Tem uma obsessão em parecer moderno que ora incomoda, ora consegue trazer uma leveza ao economiquês frenético que não dá descanso nunca. Porque mesmo quando aparenta ser mais didático, o filme mais finge que explica do que de fato o faz. Talvez por isso, em um assunto tão sério e importante, um documentário como Inside Jobs, apesar de ser muito mais quadradão, consiga ser mais eficiente por elucidar muito melhor os fatos. Mas no fim das contas, mesmo que não dê pra entender muito do linguajar técnico, as inserções cômicas e o dinamismo da montagem conseguem prender a atenção, e entendo só o essencial dos diálogos já é o suficiente pra se chocar com os absurdos desse sistema inevitavelmente fadado à quebra.
Há um louvável tratamento expressionista dos objetos cênicos na representação do declínio psicológico do personagem. Por outro lado, Murnau preza muito pela verossimilhança dos espaços físicos do filme, a fim de poder trabalhar essa dinâmica tão comum em sua obra, da sociedade reguladora e opressora contra o olhar inocente e romântico de seus protagonistas. Isso faz com que o título original (O Último Homem) seja muito mais significativo, e trágico também, por evocar a figura do porteiro e suas virtudes como objetos remanescentes de outrora, que agora ruíram junto ao mundo em que ele acreditava (vale lembrar que estamos na Alemanha do pós-guerra). E é uma ruína que se dá tanto no plano representativo, quanto no plano material do personagem, e a forma como o diretor desenvolve sua mise-en-scéne a partir disso que torna o filme tão grandioso, alcançando uma expressividade visual que encontra na atuação de Emil Jannings a consonância perfeita. Por isso nunca sei se Murnau é um expressionista com grande apreço pelo realismo ou o contrário; só sei que é gênio.
A estrutura do roteiro tenta tirar o filme da convencionalidade, mas, no fundo, ele não consegue ser muito diferente de outras cinebiografias mais típicas, repetindo os mesmos personagens e retomando seus conflitos com certa artificialidade a cada nova apresentação de Jobs. É como se todos os momentos significativos de sua vida, tanto profissional quanto pessoal, esperassem pra acontecer justamente nos minutos antecedentes às apresentações mais importantes de sua carreira. Basicamente parece uma espécie de teatrinho sobre como Steve Jobs conseguia ser babaca quando queria. Danny Boyle deve ter pego o filme por encomenda e não fez muita questão de esconder isso, e o desfecho forçadamente redentor e melodramático só piora tudo.
Tirando os méritos técnicos, não sobra muita coisa aqui. Me lembra muito Essential Killing quando aposta nesse cinema predominantemente físico, mas sem nunca atingir o mesmo efeito imersivo e o grau de pertubação que Jerzy Skolimowski e Vincent Gallo conseguiram. E quando faz inserções malickianas parece que é só mesmo por uma necessidade de auto-fascínio do Iñárritu, o que acaba reduzindo tudo a um exercício de estetização dos mais vazios.
E o DiCaprio realmente sofreu pra ganhar o Oscar, hein? Mais fisicamente mesmo, porque, de resto, até que o papel nem exigiu tanto assim dele.
Pena que o filme nunca consiga explorar todo o potencial do material que tinha em mãos, principalmente do texto de Shakespeare. Essa estilização visual toda que acaba sendo a maior culpada. Tudo bem que algumas imagens têm lá sua beleza, mas outras parecem ter saído de um videoclipe ou uma propaganda publicitária. Pior que mesmo quando tenta se apoiar mais no texto, o filme acaba ganhando uma certa moldura teatral que não lhe cai muito bem. Felizmente o casal principalmente consegue trazer muita força pro filme, e o melhor mesmo é essa baita presença de cena do Fassbender e a forma como é retratada a loucura de seu personagem.
Deve ser mesmo difícil tentar fazer algo grande e diferente em um terreno em que Kurosawa, Orson Welles e Polanski já pisaram. Esse até que tentou, mas não conseguiu ir muito além desse exercício exibicionista que mais lembra Game of Thrones do que qualquer outra coisa.
Se você estiver muito disposto a aceitar um monte de coisas improváveis, até que o filme consegue alcançar esse realismo todo que ele se esforça tanto pra passar.
O que mais me impressiona nesse filme é o domínio que o Capra tem sobre os momentos de silêncio, levando os momentos dramáticos do filme a outro nível. De resto, é Capra e essa magia incrível que só os filmes dele têm.
Não esperava que Pasolini fosse tão fiel ao texto bíblico, mas acho que está justamente aí seu grande trunfo: pegar uma história que todo mundo já conhece e só trazer um olhar diferente pra ela, sem precisar fazer muito malabarismo. Essa visão humanizada de Cristo e o lirismo de alguns planos já valem muito mais que toda grandiloquência e mitificação que uma porrada de filmes do gênero tentam evocar quando retratam Jesus.
Até consegue criar uma boa atmosfera de terror no início, mas depois perde tudo quando aposta na tortura insosso e num mistério que logo deixa de ser misterioso, porque peca no didatismo dado às pistas deixadas ao longo do filme, que antecipam a revelação final. Sem falar na tentativa desnecessária e falha de emular Haneke a todo instante.
