto egocêntrico, mas, acima de tudo muito verdadeiro. No fundo todos nós queremos que alguém saiba que um dia existimos, que deixamos nossa marca no mundo, se não como indivíduos, pelo menos sob a forma de um registro que indique que fazemos parte da mesma coletividade que tanta riqueza produz a cada dia, nas situações mais rotineiras. É quanto o extraordinário surge a partir da soma de inúmeros acontecimentos ordinários. Este é um dos milagres da vida. E fico profundamente grato pelos realizadores deste filme que me proporcionaram tamanho enternecimento.
Embora possa ser mal interpretada, a melhor sacada de Godfrey Reggio nesta última parte da trilogia Qatsi é fazê-la quase inteiramente com imagens digitalmente manipuladas, que comentam tanto sobre a influência das tecnologias digitais no nosso dia-a-dia, como aponta para o fato de, num mundo tão abarrotado de informações para processarmos, assimilarmos, e tirar algum significado delas, dependemos cada vez mais de filtros para enxergar o mundo que nos cerca.
Nos filmes anteriores ele já mostrou a influência da TV em nossa percepção dos problemas da humanidade e do planeta, aqui a quantidade de filtros é tamanha que eles se sobrepõem e distorcem nossa visão dos fatos e da vida em sua essência última. Isto incomoda, e chega a sufocar a ponto de desejarmos ver algumas daquelas cenas sem toda aquela camada de manipulação digital. Mas é justamente isto que o diretor procura, levar-nos à reflexão, como nos 2 capítulos iniciais, e nos ajudar a traçar paralelos, associações e ler seus símbolos, e também nos auxiliar a tomar consciência do quanto estamos cada vez mais cegos diante de um mundo tão caótico em sua produção de informações.
Acredito que a mensagem que mais se sobressai ao final de Naqoyqatsi é a de que a humanidade chegou ao ponto de tornar-se alienígena em seu planeta natal, tamanha a distância com que encaramos todas a tragédias e realizações e belezas da Terra. Um misto de deslumbramento e estranheza.
Partindo do senhor idealista que viu seu sonho de construir um cemitério de animais ruir quando interesses de outros dos quais dependia interferiram em sua realização, Errol Morris faz, logo no início, um ótimo trabalho ao estabelecer, através da montagem, um debate entre o sentimentalismo do Sr. McClure e o racionalismo do dono de uma fábrica que recicla restos de animais mortos.
Mais notória é a maneira como o diretor produziu todo o documentário a partir das respostas e depoimentos dos entrevistados, sem qualquer interferência direta ou narração informativa, dispensando até mesmo letreiros de identificação para apresentar cada um deles, o que indica sua competência, pois em nenhum momento o espectador fica perdido quanto à relação dos entrevistados.
Embora cometa algumas digressões, como, por exemplo, dar espaço demais para que alguns dos entrevistados falem mais sobre suas próprias vidas, do que sobre sua relação com o tema central, o diretor conseguiu explorá-lo amplamente, abordando tanto o ofício da família Harberts, quanto as crenças religiosas de alguns dos donos de animais enterrados em seu cemitério, tudo de maneira muito respeitosa.
Senti falta apenas de um pouco mais de sentimento. Ao evitar relatos mais emocionados e chorosos, o diretor impediu um maior envolvimento com os entrevistados, o que faria bem para um documentário que aborda um tema tão delicado e com tanto potencial para tocar mais fundo o espectador.
Documentário poderoso que traça um quadro abrangente sobre o episódio abordado, e consegue ser relativamente imparcial quanto a validade ou não da pena de morte.
Fiquei surpreso com a compaixão que ele me despertou, especialmente pelo pai de Jason, diante do quadro que ele nos apresenta de sua vida e a de seu filho através de seus depoimentos. Não digo que seja impossível sentir o mesmo pelos familiares das vítimas (tanto que o depoimento de Charles Richardson, o irmão de Jeremy, é um dos mais emocionantes do documentário), mas quando o Sr. Burkett fala do que sentiu ao ver-se preso com seu próprio filho, e do que constatou naquele momento, foi impossível pra mim não compadecer profundamente por aquele pobre homem.
Talvez o maior serviço prestado por Herzog neste documentário foi o de criar empatia entre o espectador e cada um dos homens e mulheres envolvidos na tragédia que sobreveio de um crime hediondo, e expôr uma cadeia mais complexa de eventos que, em dado momento, parecem tão inescapáveis, que a sensação é de que todos ali se encontram, literal ou metaforicamente, presos a uma condição deplorável. A mulher que perdeu praticamente a família inteira; o jovem condenado a prisão perpétua cujo pai e o irmão também estão presos; o irmão de uma das vítimas que recebeu a notícia de sua morte enquanto estava na cadeia; o homem encarregado de fazer os preparativos finais para a execução.
Como em alguns dos melhores documentários da carreira do diretor, é notório o respeito e compaixão que ele sente por cada um de seus entrevistados, o que só faz aumentar meu respeito por Herzog, e desejar que este homem ainda viva muito para nos ajudar a enxergar um pouco mais além do que acreditamos ver e sentir, assim como faz com seus entrevistados, quando sabe a hora certa de forçá-los um pouco mais até chegar ao cerne daquilo que busca, através deles, mostrar a todos nós.
Talvez o que fez muita gente não gostar deste filme de Herzog seja a falta de uma explicação coerente para as ações de Brad. A história até oferece algumas pistas de suas motivações, mas é importante observar que todas as cenas referentes ao seu passado são baseadas em relatos de sua namorada, um amigo e duas vizinhas.
O próprio título do filme já sugere que Herzog tentou recriar aqui os mesmos esforços desesperados de familiares, amigos e conhecidos em reunir os fragmentos desconexos e incoerentes do passado de alguém que em pouco tempo transformou-se numa incógnita e cometeu atos inexplicáveis.
