Desenvolver numerosos personagens enquanto entrelaça suas histórias, resultando em algo coeso e plural: sagas familiares não são peças dramáticas de fácil concepção. Contudo, apoiado num primoroso elenco e numa equipe técnica impecável, Bergman nos entregou uma obra diferenciada e profunda.
O primeiro ato, construído em torno da longa celebração natalina, é digno dos maiores mestres da mise en scène. Apresentando e reunindo os elementos da história, com seus encantos e idiossincrasias, pavimenta a estrada pela qual nos conduzirá pelas próximas horas. Fiquei curioso para ver a versão estendida, no corte para TV.
Na sequência, todo o arco que sucede a morte do pai das crianças marca uma mudança drástica no tom da narrativa, aproximando-a daquilo que normalmente esperamos do cineasta. E talvez seja o ponto onde se apresente mais autobiográfica, ecoando a infância sob a tutela do pai, um austero pastor luterano.
Ao final, um novo revés, atestando a imaginação - matéria prima do fazer artístico - como um poderoso instrumento para confrontar e quiçá compreender a realidade. Senti estar diante do testamento de um artista que elaborou sua obra a partir dos próprios conflitos, externalizando seus sentimentos e pensamentos mais íntimos.
Como Truffaut bem definiu, é a combinação de dois tipos de filmes: aqueles em que Hitchcock nos convida a seguir o itinerário de um assassino – Sombra de uma Dúvida, Disque M para Matar etc – e aqueles em que relata os tormentos de um inocente perseguido – Os 39 Degraus, Intriga Internacional etc.
Autoral ou formulaico, a sensação de mais do mesmo é inevitável, mas sua eficiência narrativa e o humor negro afiado rendem bons momentos, ainda que com uma mise en scène menos inspirada que de costume e um roteiro problemático.
Surpreendente foi ver o velho mestre livre das amarras do Código Hays, lançando mão de violência explícita e certo erotismo, embora permaneça esteticamente mais próximo do cinema clássico do que das vanguardas da época.
Diferente de muitos clássicos que se mantêm somente pelo valor histórico, por causa do roteiro, este ainda sustenta o nosso interesse. Tirando proveito do extenso folclore sobre a criatura, Curt Siodmak elabora uma mitologia coerente e desenha cuidadosamente os personagens, dando um viés trágico ao seu protagonista, eternizado por Lon Chaney Jr.
E se os efeitos especiais estão claramente datados, a ambientação gótica, com mansões imponentes e florestas fantasmagóricas, compõe o cenário perfeito para o drama psicológico que se revela na tela.
Dividido claramente em duas partes, enquanto a primeira é pontuada por comentários sociais e intriga pelo não dito, a segunda, quase que um filme distinto, perde um pouco da força ao trilhar os caminhos de um coming of age sem grandes surpresas, não obstante a condução desconcertante. O olhar constante para o processo de tornar-se mãe é o que dá coesão à obra.
Parte considerável do encantamento do filme é oriundo dessas modulações. A dupla paulista aplica à direção a mesma liberdade que caracteriza seus personagens - párias tateando um caminho, numa irônica rima com o título. Emoldurados numa fábula, são tantos os gêneros que é impossível rotular. Na contramão das obviedades, prestam tributo aos clássicos, mas fazem da originalidade sua assinatura.
Particularmente, somente as sequências musicais não me envolveram. Com uma ou outra exceção, só reiteravam sentimentos já expressos de outras formas.
Acima de quaisquer questionamentos está o trabalho das atrizes. Marjorie Estiano surpreende ao compor uma personagem vulnerável e sedutora, que se revela aos poucos, mantendo-nos sempre interessados. E Isabél Zuaa assume o protagonismo progressivamente, empreendendo um arco dramático muito bem delineado. Inicialmente contida, parte de uma doméstica arredia para uma tutora segura e carismática, arrebatando-nos por completo.
Em 1945, findo o ciclo das Guerras Mundiais, restou-nos um extraordinário roteiro. Filmado e refilmado amiúde, com enfoques diversos, por diferentes diretores. Mas nenhum foi tão feliz ao retratar um dos mais infelizes passos da humanidade quanto Elem Klimov. Particularmente, considero a mais intensa representação cinematográfica do conflito. Horror em estado bruto. Perto deste, Apocalypse Now soa como um show pirotécnico.
Não sei bem o que pensar sobre o filme... Pra desvendar suas camadas talvez seja necessário algum conhecimento da história e da cultura da Rússia, especialmente a pré revolucionária.
Na superfície eu apontaria as reflexões sobre a confluência entre arte e espiritualidade, enfatizando o caráter transcendental do processo criativo. Sendo o derradeiro capítulo, sobre a forja do sino, além de arrebatador por si só, a síntese dessa perspectiva; culminando numa explosão de cores a revelar os ícones do monge-pintor como que numa epifania.
É sempre interessante quando o cinema se apropria de seus gêneros para tecer comentários sobre a sociedade. E, embora não o revolucione, Jordan Peele demonstra competência no exercício de um gênero que tem se apresentado cada dia mais desgastado.
