A trama de mistérios vai se revelando aos poucos ao passo que o diretor vai surpreendendo o público e apresentando cenas de ação e violência incrivelmente bem conduzidas, como uma tortura ao som de Vivaldi. Mas o melhor momento fica mesmo por conta de um longo plano sem cortes, onde o protagonista munido apenas de um martelo enfrenta dezenas de capangas ao longo de um corredor. Muito bem interpretados por seus respectivos atores e bem desenvolvidos pelo excelente roteiro, protagonista e vilão são também personagens extremamente interessantes, dois homens sedentos por vingança que acabam se tornando vítimas de suas próprias memórias. O seu desfecho surpreende e confirma o filme como um dos melhores e mais originais da última década. Oldboy esbanja qualidade e justifica o motivo de ter rapidamente se tornado um clássico cultuado por quem gosta de um cinema violento e estilizado. Grande filme, que merece um lugar entre as obras-primas do cinema contemporâneo.
Durante séculos o homem ansiou criar algo que pudesse reproduzir a impressão de realidade, mas como quadros e fotografias não têm movimento, somente com o cinema esse objetivo foi alcançado. A invenção dos irmãos Lumière possibilitou o sonho do movimento, arte e técnica fizeram com que o cinema pudesse criar a reprodução da vida e, desde então, muito foi feito para que isso ficasse cada vez mais real. Os filmes ganharam som, depois cores e muitos usaram e aprimoraram a tecnologia 3D. O que Alfonso Cuarón fez foi pegar esse recurso e elevá-lo ao extremo, transformando “Gravidade” em mais do que um simples filme, em uma experiência cinematográfica única, que durante 90 minutos consegue fazer o espectador crer que é a própria vida que ele está vendo na tela.
Cuarón realiza um incrível plano-sequência inicial e uma sucessão de outros planos tão longos quanto belos, cria cenas de extrema dificuldade técnica e explora o 3D de uma forma nunca feita antes no cinema, tudo para gerar no público uma completa imersão no filme. Assim o diretor consegue fazer com que o espectador se sinta à deriva no espaço junto com os astronautas, perca o ar junto com a Dra. Stone, se mova na cadeira do cinema para desviar de uma chuva de destroços e sinta o desespero dos personagens de uma forma quase palpável. Seja com a câmera estática, com ela acompanhando os movimentos frenéticos de uma estação espacial sendo destruída, ou quando ela se torna subjetiva e coloca o espectador dentro do capacete da Dra. Stone, não importa como, o diretor sempre consegue impressionar o público durante todo o filme.
Esse virtuosismo técnico e o espetáculo visual chegam até a ofuscar as metáforas do filme, porém, mais do que um filme sobre o espaço, “Gravidade” é um filme sobre a vida.
Essa ideia fica clara na belíssima cena em que a personagem de Sandra Bullock entra na câmara de vácuo e seu corpo fica em posição fetal, com cabos simulando um cordão umbilical e a luz ao fundo reforçando a ideia de um útero. Esse é o processo de renascimento que a personagem sofre ao longo do filme, que só acaba em sua última cena, quando ela sai da cápsula que a protege e estabelece contato com o mundo exterior, tendo que reaprender a andar, para poder caminhar em direção a uma nova vida.
Uma trama simplória, amparada por um bom roteiro, que é interpretado de forma excelente por Sandra Bullock e George Clooney e conduzido de forma primorosa por Alfonso Cuarón, resultando em uma experiência única e um deleite audiovisual, contemplativo, tenso e cheio de simbolismos. Resumindo, “Gravidade” é isso. Elogios não faltam e seus pequenos deslizes são quase irrelevantes. O fortíssimo candidato a melhor filme do ano também já surge como um possível novo clássico do cinema moderno, que vale cada minuto e merece ser assistido em 3D e na maior tela possível.
As diferentes visões de cada diretor sobre Paris provocam diferentes emoções e sentimentos ao longo filme, se alternando entre histórias tristes e alegres, mas nunca deixando de falar sobre o amor. Alguns curtas se destacam e outro são simplesmente descartáveis, mas apesar dessa irregularidade, o saldo é positivo. O filme como um todo agrada e te faz conhecer um pouco de Paris sem nem precisar sair do cinema.
O filme começa bem, James Wan soube criar uma boa atmosfera de terror e suspense, assim provocando bons sustos. Mas a partir do segundo ato o filme se compromete totalmente, começa a se explicar demais e adota um tom de terror mais explícito, o que não assusta tanto quanto o terror psicológico do primeiro ato e até soa um tanto quanto ridículo. O final prejudica ainda mais o filme e não deixa a menor vontade de assistir a sua continuação.
Mais do que nos mostrar a incoerência entre as versões contadas por diferentes personagens sobre o mesmo fato, Kurosawa nos propõe uma profunda reflexão sobre a natureza humana. No final já não importa saber qual versão é a verdadeira, mas sim o porquê delas serem diferentes. Tais reflexões emergem em meio a um grande primor técnico e a um incrível trabalho de roteiro e direção de Kurosawa. O resultado é um excelente filme, que justifica a sua fama de ser uma das melhores obras desse diretor brilhante.
Clichê? Pode até ser, de fato muitos elementos do gênero estão presentes no filme (boneca possuída, casa mal assombrada, lugar amaldiçoado, possessão demoníaca, exorcismo), mas James Wan sabe usá-los a seu favor, tanto técnica quanto narrativamente, extraindo o máximo de suspense possível e evitando os sustos fáceis. O filme demora um pouco a começar, pois o diretor cria de forma cuidadosa uma atmosfera extremamente tensa e aterrorizante, que prende o espectador até o final e chega ao seu ápice em um exorcismo que consegue trazer todo o nervosismo dos personagens para o público. O elenco é competente e consegue gerar a empatia necessária para que o espectador se preocupe com o que vai acontecer aos personagens, algo que é necessário no gênero de terror. O final prejudica o filme, mas nada que te faça perder o medo de olhar em cima do guarda-roupa. Em um gênero estagnado na mesmice, "Invocação do Mal" aparece para voltar a aterrorizar um público cada vez mais cético. Um filme digno de palmas (ou melhor não).
O jeito bem particular de fazer cinema de Apichatpong Weerasethakul e as divergências culturais não permitiram que eu criasse um diálogo com o filme, e o sentimento que eu fiquei foi o de estranhamento com o que aparecia na tela. A partir de certo momento eu já nem tentava entender o significado de todos os simbolismos, apenas tentei deixar me levar pela viagem contemplativa criada pelo diretor tailandês entre o mundo real e o espiritual. Mas não deu, chegou uma hora em que o ritmo ficou cansativo demais, e eu acabei me distanciando ainda mais do filme. É interessante conhecer um cinema autoral como o de Apichatpong Weerasethakul e essa experiência audiovisual diferenciada que ele proporciona, mas o fato é que "Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passada" não funcionou comigo.
