Eu gosto tanto do equilíbrio deste filme, ele lida com cada coisa com a seriedade ou leveza necessária, não exagerando em nenhum dos lados. O filme é mais difícil do que eu imaginava que seria, mas ele consegue lidar muito bem com esses assuntos, ele tem uma honestidade muito grande com sua protagonista, no sentido de não exagerar em seus traumas para fazer o espectador "sentir o que ela sentiu", pelo contrário, ele nos faz entender, nos identificar de forma mais honesta e sincera possível simplesmente mostrando, pelos seus distanciamentos, aproximações, os vazios, os preenchimentos ilusórios e os preenchimentos reais desses vazios que nunca vão deixar de existir, pq as vezes é difícil explicar por que não podemos deixar algumas coisas para trás.
A horrível agonia, angústia, tensão que senti lendo o conto de Elena Ferrante, senti novamente aqui. Amei.
A crueza das personagens de Ferrante transpassa aqui, pelos longos olhares, pertos ou distantes, a imprevisibilidade das ações, a quebra de nossas expectativas Ninguém é bom e nada sabemos sobre ninguém aqui, é sobre primeiros olhares, segundas atitudes e terceiras conclusões.
É sobre mãe, mas não na sua forma de santidade como o cinema adora expressar e também não é o seu extremo, como o cinema acha que é desconstruir. É aquilo que é, que pode, ou não, acontecer, tudo em sua forma mais crua e tão difícil de ser retratada, mas que Ferrante sempre nos assombra com essas protagonistas difíceis de gostar, de entender mas que você não consegue desviar o olhar e agora a diretora conseguiu trazer esses olhares tão dificies de prever.
Tudo é uma mentira? As festas que escondem os enterros, as lágrimas que escondem dores e os sorrisos que escondem mentiras. A mentira que se aprofunda, que enraíza até as verdades não ditas, de um passado incompleto, de sorrisos falsos, de perseguição de uma identidade entre dois lugares, dois lados extremos, duas casas e dois nascimentos, duas formas de mentiras que são a verdade de cada lado. Uma simples mentira que desperta os relacionamentos, a estrutura dessa família que sempre existiu separada, mas quando se unem é mais uma mentira construída, a mentira de uma família unida e dividida, em oriente e ocidente, entre ser único para todos e ser único para si. Mas não importa de qual lado cada um permanece, quando se unem através da mentira as verdades sempre gritam mais alto, sempre atacam o interior de cada um, portanto será que uma mentira é uma boa mentira quando ela desperta a nossa verdade?
Somos tão pequenos se comparado a tudo em nossa volta, mas somos tão grandes quando nos amontoamos em pequenas vans que vagam entre estradas, terras, florestas, cidades e casas, não pertencendo a lugar nenhum e sempre pertencendo a um lugar só. Deixando buracos naqueles que fixaram em casas específicas e dizendo “Te vejo no caminho” àqueles que escolheram trilhar a vida carregando a própria casa. Nada permanece, mas tudo permanece, pode não parecer um ciclo, mas tudo é um ciclo, somos preenchidos pelas memórias que carregamos, pelos caminhos que passamos e pelo adeus que temos que deixar escapar para ouvir um “até logo” de volta.
Fern sempre deixa algo pelo seu caminho, nem que seja um lanche ou uma memória ela sempre vai olhar as pessoas que vivem ali, pois talvez seja um resquício de que vale a pena continuar em frente, ela sempre vai admirar tudo a sua volta e deixar tudo para trás, pois ela não pertence a lugar nenhum.
Porém mesmo vivendo na memória de tantos ela ainda deseja se livrar das próprias, como seu pai diz “o que é lembrado vive” e viver é um peso a ser carregado, quando a morte está sempre presente nos caminhos que passa, continuar pode ser um respiro ou uma fuga da realidade ou da própria solidão, que consome, mas também pode aliviar. No caso de Fern a solidão é um conforto não entendido pelos outros, só por ela mesma.
E mesmo com tantos caminhos a serem trilhados somos consumidos pelo desejo de voltar para aqueles que mais conhecemos, pois precisamos lembrar para continuar vivendo.
Billie Eilish é um reflexo dos adolescentes atuais, mas não um reflexo completo, apenas aquele reflexo dos pesadelos, os monstros silenciosos que não vemos e são ignorados pelos adultos. Ela reflete aquele lado da adolescência que é pouco representado nas artes, o lado que é taxado como “fases da adolescencia”, mas às vezes essa fase pode durar uma vida inteira ou pode encurtar uma vida completa.
“Am I satisfactory? Today, I'm thinkin' about the things that are deadly The way I'm drinkin' you down Like I wanna drown, like I wanna end me” - bury a friend
Billie cria através daquilo que sente, os seus próprios pesadelos são refletidos em frases densas demais para saírem de uma adolescente de 17 anos, mas que se encaixa nesse mundo onde não existe mais lugar para ser jovem ou velho, Adulto ou criança, nada se encaixa mais nesse mundo louco que vivemos. As assombrações de Eilish se refletem na forma de suas músicas que reconstituem seus pesadelos, através da lentidão e densidade de sua voz, que brinca com a suavidade e agressividade de seus graves, agudos e distorções e complementa com as batidas fortes, suaves, distorcidas e assustadoras e às vezes somos deixados no eco, na solidão da cantora que exprime suas angústias e íntegra e seus pesadelos em suas performances nos palcos e vídeos.
O documentário retrata mais esse equilíbrio essas duas Billies, a que integra os pesadelos nos palcos, vídeos e letras, e a adolescente que precisa lidar com todo o peso de ser reconhecida por milhões de pessoas, de ter que mudar uma adolescência comum para uma adolescência onde suas angústias são ouvidas cotidianamente por milhões de pessoas, e ela não pode vivê-las e absorvê las em sua privacidade.
Em um mundo onde a mídia em geral só representa jovens atuais no contexto mais próximo dos anos 80, 90, com seus problemas representados de formas superficiais e rasas. Billie se aprofunda dentro de si, chega aos limites de sua própria existência para dizer o lado obscuro, existencial de ser uma jovem em pleno 2019. Ela exprime uma jovem que tem medo dos próprios pesadelos, que não consegue ver um futuro para sua própria geração, mas ao mesmo tempo, grita sobre seu coração partido, um amor não correspondido e o monstro que vive em silêncio dentro de si.
O retrato de uma sociedade através de histórias que podemos achar estranhamente íntimas demais para nós. Esse estranhamento ocorre pelas semelhanças que percebemos com as histórias que podem se passar em qualquer lugar. Como a história da protagonista Chin, que seu único incentivo de continuar no mesmo trabalho é ter alguém que pode lhe apoiar e não é o trabalho em si.
Lung, deseja sair daquele lugar, pois há uma pequena esperança de começar de novo, de conseguir olhar para trás e apagar todas as dívidas, conseguir todo o dinheiro necessário para se manter e dar o pouco que tem para aqueles que não encontram a saída. Além de querer a estabilidade suficiente para conseguir assistir suas partidas de baseball.
Ling, a irmã de Chin, pertence aquela nova geração que nega os moldes da geração atuante no capital. Que tenta ao máximo desviar desse sistema que cria uma ilusão de liberdade próxima ao trabalho, onde todos ficam dependentes, mas o preço pela liberdade é muito caro e ficar na ilusão se torna mais barato.
Ao mesmo tempo, essa nova geração se encanta mais com as propagandas estrangeiras do que com os programas regionais. São seduzidos pelas recompensas dadas ao entrar no sistema, porém eles ainda resistem, talvez nem ao menos resistem, pois o tamanho da abertura é tão pequeno e limitado que muitos, normalmente aqueles que mais precisam, não conseguem entrar ou a resistência vem de uma negação ao funcionamento de um sistema que talvez nunca mude e se não muda o que lhes resta? O que resta também para aqueles que já estão dentro do sistema e não conseguem sair dele?
Talvez viver no presente, aproveitar longas noites de festas iluminadas pelas propagandas da cidade, ou aproveitar alguma música estrangeira em meio ao caos urbano, algo que lhes mantém em contato, que lembrem o que são além do trabalho.
“Eu sempre pensei que ela deveria ser um menino[..] É horrível ser uma menina Você podia ver isso desde quando ela era pequena. Ela apanhava do pai para proteger sua mãe.”
Chin foi puxada a esse meio jovem, ela, uma mulher que conseguiu seu próprio lugar no mundo, seu nome se tornou renomado, desistiu do emprego e não é mais contratada, o mesmo sistema que impede os jovens inexperientes também impede os experientes demais, o que resta a esta mulher ? Aquelas promessas de novos começos? A mudança para uma nova terra que promete o melhor que o capital pode oferecer? Ou um casamento que promete recomeçar uma relação que já deveria ter terminado? O que resta a alguém que saiu do sistema, mas precisa dele para continuar a sobreviver?
Em meio a cigarros, homens, bebidas, festas, ela aproveitou de tudo, ela ainda tem poder sobre o sistema, consegue sobreviver sem ele, mas é uma liberdade limitada. Uma hora é preciso dar a decisão final, olhar aos reflexos dos dominantes e incontáveis prédios espelhados e saber que é hora de voltar.
O amor... é difícil falar sobre o amor, é tão complexo, são tantas coisas, as vezes o amor é esperar alguém na porta para conseguir prosseguir em frente, as vezes é deixar a pessoa ir em frente e guiar seu caminho ou as vezes é perceber que andar ao lado é melhor, pois cada segue o seu próprio caminho. Talvez a solidão não seja algo tão bom, as vezes quando ela é preenchida seja o suficiente para nos preencher também, mas apenas por um tempo, pois depois é preciso ficar sozinho de novo, sentir-se livre, podendo correr por esse espaço que agora está vazio, até perceber que precisa de alguém para preenche-lo de novo, mas não por muito tempo... E o ciclo continua.
Porém a solidão pode machucar aquele que está só e ao outro que tenta preenche-la, o primeiro é machucado por essa falta de algum preenchimento, o outro por se sentir preso e responsável por preencher algo que não é seu próprio espaço, ambos dependem um do outro e não enxergam, ambos estão presos e soltos, vendo através de grades e através das nuvens de um céu infinito. A solidão... é difícil falar sobre a solidão...
O retrato de uma garota solitária sempre acaba no esteriótipo de apenas o silencio ser o suficiente, porém não é o silêncio que faz alguém solitário, talvez seja a falta de percepção de si, o medo de se aproximar e o medo de se afastar, o medo dos sentimentos mais profundos, e dos sentimentos mais superficiais, o conforto de ter um lugar onde pode ser o suficiente para si e a alegria de saber que podem ir e voltar a qualquer momento para esse lugar e para essa pessoa que preenche, as vezes, essa solidão.
Ao mesmo tempo, essa pessoa que preenche a solidão da personagem solitária, ela é além da personagem social, sempre rodeada por todos, ela pode ter medo de aproximar os outros demais e afastar aqueles que já estavam ao seu lado a mais tempo, talvez ela deseja ser algo que não pode ser, mas não consegue enxergar isso, talvez o maior conforto que ela vai achar é na solidão, ao olhar uma paisagem infinita de um céu azul ou de uma cidade que de longe parece vazia, mas de perto é turbulenta demais.
Essas duas personagens, em uma fase final de ensino médio, em uma música que necessita de duas pessoas conectadas em um longo fio, que deixa ambas irem a qualquer lugar, mas também que se lembrem que podem ter seus vazios preenchidos ou seus tumultos preenchidos por aquela que sabe quem ela é.