Essa presença de Christiane vagando pela casa carrega todo um encanto sombrio que acaba sendo o grande atrativo do filme. Também vale elogiar a personalidade complexa do pai, que acaba o filme e a gente não sabe se ele fez o que fez por culpa ou mais pra saciar seu ego narcisista e provar a si mesmo do que era capaz. Mas a verdade é que não fui pego por essa atmosfera perturbadora e melancólica que tanto falam. Começou a me ganhar com aquele belo final poético, mas aí já era meio tarde.
Vejo em Jurassic World uma autoconsciência metalinguística: assim como as novidades do parque, a função desse novo filme é obter lucro ao oferecer um entretenimento barato explorando uma franquia de sucesso garantido. Não chega a ser o desastre que foi a grande novidade do parque, mas também não passa muito longe disso: os personagens são caricatos, as cenas de ação não empolgam, se desenvolvem subtramas inúteis e sobram momentos previsíveis e clichês.
Frozen tem suas falhas: a apresentação dos personagens é apressada e falta um vilão bem definido. Contudo, o filme consegue divertir e envolver o espectador, seus personagens são carismáticos (Olaf rouba a cena), há um notável apuro técnico e os números musicais são ótimos, mas o grande acerto está mesmo na subversão dos clichês presentes nos velhos filmes de princesa Disney.
A premissa é interessante, e só ela mesmo. O resto é um amontoado de clichês, personagens caricatos, suspense fraco, atuações ruins e cenas de ação tediosas. A criatividade de Matrix e a diversão de Speed Racer passaram bem longe desse novo trabalho dos irmãos Wachowski.
A temática é ótima e poderia render um bom filme nas mãos de Ozon, porém, não foi o que aconteceu. Poucos momentos inspirados do diretor (a performance na boate se destaca) e a entrega de Romain Duris não salvam o filme de um roteiro fraco, repleto de momentos forçados, por vezes clichê e piegas.
Seu poder imagético é inegável, mas junto com a força de suas imagens vem a verborragia de uma filosofia exposta muitas vezes de forma apressada e desconexa. Talvez as partes destruídas façam falta, pois a partir de certo momento fica difícil entender muito do que é apresentado ao espectador.
Na tentativa de criar um cinema autoral que se distanciasse da estética dominante da época e ao mesmo tempo produzir um discurso de alerta às massas, Glauber Rocha explora temas como o coronelismo, a desigualdade social e a alienação religiosa enquanto usa influências dos conceitos soviéticos de montagem, da Nouvelle Vague francesa, do Neo-Realismo italiano e do western americano para criar um cinema genuinamente novo.
Com sua câmera na mão, concebendo planos longos e abertos, o diretor consegue extrair beleza da aridez e miséria do sertão. Mas também se vale de corte rápidos e frenéticos para coreografar os momentos de violência do longa. Na trilha sonora, há o eruditismo da música de Villa-Lobos mesclando-se ao cordel tipicamente nordestino, que comenta diversos acontecimentos e assim ganha importante função narrativa no desenrolar da película. Através desses recursos, acompanhamos a saga de Manuel e Rosa, que fogem por causa do homicídio cometido pelo homem por se sentir lesado por seu patrão, e no caminho do casal vemos surgir personagens interessantíssimos: o messiânico Sebastião; o cego Júlio, que chega a lembrar um rapsodo do período homérico; Corisco, o último cangaceiro remanescente do grupo de Lampião; e Antônio das Mortes, matador que serve às elites locais, mas sonha com uma guerra que irá libertar a população miserável do sertão.
Com esse leque de elementos riquíssimos e diversificados, Deus e o Diabo na Terra do Sol demonstra ao mesmo tempo preocupação social e uma forma de renovação da linguagem cinematográfica, propõe uma ruptura estética e promove uma construção e aceitação da própria identidade local. Destarte, a obra de Glauber Rocha surgiu e mantém-se até hoje como um dos filmes mais representativos do Cinema Novo e, mais do que isso, um dos mais importantes filmes da história do cinema brasileiro.
A mulher que tenta manter a imagem de um casamento perfeito, mas que precisa de um amante para atenuar o fracasso de sua relação familiar. O militar opressor com atitudes homofóbicas, mas que carrega desejos homossexuais reprimidos. O garoto comportado em frente à família, mas que trafica drogas no próprio quarto. A garota que tenta parecer super confiante e experiente com suas aventuras sexuais, mas que na verdade é uma menina virgem com inseguranças em relação à sua beleza. A garota que parece não ligar para as aparências, mas que sonha em fazer uma cirurgia estética. O personagem de Kevin Spacey é a única exceção, quando a partir de certo momento do filme começa a agir da forma que bem entende, sem se importar em projetar um estilo de vida idealizado que sobrevive apenas às aparências. Não por acaso, acaba sendo assassinado no final, para mostrar que quem tentar ir contra esse sistema hipócrita acaba sendo punido. Morte que, aliás, já tínhamos conhecimento desde o primeiro minuto do filme, com a narração post-mortem do protagonista. Uma escolha inteligente, que ao invés de querer surpreender o espectador, prefere se ater às questões e temas desenvolvidos ao longo da narrativa.