Às vezes, menos é mais. "Lost in Translation" é um bom exemplo disso. Um filme extremamente cativante, que encanta pela sua sutileza e simplicidade. Bill Murray e Scarlett Johansson estão em uma das melhores atuações de suas carreiras, e seus personagens são tão humanos e tão bem desenvolvidos que tudo parece sincero e real, gerando uma empatia instantânea com o espectador. A relação dos dois é tão encantadora quanto improvável, e a sensação de estarem perdidos e deslocados, devido ao choque cultural sofrido por eles, é na verdade algo recorrente do momento vivido por ambos em suas vidas amorosa e profissional. O filme acaba e essa sensação permanece — além, é claro, da instigante curiosidade em saber o que Bob disse para Charlotte. Sofia Coppola mostra maturidade e retrata tudo com uma enorme sensibilidade, criando um ótimo filme, que consegue ser grande em seus pequenos detalhes.
Logo na introdução, ao mostrar McCabe cavalgando sob uma forte chuva com a música de Leonard Cohen tocando ao fundo, Robert Altman já deixa claro que seu filme não é um western convencional. O diretor foge de alguns clichês do gênero e cria uma hipnotizante atmosfera de melancolia que se sustenta até o final, reforçada excelentemente pelo tom da fotografia e pela trilha sonora composta pelo já citado Leonard Cohen.
Warren Beatty além de interpretar de forma excelente John McCabe, também teria contribuído com o ótimo roteiro, sem ser creditado. Seu personagem é um misterioso jogador que chega a um vilarejo onde tem a fama de ter assassinado um perigoso homem, lá ele monta um bordel em sociedade com Constance Miller, uma cafetina interpretada por Julie Christie. O negócio prospera, mas quando uma grande companhia aparece querendo comprar as propriedades de McCabe, tudo começa a se complicar. É aí que ele tem que mostrar o homem que realmente é.
McCabe está longe de ser um procurado fora da lei, mas o filme me lembra “Pat Garrett & Billy the Kid”, de Sam Peckinpah, que seria lançado dois anos depois. Não só pela trilha sonora que ajuda a compor todo o clima de ambas as obras e que no filme de Peckinpah foi composta por Bob Dylan, que se assemelha ao ritmo de Cohen. Mas, principalmente, pela época retrata nas duas obras. Peckinpah mostra o começo da decadência do Velho Oeste e Altman ambienta seu filme poucos anos após esse período. Uma época onde não há mais lugar para pistoleiros e foras da lei, que estão sendo engolidos pela ascensão do capitalismo e as promessas de desenvolvimento trazidas pelo mesmo, assim tendo todos que se adaptar a essas mudanças.
Ironicamente, o gênero western que entraria em decadência anos depois. E poucas cenas mais de tensão entre pistoleiros seriam tão bem filmadas como Altman fez na perseguição na nave. Mas assim como o gênero, esse trabalho de Altman também serviria de influência para as próximas gerações de cineastas, basta assistir a “Sangue Negro”, do brilhante Paul Thomas Anderson, para perceber a influência do trabalho de Robert Altman.
Mesmo Altman sendo cerca de 20 anos mais velho que alguns cineastas como, por exemplo, Steven Spielberg e George Lucas, ele conseguiu ser um dos grandes representantes da Nova Hollywood, com “M.A.S.H.”, lançado um ano antes, e com este filme, que, mesmo não sendo um sucesso de público e crítica na época, serviu para comprovar o talento e a capacidade do diretor que ainda viria a entregar grandes obras para o cinema.
É natural que hoje em dia o filme não gere um grande impacto e até possa ser considerado superestimado por quem o assiste pela primeira vez e não leva em consideração a sua importância para a história do cinema, afinal, já se passaram 73 anos desde seu lançamento. Mas é, de certa forma, uma injustiça analisá-lo sem levar em conta a época de sua realização. E isso não é uma tarefa difícil de fazer: basta se imaginar dentro de uma sala de cinema em 1941.
Imagine que praticamente todos os filmes contam suas histórias apenas de forma linear e com movimentos de câmera que basicamente se resumem a ir da direita para a esquerda, de cima para baixo, e vice-versa. Assim eram os filmes da época (com raras exceções), e o próprio Cidadão Kane seria assim se não tivesse sido realizado pela mente brilhante de Orson Welles, que logo em seu primeiro filme trata de quebrar com certos moldes do cinema clássico.
O diretor trabalha com a profundidade de campo de modo que talvez somente Mizoguchi tivesse feito até então, explora ângulos de câmera inusitados, usa de uma narrativa não linear e de uma montagem sofisticada, além de apresentar uma grande ousadia no tema retratado. Welles crítica a manipulação da imprensa feita por homens poderosos para alcançar seus próprios interesses e critica a ambição do homem para obter poder e sucesso, o que, nesse caso, resulta em sua solidão, sendo abandonado por aqueles que um dia já amou.
Tudo é contado através de uma biografia disfarçada do poderoso magnata William Randolph Hearst. O excelente roteiro co-assinado por Welles e Herman J. Mankiewicz tem seu fio condutor no mistério em volta da última palavra pronunciada por Charles Foster Kane: “Rosebud”. A busca de um jornalista para solucionar esse mistério é o que leva aos fatos contados através de flashbacks de pessoas que tiveram alguma participação na vida de Kane, desde a sua infância até o seu último segundo de vida. “Rosebud” era como Hearst chamava o clitóris de sua mulher, mas no filme a palavra nada tem a ver com esse significado.
O significado de “Rosebud” só é revelado em uma das últimas imagens do filme. Quando objetos da mansão de Kane estão sendo queimados, a palavra aparece em um trenó, o mesmo da infância de Charles. Tal objeto remete ao momento mais traumático de sua vida: ter sido separado de sua mãe. Ideia que é reforçada pelo fato de Kane estar segurando um globo de neve ao pronunciar “Rosebud”, uma alusão ao clima que fazia no dia em que ele fora separado de sua família. Então, em seus últimos momentos, Kane estaria suplicando por sua mãe, rememorando o momento que mudou sua vida profundamente. Seu último suspiro seria pela falta que lhe fez a figura materna e de arrependimento pela consequente vida que teve. Claro que esta é somente a minha interpretação, apenas uma entre tantas outras que debruçam-se sobre o significado dessa palavra que intriga cinéfilos há mais 70 anos.
Hoje Cidadão Kane é tido por muitos como o melhor filme da história do cinema — algo que nunca será possível definir com precisão. Mas goste-se ou não do filme, sua importância é inegável. Infelizmente, esse reconhecimento só veio com o tempo. Na época de seu lançamento o impacto causado não foi bem aceito, afastando parte do público e recebendo críticas negativas, muito por conta de uma forte campanha de Hearst para proibir a exibição do filme. Assim, a obra mais importante de Orson Welles seria também a sua ruína. O prodígio diretor enfrentaria muitas dificuldades em sua carreira devido ao sistema de produção que dominava a época, sendo refreado em algumas de suas futuras produções. Algo a se lamentar, pois, visto o seu talento, fica a questão: será que Welles poderia ter ido ainda além se lhe tivessem dado recursos com plena liberdade de criação?
