Um dos grandes filmes do final da década de 80, "Robocop" chocou boa parte do público com sua alta dose de violência, mas esta é um elemento vital para contar a história da decadente Detroit refém da criminalidade e um prato cheio para empresas privadas como a OCP oferecer seus serviços de segurança. O produto a ser vendido é o uso de ciborgues e robôs para substituir a força policial consumida pela ineficiência e corrupção. Nessa disputa de mercado a OCP concebe o Robocop, um androide mesclado com partes humanas do policial Alex Murphy, brutalmente assassinado por uma gangue de criminosos.
Mesmo com os debates sobre a violência, o filme do diretor Paul Verhoeven foi um enorme sucesso que ultrapassou as fronteiras do cinema para passear por outras mídias como os desenhos animados e as histórias em quadrinhos. O longa também gerou uma franquia com mais duas sequências e um malfadado remake dirigido pelo brasileiro José Padilha.
"Robocop" passa tranquilamente no teste do tempo pois além de ser um filme ágil e bem conduzido por Verhoeven, traz discussões que não deixaram de ser pauta nos dias de hoje. O uso da força cada vez mais ostensiva no combate à violência, a segurança privada tentando suprir ineficiências do setor público e ocultando seus interesses nem sempre legítimos, e a velha discussão sobre a substituição da mão de obra humana pela tecnologia. Filmaço.
9.0
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Após sofrer um acidente que o deixa de cadeira de rodas o paramédico Ángel se torna cada vez mais obcecado pela namorada.
Protagonizado por Mario Casas, "Remédio Amargo" é um filme bem previsível se você tem certa estrada nos filmes de suspense sobre obsessão nos relacionamentos. O longa tem um bom início, mas é só. A exceção do protagonista nenhum personagem é bem desenvolvido e a trama peca pela falta de novidade. Também não há nenhum momento para fazer o espectador pular da cadeira ou roer as unhas. A reviravolta dos últimos minutos poderia ser uma ferramenta bem interessante se usada na metade do filme para subverter a nossa expectativa. Com certeza seria melhor ver papéis se invertendo e ter a emoção da audiência indo de lado para o outro. Caso esteja à procura de bons suspenses em espanhol indico "O Quarto Secreto" (2011), "Um Contratempo" (2016) e "Enquanto Você Dorme" (2011).
5.0
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A maior virtude do longa "O Diabo de Cada Dia" (2020) é ressaltar o talento de Tom Holland e Robert Pattinson. Os dois atores que ainda encontram certa resistência por parte do público e da crítica se provam a cada trabalho e este é mais um bom desempenho de ambos.
A história do filme privilegia o personagem de Holland, um jovem que muito cedo perdeu os pais em uma situação traumática e vive numa região cercada por fanatismos, violência e corrupção. "O Diabo de Cada Dia" tem um ótimo elenco numa trama pouco fluida. O diretor Antonio Campos dá suas cutucadas no governo americano envolto na guerra do Vietnã enquanto o próprio país sucumbia em seus interiores mais remotos à violência regida pelas autoridades que deveriam trazer segurança e renovar a fé. A temática religiosa também é colocada em pauta. Confesso que esperava mais, porém o filme não chega a ser uma decepção.
7.5
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Enola Holmes é uma jovem de 16 anos, irmã mais nova do lendário detetive Sherlock Holmes, que parte em uma jornada para descobrir o paradeiro da mãe desaparecida. Distante do modelo que se esperava das moças da época, Enola também foge de seu tutor que deseja enquadrá-la nos costumes femininos daquela Inglaterra.
O filme inicia com Enola falando para a câmera. Tenho a impressão que o recurso da quebra da quarta parede, em que o protagonista fala diretamente com o espectador, tem sofrido um gradativo processo de desgaste. Geralmente a fórmula é associada a uma tentativa de fazer humor, trazer certa intimidade com o público como se este fizesse parte daquela história contada. Entretanto, em alguns casos também serve para indicar a falta de habilidade da direção e relativa preguiça em desenvolver outro mecanismo para nos apresentar o enredo. Fiquei na dúvida em que caso "Enola Holmes" pertence. Porém, felizmente, o filme tem o trunfo de contar com Milly Bobbie Brown que segura nossa atenção do inicio ao fim. A jovem atriz, que ganhou holofotes na série "Stranger Things", tem um talento absurdo e domínio total da tela. Tenho certeza que seu nome ainda vai figurar entre as maiores atrizes do cinema.