Assim, a estréia de Sam Mendes é também seu ápice, pois o diretor não voltaria a alcançar o sucesso e a qualidade desse ótimo filme, que se mostra uma crítica incisiva ao american way of life, seus valores e tudo o que ele representa na cultura americana.
A bela parte ucraniana dos Montes Cárpatos serve de cenário para a história de Ivan e Marichka, dois jovens condenados a viver um amor infeliz, por serem membros de famílias que se odeiam. Se a premissa remete à Shakespeare, que pare por aí as comparações, pois a novela de Mikhaylo Koysyubinskiy, que deu origem ao filme, passa longe da obra do dramaturgo inglês. O drama ucraniano está fortemente ligado à cultura hutsul, um povo que, apesar do domínio sofrido ao longo dos séculos por diferentes impérios estrangeiros, conseguiu manter sua língua, costumes, danças, cânticos e rituais, e assim criar uma identidade cultural única.
É com esse material que Parajanov nos brinda com imagens de uma beleza inebriante e metáforas visuais riquíssimas, com movimentos de câmera constantes e repletos de lirismo, que passeiam por lendas e mitos e conseguem captar de forma extraordinária a sonoridade, as cores e a diversidade da cultura popular ucraniana. E é assim, concebendo cada plano como se estivesse pintando um quadro, que o diretor nos apresenta as paixões e o modo de vida autóctone daqueles personagens.
Aluno de Aleksandr Dovjenko e amigo íntimo de Andrei Tarkovsky, Sergei Parajanov também figura no hall dos grandes cineastas soviéticos, por tamanho primor estético e domínio narrativo. Quem dúvida, que assista Sombras dos Ancestrais Esquecidos e também tenha o prazer de sucumbir à beleza dessa obra-prima.
Certa vez, em uma entrevista, Nelson Rodrigues lançou o seguinte pensamento: "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém".
Filhos da Esperança conta com um dos futuros distópicos mais interessantes que já vi serem representados no cinema, além de ser maravilhosamente fotografado e muito bem escrito e atuado. Mas o grande mérito está mesmo em sua direção, que concebeu dois dos melhores planos-sequência dos últimos anos. O primeiro, o do carro, impressiona pela facilidade com que a câmera se movimenta em um espaço físico tão pequeno, passeando livremente entre os personagens e acompanhando o ataque dos rebeldes como se o interior do automóvel fosse um grande cenário aberto. O segunda, na guerra entre exército e rebeldes, acompanha o protagonista durante 7 minutos em uma perseguição regada a tiros e explosões, deixando o espectador sem fôlego e jorrando sangue em sua cara. E por mais distópico e caótico que seja aquele cenário, as imagens parecem ter saído de um documentário de guerra, tamanho realismo que é atribuído pela técnica da câmera na mão. Assim, o diretor mexicano conseguiu criar um dos melhores filmes da última década, entregando uma obra extremamente tensa, emocionante e tecnicamente irretocável, que consegue envolver o público do primeiro ao último minuto.
Da cruel realidade exposta por Alain Resnais em Noite e Neblina ao humor descomedido de Roberto Benigni em A Vida é Bela, filmes sobre o Holocausto existem aos montes, mas tentar lembrar apenas cinco sobre a escravidão já não é uma tarefa fácil. Isso porque o assunto ainda é de difícil debate, principalmente nos EUA, o que faz com que o tema seja evitado pela indústria cinematográfica. Então, ao menos em relação ao cinema, não é nenhum exagero dizer que 12 Anos de Escravidão é um marco na questão racial, por tentar saldar uma dívida que Hollywood tem para com quatro séculos de história.
Um dos exemplos mais recentes e conhecidos de filmes sobre a escravidão é Django Livre. Mas se no filme de Tarantino a brutalidade sofrida pelos escravos fica em segundo plano em meio ao humor e ao cinema de exageros de seu diretor, Steve McQueen faz questão de deixá-la evidente, sem poupar o espectador. No universo criado pelo diretor britânico, onde imagens contemplativas e longos silêncios se mesclam com intensas cenas de tortura, não há nada para achar engraçado, e sim, cruel e impetuoso. Até seria menos cruel se a história de Solomon fosse apenas ficção, assim como é a de Django, e não a representação da vida de um homem, que poderia ser a de qualquer outro negro durante o período da escravidão.
O filme é baseado na autografia de Solomon Northup, negro nascido livre que se apresentava como violinista em Washington quando é sequestrado e vendido como escravo para uma plantation na Louisiana. A partir daí, acompanhamos os mais diversos tipos de tortura e humilhação que ele e seus companheiros de senzala sofreram durante sua dúzia de anos como escravo. Aprendemos junto ao protagonista que a submissão é requisito básico para a sobrevivência e que não existem senhores de escravos bonzinhos, e sim homens como o sádico Edwin Epps (Michael Fassbender, em grande atuação) com seu olhar de ódio e indiferença que contrasta ao olhar de medo e sofrimento de negros como Patsey (Lupita Nyong'o, belíssima em cena), que já não vê mais esperança de ser livre e preferia morrer a ser novamente violentada por seu dono. Vemos também o olhar de Solomon, que se alterna durante todo o filme, da felicidade diante de sua família à dor diante das chibatas, mostrando que não é à toa que Chwetel Ejiofo é um dos favoritos ao Oscar.