O sentimento de liberdade é a essência principal que exala durante todo o filme. Isso se mostrar presente logos nos primeiros minutos, quando o Capitão América abandona seu relógio na estrada, e essa ideia ainda é reforçada quando ele diz que não é um “escravo do tempo”. Esse sentimento é quase palpável na viagem sem destino dos personagens em cima de suas motos e em meio a belas paisagens. E essa liberdade só chega ao fim com a interferência da antiga geração, que com sua ignorância em não conseguir entender as atitudes, motivações e sentimentos da nova geração faz com que suas diferenças sejam motivo de represália, pois é humano tender a não gostar daquilo que não conseguimos compreender.
A liberdade também se faz presente na direção de Dennis Hooper, com o cinema de autor ganhando força nas produções americanas e abrindo um leque de possibilidades de criação para o diretor. Isso deixa o filme longe do sistema que dominou Hollywood da década de 30 a década de 60, que foi a ideia do “produtor criativo”, onde o produtor determinava como tudo deveria ser feito. Esse sistema foi invertido, dando liberdade aos diretores, roteiristas e atores. Assim o filme se beneficiou com as qualidades mostradas por seus realizadores e se firmou como um dos grandes representantes da Nova Hollywood.
Peter Fonda teve a ideia do filme e convidou Hooper para a direção devido a sua experiência e habilidade, dando ao diretor uma grande oportunidade. Porém, Hooper enlouqueceu no início das filmagens, tentando tomar o controle de toda a produção e arranjando brigas com toda a equipe. Isso quase provocou a sua demissão. E não à toa as cenas no Mardi Gras — as primeiras a serem gravadas — têm uma aparência amadora em relação ao resto do filme, devido à má preparação e aos ataques de loucura do diretor.
Com os problemas resolvidos e as brigas deixas de lado em prol da produção, o filme seguiu em frente e em sete semanas já estava completamente filmado. O que levou mais tempo foi a sua conclusão. Hooper queria que o filme tivesse quatro horas e meia de duração e somente após muita discussão se chegou a versão com 95 minutos. Na montagem, Hooper optou por não descartar as imperfeições técnicas e usava um método antiquado, pois não tinha conhecimento da técnica desenvolvida por montadores na década de 60, o que resultou na montagem um tanto esquisita do filme, mas que acabou agradando.
A trilha sonora é outra característica marcante do filme e só foi possível graças aos ressentimentos entre Hooper e Fonda. A banda Crosby, Stills & Nash iria compor a trilha sonora do filme, mas como havia sido ideia de Peter, Dennis fez com que isso não acontecesse e a trilha foi formada por sucessos da época, o que não poderia ter sido melhor e fez com que o filme fosse um dos primeiros a usar o rock ‘n’ roll como trilha sonora.
Mais do que um dos maiores clássicos do gênero road-movie e de ter impulsionado as carreiras de Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson, “Easy Rider” se tornou um retrato eficiente de toda uma geração, conseguindo captar os questionamentos e sentimentos que eram vividos na época e apresentando a contracultura para Hollywood. O filme também é competente ao mostrar o preconceito de uma sociedade conservadora em relação uma nova geração, que, como diz o personagem de Jack Nicholson, representava uma ameaça.
Além de um ótimo filme, “Bonnie and Clyde” é também um grande marco na indústria cinematográfica americana. Com os esforços de Warren Beatty, a direção de Arthur Penn e um roteiro arrojado, o filme ganhou um lugar definitivo na história do cinema, revolucionando Hollywood e abrindo espaço para uma nova geração de talentosos cineastas.
Influenciado pelo cinema europeu, o filme é elegante, ousado e foge dos padrões hollywoodianos da época. Usa de violência gráfica de um jeito nunca feito antes e faz o espectador torcer por um casal que ganha a vida roubando bancos. Tudo em meio a um clima de western, que deixa ainda mais deliciosa a experiência de assistir as aventuras da dupla de criminosos, em ótimas interpretações do cativante Warren Beatty e da bela Faye Dunaway, além de todo o resto do elenco que também está ótimo.
O excelente roteiro criado por David Newman e Robert Benton quase foi dirigido por François Truffaut, mas ele abriu mão do projeto para que Warren Beatty pudesse produzi-lo. Mesmo não participando diretamente do filme, o diretor francês está presente na obra em sua influência sobre Arthur Penn, que se inspira na Nouvelle Vague ao longo de seu ótimo trabalho de direção, cuidadosamente afastando o filme do estilo clássico de Hollywood e o aproximando do cinema europeu de realizadores como Godard e Truffaut.
O filme recebeu 10 indicações ao Oscar, e apesar de ser o grande favorito, venceu apenas na categoria de Melhor Fotografia e Melhor Atriz Coadjuvante com Estelle Parsons. Mas se na época “Bonnie and Clyde” não teve seu devido valor reconhecido por alguns críticos e em premiações, hoje sua importância histórica para o cinema é inegável.
Numa época em que Hollywood era comandada por homens velhos que dominavam a indústria há anos, Warren Beatty e Arthur Penn chegaram para lhes apressar a aposentadoria, criando um filme inovador, que deu início ao que seria a Nova Hollywood, revolucionando um sistema desgastado pelo tempo e abrindo as portas para jovens cineastas com muito a oferecer a uma indústria que necessitava de renovação. E o que seria apenas a morte de Bonnie & Clyde, foi um novo rumo para o cinema americano.
Tão simples quanto encantador. Em seu primeiro trabalho Tarkovsky já mostra grande sensibilidade e alguns traços que iriam caracterizar seus filmes seguintes, assim o diretor cria uma atmosfera hipnotizante em torno da improvável amizade entre um menino violinista e um operador de rolo compressor. O filme é apenas o trabalho de conclusão do curso de cinema de Tarkovsky e, mesmo assim, acabou sendo uma bela obra, que possibilita muitas leituras, políticas e artísticas. Grande estréia do diretor.
Não sou um grande fã de filmes mudos, e não falo isso por preconceito, mas de fato o ritmo desses filmes não me agrada e acabo admirando-os mais pelo seu valor e importância histórica. Foi o que aconteceu com "O Encouraçado Potemkin", o que não é demérito nenhum do filme, apenas gosto pessoal. Contudo, vale a pena assisti-lo, pois Eisenstein consegue inovar na técnica e no conteúdo, criando uma obra de grande importância para a história do cinema. Valeria também só pelo massacre na escadaria de Odessa, o grande momento do filme, com sua melhor e mais famosa cena, que futuramente seria homenageada por Brian De Palma em "Os Intocáveis".