Quanto ao debate sobre a questão racial, a obra em si talvez não tenha a densidade alardeada, mas fez valer a empreitada por sua representatividade na temporada de premiações e nos deixou curiosos sobre o que seu autor tem a dizer.
Ainda sobre a temática a que se dedica, não pude conter minha frustração com aquele final que esvazia a força do discurso para entregar um herói ao público. Politicamente, não sei o que é mais efetivo, contudo fiquei feliz ao descobrir um desfecho alternativo: http://dailymotion.com/video/x5msq6s_get-out-alternate-ending-horror-2017_shortfilms
Na encenação que parte da música, Lupicínio Rodrigues é começo, meio e fim. É começo porque a premissa narrativa é extraída dos conflitos amorosos de suas canções, sendo ponto de início o triângulo vivido pelos três membros da banda que realizará um show em homenagem ao artista gaúcho. É meio porque a narrativa se desenvolve sob a toada das canções, em que Capovilla encena as letras e traz a música para o campo da materialidade física. E é fim porque o filme se resolve na celebração da atemporalidade do artista por meio de uma estética intencionalmente datada e vigorosa. Aliás, se há algo que Capovilla deixa muito claro é que estamos diante de um filme dirigido por alguém consciente de que a melhor metalinguagem deriva da simplicidade.
Ora imersivo, ora perturbador, sempre inconclusivo, David Lynch tem a possibilidade de brincar com suas criaturas sem as amarras da TV e dá aos fãs da série a oportunidade de circular um pouco mais por aquele universo fantástico.
No entanto a problemática montagem acaba prejudicando o resultado final ao truncar algumas sequências e incluir subtramas desnecessárias. Vendo o material que ficou de fora, em The Missing Pieces, não entendemos por que algumas cenas impactantes com a personagem-título foram preteridas por outras que só fazem tornar superficiais interessantes personagens da série; pois é justamente quando nos coloca ao lado dela, em seus últimos dias de vida, que o filme ganha fôlego. Em grande parte devido ao talento de Sheryl Lee, num tour de force admirável, que nos conduz pela espiral profana e destrutiva na qual sua personagem mergulha.
Segundo o diretor, o filme nasceu da sua obsessão por Laura Palmer e da vontade de lidar com ela diretamente, uma vez que a série inicia-se a partir da sua morte e tudo que soubemos a seu respeito foi através de terceiros. E, de fato, nela reside o que mais interessa no filme, já que em relação aos mistérios daquele universo pouco se acrescentou e quase nada foi explicado, contrariando as ingênuas expectativas.
Não achando os desdobramentos do sequestro de uma criança na maternidade complexos o suficiente, Anna Muylaert decide abordar a dificuldade de reintegração à família biológica mesclada a construção da identidade durante a adolescência. Como resultado, passa ao longe da tragédia familiar potencial e banaliza questões sobre gênero e sexualidade, reduzindo-as a mera rebeldia adolescente. Fica a sensação de que estabelece os conflitos sem desenvolvê-los.
Enquanto diretora, ela nos entrega alguns bons momentos, mas se perde em elipses que só esvaziam a dramaticidade da história e destrói a naturalidade de certas cenas ao abusar do didatismo.
O ponto positivo fica por conta das atuações, especialmente da família biológica do protagonista. Matheus Nachtergaele surpreende como pai de família e sustenta aquela que talvez seja a melhor cena do filme; Daniela Nefussi se desdobra nas duas mães, denotando uma detalhada pesquisa do caso real no qual o filme foi inspirado; e o jovem Daniel Botelho revela-se promissor como o irmão mais novo.
Para mais sobre o caso real: player.fm/series/tupinicrime/caso-pedrinho-com-uva-passa
Continua exatamente do ponto em que o primeiro havia parado, sendo o início deste correspondente ao final daquele. Vale tranquilamente uma sessão única de 3 horas.
Sou fã do John Carpenter, mas esse filme envelheceu melhor que o de 1978. Ainda que naquele tenha havido um cuidadoso trabalho na construção da atmosfera, as cenas deste parecem melhor resolvidas. Pode ser consequência do orçamento maior, mas se alguns assassinatos tendiam à galhofa, aqui são mais violentos e criativos, sem desperdiçar o suspense potencial. Vide, por exemplo, toda a sequência transcorrida dentro do hospital.
Numa revisão recente, não consegui deixar de pensar no tipo de psiquiatra que sai à procura de seus pacientes com uma arma em punhos... Imaginem passar 15 anos trancafiado sob os cuidados desse homem... Temos a gênese perfeita de um monstro!
Não é sobre estupro. Nem sobre vingança. É sobre uma mulher e suas interações com o mundo, inclusive sua reação diante de um ato de violência sexual. E a consciência disso torna o filme único, transcendente a gêneros.
Cada interação desconcerta o público e adiciona camadas psicológicas que fazem dela uma das protagonistas mais complexas vistas ultimamente. O suspense reside na própria personagem, na imprevisibilidade das ações e na ambiguidade das intenções. Sendo Isabelle Huppert fundamental nesse processo, pois consegue ser paradoxalmente apática e magnética na sua composição, fazendo o filme pulsar de tal maneira que não conseguimos imaginá-lo sem ela.