O filme me despertou tudo isso, como também despertou aos meus olhos a riqueza dos primeiros planos em detalhes que preenchem a personalidade de cada personagem e a narrativa das relações entre elas, cada uma com seu jeito, seus sentimentos, sendo que não precisam mudar uma a outra, apenas precisam olhar para si e isso talvez isso seja o amor ou uma pequena parte dele.
Existe arte na guerra e existe guerra na arte, apesar do mesmo nome “guerra” ambos possuem seus pesos diferentes, um arrisca a morte o outro a vida, a morte pela guerra real e a vida pela arte compartilhada na guerra, a arte se torna o único lugar onde se pode sentir uma pequena energia, que gera o movimento, uma corrida, uma dança ou cantoria, não pela liberdade em uma prisão, mas pela possibilidade de fazer aquilo que poderia estar realizando se não fosse a guerra.
Existe guerra fora dos campos de batalha, pois ela não é fixa em um só lugar, ela marca e permanece nos corpos e nas mentes daqueles que sobreviveram, a arte também não é fixa, ela transporta para diferentes lados ideológicos, físicos e imateriais, ela transforma e é transformada, moldada para um lado, mas pode se converter para outro, é desses opostos, transformações e moldes que Swing Kids passeia, dança e sapateia, trazendo seus personagem em um gosto comum apesar de serem completamente diferentes, unindo aqueles que não se encontrariam na guerra para uma dança em conjunto.
O filme não se perde nesse imaginário de uma “bela arte feita na guerra”, é uma dança feita apesar da guerra, que não deveria ser feita ali e isso o filme não esquece. Não deveria existir essa confusão de culturas, línguas e passos em meio a guerra, pois é a própria guerra que impede tudo isso. É ela que molda essa arte para tornar todos inimigos e traidores entre si. O filme é moldado de forma orgânica e consciente do ambiente ao qual retrata, construindo uma narrativa que vai para extremos, de um tom de comédia, até o horror da guerra, os gêneros se complementam, mas também se repelem, são moldados para trazer o espectador aos seus próprios extremos, a tensão de um longo sapateado sem pausa, para uma bala prestes a ser disparada, tudo isso com uma fotografia que conversa com os passos e os tiros, que se movimenta conforme a dança e as brigas, sendo orgânico em seus extremos e semelhantes em sua composição da imagem, possibilitando uma montagem rítmica que junta o passado com o presente, os sapateados com os tiros, a arte com a guerra.
Se existe o melhor momento e sentimento para se expressar no fim de uma adolescência é através dos últimos momentos, último ano da escola, o último dia de aula, a última montagem de festival, os últimos segundos com os amigos ou até os últimos segundos de uma briga que nem sabe porque começou. É o ciclo que se termina, o término das rotinas, das amizades mas outras que começam, todos são sentimentos e momentos que podemos facilmente nos relacionar, existe seu elemento de nostalgia pessoal, porém “Linda, Linda, Linda” não é apenas sobre isso, é sobre essa amizade, essa banda que foi montada nos últimos suspiros, que ensaia até suas últimas energias para conseguirem seu digno último dia deste ciclo que parecia tão eterno, mas que acaba tão rápido.
O grande meio coming of age do filme é colocado através da câmera que corre com a personagem que passa pelas salas de aula cheias e desorganizadas para a montagem do festival, pelas suas amigas que em poucas falas já são apresentadas suas questões e relações iniciais e a recém chegada Son, isolada em sua sala de intercâmbio. É com grande afeto que as personagens interagem entre si, se conhecem aos poucos, principalmente pelos diálogos, e dos poucos momentos que passam juntas fora dos ensaios e é por esse pouco que o filme se perde. A conexão com as personagens se torna difícil quando temos uma distância em suas relações ou personalidades, apesar de apresentar essas duas questões, o filme pouco explora esses outros lados das personagens que caem em pequenos estereótipos e não saem dessa camada, os conflitos que poderiam nos revelar mais sobre elas são apenas citados deixando as personagens rasas em seu desenvolvimento e envolvimento com o espectador.
Apesar da falta o outro lado é preenchido por uma narrativa calourosa, a evolução da música nos ensaios junto com a aproximação das personagens trás aquela eterna sensação do incompleto, de uma empolgação inicial ou de uma procura por profundidade que não é preenchido. Não que exista uma grande frustração pelo filme, apenas um pequeno vazio de conexão com essas personagens que queria conhecer e sentir essa amizade e o ápice desse último dia junto a elas.
Talvez seja sobre pertencimento ou se encaixar no lugar certo ou simplesmente se encontrar e depois se perder, sair de sua zona de conforto desconfortável, viver em outros lugares, experimentar outras coisas, tentar entender o que não é possível explicar e apenas sentir, ou apenas sobre garotas que só querem andar de skate em paz.
O grupo é de fácil simpatia, tendo uma forte harmonia entre todas, Camille sempre se sente a intrusa por ali, porém tudo leva tempo e aos poucos se conquista os pequenos espaços, o compartilhar de seus próprios erros ou das experiências íntimas femininas leva a todas entenderem que nada é estranho, só não é falado e é isso que esse filme faz, ele fala, em alto bom tom, sobre experiências femininas, sobre sexualidade, sobre adolescência, se encontrar em algum lugar, se perder em seus próprios sentimentos, se perder novamente em suas dúvidas que não são possíveis de serem respondidas.
Se tudo isso fosse o foco na trama, seria uma nova narrativa, e muito bem vinda, para o gênero coming of age, com um grupo de garotas skatistas ocupando seu espaço no parque, nas ruas, escadas, caindo, levantando, brigando, compartilhando experiências íntimas, se conhecendo e conhecendo o outro. Porém, a história se perde, em tudo o que ela tinha de diferente desaba ao entrar em mais um clichê dos filmes coming of age, não que um clichê seja ruim, mas aqui a narrativa começa com uma própria identidade, olhando para aspectos da adolescência feminina que não são retratados, olhando para esse grupo de garotas que querem permanecer em seu espaço nesse meio masculino, para depois a narrativa cair em conflitos irrelevantes que não complementa essa força inicial, na verdade, desviam ao ponto de perder a potência dessa nova perspectiva que traria uma identidade ao filme.
Apesar disso, existe uma grande força, infelizmente não utilizada ao longo do filme, aqui, através do equilíbrio entre as manobras e os conflitos, as dinâmicas do grupo, os conflitos da protagonista com si mesma e com o exterior, esse que exige uma lista de coisas para fazer e sentir na adolescência em contraponto com Camille, querendo ser apenas uma adolescente andando em seu skate.
A forma como você, literalmente, embarca nessa viagem com essas crianças é uma constante, estamos sempre ali, em meio ao fluxo de acontecimentos, dos diálogos, das conversas e gritos entre os meninos e o silêncio da noite. Das lutas de brincadeira e das lutas reais, tudo de uma forma que te permite entrar no meio e acompanhar não apenas as interações, mas também os sentimentos, as trocas de olhares curiosos, confortantes, amedrontados, tristes e de despedidas, as caminhadas sozinhas e confortantes onde tudo e nada pode acontecer naquela amizade. Acompanhamos todos aqueles meninos que vivem ao máximo pois não sabem quando o próximo alarme pode tocar.
Pode ser uma história íntima demais ou distante ou até sempre contada, a forma é o elemento que a transforma, aproxima ou afasta aqueles que querem vê-la/ouvi-la e principalmente senti-la e aqui, sentimos tudo em todos os elementos, nos pequenos detalhes, os olhares, ou grandes elementos, a guerra. Tudo possui sua devida importância, seu encaixe na história, te levando a uma tensão pelo grande elemento, mas te mantendo firme pelos detalhes que te mantém nesse fluxo, nesse desejo mútuo que aquilo não pode acabar, que não queremos nos despedir desse sentimento de conforto, desses meninos que não queremos deixar aqui nessa história onde já sabemos que o alarme vai tocar no final.
As mulheres solitárias, as mulheres isoladas, a loucura de não ter um quarto todo seu, a loucura de não ter o outro para se apoiar, para conseguir se expressar. As mulheres que criam e a aquelas que cuidam, todas enlouquecem uma hora, todas são solitárias, se isolam em meio as florestas, as casas, aos livros, aos papéis escritos ou aos choros da criança, as mulheres não enlouquecem, elas respondem ao ambiente. É o corpo que responde aquilo que recebe e aqui recebe a solidão, o agoniante silêncio de uma casa que não consegue parar de gritar por calmaria daqueles que a habitam, a agoniante natureza que sempre chama as mulheres, que sempre necessitam de uma conexão delas para então ambas conseguirem um leve suspiro, um leve lampejo de calmaria em meio a loucura que são suas próprias mentes, suas próprias agonias internas e externas que é viver em silêncio constante, em abandonos e constantes vigilância opressoras de olhares que buscam sugar o que elas tem de melhor e deixar apenas o corpo, o silêncio novamente e uma dose de insanidade, pois ninguém tem consciência de si quando não consegue se expressar.
Shirley e Rose, mulheres solitárias, que se enxergam em meio a homens que estudam, que criam obras tendo como base outros homens que criaram em base de outros homens, e, para as mulheres, lhe restam o silêncio e as mulheres perdidas que não conseguem ser vistas, ou, as mulheres solitárias que gritavam para serem ouvidas, mas são silenciadas por vozes masculinas. Para a criadora de loucuras, Shirley, lhe resta o abandono dos outros, as aflições de si mesma, o peso de suas próprias criações que a circulam e distorcem a realidade. Lhe resta os olhares vigilantes do homem que nem dorme ao seu lado, que apenas se importa se ela irá descarregar esse peso em algum trabalho, mesmo que esse trabalho lhe custe sua sanidade. Como também lhe resta uma visão de mundo, como as câmeras desse filme, que beiram a loucura e a tragédia, a opressão do ambiente ao redor e a tensão dos outros olhares que se difundem entre desejo e repulsa, alegrias e loucuras, procuras e desaparecimentos, realidades e ficções. Para a difusa Rose, que se estende entre a sanidade e insanidade, que se envolve com a criadora e se transfigura como criatura, e é a mesma que se envolve com o provedor e se transfigura como genitora e é abandonada por ele. Como criatura, ela permanece entre o desejo por sua criadora e o desejo pela solidão, pelo desaparecimento para conseguir ser reconhecida ou ser ouvida por outra que também foi desaparecida ou foi obrigada a se isolar para manter o peso que o silêncio perturbador da solidão traz consigo. A criadora e a criatura, abandonadas a uma casa toda sua, sentem e reverberam um ambiente predominado de desejo e do receio, de uma aproximação pela confiança de uma morte iminente que ambas desejam, mas sentem medo ou um pleno alívio, pois existe muita dor em criar e existe muita dor em ser criada.
Por mais que se viva em algum lugar é difícil se pertencer a ele, somos obrigados a morar na casa ao qual nascemos até saber que ali não é mais um lar. Até saber que talvez ali podemos morrer, fisicamente ou metaforicamente, não importa, é um risco, um sufoco cotidiano com nossos próprios pensamentos e desejos, principalmente se pensarmos em 1995 ou em 2020, mesmo em contextos diferentes, pertencer ainda exige um sacrifício, uma pequena morte cotidiana para renascer depois em outro lugar, em outro ar, em outros abraços desconhecidos mas carinhosos, sinceros e acolhedores.