Alguns problemas precisam ser encarados do lado de fora para que tenhamos uma visão geral do mesmo, e possamos enxergar onde cada peça se encaixa. Mas em casos como o de Brad, tudo que sobra pra quem está fora de seu mundo interior são um amontoado de atos que surgem súbitos e partem pra lugar algum. Creio ser este o objetivo de Herzog, nos botar na pele de quem se encontra na periferia da insanidade de um ente querido/amigo/vizinho.
Fora que é uma das fotografias mais bonitas da filmografia de Herzog, e Michael Shannon se saiu muito bem com o material que tinha em mãos, perfeito para a persona do ator. Espero que ele faça mais filmes com o diretor, pois, assim como Brad Dourif e, no passado, Klaus Kinski, é daquele tipo de ator que casa muito bem com um diretor como ele.
O filme impressiona pelo ritmo alucinante da primeira metade, graças a uma montagem dinâmica, e pela carga de informações históricas que consegue transmitir sem que a narrativa emperre. Não conhecia a fundo a história do Baader Meinhof, e no que diz respeito a oferecer o essencial para entender a trajetória de sua formação e crescimento, e do envolvimento de seus membros principais, o filme faz um bom trabalho. Por possuírem temas intimamente relacionados, e oferecerem visões distintas de um mesmo episódio histórico (embora aqui ele seja citado rapitadamente), me pareceu um bom filme para acompanhar Munique, de Steven Spielberg, em uma sessão dupla. Outro ótimo filme sobre esse período tão conturbado da história recente.
Talvez a melhor surpresa do filme, além da interpretação visceral e despudorada do casal de atores, seja o rumo que o arco dramático de Sibel toma na segunda metade do longa.
Reparem como a sua culpa pelo ocorrido com Cahit faz com que ela passe de uma garota que reforça cada vez mais sua feminilidade e aperfeiçoa seu poder de sedução, para uma mulher que se masculiniza, tornando-se mais agressiva e modificando-se visual e fisicamente. A ausência de maquiagem, o cabelo curto mal cuidado, e as roupas que escondem qualquer traço feminino de seu corpo. E notem ainda como o estilo delas é parecido com as que Cahit usa no início do filme, quando se conhecem, e até seus hábitos e vícios passam a se assemelhar, como se ela sentisse a necessidade de se transformar nele para pegar pelos erros que ela o forçou a cometer.
Não fosse essa virada na história, e a maneira como o roteiro e a direção tiram proveito dela, não seria um filme tão diferente quanto tantos outros já produzidos com a já desgastada premissa do casal de desajustados que se entregam a uma vida desregrada de vícios e sexo, e caem numa espiral autodestrutiva. Há muito disto aqui, mas é sempre um prazer (um tanto mórbido, neste caso) quando os personagens são bem construídos e desenvolvidos como ocorre aqui, especialmente quando a história se mantém coerente do início ao fim, sem abrir concessões.
Confesso que fiquei levemente decepcionado pelo documentário não apresentar mais tomadas aéreas do que eu esperava, mas diante do trabalho de documentação do árduo e dedicado tributo de Graham Dorrington ao seu amigo, e as surpresas que o filme reserva quando um mero coadjuvante toma-o de assalto e quase rouba-o para si, faz compensar, e muito, aquilo que pouco se vê.
Diamante Branco chega a soar em algumas partes como uma dramatização da história documentada, especialmente em algumas partes que Graham "se entrosa" com a câmera e fica à vontade demais diante dela. Mas graças à forma intrusiva e um tanto incômoda de Herzog filmar, a "persona protetora" do cientista logo cede, e suas emoções e seu complexo de culpa falam mais alto. É quando o filme se revela mais como um retrato de um homem em busca de redenção e retribuição, do que sobre um objetivo alcançado ou não.
Cheio de belas imagens, e passagens dramáticas que surgem espontaneamente, e um muito bem vindo contraponto ao protagonista, que ocupa o papel de sábio de olhar virginal diante da beleza de uma ciência que não compreende, mas que aprecia em suas sublimes realizações, Diamante Branco é um documentário que merece ser visto justamente por não cumprir o que parece prometer, e ainda assim é dono de uma força tão titânica quando a cachoeira que ameaça engolir o dirigível, e de uma leveza como a dos pássaros que bailam sobre ela, ou o amor etéreo de um homem simples por seu galo.
Não deixa de ser irônico que um diretor como Haneke, que sempre deu preferência por tramas inconclusas em sua filmografia, tenha optado por adaptar um livro incompleto de Kafka.
Conheço o suficiente da obra do escritor para enxergar neste filme alguns temas e ambientes que marcam presença constante nos livros de Kafka. O meio opressor, labiríntico, dominado por uma burocracia confusa; o homem que sente-se deslocado, arrastado e impedido por forças que ele sequer compreende; a atmosfera de paranóia; os cenários que sufocam; as situações que enervam por se estenderem além do suportável.
É uma boa adaptação de um livro que não li, mas na qual consigo enxergar traços comuns a outras obras do escritor que o diretor soube utilizar.
Talvez o que mais prejudique o filme de tornar-se tão interessante quanto sua premissa seja o ritmo excessivamente monótono de algumas cenas, e as mudanças súbitas dos relacionamentos de alguns personagens, tornando-o difícil de acompanhar e nos envolver com o arco dramático do protagonista. Isto se deve muito provavelmente ao fato de que na obra original faltam fragmentos que intermeiam certas passagens, como é o caso de O Processo, outro livro que Kafka deixou incompleto.
Apesar das imperfeições, seqüências como a que K. conversa com o prefeito enquanto sua criada e seus assistentes fazem uma bagunça ruidosa cada vez maior enquanto procuram um documento no meio de uma pilha que se torna mais caótica; e aquela durante o ato final em que K. espera longamente num corredor estreito de madeira, enquanto um telefone toca sem parar, e ouve-se o barulho constante de um serrote, adaptam com perfeição cenários e episódios puramente kafkianos.
Dois homens com egos maiores que a montanha que se propõem escalar, acreditam ser eles o suficiente para se tornarem aptos a vencer o desafio proposto por um jornalista oportunista. É uma premissa simples, mas com muito potencial, especialmente quando posta nas mãos de um diretor como Herzog.