E justiça seja feita, passeando com elegância entre o patético e o apelativo, Paul Verhoeven também molda a narrativa com perfeição. A cena na qual Michèle se masturba enquanto observa com binóculos a montagem de um presépio talvez expresse isso melhor do que eu poderia com palavras. Absolutamente amoral, seu trabalho lembra o que Nelson Rodrigues fazia com maestria: afrontar a hipocrisia através de uma abordagem das nossas perversões cotidianas livre de qualquer julgamento.
Matt Ross trata a maioria dos seus personagens como fantoches, meros veículos para sua ideologia. Sua argumentação beira a ingenuidade e muitas das situações soam irreais demais para ter alguma contundência.
Graças ao carismático elenco esses problemas são minimizados e, apesar da mão pesada do diretor, o filme me vale pela reflexão sobre os dilemas da paternidade... Educar outrem talvez seja a tarefa mais difícil que alguém possa desempenhar. Doar o melhor de si sem a certeza daquilo ser o melhor para o outro.
Tal qual seu protagonista, Cláudio Assis oscila entre a aspereza diante da realidade bruta e a liberdade caótica proporcionada pela ficção.
A grosseria habitual ainda se faz presente nalgumas cenas, mas o diretor esboça aqui uma ternura até então improvável em sua obra, provavelmente oriunda do texto original de Xico Sá.
Aquela rebeldia juvenil que ansiava por "esfregar verdades na cara do espectador" cede espaço a uma construção dramática mais sólida, que proporciona momentos belos e poderosos, como aqueles em que a família está reunida à mesa ou na relação do pequeno Xico com seus mentores. Assim os comentários sociais surgem nas entrelinhas mais contundentes do que nunca.
É compreensível que o cineasta seja taxado como machista, e talvez o seja mesmo, mas seu filme, definitivamente, não o é. Eu creditaria certas escolhas ao mais puro fetichismo. O que não deixa de ser uma manifestação do machismo, contudo vejo a personagem da Marcélia Cartaxo ir justamente na contramão desse pensamento.
Como crítico que sou do controverso pernambucano, sinto-me à vontade para dizer que esse é um filme que merece ser visto e discutido, quiçá lembrado.
A história padece de certa ingenuidade - pudera, o filme é de 1931 -, mas a fluidez e a objetividade da direção de James Whale tornam-na ainda hoje eficiente. Influenciado pelo Expressionismo Alemão, o trabalho do diretor definiu os moldes cinematográficos do terror clássico; vide a figura do cientista maluco e seu excêntrico ajudante, que de tão recorrente virou clichê.
O roteiro, aliás, não se baseia na obra de Mary Shelley, mas numa adaptação teatral de 1927, creditada a Peggy Webling. Divergindo do conto gótico original especialmente quantos aos aspectos filosóficos, mitigados em prol do terror que faria a Universal Studios ser conhecida como "A Casa dos Monstros" ao produzir clássicos como Drácula e Lobisomem, além do próprio Frankenstein, na década de 30 do século XX.
Impossível esquecer de Boris Karloff e sua versão para a incompreendida criatura. Auxiliado pela icônica caracterização, ele consegue realçar aquilo que há de mais ameaçador na grotesca figura ao mesmo tempo em que nos comove, com a simplicidade do olhar, expressando a inocência daquele ser: algo como uma criança incapaz de discernir entre o certo e o errado. Transcendeu o gênero e imortalizou-se como figura pop: It’s Alive!
Elegia para uma lenda do Oeste - tanto personagem como intérprete.
O papel, para o qual outro ator era cotado, foi cedido a John Wayne por insistência dele, que pouco depois também sucumbiria ao câncer. E Duke justificou a concessão com uma entrega impressionante, despindo-se da persona viril que sempre o caracterizou e representando a fragilidade diante do ocaso da vida de forma tocante. Lauren Bacall também valoriza sua personagem ao apresentar-se de forma sóbria, convencendo como a viúva que estabelece uma platônica relação com o protagonista.
Don Siegel conduz tudo com insuspeita delicadeza, mas, ao encerrar algumas situações apressadamente, faz narrativa soar mais episódica do que deveria, prejudicando a imersão do espectador. O desfecho da obra, embora verossímil, também carece de um impacto que o torne memorável.
Ainda assim, ao subirem os créditos, não restam dúvidas de que estamos diante de um epílogo digno para uma carreira grandiosa. Nenhum outro epitáfio poderia ser mais apropriado a John Wayne que o código de honra expresso pelo pistoleiro J.B. Books: "Ninguém me engana, ninguém me insulta, ninguém bota a mão em mim; não faço essas coisas com outras pessoas e exijo delas o mesmo".
Primeiro exemplar de uma trilogia inspirada na safra oitentista do rock nacional – seguido por Rock Estrela e Rádio Pirata –, este filme é um verdadeiro deleite arqueológico.