O que diferencia o filme de McQueen de qualquer outro que aborda o mesmo tema é o fato de mostrar algo que já conhecemos de uma forma que nunca vimos. Todos sabemos como foi a escravidão e o sofrimento do negro durante esses 400 anos, mas nunca havíamos visto isso da maneira que 12 Anos de Escravidão nos mostrou, sem romantizar e tentar mascarar cenas que fazem parte do público querer virar o rosto. O diretor quase nos faz sentir o verdadeiro peso da chibata e vemos pela primeira vez o real e brutal impacto que ela exerce sobre as costas nuas de alguém que foi amarrado a um tronco por uma pessoa que se julga dona de seu próprio semelhante, somente pela cor de sua pele ser diferente.
12 Anos de Escravidão faz com que as marcas das chibatadas nas costas dos escravos perdurem na mente do espectador, onde, mais de cem anos depois delas terem deixado de existir, a questão racial ainda está longe de ser resolvida. Não é preciso ir além do cinema para perceber isso, ou seria apenas coincidência que, somente após 86 edições da premiação, Steve McQueen possa ser o primeiro negro a ganhar o Oscar de Melhor Diretor?
Eis aqui o berço das ideias de uma porrada de filmes do gênero que vieram posteriormente – é fácil identificá-las. Bava cria uma atmosfera de terror completamente envolvente e hipnótica, que se sustenta do primeiro ao último minuto. Se não fosse o bastante, o diretor concebe cada plano como se estivesse pintando um quadro, tamanho cuidado estético que é dado a cada cena, o que garante ao filme uma beleza plástica singular. Certa vez li que esse filme é como "uma canção de ninar operística composta pelo Carl Orff e regida pelo tinhoso". Não consigo pensar em nada melhor para defini-lo.
Se transpor uma obra-prima de uma mídia para outra já é uma tarefa difícil, fazê-la alterando o material original é um trabalho ainda mais árduo e requer coragem. Laurence Olivier foi o responsável por esse feito, de adaptar Hamlet para o cinema, naquela que é considerada por muitos como a adaptação cinematográfica definitiva de Shakespeare. O prestigiado ator inglês é Hamlet, e não falo apenas de ser o personagem-título, mas sim de ser toda a alma do filme, pois, além de ser o protagonista, ele também é o diretor, roteirista e produtor dessa que é a primeira produção não-americana a ganhar o Oscar de Melhor Filme (também levou os prêmios de Melhor Ator, Direção de Arte e Figurino).
O peso de adaptar umas das maiores peças teatrais da história não intimidou Olivier, que conseguiu adequá-la perfeitamente à linguagem cinematográfica, fazendo algumas alterações, por opção e necessidade. Se falas são alteradas com a intenção de dar um aprofundamento psicológico maior ao texto original – isso por liberdade de Olivier –, personagens e alguns trechos tiveram que ser omitidos para o filme não ter uma duração excessiva. As escolhas do diretor funcionam e foram executadas perfeitamente, assim, por mais que tenha se tornado exaustivo usar essa palavrinha francesa em textos sobre cinema, me sinto praticamente obrigado a elogiar seu uso nesse filme: a mise en scène. O belíssimo uso da mise en scène é uma das qualidades mais louváveis do filme e que fazem sua direção ser digna de qualquer elogio. Laurence, influenciado pelo trabalho de Orson Welles anos antes em Cidadão Kane, explora a profundidade de campo e faz uso de incríveis movimentos de câmera, concebendo planos com uma beleza estética rara de se ver à época.
Não só por seus feitos técnicos o filme merece ser enaltecido, afinal, não é à toa que a obra de Shakespeare se mantém forte há mais de quatro séculos, e Olivier conseguiu levar às telas toda a força do trabalho do dramaturgo. Se temas como traição, inveja, vingança e incesto despertavam o interesse do público no início do século XVII, hoje não é diferente, e na época da realização do filme, menos ainda. O diretor passeia com sua câmera pela imensidão do castelo abordando esses temas e captando as emoções dos personagens, acompanhado ao fundo por uma trilha sonora que confere a textura emocional perfeita a cada cena. Assim, percebe-se que, também não por acaso, o filme de Laurence Olivier é por vezes considerado a maior adaptação de uma obra de Shakespeare, quando mesmo cineastas como Kurosawa tentaram o mesmo feito.
A Grande Aposta
3.7 1,3KTem uma obsessão em parecer moderno que ora incomoda, ora consegue trazer uma leveza ao economiquês frenético que não dá descanso nunca. Porque mesmo quando aparenta ser mais didático, o filme mais finge que explica do que de fato o faz. Talvez por isso, em um assunto tão sério e importante, um documentário como Inside Jobs, apesar de ser muito mais quadradão, consiga ser mais eficiente por elucidar muito melhor os fatos. Mas no fim das contas, mesmo que não dê pra entender muito do linguajar técnico, as inserções cômicas e o dinamismo da montagem conseguem prender a atenção, e entendo só o essencial dos diálogos já é o suficiente pra se chocar com os absurdos desse sistema inevitavelmente fadado à quebra.