As cenas de escalada, todas, aparentemente, filmadas in loco, são muito convincentes, e eficientes em transmitir as dificuldades do desafio titânico ao qual os dois rivais se entregaram.
Exceto pelo repetição desnecessária da lembrança/pesadelo de Martin, é um filme muito bom dentro do que se comprometeu a retratar. Apenas fiquei com a impressão de que se o roteiro fosse também de Herzog, os personagens, conflitos e reflexões em torno da premissa tornariam o filme mais envolvente e menos monótono em alguns pontos onde a história parece caminhar sem rumo.
Mas não deixa de ser tentador especular que até mesmo a monotonia e a falta de um desenvolvimento maior de cada ponta do triângulo amoroso da história foi idéia de Herzog. Afinal, Martin, Roccia e Mathilda muitas vezes parecem sobrepujados pela presença de Cerro Torre e suas cercanias, e no final faz sentido que nenhum deles consiga se impôr ou se expôr com profundidade diante de toda aquela brancura cegante.
Há uma cena próxima ao final em que, graças a uma ilusão de óptica, Cerro Torre parece ocupar o lugar das nuvens do céu enquanto Martin tenta trepar sobre seu cume. O que ocorre a ele logo em seguida é emblemático, e funciona perfeitamente como metáfora da ousadia sem limites de homens obstinados, e do preço que pagam por tentarem ir além do ponto onde não mereceram estar.
Belíssimo, hipnótico e extasiante, este documentário/musical/ode me fez lamentar muito o fato de que muito provavelmente não terei a chance de assisti-lo no cinema em 3D. Perdi uma dimensão de suma importância de sua concepção plástica original, mas ainda assim sou muito grato pelo que Wim Wenders, Pina Bausch e seus talentosíssimos dançarinos me proporcionaram.
De longe uma das obras cinematográficas mais magníficas, poéticas e viscerais que já assisti.
Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança
2.4 1,6K Assista AgoraNão assisti o primeiro e não senti falta de assisti-lo, pois este contextualiza bem o protagonista.
Apesar de carecer de um roteiro melhor as cenas de ação empolgam, e os efeitos especiais são um dos destaques, muito bem integrados quando surgem na tela.
Nas interpretações os destaques ficam pra interpretação surtada e oscilante de Nicolas Cage, que encontra aqui a oportunidade perfeita pra empregar seu característicos overacting. Idris Elba também ficou muito à vontade no papel de Moreau, mas infelizmente é pouco aproveitado na trama, apesar de render bons momentos com a parceria dele com Johnny Blaze.
Ao contrário de muita gente que desmerece a filmografia da dupla de diretores, eu aprecio muito seus trabalhos anteriores, e atualmente são dois dos poucos realizadores do gênero que chamam minha atenção pelo estilo enérgico que imprimem em seus trabalhos.
Pena que o filme não foi bem de público e nem de crítica, pois eu gostaria de ver mais um dirigido pela dupla, que cinematograficamente falando soube explorar bem o potencial do personagem. Merecia uma nova chance, na minha opinião.
Recomendo, mesmo pra quem não assistiu o primeiro filme.
Nascido para Lutar
3.3 16É o filme "de luta" mais democrático que já assisti, com mulher, idoso, criança e até aleijado distribuindo porrada durante o "climax" do filme, que basicamente começa na metade dele!
Dublê tailandês devia ser o mais bem pago do mundo, porque tem que ter muita coragem (e ser muito louco) pra aceitar fazer umas cenas de ação que doem só de assistir.
Outra idéia não convencional que achei sensacional é o vilão do filme ser morto muito antes da história terminar com um tiro de bazuca (!).
Apesar de ser graficamente violento, e investir no sofrimento de crianças e idosos para tornar os inimigos ainda mais detestáveis, não tem como levar o filme a sério quando ele dá início à sua catártica seqüência de cenas de ação que abandonam qualquer fiapo de história que ele possuía na primeira metade. E é justamente o exagero que domina-o daí pra frente que o torna tão divertido de assistir.
E lembre-se: se você vir um tailandês amarrando uma faixa na cabeça, é porque a porra ficou séria.
Malena
3.9 406 Assista AgoraTornatore demonstra aqui uma capacidade invejável de reproduzir em todas as cores, texturas e sensações o florescer da sexualidade em um garoto cuja adolescência coincide com um momento dramático e traumático da Itália em plena 2ª Guerra Mundial.
Corajoso na maneira como exigiu dos atores entrega e despudor, o que certamente deve ter despertado sua parcela de controvérsias na época do lançamento do filme, parte da força e da afinidade que o filme desperta no espectador reside justamente em evitar quaisquer hipocrisias no momento de reproduzir visualmente os desejos do protagonista. Apesar de idealizadas, suas fantasias são autênticas pela carga sexual que possuem, e este é um dos grandes méritos de Tornatore.
Outro é a ótima sacada de mudar gradualmente o tom da histórica, sincronizando-a com as mudanças hormonais e emocionais de Renato, conforme este vai penetrando a intimidade de sua diva, e com isto tendo acesso a verdades mais profundas a respeito dela, e abandonando aos poucos a versão idealizada que carregava consigo.
Reparem também como o comportamento dos demais personagens mudam de uma versão mais caricata para um tom mais sério e sombrio conforme a história avança e o personagem amadurece, acompanhando sua visão cada vez menos filtrada por pelas cores e vivacidade de sua inocência.
Para que todo conjunto funcionasse foi fundamental a fotografia evocativa, que dá ao filme uma identidade visual que mescla uma atmosfera de sonho, lembrança e fotos amareladas e envelhecidas de um álbum de família, e a trilha sonora de Morricone, essencial para realçar o aspecto fantasioso e estilizado o filme.
E se tudo isto não convencê-lo de que é um filme que vale a pena, nunca é demais lembrar que Monica Bellucci exibe toda sua beleza e nudez em boa parte dele, o que é sempre motivo suficiente para conferir qualquer filme.
Z
4.4 122Corajoso e fulminante.