Apesar do roteiro simples, escrachado até, Lael Rodrigues consegue abordar a homossexualidade com leveza e sensibilidade, numa época em que o assunto era um grande tabu. Ademais, chega a esboçar certo engajamento com a subtrama do linchamento do menor.
Mas é mesmo como retrato de uma geração – com seus maneirismos, anseios e desilusões – que o filme tem seu valor. Aqueles personagens, recém saídos de um regime militar e embriagados pela liberdade, fascinam até hoje.
Tão belo quanto banal, não me soa como algo além de um engodo para festivais e premiações. Consegui curtir menos que Birdman, uma vez que naquele ainda se criava certa empatia com os personagens.
Algo básico num roteiro, especialmente num filme de aventura, é estabelecer uma situação antes de instaurar o conflito, permitindo que o espectador identifique-se com a jornada do protagonista. E talvez seja a falta disso que comprometa a experiência do filme, pois, por mais justa e compreensível que seja, nos sentimos indiferentes perante a vingança do Hugh Glass.
Oscar? Assim com Tom Hardy, DiCaprio faz o possível diante da pouca profundidade do seu personagem, e deve levar a estatueta por WO. Mais justo seria o prêmio pela cinematografia. Embora me incomode o fato de ela sobrepor-se de forma avassaladora a todos os outros elementos do filme, inclusive à própria história; o que, no fim das contas, é menos uma falha do Lubezki do que da direção do Iñárritu.
Domingos Oliveira é um filósofo do cotidiano. Seus filmes nos transportam para uma mesa de bar em meio a uma inspiradora conversa. O que importa, antes de tudo, é o que o diretor tem a dizer, seus filmes estão subjugados às suas ideias.
E por mais que lhe falte certa coesão, é nas cenas individuais que aflora seu brilhantismo. Vide, por exemplo, o impagável monólogo do Ricardo Kosovski dentro do carro...
"Não tem mais graça ser rico como antigamente... O prazer de pertencer àquele grupo dourado que viajava pelo mundo. Hoje não, o comunismo se encarregou de transformar o dinheiro numa coisa suja. Ser rico significa ser de uma classe dominante que oprime os pobres. Se você diz que é rico, as pessoas logo querem saber de que tipo de corrupção você participa. E a culpa foi nossa, por permitimos a degradação da nossa raça, destruindo conscientemente nossa classe social por miscigenação, ao nos casarmos com pobres. Não há mais uma Varig como antigamente, com comissárias falando baixinho, caviar com champanhe, sem fila... Nada disso vai voltar. Os artistas, que nós gostávamos tanto, se transformaram numa espécie oficial de putas, cujo cafetão é o Governo. Nos bares, as pessoas repetem mantras e lugares comuns, como se detivessem a chave do conhecimento. E aquelas pessoas tão bacanas e interessantes que gostávamos de ouvir, já disseram tudo que tinham a dizer. Os pobres tem um motivo muito forte pra viver, oferecido de graça... trabalham pra comer. Pra nós é um pouco mais complicado."
Ele vai além do politicamente incorreto, destilando uma fina ironia - coisa rara no nosso cinema. Então, somente por voltar-se para si, explorando os dilemas existenciais da burguesia, ao invés de problematizar uma pobreza distante da sua realidade sob o covarde pretexto do engajamento social, já faz o filme valer à pena.
Infelizmente os inevitáveis problemas de dicção do Domingos Oliveira, somados a insistência dele em participar como ator/narrador dos próprios filmes, tem prejudicado bastante suas realizações recentes.
Conquanto a alardeada sequência do concerto, no filme de 1934, sem qualquer diálogo ou antecipação, continue insuperável, comparar o original com esta refilmagem seria covardia. Como o próprio diretor afirmou em entrevista ao Truffaut, enquanto esta resulta de um profissional, aquele era fruto de um talentoso amador.
A meu ver, os principais trunfos desta versão são o roteiro amadurecido, que além de utilizar-se do humor na exata medida, valoriza a construção dos seus personagens, e o casal de protagonistas vivido excepcionalmente por James Stewart e Doris Day, ainda que o classudo vilão interpretado por Peter Lorre faça falta ao elenco.
O ritmo também é perfeito. As sequências são objetivas e encadeadas de forma incessante, cada qual impulsionando a próxima até o clímax.
Fanny e Alexander
4.3 215Desenvolver numerosos personagens enquanto entrelaça suas histórias, resultando em algo coeso e plural: sagas familiares não são peças dramáticas de fácil concepção. Contudo, apoiado num primoroso elenco e numa equipe técnica impecável, Bergman nos entregou uma obra diferenciada e profunda.
O primeiro ato, construído em torno da longa celebração natalina, é digno dos maiores mestres da mise en scène. Apresentando e reunindo os elementos da história, com seus encantos e idiossincrasias, pavimenta a estrada pela qual nos conduzirá pelas próximas horas. Fiquei curioso para ver a versão estendida, no corte para TV.
