Às vezes, nós só temos que aceitar o fato de que um filme foi capaz de nos proporcionar tanta emoção de imediato que qualquer definição a ele soaria reducionista. Só posso dizer que, se a atuação da Giulietta Masina não é a melhor que eu já vi, é a mais poderosa e expressiva, sem precisar provar nada e nem se utilizar de nenhum método para atingir o espectador, só com simplicidade e espontaneidade. A câmera a acompanha o tempo todo e sempre parece estar registrando o desconhecido. Não dá para saber como ela reagirá, nos mínimos detalhes, a nenhum acontecimento. Então é como se ela permitisse que passeássemos por suas emoções.
Desde que a quarentena começou (e eu consigo visualizar bem os momentos de transição), eu comecei a enxergar a vida da mesma forma com a qual o protagonista de Morangos Silvestres, o renomado médico Isak Borg, enxerga: se colocando literalmente no centro de ação, como agente principal de suas próprias memórias (que não fazem parte só do passado, uma vez que o presente é uma ponte para construí-las, e o futuro um dia também será uma lembrança), imagens ora calorosas, ora sombrias, sempre trazendo espectros do que foi deixado de lado, do que foi subvalorizado. Poderia ser um gesto egoísta, mas as pessoas sempre vêm ao seu alcance, como um guia para que ele entre em contato consigo e explore a vida.
Para ser mais específico em meu registro, eu fui acometido por essa sensação a partir de abril do ano passado. Comecei a acordar cedo, aprendi a diferenciar introspecção e solidão de tristeza (antes, eu achava que um era complemento do outro, mas hoje eu percebo que estou só, mas satisfeito e estável, e muito disso foi adquirido com a maturidade) e também comecei a usufruir das relações interpessoais de um jeito mais saudável, sem me favorecer de ninguém e dando apenas o que eu posso oferecer. A vida passou a ser mais serena. Isso que o protagonista sente de ativar aquele cantinho especial das tardes ensolaradas de infância, em que sua larga família colhia morangos e se reunia para almoçar ou jantar juntos, eu também sinto. Minha cabeça gira como em uma linha do tempo, indo de um período a outro de minha trajetória sem nunca me deixar tonto ou enjoado.
Assim como ele possui seus fantasmas e o constante medo de ser julgado, do qual ninguém está 100% imune, eu também tenho muita coisa mal resolvida comigo e até com outras pessoas, mas são dívidas das quais eu não conseguirei dar conta agora e, talvez, nunca. E tudo bem, sabe, a gente faz o que a gente pode. O passado é um só, por isso as pessoas costumam imaginar que, no fim da vida, terão a oportunidade de vivenciar tudo de novo só com o poder da mente. Na "Hora H", todas as pessoas que você conheceu na vida estão interligadas, é quase como elas se conhecessem graças a você. Então, por mais clichê que seja dizer isso, somos responsáveis por nossas trajetórias. As pessoas vêm e voltam, mas se não entendermos que é saudável ser só, contemplar a natureza e todas as outras coisas exatamente como são, e abrir um pouco a janela para emanar paz (para dentro e para fora de si), a solidão dará lugar a uma tristeza profunda. A dor muitas vezes não pode ser evitada, mas pode ser amenizada. Como tudo aquilo que nos assombra.
Planos de uma vida, como qual faculdade uma jovem fará, qual carreira seguirá e como encarar uma série de fatos desagradáveis que podem atrapalhar um pouco a previsibilidade com que conduzimos nossas escolhas, não cabem em um intervalo de poucas horas, e muito menos nos cômodos apertados de um casa cheia de gente, em uma cerimônia ritualística ajustada para 77 minutos, mas que mais parece durar um dia (acredito que essa era a intenção, pelo grau de aflição envolvido).
Shiva Baby é filmado e montado sob a premissa de que a atenção do público deve recair sobre as reações da protagonista Danielle às notícias que recebe, e é tudo meticulosamente planejado pela diretora Emma Seligman para que você sinta o filme à flor da pele, no ritmo dela. Personagens aleatórias são inseridas na história a todo instante, sem pedir passagem, apenas para preencher a cota de constrangimento e ampliar a caricatura exposta. Tem uma cena emblemática em que seus pais e Max, seu sugar daddy, estão conversando (óbvio que seria sobre algo bombástico), e apesar de estarmos ouvindo-os, eles estão fora de foco, porque tudo já está esquematizado, todas as respostas foram dadas nas expressões de Danielle. A princípio, parece que a câmera é indecisa, não sabe direito o que filma, mas é justamente essa confusão que a dá um norte. Faz efeito? Faz. Poderia ser um pouco menos calculado? Também. Mas gostei do filme, principalmente do tom alcançado no final (eu tinha fortes suspeitas que iria terminar por aquele caminho: um respiro para concluir bem), que é sutil e bonito.
P.S.: Eu geralmente adoro reuniões em família, ao contrário da Dani, mas já presenciei algumas que foram um verdadeiro teste de ansiedade para mim. Então consigo entender a motivação do filme, até mais do que a execução.
Dei play pela Michelle Williams. Fiquei pelo elenco todo (especialmente pela Patricia Clarkson). É bem simplezinho de um jeito encantador, sobre os grandes prazeres escondidos nas pequenas coisas, e vice-versa. Aqui, é justamente a fragilidade emocional que proporciona força às personagens. A história poderia descambar facilmente para um romance superficial, mas isso não ocorre nem com o núcleo da Olivia, interpretada pela Patricia, e nem com o núcleo da Emily, interpretada pela Michelle. É muito mais sobre as diferentes formas de companheirismo, aquele que realmente supre a solidão.
Único problema desses filmes que se passam em cidade pequena, onde se cria um senso de comunidade entre seus habitantes, é que trazem um olhar muito romantizado desse tipo de vida e dessa vivência. As situações aqui fora provavelmente não seriam tão esperançosas. Aliás, boa palavra para definir o filme: esperança.