É desse acolhimento constante que o filme me trouxe, o acolhimento entre personagens que podem morrer nesse “lar”, acolhimento em um lugar escondido onde um abraço de alguém desconhecido é o único alívio e indicação que eles podem ser a si mesmos, sem medo, sem receios, sem olhares ou gritos, mesmo escondidos ou longe de onde viveram grande parte de sua vida, ainda podem se reconhecer, mesmo distantes daqueles que achamos que os conheciam. Esse conhecimento é limitado ao fato eles apenas reconhecem as ilusões que esses personagens criam de si. Sabendo disso os personagens, principalmente Eddie, tem que se confrontar com o próprio imaginário que foi forçado a criar, esse imaginário refletido em um quarto cheio de armas, guerras, balas e homens.
“But it doesn't matter what we are, but we don't have to be.”
É desses conflitos entre os imaginários e o real que Eddie enfrenta no filme, esse conflito entre ser o que deseja e ser o que esperam que ele seja, talvez uma agonia de todos adolescentes em filmes adolescentes? Talvez, mas aqui com outras camadas, como contexto histórico e sexualidade, temos outras discussões e meios de abordagem, feitos de forma mais acolhedora possível, ao colocar Amber e Eddie juntos, se tornando o coração e o abraço confortável do filme, que organicamente desenrola as duas narrativas internas dos personagens para o meio externo através de suas ações e consequências aos outros personagens.
Entre guerras, amores e desejos tudo pode ser transformado, acolhido ou repudiado, a sociedade se movimenta desses três aspectos (guerras, amores e desejos) onde cada um cria e destrói o outro, das guerras externas e físicas um desejo pode nascer, de um desejo de pertencimento uma amizade pode surgir, e dessa amizade o acolhimento e união se torna o único meio de sobrevivência do próprio ser que restou e que ainda se confronta com o imaginário criado para destruí-lo. Da destruição desse imaginário, cria-se um novo ser, aquele que sempre deveria permanecer.
Não importa o quanto achamos que estamos completos sempre existe um espaço para ser preenchido, porém cegos que somos sobre nós mesmos, às vezes nem enxergamos o que precisamos de fato para preenchê-lo, às vezes é preciso do outro para enxergar nossos vazios, falhas e questionar nossas crenças. Porém nem tudo que é visto precisa ser mudado, às vezes é preciso enxergar de novo para dar valor a aquela pequena essência que nos dá tanto prazer. Princess Cyd é um filme que te leva a esse relacionamento que se constrói mutuamente entre essas duas personagens tão distantes, mas também próximas demais para enxergarem os buracos de cada uma, pelo menos Cyd enxerga e questiona mais Miranda, do que a Tia provoca a jovem. Miranda é deslocada de seu conforto, uma juventude entra em sua casa tão antiga quanto ela mesma, que viveu tantas histórias e que está sendo um meio para se registrar outras. É com uma delicadeza e algumas alfinetadas que ambas personagens se olham e que olhamos para elas. Não importa a idade, ambas se descobrem, aqui o “coming of age” se torna uma fase de transformação para ambas, Cyd com sua sexualidade e Miranda com suas próprias histórias e hábitos. Apesar de todo esse contexto, que é retratado de forma agradável e orgânica na história, o filme tenta entrar em outros contextos, como a personagem Katie e suas complexidades dentro da própria casa, mas nada se desenvolve dali, apenas um sentimento de uma história tão profunda sendo retratada de forma superficial e de muleta para a progressão da outra personagem. Apesar disso assistir a construção do relacionamento de Cyd e Miranda é um pequeno deleite para tentar enxergar no outro algo mais que podemos preencher ou enxergar em nós mesmos algo que precisamos aproveitar como se fosse novo.
Existe um detalhismo minucioso na progressão da história, ela se constrói em uma medida minuciosa, cada personagem é construído e destruído em seu momento exato, os relacionamentos são construídos para se ocuparem no espectador e depois arrancar dele, existe uma constante construção e desconstrução, enganos e acertos, mentiras e verdades. é uma jornada pela incerteza de um mundo que vale pelo dinheiro, pelos contratos e pela gentileza comprada. Ao mesmo tempo que é um mundo onde necessita da compra para trocar sorrisos, precisa do contrato para trocar gentilezas, precisa de favores para trocar amores, tudo para se estabilizar algum conforto em meio a solidão. A protagonista vive tudo que alguém viveria nessa loucura que é a modernidade, sua expressão mais profunda de sua infelicidade é feita na internet para estranhos, já na realidade, sua voz só pode ser ouvida por microfone, e mesmo assim ninguém consegue ouvi-la. Seus prazeres são limitados, retirados a preço dos outros, sua ingenuidade é comprada, sua alegria nenhum dinheiro consegue suprir. Apenas alguém que queira ouvi-la, queira entendê-la e aceitá-la, mesmo que tenha um preço. Esse preço também é pago pelo nosso tempo, as 3 horas de filme se solidificam em uma progressão orgânica do cotidiano da protagonista, do desenrolar das situações extremas, das desconstruções e construções dessa personagem introvertida, que segue aquilo que lhe falam, seguindo os outros e se tornando outras pessoas dentro de diversos nomes que criamos, mas ela sempre acaba sozinha, na solidão de um quarto pequeno, com uma comunicação entre as telas e microfones. O filme deixa os momentos acontecerem, os sentimentos morrerem e surgirem, o amor desenrolar de uma falsa realidade, para uma verdade incompleta. É trágico, é cômico, é caro, mas nada é gratuito, todos pagamos um preço, nem que seja o caro valor de um amor ou o barato valor de uma vida.
Sou fascinada por astronautas, por tudo que envolve o espaço, a descoberta dessa imensidão que não nos quer lá, mas insistimos em participar, descobrir, explorar ao máximo, por que o ser humano é inquieto demais. Nada vai parar o ser de conhecer, nada vai parar Sarah de ir atrás de sua filha, até mesmo uma quarentena quebrada, algo que hoje em dia, em plena pandemia, dá mais raiva do que emoção, mas de tudo vale para a teimosia humana cinematográfica, não no real, por favor fiquem em casa se puderem.
Essa teimosia, de ir a lugares que não pertencemos, também envolve as relações entre homens e mulheres desta viagem, onde explicitamente vemos uma repressão e estereótipos que ainda circulam em meio tão tecnológico, mas com pessoas tão teimosas em conhecer o oposto de si, em aceitá-lo, em reconhecer que ela está ali e vai ficar, com a filha ou não. Apesar desses conflitos iniciais, desta dúvida de Mike, existe uma pequena harmonia em meio as teimosias, até porque, uma hora temos que aceitar o outro.
Sarah é uma personagem que está ali em treinamento, não apenas de corpo, mas de mente, de aceitar que às vezes é preciso abandonar para libertar, para continuar a vida dentro e fora da terra, pois a vida continua mesmo não estando lá. Sua filha continuará a ir a escola, a fazer amigos, a se frustrar, a se sentir feliz e saudades, como sua mãe que mesmo fora da terra, com seus 16 sóis que dormem e acordam, agora ela é encarregada de contar as histórias ao sol, mas também a si mesma, a imaginar a vida continuando na terra enquanto ela continua no espaço.
A centralidade nessa relação entre mãe e filha ofusca a potência da personagem de Sarah, que se resume a ser a mãe, nada além disso, trazendo uma superficialidade ao filme que foca de forma rasa nesse relacionamento, nos treinamentos e nos conflitos entre personagens, nada além disso. São situações interessantes, é uma jornada interessante de desapego, de convencer ao outro que ela também pertence àquele lugar, mas é desenvolvido de forma distante, explícita e superficial. Tudo em uma trilha intensa de Sakamoto, que ajuda dar alguma profundidade as cenas através de uma sonoridade “espacial”, submersa e intensa, porém não é complementado pela fotografia ou roteiro que beiram a simplicidade que perde uma oportunidade de uma história mais intimista ou até intensa ao espectador que apenas ouve, observa de longe, mas não sente.
Ao entrar na sala dele a câmera permanece longe, um chiado sonoro incômodo é o único som que prevalece, de resto apenas o silêncio. Ao sair da sala o som de um escritório comum volta, mas o silêncio incômodo daquela sala prevalece, em poucos momentos do filme a vemos por completo, sempre aos recortes, as vezes a mesa bagunçada, outras vezes os restos de comida e então um brinco no chão, da noite passada, pertencente a alguém que nunca esteve ali antes.
No filme o nome dele nunca é dado, seu rosto desconhecido, mas todos conhecemos, não precisamos de nomes, de dramas, de exageros ou de brutalidades, é na sutileza que a pressão aumenta, é nos silêncios que os gritos precisam ser dados, mas não são permitidos. Não estamos presos a esse escritório, estamos presos a esses relacionamentos que não são ficcionais, nesses ambientes reais conhecido e silenciados.
A sala da assistente é separada por quatro mesas, três ocupadas por pessoas que não se olham, apenas trocam ligações ou mensagens de desculpas àquele pertencente a sala silenciosa e incomoda, nunca explorada. Ela sabe tudo dele, seus horários, seus encontros, seus aliados, seus problemas pessoais, ao mesmo tempo que não sabe nada, ou precisa se iludir que não sabe nada. Porém, do outro lado, ele sabe de seus movimentos, de suas falas e até silêncios e em uma troca de telefonema estabelece onde ele está e onde ela está, estabelece seu poder e o poder dela, que não é comparável, ela pode saber tudo dele e essa é a pressão que cai sobre ela.
O filme mantém-se nas minuciosas ações dela, com tempos longos, levando naturalidade a cada serviço, fotos copiadas, ligações, lanches, tudo para a construção de um cotidiano que apesar de comum, existe um sigilo, uma câmera que enquadra através do ambiente a pressão nessa personagem que nos mostra pouco, mas sabemos muito e um som que cria esse silêncio incômodo e um chiado ensurdecedor.
Existe um certo carinho nesse filme, por sua protagonista, pelas mulheres que a acompanham e aos assuntos que aborda e trás de forma concreta em sua narrativa como aborto, menstruação, depressão e o que seria ser mãe ou uma mulher aos 34 anos que não se enxerga em lugar nenhum. Tudo é retratado com carinho, cuidado e até compaixão, indo da comédia ao drama de forma mais orgânica possível em um equilíbrio que vai de uma piada, discussões e até às lágrimas em uma única cena. Bridge, a protagonista, está perdida em seus 34 anos, idade que demandam das mulheres um filho, constituir uma sólida família, casamento, emprego, vida social, saúde mental estável, tudo em um pacote chamado: “ser humano em fase adulta”.
Essa fase adulta, que não tem passagem de entrada ou de saída que valida a mulher pelos filhos que provem, ou pelo emprego estável ou até por relacionamentos, mas quando não se tem nada disso? Do que vale Bridget ou outras mulheres que ainda nem compraram essa passagem? Essas mulheres que tentam se enquadrar nesta idealização de um ‘ser mulher’ acabam se silenciando, se fechando nas próprias dores e adoecendo com o medo de mostrarem ao próximo que elas não conseguem. Algumas não querem ter filhos agora, porém quem sabe em outro momento, mesmo mais velha. Outras tem um filho agora, mas não aguenta ficar próxima a ele. Ou aquela que já teve uma filha e não aguenta viver longe dela.