Na sequência, todo o arco que sucede a morte do pai das crianças marca uma mudança drástica no tom da narrativa, aproximando-a daquilo que normalmente esperamos do cineasta. E talvez seja o ponto onde se apresente mais autobiográfica, ecoando a infância sob a tutela do pai, um austero pastor luterano.
Ao final, um novo revés, atestando a imaginação - matéria prima do fazer artístico - como um poderoso instrumento para confrontar e quiçá compreender a realidade. Senti estar diante do testamento de um artista que elaborou sua obra a partir dos próprios conflitos, externalizando seus sentimentos e pensamentos mais íntimos.
Frenesi
3.9 272 Assista AgoraComo Truffaut bem definiu, é a combinação de dois tipos de filmes: aqueles em que Hitchcock nos convida a seguir o itinerário de um assassino – Sombra de uma Dúvida, Disque M para Matar etc – e aqueles em que relata os tormentos de um inocente perseguido – Os 39 Degraus, Intriga Internacional etc.
Autoral ou formulaico, a sensação de mais do mesmo é inevitável, mas sua eficiência narrativa e o humor negro afiado rendem bons momentos, ainda que com uma mise en scène menos inspirada que de costume e um roteiro problemático.
Surpreendente foi ver o velho mestre livre das amarras do Código Hays, lançando mão de violência explícita e certo erotismo, embora permaneça esteticamente mais próximo do cinema clássico do que das vanguardas da época.
O Lobisomem
3.7 85 Assista AgoraDiferente de muitos clássicos que se mantêm somente pelo valor histórico, por causa do roteiro, este ainda sustenta o nosso interesse. Tirando proveito do extenso folclore sobre a criatura, Curt Siodmak elabora uma mitologia coerente e desenha cuidadosamente os personagens, dando um viés trágico ao seu protagonista, eternizado por Lon Chaney Jr.
E se os efeitos especiais estão claramente datados, a ambientação gótica, com mansões imponentes e florestas fantasmagóricas, compõe o cenário perfeito para o drama psicológico que se revela na tela.
As Boas Maneiras
3.5 647 Assista AgoraDividido claramente em duas partes, enquanto a primeira é pontuada por comentários sociais e intriga pelo não dito, a segunda, quase que um filme distinto, perde um pouco da força ao trilhar os caminhos de um coming of age sem grandes surpresas, não obstante a condução desconcertante. O olhar constante para o processo de tornar-se mãe é o que dá coesão à obra.
Parte considerável do encantamento do filme é oriundo dessas modulações. A dupla paulista aplica à direção a mesma liberdade que caracteriza seus personagens - párias tateando um caminho, numa irônica rima com o título. Emoldurados numa fábula, são tantos os gêneros que é impossível rotular. Na contramão das obviedades, prestam tributo aos clássicos, mas fazem da originalidade sua assinatura.
Particularmente, somente as sequências musicais não me envolveram. Com uma ou outra exceção, só reiteravam sentimentos já expressos de outras formas.
Acima de quaisquer questionamentos está o trabalho das atrizes. Marjorie Estiano surpreende ao compor uma personagem vulnerável e sedutora, que se revela aos poucos, mantendo-nos sempre interessados. E Isabél Zuaa assume o protagonismo progressivamente, empreendendo um arco dramático muito bem delineado. Inicialmente contida, parte de uma doméstica arredia para uma tutora segura e carismática, arrebatando-nos por completo.
Vá e Veja
4.5 754 Assista AgoraEm 1945, findo o ciclo das Guerras Mundiais, restou-nos um extraordinário roteiro. Filmado e refilmado amiúde, com enfoques diversos, por diferentes diretores. Mas nenhum foi tão feliz ao retratar um dos mais infelizes passos da humanidade quanto Elem Klimov. Particularmente, considero a mais intensa representação cinematográfica do conflito. Horror em estado bruto. Perto deste, Apocalypse Now soa como um show pirotécnico.
Andrei Rublev
4.3 131Não sei bem o que pensar sobre o filme... Pra desvendar suas camadas talvez seja necessário algum conhecimento da história e da cultura da Rússia, especialmente a pré revolucionária.
Na superfície eu apontaria as reflexões sobre a confluência entre arte e espiritualidade, enfatizando o caráter transcendental do processo criativo. Sendo o derradeiro capítulo, sobre a forja do sino, além de arrebatador por si só, a síntese dessa perspectiva; culminando numa explosão de cores a revelar os ícones do monge-pintor como que numa epifania.
Corra!
4.2 3,6K Assista AgoraÉ sempre interessante quando o cinema se apropria de seus gêneros para tecer comentários sobre a sociedade. E, embora não o revolucione, Jordan Peele demonstra competência no exercício de um gênero que tem se apresentado cada dia mais desgastado.
Quanto ao debate sobre a questão racial, a obra em si talvez não tenha a densidade alardeada, mas fez valer a empreitada por sua representatividade na temporada de premiações e nos deixou curiosos sobre o que seu autor tem a dizer.