Em contrapartida, a versão marombada do detetive Sherlock Holmes parece feita sob medida para mostrar o preconceito que não nos permite associar a figura meio brucutu do ator Henry Cavill com o brilhantismo do personagem criado por Arthur Conan Doyle. E de fato ator e personagem não encaixam. Contribui pra isso o fato desse Sherlock ser muito mal escrito, apático e quase insignificante na trama. A falta de talento de Henry Cavill também entra na equação.
No balanço geral o filme diverte, tem um clima "Harry Potter" sem magia e mais politizado. O maior problema do longa, além do Sherlock, é quando o discurso soa mais pesado que o necessário e destoa da atmosfera aventuresca que o filme tem em boa parte do tempo. Só para ficar mais claro, não há problema algum em inserir mensagens, ideologias e lutas legítimas numa produção de entretenimento infanto juvenil, muito pelo contrário, a ferramenta é válida e importante. A questão é trazer os temas à baila de forma condizente com a narrativa. A sensação era que por vezes a brincadeira parava para um recado importante. Tipo a lição do He-man no final dos episódios animados dos anos 80. Em outro momentos a mensagem soava bem mais eficaz ao se misturar com a aventura, provando que era possível o diretor seguir sempre essa linha.
Mirando no público mais jovem, "Enola Holmes" deve, e merece, ter sucesso. Uma boa matinê que vai gerar sequências. Pelo menos é o que esperamos.
7.5
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Quando Forrest Gump sentou naquele banco à espera do ônibus e desandou a contar suas aventuras, desde a infância até a vida adulta, nos deparamos com uma das grandes fábulas do cinema. A saga de um homem que venceu o preconceito e com ingenuidade cativante buscou um lugar no mundo e reescreveu a história americana sob a tutela do diretor Robert Zemeckis.
Zemeckis, um dos maiores cineastas menos badalados de Hollywood, fez uma pequena obra prima em "Forrest Gump - O Contador de Histórias". O filme impressiona pela técnica que incluiu o protagonista em diversos momentos simbólicos dos Estados Unidos, mas ganha mesmo o público pela doçura de Forrest, que corria para fugir e para se encontrar. Apesar do QI diagnosticado abaixo do padrão, Gump tinha um perfeito entendimento sobre humanidade. O carinho pela mãe, o respeito às promessas aos amigos e o amor por Jenny, a garotinha que o recebeu ao seu lado no assento do ônibus da escola quando as demais crianças repeliam o garoto de aparelho nas pernas. A subtrama de Jenny é triste e tão real como aquele ciclo vicioso que se repete e impede a felicidade de quem não se acha no direito de ser feliz. Forrest foi o porto seguro, sempre pronto para acolher e fazer a diferença, mesmo sem ter a exata noção de como transformou a vida de tanta gente. Sua forma simples de levar o dia a dia e tratar as pessoas, causava certo espanto para uma sociedade que insiste em complicar as relações humanas com seus preconceitos e interesses. Assim, mais relevante do que ensinar passos de dança para o Rei do Rock, Elvis Presley, Forrest Gump ensinou que idiota é quem faz idiotice e definitivamente esse não é o caso de quem mantém um olhar de respeito e carinho pelo próximo.
10.0
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Não é difícil encontrar alguém que reconheça a imagem de Audrey Hepburn trajando um vestido preto, uma tiara de brilhantes na cabeça, colar de pérolas e uma cigarrilha na mão. O quadro, tirado do filme "Bonequinha de Luxo" (1961) ganhou o mundo e virou ícone da cultura pop, tendo diversas versões e estampando camisetas e telas. Porém, poucos se deram o "trabalho" de ir atrás da fonte. O longa dirigido por Blake Edwards é uma deliciosa comédia, cheia de estilo, uma música tema inesquecível e uma bela história de amor.
Audrey Hepburn é Holly Golightly, uma acompanhante de luxo à procura de um marido rico para esquecer de vez os tempos de pobreza de sua juventude. Todas as manhãs ela tem o ritual de tomar café da manhã em frente a famosa joalheria Tiffany. É olhando para a vitrine que Holly esquece os problemas e sonha com o futuro. Ambiciosa e determinada, a moça tem suas convicções abaladas com a chegada do vizinho Paul Varjak (George Peppard), um escritor sustentado por uma mulher mais velha que o tem como amante.
