O livro de Frank Herbert é um marco inegável em seu gênero. Não o li, mas absorvi muito do que o constitui através daquilo que consumi da cultura pop.
Digo isso pois essa adaptação me provoca um intenso déjà vu. Perfeitamente compreensível, haja vista suceder tantas obras que beberam da mesma fonte... Star Wars, é você?
Compreensível, conquanto incontornável. Tanto quanto meu desejo de adentrar este universo e acompanhar os desdobramentos desta trama — muito pelo esmero da produção e competência do elenco.
Certa vez li em algum lugar que Hollywood adora se ver na tela, ora de forma crítica, ora de forma indulgente. Historicamente, produções nessa toada tendem a se destacar no Oscar... De fato, o roteiro de Cord Jefferson é muito bem escrito, não vejo arestas, mas sua premiação acaba por acrescentar uma camada metalinguística extra.
Tenho acompanhado as repercussões sobre o ingresso do Krenak na ABL, e um ponto recorrente vai ao encontro da reflexão que o filme propõe: o fato dele ser o primeiro indígena lá soterra qualquer menção concreta a sua obra.
Queria tanto ter curtido... O filme acabou, não me importei.
Do roteiro, não sei o que quis dizer. Não fossem os intérpretes, os personagens talvez parececem manequins numa megastore. Redemption Song rolando diante da fogueira, e eu me perguntava quem seriam aquelas crianças... Quando cheguei perto de me comover, foi quando Lashana Lynch esteve em tela. Que luz a dessa moça!
Das músicas, só uma degustação, a maioria era cortada no clímax. Soa como uma playlist no modo shuffle.
O roteiro serve-se de clichês e cede a algumas facilidades? Claro. Mas as cenas funcionam. Muito pela qualidade do elenco também. O casal protagonista esbanja química e simpatia. Aquela cena do jantar, na piscina, já vale um filme. E, ademais, quantas comédias românticas hoje são absolutamente originais?
É admirável o que esse elenco entrega: alternar personas quase como roupa não é qualquer coisa. Devidamente reconhecido pelos pares do Screen Actors Guild.
Lá pelos 15 minutos, ainda meio desorientado, o título do filme fez todo sentido pra mim. Ao final, me pergunto como o montador conseguiu dar coesão ao caos, sem abandonar subtramas, e ainda manter a sanidade. Outro ponto positivo. Mas...
A comédia me diverte? Não. A ação me empolga? Não. O drama me comove? Não.
"... E quem me vê apanhando da vida Duvida que eu vá revidar Tou me guardando pra quando o carnaval chegar Eu vejo a barra do dia surgindo Pedindo pra gente cantar Tou me guardando pra quando o carnaval chegar Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada Quem dera gritar Tou me guardando pra quando o carnaval chegar"
Poucas vezes um microcosmo refletiu tão bem a complexidade das nossas relações socioeconômicas.
Esse filme precisa ser visto, revisto, pensado e discutido. Talvez seja exagero de um expectador ainda atordoado pela experiência, mas eu incluiria essa joia do Marcelo Gomes numa lista ao lado de Tempos Modernos.
Como dito pelo próprio diretor: "Toritama é como a China com um Carnaval no meio."
Embora não tenha me envolvido tanto com os personagens, muito pelo roteiro, o elenco dá vida a cenas tocantes. Essa atmosfera mambembe me pega muito pela nostalgia. Outro filme dessa estirpe, em que acompanhamos uma trupe itinerante, o drama francês "Les Ogres".
Aqui a fotografia de Petrus Cariry se destaca pra mim, especialmente na forma como olha pra vastidão do sertão, lembrando velhos westerns.
Revendo o "Auto da Compadecida", encantado pela tradição do cordel, fiquei na vontade de voltar à encenação do "Auto de Lamparina" pelas mãos do mestre Rosemberg.
Não sei se por mérito do Fuqua - seja na escolha, seja na condução dos atores - ou pelo mero acaso, mas tenho notado que o bom desempenho do elenco nos seus filmes é recorrente.
No primeiro ato, que pra mim desponta como o mais sólido, Rachel McAdams é o epicentro de todas as relações. Ali já sabemos o necessário pra acompanhar esse recorte da vida dos personagens. Quando ela sai de cena, o que mais desperta minha atenção é o desdobramento da relação entre pai e filha. A pequena Oona Laurence e Jake Gyllenhaal não deixam por menos e proporcionam momentos tocantes, naquela chave do melodrama bem trabalhado que nos acostumamos a ver nos bons filmes de boxe.