Não assisti tentativas mais recentes de incursão de Guy Ritchie no cinema mainstream, como "Aladdin" e "Rei Arthur", mas, pelo menos pelo primeiro "Sherlock Holmes", não dá para dizer que o diretor fugiu muito de seu estilo tradicional, sempre muito ágil e espertinho. Isso pode ser exemplificado pelos usos execessivos (mas sempre com propósitos definidos) da câmera lenta e do flashback que vêm acompanhados de uma explanação em forma de sacadinha, com observações perspicazes feitas pelo protagonista (a escolha do Robert Downey Jr. é brilhante, ainda mais porque seu potencial para papeis sarcásticos estava a todo vapor com "Iron Man"). O abuso desse estilo às vezes me tira um pouco do filme, mas entendo que é muito particular do universo construído.
P.S.: Mark Strong e Stanley Tucci são a mesma pessoa (um filme com ambos é capaz de bugar o cérebro) e executam muito bem papeis de vilões, daqueles bem malvados, sem piedade no coração. O Lorde Blackwood de Strong me lembrou um pouco o Lorde Valdemort de Ralph Fiennes em "Harry Potter".
Gus Van Sant sempre flertou entre o cinema underground e o comercial (na maioria das vezes, ao mesmo tempo), mas aqui ele ligou o "modo aleatório" pela primeira vez na carreira. Contando com atores e atrizes que já eram vistos com frequência nos outros filmes do diretor, como Keanu Reeves e qualquer membro da família Phoenix (o filme é creditado a River e tem participação de Rain), mas também outros que eram conhecidos justamente por serem outsiders na indústria, sempre interpretando personagens diferentes, como John Hurt e Crispin Glover, "Até que as Vacas Fiquem Tristes" até possui mensagens importantes, relacionadas ao ativismo pelo direito dos animais e à boa abordagem do relacionamento das duas protagonistas, mas, no geral, é simplesmente muito peculiar (em um sentido positivo, de ser único mesmo) para que alguém realmente tome aquilo como base para algo. Tanto que tem uma cena em que o rosto do Keanu Reeves aparece em um formato gigante estampando o céu. Hahahaha.
"Estou certo de que você valoriza o delicado equilíbrio que mantenho entre os tremores de beber pouco e o abismo de beber muito."
"Eu escolho o inferno. O inferno é o meu habitat natural."
Um filme sobre viver sob um estado de dormência constante, em que a pessoa continua agiando e falando em doses regulares, mas sem sentir nada, como se estivesse anestesiada. É sobre beber até cair muitas e muitas vezes, sendo essa a única maneira de ficar sóbrio. O final deixa um pouco a desejar porque abdica do poderoso filme que vinha se formando sobre alcoolismo e relacionamento (um diretamente ligado ao outro) e se transforma
Apesar do teor ficcional e de conter características de um típico "body horror", "A Face do Outro" é muito mais sobre as implicações éticas e filosóficas de viver uma vida dupla, escondido, sempre às custas dos outros (daí o título). Ou seja, é muito mais debatido e discutido do que encenado, vivido. Mesmo que o tema principal seja a questão identitária, ainda consegue manter aquele ar boêmio, de novidade, frescor, típico da Nouvelle Vague.
Dentro do escopo das inúmeras reflexões que "Slacker" propõe, todos os monólogos, diálogos e discussões são retratados como pertencentes a "pedaços de realidade", e não integram uma unidade narrativa delimitada. As personagens não possuem nomes e não são suas escolhas que conduzem a trama, mas justamente as não-escolhas. É o que elas deixam de fazer que permite que os outros façam (ou, nesse caso, falem). O percurso todo não tem saída, só passagem de ida. O filme vai acumulando ideias e pessoas quase de modo aleatório. Uma participação precede a outra, como se cada interação, mais do que um momento de tédio, fosse um intervalo para que um fato inédito surja, através da espera, da expectativa que se rompe. Me lembrou muito o "Estranhos no Paraíso", do Jarmusch, apesar de a estrutura ser diferente.
"Sonhos não têm limites. O espírito se libertará das limitações do corpo e gozará de liberade infinita!"
A verdade só pode ser plenamente alcançada através da ficção. Me lembrou o refrão da música "Car", do Built to Spill, em que é dito "I wanna see movies of my dreams", repetidamente, até que a frase torne-se um mantra. O filme tem seus defeitos aqui e ali, mas, em comparação com "Inception", é muito mais ousado, surreal e hipnótico. Bem menos cerebral e mais intuitivo. Valeu para matar a curiosidade.
É muito bom rever um filme que embalou a sua infância com o olhar amadurecido e perceber que você segue sendo uma criança enfeitiçada por ele quando o vê. Eu nunca liguei muito para filmes de heróis, sabe. Não por ceticismo ou por querer ser a pessoa mais descolada do rolê, mas simplesmente por falta de interesse. Quer dizer, até o começo dos anos 2000, mais especificamente até eu completar 10 anos, eu via quase todos os filmes no cinema, como foi o caso dos dois primeiros do Homem-Aranha. Eu deixei de acompanhar depois, a partir dessa saga mais recente que se instalou.
O que ficou foi o frescor daquele momento único na história: Harry Potter, Frodo do Senhor dos Aneis, Peter Parker... Toda uma leva nova de heróis sendo levada às telas ao mesmo tempo. Personagens que não tinham uma grande força e nem eram justiceiros. Eram carismáticos, tinham bom coração/ingenuidade e, fisicamente, eram até meio franzinos. Fora das telas, eu confundo Daniel Radcliffe, Elijah Wood e Tobey Maguire, apesar da diferença de idade.
Por ter sido feito no começo da década, o filme de Sam Raimi tem escolhas curiosas, como algumas pontas inusitadas (Octavia Spencer e Bruce Campbell, o Ash de Evil Dead, aparecem na cena em que nosso herói, ainda em fase primitiva, vai tentar carreira por uma noite no mundo da luta-livre), momentos à la Tim Burton (Danny Elfman na trilha sonora, empresários que são explodidos até vermos só seus esqueletos, e o jeitão cartunesco de toda a adaptação), Willem Dafoe, o ator mais expressivo do mundo, vivendo um vilão mascarado... Enfim, a lista é longa, eu poderia passar a manhã citando.