The Cove - A Baía da Vergonha
4.5 146O filme pode até focar-se demais na missão de Richard O'Barry e toda a equipe que acaba se reunindo em torno dele para fazer algo a respeito da matança de golfinhos em Taiji, ao mesmo tempo em que escolhe alguns personagens-chave para pintá-los de vilões, mas, por mais maniqueísta que ele possa soar em alguns momentos (como na dramatização das missões da equipe, e o manifesto público no final), crueldade contra seres vivos cuja inteligência e autoconsciência foram tantas vezes provadas cientificamente é algo que atinge fundo qualquer pessoa minimamente sensível ao sofrimento alheio, seja ele humano ou animal.
The Cove não é um documentário perfeito. Algumas escolhas na trilha sonora incomodam por darem um tom que muitas vezes não combina com o que está sendo mostrado. Há uma ridicularização excessiva em alguns pontos de parte dos envolvidos direta e indiretamente na matança de golfinhos, dando-lhes traços caricatos. Em outros momentos soa panfletário, e há uma nítida tentativa de tornar Louie e sua equipe heróis diante dos espectadores.
Por outro lado, as informações reunidas e expostas sobre a exploração e caça predatória são muito detalhadas e bem encadeadas, tornando clara para o leigo toda a complexidade do problema que busca não apenas revelar como combater.
O maior serviço que este documentário presta não é o de nos tratar como mera platéia para aplaudir os esforços de todos os envolvidos em sua produção (embora eles mereçam o crédito), mas o de nos provocar, cobrar alguma ação de nossa parte, se não através de nosso envolvimento em atividades semelhantes, ao menos em pequenas escolhas no nosso dia-a-dia que visem ajudar tal causa de alguma forma.
Repito o que eu acabo de escrever no Facebook como minha reação imediata ao que vi aqui: dá vontade de parar de consumir qualquer tipo de carne depois de assistir um filme tão alarmante como este. Por mais simplista que tal decisão possa soar diante de algo tão complicado de ser eliminado, é a partir destas pequenas escolhas, feitas coletivamente, que podemos mudar um pouco parte do que há de mais horrível neste mundo. É por isto que, por mais imperfeito que este filme seja, não consigo considerá-lo nada menos que excelente em sua maneira de nos atingir.
Saída Pela Loja de Presentes
4.3 195Às vezes é bom assistir um filme sem conhecer muito a respeito de sua produção, assim nossas reações a ele são mais puras, e nos surpreendemos com maior facilidade pelos rumos que ele toma, sem influência de "hype" e especulações em torno das grandes premiações. Demorei um tempo pra assistir Exit Through... e não me arrependi.
Começa que eu não conhecia muito sobre a história da street art, só sabia que Banksy era um artista muito respeitado por seu trabalho e influência, e que o documentário era dirigido por ele. Portanto minha primeira surpresa foi descobrir que na verdade ele se tratava, em parte, de um making of meio autobiográfico sobre sua própria produção, que acaba se transformando na história não-oficial da street art, que por sua vez é, no fundo, a história de um homem em busca de um objetivo para sua vida, o qual vai do grande triunfo de realizar seu sonho, ao ridículo de tornar-se uma piada que ele próprio se nega a enxergar.
É prazeroso e empolgante acompanhar a trajetória de Thierry, que parte de um mero hobby descompromissado para uma verdadeira cruzada que atinge proporções monumentais, quando ele se dá conta de que, sem perceber, estava montando uma coleção sem precedentes no mundo, na qual só faltava uma peça. E no ponto em que ele finalmente a conquista já estamos tão envolvidos com sua viagem que é impossível não conter aquela crescente onda de orgulho alheio em forma de calor que se espalha pelo corpo todo feito um arrepio de prazer. É quase como um êxtase religioso este momento.
Mas Exit Through... tem outra grande sacada que é não parar em seu momento de maior glória, e seguir adiante para explorar as conseqüências dela. Quando um homem realiza seu maior sonho, o que lhe resta? Basta ver a perplexidade com que a resposta a esta pergunta é recebida pelos artistas cujo trabalho Thierry registrou em sua imensa coleção de vídeos para entendermos que alguns sonhos podem se tornar maiores do que o objetivo inicialmente perseguido.
Exit Through the Gift Shop acaba se revelando ao final como um apanhado do que há de mais significativo na street art, uma saudação àqueles dispostos a imortalizá-la através da documentação, e um alerta para os riscos da popularização e massificação da arte de um modo geral. É também um filme sobre a linha tênue que separa um verdadeiro gênio artístico de um oportunista que viu na arte que tanto admirava uma forma alcançar uma notoriedade tão grande ou maior que aqueles que o inspiraram. Mas, acima disto tudo, é um filme divertido, cheio daquelas ironias ao mesmo tempo deliciosas e dolorosas que a vida nos apresenta, e com um protagonista nos deixa divididos entre simpatizar com ele e desprezá-lo. Um grande filme, inusitado na genialidade de sua condução.
Como Diz a Bíblia
4.4 153Um dos artifícios mais essenciais para o sucesso de uma narrativa ficcional cinematográfica, salvo raras exceções, é a inserção de um conflito em determinado ponto da história que irá movê-la, e seus personagens, até seu desfecho. Como Diz a Bíblia não é uma ficção, mas uma apurada e ampla análise de um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade desde sempre: o preconceito e a intolerância pelo que diferente. E se há um elemento narrativo que Daniel G. Karslake domina com maestria é a exposição dos muitos conflitos éticos, morais, religiosos e científicos que giram em torno da homossexualidade.
A abertura já nos joga em meio a uma enxurrada de ataques de fundamentalistas religiosos contra o que eles consideram uma "abominação", algo que vai contra a vontade de Deus, para só depois nos apresentar os pais e os filhos afetados por tamanha carga de incompreensão e fanatismo religioso em sua luta para não ceder a suas pressões.
Com uma montagem inteligente e agressiva, em vários momentos Karslake contrasta de maneira seca e objetiva os argumentos defendidos por cada um dos lados, como no momento em que vemos pessoas comemorando a eleição do bispo gay, seguido diretamente pelo depoimento de um homem que expõe seu imenso preconceito contra o ocorrido apoiando-se em seu fanatismo cego, entre muitos outros trechos semelhantes.