O roteiro tem furos e conveniências que podem prejudicar a experiência de alguns. Abusa dos clichês. Mas talvez por eles, que só o são porque funcionam, no fim das contas o filme entrega o que promete.
Fosse Kill Bill realizado por alguém mais sóbrio, e com menos testosterona, talvez este seria o resultado. Além de oferecer o deleite ao espectador mais descompromissado, permite pensar bastante sobre as estruturas que sustentam a sua premissa.
É impressionante como Emerald Fennell tem o filme na mão. Ela explora gêneros e sensações sem titubear. A montagem está ajustadíssima também.
Curti demais essa versão de "Toxic" que puxa o clímax. A tensão das cordas forma um tipo de rima com o momento em que "Stars are Blind" toca na farmácia.
O elenco está muito bem. Carey Mulligan, espetacular. Faz parecer fácil.
Os protagonistas pertencem à linhagem dos pícaros, trazidos a nós pela cultura ibérica e popularizados nos cordéis. Mantêm-se ludibriando os incautos e os gananciosos. São acima de tudo sobreviventes lutando contra todas as formas possíveis de poder: o coronel, o clero, o cangaceiro - até mesmo o pequeno burguês surgido com o adensamento urbano. Vejo um pouco de João Grilo e Chicó em cada brasileiro. Clichê hehe
Voltando ao mestre Suassuna, afora os vários momentos hilários, acho o "Juízo Final" uma das mais belas passagens da nossa dramaturgia. Toda a generosidade do criador com seus personagens está condensada ali, na possibilidade de redenção. Seria uma materialização da fé cristã do autor.
Também acho curioso como o Corpo Celestial e o Diabo são igualmente justos; diferenciam-se pela misericórdia. Jesus Cristo já dizia que era com os pecadores que falava...
Lançar mão de muitos personagens implica o risco de estrangular a narrativa. Um ou outro ao lado do Coppola podem se gabar da proeza. Portanto, a expectativa aqui joga a favor.
O roteiro de Nic Pizzolatto talvez peque justamente por não desenvolver aquilo a que dá a luz. Ou se propõe trabalhar, uma vez que a ideia o precede – o próprio Kurosawa é citado. Contudo o carisma de alguns atores e a direção empolgada do Fuqua sustentam a força de muitas cenas. A chegada dos sete à cidade já faz o filme valer a pena.
A questão moral, quase um clichê no oeste, me agrada também. Essa coisa de párias tomarem iniciativas de proporções messiânicas quando o Estado sucumbe ao interesse de minorias poderosas... Seria banditismo por uma questão de classe?
Concordo que haja traços autobiográficos tanto na criança abandonada quanto na figura paterna construída. De fato, a profundidade da sequência em que o oficial do Estado vai "resgatar" a criança talvez só possa ser alcançada por quem já vivenciou aquilo. Difícil acreditar que sejam coincidência a passagem do artista pelas workhouses inglesas, ou mesmo a perda do seu primogênito com poucos dias de vida.
A sintonia de Chaplin com o pequeno Jackie Coogan parece se dar num nível espiritual. Inclusive ele dizia que a ideia surgira ao ver a desenvoltura do garoto num palco de vaudeville, tendo então construído o filme a partir dele.
É conhecida a longa tradição da comédia até os primórdios do cinema, mas me pergunto se a comédia dramática apareceu nas telas pela primeira vez justamente nesta pérola de 1921. Certeza é que, doravante, o vagabundo ganhou alma e se transformou num ícone.
Além da sensibilidade que se tornou marca, capaz de extrair risos da miséria sem menosprezar os personagens, algo que me chamou a atenção, no seu primeiro longa como diretor, foi a ousadia daquela sequência de sonho - uma experimentação possivelmente advinda dos tempos de curta metragem. Quase 100 anos depois, imagino o impacto que ainda causaria se não tivesse optado pelo desfecho fácil e abrupto.
Tomando Woody Allen como exemplo, podemos dizer que a Nova Iorque apresentada por Friedkin é diametralmente oposta. Crua, suas entranhas são expostas sem glamour algum. O fato do diretor ter feito das ruas da cidade o seu cenário, preterindo o ambiente controlado dos estúdios, trouxe muito do realismo que vemos em tela. Tanto quanto a consultoria de policiais de ofício contribuiu para a verossimilhança dos procedimentos, alternando frustrações e pequenos avanços.