Mas o que mais me chamou a atenção de toda essa onda de nostalgia é que, ontem, ao rever o primeiro filme pela milésima vez (sempre em períodos espaçados, o que me faz esquecer de alguns detalhes e me surpreender mais e mais a cada revisitada), eu fui despertado pelo olfato mais importante dos meus 6, 7 anos: na cena em que o Peter usa a teia de aranha pela primeira vez e testa seu efeitos em postes e em prédios, eu vi, em flashes que tinham o mesmo tempo de duração daquele momento fílmico, todas as vezes em que, aqui em casa, eu me diverti com o brinquedo que simulava a teia do nosso aracnídeo preferido. O brinquedo basicamente consistia de um spray que soltava espuma, mas tinha um aroma específico. Acho que era de infância mesmo. Depois dizem que cinema não tem cheiro...
A estética "acizentada" do James Wan, sem cor e sem vida, faz seu filme parecer um produto encomendado para a tevê, mas não de um jeito sofisticado, como muitos thrillers e obras de horror do fim dos anos 90/começo dos 2000, e, sim, de um jeito limitado e genérico. Quando o filme tem apenas 90 minutos e soa mais longo que sua duração, é preocupante. Não tem simplesmente nada de minimamente atraente nele.
O final, com as reconstituições dos fatos que nos fazem enxergar o grande culpado por trás da situação, e como tudo coincidiu para chegar naquele momento da narrativa, é cria de Jogos Mortais, mas sem o mesmo ar de novidade ou frescor.
quando abraça de vez o "fator redenção", tão presente em filmes como "feitiço do temp" e "a felicidade não se compra", é um primor. quando tenta ser cínico e espertinho, é bobinho. definição dos últimos 20 minutos: bunitinhu 🥰
acho que realmente não há muito o que reclamar desse filme: ele é coeso e cumpre com perfeição aquilo que se propõe. ao contrário de muitos retratos de uma geração, ele não se faz de excessos, mas justamente os apara. o contexto é os anos 80, mas, se você já vai usar músicas da época e decorar o quarto inteiro da protagonista adolescente com cartazes e fotos de bandas e artistas da década, não é preciso dizer mais nada. ou seja, a referência se encaminha sozinha, muita coisa é percebida pelo público devido ao seu próprio olhar nostálgico, seja de quem vivenciou ou de quem escutou/leu sobre a época. como a marina disse, não é um filme para ninguém em específico. é um filme sobre pessoas, que foram jovens, que são jovens, ou que não são, mas ainda se consideram. simples assim, mas caloroso o bastante para envolver qualquer um.
modo "corpos ardentes" de operação: história de detetive com uma abordagem para lá de burocrática, que segue todas as cartilhas do gênero de como construir tensão de um modo convencional. o momento mais inspirado do filme não envolve, em absolutamente nada, a trama principal: é a cena em que a personagem do robert de niro come um ovo. conhecendo ele, imagino até que a ideia tenha sido concebida como um truque, um improviso, e não algo previsto no roteiro. a cena de sexo, completamente brutal e surreal, entre mickey rourke e lisa bonet, chega perto. o filme tem ótimos momentos isolados, mas, como um todo, a conta não fecha.
a sensação é de que tudo é muito encardido, da caracterização das personagens às próprias escolhas estéticas: o clima é de pessimismo e desolação, e faz muito, mas muito calor. todo mundo está sempre ou muito preocupado ou completamente desolado. é uma pena que alguns aspectos do roteiro não tenham envelhecido muito bem, como o retrato estereotipado (já reproduzido muitas vezes antes) de new orleans.
eu preferia ter visto esse filme numa reprise de algum canal da tv aberta do que vê-lo com uma continuidade na tela do meu pc. sinceramente, esperava mais. para mim, é um sub-produto dos anos 80, um filme comum (como foram as carreiras de alan parker e lawrence kasdan em geral).
não tem nada mais cinematográfico do que dar voz a pessoas que não só parecem personagens, com histórias pitorescas e vivências particulares, como também moram em um bairro que se assemelha a um cenário de filme. devido à presença de agnès e sua câmera, sempre atenta aos arredores da região, do padeiro ao cabeleiro, do mágico à artesã, todos se acostumaram a ter seu espaço. o papel dela, aqui, mal se concentra em dirigir, porque eu diria que sua função se aproxima mais à de uma mediadora da vida, que se encaminha e entrelaça sozinha. é através da repetição que ela ganha forma e, a partir daí, é gerado ritmo.
"ninguém tem tempo para ser vulnerável, então seguimos em frente. vestimos uma armadura que nos protege e agimos automaticamente."
o problema de cassavetes, o "x da questão" de seus filmes, nunca foi cinematográfico, como ele mesmo disse: sempre foi humano. seguindo sua lógica, cada filme é muito particular porque, apesar de ele dirigir e escrever o roteiro, como os gestos e as falas de cada personagem serão expressados e reproduzidos já não é algo que lhe diz tanto respeito. cabe a ele, sim, filmá-los, enquadrá-los, às vezes até bem de perto (como no caso desse filme), suscitando sorrisos em forma de gargalhada, choros desmedidos e, quando há um respiro no estudo dos rostos, danças e acrobacias espontâneas. essa dinâmica de criar uma estrutura básica para o filme e deixá-lo ganhar vida através do trabalho em equipe, da "gestação" de uma relação que passou por altos e baixos, que iam de dificuldades financeiras a entraves técnicos, fez com que o filme se tornasse mais do que uma obra cinematográfica, mas um estilo de vida, um sentimento contra a autoridade que restringe todas as gargalhadas, todos os choros, todos os improvisos e todos os comandos seguidos em um set de filmagem que se vê por aí. por três anos, essas pessoas se conheceram, e a câmera de cassavetes a seguia, como se ele só pudesse filmar uma única obra pelo resto da vida, fosse refém das faces que acompanha, e elas eternizadas por ele.
os filmes de cassavetes são construídos em paralelo à formação do olhar do público em relação a eles. são experiências longas, até cansativas, não apenas na duração física, mas também porque esse "tempo real" é dilatado no psicológico, na força emocional que seus protagonistas carregam. eles estão sempre se reinventando, porque cada cena exige deles uma nova condição, um novo estado de espírito. acaba sendo um desafio mútuo, para a personagem e para o ator ou a atriz. a myrtle de gena rowlands procura a primeira mulher a ocupar seu corpo, para se conformar com a segunda, mas também precisa atender a demanda da própria atriz (rowlands), que interpreta uma atriz vivendo uma personagem. várias mulheres encarnam o mesmo corpo, em diferentes funções.