Ainda sobre a temática a que se dedica, não pude conter minha frustração com aquele final que esvazia a força do discurso para entregar um herói ao público. Politicamente, não sei o que é mais efetivo, contudo fiquei feliz ao descobrir um desfecho alternativo: http://dailymotion.com/video/x5msq6s_get-out-alternate-ending-horror-2017_shortfilms
Nervos de Aço
2.3 2Na encenação que parte da música, Lupicínio Rodrigues é começo, meio e fim. É começo porque a premissa narrativa é extraída dos conflitos amorosos de suas canções, sendo ponto de início o triângulo vivido pelos três membros da banda que realizará um show em homenagem ao artista gaúcho. É meio porque a narrativa se desenvolve sob a toada das canções, em que Capovilla encena as letras e traz a música para o campo da materialidade física. E é fim porque o filme se resolve na celebração da atemporalidade do artista por meio de uma estética intencionalmente datada e vigorosa. Aliás, se há algo que Capovilla deixa muito claro é que estamos diante de um filme dirigido por alguém consciente de que a melhor metalinguagem deriva da simplicidade.
Depois do Casamento
3.8 82Já vista antes, a história é simples e melodramática. Contudo, aliando sobriedade e sensibilidade à excelência do elenco, a direção faz a diferença.
Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer
3.9 273 Assista AgoraOra imersivo, ora perturbador, sempre inconclusivo, David Lynch tem a possibilidade de brincar com suas criaturas sem as amarras da TV e dá aos fãs da série a oportunidade de circular um pouco mais por aquele universo fantástico.
No entanto a problemática montagem acaba prejudicando o resultado final ao truncar algumas sequências e incluir subtramas desnecessárias. Vendo o material que ficou de fora, em The Missing Pieces, não entendemos por que algumas cenas impactantes com a personagem-título foram preteridas por outras que só fazem tornar superficiais interessantes personagens da série; pois é justamente quando nos coloca ao lado dela, em seus últimos dias de vida, que o filme ganha fôlego. Em grande parte devido ao talento de Sheryl Lee, num tour de force admirável, que nos conduz pela espiral profana e destrutiva na qual sua personagem mergulha.
Segundo o diretor, o filme nasceu da sua obsessão por Laura Palmer e da vontade de lidar com ela diretamente, uma vez que a série inicia-se a partir da sua morte e tudo que soubemos a seu respeito foi através de terceiros. E, de fato, nela reside o que mais interessa no filme, já que em relação aos mistérios daquele universo pouco se acrescentou e quase nada foi explicado, contrariando as ingênuas expectativas.
Mãe Só Há Uma
3.5 407 Assista AgoraNão achando os desdobramentos do sequestro de uma criança na maternidade complexos o suficiente, Anna Muylaert decide abordar a dificuldade de reintegração à família biológica mesclada a construção da identidade durante a adolescência. Como resultado, passa ao longe da tragédia familiar potencial e banaliza questões sobre gênero e sexualidade, reduzindo-as a mera rebeldia adolescente. Fica a sensação de que estabelece os conflitos sem desenvolvê-los.
Enquanto diretora, ela nos entrega alguns bons momentos, mas se perde em elipses que só esvaziam a dramaticidade da história e destrói a naturalidade de certas cenas ao abusar do didatismo.
O ponto positivo fica por conta das atuações, especialmente da família biológica do protagonista. Matheus Nachtergaele surpreende como pai de família e sustenta aquela que talvez seja a melhor cena do filme; Daniela Nefussi se desdobra nas duas mães, denotando uma detalhada pesquisa do caso real no qual o filme foi inspirado; e o jovem Daniel Botelho revela-se promissor como o irmão mais novo.
Para mais sobre o caso real: player.fm/series/tupinicrime/caso-pedrinho-com-uva-passa
Viagem Mágica
4.2 6Se os beats fossem cineastas...
Halloween 2: O Pesadelo Continua
3.4 485 Assista AgoraContinua exatamente do ponto em que o primeiro havia parado, sendo o início deste correspondente ao final daquele. Vale tranquilamente uma sessão única de 3 horas.
Sou fã do John Carpenter, mas esse filme envelheceu melhor que o de 1978. Ainda que naquele tenha havido um cuidadoso trabalho na construção da atmosfera, as cenas deste parecem melhor resolvidas. Pode ser consequência do orçamento maior, mas se alguns assassinatos tendiam à galhofa, aqui são mais violentos e criativos, sem desperdiçar o suspense potencial. Vide, por exemplo, toda a sequência transcorrida dentro do hospital.
Numa revisão recente, não consegui deixar de pensar no tipo de psiquiatra que sai à procura de seus pacientes com uma arma em punhos... Imaginem passar 15 anos trancafiado sob os cuidados desse homem... Temos a gênese perfeita de um monstro!
Elle
3.8 886Não é sobre estupro. Nem sobre vingança. É sobre uma mulher e suas interações com o mundo, inclusive sua reação diante de um ato de violência sexual. E a consciência disso torna o filme único, transcendente a gêneros.