Em termos de ação, conquanto eu curta mais a perseguição a pé na estação do metrô, a sequência em que o carro caça o trem pelas ruas do Brooklyn é uma aula de montagem, simplesmente. Não fosse a condução perfeita do longa, ela sozinha justificaria o Oscar na categoria. Sua fluidez nos faz crer que, aquilo que levou dias, foi encenado numa única tomada.
Na esteira de "Bonnie & Clyde", o roteiro também rompe com o maniqueísmo da Hollywood clássica e alça personagens de moral difusa ao primeiro plano. Era raro ver um antagonista refinado e cerebral contraposto a um protagonista rude e irascível; personagens esses que acabam o filme exatamente como começam, sem desdobramentos dramáticos nem aprofundamento psicólogo. Um mero recorte do cotidiano em que prevalece a ação, em seu melhor.
Por também ser mulher, a diretora buscou explorar a perspectiva feminina daquelas intrigas políticas que tanto atraíam Shakespeare. Ao fardo do poder, somam-se inseguranças e demandas pessoais, como relacionamento e maternidade.
Embora o hipotético encontro só ocorra ao final, o contraponto entre as rainhas é a coluna que sustenta a narrativa. Enquanto Mary Stuart almeja o trono de Elizabeth I, esta se ressente das realizações daquela como mulher. As intérpretes, aliás, estão muito bem. Margot Robbie deixa transparecer fragilidade sem perder a imponência da sua personagem; Saoirse Ronan consegue projetar força e dignidade, apesar da aparência franzina.
Historicamente, a diversidade étnica na corte parece tão improvável quanto o convívio de sodomitas com uma monarca católica. Mas, revisionismos à parte, não vi grandes distorções dos fatos.
O que derruba o filme é seu ritmo. Cenas são encadeadas de forma episódica, remetendo a uma série editada como longa metragem.
Em termos de encenação, me interessam muito as ferramentas usadas por Hitchcock pra manipular nossos sentidos. Toda técnica é empregada em prol da narrativa. Do olhar subjetivo da câmera ao design de som, tudo converge para que assistamos ao filme da mesma perspectiva que James Stewart.
Assim poderia ser resumido o filme: confinado devido à mobilidade reduzida após um acidente, o protagonista espia a vizinhança e reage àquilo que vê. Rimando com a leitura de que o filme refletiria a própria experiência cinematográfica, e por que não a vida - na qual compomos narrativas personalíssimas a partir dos fragmentos observados, sempre a uma distância segura. Nesse sentido, um desfecho mais ambíguo talvez o enriquecesse.
Por outro lado, extrapolando a forma, temos os desdobramentos da vida a dois em suas diferentes fases. Esse é o pavimento sobre o qual o suspense evolui. Afinal, é através das concessões necessárias na relação que somos apresentados ao casal protagonista, e é de uma aparente desavença no prédio à frente que surge o mote principal.
Comparada ao original de Cornell Woolrich, a adaptação de John Michael Hayes beneficia muito o protagonista com a adição das personagens de Grace Kelly e Thelma Ritter. Seus diálogos também são fundamentais para a estratégia da direção, a qual só permite que saibamos o mesmo que os personagens, aumentando nosso engajamento à medida que a investigação avança.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraO livro de Frank Herbert é um marco inegável em seu gênero. Não o li, mas absorvi muito do que o constitui através daquilo que consumi da cultura pop.
Digo isso pois essa adaptação me provoca um intenso déjà vu. Perfeitamente compreensível, haja vista suceder tantas obras que beberam da mesma fonte... Star Wars, é você?
Compreensível, conquanto incontornável. Tanto quanto meu desejo de adentrar este universo e acompanhar os desdobramentos desta trama — muito pelo esmero da produção e competência do elenco.
Ficção Americana
3.8 357 Assista AgoraCerta vez li em algum lugar que Hollywood adora se ver na tela, ora de forma crítica, ora de forma indulgente. Historicamente, produções nessa toada tendem a se destacar no Oscar... De fato, o roteiro de Cord Jefferson é muito bem escrito, não vejo arestas, mas sua premiação acaba por acrescentar uma camada metalinguística extra.
Tenho acompanhado as repercussões sobre o ingresso do Krenak na ABL, e um ponto recorrente vai ao encontro da reflexão que o filme propõe: o fato dele ser o primeiro indígena lá soterra qualquer menção concreta a sua obra.