Apesar da montagem agressiva, o documentário é muito bem sucedido em criar vínculos afetivos entre o espectador e os vários personagens, ao expôr as dificuldades que foram obrigados a enfrentar tanto na sociedade em que vivem, como dentro de si mesmos, sendo forçados a vencer seus próprios preconceitos e medos para seguir adiante e voltar-se contra preceitos que julgavam fundamentais e inflexíveis em suas próprias religiões, a favor do amor por seus filhos. Difícil existir um conflito maior que este.
Por mais imparcial que o diretor procurou ser, ao apresentar de maneira muito equilibrada todos os lados da questão, é difícil terminar de assisti-lo sem revoltar-se profundamente com a imensa quantidade de pessoas que ainda existem neste mundo engajadas numa luta que vai contra o que há de mais essencial na religião cristã: a propagação do amor, não apenas entre um homem e uma mulher, mas entre a irmandade em que a humanidade deveria se converter, segundo as palavras de seu maior propagador, aquele que tanto veneram e morreu na cruz para purgá-los de seus pecados.
Felizmente o documentário também consegue ser gratificante ao mostrar o ponto de vista de vários religiosos mais conscientes da verdadeira natureza dos textos bíblicos, além de renovar nossa fé na capacidade do ser humano em acolher o diferente, ao mostrar pais e filhos corajosos em sua busca para se entenderem, se compreenderem e alcançarem alguma redenção, mesmo que esta chegue para alguns como resultado de uma tragédia.
Cabra Marcado Para Morrer
4.5 253 Assista AgoraTalvez a mensagem mais ressonante que este excelente documentário de Eduardo Coutinho conseguiu passar, além da flagrante semelhança entre a política dos militares de 1964, distorcendo fatos para atingir supostos inimigos assim como os estadunidenses em suas campanhas militares ao longo de décadas (como bem observou meu xará abaixo), é a da capacidade que uma família de camponeses nordestinos teve de espalhar sua presença e influência pelo país inteiro e fora dele através de seus filhos, todos marcados pelo passado em comum e pelo meio onde viveram nas quase duas décadas seguintes à separação da família, indicado por seus sotaques tão variados quanto os existentes nas diferentes regiões do Brasil.
Foi o que mais chamou minha atenção, além da habilidade de Coutinho deixar seus entrevistados muito à vontade com a presença da câmera, e extrair deles relatos muito sinceros, emocionados e poderosos.
Grande momento do cinema brasileiro, que merecia todo um trabalho de restauração e recuperação da imagem e do som para deixá-lo à altura do rico e pertinente material que reuniu.
DMT: A Molécula do Espírito
3.9 22Excelente documentário que, apesar de despertar fascínio e curiosidade através dos relatos de experiências com o DMT, é equilibrado o suficiente em suas entrevistas para não inclinar-se para a apologia pura, tomando o caminho mais centrado e correto de incentivar pesquisas mais aprofundadas a respeito de uma molécula que parece guardar e desencadear tantos segredos, dando à mente humana acesso a uma quantidade imensurável de informações, a respeito de nós mesmos e do universo.
Foi muito feliz da parte dos realizadores a inclusão de vários grafismos mesclando imagens geradas por computador, pinturas e fractais para ilustrar os relatos que tomam parte do documentário, somando-os a uma trilha sonora evocativa que estimula o espectador a criar em seu próprio quadro mental as imagens descritas pelos entrevistados. Com isto o documentário se tornou mais rico por levar o espectador a participar da experiência de livre associação vivenciada por alguns deles, e tirar suas próprias conclusões a respeito delas.
Elogiável também é a maneira sóbria com que os entrevistados foram selecionados, e suas diferentes visões e opiniões reunidas a fim de expôr o tema da maneira mais abrangente e imparcial possível.
Não o vejo como uma elaborada tentativa de aumentar o número de usuários do DMT, mas, acima de tudo, uma bela iniciativa de despertar em nós o interesse de investigar mais a fundo nós mesmos, nosso papel no mundo e em nosso futuro como espécie, e um incentivo a mais pra agregarmos e combinarmos mais conhecimento, proveniente de diferentes ramos da ciência, sem medo de relacioná-la às experiências espirituais e místicas, estas igualmente humanas. Há um preconceito ainda muito grande contra aqueles que tentam derrubar as barreiras entre tais fontes de conhecimento, e é sempre louvável quando alguém procura conscientizar-nos de que tais combinações podem ser enriquecedoras e fundamentais para nosso futuro, se bem embasadas e livres de repressões preconceituosas.
Baraka - Um Mundo Além das Palavras
4.5 136Êxtase cinematográfico. Não consigo pensar em descrição melhor. Pra assistir na melhor resolução possível, na maior tela que encontrar. Imersão total garantida.
É o tipo de filme que devia passar todo ano nos cinemas, pois todo cinéfilo merecia ter uma experiência como esta no "templo" mais adequado a ela. E se tem um filme que merece este tratamento é este.
Políssia
4.0 273O filme adota um estilo de narrativa muito semelhante ao da excepcional série americana The Wire, concentrando-se tanto nas minúcias do trabalho da BPM como na vida pessoal de seus membros e de algumas das vítimas e criminosos de cujos casos eles cuidam.
Fiquei tão interessado em cada subtrama e em cada um dos membros da brigada, e na variedade de casos com os quais têm que lidar, que desejei assistir uma série baseada no filme, que se aprofundasse em cada caso investigado, e me permitisse conhecer um pouco mais da vida de cada um daqueles homens e mulheres tão cheios de histórias pra contar. Não consigo pensar em elogio melhor para um filme como este, que consegue ser tão completo no tema que aborda, e ainda assim te deixa com vontade de continuar um pouco mais ao lado de seus personagens.
Um dos melhores filmes que assisti este ano até agora. Maïwenn sem dúvida é uma diretora cujo trabalho merece ser acompanhado de perto.