A visão apaixonada de Bertolucci pelo cinema é o grande ponto do filme. Seus personagens carregam a mesma paixão, tornando o filme um prato cheio para quem gosta de referências a grandes obras cinematográficas. O apelo sensual também agrada, e não poderia ser diferente com Eva Green exibindo seu belo corpo nu em diversos momentos. As músicas que fizeram sucesso na época retratada compõe uma ótima trilha sonora e são uma das boas qualidades da obra. Mas o filme se mostra raso em seu desenrolar, deixando a sensação de que falta algo, uma objetividade para o fazer ir além das qualidade já citadas. Bom filme, mas um tanto superestimado.
Poucas vezes o amor foi tão bem retratado no cinema, e nunca de forma tão sútil e ao mesmo tempo tão sensual. Wong Kar-Wai demonstra grande sensibilidade ao abordar o tema e cria um filme que transborda de desejo e paixão. O diretor dá uma aula de cinema, com enquadramentos maravilhosos, uso perfeito da câmera lenta e uma uma mise-en-scène incrível. Tudo em meio a uma belíssima fotografia e ao som de Nat King Cole e músicas latinas, tornando o filme uma experiência audiovisual única e uma obra-prima do cinema moderno.
Curiosidade: Kar-Wai rodou uma cena de sexo entre o casal, mas ele a cortou na versão final do filme. Maggie Cheung não o perdoa por ter feito isso, pois ela disse que é uma das mais belas cenas que ela já viu.
Todo mundo tem um pouco de Leonard Zelig, de mudar sua própria personalidade para tentar se adaptar a diferentes ambientes e situações e poder ser aceito por determinados grupos de pessoas. Woody Allen explora isso perfeitamente em um falso documentário, tão bem feito que no início você chega a acreditar que o personagem realmente existiu e que está diante de uma história verídica. Sendo a própria concepção do filme uma grande brincadeira e se tratando de Woody Allen, humor não poderia faltar. O filme é recheado de momentos hilários, com ótimos diálogos e situações divertidíssimas. Um dos melhores trabalhos de Woody Allen, não só pela reconstrução da época e pelas técnicas de manipulação de imagens, mas principalmente por criar um filme que inicialmente pode parecer simples, quando na verdade esconde uma grande camada de complexidade por trás de suas brilhantes ideias.
Logo que li a sinopse criei grandes expectativas para saber como essa trama tão insana iria funcionar em um filme. E a dupla Charlie Kaufman e Spike Jonze não decepcionou. A vontade do ser humano de ser aquilo que não é, de querer ser uma pessoa diferente, querer ter aquilo que é do outro; tudo isso é muito bem metaforizado em um roteiro brilhante, cheio de reviravoltas e com uma boa dose de humor. Cameron Diaz está irreconhecível, John Cusack em uma de suas melhores atuações e todo o resto do elenco faz bem o seu papel. Spike Jonze consegue conduzir tudo isso de forma segura e muito competente, criando um excelente filme, inteligente e extremamente original.
Grande estréia de Terrence Malick. O diretor une suas belas imagens a um enredo simples e envolvente, onde os jovens personagens de Martin Sheen e Sissy Spacek participam de diversos assassinatos cometidos friamente e mesmo assim o filme nunca perde seu tom poético. Malick mostra alguns traços que iriam caracterizar sua carreira e cria um Bonny e Clyde de visual contemplativo e com um caráter reflexivo. Ótimo filme.
O filme encanta pela qualidade de diversos elementos: direção, roteiro, trilha sonora, direção de arte, fotografia e o elenco, tudo está incrível. A estética característica de Wes Anderson sempre agrada e o diretor consegue criar um bocado de cenas marcantes, mesclando perfeitamente o cômico com o trágico, em um ótimo enredo com personagens peculiares e muito bem construídos. Grande trabalho de Wes Anderson, criando um filme excelente e extremamente cativante.
Os personagens muito bem construídos, a veracidade das atuações e as situações e conflitos criados pelo excelente roteiro dão ao filme um aspecto extremamente real. Com a direção segura de Asghar Farhadi tudo é muito bem conduzido em meio a uma trama completamente envolvente, que ganha força com uma grande carga dramática. O resultado é um ótimo filme e um contundente retrato sociopolítico e cultura do Irã, que se diferencia da estereotipada visão ocidental.
O ritmo arrastado imposto por Lars Von Trier talvez seja intencional para retratar o próprio sentimento de melancolia, mas deixa o filme cansativo e o faz parecer excessivamente longo. As imagens do prólogo são de uma beleza estonteante e outras belas imagens se sucedem ao longo do filme, como na cena final, o que faz com que o seu visual seja a grande qualidade da obra. A trilha sonora também merece destaque, com a composição de Richard Wagner presente em diversos momentos. Lars Von Trier não cria um filme ruim, longe disso, mas também não chega perto da força de seus trabalhos anteriores. Contudo, vale a pena assisti-lo. Senão pelo visual e estilo único do diretor, pela cena com Kirsten Dunst e seus belos seios à contemplar Melancholia.
O povo iraniano tem uma forte relação cultural com seu cinema e Mohsen Makhmalbaf, sem precisar de muitos recursos, consegue explorar isso brilhantemente para criar esse documentário interessantíssimo. O diretor brinca com os candidatos, os manipula e faz exigências quase cruéis, ao passo que diverte o espectador e o faz refletir sobre o que é cinema. Uma grande homenagem ao centenário do cinema, mostrando o poder de fascínio que essa arte exerce sobre as pessoas.
Uma das mais belas e sinceras histórias de amizade retratadas no cinema. Mas o filme vai além desse tema, ele propõe reflexões sobre as relações familiares entre pais e filhos, a transição da infância para a adolescência e consegue passar de forma efetiva todas as suas mensagens. Consegue também mesclar muito bem os momentos descontraídos com os emocionantes, divertindo e comovendo o espectador. Os quatro amigos são mais do que simples crianças, são personagens muito bem construídos. Suas emoções, suas relações familiares e o passado de cada um formam uma personalidade única e complexa. Um ótimo filme, que marcou a infância de muitos e que traz boas recordações dessa fase ao assisti-lo, mesmo que com o passar do tempo as aventuras daqueles garotos se tornem cada vez mais improváveis de acontecerem para uma criança nos dias de hoje.
Oldboy
4.3 2,3K Assista AgoraA trama de mistérios vai se revelando aos poucos ao passo que o diretor vai surpreendendo o público e apresentando cenas de ação e violência incrivelmente bem conduzidas, como uma tortura ao som de Vivaldi. Mas o melhor momento fica mesmo por conta de um longo plano sem cortes, onde o protagonista munido apenas de um martelo enfrenta dezenas de capangas ao longo de um corredor.
Muito bem interpretados por seus respectivos atores e bem desenvolvidos pelo excelente roteiro, protagonista e vilão são também personagens extremamente interessantes, dois homens sedentos por vingança que acabam se tornando vítimas de suas próprias memórias.