A Última Gargalhada
4.2 103 Assista AgoraHá um louvável tratamento expressionista dos objetos cênicos na representação do declínio psicológico do personagem. Por outro lado, Murnau preza muito pela verossimilhança dos espaços físicos do filme, a fim de poder trabalhar essa dinâmica tão comum em sua obra, da sociedade reguladora e opressora contra o olhar inocente e romântico de seus protagonistas. Isso faz com que o título original (O Último Homem) seja muito mais significativo, e trágico também, por evocar a figura do porteiro e suas virtudes como objetos remanescentes de outrora, que agora ruíram junto ao mundo em que ele acreditava (vale lembrar que estamos na Alemanha do pós-guerra). E é uma ruína que se dá tanto no plano representativo, quanto no plano material do personagem, e a forma como o diretor desenvolve sua mise-en-scéne a partir disso que torna o filme tão grandioso, alcançando uma expressividade visual que encontra na atuação de Emil Jannings a consonância perfeita. Por isso nunca sei se Murnau é um expressionista com grande apreço pelo realismo ou o contrário; só sei que é gênio.
Steve Jobs
3.5 591 Assista AgoraA estrutura do roteiro tenta tirar o filme da convencionalidade, mas, no fundo, ele não consegue ser muito diferente de outras cinebiografias mais típicas, repetindo os mesmos personagens e retomando seus conflitos com certa artificialidade a cada nova apresentação de Jobs. É como se todos os momentos significativos de sua vida, tanto profissional quanto pessoal, esperassem pra acontecer justamente nos minutos antecedentes às apresentações mais importantes de sua carreira. Basicamente parece uma espécie de teatrinho sobre como Steve Jobs conseguia ser babaca quando queria. Danny Boyle deve ter pego o filme por encomenda e não fez muita questão de esconder isso, e o desfecho forçadamente redentor e melodramático só piora tudo.
O Regresso
4.0 3,5K Assista AgoraTirando os méritos técnicos, não sobra muita coisa aqui. Me lembra muito Essential Killing quando aposta nesse cinema predominantemente físico, mas sem nunca atingir o mesmo efeito imersivo e o grau de pertubação que Jerzy Skolimowski e Vincent Gallo conseguiram. E quando faz inserções malickianas parece que é só mesmo por uma necessidade de auto-fascínio do Iñárritu, o que acaba reduzindo tudo a um exercício de estetização dos mais vazios.
E o DiCaprio realmente sofreu pra ganhar o Oscar, hein? Mais fisicamente mesmo, porque, de resto, até que o papel nem exigiu tanto assim dele.
Macbeth: Ambição e Guerra
3.5 383 Assista AgoraPena que o filme nunca consiga explorar todo o potencial do material que tinha em mãos, principalmente do texto de Shakespeare. Essa estilização visual toda que acaba sendo a maior culpada. Tudo bem que algumas imagens têm lá sua beleza, mas outras parecem ter saído de um videoclipe ou uma propaganda publicitária. Pior que mesmo quando tenta se apoiar mais no texto, o filme acaba ganhando uma certa moldura teatral que não lhe cai muito bem. Felizmente o casal principalmente consegue trazer muita força pro filme, e o melhor mesmo é essa baita presença de cena do Fassbender e a forma como é retratada a loucura de seu personagem.
Deve ser mesmo difícil tentar fazer algo grande e diferente em um terreno em que Kurosawa, Orson Welles e Polanski já pisaram. Esse até que tentou, mas não conseguiu ir muito além desse exercício exibicionista que mais lembra Game of Thrones do que qualquer outra coisa.
Victoria
3.8 248 Assista AgoraSe você estiver muito disposto a aceitar um monte de coisas improváveis, até que o filme consegue alcançar esse realismo todo que ele se esforça tanto pra passar.
Aconteceu Naquela Noite
4.2 332 Assista AgoraO que mais me impressiona nesse filme é o domínio que o Capra tem sobre os momentos de silêncio, levando os momentos dramáticos do filme a outro nível. De resto, é Capra e essa magia incrível que só os filmes dele têm.
O Evangelho Segundo São Mateus
4.0 89Não esperava que Pasolini fosse tão fiel ao texto bíblico, mas acho que está justamente aí seu grande trunfo: pegar uma história que todo mundo já conhece e só trazer um olhar diferente pra ela, sem precisar fazer muito malabarismo.
Essa visão humanizada de Cristo e o lirismo de alguns planos já valem muito mais que toda grandiloquência e mitificação que uma porrada de filmes do gênero tentam evocar quando retratam Jesus.
Boa Noite, Mamãe
3.5 1,5K Assista AgoraAté consegue criar uma boa atmosfera de terror no início, mas depois perde tudo quando aposta na tortura insosso e num mistério que logo deixa de ser misterioso, porque peca no didatismo dado às pistas deixadas ao longo do filme, que antecipam a revelação final. Sem falar na tentativa desnecessária e falha de emular Haneke a todo instante.