"que triste papel desempenhei em sua vida... é como se eu não fosse seu marido. como se nunca tivéssemos vivido como marido e mulher. com o que você se parecia, então? para mim, seu rosto ainda é belo, mas não é mais o mesmo rosto pelo qual michael furey bravamente morreu. por que estou sentindo toda essa emoção? qual terá sido a causa? sua impassibilidade quando beijei sua mão? a festa de minhas tias? meu próprio discurso tolo? o vinho? o baile? a música? pobre tia júlia, com sua expressão pálida e magra enquanto cantava "vestida para a boda". logo ela será uma sombra junto à de patrick moran e sua casa. talvez logo estarei naquele mesmo quarto, vestido de negro. as persianas fechadas, buscarei em minha mente palavras de consolo, e só encontrarei palavras vazias e inúteis. sim, isso acontecerá muito em breve.
sim, os jornais têm razão: a neve cai em toda irlanda, caindo em toda parte da escura planície central, nas colinas sem árvores, no pântano de allen, e, mais ao oeste, seguindo suavemente, dentro das escuras e mudas ondas de shannon.
um a um todos nos convertemos em sombras. melhor passar bravamente para o outro mundo cheio de glória e paixão do que ir apagando-se pouco a pouco, murchando com a idade. durante quanto tempo você ocultou em seu coração a imagem dos olhos de seu amante quando disse que não queria viver? eu jamais senti isso por qualquer mulher, mas sei que um sentimento assim deve ser amor. pense em todas as pessoas que existiram desde o princípio dos tempos. eu, transeunte como elas, também me apego inutilmente ao seu mundo cinza. como tudo ao meu redor, este mundo tão sólido, no qual construíram e viveram está minguando e dissolvendo-se. cai a neve. cai nesse cemitério solitário onde jaz michael furey. cai debilmente no universo, e cai debilmente, como o final inevitável sobre todos os vivos e mortos."
o tipo de filme que quer que você pense nele como algo super original, quando, na verdade, seu conceito é espremido de praticamente todos os filmes que questionam a noção de realidade, de "o show de truman" a "feitiço do tempo", passando por "jogador número 1", mas sob uma embalagem extremamente genérica e uma condução boba. por outro lado, é muito divertido em sua proposta fake, então cumpre seu propósito e provavelmente fará sucesso.
simplesmente o filme mais carismático de todos! geralmente, nos filmes em que john wayne atua, seu protagonismo é solitário, ele representa a iconografia do herói de poucas palavras, meio enferrujado, e a ação se desdobra em ambientes externos, na imensidão do deserto. rio bravo, ao contrário, é um filme em que howard hawks se apropria do espaço como quem dirige um filme de guerra, baseado na articulação e na espera: como num trabalho em equipe, há a dinâmica de atacar e ficar na retaguarda, intercalando as posições. lugares como quartos de hoteis e celas de cadeia são utilizados como ambientes onde se traça estratégia, com muita música e muito bom humor (do qual se encarregam dean martin, ricky nelson e walter brennan). deveria ser obrigatório nas listas de "filmes de camaradagem": perfeito para ver tomando umas cervejas em um sábado à noite.
"esta coisa incrível, que uma jovem moça deve atravessar o oceano, passar do velho mundo para o novo mundo, para se juntar ao seu amante, isso eu cumprirei"
um filme moderno deslocado no tempo e no espaço, disfarçado de obra de época do século XIX, assim como a própria adèle, uma mulher avulsa ao contexto em que vive. por onde quer que ela vá, carrega consigo os mesmos costumes e o mesmo modo de se vestir e de se comunicar, sempre com muito anseio, muita aflição. ela atravessa continentes como quem estivesse trafegando entre o presente e o passado, sem perspectiva de futuro. uma personagem com tamanha mobilidade narrativa que, após um tempo, passa despercebida, de tanto que se desgastou.
eu estava gostando desse filme com algumas ressalvas, aí vieram os últimos 40 minutos, como uma avalanche, que me desestabilizaram totalmente e me fizeram amá-lo. e isso que já vi quase tudo do scorsese.
apesar de não ser propriamente uma biopic, se comporta como uma durante mais da metade de sua duração, até o terço final. até lá, é uma história de ascensão e queda, como tantas outras que o diretor filmaria depois (a condução da carga dramática da história me lembra touro indomável), com de niro, no papel de jimmy, no "modo marido abusador", que seria reprisado tantas e tanras vezes durante sua carreira.
de uma hora para outra, scorsese rompe com a narrativa que vinha sendo mostrada e abraça totalmente o lado performático da história, transformando o que era um drama com fundo musical em um musical com fundo dramático, um verdadeiro espetáculo maneirista. esse é o momento de liza minnelli (sua francine é uma das principais personagens femininas que o diretor já retratou), o filme passa a ser dela. de niro torna-se um mero figurante. o final é a cereja do bolo, e tenho certeza que a maioria queria (ou esperava) algo diferente.
Noites de Cabíria
4.5 382 Assista AgoraÀs vezes, nós só temos que aceitar o fato de que um filme foi capaz de nos proporcionar tanta emoção de imediato que qualquer definição a ele soaria reducionista. Só posso dizer que, se a atuação da Giulietta Masina não é a melhor que eu já vi, é a mais poderosa e expressiva, sem precisar provar nada e nem se utilizar de nenhum método para atingir o espectador, só com simplicidade e espontaneidade. A câmera a acompanha o tempo todo e sempre parece estar registrando o desconhecido. Não dá para saber como ela reagirá, nos mínimos detalhes, a nenhum acontecimento. Então é como se ela permitisse que passeássemos por suas emoções.