Todas as narrativas são jornadas próprias e que te transformam através de si mesma ou através daqueles que estão em volta. Todas as dores são dores que podem ser faladas, que precisam de apoio ou apenas uma aceitação. Essas mulheres vivem presas em expectativas que não são alcançáveis ou não abrem suas dores por medo de serem inválidas. Elas querem cuidar de alguém, mas negam serem cuidadas. Bridget cuida de Frances sempre a espera de uma aprovação, mas falha constantemente e mesmo falhando ela sempre tem a oportunidade de voltar e tentar de novo, porque assim como as crianças, que possuem a oportunidade de falhar, ela só quer se entender.
Deixando claro que não é uma história de amor e sim sobre o amor, na realidade, sobre uma autoria ao amor e das palavras que descrevem o que seria amar ou o que seria reconhecer no outro um complemento de si, pois, segundo as mitologias, não somos completos. Como um reflexo na água, somos completos através do que gostamos, apreciamos e nos inspiramos, só basta ao outro, não nos completar, mas nos acompanhar e compartilhar suas próprias individualidades, pensamentos e experiências. Ellie Chu sabe o que é o amor, mas nas palavras dos outros, seu imaginário e escritas vem de outros pensadores, de outras narrativas fílmicas e filosóficas, ficando em conforto com os olhares dos outros sobre algo tão distante que é o amor a essa personagem solitária em meio aos trilhos do trem. As redações digitadas, os trabalhos escolares, são distantes pois apenas precisam de outros nomes consagrados na história, para articular entre eles mesmos as diversas discussões sobre a vida, o amor, o ser. Porém em cartas exige uma intimidade, uma carta de amor então, exige exprimir de si fisicamente e mentalmente o seu desejo mais íntimo pelo outro, algo que nenhuma figura histórica pode falar por ela. As cartas começam com uma citação tirada de um filme do Wim Wenders, uma cópia, não retratando de seu desejo, ou conhecimento, não são suas palavras, é apenas uma articulação de seus gostos e a soma de suas próprias crenças, porém nas palavras de terceiros. Para o amor, uma escrita de amor, exige-se suas próprias palavras, nada é mais íntimo que exprimir por si aquilo que acredita, que gosta, que inspira.
Como na história real, as escritas e narrativas foram dominadas por uma única face e o amor oprimido a uma única definição, aqueles que divergiam destas determinadas faces ou amores utilizavam de disfarces, anonimatos, pseudônimos ou terceiros para concretizá-los. Na narrativa do filme utiliza-se da face e do corpo de Paul para concretizar esse amor, esse desejo e descoberta de si, que em meio a esse ambiente do filme, que possui uma rotina religiosa, poderia ser proibido. Conforme as cartas escritas, Ellie descobre em si sua autoria, suas palavras e seu jeito de entender o amor e de amar. Ela descobre em Aster uma correspondência desse olhar, desse amor nutrido pelos mesmos gostos e que buscam compartilhar entre si a solidão desse desejo oprimido, que mesmo distantes, se conecta pelas palavras, pelas ideias e até pela arte, onde juntas pintam sobre a vida e o amor entre duas mulheres em uma tela proibida, fisicamente e historicamente.
É do amor que vem a revolução, ou é do desejo de um amor que não se concretiza, mas se imagina, se cria dentro de si o desejo de amar, mesmo sendo proibido, o desejo está ali, mesmo na opressão o amor entre essas jovens ainda circula entre elas, em meio aos uniformes listrados, aos cabelos presos até doerem, ainda existe um sentimento de amor, de revolução. Em meio a essa simetria de movimentos das garotas, de alinhamentos para uma autoridade que só preza pela ordem e não pela compaixão, Erzieherin se torna um elo de conexão com alguém que faz parte dessa autoridade, ela seria algum respiro naquele lugar ou algum afeto que está tão distante daquelas garotas que não podem se comunicar com seus pais. Mesmo na extrema autoridade, nessa arquitetura completamente alinhada, grande, que só é preenchida e transformada pelas garotas que dançam no salão, brincam pelos corredores e que tem respiros através de fotos proibidas de astros famosos, dos beijos de boa noite de Erzieherin e através dos poemas e fantasias, como Manuela que declara seu amor aos gritos de uma mente bêbada, mas de um coração ilusório e apaixonado. Quando se declara amor em meio a opressão a punição é a primeira a ser declarada. Porém, mesmo em um quarto estrategicamente escuro e Manuela no quanto do quarto com uma enfermeira cuidando-a, elas ainda conseguem encontrar poucas risadas em meio a punição, como as meninas, proibidas de falar com ela, gritam o seu nome, pois é através de seu nome que a revolução começa, é através dessa declaração de desejo que é possível um amor em meio a opressão. Se o amor entre Manuela e Erzieherin é impossível, pelo menos a revolução é possível.
A imensidão do branco da neve é como o fim que não vemos para esses personagens, embarcamos em seus olhares, seus pontos de vista, suas éticas, devaneios antes da morte e melancolia durante a vida. Claro que existe uma melancolia sempre presente aqui, é no meio da guerra, de dois soldados que nem sabem seus nomes se unem para buscar comida, para ajudar algo que é e sempre será maior do que eles, que ao mesmo tempo não possui mais significado, perante a morte nada possui mais significado, apenas a sobrevivência, mas a preço de que? O que é viver em meio daqueles querem seus irmãos mortos? Shepitko ousa em nos colocar em seus pontos de vista, mas em nenhum momento pareceu injusto ou desnecessariamente agressivo, ela sabe o que quer falar, sem explicitar nada, ela sabe o que queremos sentir, sem apelar para isso. Ela é crua e letal, nos trás angústia e até nos provoca em alguns momentos de trilhas sonoras sublimes onde o personagem devaneia com a morte e a paisagem da guerra quase o esmaga em tela. Esse mesmo personagens que também nos esmaga com seu olhar e com seu sorriso manchado de sangue. Ele, que preza por uma consciência plena, sabendo que não traiu por aquilo que lutava, mas novamente, pelo o que eles lutavam? Talvez, agora, ao fim, seja apenas por aqueles que o acompanharam, por essas pessoas que nem pegam em armas e nem se importam para quem ou o que é todas essas mortes, a única importância é a vida, mas não existe nada tão frágil quanto ela e a única certeza é que a neve não tem fim.
"Ela foi morta?" Não sabemos responder essa pergunta, se foi ou não, porque a morte é apenas quando o corpo não responde mais a mente? Quando a mente não responde mais a vida, ao mundo lá fora, será que isso é ainda viver? Longe daquilo ao qual era seu único propósito até descascar uma batata em um domingo se torna irrelevante " Para que servem os restaurantes?" Em meio a essa melancolia, a solidão de planos que sempre estão preenchidos, mas ao mesmo tempo estão vazios no olhar da protagonista. Quando a janela se torna a única possibilidade de olhar para o céu novamente é quando suas pequenas fugas e felicidades ocorrem, quando ela precisa de água, mas a terra não lhe dá nada, apenas o céu lhe presenteia com a chuva. É onde podemos dizer que estamos vivos? É nesse andar por um propósito, em meio a uma juventude que ferve de vida e imortalidade, onde ela se sente mais mortal, perto de uma idade avançada e mais longe do céu. É ter seu nome pronunciado diversas vezes, mas nenhuma vez significou algo. É o vazio de uma mulher que serviu a guerra, serviu ao estado, serviu a educação, mas nunca serviu a ela mesma. O que resta a uma mulher depois de servir aos homens? O que lhe resta a não ser olhar aos céus novamente?
"Quero ver o oceano Quero amar as pessoas Mesmo um monstro Tem coração" - "Acho que não dá para concertar"
A forma do desenrolar da narrativa chama muito a atenção, podemos dizer que existem partes até que beiram ao experimental e sensorial do personagem, porém outros momentos se torna apenas confuso, mas que não tira a atenção da construção da narrativa. A história aqui é outro destaque, existe uma complexidade das personagens, que desde o início não buscam a simpatia do espectador e apenas posteriormente que os entendemos. Apesar de ter uma questão muito forte sobre o perdão e o constante pedido de desculpas das personagens, questão que me incomodou muito ao longo da narrativa, pois o exagero beirou a submissão das personagens de forma não coerente. Apesar disso, existem constantemente a questão de construção e reconstrução aqui, tanto em relacionamento, mas também pessoal, de que adianta pedir desculpas se não mudamos? Será que o nosso passado, como monstros, que em algum momento nos vemos como um, pode ser perdoado? Para além disso, como nossas destruições vêm de fora e quantas vêm de dentro? São questões que permanecem em cada personagem e talvez até em nós mesmos, qual é a medida da destruição do outro e qual a medida da nossa própria destruição? Talvez não podemos medir nada disso, talvez nem ao menos podemos aceitar o outro, porque não nos aceitamos, como Ueno que não consegue se enxergar. Ou nos enxergamos demais ao ponto de negar nossa própria participação ao mundo, como Ishida. Talvez também não nos vemos como participantes deste mundo e apenas como um constante incômodo a ele, como Nishimya. Tantas histórias individuais que se encontram e se desenvolve por vezes de forma orgânica e outra de forma desnecessáriamente detalhada demais, que não atrapalha, mas acrescenta na narrativa para construção de novos personagens, porém esses alguns perdem um pouco o destaque e se tornam apenas um complemento não tão necessário a narrativa. Apesar dos novos personagens terem pouca construção, os antigos, que se reencontram por que a vida é cheia de nos pregar peças para nos fazer embrar do passado que queremos esquecer, suas complexidades refletem muito bem a necessidade de mudança ou entendimento do protagonista e nossa sobre cada um. Nem todos vão mudar, nem todos precisam mudar, as vezes é preciso se enxergar ou simplesmente olhar para o passado e se lembrar de que também somos/fomos monstros, que tem coração e por isso precisamos mudar.
Gosto como essa narrativa se desenvolve com elementos mais comuns e humanos, mesmo ao retratar de uma bruxa, de poderes e questões mística o filme coloca tudo isso igualmente com a arte,os artistas e trabalhadores, deixando mais familiar essa dor de perder a vontade de fazer aquilo que te faz seguir em frente, de continuar entregando pequenas alegrias em seu trabalho como Kiki faz com suas entregar. Kiki é uma personagem que assim como um introvertido precisa de um tempo para si, seu ciclo de amigos é menor, mas não significa que ela ganhe pouco amor, ao contrário, com suas entregas ela consegue deixar um pouco de amor em cada pessoa que a recebe. Aqui a narrativa se desenrola no cotidiano de Kiki, em seus problemas internos, como um filme de uma adolescente buscando sua independência e com isso tendo que descobrir a si mesma, a jornada de se tornar uma bruxa também é a jornada de se tornar um "eu".
A Vida Depois
3.4 158 Assista AgoraEu gosto tanto do equilíbrio deste filme, ele lida com cada coisa com a seriedade ou leveza necessária, não exagerando em nenhum dos lados.
O filme é mais difícil do que eu imaginava que seria, mas ele consegue lidar muito bem com esses assuntos, ele tem uma honestidade muito grande com sua protagonista, no sentido de não exagerar em seus traumas para fazer o espectador "sentir o que ela sentiu", pelo contrário, ele nos faz entender, nos identificar de forma mais honesta e sincera possível simplesmente mostrando, pelos seus distanciamentos, aproximações, os vazios, os preenchimentos ilusórios e os preenchimentos reais desses vazios que nunca vão deixar de existir, pq as vezes é difícil explicar por que não podemos deixar algumas coisas para trás.