Baseado no texto de Truman Capote, "Bonequinha de Luxo" quase teve outra protagonista. Capote vendeu os diretos de sua obra desejando Marilyn Monroe como protagonista, mas a atriz recusou o papel com receio de associar sua imagem a uma garota de programa. O roteiro, que inicialmente pode induzir o espectador a achar que o filme é uma comédia romântica bobinha, na verdade é um conto sobre uma mulher e suas escolhas. Holly decidiu fugir de uma realidade dura, deixando para trás coisas importantes. Consciente disso, ela tentou a todo custo viver um sonho para não pensar no que passou. À primeira vista, sua personalidade pode parecer fútil, mas não há futilidade no coração de quem só quer ser feliz. Paul surge na trama para ajudar Holly a se conectar consigo mesma e fazê-la compreender que é impossível viver sem vínculos genuínos de amor. Ela, que tinha medo de nomear seu gato de estimação para evitar laços afetivos, acabou percebendo que os sentimentos não precisam de denominação. Um filmaço para ver e se emocionar ao som de "Moon River", canção vencedora do Oscar.
Adam Driver estrela "O Relatório" (2019), filme que se debruça sobre a comissão do Senado americano designada para apurar os interrogatórios de prisioneiros promovidos pela CIA após os atentados do 11/09.
Produzido pela Amazon, "O Relatório" é mais um filme a desvelar os bastidores nada morais da política. Dan Jones (Driver), incumbido pela senadora Fienne Feinstein (Annette Bening) de chefiar um pequeno grupo para investigar a conduta da CIA e elaborar um relatório sobre as chamadas "Técnicas de Interrogatórios Melhoradas" abre a caixa preta da instituição e mostra como o mecanismo age de modo a tentar apagar os rastros de suas falhas.
Nesse sentido o filme logra êxito em conectar os acontecimentos, sempre situando o espectador. Driver vem ganhando meu respeito à cada novo trabalho, a exceção das atuações afetadas na franquia Star Wars. O ator segura bem o protagonismo com um personagem que não pode demonstrar muitas emoções, mas que vai deixando a indignação crescer sem perceber. Annette Bening também se destaca e não seria surpresa vê-la indicada às premiações que se aproximam.
Os fatos reais que deram base a história aconteceram há pouquíssimo tempo e sob a suposta justificativa que os fins justificam os meios. É a tal conversa do bem maior, presente em uma das falas finais de "O Relatório". Esse pensamento só mostra que nossas condutas com o outro não falam sobre ele, mas sim sobre nós.
8.5
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Judy Garland maravilhou o público como a doce menina do Kansas que vai parar no mundo mágico de Oz em 1939, mas em 1968 não havia mais tanta fantasia na vida da atriz e cantora.
"Judy" (2019) é a cinebiografia de Garland em sua passagem conturbada por Londres em 1968 durante uma série de concertos que fez na capital inglesa. Permeando o filme também temos flashbacks de Judy nos bastidores de seu primeiro longa, "O Mágico de Oz" (1939). Nesse lugar escondido do grande público descobrimos como os abusos e a pressão da indústria cinematográfica, personificada na figura do chefão do estúdio MGM, Louis B. Mayer, influenciaram os vícios e instabilidade emocional da mulher que nunca parou de caminhar pela estrada de tijolos amarelos. Renée Zellweger está muito bem interpretando Garland. Além da semelhança física, especialmente nos planos em que está de perfil, a atriz buscou copiar o olhar e trejeitos da biografada, mas seu grande mérito foi nos passar a sensação constante de esgotamento que Judy exalava. Triste ver o rumo não apenas da carreira, mas de sua vida. Por mais irônico que pareça, a eterna interprete da garotinha Dorothy que dizia que "não há lugar como o nosso lar", não tinha um lar para viver e criar os filhos.
O roteiro trabalha esse sentimento de exploração e sacrifício, e mesmo que o filme tenha problemas consideráveis de edição é uma obra que vale a visita. Seja por Zellweger ou seja por Judy Garland. O final emociona.
Tom Hanks é Fred Rogers, um pedagogo apresentador de um famoso programa infanto-juvenil nos Estados Unidos que muda a perspectiva de vida do jornalista Lloyd Vogel.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" (2019) é baseado no artigo da revista Esquire escrita por Tom Junod, incumbido de traçar o perfil do apresentador. Ao ver o filme me peguei algumas vezes sorrindo com cara de bobo e isso é um ótimo sinal de conexão. As lágrimas também tendem a ser outro forte elo de ligação, mas não vamos entrar em detalhes, rs. Lloyd, um jornalista investigativo designado para fazer a matéria com Mr. Rogers, era pura descrença na imagem construída pelo homem da TV que demonstrava-se um poço de atenção e acolhimento com todos a sua volta. O repórter parecia disposto a desvelar aquela serenidade irreal aos seus olhos. Os conflitos familiares de Lloyd moldaram sua visão. Dessa forma, passou a enxergar a vida cinza, deixando, assim, de acreditar na existência das cores. Porém, o contato cada vez mais íntimo com Rogers o ajuda a trabalhar seus medos e angústias. Certamente, também influenciou diretamente para resolver o passado e impedir a repetição inconsciente em comportamentos futuros.