Morangos Silvestres
4.4 658Desde que a quarentena começou (e eu consigo visualizar bem os momentos de transição), eu comecei a enxergar a vida da mesma forma com a qual o protagonista de Morangos Silvestres, o renomado médico Isak Borg, enxerga: se colocando literalmente no centro de ação, como agente principal de suas próprias memórias (que não fazem parte só do passado, uma vez que o presente é uma ponte para construí-las, e o futuro um dia também será uma lembrança), imagens ora calorosas, ora sombrias, sempre trazendo espectros do que foi deixado de lado, do que foi subvalorizado. Poderia ser um gesto egoísta, mas as pessoas sempre vêm ao seu alcance, como um guia para que ele entre em contato consigo e explore a vida.
Para ser mais específico em meu registro, eu fui acometido por essa sensação a partir de abril do ano passado. Comecei a acordar cedo, aprendi a diferenciar introspecção e solidão de tristeza (antes, eu achava que um era complemento do outro, mas hoje eu percebo que estou só, mas satisfeito e estável, e muito disso foi adquirido com a maturidade) e também comecei a usufruir das relações interpessoais de um jeito mais saudável, sem me favorecer de ninguém e dando apenas o que eu posso oferecer. A vida passou a ser mais serena. Isso que o protagonista sente de ativar aquele cantinho especial das tardes ensolaradas de infância, em que sua larga família colhia morangos e se reunia para almoçar ou jantar juntos, eu também sinto. Minha cabeça gira como em uma linha do tempo, indo de um período a outro de minha trajetória sem nunca me deixar tonto ou enjoado.
Assim como ele possui seus fantasmas e o constante medo de ser julgado, do qual ninguém está 100% imune, eu também tenho muita coisa mal resolvida comigo e até com outras pessoas, mas são dívidas das quais eu não conseguirei dar conta agora e, talvez, nunca. E tudo bem, sabe, a gente faz o que a gente pode. O passado é um só, por isso as pessoas costumam imaginar que, no fim da vida, terão a oportunidade de vivenciar tudo de novo só com o poder da mente. Na "Hora H", todas as pessoas que você conheceu na vida estão interligadas, é quase como elas se conhecessem graças a você. Então, por mais clichê que seja dizer isso, somos responsáveis por nossas trajetórias. As pessoas vêm e voltam, mas se não entendermos que é saudável ser só, contemplar a natureza e todas as outras coisas exatamente como são, e abrir um pouco a janela para emanar paz (para dentro e para fora de si), a solidão dará lugar a uma tristeza profunda. A dor muitas vezes não pode ser evitada, mas pode ser amenizada. Como tudo aquilo que nos assombra.
Shiva Baby
3.8 261 Assista AgoraPlanos de uma vida, como qual faculdade uma jovem fará, qual carreira seguirá e como encarar uma série de fatos desagradáveis que podem atrapalhar um pouco a previsibilidade com que conduzimos nossas escolhas, não cabem em um intervalo de poucas horas, e muito menos nos cômodos apertados de um casa cheia de gente, em uma cerimônia ritualística ajustada para 77 minutos, mas que mais parece durar um dia (acredito que essa era a intenção, pelo grau de aflição envolvido).
Shiva Baby é filmado e montado sob a premissa de que a atenção do público deve recair sobre as reações da protagonista Danielle às notícias que recebe, e é tudo meticulosamente planejado pela diretora Emma Seligman para que você sinta o filme à flor da pele, no ritmo dela. Personagens aleatórias são inseridas na história a todo instante, sem pedir passagem, apenas para preencher a cota de constrangimento e ampliar a caricatura exposta. Tem uma cena emblemática em que seus pais e Max, seu sugar daddy, estão conversando (óbvio que seria sobre algo bombástico), e apesar de estarmos ouvindo-os, eles estão fora de foco, porque tudo já está esquematizado, todas as respostas foram dadas nas expressões de Danielle. A princípio, parece que a câmera é indecisa, não sabe direito o que filma, mas é justamente essa confusão que a dá um norte. Faz efeito? Faz. Poderia ser um pouco menos calculado? Também. Mas gostei do filme, principalmente do tom alcançado no final (eu tinha fortes suspeitas que iria terminar por aquele caminho: um respiro para concluir bem), que é sutil e bonito.
P.S.: Eu geralmente adoro reuniões em família, ao contrário da Dani, mas já presenciei algumas que foram um verdadeiro teste de ansiedade para mim. Então consigo entender a motivação do filme, até mais do que a execução.
O Agente da Estação
3.8 58Dei play pela Michelle Williams. Fiquei pelo elenco todo (especialmente pela Patricia Clarkson). É bem simplezinho de um jeito encantador, sobre os grandes prazeres escondidos nas pequenas coisas, e vice-versa. Aqui, é justamente a fragilidade emocional que proporciona força às personagens. A história poderia descambar facilmente para um romance superficial, mas isso não ocorre nem com o núcleo da Olivia, interpretada pela Patricia, e nem com o núcleo da Emily, interpretada pela Michelle. É muito mais sobre as diferentes formas de companheirismo, aquele que realmente supre a solidão.
Único problema desses filmes que se passam em cidade pequena, onde se cria um senso de comunidade entre seus habitantes, é que trazem um olhar muito romantizado desse tipo de vida e dessa vivência. As situações aqui fora provavelmente não seriam tão esperançosas. Aliás, boa palavra para definir o filme: esperança.
Sherlock Holmes
3.8 2,2K Assista AgoraNão assisti tentativas mais recentes de incursão de Guy Ritchie no cinema mainstream, como "Aladdin" e "Rei Arthur", mas, pelo menos pelo primeiro "Sherlock Holmes", não dá para dizer que o diretor fugiu muito de seu estilo tradicional, sempre muito ágil e espertinho. Isso pode ser exemplificado pelos usos execessivos (mas sempre com propósitos definidos) da câmera lenta e do flashback que vêm acompanhados de uma explanação em forma de sacadinha, com observações perspicazes feitas pelo protagonista (a escolha do Robert Downey Jr. é brilhante, ainda mais porque seu potencial para papeis sarcásticos estava a todo vapor com "Iron Man"). O abuso desse estilo às vezes me tira um pouco do filme, mas entendo que é muito particular do universo construído.