Os Olhos Sem Rosto
4.0 232Essa presença de Christiane vagando pela casa carrega todo um encanto sombrio que acaba sendo o grande atrativo do filme. Também vale elogiar a personalidade complexa do pai, que acaba o filme e a gente não sabe se ele fez o que fez por culpa ou mais pra saciar seu ego narcisista e provar a si mesmo do que era capaz. Mas a verdade é que não fui pego por essa atmosfera perturbadora e melancólica que tanto falam. Começou a me ganhar com aquele belo final poético, mas aí já era meio tarde.
Phoenix
3.8 104 Assista AgoraSe pudesse avaliar só a cena final, seria 5 estrelinhas na certa.
Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros
3.6 3,0K Assista AgoraVejo em Jurassic World uma autoconsciência metalinguística: assim como as novidades do parque, a função desse novo filme é obter lucro ao oferecer um entretenimento barato explorando uma franquia de sucesso garantido. Não chega a ser o desastre que foi a grande novidade do parque, mas também não passa muito longe disso: os personagens são caricatos, as cenas de ação não empolgam, se desenvolvem subtramas inúteis e sobram momentos previsíveis e clichês.
Frozen: Uma Aventura Congelante
3.9 3,0K Assista AgoraFrozen tem suas falhas: a apresentação dos personagens é apressada e falta um vilão bem definido. Contudo, o filme consegue divertir e envolver o espectador, seus personagens são carismáticos (Olaf rouba a cena), há um notável apuro técnico e os números musicais são ótimos, mas o grande acerto está mesmo na subversão dos clichês presentes nos velhos filmes de princesa Disney.
O Destino de Júpiter
2.5 1,3K Assista AgoraA premissa é interessante, e só ela mesmo. O resto é um amontoado de clichês, personagens caricatos, suspense fraco, atuações ruins e cenas de ação tediosas. A criatividade de Matrix e a diversão de Speed Racer passaram bem longe desse novo trabalho dos irmãos Wachowski.
Uma Nova Amiga
3.7 120 Assista AgoraA temática é ótima e poderia render um bom filme nas mãos de Ozon, porém, não foi o que aconteceu. Poucos momentos inspirados do diretor (a performance na boate se destaca) e a entrega de Romain Duris não salvam o filme de um roteiro fraco, repleto de momentos forçados, por vezes clichê e piegas.
O Globo de Prata
4.1 59Seu poder imagético é inegável, mas junto com a força de suas imagens vem a verborragia de uma filosofia exposta muitas vezes de forma apressada e desconexa. Talvez as partes destruídas façam falta, pois a partir de certo momento fica difícil entender muito do que é apresentado ao espectador.
Deus e o Diabo na Terra do Sol
4.1 429 Assista AgoraNa tentativa de criar um cinema autoral que se distanciasse da estética dominante da época e ao mesmo tempo produzir um discurso de alerta às massas, Glauber Rocha explora temas como o coronelismo, a desigualdade social e a alienação religiosa enquanto usa influências dos conceitos soviéticos de montagem, da Nouvelle Vague francesa, do Neo-Realismo italiano e do western americano para criar um cinema genuinamente novo.
Com sua câmera na mão, concebendo planos longos e abertos, o diretor consegue extrair beleza da aridez e miséria do sertão. Mas também se vale de corte rápidos e frenéticos para coreografar os momentos de violência do longa. Na trilha sonora, há o eruditismo da música de Villa-Lobos mesclando-se ao cordel tipicamente nordestino, que comenta diversos acontecimentos e assim ganha importante função narrativa no desenrolar da película. Através desses recursos, acompanhamos a saga de Manuel e Rosa, que fogem por causa do homicídio cometido pelo homem por se sentir lesado por seu patrão, e no caminho do casal vemos surgir personagens interessantíssimos: o messiânico Sebastião; o cego Júlio, que chega a lembrar um rapsodo do período homérico; Corisco, o último cangaceiro remanescente do grupo de Lampião; e Antônio das Mortes, matador que serve às elites locais, mas sonha com uma guerra que irá libertar a população miserável do sertão.
Com esse leque de elementos riquíssimos e diversificados, Deus e o Diabo na Terra do Sol demonstra ao mesmo tempo preocupação social e uma forma de renovação da linguagem cinematográfica, propõe uma ruptura estética e promove uma construção e aceitação da própria identidade local. Destarte, a obra de Glauber Rocha surgiu e mantém-se até hoje como um dos filmes mais representativos do Cinema Novo e, mais do que isso, um dos mais importantes filmes da história do cinema brasileiro.
Beleza Americana
4.1 2,9K Assista AgoraSam Mendes constrói personagens estereotipados apenas para desconstruí-los em seguida:
A mulher que tenta manter a imagem de um casamento perfeito, mas que precisa de um amante para atenuar o fracasso de sua relação familiar.
O militar opressor com atitudes homofóbicas, mas que carrega desejos homossexuais reprimidos.
O garoto comportado em frente à família, mas que trafica drogas no próprio quarto.
A garota que tenta parecer super confiante e experiente com suas aventuras sexuais, mas que na verdade é uma menina virgem com inseguranças em relação à sua beleza.
A garota que parece não ligar para as aparências, mas que sonha em fazer uma cirurgia estética.