O seu desfecho surpreende e confirma o filme como um dos melhores e mais originais da última década. Oldboy esbanja qualidade e justifica o motivo de ter rapidamente se tornado um clássico cultuado por quem gosta de um cinema violento e estilizado. Grande filme, que merece um lugar entre as obras-primas do cinema contemporâneo.
Gravidade
3.9 5,1K Assista AgoraDurante séculos o homem ansiou criar algo que pudesse reproduzir a impressão de realidade, mas como quadros e fotografias não têm movimento, somente com o cinema esse objetivo foi alcançado. A invenção dos irmãos Lumière possibilitou o sonho do movimento, arte e técnica fizeram com que o cinema pudesse criar a reprodução da vida e, desde então, muito foi feito para que isso ficasse cada vez mais real. Os filmes ganharam som, depois cores e muitos usaram e aprimoraram a tecnologia 3D. O que Alfonso Cuarón fez foi pegar esse recurso e elevá-lo ao extremo, transformando “Gravidade” em mais do que um simples filme, em uma experiência cinematográfica única, que durante 90 minutos consegue fazer o espectador crer que é a própria vida que ele está vendo na tela.
Cuarón realiza um incrível plano-sequência inicial e uma sucessão de outros planos tão longos quanto belos, cria cenas de extrema dificuldade técnica e explora o 3D de uma forma nunca feita antes no cinema, tudo para gerar no público uma completa imersão no filme. Assim o diretor consegue fazer com que o espectador se sinta à deriva no espaço junto com os astronautas, perca o ar junto com a Dra. Stone, se mova na cadeira do cinema para desviar de uma chuva de destroços e sinta o desespero dos personagens de uma forma quase palpável. Seja com a câmera estática, com ela acompanhando os movimentos frenéticos de uma estação espacial sendo destruída, ou quando ela se torna subjetiva e coloca o espectador dentro do capacete da Dra. Stone, não importa como, o diretor sempre consegue impressionar o público durante todo o filme.
Esse virtuosismo técnico e o espetáculo visual chegam até a ofuscar as metáforas do filme, porém, mais do que um filme sobre o espaço, “Gravidade” é um filme sobre a vida.
Essa ideia fica clara na belíssima cena em que a personagem de Sandra Bullock entra na câmara de vácuo e seu corpo fica em posição fetal, com cabos simulando um cordão umbilical e a luz ao fundo reforçando a ideia de um útero. Esse é o processo de renascimento que a personagem sofre ao longo do filme, que só acaba em sua última cena, quando ela sai da cápsula que a protege e estabelece contato com o mundo exterior, tendo que reaprender a andar, para poder caminhar em direção a uma nova vida.
Uma trama simplória, amparada por um bom roteiro, que é interpretado de forma excelente por Sandra Bullock e George Clooney e conduzido de forma primorosa por Alfonso Cuarón, resultando em uma experiência única e um deleite audiovisual, contemplativo, tenso e cheio de simbolismos. Resumindo, “Gravidade” é isso. Elogios não faltam e seus pequenos deslizes são quase irrelevantes. O fortíssimo candidato a melhor filme do ano também já surge como um possível novo clássico do cinema moderno, que vale cada minuto e merece ser assistido em 3D e na maior tela possível.
Paris, Te Amo
3.8 453As diferentes visões de cada diretor sobre Paris provocam diferentes emoções e sentimentos ao longo filme, se alternando entre histórias tristes e alegres, mas nunca deixando de falar sobre o amor.
Alguns curtas se destacam e outro são simplesmente descartáveis, mas apesar dessa irregularidade, o saldo é positivo. O filme como um todo agrada e te faz conhecer um pouco de Paris sem nem precisar sair do cinema.
Sobrenatural
3.4 2,4K Assista AgoraO filme começa bem, James Wan soube criar uma boa atmosfera de terror e suspense, assim provocando bons sustos. Mas a partir do segundo ato o filme se compromete totalmente, começa a se explicar demais e adota um tom de terror mais explícito, o que não assusta tanto quanto o terror psicológico do primeiro ato e até soa um tanto quanto ridículo. O final prejudica ainda mais o filme e não deixa a menor vontade de assistir a sua continuação.
Rashomon
4.4 301 Assista AgoraMais do que nos mostrar a incoerência entre as versões contadas por diferentes personagens sobre o mesmo fato, Kurosawa nos propõe uma profunda reflexão sobre a natureza humana. No final já não importa saber qual versão é a verdadeira, mas sim o porquê delas serem diferentes. Tais reflexões emergem em meio a um grande primor técnico e a um incrível trabalho de roteiro e direção de Kurosawa. O resultado é um excelente filme, que justifica a sua fama de ser uma das melhores obras desse diretor brilhante.
Invocação do Mal
3.8 3,9K Assista AgoraClichê? Pode até ser, de fato muitos elementos do gênero estão presentes no filme (boneca possuída, casa mal assombrada, lugar amaldiçoado, possessão demoníaca, exorcismo), mas James Wan sabe usá-los a seu favor, tanto técnica quanto narrativamente, extraindo o máximo de suspense possível e evitando os sustos fáceis.
O filme demora um pouco a começar, pois o diretor cria de forma cuidadosa uma atmosfera extremamente tensa e aterrorizante, que prende o espectador até o final e chega ao seu ápice em um exorcismo que consegue trazer todo o nervosismo dos personagens para o público.
O elenco é competente e consegue gerar a empatia necessária para que o espectador se preocupe com o que vai acontecer aos personagens, algo que é necessário no gênero de terror.
O final prejudica o filme, mas nada que te faça perder o medo de olhar em cima do guarda-roupa. Em um gênero estagnado na mesmice, "Invocação do Mal" aparece para voltar a aterrorizar um público cada vez mais cético. Um filme digno de palmas (ou melhor não).
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas
3.6 196O jeito bem particular de fazer cinema de Apichatpong Weerasethakul e as divergências culturais não permitiram que eu criasse um diálogo com o filme, e o sentimento que eu fiquei foi o de estranhamento com o que aparecia na tela.
A partir de certo momento eu já nem tentava entender o significado de todos os simbolismos, apenas tentei deixar me levar pela viagem contemplativa criada pelo diretor tailandês entre o mundo real e o espiritual. Mas não deu, chegou uma hora em que o ritmo ficou cansativo demais, e eu acabei me distanciando ainda mais do filme.
É interessante conhecer um cinema autoral como o de Apichatpong Weerasethakul e essa experiência audiovisual diferenciada que ele proporciona, mas o fato é que "Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passada" não funcionou comigo.
Encontros e Desencontros
3.8 1,7K Assista AgoraÀs vezes, menos é mais. "Lost in Translation" é um bom exemplo disso. Um filme extremamente cativante, que encanta pela sua sutileza e simplicidade.