No final das contas, você escolhe como vai lidar com raiva, dor e mágoas. Como menciona Rogers, há maneiras de trabalhar esses sentimentos sem machucar os outros ou si mesmo. Não é fácil, mas não precisa ser.
Jo March e suas irmãs voltam para a casa onde viveram na infância para encontrar a caçula que padece de uma doença.
Sob o comando da diretora Greta Gerwig "Adoráveis Mulheres" (2019) é a oitava versão para os cinemas do livro "Mulherzinhas", de Louisa May Alcott. Gerwig decidiu apostar em duas linhas narrativas alternadas durante todo o filme. Assim vemos o presente e passado de Jo e suas irmãs. Saoirse Ronan é a protagonista Jo, cujo sonho de ser escritora é proporcional ao medo de seguir o caminho da grande parte das mulheres: o casamento. Nesse sentido o filme traz reflexões importantes sobre o caminho que tomamos e o receio de perder a autonomia da própria vida. Às vezes esse temor que nos leva a fugir pode nos deixar preso a outro roteiro engessado. A felicidade não tem destino certo e sucesso profissional não precisa seguir o caminho oposto do campo sentimental.
As irmãs representam bem cada modo de ver a vida. Florence Pugh quase rouba o protagonismo de Saoirse. A jovem atriz que chamou atenção no terror "Midsommar" promete ser figurinha carimbada nas futuras premiações da indústria cinematográfica. Emma Watson, a eterna Hermione da franquia Harry Potter, tem atuação correta, mas discreta e Laura Dern pra variar está ótima, interpretando a mãe das garotas.
Em suma, "Adoráveis Mulheres" é um belo filme sobre caminhos, escolhas, concessões e felicidade.
Dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e produzido pela Netflix, "Dois Papas" (2019) traz uma longa conversa entre o então Papa Bento XVI e seu futuro sucessor, o Papa Francisco. O filme é baseado no livro de Anthony McCarten e tem excelentes interpretações de Jonathan Pryce é Anthony Hopkins.
"Dois Papas" trabalha como porta voz do Papa Francisco, realçando sua simplicidade, virtudes e a aura de um cara legal, bem distante da imagem rígida e extremamente conservadora do Papa Bento XVI. Meirelles também dedica tempo para justificar o passado controverso do Padre Bergoglio (Papa Francisco). Alguns poderão empregar o termo da moda "passar pano", mas eu prefiro me manter otimista em acreditar na mudança do homem, que o diretor faz questão de frisar em vários momentos do longa. Tecnicamente "Dois Papas" tem uma edição confusa e pouco fluida. Há uma indecisão entre o tom documental e a forma mais tradicional de filmar. É nítido também a intenção de Meirelles em tornar o filme mais leve e descontraído acrescentando trilha sonora pop e humor. Essa informalidade pontual é interessante para atrair um número maior de espectadores. Até a metade da projeção "Dois Papas" tem ritmo mais lento e fica preso ao contraste entre os dois membros da igreja. A cada cena a direção pinta os dois personagens com cores fortes para não haver dúvidas na cabeça do público quanto às diferentes filosofias. Em dado momento, pensei: "Ok, eu já entendi! Vamos adiante!". A grande virada acontece quando a dupla vai à Capela Sistina, no Vaticano, para uma conversa franca sobre passado, presente e futuro. É aí que o filme ganha fôlego, profundidade e melhora bastante.
Taika Waititi nos leva de volta a Alemanha nazista para contar a fábula "Jojo Rabbit" (2019) sobre um garoto fã de Hitler, mas que não entende muito bem a natureza dos judeus até descobrir que uma jovem judia se esconde em sua casa.
O filme de Waititi é carregado de humor politicamente incorreto, porém tudo é feito para exagerar uma realidade por si só absurda. As atuações tem o timing perfeito para a comédia e para os momentos mais emotivos. Scarlett Johansson e Sam Rockwell estão ótimos em papéis coadjuvantes, Taika Waititi segura bem a reimaginação afetada do Führer, mas o grande destaque vai para o pequeno Jojo, Roman Griffin Davis e da jovem atriz Thomasin McKenzie. A dupla ganha o espectador do início ao fim. "Jojo Rabbit" pode eventualmente lembrar o oscarizado "A Vida é Bela" (1997), ao brincar e emocionar dentro do cenário triste da Guerra e do Holocausto. Para alguns, um assunto delicado demais para ser pincelado com humor, mas esse filmes são como instrumentos efetivos para a transmissão de mensagens importantes como a coragem, a fé e a capacidade do ser humano de se manter de pé e otimista mesmo diante dos horrores que podem bater à porta.