Cada interação desconcerta o público e adiciona camadas psicológicas que fazem dela uma das protagonistas mais complexas vistas ultimamente. O suspense reside na própria personagem, na imprevisibilidade das ações e na ambiguidade das intenções. Sendo Isabelle Huppert fundamental nesse processo, pois consegue ser paradoxalmente apática e magnética na sua composição, fazendo o filme pulsar de tal maneira que não conseguimos imaginá-lo sem ela.
E justiça seja feita, passeando com elegância entre o patético e o apelativo, Paul Verhoeven também molda a narrativa com perfeição. A cena na qual Michèle se masturba enquanto observa com binóculos a montagem de um presépio talvez expresse isso melhor do que eu poderia com palavras. Absolutamente amoral, seu trabalho lembra o que Nelson Rodrigues fazia com maestria: afrontar a hipocrisia através de uma abordagem das nossas perversões cotidianas livre de qualquer julgamento.
Capitão Fantástico
4.4 2,7K Assista AgoraMatt Ross trata a maioria dos seus personagens como fantoches, meros veículos para sua ideologia. Sua argumentação beira a ingenuidade e muitas das situações soam irreais demais para ter alguma contundência.
Graças ao carismático elenco esses problemas são minimizados e, apesar da mão pesada do diretor, o filme me vale pela reflexão sobre os dilemas da paternidade... Educar outrem talvez seja a tarefa mais difícil que alguém possa desempenhar. Doar o melhor de si sem a certeza daquilo ser o melhor para o outro.
A Vida Marinha com Steve Zissou
3.8 453 Assista AgoraJacques Cousteau caçando Moby Dick a bordo do Yellow Submarine: uma aventura à Wes Anderson.
Big Jato
3.4 76Tal qual seu protagonista, Cláudio Assis oscila entre a aspereza diante da realidade bruta e a liberdade caótica proporcionada pela ficção.
A grosseria habitual ainda se faz presente nalgumas cenas, mas o diretor esboça aqui uma ternura até então improvável em sua obra, provavelmente oriunda do texto original de Xico Sá.
Aquela rebeldia juvenil que ansiava por "esfregar verdades na cara do espectador" cede espaço a uma construção dramática mais sólida, que proporciona momentos belos e poderosos, como aqueles em que a família está reunida à mesa ou na relação do pequeno Xico com seus mentores. Assim os comentários sociais surgem nas entrelinhas mais contundentes do que nunca.
É compreensível que o cineasta seja taxado como machista, e talvez o seja mesmo, mas seu filme, definitivamente, não o é. Eu creditaria certas escolhas ao mais puro fetichismo. O que não deixa de ser uma manifestação do machismo, contudo vejo a personagem da Marcélia Cartaxo ir justamente na contramão desse pensamento.
Como crítico que sou do controverso pernambucano, sinto-me à vontade para dizer que esse é um filme que merece ser visto e discutido, quiçá lembrado.
Frankenstein
4.0 284 Assista AgoraA história padece de certa ingenuidade - pudera, o filme é de 1931 -, mas a fluidez e a objetividade da direção de James Whale tornam-na ainda hoje eficiente. Influenciado pelo Expressionismo Alemão, o trabalho do diretor definiu os moldes cinematográficos do terror clássico; vide a figura do cientista maluco e seu excêntrico ajudante, que de tão recorrente virou clichê.
O roteiro, aliás, não se baseia na obra de Mary Shelley, mas numa adaptação teatral de 1927, creditada a Peggy Webling. Divergindo do conto gótico original especialmente quantos aos aspectos filosóficos, mitigados em prol do terror que faria a Universal Studios ser conhecida como "A Casa dos Monstros" ao produzir clássicos como Drácula e Lobisomem, além do próprio Frankenstein, na década de 30 do século XX.
Impossível esquecer de Boris Karloff e sua versão para a incompreendida criatura. Auxiliado pela icônica caracterização, ele consegue realçar aquilo que há de mais ameaçador na grotesca figura ao mesmo tempo em que nos comove, com a simplicidade do olhar, expressando a inocência daquele ser: algo como uma criança incapaz de discernir entre o certo e o errado. Transcendeu o gênero e imortalizou-se como figura pop: It’s Alive!
O Último Pistoleiro
3.7 49 Assista AgoraElegia para uma lenda do Oeste - tanto personagem como intérprete.
O papel, para o qual outro ator era cotado, foi cedido a John Wayne por insistência dele, que pouco depois também sucumbiria ao câncer. E Duke justificou a concessão com uma entrega impressionante, despindo-se da persona viril que sempre o caracterizou e representando a fragilidade diante do ocaso da vida de forma tocante. Lauren Bacall também valoriza sua personagem ao apresentar-se de forma sóbria, convencendo como a viúva que estabelece uma platônica relação com o protagonista.
Don Siegel conduz tudo com insuspeita delicadeza, mas, ao encerrar algumas situações apressadamente, faz narrativa soar mais episódica do que deveria, prejudicando a imersão do espectador. O desfecho da obra, embora verossímil, também carece de um impacto que o torne memorável.