8½
4.3 409 Assista AgoraUm diretor no ápice de suas capacidades criativas. Uma trilha sonora que beira o sublime e etéreo. A obra máxima de Fellini, e um dos finais mais belos e catárticos da história do cinema. De fazer chorar e com gosto diante do espetáculo que se conclui perfeito em cada aspecto.
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas
3.6 196 Assista AgoraA verdade é que eu comprei a jornada onírica, espiritual e transcendental do Tio Boonmee, e deixei a razão e a lógica um pouco de lado. Não digo que é um filme em que você deve "desligar o cérebro", muito pelo contrário. Mas é, sem dúvida, um filme que te convida a entrar naquele microverso de cabeça, e encará-lo com a mesma trivialidade com que Boonmee e seus familiares recebem sua esposa falecida e seu filho-macaco.
Não vou tentar vender aqui uma leitura profunda e altamente filosófica do filme, pois cheguei num ponto dele em que não tentei mais extrair uma grande verdade daquilo que vi. O que realmente me cativou aqui foi a capacidade do diretor em me levar praquele sonho, e me sentir totalmente imerso no sonho de outra pessoa, e apreciar muito a viagem, sem estragá-la tentando analisá-la.
Fiquei muito feliz com o que vi, da mesma forma que Boonmee abraçou sua viagem final para a caverna do princípio e do fim, assim como a princesa aceitou a oferta do peixe que prometeu transformá-la, ou o filho que foi atrás da criatura mítica na qual acabou transformado. Acho que esta é a principal mensagem que o filme acaba passando no final: todos temos que seguir em frente e abraçar as mudanças, pois nada permanecesse o mesmo, como defende o budismo. A vida é mutação constante.
A Vida em um Dia
4.3 257 Assista AgoraVenho aprendendo cada vez mais a abraçar o cinema como a arte que me permite viajar pelo mundo inteiro, ver e experimentar fatos e sentimentos que dificilmente terei a chance de vivenciar pessoalmente ao longo de minha vida, por mais que ela dê uma guinada inesperada, e eu consiga embarcar numa jornada como a do ciclista coreano que aparece pontualmente em vários momentos deste documentário.
Este ano fiz questão de me distanciar o máximo que pude de produções norte-americanas e dar uma atenção especial para filmes de outros países, e tive sorte de ter à minha disposição toda a filmografia de Werner Herzog, que apesar de alemão, é um diretor que viajou o mundo inteiro, e registrou episódios curiosos e inusitados nos vários países em que esteve, trazendo um pouco desse multiplicidade cultural que este planeta abriga em si para seus espectadores.
A Vida em Um Dia é a coroação desta minha peregrinação cinematográfica, que só fez aumentar minha paixão por documentários, aumentando, igualmente, minha sede por mais deles.
É uma experiência arrebatadora e enriquecedora, para alguém como eu, que vive no interior de Minas Gerais, sem muitas perspectivas para conhecer outros países, encontrar um filme deste nível, que dá acesso a um pedacinho da vida de cidadãos do mundo inteiro. Eu a definiria como uma experiência religiosa no sentido de tornar-me mais ligado e mais envolvido com o que há de mais essencial e definidor daquilo que chamamos humano.
Este documentário transpira humanidade, e vez ou outra tudo que precisamos para nos sentir mais completos, mais integrados a uma entidade maior, é ter acesso a experiências semelhantes vindas de pessoas diferentes, de nacionalidades e culturas diferentes. E quando falo de "entidade", não falo de um Deus, mas do que todos nós formamos, deste corpo coletivo que todos nós, e toda a vida neste planeta, forma. Às vezes é esta noção que tanto precisamos para sentir que estamos no lugar certo, e fazemos parte de algo que está além de nós. Apenas saber disto faz com que nos sintamos mais especiais.
É como a garota ao final, que sintetiza todo o projeto com seu relato um tanto egocêntrico, mas, acima de tudo muito verdadeiro. No fundo todos nós queremos que alguém saiba que um dia existimos, que deixamos nossa marca no mundo, se não como indivíduos, pelo menos sob a forma de um registro que indique que fazemos parte da mesma coletividade que tanta riqueza produz a cada dia, nas situações mais rotineiras. É quanto o extraordinário surge a partir da soma de inúmeros acontecimentos ordinários. Este é um dos milagres da vida. E fico profundamente grato pelos realizadores deste filme que me proporcionaram tamanho enternecimento.
Naqoyqatsi - A Guerra como Forma de Vida
3.8 40Embora possa ser mal interpretada, a melhor sacada de Godfrey Reggio nesta última parte da trilogia Qatsi é fazê-la quase inteiramente com imagens digitalmente manipuladas, que comentam tanto sobre a influência das tecnologias digitais no nosso dia-a-dia, como aponta para o fato de, num mundo tão abarrotado de informações para processarmos, assimilarmos, e tirar algum significado delas, dependemos cada vez mais de filtros para enxergar o mundo que nos cerca.
Nos filmes anteriores ele já mostrou a influência da TV em nossa percepção dos problemas da humanidade e do planeta, aqui a quantidade de filtros é tamanha que eles se sobrepõem e distorcem nossa visão dos fatos e da vida em sua essência última. Isto incomoda, e chega a sufocar a ponto de desejarmos ver algumas daquelas cenas sem toda aquela camada de manipulação digital. Mas é justamente isto que o diretor procura, levar-nos à reflexão, como nos 2 capítulos iniciais, e nos ajudar a traçar paralelos, associações e ler seus símbolos, e também nos auxiliar a tomar consciência do quanto estamos cada vez mais cegos diante de um mundo tão caótico em sua produção de informações.
Acredito que a mensagem que mais se sobressai ao final de Naqoyqatsi é a de que a humanidade chegou ao ponto de tornar-se alienígena em seu planeta natal, tamanha a distância com que encaramos todas a tragédias e realizações e belezas da Terra. Um misto de deslumbramento e estranheza.