P.S.: Mark Strong e Stanley Tucci são a mesma pessoa (um filme com ambos é capaz de bugar o cérebro) e executam muito bem papeis de vilões, daqueles bem malvados, sem piedade no coração. O Lorde Blackwood de Strong me lembrou um pouco o Lorde Valdemort de Ralph Fiennes em "Harry Potter".
Até as Vaqueiras Ficam Tristes
2.6 34Gus Van Sant sempre flertou entre o cinema underground e o comercial (na maioria das vezes, ao mesmo tempo), mas aqui ele ligou o "modo aleatório" pela primeira vez na carreira. Contando com atores e atrizes que já eram vistos com frequência nos outros filmes do diretor, como Keanu Reeves e qualquer membro da família Phoenix (o filme é creditado a River e tem participação de Rain), mas também outros que eram conhecidos justamente por serem outsiders na indústria, sempre interpretando personagens diferentes, como John Hurt e Crispin Glover, "Até que as Vacas Fiquem Tristes" até possui mensagens importantes, relacionadas ao ativismo pelo direito dos animais e à boa abordagem do relacionamento das duas protagonistas, mas, no geral, é simplesmente muito peculiar (em um sentido positivo, de ser único mesmo) para que alguém realmente tome aquilo como base para algo. Tanto que tem uma cena em que o rosto do Keanu Reeves aparece em um formato gigante estampando o céu. Hahahaha.
À Sombra do Vulcão
3.7 21"Estou certo de que você valoriza o delicado equilíbrio que mantenho entre os tremores de beber pouco e o abismo de beber muito."
"Eu escolho o inferno. O inferno é o meu habitat natural."
Um filme sobre viver sob um estado de dormência constante, em que a pessoa continua agiando e falando em doses regulares, mas sem sentir nada, como se estivesse anestesiada. É sobre beber até cair muitas e muitas vezes, sendo essa a única maneira de ficar sóbrio. O final deixa um pouco a desejar porque abdica do poderoso filme que vinha se formando sobre alcoolismo e relacionamento (um diretamente ligado ao outro) e se transforma
em uma trama de aventura comum em que o estrangeiro é a vítima. Mas, não tinha jeito: John Huston era muito bom no que fazia.
A Face do Outro
4.2 60Apesar do teor ficcional e de conter características de um típico "body horror", "A Face do Outro" é muito mais sobre as implicações éticas e filosóficas de viver uma vida dupla, escondido, sempre às custas dos outros (daí o título). Ou seja, é muito mais debatido e discutido do que encenado, vivido. Mesmo que o tema principal seja a questão identitária, ainda consegue manter aquele ar boêmio, de novidade, frescor, típico da Nouvelle Vague.
Slacker
3.6 89Dentro do escopo das inúmeras reflexões que "Slacker" propõe, todos os monólogos, diálogos e discussões são retratados como pertencentes a "pedaços de realidade", e não integram uma unidade narrativa delimitada. As personagens não possuem nomes e não são suas escolhas que conduzem a trama, mas justamente as não-escolhas. É o que elas deixam de fazer que permite que os outros façam (ou, nesse caso, falem). O percurso todo não tem saída, só passagem de ida. O filme vai acumulando ideias e pessoas quase de modo aleatório. Uma participação precede a outra, como se cada interação, mais do que um momento de tédio, fosse um intervalo para que um fato inédito surja, através da espera, da expectativa que se rompe. Me lembrou muito o "Estranhos no Paraíso", do Jarmusch, apesar de a estrutura ser diferente.
Paprika
4.2 504 Assista Agora"Sonhos não têm limites. O espírito se libertará das limitações do corpo e gozará de liberade infinita!"
A verdade só pode ser plenamente alcançada através da ficção. Me lembrou o refrão da música "Car", do Built to Spill, em que é dito "I wanna see movies of my dreams", repetidamente, até que a frase torne-se um mantra. O filme tem seus defeitos aqui e ali, mas, em comparação com "Inception", é muito mais ousado, surreal e hipnótico. Bem menos cerebral e mais intuitivo. Valeu para matar a curiosidade.
Homem-Aranha
3.7 1,3K Assista AgoraÉ muito bom rever um filme que embalou a sua infância com o olhar amadurecido e perceber que você segue sendo uma criança enfeitiçada por ele quando o vê. Eu nunca liguei muito para filmes de heróis, sabe. Não por ceticismo ou por querer ser a pessoa mais descolada do rolê, mas simplesmente por falta de interesse. Quer dizer, até o começo dos anos 2000, mais especificamente até eu completar 10 anos, eu via quase todos os filmes no cinema, como foi o caso dos dois primeiros do Homem-Aranha. Eu deixei de acompanhar depois, a partir dessa saga mais recente que se instalou.
O que ficou foi o frescor daquele momento único na história: Harry Potter, Frodo do Senhor dos Aneis, Peter Parker... Toda uma leva nova de heróis sendo levada às telas ao mesmo tempo. Personagens que não tinham uma grande força e nem eram justiceiros. Eram carismáticos, tinham bom coração/ingenuidade e, fisicamente, eram até meio franzinos. Fora das telas, eu confundo Daniel Radcliffe, Elijah Wood e Tobey Maguire, apesar da diferença de idade.
Por ter sido feito no começo da década, o filme de Sam Raimi tem escolhas curiosas, como algumas pontas inusitadas (Octavia Spencer e Bruce Campbell, o Ash de Evil Dead, aparecem na cena em que nosso herói, ainda em fase primitiva, vai tentar carreira por uma noite no mundo da luta-livre), momentos à la Tim Burton (Danny Elfman na trilha sonora, empresários que são explodidos até vermos só seus esqueletos, e o jeitão cartunesco de toda a adaptação), Willem Dafoe, o ator mais expressivo do mundo, vivendo um vilão mascarado... Enfim, a lista é longa, eu poderia passar a manhã citando.