Bob Marley: One Love
3.2 128Queria tanto ter curtido... O filme acabou, não me importei.
Do roteiro, não sei o que quis dizer. Não fossem os intérpretes, os personagens talvez parececem manequins numa megastore. Redemption Song rolando diante da fogueira, e eu me perguntava quem seriam aquelas crianças...
Quando cheguei perto de me comover, foi quando Lashana Lynch esteve em tela. Que luz a dessa moça!
Das músicas, só uma degustação, a maioria era cortada no clímax. Soa como uma playlist no modo shuffle.
A Mata Negra
3.2 98A nossa Bruxa!?
De Carona para o Amor
3.5 43 Assista AgoraO roteiro serve-se de clichês e cede a algumas facilidades? Claro. Mas as cenas funcionam. Muito pela qualidade do elenco também. O casal protagonista esbanja química e simpatia. Aquela cena do jantar, na piscina, já vale um filme.
E, ademais, quantas comédias românticas hoje são absolutamente originais?
Oscar Niemeyer - A Vida é um Sopro
4.2 46Deveras interessante essa trilha sonora.
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista AgoraÉ admirável o que esse elenco entrega: alternar personas quase como roupa não é qualquer coisa. Devidamente reconhecido pelos pares do Screen Actors Guild.
Lá pelos 15 minutos, ainda meio desorientado, o título do filme fez todo sentido pra mim. Ao final, me pergunto como o montador conseguiu dar coesão ao caos, sem abandonar subtramas, e ainda manter a sanidade. Outro ponto positivo. Mas...
A comédia me diverte? Não.
A ação me empolga? Não.
O drama me comove? Não.
Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar
4.3 209"...
E quem me vê apanhando da vida
Duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo
Pedindo pra gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada
Quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar"
BUARQUE, Chico
Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar
4.3 209Poucas vezes um microcosmo refletiu tão bem a complexidade das nossas relações socioeconômicas.
Esse filme precisa ser visto, revisto, pensado e discutido. Talvez seja exagero de um expectador ainda atordoado pela experiência, mas eu incluiria essa joia do Marcelo Gomes numa lista ao lado de Tempos Modernos.
Como dito pelo próprio diretor: "Toritama é como a China com um Carnaval no meio."
Uma Onda no Ar
3.3 45Seria um blaxploitation?
O Homem dos Olhos Frios
4.0 35Conto moral conduzido com uma sensibilidade rara no oeste distante. Embora, impregnado por sua época, soe machista nalguns momentos.
No fundo acho que é muito sobre se permitir renascer, reinventar-se a cada dia. O menino como pivô dessas movimentações me cativa.
Sheriff, I'll see you at the Bates Motel
À Prova de Morte
3.9 2,0K Assista AgoraUma experiência tardia com a obra do diretor.
Gosto desse Tarantino que fazia os filmes que gostaria de ver, sem muitas pretensões. Cinefilia obsessiva em máximo grau.
Na superfície, aos não iniciados nas referências obscuras do criador, uma obra divertida, digna de qualquer sessão grindhouse.
A, hoje lendária, montadora Sally Menke entendia-se com o diretor como ninguém. O ritmo é um delícia. A sequência final, um delírio.
Os Pobres Diabos
3.3 11Embora não tenha me envolvido tanto com os personagens, muito pelo roteiro, o elenco dá vida a cenas tocantes. Essa atmosfera mambembe me pega muito pela nostalgia. Outro filme dessa estirpe, em que acompanhamos uma trupe itinerante, o drama francês "Les Ogres".
Aqui a fotografia de Petrus Cariry se destaca pra mim, especialmente na forma como olha pra vastidão do sertão, lembrando velhos westerns.
Revendo o "Auto da Compadecida", encantado pela tradição do cordel, fiquei na vontade de voltar à encenação do "Auto de Lamparina" pelas mãos do mestre Rosemberg.
Nocaute
3.8 688 Assista AgoraNão sei se por mérito do Fuqua - seja na escolha, seja na condução dos atores - ou pelo mero acaso, mas tenho notado que o bom desempenho do elenco nos seus filmes é recorrente.