Portões do Paraíso
3.8 3Partindo do senhor idealista que viu seu sonho de construir um cemitério de animais ruir quando interesses de outros dos quais dependia interferiram em sua realização, Errol Morris faz, logo no início, um ótimo trabalho ao estabelecer, através da montagem, um debate entre o sentimentalismo do Sr. McClure e o racionalismo do dono de uma fábrica que recicla restos de animais mortos.
Mais notória é a maneira como o diretor produziu todo o documentário a partir das respostas e depoimentos dos entrevistados, sem qualquer interferência direta ou narração informativa, dispensando até mesmo letreiros de identificação para apresentar cada um deles, o que indica sua competência, pois em nenhum momento o espectador fica perdido quanto à relação dos entrevistados.
Embora cometa algumas digressões, como, por exemplo, dar espaço demais para que alguns dos entrevistados falem mais sobre suas próprias vidas, do que sobre sua relação com o tema central, o diretor conseguiu explorá-lo amplamente, abordando tanto o ofício da família Harberts, quanto as crenças religiosas de alguns dos donos de animais enterrados em seu cemitério, tudo de maneira muito respeitosa.
Senti falta apenas de um pouco mais de sentimento. Ao evitar relatos mais emocionados e chorosos, o diretor impediu um maior envolvimento com os entrevistados, o que faria bem para um documentário que aborda um tema tão delicado e com tanto potencial para tocar mais fundo o espectador.
Ao Abismo: Um Conto de Morte, um Conto de Vida
3.9 38Documentário poderoso que traça um quadro abrangente sobre o episódio abordado, e consegue ser relativamente imparcial quanto a validade ou não da pena de morte.
Fiquei surpreso com a compaixão que ele me despertou, especialmente pelo pai de Jason, diante do quadro que ele nos apresenta de sua vida e a de seu filho através de seus depoimentos. Não digo que seja impossível sentir o mesmo pelos familiares das vítimas (tanto que o depoimento de Charles Richardson, o irmão de Jeremy, é um dos mais emocionantes do documentário), mas quando o Sr. Burkett fala do que sentiu ao ver-se preso com seu próprio filho, e do que constatou naquele momento, foi impossível pra mim não compadecer profundamente por aquele pobre homem.
Talvez o maior serviço prestado por Herzog neste documentário foi o de criar empatia entre o espectador e cada um dos homens e mulheres envolvidos na tragédia que sobreveio de um crime hediondo, e expôr uma cadeia mais complexa de eventos que, em dado momento, parecem tão inescapáveis, que a sensação é de que todos ali se encontram, literal ou metaforicamente, presos a uma condição deplorável. A mulher que perdeu praticamente a família inteira; o jovem condenado a prisão perpétua cujo pai e o irmão também estão presos; o irmão de uma das vítimas que recebeu a notícia de sua morte enquanto estava na cadeia; o homem encarregado de fazer os preparativos finais para a execução.
Como em alguns dos melhores documentários da carreira do diretor, é notório o respeito e compaixão que ele sente por cada um de seus entrevistados, o que só faz aumentar meu respeito por Herzog, e desejar que este homem ainda viva muito para nos ajudar a enxergar um pouco mais além do que acreditamos ver e sentir, assim como faz com seus entrevistados, quando sabe a hora certa de forçá-los um pouco mais até chegar ao cerne daquilo que busca, através deles, mostrar a todos nós.
Meu Filho, Olha o Que Fizeste!
3.3 45Talvez o que fez muita gente não gostar deste filme de Herzog seja a falta de uma explicação coerente para as ações de Brad. A história até oferece algumas pistas de suas motivações, mas é importante observar que todas as cenas referentes ao seu passado são baseadas em relatos de sua namorada, um amigo e duas vizinhas.
O próprio título do filme já sugere que Herzog tentou recriar aqui os mesmos esforços desesperados de familiares, amigos e conhecidos em reunir os fragmentos desconexos e incoerentes do passado de alguém que em pouco tempo transformou-se numa incógnita e cometeu atos inexplicáveis.
Alguns problemas precisam ser encarados do lado de fora para que tenhamos uma visão geral do mesmo, e possamos enxergar onde cada peça se encaixa. Mas em casos como o de Brad, tudo que sobra pra quem está fora de seu mundo interior são um amontoado de atos que surgem súbitos e partem pra lugar algum. Creio ser este o objetivo de Herzog, nos botar na pele de quem se encontra na periferia da insanidade de um ente querido/amigo/vizinho.
Fora que é uma das fotografias mais bonitas da filmografia de Herzog, e Michael Shannon se saiu muito bem com o material que tinha em mãos, perfeito para a persona do ator. Espero que ele faça mais filmes com o diretor, pois, assim como Brad Dourif e, no passado, Klaus Kinski, é daquele tipo de ator que casa muito bem com um diretor como ele.
O Grupo Baader Meinhof
4.0 174O filme impressiona pelo ritmo alucinante da primeira metade, graças a uma montagem dinâmica, e pela carga de informações históricas que consegue transmitir sem que a narrativa emperre.
Não conhecia a fundo a história do Baader Meinhof, e no que diz respeito a oferecer o essencial para entender a trajetória de sua formação e crescimento, e do envolvimento de seus membros principais, o filme faz um bom trabalho.
Por possuírem temas intimamente relacionados, e oferecerem visões distintas de um mesmo episódio histórico (embora aqui ele seja citado rapitadamente), me pareceu um bom filme para acompanhar Munique, de Steven Spielberg, em uma sessão dupla. Outro ótimo filme sobre esse período tão conturbado da história recente.
Contra a Parede
4.1 156Talvez a melhor surpresa do filme, além da interpretação visceral e despudorada do casal de atores, seja o rumo que o arco dramático de Sibel toma na segunda metade do longa.
Reparem como a sua culpa pelo ocorrido com Cahit faz com que ela passe de uma garota que reforça cada vez mais sua feminilidade e aperfeiçoa seu poder de sedução, para uma mulher que se masculiniza, tornando-se mais agressiva e modificando-se visual e fisicamente. A ausência de maquiagem, o cabelo curto mal cuidado, e as roupas que escondem qualquer traço feminino de seu corpo.