Mas o que mais me chamou a atenção de toda essa onda de nostalgia é que, ontem, ao rever o primeiro filme pela milésima vez (sempre em períodos espaçados, o que me faz esquecer de alguns detalhes e me surpreender mais e mais a cada revisitada), eu fui despertado pelo olfato mais importante dos meus 6, 7 anos: na cena em que o Peter usa a teia de aranha pela primeira vez e testa seu efeitos em postes e em prédios, eu vi, em flashes que tinham o mesmo tempo de duração daquele momento fílmico, todas as vezes em que, aqui em casa, eu me diverti com o brinquedo que simulava a teia do nosso aracnídeo preferido. O brinquedo basicamente consistia de um spray que soltava espuma, mas tinha um aroma específico. Acho que era de infância mesmo. Depois dizem que cinema não tem cheiro...
Gritos Mortais
3.0 781 Assista AgoraA estética "acizentada" do James Wan, sem cor e sem vida, faz seu filme parecer um produto encomendado para a tevê, mas não de um jeito sofisticado, como muitos thrillers e obras de horror do fim dos anos 90/começo dos 2000, e, sim, de um jeito limitado e genérico. Quando o filme tem apenas 90 minutos e soa mais longo que sua duração, é preocupante. Não tem simplesmente nada de minimamente atraente nele.
O final, com as reconstituições dos fatos que nos fazem enxergar o grande culpado por trás da situação, e como tudo coincidiu para chegar naquele momento da narrativa, é cria de Jogos Mortais, mas sem o mesmo ar de novidade ou frescor.
Sobre Meninos e Lobos
4.1 1,5K Assista Agora"os mortos permanecem mortos"
meu preferido do clint eastwood.
Os Fantasmas Contra Atacam
3.3 112 Assista Agoraquando abraça de vez o "fator redenção", tão presente em filmes como "feitiço do temp" e "a felicidade não se compra", é um primor. quando tenta ser cínico e espertinho, é bobinho. definição dos últimos 20 minutos: bunitinhu 🥰
Califórnia
3.5 302 Assista Agoraacho que realmente não há muito o que reclamar desse filme: ele é coeso e cumpre com perfeição aquilo que se propõe. ao contrário de muitos retratos de uma geração, ele não se faz de excessos, mas justamente os apara. o contexto é os anos 80, mas, se você já vai usar músicas da época e decorar o quarto inteiro da protagonista adolescente com cartazes e fotos de bandas e artistas da década, não é preciso dizer mais nada. ou seja, a referência se encaminha sozinha, muita coisa é percebida pelo público devido ao seu próprio olhar nostálgico, seja de quem vivenciou ou de quem escutou/leu sobre a época. como a marina disse, não é um filme para ninguém em específico. é um filme sobre pessoas, que foram jovens, que são jovens, ou que não são, mas ainda se consideram. simples assim, mas caloroso o bastante para envolver qualquer um.
Coração Satânico
3.9 494modo "corpos ardentes" de operação: história de detetive com uma abordagem para lá de burocrática, que segue todas as cartilhas do gênero de como construir tensão de um modo convencional. o momento mais inspirado do filme não envolve, em absolutamente nada, a trama principal: é a cena em que a personagem do robert de niro come um ovo. conhecendo ele, imagino até que a ideia tenha sido concebida como um truque, um improviso, e não algo previsto no roteiro. a cena de sexo, completamente brutal e surreal, entre mickey rourke e lisa bonet, chega perto. o filme tem ótimos momentos isolados, mas, como um todo, a conta não fecha.
a sensação é de que tudo é muito encardido, da caracterização das personagens às próprias escolhas estéticas: o clima é de pessimismo e desolação, e faz muito, mas muito calor. todo mundo está sempre ou muito preocupado ou completamente desolado. é uma pena que alguns aspectos do roteiro não tenham envelhecido muito bem, como o retrato estereotipado (já reproduzido muitas vezes antes) de new orleans.
eu preferia ter visto esse filme numa reprise de algum canal da tv aberta do que vê-lo com uma continuidade na tela do meu pc. sinceramente, esperava mais. para mim, é um sub-produto dos anos 80, um filme comum (como foram as carreiras de alan parker e lawrence kasdan em geral).
Daguerreótipos
4.2 24 Assista Agoranão tem nada mais cinematográfico do que dar voz a pessoas que não só parecem personagens, com histórias pitorescas e vivências particulares, como também moram em um bairro que se assemelha a um cenário de filme. devido à presença de agnès e sua câmera, sempre atenta aos arredores da região, do padeiro ao cabeleiro, do mágico à artesã, todos se acostumaram a ter seu espaço. o papel dela, aqui, mal se concentra em dirigir, porque eu diria que sua função se aproxima mais à de uma mediadora da vida, que se encaminha e entrelaça sozinha. é através da repetição que ela ganha forma e, a partir daí, é gerado ritmo.
Faces
4.1 62"ninguém tem tempo para ser vulnerável, então seguimos em frente. vestimos uma armadura que nos protege e agimos automaticamente."
o problema de cassavetes, o "x da questão" de seus filmes, nunca foi cinematográfico, como ele mesmo disse: sempre foi humano. seguindo sua lógica, cada filme é muito particular porque, apesar de ele dirigir e escrever o roteiro, como os gestos e as falas de cada personagem serão expressados e reproduzidos já não é algo que lhe diz tanto respeito. cabe a ele, sim, filmá-los, enquadrá-los, às vezes até bem de perto (como no caso desse filme), suscitando sorrisos em forma de gargalhada, choros desmedidos e, quando há um respiro no estudo dos rostos, danças e acrobacias espontâneas. essa dinâmica de criar uma estrutura básica para o filme e deixá-lo ganhar vida através do trabalho em equipe, da "gestação" de uma relação que passou por altos e baixos, que iam de dificuldades financeiras a entraves técnicos, fez com que o filme se tornasse mais do que uma obra cinematográfica, mas um estilo de vida, um sentimento contra a autoridade que restringe todas as gargalhadas, todos os choros, todos os improvisos e todos os comandos seguidos em um set de filmagem que se vê por aí. por três anos, essas pessoas se conheceram, e a câmera de cassavetes a seguia, como se ele só pudesse filmar uma única obra pelo resto da vida, fosse refém das faces que acompanha, e elas eternizadas por ele.