No primeiro ato, que pra mim desponta como o mais sólido, Rachel McAdams é o epicentro de todas as relações. Ali já sabemos o necessário pra acompanhar esse recorte da vida dos personagens. Quando ela sai de cena, o que mais desperta minha atenção é o desdobramento da relação entre pai e filha. A pequena Oona Laurence e Jake Gyllenhaal não deixam por menos e proporcionam momentos tocantes, naquela chave do melodrama bem trabalhado que nos acostumamos a ver nos bons filmes de boxe.
O roteiro tem furos e conveniências que podem prejudicar a experiência de alguns. Abusa dos clichês. Mas talvez por eles, que só o são porque funcionam, no fim das contas o filme entrega o que promete.
Bela Vingança
3.8 1,3K Assista AgoraFosse Kill Bill realizado por alguém mais sóbrio, e com menos testosterona, talvez este seria o resultado. Além de oferecer o deleite ao espectador mais descompromissado, permite pensar bastante sobre as estruturas que sustentam a sua premissa.
É impressionante como Emerald Fennell tem o filme na mão. Ela explora gêneros e sensações sem titubear. A montagem está ajustadíssima também.
Curti demais essa versão de "Toxic" que puxa o clímax. A tensão das cordas forma um tipo de rima com o momento em que "Stars are Blind" toca na farmácia.
O elenco está muito bem. Carey Mulligan, espetacular. Faz parecer fácil.
O Auto da Compadecida
4.3 2,3K Assista AgoraOs protagonistas pertencem à linhagem dos pícaros, trazidos a nós pela cultura ibérica e popularizados nos cordéis. Mantêm-se ludibriando os incautos e os gananciosos. São acima de tudo sobreviventes lutando contra todas as formas possíveis de poder: o coronel, o clero, o cangaceiro - até mesmo o pequeno burguês surgido com o adensamento urbano. Vejo um pouco de João Grilo e Chicó em cada brasileiro. Clichê hehe
Voltando ao mestre Suassuna, afora os vários momentos hilários, acho o "Juízo Final" uma das mais belas passagens da nossa dramaturgia. Toda a generosidade do criador com seus personagens está condensada ali, na possibilidade de redenção. Seria uma materialização da fé cristã do autor.
Também acho curioso como o Corpo Celestial e o Diabo são igualmente justos; diferenciam-se pela misericórdia. Jesus Cristo já dizia que era com os pecadores que falava...
Sete Homens e Um Destino
3.6 576 Assista AgoraLançar mão de muitos personagens implica o risco de estrangular a narrativa. Um ou outro ao lado do Coppola podem se gabar da proeza. Portanto, a expectativa aqui joga a favor.
O roteiro de Nic Pizzolatto talvez peque justamente por não desenvolver aquilo a que dá a luz. Ou se propõe trabalhar, uma vez que a ideia o precede – o próprio Kurosawa é citado. Contudo o carisma de alguns atores e a direção empolgada do Fuqua sustentam a força de muitas cenas. A chegada dos sete à cidade já faz o filme valer a pena.
A questão moral, quase um clichê no oeste, me agrada também. Essa coisa de párias tomarem iniciativas de proporções messiânicas quando o Estado sucumbe ao interesse de minorias poderosas... Seria banditismo por uma questão de classe?
Nós
3.8 2,3K Assista AgoraCurto aspectos isolados, mas a obra em si não me diz muito. Abre-se para muitas interpretações, mas nunca vai além da premissa.
O Garoto
4.5 584 Assista AgoraConcordo que haja traços autobiográficos tanto na criança abandonada quanto na figura paterna construída. De fato, a profundidade da sequência em que o oficial do Estado vai "resgatar" a criança talvez só possa ser alcançada por quem já vivenciou aquilo. Difícil acreditar que sejam coincidência a passagem do artista pelas workhouses inglesas, ou mesmo a perda do seu primogênito com poucos dias de vida.
A sintonia de Chaplin com o pequeno Jackie Coogan parece se dar num nível espiritual. Inclusive ele dizia que a ideia surgira ao ver a desenvoltura do garoto num palco de vaudeville, tendo então construído o filme a partir dele.
É conhecida a longa tradição da comédia até os primórdios do cinema, mas me pergunto se a comédia dramática apareceu nas telas pela primeira vez justamente nesta pérola de 1921. Certeza é que, doravante, o vagabundo ganhou alma e se transformou num ícone.
Além da sensibilidade que se tornou marca, capaz de extrair risos da miséria sem menosprezar os personagens, algo que me chamou a atenção, no seu primeiro longa como diretor, foi a ousadia daquela sequência de sonho - uma experimentação possivelmente advinda dos tempos de curta metragem. Quase 100 anos depois, imagino o impacto que ainda causaria se não tivesse optado pelo desfecho fácil e abrupto.