E notem ainda como o estilo delas é parecido com as que Cahit usa no início do filme, quando se conhecem, e até seus hábitos e vícios passam a se assemelhar, como se ela sentisse a necessidade de se transformar nele para pegar pelos erros que ela o forçou a cometer.
Não fosse essa virada na história, e a maneira como o roteiro e a direção tiram proveito dela, não seria um filme tão diferente quanto tantos outros já produzidos com a já desgastada premissa do casal de desajustados que se entregam a uma vida desregrada de vícios e sexo, e caem numa espiral autodestrutiva. Há muito disto aqui, mas é sempre um prazer (um tanto mórbido, neste caso) quando os personagens são bem construídos e desenvolvidos como ocorre aqui, especialmente quando a história se mantém coerente do início ao fim, sem abrir concessões.
O Diamante Branco
4.3 8Confesso que fiquei levemente decepcionado pelo documentário não apresentar mais tomadas aéreas do que eu esperava, mas diante do trabalho de documentação do árduo e dedicado tributo de Graham Dorrington ao seu amigo, e as surpresas que o filme reserva quando um mero coadjuvante toma-o de assalto e quase rouba-o para si, faz compensar, e muito, aquilo que pouco se vê.
Diamante Branco chega a soar em algumas partes como uma dramatização da história documentada, especialmente em algumas partes que Graham "se entrosa" com a câmera e fica à vontade demais diante dela. Mas graças à forma intrusiva e um tanto incômoda de Herzog filmar, a "persona protetora" do cientista logo cede, e suas emoções e seu complexo de culpa falam mais alto. É quando o filme se revela mais como um retrato de um homem em busca de redenção e retribuição, do que sobre um objetivo alcançado ou não.
Cheio de belas imagens, e passagens dramáticas que surgem espontaneamente, e um muito bem vindo contraponto ao protagonista, que ocupa o papel de sábio de olhar virginal diante da beleza de uma ciência que não compreende, mas que aprecia em suas sublimes realizações, Diamante Branco é um documentário que merece ser visto justamente por não cumprir o que parece prometer, e ainda assim é dono de uma força tão titânica quando a cachoeira que ameaça engolir o dirigível, e de uma leveza como a dos pássaros que bailam sobre ela, ou o amor etéreo de um homem simples por seu galo.
O Castelo
3.2 40Não deixa de ser irônico que um diretor como Haneke, que sempre deu preferência por tramas inconclusas em sua filmografia, tenha optado por adaptar um livro incompleto de Kafka.
Conheço o suficiente da obra do escritor para enxergar neste filme alguns temas e ambientes que marcam presença constante nos livros de Kafka. O meio opressor, labiríntico, dominado por uma burocracia confusa; o homem que sente-se deslocado, arrastado e impedido por forças que ele sequer compreende; a atmosfera de paranóia; os cenários que sufocam; as situações que enervam por se estenderem além do suportável.
É uma boa adaptação de um livro que não li, mas na qual consigo enxergar traços comuns a outras obras do escritor que o diretor soube utilizar.
Talvez o que mais prejudique o filme de tornar-se tão interessante quanto sua premissa seja o ritmo excessivamente monótono de algumas cenas, e as mudanças súbitas dos relacionamentos de alguns personagens, tornando-o difícil de acompanhar e nos envolver com o arco dramático do protagonista. Isto se deve muito provavelmente ao fato de que na obra original faltam fragmentos que intermeiam certas passagens, como é o caso de O Processo, outro livro que Kafka deixou incompleto.
Apesar das imperfeições, seqüências como a que K. conversa com o prefeito enquanto sua criada e seus assistentes fazem uma bagunça ruidosa cada vez maior enquanto procuram um documento no meio de uma pilha que se torna mais caótica; e aquela durante o ato final em que K. espera longamente num corredor estreito de madeira, enquanto um telefone toca sem parar, e ouve-se o barulho constante de um serrote, adaptam com perfeição cenários e episódios puramente kafkianos.
No coração da Montanha
3.2 6Dois homens com egos maiores que a montanha que se propõem escalar, acreditam ser eles o suficiente para se tornarem aptos a vencer o desafio proposto por um jornalista oportunista. É uma premissa simples, mas com muito potencial, especialmente quando posta nas mãos de um diretor como Herzog.
As cenas de escalada, todas, aparentemente, filmadas in loco, são muito convincentes, e eficientes em transmitir as dificuldades do desafio titânico ao qual os dois rivais se entregaram.
Exceto pelo repetição desnecessária da lembrança/pesadelo de Martin, é um filme muito bom dentro do que se comprometeu a retratar. Apenas fiquei com a impressão de que se o roteiro fosse também de Herzog, os personagens, conflitos e reflexões em torno da premissa tornariam o filme mais envolvente e menos monótono em alguns pontos onde a história parece caminhar sem rumo.
Mas não deixa de ser tentador especular que até mesmo a monotonia e a falta de um desenvolvimento maior de cada ponta do triângulo amoroso da história foi idéia de Herzog. Afinal, Martin, Roccia e Mathilda muitas vezes parecem sobrepujados pela presença de Cerro Torre e suas cercanias, e no final faz sentido que nenhum deles consiga se impôr ou se expôr com profundidade diante de toda aquela brancura cegante.
Há uma cena próxima ao final em que, graças a uma ilusão de óptica, Cerro Torre parece ocupar o lugar das nuvens do céu enquanto Martin tenta trepar sobre seu cume. O que ocorre a ele logo em seguida é emblemático, e funciona perfeitamente como metáfora da ousadia sem limites de homens obstinados, e do preço que pagam por tentarem ir além do ponto onde não mereceram estar.
Pina
4.4 408Belíssimo, hipnótico e extasiante, este documentário/musical/ode me fez lamentar muito o fato de que muito provavelmente não terei a chance de assisti-lo no cinema em 3D. Perdi uma dimensão de suma importância de sua concepção plástica original, mas ainda assim sou muito grato pelo que Wim Wenders, Pina Bausch e seus talentosíssimos dançarinos me proporcionaram.
De longe uma das obras cinematográficas mais magníficas, poéticas e viscerais que já assisti.