O personagem de Kevin Spacey é a única exceção, quando a partir de certo momento do filme começa a agir da forma que bem entende, sem se importar em projetar um estilo de vida idealizado que sobrevive apenas às aparências. Não por acaso, acaba sendo assassinado no final, para mostrar que quem tentar ir contra esse sistema hipócrita acaba sendo punido. Morte que, aliás, já tínhamos conhecimento desde o primeiro minuto do filme, com a narração post-mortem do protagonista. Uma escolha inteligente, que ao invés de querer surpreender o espectador, prefere se ater às questões e temas desenvolvidos ao longo da narrativa.
Assim, a estréia de Sam Mendes é também seu ápice, pois o diretor não voltaria a alcançar o sucesso e a qualidade desse ótimo filme, que se mostra uma crítica incisiva ao american way of life, seus valores e tudo o que ele representa na cultura americana.
Os Cavalos de Fogo
4.1 36 Assista AgoraA bela parte ucraniana dos Montes Cárpatos serve de cenário para a história de Ivan e Marichka, dois jovens condenados a viver um amor infeliz, por serem membros de famílias que se odeiam. Se a premissa remete à Shakespeare, que pare por aí as comparações, pois a novela de Mikhaylo Koysyubinskiy, que deu origem ao filme, passa longe da obra do dramaturgo inglês. O drama ucraniano está fortemente ligado à cultura hutsul, um povo que, apesar do domínio sofrido ao longo dos séculos por diferentes impérios estrangeiros, conseguiu manter sua língua, costumes, danças, cânticos e rituais, e assim criar uma identidade cultural única.
É com esse material que Parajanov nos brinda com imagens de uma beleza inebriante e metáforas visuais riquíssimas, com movimentos de câmera constantes e repletos de lirismo, que passeiam por lendas e mitos e conseguem captar de forma extraordinária a sonoridade, as cores e a diversidade da cultura popular ucraniana. E é assim, concebendo cada plano como se estivesse pintando um quadro, que o diretor nos apresenta as paixões e o modo de vida autóctone daqueles personagens.
Aluno de Aleksandr Dovjenko e amigo íntimo de Andrei Tarkovsky, Sergei Parajanov também figura no hall dos grandes cineastas soviéticos, por tamanho primor estético e domínio narrativo. Quem dúvida, que assista Sombras dos Ancestrais Esquecidos e também tenha o prazer de sucumbir à beleza dessa obra-prima.
Crash: Estranhos Prazeres
3.6 330 Assista AgoraCerta vez, em uma entrevista, Nelson Rodrigues lançou o seguinte pensamento: "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém".
Filhos da Esperança
3.9 940 Assista AgoraFilhos da Esperança conta com um dos futuros distópicos mais interessantes que já vi serem representados no cinema, além de ser maravilhosamente fotografado e muito bem escrito e atuado. Mas o grande mérito está mesmo em sua direção, que concebeu dois dos melhores planos-sequência dos últimos anos.
O primeiro, o do carro, impressiona pela facilidade com que a câmera se movimenta em um espaço físico tão pequeno, passeando livremente entre os personagens e acompanhando o ataque dos rebeldes como se o interior do automóvel fosse um grande cenário aberto.
O segunda, na guerra entre exército e rebeldes, acompanha o protagonista durante 7 minutos em uma perseguição regada a tiros e explosões, deixando o espectador sem fôlego e jorrando sangue em sua cara. E por mais distópico e caótico que seja aquele cenário, as imagens parecem ter saído de um documentário de guerra, tamanho realismo que é atribuído pela técnica da câmera na mão.
Assim, o diretor mexicano conseguiu criar um dos melhores filmes da última década, entregando uma obra extremamente tensa, emocionante e tecnicamente irretocável, que consegue envolver o público do primeiro ao último minuto.
12 Anos de Escravidão
4.3 3,0KDa cruel realidade exposta por Alain Resnais em Noite e Neblina ao humor descomedido de Roberto Benigni em A Vida é Bela, filmes sobre o Holocausto existem aos montes, mas tentar lembrar apenas cinco sobre a escravidão já não é uma tarefa fácil. Isso porque o assunto ainda é de difícil debate, principalmente nos EUA, o que faz com que o tema seja evitado pela indústria cinematográfica. Então, ao menos em relação ao cinema, não é nenhum exagero dizer que 12 Anos de Escravidão é um marco na questão racial, por tentar saldar uma dívida que Hollywood tem para com quatro séculos de história.
Um dos exemplos mais recentes e conhecidos de filmes sobre a escravidão é Django Livre. Mas se no filme de Tarantino a brutalidade sofrida pelos escravos fica em segundo plano em meio ao humor e ao cinema de exageros de seu diretor, Steve McQueen faz questão de deixá-la evidente, sem poupar o espectador. No universo criado pelo diretor britânico, onde imagens contemplativas e longos silêncios se mesclam com intensas cenas de tortura, não há nada para achar engraçado, e sim, cruel e impetuoso. Até seria menos cruel se a história de Solomon fosse apenas ficção, assim como é a de Django, e não a representação da vida de um homem, que poderia ser a de qualquer outro negro durante o período da escravidão.