Bill Murray e Scarlett Johansson estão em uma das melhores atuações de suas carreiras, e seus personagens são tão humanos e tão bem desenvolvidos que tudo parece sincero e real, gerando uma empatia instantânea com o espectador. A relação dos dois é tão encantadora quanto improvável, e a sensação de estarem perdidos e deslocados, devido ao choque cultural sofrido por eles, é na verdade algo recorrente do momento vivido por ambos em suas vidas amorosa e profissional. O filme acaba e essa sensação permanece — além, é claro, da instigante curiosidade em saber o que Bob disse para Charlotte.
Sofia Coppola mostra maturidade e retrata tudo com uma enorme sensibilidade, criando um ótimo filme, que consegue ser grande em seus pequenos detalhes.
Onde os Homens São Homens
4.0 43 Assista AgoraLogo na introdução, ao mostrar McCabe cavalgando sob uma forte chuva com a música de Leonard Cohen tocando ao fundo, Robert Altman já deixa claro que seu filme não é um western convencional. O diretor foge de alguns clichês do gênero e cria uma hipnotizante atmosfera de melancolia que se sustenta até o final, reforçada excelentemente pelo tom da fotografia e pela trilha sonora composta pelo já citado Leonard Cohen.
Warren Beatty além de interpretar de forma excelente John McCabe, também teria contribuído com o ótimo roteiro, sem ser creditado. Seu personagem é um misterioso jogador que chega a um vilarejo onde tem a fama de ter assassinado um perigoso homem, lá ele monta um bordel em sociedade com Constance Miller, uma cafetina interpretada por Julie Christie. O negócio prospera, mas quando uma grande companhia aparece querendo comprar as propriedades de McCabe, tudo começa a se complicar. É aí que ele tem que mostrar o homem que realmente é.
McCabe está longe de ser um procurado fora da lei, mas o filme me lembra “Pat Garrett & Billy the Kid”, de Sam Peckinpah, que seria lançado dois anos depois. Não só pela trilha sonora que ajuda a compor todo o clima de ambas as obras e que no filme de Peckinpah foi composta por Bob Dylan, que se assemelha ao ritmo de Cohen. Mas, principalmente, pela época retrata nas duas obras. Peckinpah mostra o começo da decadência do Velho Oeste e Altman ambienta seu filme poucos anos após esse período. Uma época onde não há mais lugar para pistoleiros e foras da lei, que estão sendo engolidos pela ascensão do capitalismo e as promessas de desenvolvimento trazidas pelo mesmo, assim tendo todos que se adaptar a essas mudanças.
Ironicamente, o gênero western que entraria em decadência anos depois. E poucas cenas mais de tensão entre pistoleiros seriam tão bem filmadas como Altman fez na perseguição na nave. Mas assim como o gênero, esse trabalho de Altman também serviria de influência para as próximas gerações de cineastas, basta assistir a “Sangue Negro”, do brilhante Paul Thomas Anderson, para perceber a influência do trabalho de Robert Altman.
Mesmo Altman sendo cerca de 20 anos mais velho que alguns cineastas como, por exemplo, Steven Spielberg e George Lucas, ele conseguiu ser um dos grandes representantes da Nova Hollywood, com “M.A.S.H.”, lançado um ano antes, e com este filme, que, mesmo não sendo um sucesso de público e crítica na época, serviu para comprovar o talento e a capacidade do diretor que ainda viria a entregar grandes obras para o cinema.
Cidadão Kane
4.3 990 Assista AgoraÉ natural que hoje em dia o filme não gere um grande impacto e até possa ser considerado superestimado por quem o assiste pela primeira vez e não leva em consideração a sua importância para a história do cinema, afinal, já se passaram 73 anos desde seu lançamento. Mas é, de certa forma, uma injustiça analisá-lo sem levar em conta a época de sua realização. E isso não é uma tarefa difícil de fazer: basta se imaginar dentro de uma sala de cinema em 1941.
Imagine que praticamente todos os filmes contam suas histórias apenas de forma linear e com movimentos de câmera que basicamente se resumem a ir da direita para a esquerda, de cima para baixo, e vice-versa. Assim eram os filmes da época (com raras exceções), e o próprio Cidadão Kane seria assim se não tivesse sido realizado pela mente brilhante de Orson Welles, que logo em seu primeiro filme trata de quebrar com certos moldes do cinema clássico.
O diretor trabalha com a profundidade de campo de modo que talvez somente Mizoguchi tivesse feito até então, explora ângulos de câmera inusitados, usa de uma narrativa não linear e de uma montagem sofisticada, além de apresentar uma grande ousadia no tema retratado. Welles crítica a manipulação da imprensa feita por homens poderosos para alcançar seus próprios interesses e critica a ambição do homem para obter poder e sucesso, o que, nesse caso, resulta em sua solidão, sendo abandonado por aqueles que um dia já amou.
Tudo é contado através de uma biografia disfarçada do poderoso magnata William Randolph Hearst. O excelente roteiro co-assinado por Welles e Herman J. Mankiewicz tem seu fio condutor no mistério em volta da última palavra pronunciada por Charles Foster Kane: “Rosebud”. A busca de um jornalista para solucionar esse mistério é o que leva aos fatos contados através de flashbacks de pessoas que tiveram alguma participação na vida de Kane, desde a sua infância até o seu último segundo de vida. “Rosebud” era como Hearst chamava o clitóris de sua mulher, mas no filme a palavra nada tem a ver com esse significado.
O significado de “Rosebud” só é revelado em uma das últimas imagens do filme. Quando objetos da mansão de Kane estão sendo queimados, a palavra aparece em um trenó, o mesmo da infância de Charles. Tal objeto remete ao momento mais traumático de sua vida: ter sido separado de sua mãe. Ideia que é reforçada pelo fato de Kane estar segurando um globo de neve ao pronunciar “Rosebud”, uma alusão ao clima que fazia no dia em que ele fora separado de sua família. Então, em seus últimos momentos, Kane estaria suplicando por sua mãe, rememorando o momento que mudou sua vida profundamente. Seu último suspiro seria pela falta que lhe fez a figura materna e de arrependimento pela consequente vida que teve. Claro que esta é somente a minha interpretação, apenas uma entre tantas outras que debruçam-se sobre o significado dessa palavra que intriga cinéfilos há mais 70 anos.
Hoje Cidadão Kane é tido por muitos como o melhor filme da história do cinema — algo que nunca será possível definir com precisão. Mas goste-se ou não do filme, sua importância é inegável. Infelizmente, esse reconhecimento só veio com o tempo. Na época de seu lançamento o impacto causado não foi bem aceito, afastando parte do público e recebendo críticas negativas, muito por conta de uma forte campanha de Hearst para proibir a exibição do filme. Assim, a obra mais importante de Orson Welles seria também a sua ruína. O prodígio diretor enfrentaria muitas dificuldades em sua carreira devido ao sistema de produção que dominava a época, sendo refreado em algumas de suas futuras produções. Algo a se lamentar, pois, visto o seu talento, fica a questão: será que Welles poderia ter ido ainda além se lhe tivessem dado recursos com plena liberdade de criação?