A Filha Perdida
3.6 573A horrível agonia, angústia, tensão que senti lendo o conto de Elena Ferrante, senti novamente aqui. Amei.
A crueza das personagens de Ferrante transpassa aqui, pelos longos olhares, pertos ou distantes, a imprevisibilidade das ações, a quebra de nossas expectativas
Ninguém é bom e nada sabemos sobre ninguém aqui, é sobre primeiros olhares, segundas atitudes e terceiras conclusões.
É sobre mãe, mas não na sua forma de santidade como o cinema adora expressar e também não é o seu extremo, como o cinema acha que é desconstruir. É aquilo que é, que pode, ou não, acontecer, tudo em sua forma mais crua e tão difícil de ser retratada, mas que Ferrante sempre nos assombra com essas protagonistas difíceis de gostar, de entender mas que você não consegue desviar o olhar e agora a diretora conseguiu trazer esses olhares tão dificies de prever.
A Despedida
4.0 298Tudo é uma mentira?
As festas que escondem os enterros, as lágrimas que escondem dores e os sorrisos que escondem mentiras.
A mentira que se aprofunda, que enraíza até as verdades não ditas, de um passado incompleto, de sorrisos falsos, de perseguição de uma identidade entre dois lugares, dois lados extremos, duas casas e dois nascimentos, duas formas de mentiras que são a verdade de cada lado.
Uma simples mentira que desperta os relacionamentos, a estrutura dessa família que sempre existiu separada, mas quando se unem é mais uma mentira construída, a mentira de uma família unida e dividida, em oriente e ocidente, entre ser único para todos e ser único para si. Mas não importa de qual lado cada um permanece, quando se unem através da mentira as verdades sempre gritam mais alto, sempre atacam o interior de cada um, portanto será que uma mentira é uma boa mentira quando ela desperta a nossa verdade?
Nomadland
3.9 895 Assista AgoraSomos tão pequenos se comparado a tudo em nossa volta, mas somos tão grandes quando nos amontoamos em pequenas vans que vagam entre estradas, terras, florestas, cidades e casas, não pertencendo a lugar nenhum e sempre pertencendo a um lugar só. Deixando buracos naqueles que fixaram em casas específicas e dizendo “Te vejo no caminho” àqueles que escolheram trilhar a vida carregando a própria casa. Nada permanece, mas tudo permanece, pode não parecer um ciclo, mas tudo é um ciclo, somos preenchidos pelas memórias que carregamos, pelos caminhos que passamos e pelo adeus que temos que deixar escapar para ouvir um “até logo” de volta.
Fern sempre deixa algo pelo seu caminho, nem que seja um lanche ou uma memória ela sempre vai olhar as pessoas que vivem ali, pois talvez seja um resquício de que vale a pena continuar em frente, ela sempre vai admirar tudo a sua volta e deixar tudo para trás, pois ela não pertence a lugar nenhum.
Porém mesmo vivendo na memória de tantos ela ainda deseja se livrar das próprias, como seu pai diz “o que é lembrado vive” e viver é um peso a ser carregado, quando a morte está sempre presente nos caminhos que passa, continuar pode ser um respiro ou uma fuga da realidade ou da própria solidão, que consome, mas também pode aliviar. No caso de Fern a solidão é um conforto não entendido pelos outros, só por ela mesma.
E mesmo com tantos caminhos a serem trilhados somos consumidos pelo desejo de voltar para aqueles que mais conhecemos, pois precisamos lembrar para continuar vivendo.
Billie Eilish: The World's a Little Blurry
4.2 34Billie Eilish é um reflexo dos adolescentes atuais, mas não um reflexo completo, apenas aquele reflexo dos pesadelos, os monstros silenciosos que não vemos e são ignorados pelos adultos. Ela reflete aquele lado da adolescência que é pouco representado nas artes, o lado que é taxado como “fases da adolescencia”, mas às vezes essa fase pode durar uma vida inteira ou pode encurtar uma vida completa.
“Am I satisfactory?
Today, I'm thinkin' about the things that are deadly
The way I'm drinkin' you down
Like I wanna drown, like I wanna end me” - bury a friend
Billie cria através daquilo que sente, os seus próprios pesadelos são refletidos em frases densas demais para saírem de uma adolescente de 17 anos, mas que se encaixa nesse mundo onde não existe mais lugar para ser jovem ou velho, Adulto ou criança, nada se encaixa mais nesse mundo louco que vivemos. As assombrações de Eilish se refletem na forma de suas músicas que reconstituem seus pesadelos, através da lentidão e densidade de sua voz, que brinca com a suavidade e agressividade de seus graves, agudos e distorções e complementa com as batidas fortes, suaves, distorcidas e assustadoras e às vezes somos deixados no eco, na solidão da cantora que exprime suas angústias e íntegra e seus pesadelos em suas performances nos palcos e vídeos.
O documentário retrata mais esse equilíbrio essas duas Billies, a que integra os pesadelos nos palcos, vídeos e letras, e a adolescente que precisa lidar com todo o peso de ser reconhecida por milhões de pessoas, de ter que mudar uma adolescência comum para uma adolescência onde suas angústias são ouvidas cotidianamente por milhões de pessoas, e ela não pode vivê-las e absorvê las em sua privacidade.
Em um mundo onde a mídia em geral só representa jovens atuais no contexto mais próximo dos anos 80, 90, com seus problemas representados de formas superficiais e rasas. Billie se aprofunda dentro de si, chega aos limites de sua própria existência para dizer o lado obscuro, existencial de ser uma jovem em pleno 2019. Ela exprime uma jovem que tem medo dos próprios pesadelos, que não consegue ver um futuro para sua própria geração, mas ao mesmo tempo, grita sobre seu coração partido, um amor não correspondido e o monstro que vive em silêncio dentro de si.
História de Taipei
4.0 21 Assista AgoraO retrato de uma sociedade através de histórias que podemos achar estranhamente íntimas demais para nós. Esse estranhamento ocorre pelas semelhanças que percebemos com as histórias que podem se passar em qualquer lugar.
Como a história da protagonista Chin, que seu único incentivo de continuar no mesmo trabalho é ter alguém que pode lhe apoiar e não é o trabalho em si.
Lung, deseja sair daquele lugar, pois há uma pequena esperança de começar de novo, de conseguir olhar para trás e apagar todas as dívidas, conseguir todo o dinheiro necessário para se manter e dar o pouco que tem para aqueles que não encontram a saída. Além de querer a estabilidade suficiente para conseguir assistir suas partidas de baseball.
Ling, a irmã de Chin, pertence aquela nova geração que nega os moldes da geração atuante no capital. Que tenta ao máximo desviar desse sistema que cria uma ilusão de liberdade próxima ao trabalho, onde todos ficam dependentes, mas o preço pela liberdade é muito caro e ficar na ilusão se torna mais barato.
Ao mesmo tempo, essa nova geração se encanta mais com as propagandas estrangeiras do que com os programas regionais. São seduzidos pelas recompensas dadas ao entrar no sistema, porém eles ainda resistem, talvez nem ao menos resistem, pois o tamanho da abertura é tão pequeno e limitado que muitos, normalmente aqueles que mais precisam, não conseguem entrar ou a resistência vem de uma negação ao funcionamento de um sistema que talvez nunca mude e se não muda o que lhes resta? O que resta também para aqueles que já estão dentro do sistema e não conseguem sair dele?
Talvez viver no presente, aproveitar longas noites de festas iluminadas pelas propagandas da cidade, ou aproveitar alguma música estrangeira em meio ao caos urbano, algo que lhes mantém em contato, que lembrem o que são além do trabalho.
“Eu sempre pensei que ela deveria ser um menino[..]
É horrível ser uma menina
Você podia ver isso desde quando ela era pequena.
Ela apanhava do pai para proteger sua mãe.”
Chin foi puxada a esse meio jovem, ela, uma mulher que conseguiu seu próprio lugar no mundo, seu nome se tornou renomado, desistiu do emprego e não é mais contratada, o mesmo sistema que impede os jovens inexperientes também impede os experientes demais, o que resta a esta mulher ? Aquelas promessas de novos começos? A mudança para uma nova terra que promete o melhor que o capital pode oferecer? Ou um casamento que promete recomeçar uma relação que já deveria ter terminado? O que resta a alguém que saiu do sistema, mas precisa dele para continuar a sobreviver?
Em meio a cigarros, homens, bebidas, festas, ela aproveitou de tudo, ela ainda tem poder sobre o sistema, consegue sobreviver sem ele, mas é uma liberdade limitada. Uma hora é preciso dar a decisão final, olhar aos reflexos dos dominantes e incontáveis prédios espelhados e saber que é hora de voltar.
Liz and the Blue Bird
3.8 8O amor... é difícil falar sobre o amor, é tão complexo, são tantas coisas, as vezes o amor é esperar alguém na porta para conseguir prosseguir em frente, as vezes é deixar a pessoa ir em frente e guiar seu caminho ou as vezes é perceber que andar ao lado é melhor, pois cada segue o seu próprio caminho. Talvez a solidão não seja algo tão bom, as vezes quando ela é preenchida seja o suficiente para nos preencher também, mas apenas por um tempo, pois depois é preciso ficar sozinho de novo, sentir-se livre, podendo correr por esse espaço que agora está vazio, até perceber que precisa de alguém para preenche-lo de novo, mas não por muito tempo... E o ciclo continua.
Porém a solidão pode machucar aquele que está só e ao outro que tenta preenche-la, o primeiro é machucado por essa falta de algum preenchimento, o outro por se sentir preso e responsável por preencher algo que não é seu próprio espaço, ambos dependem um do outro e não enxergam, ambos estão presos e soltos, vendo através de grades e através das nuvens de um céu infinito. A solidão... é difícil falar sobre a solidão...
O retrato de uma garota solitária sempre acaba no esteriótipo de apenas o silencio ser o suficiente, porém não é o silêncio que faz alguém solitário, talvez seja a falta de percepção de si, o medo de se aproximar e o medo de se afastar, o medo dos sentimentos mais profundos, e dos sentimentos mais superficiais, o conforto de ter um lugar onde pode ser o suficiente para si e a alegria de saber que podem ir e voltar a qualquer momento para esse lugar e para essa pessoa que preenche, as vezes, essa solidão.
Ao mesmo tempo, essa pessoa que preenche a solidão da personagem solitária, ela é além da personagem social, sempre rodeada por todos, ela pode ter medo de aproximar os outros demais e afastar aqueles que já estavam ao seu lado a mais tempo, talvez ela deseja ser algo que não pode ser, mas não consegue enxergar isso, talvez o maior conforto que ela vai achar é na solidão, ao olhar uma paisagem infinita de um céu azul ou de uma cidade que de longe parece vazia, mas de perto é turbulenta demais.
Essas duas personagens, em uma fase final de ensino médio, em uma música que necessita de duas pessoas conectadas em um longo fio, que deixa ambas irem a qualquer lugar, mas também que se lembrem que podem ter seus vazios preenchidos ou seus tumultos preenchidos por aquela que sabe quem ela é.