O filme é baseado na autografia de Solomon Northup, negro nascido livre que se apresentava como violinista em Washington quando é sequestrado e vendido como escravo para uma plantation na Louisiana. A partir daí, acompanhamos os mais diversos tipos de tortura e humilhação que ele e seus companheiros de senzala sofreram durante sua dúzia de anos como escravo. Aprendemos junto ao protagonista que a submissão é requisito básico para a sobrevivência e que não existem senhores de escravos bonzinhos, e sim homens como o sádico Edwin Epps (Michael Fassbender, em grande atuação) com seu olhar de ódio e indiferença que contrasta ao olhar de medo e sofrimento de negros como Patsey (Lupita Nyong'o, belíssima em cena), que já não vê mais esperança de ser livre e preferia morrer a ser novamente violentada por seu dono. Vemos também o olhar de Solomon, que se alterna durante todo o filme, da felicidade diante de sua família à dor diante das chibatas, mostrando que não é à toa que Chwetel Ejiofo é um dos favoritos ao Oscar.
O que diferencia o filme de McQueen de qualquer outro que aborda o mesmo tema é o fato de mostrar algo que já conhecemos de uma forma que nunca vimos. Todos sabemos como foi a escravidão e o sofrimento do negro durante esses 400 anos, mas nunca havíamos visto isso da maneira que 12 Anos de Escravidão nos mostrou, sem romantizar e tentar mascarar cenas que fazem parte do público querer virar o rosto. O diretor quase nos faz sentir o verdadeiro peso da chibata e vemos pela primeira vez o real e brutal impacto que ela exerce sobre as costas nuas de alguém que foi amarrado a um tronco por uma pessoa que se julga dona de seu próprio semelhante, somente pela cor de sua pele ser diferente.
12 Anos de Escravidão faz com que as marcas das chibatadas nas costas dos escravos perdurem na mente do espectador, onde, mais de cem anos depois delas terem deixado de existir, a questão racial ainda está longe de ser resolvida. Não é preciso ir além do cinema para perceber isso, ou seria apenas coincidência que, somente após 86 edições da premiação, Steve McQueen possa ser o primeiro negro a ganhar o Oscar de Melhor Diretor?
O Ciclo do Pavor
3.8 72Eis aqui o berço das ideias de uma porrada de filmes do gênero que vieram posteriormente – é fácil identificá-las. Bava cria uma atmosfera de terror completamente envolvente e hipnótica, que se sustenta do primeiro ao último minuto. Se não fosse o bastante, o diretor concebe cada plano como se estivesse pintando um quadro, tamanho cuidado estético que é dado a cada cena, o que garante ao filme uma beleza plástica singular.
Certa vez li que esse filme é como "uma canção de ninar operística composta pelo Carl Orff e regida pelo tinhoso". Não consigo pensar em nada melhor para defini-lo.
Hamlet
4.2 80Se transpor uma obra-prima de uma mídia para outra já é uma tarefa difícil, fazê-la alterando o material original é um trabalho ainda mais árduo e requer coragem. Laurence Olivier foi o responsável por esse feito, de adaptar Hamlet para o cinema, naquela que é considerada por muitos como a adaptação cinematográfica definitiva de Shakespeare. O prestigiado ator inglês é Hamlet, e não falo apenas de ser o personagem-título, mas sim de ser toda a alma do filme, pois, além de ser o protagonista, ele também é o diretor, roteirista e produtor dessa que é a primeira produção não-americana a ganhar o Oscar de Melhor Filme (também levou os prêmios de Melhor Ator, Direção de Arte e Figurino).
O peso de adaptar umas das maiores peças teatrais da história não intimidou Olivier, que conseguiu adequá-la perfeitamente à linguagem cinematográfica, fazendo algumas alterações, por opção e necessidade. Se falas são alteradas com a intenção de dar um aprofundamento psicológico maior ao texto original – isso por liberdade de Olivier –, personagens e alguns trechos tiveram que ser omitidos para o filme não ter uma duração excessiva. As escolhas do diretor funcionam e foram executadas perfeitamente, assim, por mais que tenha se tornado exaustivo usar essa palavrinha francesa em textos sobre cinema, me sinto praticamente obrigado a elogiar seu uso nesse filme: a mise en scène. O belíssimo uso da mise en scène é uma das qualidades mais louváveis do filme e que fazem sua direção ser digna de qualquer elogio. Laurence, influenciado pelo trabalho de Orson Welles anos antes em Cidadão Kane, explora a profundidade de campo e faz uso de incríveis movimentos de câmera, concebendo planos com uma beleza estética rara de se ver à época.
Não só por seus feitos técnicos o filme merece ser enaltecido, afinal, não é à toa que a obra de Shakespeare se mantém forte há mais de quatro séculos, e Olivier conseguiu levar às telas toda a força do trabalho do dramaturgo. Se temas como traição, inveja, vingança e incesto despertavam o interesse do público no início do século XVII, hoje não é diferente, e na época da realização do filme, menos ainda. O diretor passeia com sua câmera pela imensidão do castelo abordando esses temas e captando as emoções dos personagens, acompanhado ao fundo por uma trilha sonora que confere a textura emocional perfeita a cada cena. Assim, percebe-se que, também não por acaso, o filme de Laurence Olivier é por vezes considerado a maior adaptação de uma obra de Shakespeare, quando mesmo cineastas como Kurosawa tentaram o mesmo feito.