Ainda assim, ao subirem os créditos, não restam dúvidas de que estamos diante de um epílogo digno para uma carreira grandiosa. Nenhum outro epitáfio poderia ser mais apropriado a John Wayne que o código de honra expresso pelo pistoleiro J.B. Books: "Ninguém me engana, ninguém me insulta, ninguém bota a mão em mim; não faço essas coisas com outras pessoas e exijo delas o mesmo".
Bete Balanço
3.1 114 Assista AgoraPrimeiro exemplar de uma trilogia inspirada na safra oitentista do rock nacional – seguido por Rock Estrela e Rádio Pirata –, este filme é um verdadeiro deleite arqueológico.
Apesar do roteiro simples, escrachado até, Lael Rodrigues consegue abordar a homossexualidade com leveza e sensibilidade, numa época em que o assunto era um grande tabu. Ademais, chega a esboçar certo engajamento com a subtrama do linchamento do menor.
Mas é mesmo como retrato de uma geração – com seus maneirismos, anseios e desilusões – que o filme tem seu valor. Aqueles personagens, recém saídos de um regime militar e embriagados pela liberdade, fascinam até hoje.
Cazuza diria: Bete Balanço c'est moi!
O Regresso
4.0 3,5K Assista AgoraTão belo quanto banal, não me soa como algo além de um engodo para festivais e premiações. Consegui curtir menos que Birdman, uma vez que naquele ainda se criava certa empatia com os personagens.
Algo básico num roteiro, especialmente num filme de aventura, é estabelecer uma situação antes de instaurar o conflito, permitindo que o espectador identifique-se com a jornada do protagonista. E talvez seja a falta disso que comprometa a experiência do filme, pois, por mais justa e compreensível que seja, nos sentimos indiferentes perante a vingança do Hugh Glass.
Oscar? Assim com Tom Hardy, DiCaprio faz o possível diante da pouca profundidade do seu personagem, e deve levar a estatueta por WO. Mais justo seria o prêmio pela cinematografia. Embora me incomode o fato de ela sobrepor-se de forma avassaladora a todos os outros elementos do filme, inclusive à própria história; o que, no fim das contas, é menos uma falha do Lubezki do que da direção do Iñárritu.
Primeiro Dia de um Ano Qualquer
3.0 13Domingos Oliveira é um filósofo do cotidiano. Seus filmes nos transportam para uma mesa de bar em meio a uma inspiradora conversa. O que importa, antes de tudo, é o que o diretor tem a dizer, seus filmes estão subjugados às suas ideias.
E por mais que lhe falte certa coesão, é nas cenas individuais que aflora seu brilhantismo. Vide, por exemplo, o impagável monólogo do Ricardo Kosovski dentro do carro...
"Não tem mais graça ser rico como antigamente... O prazer de pertencer àquele grupo dourado que viajava pelo mundo. Hoje não, o comunismo se encarregou de transformar o dinheiro numa coisa suja. Ser rico significa ser de uma classe dominante que oprime os pobres. Se você diz que é rico, as pessoas logo querem saber de que tipo de corrupção você participa. E a culpa foi nossa, por permitimos a degradação da nossa raça, destruindo conscientemente nossa classe social por miscigenação, ao nos casarmos com pobres. Não há mais uma Varig como antigamente, com comissárias falando baixinho, caviar com champanhe, sem fila... Nada disso vai voltar. Os artistas, que nós gostávamos tanto, se transformaram numa espécie oficial de putas, cujo cafetão é o Governo. Nos bares, as pessoas repetem mantras e lugares comuns, como se detivessem a chave do conhecimento. E aquelas pessoas tão bacanas e interessantes que gostávamos de ouvir, já disseram tudo que tinham a dizer. Os pobres tem um motivo muito forte pra viver, oferecido de graça... trabalham pra comer. Pra nós é um pouco mais complicado."
Ele vai além do politicamente incorreto, destilando uma fina ironia - coisa rara no nosso cinema. Então, somente por voltar-se para si, explorando os dilemas existenciais da burguesia, ao invés de problematizar uma pobreza distante da sua realidade sob o covarde pretexto do engajamento social, já faz o filme valer à pena.
Infelizmente os inevitáveis problemas de dicção do Domingos Oliveira, somados a insistência dele em participar como ator/narrador dos próprios filmes, tem prejudicado bastante suas realizações recentes.
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraCaravan.
O Homem Que Sabia Demais
3.9 258 Assista AgoraConquanto a alardeada sequência do concerto, no filme de 1934, sem qualquer diálogo ou antecipação, continue insuperável, comparar o original com esta refilmagem seria covardia. Como o próprio diretor afirmou em entrevista ao Truffaut, enquanto esta resulta de um profissional, aquele era fruto de um talentoso amador.
A meu ver, os principais trunfos desta versão são o roteiro amadurecido, que além de utilizar-se do humor na exata medida, valoriza a construção dos seus personagens, e o casal de protagonistas vivido excepcionalmente por James Stewart e Doris Day, ainda que o classudo vilão interpretado por Peter Lorre faça falta ao elenco.
O ritmo também é perfeito. As sequências são objetivas e encadeadas de forma incessante, cada qual impulsionando a próxima até o clímax.