Kill Bill: Volume 1
4.2 2,3K Assista Agora"Quem teve a sorte de manter a vida, leve-a consigo! Mas deixem os membros que perderam, eles agora me pertencem." (Noiva, A)
Operação França
3.9 253 Assista AgoraTomando Woody Allen como exemplo, podemos dizer que a Nova Iorque apresentada por Friedkin é diametralmente oposta. Crua, suas entranhas são expostas sem glamour algum. O fato do diretor ter feito das ruas da cidade o seu cenário, preterindo o ambiente controlado dos estúdios, trouxe muito do realismo que vemos em tela. Tanto quanto a consultoria de policiais de ofício contribuiu para a verossimilhança dos procedimentos, alternando frustrações e pequenos avanços.
Em termos de ação, conquanto eu curta mais a perseguição a pé na estação do metrô, a sequência em que o carro caça o trem pelas ruas do Brooklyn é uma aula de montagem, simplesmente. Não fosse a condução perfeita do longa, ela sozinha justificaria o Oscar na categoria. Sua fluidez nos faz crer que, aquilo que levou dias, foi encenado numa única tomada.
Na esteira de "Bonnie & Clyde", o roteiro também rompe com o maniqueísmo da Hollywood clássica e alça personagens de moral difusa ao primeiro plano. Era raro ver um antagonista refinado e cerebral contraposto a um protagonista rude e irascível; personagens esses que acabam o filme exatamente como começam, sem desdobramentos dramáticos nem aprofundamento psicólogo. Um mero recorte do cotidiano em que prevalece a ação, em seu melhor.
Duas Rainhas
3.4 343 Assista AgoraPor também ser mulher, a diretora buscou explorar a perspectiva feminina daquelas intrigas políticas que tanto atraíam Shakespeare. Ao fardo do poder, somam-se inseguranças e demandas pessoais, como relacionamento e maternidade.
Embora o hipotético encontro só ocorra ao final, o contraponto entre as rainhas é a coluna que sustenta a narrativa. Enquanto Mary Stuart almeja o trono de Elizabeth I, esta se ressente das realizações daquela como mulher. As intérpretes, aliás, estão muito bem. Margot Robbie deixa transparecer fragilidade sem perder a imponência da sua personagem; Saoirse Ronan consegue projetar força e dignidade, apesar da aparência franzina.
Historicamente, a diversidade étnica na corte parece tão improvável quanto o convívio de sodomitas com uma monarca católica. Mas, revisionismos à parte, não vi grandes distorções dos fatos.
O que derruba o filme é seu ritmo. Cenas são encadeadas de forma episódica, remetendo a uma série editada como longa metragem.
Janela Indiscreta
4.3 1,2K Assista AgoraEm termos de encenação, me interessam muito as ferramentas usadas por Hitchcock pra manipular nossos sentidos. Toda técnica é empregada em prol da narrativa. Do olhar subjetivo da câmera ao design de som, tudo converge para que assistamos ao filme da mesma perspectiva que James Stewart.
Assim poderia ser resumido o filme: confinado devido à mobilidade reduzida após um acidente, o protagonista espia a vizinhança e reage àquilo que vê. Rimando com a leitura de que o filme refletiria a própria experiência cinematográfica, e por que não a vida - na qual compomos narrativas personalíssimas a partir dos fragmentos observados, sempre a uma distância segura. Nesse sentido, um desfecho mais ambíguo talvez o enriquecesse.
Por outro lado, extrapolando a forma, temos os desdobramentos da vida a dois em suas diferentes fases. Esse é o pavimento sobre o qual o suspense evolui. Afinal, é através das concessões necessárias na relação que somos apresentados ao casal protagonista, e é de uma aparente desavença no prédio à frente que surge o mote principal.
Comparada ao original de Cornell Woolrich, a adaptação de John Michael Hayes beneficia muito o protagonista com a adição das personagens de Grace Kelly e Thelma Ritter. Seus diálogos também são fundamentais para a estratégia da direção, a qual só permite que saibamos o mesmo que os personagens, aumentando nosso engajamento à medida que a investigação avança.
Os Boas-Vidas
4.0 53 Assista AgoraPara Fellini, quatro de suas obras resumiriam sua biografia: I Vitelloni, Roma, La Dolce Vita e 8½.