Sem Destino
4.0 580 Assista AgoraO sentimento de liberdade é a essência principal que exala durante todo o filme. Isso se mostrar presente logos nos primeiros minutos, quando o Capitão América abandona seu relógio na estrada, e essa ideia ainda é reforçada quando ele diz que não é um “escravo do tempo”. Esse sentimento é quase palpável na viagem sem destino dos personagens em cima de suas motos e em meio a belas paisagens. E essa liberdade só chega ao fim com a interferência da antiga geração, que com sua ignorância em não conseguir entender as atitudes, motivações e sentimentos da nova geração faz com que suas diferenças sejam motivo de represália, pois é humano tender a não gostar daquilo que não conseguimos compreender.
A liberdade também se faz presente na direção de Dennis Hooper, com o cinema de autor ganhando força nas produções americanas e abrindo um leque de possibilidades de criação para o diretor. Isso deixa o filme longe do sistema que dominou Hollywood da década de 30 a década de 60, que foi a ideia do “produtor criativo”, onde o produtor determinava como tudo deveria ser feito. Esse sistema foi invertido, dando liberdade aos diretores, roteiristas e atores. Assim o filme se beneficiou com as qualidades mostradas por seus realizadores e se firmou como um dos grandes representantes da Nova Hollywood.
Peter Fonda teve a ideia do filme e convidou Hooper para a direção devido a sua experiência e habilidade, dando ao diretor uma grande oportunidade. Porém, Hooper enlouqueceu no início das filmagens, tentando tomar o controle de toda a produção e arranjando brigas com toda a equipe. Isso quase provocou a sua demissão. E não à toa as cenas no Mardi Gras — as primeiras a serem gravadas — têm uma aparência amadora em relação ao resto do filme, devido à má preparação e aos ataques de loucura do diretor.
Com os problemas resolvidos e as brigas deixas de lado em prol da produção, o filme seguiu em frente e em sete semanas já estava completamente filmado. O que levou mais tempo foi a sua conclusão. Hooper queria que o filme tivesse quatro horas e meia de duração e somente após muita discussão se chegou a versão com 95 minutos. Na montagem, Hooper optou por não descartar as imperfeições técnicas e usava um método antiquado, pois não tinha conhecimento da técnica desenvolvida por montadores na década de 60, o que resultou na montagem um tanto esquisita do filme, mas que acabou agradando.
A trilha sonora é outra característica marcante do filme e só foi possível graças aos ressentimentos entre Hooper e Fonda. A banda Crosby, Stills & Nash iria compor a trilha sonora do filme, mas como havia sido ideia de Peter, Dennis fez com que isso não acontecesse e a trilha foi formada por sucessos da época, o que não poderia ter sido melhor e fez com que o filme fosse um dos primeiros a usar o rock ‘n’ roll como trilha sonora.
Mais do que um dos maiores clássicos do gênero road-movie e de ter impulsionado as carreiras de Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson, “Easy Rider” se tornou um retrato eficiente de toda uma geração, conseguindo captar os questionamentos e sentimentos que eram vividos na época e apresentando a contracultura para Hollywood. O filme também é competente ao mostrar o preconceito de uma sociedade conservadora em relação uma nova geração, que, como diz o personagem de Jack Nicholson, representava uma ameaça.
Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas
4.0 399 Assista AgoraAlém de um ótimo filme, “Bonnie and Clyde” é também um grande marco na indústria cinematográfica americana. Com os esforços de Warren Beatty, a direção de Arthur Penn e um roteiro arrojado, o filme ganhou um lugar definitivo na história do cinema, revolucionando Hollywood e abrindo espaço para uma nova geração de talentosos cineastas.
Influenciado pelo cinema europeu, o filme é elegante, ousado e foge dos padrões hollywoodianos da época. Usa de violência gráfica de um jeito nunca feito antes e faz o espectador torcer por um casal que ganha a vida roubando bancos. Tudo em meio a um clima de western, que deixa ainda mais deliciosa a experiência de assistir as aventuras da dupla de criminosos, em ótimas interpretações do cativante Warren Beatty e da bela Faye Dunaway, além de todo o resto do elenco que também está ótimo.
O excelente roteiro criado por David Newman e Robert Benton quase foi dirigido por François Truffaut, mas ele abriu mão do projeto para que Warren Beatty pudesse produzi-lo. Mesmo não participando diretamente do filme, o diretor francês está presente na obra em sua influência sobre Arthur Penn, que se inspira na Nouvelle Vague ao longo de seu ótimo trabalho de direção, cuidadosamente afastando o filme do estilo clássico de Hollywood e o aproximando do cinema europeu de realizadores como Godard e Truffaut.
O filme recebeu 10 indicações ao Oscar, e apesar de ser o grande favorito, venceu apenas na categoria de Melhor Fotografia e Melhor Atriz Coadjuvante com Estelle Parsons. Mas se na época “Bonnie and Clyde” não teve seu devido valor reconhecido por alguns críticos e em premiações, hoje sua importância histórica para o cinema é inegável.
Numa época em que Hollywood era comandada por homens velhos que dominavam a indústria há anos, Warren Beatty e Arthur Penn chegaram para lhes apressar a aposentadoria, criando um filme inovador, que deu início ao que seria a Nova Hollywood, revolucionando um sistema desgastado pelo tempo e abrindo as portas para jovens cineastas com muito a oferecer a uma indústria que necessitava de renovação. E o que seria apenas a morte de Bonnie & Clyde, foi um novo rumo para o cinema americano.
O Rolo Compressor e o Violinista
4.0 47Tão simples quanto encantador. Em seu primeiro trabalho Tarkovsky já mostra grande sensibilidade e alguns traços que iriam caracterizar seus filmes seguintes, assim o diretor cria uma atmosfera hipnotizante em torno da improvável amizade entre um menino violinista e um operador de rolo compressor.
O filme é apenas o trabalho de conclusão do curso de cinema de Tarkovsky e, mesmo assim, acabou sendo uma bela obra, que possibilita muitas leituras, políticas e artísticas. Grande estréia do diretor.
O Encouraçado Potemkin
4.2 343 Assista AgoraNão sou um grande fã de filmes mudos, e não falo isso por preconceito, mas de fato o ritmo desses filmes não me agrada e acabo admirando-os mais pelo seu valor e importância histórica. Foi o que aconteceu com "O Encouraçado Potemkin", o que não é demérito nenhum do filme, apenas gosto pessoal. Contudo, vale a pena assisti-lo, pois Eisenstein consegue inovar na técnica e no conteúdo, criando uma obra de grande importância para a história do cinema. Valeria também só pelo massacre na escadaria de Odessa, o grande momento do filme, com sua melhor e mais famosa cena, que futuramente seria homenageada por Brian De Palma em "Os Intocáveis".