O filme me despertou tudo isso, como também despertou aos meus olhos a riqueza dos primeiros planos em detalhes que preenchem a personalidade de cada personagem e a narrativa das relações entre elas, cada uma com seu jeito, seus sentimentos, sendo que não precisam mudar uma a outra, apenas precisam olhar para si e isso talvez isso seja o amor ou uma pequena parte dele.
Swing Kids
4.2 30 Assista AgoraExiste arte na guerra e existe guerra na arte, apesar do mesmo nome “guerra” ambos possuem seus pesos diferentes, um arrisca a morte o outro a vida, a morte pela guerra real e a vida pela arte compartilhada na guerra, a arte se torna o único lugar onde se pode sentir uma pequena energia, que gera o movimento, uma corrida, uma dança ou cantoria, não pela liberdade em uma prisão, mas pela possibilidade de fazer aquilo que poderia estar realizando se não fosse a guerra.
Existe guerra fora dos campos de batalha, pois ela não é fixa em um só lugar, ela marca e permanece nos corpos e nas mentes daqueles que sobreviveram, a arte também não é fixa, ela transporta para diferentes lados ideológicos, físicos e imateriais, ela transforma e é transformada, moldada para um lado, mas pode se converter para outro, é desses opostos, transformações e moldes que Swing Kids passeia, dança e sapateia, trazendo seus personagem em um gosto comum apesar de serem completamente diferentes, unindo aqueles que não se encontrariam na guerra para uma dança em conjunto.
O filme não se perde nesse imaginário de uma “bela arte feita na guerra”, é uma dança feita apesar da guerra, que não deveria ser feita ali e isso o filme não esquece. Não deveria existir essa confusão de culturas, línguas e passos em meio a guerra, pois é a própria guerra que impede tudo isso. É ela que molda essa arte para tornar todos inimigos e traidores entre si. O filme é moldado de forma orgânica e consciente do ambiente ao qual retrata, construindo uma narrativa que vai para extremos, de um tom de comédia, até o horror da guerra, os gêneros se complementam, mas também se repelem, são moldados para trazer o espectador aos seus próprios extremos, a tensão de um longo sapateado sem pausa, para uma bala prestes a ser disparada, tudo isso com uma fotografia que conversa com os passos e os tiros, que se movimenta conforme a dança e as brigas, sendo orgânico em seus extremos e semelhantes em sua composição da imagem, possibilitando uma montagem rítmica que junta o passado com o presente, os sapateados com os tiros, a arte com a guerra.
Linda Linda Linda
4.1 27Se existe o melhor momento e sentimento para se expressar no fim de uma adolescência é através dos últimos momentos, último ano da escola, o último dia de aula, a última montagem de festival, os últimos segundos com os amigos ou até os últimos segundos de uma briga que nem sabe porque começou. É o ciclo que se termina, o término das rotinas, das amizades mas outras que começam, todos são sentimentos e momentos que podemos facilmente nos relacionar, existe seu elemento de nostalgia pessoal, porém “Linda, Linda, Linda” não é apenas sobre isso, é sobre essa amizade, essa banda que foi montada nos últimos suspiros, que ensaia até suas últimas energias para conseguirem seu digno último dia deste ciclo que parecia tão eterno, mas que acaba tão rápido.
O grande meio coming of age do filme é colocado através da câmera que corre com a personagem que passa pelas salas de aula cheias e desorganizadas para a montagem do festival, pelas suas amigas que em poucas falas já são apresentadas suas questões e relações iniciais e a recém chegada Son, isolada em sua sala de intercâmbio. É com grande afeto que as personagens interagem entre si, se conhecem aos poucos, principalmente pelos diálogos, e dos poucos momentos que passam juntas fora dos ensaios e é por esse pouco que o filme se perde.
A conexão com as personagens se torna difícil quando temos uma distância em suas relações ou personalidades, apesar de apresentar essas duas questões, o filme pouco explora esses outros lados das personagens que caem em pequenos estereótipos e não saem dessa camada, os conflitos que poderiam nos revelar mais sobre elas são apenas citados deixando as personagens rasas em seu desenvolvimento e envolvimento com o espectador.
Apesar da falta o outro lado é preenchido por uma narrativa calourosa, a evolução da música nos ensaios junto com a aproximação das personagens trás aquela eterna sensação do incompleto, de uma empolgação inicial ou de uma procura por profundidade que não é preenchido. Não que exista uma grande frustração pelo filme, apenas um pequeno vazio de conexão com essas personagens que queria conhecer e sentir essa amizade e o ápice desse último dia junto a elas.
Skate Kitchen
3.8 42Talvez seja sobre pertencimento ou se encaixar no lugar certo ou simplesmente se encontrar e depois se perder, sair de sua zona de conforto desconfortável, viver em outros lugares, experimentar outras coisas, tentar entender o que não é possível explicar e apenas sentir, ou apenas sobre garotas que só querem andar de skate em paz.
O grupo é de fácil simpatia, tendo uma forte harmonia entre todas, Camille sempre se sente a intrusa por ali, porém tudo leva tempo e aos poucos se conquista os pequenos espaços, o compartilhar de seus próprios erros ou das experiências íntimas femininas leva a todas entenderem que nada é estranho, só não é falado e é isso que esse filme faz, ele fala, em alto bom tom, sobre experiências femininas, sobre sexualidade, sobre adolescência, se encontrar em algum lugar, se perder em seus próprios sentimentos, se perder novamente em suas dúvidas que não são possíveis de serem respondidas.
Se tudo isso fosse o foco na trama, seria uma nova narrativa, e muito bem vinda, para o gênero coming of age, com um grupo de garotas skatistas ocupando seu espaço no parque, nas ruas, escadas, caindo, levantando, brigando, compartilhando experiências íntimas, se conhecendo e conhecendo o outro. Porém, a história se perde, em tudo o que ela tinha de diferente desaba ao entrar em mais um clichê dos filmes coming of age, não que um clichê seja ruim, mas aqui a narrativa começa com uma própria identidade, olhando para aspectos da adolescência feminina que não são retratados, olhando para esse grupo de garotas que querem permanecer em seu espaço nesse meio masculino, para depois a narrativa cair em conflitos irrelevantes que não complementa essa força inicial, na verdade, desviam ao ponto de perder a potência dessa nova perspectiva que traria uma identidade ao filme.
Apesar disso, existe uma grande força, infelizmente não utilizada ao longo do filme, aqui, através do equilíbrio entre as manobras e os conflitos, as dinâmicas do grupo, os conflitos da protagonista com si mesma e com o exterior, esse que exige uma lista de coisas para fazer e sentir na adolescência em contraponto com Camille, querendo ser apenas uma adolescente andando em seu skate.
Adeus, Meninos
4.2 256 Assista AgoraA forma como você, literalmente, embarca nessa viagem com essas crianças é uma constante, estamos sempre ali, em meio ao fluxo de acontecimentos, dos diálogos, das conversas e gritos entre os meninos e o silêncio da noite. Das lutas de brincadeira e das lutas reais, tudo de uma forma que te permite entrar no meio e acompanhar não apenas as interações, mas também os sentimentos, as trocas de olhares curiosos, confortantes, amedrontados, tristes e de despedidas, as caminhadas sozinhas e confortantes onde tudo e nada pode acontecer naquela amizade. Acompanhamos todos aqueles meninos que vivem ao máximo pois não sabem quando o próximo alarme pode tocar.
Pode ser uma história íntima demais ou distante ou até sempre contada, a forma é o elemento que a transforma, aproxima ou afasta aqueles que querem vê-la/ouvi-la e principalmente senti-la e aqui, sentimos tudo em todos os elementos, nos pequenos detalhes, os olhares, ou grandes elementos, a guerra. Tudo possui sua devida importância, seu encaixe na história, te levando a uma tensão pelo grande elemento, mas te mantendo firme pelos detalhes que te mantém nesse fluxo, nesse desejo mútuo que aquilo não pode acabar, que não queremos nos despedir desse sentimento de conforto, desses meninos que não queremos deixar aqui nessa história onde já sabemos que o alarme vai tocar no final.
Shirley
3.3 70 Assista AgoraAs mulheres solitárias, as mulheres isoladas, a loucura de não ter um quarto todo seu, a loucura de não ter o outro para se apoiar, para conseguir se expressar. As mulheres que criam e a aquelas que cuidam, todas enlouquecem uma hora, todas são solitárias, se isolam em meio as florestas, as casas, aos livros, aos papéis escritos ou aos choros da criança, as mulheres não enlouquecem, elas respondem ao ambiente. É o corpo que responde aquilo que recebe e aqui recebe a solidão, o agoniante silêncio de uma casa que não consegue parar de gritar por calmaria daqueles que a habitam, a agoniante natureza que sempre chama as mulheres, que sempre necessitam de uma conexão delas para então ambas conseguirem um leve suspiro, um leve lampejo de calmaria em meio a loucura que são suas próprias mentes, suas próprias agonias internas e externas que é viver em silêncio constante, em abandonos e constantes vigilância opressoras de olhares que buscam sugar o que elas tem de melhor e deixar apenas o corpo, o silêncio novamente e uma dose de insanidade, pois ninguém tem consciência de si quando não consegue se expressar.
Shirley e Rose, mulheres solitárias, que se enxergam em meio a homens que estudam, que criam obras tendo como base outros homens que criaram em base de outros homens, e, para as mulheres, lhe restam o silêncio e as mulheres perdidas que não conseguem ser vistas, ou, as mulheres solitárias que gritavam para serem ouvidas, mas são silenciadas por vozes masculinas.
Para a criadora de loucuras, Shirley, lhe resta o abandono dos outros, as aflições de si mesma, o peso de suas próprias criações que a circulam e distorcem a realidade. Lhe resta os olhares vigilantes do homem que nem dorme ao seu lado, que apenas se importa se ela irá descarregar esse peso em algum trabalho, mesmo que esse trabalho lhe custe sua sanidade. Como também lhe resta uma visão de mundo, como as câmeras desse filme, que beiram a loucura e a tragédia, a opressão do ambiente ao redor e a tensão dos outros olhares que se difundem entre desejo e repulsa, alegrias e loucuras, procuras e desaparecimentos, realidades e ficções.
Para a difusa Rose, que se estende entre a sanidade e insanidade, que se envolve com a criadora e se transfigura como criatura, e é a mesma que se envolve com o provedor e se transfigura como genitora e é abandonada por ele.
Como criatura, ela permanece entre o desejo por sua criadora e o desejo pela solidão, pelo desaparecimento para conseguir ser reconhecida ou ser ouvida por outra que também foi desaparecida ou foi obrigada a se isolar para manter o peso que o silêncio perturbador da solidão traz consigo. A criadora e a criatura, abandonadas a uma casa toda sua, sentem e reverberam um ambiente predominado de desejo e do receio, de uma aproximação pela confiança de uma morte iminente que ambas desejam, mas sentem medo ou um pleno alívio, pois existe muita dor em criar e existe muita dor em ser criada.
Meus Encontros com Amber
3.9 80 Assista AgoraPor mais que se viva em algum lugar é difícil se pertencer a ele, somos obrigados a morar na casa ao qual nascemos até saber que ali não é mais um lar. Até saber que talvez ali podemos morrer, fisicamente ou metaforicamente, não importa, é um risco, um sufoco cotidiano com nossos próprios pensamentos e desejos, principalmente se pensarmos em 1995 ou em 2020, mesmo em contextos diferentes, pertencer ainda exige um sacrifício, uma pequena morte cotidiana para renascer depois em outro lugar, em outro ar, em outros abraços desconhecidos mas carinhosos, sinceros e acolhedores.