Noite de Estréia
4.4 52os filmes de cassavetes são construídos em paralelo à formação do olhar do público em relação a eles. são experiências longas, até cansativas, não apenas na duração física, mas também porque esse "tempo real" é dilatado no psicológico, na força emocional que seus protagonistas carregam. eles estão sempre se reinventando, porque cada cena exige deles uma nova condição, um novo estado de espírito. acaba sendo um desafio mútuo, para a personagem e para o ator ou a atriz. a myrtle de gena rowlands procura a primeira mulher a ocupar seu corpo, para se conformar com a segunda, mas também precisa atender a demanda da própria atriz (rowlands), que interpreta uma atriz vivendo uma personagem. várias mulheres encarnam o mesmo corpo, em diferentes funções.
Os Vivos e os Mortos
3.7 29"que triste papel desempenhei em sua vida... é como se eu não fosse seu marido. como se nunca tivéssemos vivido como marido e mulher. com o que você se parecia, então? para mim, seu rosto ainda é belo, mas não é mais o mesmo rosto pelo qual michael furey bravamente morreu. por que estou sentindo toda essa emoção? qual terá sido a causa? sua impassibilidade quando beijei sua mão? a festa de minhas tias? meu próprio discurso tolo? o vinho? o baile? a música? pobre tia júlia, com sua expressão pálida e magra enquanto cantava "vestida para a boda". logo ela será uma sombra junto à de patrick moran e sua casa. talvez logo estarei naquele mesmo quarto, vestido de negro. as persianas fechadas, buscarei em minha mente palavras de consolo, e só encontrarei palavras vazias e inúteis. sim, isso acontecerá muito em breve.
sim, os jornais têm razão: a neve cai em toda irlanda, caindo em toda parte da escura planície central, nas colinas sem árvores, no pântano de allen, e, mais ao oeste, seguindo suavemente, dentro das escuras e mudas ondas de shannon.
um a um todos nos convertemos em sombras. melhor passar bravamente para o outro mundo cheio de glória e paixão do que ir apagando-se pouco a pouco, murchando com a idade. durante quanto tempo você ocultou em seu coração a imagem dos olhos de seu amante quando disse que não queria viver? eu jamais senti isso por qualquer mulher, mas sei que um sentimento assim deve ser amor. pense em todas as pessoas que existiram desde o princípio dos tempos. eu, transeunte como elas, também me apego inutilmente ao seu mundo cinza. como tudo ao meu redor, este mundo tão sólido, no qual construíram e viveram está minguando e dissolvendo-se. cai a neve. cai nesse cemitério solitário onde jaz michael furey. cai debilmente no universo, e cai debilmente, como o final inevitável sobre todos os vivos e mortos."
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Free Guy: Assumindo o Controle
3.5 579 Assista Agorao tipo de filme que quer que você pense nele como algo super original, quando, na verdade, seu conceito é espremido de praticamente todos os filmes que questionam a noção de realidade, de "o show de truman" a "feitiço do tempo", passando por "jogador número 1", mas sob uma embalagem extremamente genérica e uma condução boba. por outro lado, é muito divertido em sua proposta fake, então cumpre seu propósito e provavelmente fará sucesso.
Onde Começa o Inferno
4.2 128 Assista Agorasimplesmente o filme mais carismático de todos! geralmente, nos filmes em que john wayne atua, seu protagonismo é solitário, ele representa a iconografia do herói de poucas palavras, meio enferrujado, e a ação se desdobra em ambientes externos, na imensidão do deserto. rio bravo, ao contrário, é um filme em que howard hawks se apropria do espaço como quem dirige um filme de guerra, baseado na articulação e na espera: como num trabalho em equipe, há a dinâmica de atacar e ficar na retaguarda, intercalando as posições. lugares como quartos de hoteis e celas de cadeia são utilizados como ambientes onde se traça estratégia, com muita música e muito bom humor (do qual se encarregam dean martin, ricky nelson e walter brennan). deveria ser obrigatório nas listas de "filmes de camaradagem": perfeito para ver tomando umas cervejas em um sábado à noite.
A História de Adèle H.
3.9 129"esta coisa incrível, que uma jovem moça deve atravessar o oceano, passar do velho mundo para o novo mundo, para se juntar ao seu amante, isso eu cumprirei"
um filme moderno deslocado no tempo e no espaço, disfarçado de obra de época do século XIX, assim como a própria adèle, uma mulher avulsa ao contexto em que vive. por onde quer que ela vá, carrega consigo os mesmos costumes e o mesmo modo de se vestir e de se comunicar, sempre com muito anseio, muita aflição. ela atravessa continentes como quem estivesse trafegando entre o presente e o passado, sem perspectiva de futuro. uma personagem com tamanha mobilidade narrativa que, após um tempo, passa despercebida, de tanto que se desgastou.
New York, New York
3.6 109 Assista Agoraeu estava gostando desse filme com algumas ressalvas, aí vieram os últimos 40 minutos, como uma avalanche, que me desestabilizaram totalmente e me fizeram amá-lo. e isso que já vi quase tudo do scorsese.
apesar de não ser propriamente uma biopic, se comporta como uma durante mais da metade de sua duração, até o terço final. até lá, é uma história de ascensão e queda, como tantas outras que o diretor filmaria depois (a condução da carga dramática da história me lembra touro indomável), com de niro, no papel de jimmy, no "modo marido abusador", que seria reprisado tantas e tanras vezes durante sua carreira.
de uma hora para outra, scorsese rompe com a narrativa que vinha sendo mostrada e abraça totalmente o lado performático da história, transformando o que era um drama com fundo musical em um musical com fundo dramático, um verdadeiro espetáculo maneirista. esse é o momento de liza minnelli (sua francine é uma das principais personagens femininas que o diretor já retratou), o filme passa a ser dela. de niro torna-se um mero figurante. o final é a cereja do bolo, e tenho certeza que a maioria queria (ou esperava) algo diferente.
p.s.: vamos aumentar essa média!