Os Sonhadores
4.1 2,0K Assista AgoraA visão apaixonada de Bertolucci pelo cinema é o grande ponto do filme. Seus personagens carregam a mesma paixão, tornando o filme um prato cheio para quem gosta de referências a grandes obras cinematográficas. O apelo sensual também agrada, e não poderia ser diferente com Eva Green exibindo seu belo corpo nu em diversos momentos. As músicas que fizeram sucesso na época retratada compõe uma ótima trilha sonora e são uma das boas qualidades da obra. Mas o filme se mostra raso em seu desenrolar, deixando a sensação de que falta algo, uma objetividade para o fazer ir além das qualidade já citadas. Bom filme, mas um tanto superestimado.
Amor à Flor da Pele
4.3 501 Assista AgoraPoucas vezes o amor foi tão bem retratado no cinema, e nunca de forma tão sútil e ao mesmo tempo tão sensual. Wong Kar-Wai demonstra grande sensibilidade ao abordar o tema e cria um filme que transborda de desejo e paixão.
O diretor dá uma aula de cinema, com enquadramentos maravilhosos, uso perfeito da câmera lenta e uma uma mise-en-scène incrível. Tudo em meio a uma belíssima fotografia e ao som de Nat King Cole e músicas latinas, tornando o filme uma experiência audiovisual única e uma obra-prima do cinema moderno.
Curiosidade: Kar-Wai rodou uma cena de sexo entre o casal, mas ele a cortou na versão final do filme. Maggie Cheung não o perdoa por ter feito isso, pois ela disse que é uma das mais belas cenas que ela já viu.
Zelig
4.2 355Todo mundo tem um pouco de Leonard Zelig, de mudar sua própria personalidade para tentar se adaptar a diferentes ambientes e situações e poder ser aceito por determinados grupos de pessoas. Woody Allen explora isso perfeitamente em um falso documentário, tão bem feito que no início você chega a acreditar que o personagem realmente existiu e que está diante de uma história verídica.
Sendo a própria concepção do filme uma grande brincadeira e se tratando de Woody Allen, humor não poderia faltar. O filme é recheado de momentos hilários, com ótimos diálogos e situações divertidíssimas.
Um dos melhores trabalhos de Woody Allen, não só pela reconstrução da época e pelas técnicas de manipulação de imagens, mas principalmente por criar um filme que inicialmente pode parecer simples, quando na verdade esconde uma grande camada de complexidade por trás de suas brilhantes ideias.
Quero Ser John Malkovich
4.0 1,4K Assista AgoraLogo que li a sinopse criei grandes expectativas para saber como essa trama tão insana iria funcionar em um filme. E a dupla Charlie Kaufman e Spike Jonze não decepcionou.
A vontade do ser humano de ser aquilo que não é, de querer ser uma pessoa diferente, querer ter aquilo que é do outro; tudo isso é muito bem metaforizado em um roteiro brilhante, cheio de reviravoltas e com uma boa dose de humor. Cameron Diaz está irreconhecível, John Cusack em uma de suas melhores atuações e todo o resto do elenco faz bem o seu papel. Spike Jonze consegue conduzir tudo isso de forma segura e muito competente, criando um excelente filme, inteligente e extremamente original.
Terra de Ninguém
3.9 193Grande estréia de Terrence Malick. O diretor une suas belas imagens a um enredo simples e envolvente, onde os jovens personagens de Martin Sheen e Sissy Spacek participam de diversos assassinatos cometidos friamente e mesmo assim o filme nunca perde seu tom poético. Malick mostra alguns traços que iriam caracterizar sua carreira e cria um Bonny e Clyde de visual contemplativo e com um caráter reflexivo. Ótimo filme.
Os Excêntricos Tenenbaums
4.1 856 Assista AgoraO filme encanta pela qualidade de diversos elementos: direção, roteiro, trilha sonora, direção de arte, fotografia e o elenco, tudo está incrível. A estética característica de Wes Anderson sempre agrada e o diretor consegue criar um bocado de cenas marcantes, mesclando perfeitamente o cômico com o trágico, em um ótimo enredo com personagens peculiares e muito bem construídos. Grande trabalho de Wes Anderson, criando um filme excelente e extremamente cativante.
A Separação
4.2 726 Assista AgoraOs personagens muito bem construídos, a veracidade das atuações e as situações e conflitos criados pelo excelente roteiro dão ao filme um aspecto extremamente real. Com a direção segura de Asghar Farhadi tudo é muito bem conduzido em meio a uma trama completamente envolvente, que ganha força com uma grande carga dramática. O resultado é um ótimo filme e um contundente retrato sociopolítico e cultura do Irã, que se diferencia da estereotipada visão ocidental.
Melancolia
3.8 3,1K Assista AgoraO ritmo arrastado imposto por Lars Von Trier talvez seja intencional para retratar o próprio sentimento de melancolia, mas deixa o filme cansativo e o faz parecer excessivamente longo.
As imagens do prólogo são de uma beleza estonteante e outras belas imagens se sucedem ao longo do filme, como na cena final, o que faz com que o seu visual seja a grande qualidade da obra.
A trilha sonora também merece destaque, com a composição de Richard Wagner presente em diversos momentos.
Lars Von Trier não cria um filme ruim, longe disso, mas também não chega perto da força de seus trabalhos anteriores. Contudo, vale a pena assisti-lo. Senão pelo visual e estilo único do diretor, pela cena com Kirsten Dunst e seus belos seios à contemplar Melancholia.
Salve o Cinema
4.3 38O povo iraniano tem uma forte relação cultural com seu cinema e Mohsen Makhmalbaf, sem precisar de muitos recursos, consegue explorar isso brilhantemente para criar esse documentário interessantíssimo. O diretor brinca com os candidatos, os manipula e faz exigências quase cruéis, ao passo que diverte o espectador e o faz refletir sobre o que é cinema.
Uma grande homenagem ao centenário do cinema, mostrando o poder de fascínio que essa arte exerce sobre as pessoas.
Conta Comigo
4.3 1,9K Assista AgoraUma das mais belas e sinceras histórias de amizade retratadas no cinema. Mas o filme vai além desse tema, ele propõe reflexões sobre as relações familiares entre pais e filhos, a transição da infância para a adolescência e consegue passar de forma efetiva todas as suas mensagens. Consegue também mesclar muito bem os momentos descontraídos com os emocionantes, divertindo e comovendo o espectador.
Os quatro amigos são mais do que simples crianças, são personagens muito bem construídos. Suas emoções, suas relações familiares e o passado de cada um formam uma personalidade única e complexa.
Um ótimo filme, que marcou a infância de muitos e que traz boas recordações dessa fase ao assisti-lo, mesmo que com o passar do tempo as aventuras daqueles garotos se tornem cada vez mais improváveis de acontecerem para uma criança nos dias de hoje.