É desse acolhimento constante que o filme me trouxe, o acolhimento entre personagens que podem morrer nesse “lar”, acolhimento em um lugar escondido onde um abraço de alguém desconhecido é o único alívio e indicação que eles podem ser a si mesmos, sem medo, sem receios, sem olhares ou gritos, mesmo escondidos ou longe de onde viveram grande parte de sua vida, ainda podem se reconhecer, mesmo distantes daqueles que achamos que os conheciam. Esse conhecimento é limitado ao fato eles apenas reconhecem as ilusões que esses personagens criam de si. Sabendo disso os personagens, principalmente Eddie, tem que se confrontar com o próprio imaginário que foi forçado a criar, esse imaginário refletido em um quarto cheio de armas, guerras, balas e homens.
“But it doesn't matter what we are, but we don't have to be.”
É desses conflitos entre os imaginários e o real que Eddie enfrenta no filme, esse conflito entre ser o que deseja e ser o que esperam que ele seja, talvez uma agonia de todos adolescentes em filmes adolescentes? Talvez, mas aqui com outras camadas, como contexto histórico e sexualidade, temos outras discussões e meios de abordagem, feitos de forma mais acolhedora possível, ao colocar Amber e Eddie juntos, se tornando o coração e o abraço confortável do filme, que organicamente desenrola as duas narrativas internas dos personagens para o meio externo através de suas ações e consequências aos outros personagens.
Entre guerras, amores e desejos tudo pode ser transformado, acolhido ou repudiado, a sociedade se movimenta desses três aspectos (guerras, amores e desejos) onde cada um cria e destrói o outro, das guerras externas e físicas um desejo pode nascer, de um desejo de pertencimento uma amizade pode surgir, e dessa amizade o acolhimento e união se torna o único meio de sobrevivência do próprio ser que restou e que ainda se confronta com o imaginário criado para destruí-lo. Da destruição desse imaginário, cria-se um novo ser, aquele que sempre deveria permanecer.
Princess Cyd
3.7 29Não importa o quanto achamos que estamos completos sempre existe um espaço para ser preenchido, porém cegos que somos sobre nós mesmos, às vezes nem enxergamos o que precisamos de fato para preenchê-lo, às vezes é preciso do outro para enxergar nossos vazios, falhas e questionar nossas crenças. Porém nem tudo que é visto precisa ser mudado, às vezes é preciso enxergar de novo para dar valor a aquela pequena essência que nos dá tanto prazer.
Princess Cyd é um filme que te leva a esse relacionamento que se constrói mutuamente entre essas duas personagens tão distantes, mas também próximas demais para enxergarem os buracos de cada uma, pelo menos Cyd enxerga e questiona mais Miranda, do que a Tia provoca a jovem. Miranda é deslocada de seu conforto, uma juventude entra em sua casa tão antiga quanto ela mesma, que viveu tantas histórias e que está sendo um meio para se registrar outras. É com uma delicadeza e algumas alfinetadas que ambas personagens se olham e que olhamos para elas.
Não importa a idade, ambas se descobrem, aqui o “coming of age” se torna uma fase de transformação para ambas, Cyd com sua sexualidade e Miranda com suas próprias histórias e hábitos.
Apesar de todo esse contexto, que é retratado de forma agradável e orgânica na história, o filme tenta entrar em outros contextos, como a personagem Katie e suas complexidades dentro da própria casa, mas nada se desenvolve dali, apenas um sentimento de uma história tão profunda sendo retratada de forma superficial e de muleta para a progressão da outra personagem.
Apesar disso assistir a construção do relacionamento de Cyd e Miranda é um pequeno deleite para tentar enxergar no outro algo mais que podemos preencher ou enxergar em nós mesmos algo que precisamos aproveitar como se fosse novo.
Uma Noiva Para Rip Van Winkle
3.9 29Existe um detalhismo minucioso na progressão da história, ela se constrói em uma medida minuciosa, cada personagem é construído e destruído em seu momento exato, os relacionamentos são construídos para se ocuparem no espectador e depois arrancar dele, existe uma constante construção e desconstrução, enganos e acertos, mentiras e verdades. é uma jornada pela incerteza de um mundo que vale pelo dinheiro, pelos contratos e pela gentileza comprada.
Ao mesmo tempo que é um mundo onde necessita da compra para trocar sorrisos, precisa do contrato para trocar gentilezas, precisa de favores para trocar amores, tudo para se estabilizar algum conforto em meio a solidão.
A protagonista vive tudo que alguém viveria nessa loucura que é a modernidade, sua expressão mais profunda de sua infelicidade é feita na internet para estranhos, já na realidade, sua voz só pode ser ouvida por microfone, e mesmo assim ninguém consegue ouvi-la. Seus prazeres são limitados, retirados a preço dos outros, sua ingenuidade é comprada, sua alegria nenhum dinheiro consegue suprir. Apenas alguém que queira ouvi-la, queira entendê-la e aceitá-la, mesmo que tenha um preço.
Esse preço também é pago pelo nosso tempo, as 3 horas de filme se solidificam em uma progressão orgânica do cotidiano da protagonista, do desenrolar das situações extremas, das desconstruções e construções dessa personagem introvertida, que segue aquilo que lhe falam, seguindo os outros e se tornando outras pessoas dentro de diversos nomes que criamos, mas ela sempre acaba sozinha, na solidão de um quarto pequeno, com uma comunicação entre as telas e microfones. O filme deixa os momentos acontecerem, os sentimentos morrerem e surgirem, o amor desenrolar de uma falsa realidade, para uma verdade incompleta.
É trágico, é cômico, é caro, mas nada é gratuito, todos pagamos um preço, nem que seja o caro valor de um amor ou o barato valor de uma vida.
A Jornada
3.4 51 Assista AgoraSou fascinada por astronautas, por tudo que envolve o espaço, a descoberta dessa imensidão que não nos quer lá, mas insistimos em participar, descobrir, explorar ao máximo, por que o ser humano é inquieto demais. Nada vai parar o ser de conhecer, nada vai parar Sarah de ir atrás de sua filha, até mesmo uma quarentena quebrada, algo que hoje em dia, em plena pandemia, dá mais raiva do que emoção, mas de tudo vale para a teimosia humana cinematográfica, não no real, por favor fiquem em casa se puderem.
Essa teimosia, de ir a lugares que não pertencemos, também envolve as relações entre homens e mulheres desta viagem, onde explicitamente vemos uma repressão e estereótipos que ainda circulam em meio tão tecnológico, mas com pessoas tão teimosas em conhecer o oposto de si, em aceitá-lo, em reconhecer que ela está ali e vai ficar, com a filha ou não. Apesar desses conflitos iniciais, desta dúvida de Mike, existe uma pequena harmonia em meio as teimosias, até porque, uma hora temos que aceitar o outro.
Sarah é uma personagem que está ali em treinamento, não apenas de corpo, mas de mente, de aceitar que às vezes é preciso abandonar para libertar, para continuar a vida dentro e fora da terra, pois a vida continua mesmo não estando lá. Sua filha continuará a ir a escola, a fazer amigos, a se frustrar, a se sentir feliz e saudades, como sua mãe que mesmo fora da terra, com seus 16 sóis que dormem e acordam, agora ela é encarregada de contar as histórias ao sol, mas também a si mesma, a imaginar a vida continuando na terra enquanto ela continua no espaço.
A centralidade nessa relação entre mãe e filha ofusca a potência da personagem de Sarah, que se resume a ser a mãe, nada além disso, trazendo uma superficialidade ao filme que foca de forma rasa nesse relacionamento, nos treinamentos e nos conflitos entre personagens, nada além disso. São situações interessantes, é uma jornada interessante de desapego, de convencer ao outro que ela também pertence àquele lugar, mas é desenvolvido de forma distante, explícita e superficial. Tudo em uma trilha intensa de Sakamoto, que ajuda dar alguma profundidade as cenas através de uma sonoridade “espacial”, submersa e intensa, porém não é complementado pela fotografia ou roteiro que beiram a simplicidade que perde uma oportunidade de uma história mais intimista ou até intensa ao espectador que apenas ouve, observa de longe, mas não sente.
A Assistente
3.3 198 Assista AgoraAo entrar na sala dele a câmera permanece longe, um chiado sonoro incômodo é o único som que prevalece, de resto apenas o silêncio.
Ao sair da sala o som de um escritório comum volta, mas o silêncio incômodo daquela sala prevalece, em poucos momentos do filme a vemos por completo, sempre aos recortes, as vezes a mesa bagunçada, outras vezes os restos de comida e então um brinco no chão, da noite passada, pertencente a alguém que nunca esteve ali antes.
No filme o nome dele nunca é dado, seu rosto desconhecido, mas todos conhecemos, não precisamos de nomes, de dramas, de exageros ou de brutalidades, é na sutileza que a pressão aumenta, é nos silêncios que os gritos precisam ser dados, mas não são permitidos. Não estamos presos a esse escritório, estamos presos a esses relacionamentos que não são ficcionais, nesses ambientes reais conhecido e silenciados.
A sala da assistente é separada por quatro mesas, três ocupadas por pessoas que não se olham, apenas trocam ligações ou mensagens de desculpas àquele pertencente a sala silenciosa e incomoda, nunca explorada.
Ela sabe tudo dele, seus horários, seus encontros, seus aliados, seus problemas pessoais, ao mesmo tempo que não sabe nada, ou precisa se iludir que não sabe nada. Porém, do outro lado, ele sabe de seus movimentos, de suas falas e até silêncios e em uma troca de telefonema estabelece onde ele está e onde ela está, estabelece seu poder e o poder dela, que não é comparável, ela pode saber tudo dele e essa é a pressão que cai sobre ela.
O filme mantém-se nas minuciosas ações dela, com tempos longos, levando naturalidade a cada serviço, fotos copiadas, ligações, lanches, tudo para a construção de um cotidiano que apesar de comum, existe um sigilo, uma câmera que enquadra através do ambiente a pressão nessa personagem que nos mostra pouco, mas sabemos muito e um som que cria esse silêncio incômodo e um chiado ensurdecedor.
Saint Frances
3.7 8 Assista AgoraExiste um certo carinho nesse filme, por sua protagonista, pelas mulheres que a acompanham e aos assuntos que aborda e trás de forma concreta em sua narrativa como aborto, menstruação, depressão e o que seria ser mãe ou uma mulher aos 34 anos que não se enxerga em lugar nenhum. Tudo é retratado com carinho, cuidado e até compaixão, indo da comédia ao drama de forma mais orgânica possível em um equilíbrio que vai de uma piada, discussões e até às lágrimas em uma única cena.
Bridge, a protagonista, está perdida em seus 34 anos, idade que demandam das mulheres um filho, constituir uma sólida família, casamento, emprego, vida social, saúde mental estável, tudo em um pacote chamado: “ser humano em fase adulta”.
Essa fase adulta, que não tem passagem de entrada ou de saída que valida a mulher pelos filhos que provem, ou pelo emprego estável ou até por relacionamentos, mas quando não se tem nada disso? Do que vale Bridget ou outras mulheres que ainda nem compraram essa passagem? Essas mulheres que tentam se enquadrar nesta idealização de um ‘ser mulher’ acabam se silenciando, se fechando nas próprias dores e adoecendo com o medo de mostrarem ao próximo que elas não conseguem. Algumas não querem ter filhos agora, porém quem sabe em outro momento, mesmo mais velha. Outras tem um filho agora, mas não aguenta ficar próxima a ele. Ou aquela que já teve uma filha e não aguenta viver longe dela.
Todas as narrativas são jornadas próprias e que te transformam através de si mesma ou através daqueles que estão em volta. Todas as dores são dores que podem ser faladas, que precisam de apoio ou apenas uma aceitação. Essas mulheres vivem presas em expectativas que não são alcançáveis ou não abrem suas dores por medo de serem inválidas. Elas querem cuidar de alguém, mas negam serem cuidadas. Bridget cuida de Frances sempre a espera de uma aprovação, mas falha constantemente e mesmo falhando ela sempre tem a oportunidade de voltar e tentar de novo, porque assim como as crianças, que possuem a oportunidade de falhar, ela só quer se entender.
Você Nem Imagina
3.4 516 Assista AgoraDeixando claro que não é uma história de amor e sim sobre o amor, na realidade, sobre uma autoria ao amor e das palavras que descrevem o que seria amar ou o que seria reconhecer no outro um complemento de si, pois, segundo as mitologias, não somos completos.
Como um reflexo na água, somos completos através do que gostamos, apreciamos e nos inspiramos, só basta ao outro, não nos completar, mas nos acompanhar e compartilhar suas próprias individualidades, pensamentos e experiências.
Ellie Chu sabe o que é o amor, mas nas palavras dos outros, seu imaginário e escritas vem de outros pensadores, de outras narrativas fílmicas e filosóficas, ficando em conforto com os olhares dos outros sobre algo tão distante que é o amor a essa personagem solitária em meio aos trilhos do trem.
As redações digitadas, os trabalhos escolares, são distantes pois apenas precisam de outros nomes consagrados na história, para articular entre eles mesmos as diversas discussões sobre a vida, o amor, o ser. Porém em cartas exige uma intimidade, uma carta de amor então, exige exprimir de si fisicamente e mentalmente o seu desejo mais íntimo pelo outro, algo que nenhuma figura histórica pode falar por ela.
As cartas começam com uma citação tirada de um filme do Wim Wenders, uma cópia, não retratando de seu desejo, ou conhecimento, não são suas palavras, é apenas uma articulação de seus gostos e a soma de suas próprias crenças, porém nas palavras de terceiros. Para o amor, uma escrita de amor, exige-se suas próprias palavras, nada é mais íntimo que exprimir por si aquilo que acredita, que gosta, que inspira.
Como na história real, as escritas e narrativas foram dominadas por uma única face e o amor oprimido a uma única definição, aqueles que divergiam destas determinadas faces ou amores utilizavam de disfarces, anonimatos, pseudônimos ou terceiros para concretizá-los.
Na narrativa do filme utiliza-se da face e do corpo de Paul para concretizar esse amor, esse desejo e descoberta de si, que em meio a esse ambiente do filme, que possui uma rotina religiosa, poderia ser proibido.
Conforme as cartas escritas, Ellie descobre em si sua autoria, suas palavras e seu jeito de entender o amor e de amar. Ela descobre em Aster uma correspondência desse olhar, desse amor nutrido pelos mesmos gostos e que buscam compartilhar entre si a solidão desse desejo oprimido, que mesmo distantes, se conecta pelas palavras, pelas ideias e até pela arte, onde juntas pintam sobre a vida e o amor entre duas mulheres em uma tela proibida, fisicamente e historicamente.
Senhoritas em Uniforme
3.9 38 Assista AgoraÉ do amor que vem a revolução, ou é do desejo de um amor que não se concretiza, mas se imagina, se cria dentro de si o desejo de amar, mesmo sendo proibido, o desejo está ali, mesmo na opressão o amor entre essas jovens ainda circula entre elas, em meio aos uniformes listrados, aos cabelos presos até doerem, ainda existe um sentimento de amor, de revolução.
Em meio a essa simetria de movimentos das garotas, de alinhamentos para uma autoridade que só preza pela ordem e não pela compaixão, Erzieherin se torna um elo de conexão com alguém que faz parte dessa autoridade, ela seria algum respiro naquele lugar ou algum afeto que está tão distante daquelas garotas que não podem se comunicar com seus pais.
Mesmo na extrema autoridade, nessa arquitetura completamente alinhada, grande, que só é preenchida e transformada pelas garotas que dançam no salão, brincam pelos corredores e que tem respiros através de fotos proibidas de astros famosos, dos beijos de boa noite de Erzieherin e através dos poemas e fantasias, como Manuela que declara seu amor aos gritos de uma mente bêbada, mas de um coração ilusório e apaixonado.
Quando se declara amor em meio a opressão a punição é a primeira a ser declarada.
Porém, mesmo em um quarto estrategicamente escuro e Manuela no quanto do quarto com uma enfermeira cuidando-a, elas ainda conseguem encontrar poucas risadas em meio a punição, como as meninas, proibidas de falar com ela, gritam o seu nome, pois é através de seu nome que a revolução começa, é através dessa declaração de desejo que é possível um amor em meio a opressão.
Se o amor entre Manuela e Erzieherin é impossível, pelo menos a revolução é possível.
Assistido em 20/04/2020
A Ascensão
4.3 61A imensidão do branco da neve é como o fim que não vemos para esses personagens, embarcamos em seus olhares, seus pontos de vista, suas éticas, devaneios antes da morte e melancolia durante a vida. Claro que existe uma melancolia sempre presente aqui, é no meio da guerra, de dois soldados que nem sabem seus nomes se unem para buscar comida, para ajudar algo que é e sempre será maior do que eles, que ao mesmo tempo não possui mais significado, perante a morte nada possui mais significado, apenas a sobrevivência, mas a preço de que? O que é viver em meio daqueles querem seus irmãos mortos?
Shepitko ousa em nos colocar em seus pontos de vista, mas em nenhum momento pareceu injusto ou desnecessariamente agressivo, ela sabe o que quer falar, sem explicitar nada, ela sabe o que queremos sentir, sem apelar para isso. Ela é crua e letal, nos trás angústia e até nos provoca em alguns momentos de trilhas sonoras sublimes onde o personagem devaneia com a morte e a paisagem da guerra quase o esmaga em tela. Esse mesmo personagens que também nos esmaga com seu olhar e com seu sorriso manchado de sangue. Ele, que preza por uma consciência plena, sabendo que não traiu por aquilo que lutava, mas novamente, pelo o que eles lutavam? Talvez, agora, ao fim, seja apenas por aqueles que o acompanharam, por essas pessoas que nem pegam em armas e nem se importam para quem ou o que é todas essas mortes, a única importância é a vida, mas não existe nada tão frágil quanto ela e a única certeza é que a neve não tem fim.
Asas
4.0 7"Ela foi morta?"
Não sabemos responder essa pergunta, se foi ou não, porque a morte é apenas quando o corpo não responde mais a mente? Quando a mente não responde mais a vida, ao mundo lá fora, será que isso é ainda viver?
Longe daquilo ao qual era seu único propósito até descascar uma batata em um domingo se torna irrelevante " Para que servem os restaurantes?"
Em meio a essa melancolia, a solidão de planos que sempre estão preenchidos, mas ao mesmo tempo estão vazios no olhar da protagonista.
Quando a janela se torna a única possibilidade de olhar para o céu novamente é quando suas pequenas fugas e felicidades ocorrem, quando ela precisa de água, mas a terra não lhe dá nada, apenas o céu lhe presenteia com a chuva. É onde podemos dizer que estamos vivos?
É nesse andar por um propósito, em meio a uma juventude que ferve de vida e imortalidade, onde ela se sente mais mortal, perto de uma idade avançada e mais longe do céu.
É ter seu nome pronunciado diversas vezes, mas nenhuma vez significou algo. É o vazio de uma mulher que serviu a guerra, serviu ao estado, serviu a educação, mas nunca serviu a ela mesma. O que resta a uma mulher depois de servir aos homens? O que lhe resta a não ser olhar aos céus novamente?
A Voz do Silêncio
4.3 356"Quero ver o oceano
Quero amar as pessoas
Mesmo um monstro
Tem coração" -
"Acho que não dá para concertar"
A forma do desenrolar da narrativa chama muito a atenção, podemos dizer que existem partes até que beiram ao experimental e sensorial do personagem, porém outros momentos se torna apenas confuso, mas que não tira a atenção da construção da narrativa.
A história aqui é outro destaque, existe uma complexidade das personagens, que desde o início não buscam a simpatia do espectador e apenas posteriormente que os entendemos.
Apesar de ter uma questão muito forte sobre o perdão e o constante pedido de desculpas das personagens, questão que me incomodou muito ao longo da narrativa, pois o exagero beirou a submissão das personagens de forma não coerente.
Apesar disso, existem constantemente a questão de construção e reconstrução aqui, tanto em relacionamento, mas também pessoal, de que adianta pedir desculpas se não mudamos? Será que o nosso passado, como monstros, que em algum momento nos vemos como um, pode ser perdoado?
Para além disso, como nossas destruições vêm de fora e quantas vêm de dentro? São questões que permanecem em cada personagem e talvez até em nós mesmos, qual é a medida da destruição do outro e qual a medida da nossa própria destruição?
Talvez não podemos medir nada disso, talvez nem ao menos podemos aceitar o outro, porque não nos aceitamos, como Ueno que não consegue se enxergar. Ou nos enxergamos demais ao ponto de negar nossa própria participação ao mundo, como Ishida.
Talvez também não nos vemos como participantes deste mundo e apenas como um constante incômodo a ele, como Nishimya.
Tantas histórias individuais que se encontram e se desenvolve por vezes de forma orgânica e outra de forma desnecessáriamente detalhada demais, que não atrapalha, mas acrescenta na narrativa para construção de novos personagens, porém esses alguns perdem um pouco o destaque e se tornam apenas um complemento não tão necessário a narrativa.
Apesar dos novos personagens terem pouca construção, os antigos, que se reencontram por que a vida é cheia de nos pregar peças para nos fazer embrar do passado que queremos esquecer, suas complexidades refletem muito bem a necessidade de mudança ou entendimento do protagonista e nossa sobre cada um. Nem todos vão mudar, nem todos precisam mudar, as vezes é preciso se enxergar ou simplesmente olhar para o passado e se lembrar de que também somos/fomos monstros, que tem coração e por isso precisamos mudar.
O Serviço de Entregas da Kiki
4.3 772 Assista AgoraGosto como essa narrativa se desenvolve com elementos mais comuns e humanos, mesmo ao retratar de uma bruxa, de poderes e questões mística o filme coloca tudo isso igualmente com a arte,os artistas e trabalhadores, deixando mais familiar essa dor de perder a vontade de fazer aquilo que te faz seguir em frente, de continuar entregando pequenas alegrias em seu trabalho como Kiki faz com suas entregar.
Kiki é uma personagem que assim como um introvertido precisa de um tempo para si, seu ciclo de amigos é menor, mas não significa que ela ganhe pouco amor, ao contrário, com suas entregas ela consegue deixar um pouco de amor em cada pessoa que a recebe.
Aqui a narrativa se desenrola no cotidiano de Kiki, em seus problemas internos, como um filme de uma adolescente buscando sua independência e com isso tendo que descobrir a si mesma, a jornada de se tornar uma bruxa também é a jornada de se tornar um "eu".