A próxima edição do Oscar que ocorrerá no dia 09 de fevereiro tem uma lista de nove filmes concorrendo ao principal prêmio da noite. Para a sorte do público todos os concorrentes estão acima da média e fazem jus a nomeação, porém uma produção dobra a meta e ultrapassa os concorrentes tornando-se uma obra que o tempo se encarregará de colocá-la entre os gigantes do cinema. "1917", do diretor Sam Mendes, é estupendo. O longa sobre dois soldados britânicos enviados para entregar uma mensagem à um regimento no intuito de evitar a morte de 1600 colegas durante a Primeira Guerra Mundial é um primor.
Sam Mendes idealizou o filme de forma a aparentar um único take. Ou seja, acompanhamos o protagonista integralmente em sua jornada, seguindo seus passos e observando as mesmas ruínas da guerra que seus olhos veem. O diretor tem o pleno domínio do jogo. Sabe onde colocar as peças para conseguir o efeito desejado. A trilha sonora pontua bem os atos e a fotografia é de encher os olhos. Os planos abertos estão entre os mais bonitos das últimas décadas no cinema. Posso estar cometendo algum exagero, me perdoem o entusiamo, mas aposto que "1917" terá relevância semelhante a Apocalypse Now, filme de Francis Ford Coppola que revolucionou os filmes de guerra.
"Star Wars - A Ascensão Skywalker" (2019) é o último capítulo da nova trilogia, que teoricamente encerra a história da família Skywalker e sua luta contra as forças do mal para salvar a galáxia. Após o segundo filme ter gerado polêmica e insatisfação pelas decisões criativas do diretor Ryan Johnson, JJ Abrams, cineasta responsável pelo primeiro longa, foi convidado a retornar ao comando. Com isso a expectativa era que "A Ascensão Skywalker" diminuísse o efeito Ryan Johnson e de brinde distribuir fan service.
Acontece que a vontade de agradar o público não pode cercear o ímpeto e a ousadia do autor. Infelizmente foi o que vi em "Uma Nova Esperança", filme que iniciou a história da catadora de lixo Rey, e agora com o desfecho da trilogia. Abrams exagerou na mitologia da "Força", algo que sempre enxerguei como sentimento que amadurecia dentro do indivíduo, e transformou os Jedi em super heróis da Marvel. Esse aumento de proporção tirou boa parte da aventura e investiu tempo e energia em mistérios pouco convidativos e lutas para encher os olhos dos fãs. É inegável que visualmente os filmes impressionam, mas quando o assunto é roteiro e desenvolvimento de personagens a coisa complica. "A Ascensão Skywalker" sofre bastante nesses dois segmentos. O enredo se divide entre mimar os seguidores fiéis com referências ao material clássico, corrigir equívocos do filme anterior, finalizar a história. Recheando tudo isso você encontrará diversas conveniências de roteiro, soluções fáceis e milagrosas. É um festival de morre, mas não morre que só indica a falta de coragem da direção para tomar rumos mais arriscados. JJ Abrams vai sempre na bola de segurança. Os principais nomes da nova leva de personagens sofreram com a falta de harmonia entre os três filmes. Finn será menos lembrado que o androide dourado C-3PO e Poe Dameron tinha potencial mas sempre estava fora dos melhores momentos. Rey foi o destaque e não tinha como ser diferente. Enquanto na trilogia original as atenções eram bem divididas pelos heróis Luke, Leia e Solo, aqui Rey foi criada para não dividir o protagonismo.
Todos os plot eram voltados para ela e exceto uma carona ali e outra acolá pela galáxia, a jovem resolveu toda batalha sozinha
. Já o vilão talvez seja o mais problemático. Kylo Ren é uma mistura de chiliques e indecisões. Imagino o neto do temido Darth Vader enfrentando o dilema de escolher as opções para o almoço no self service ou a cor que vai pintar o apartamento. Mais inconstante impossível.
Mas o filme é ruim? Não. Então é bom? Hummm....Não é um desperdício de tempo, mas é um filme menor para o tamanho da franquia.
"Os Aventureiros do Bairro Proibido" (1986) é uma das maiores pérolas dos anos 80. Se você foi um espectador assíduo das sessões de filmes da Globo, como "Sessão da Tarde" ou "Temperatura Máxima", certamente conhece essa divertida aventura dirigida por John Carpenter e estrelada por Kurt Russel.
Carpenter tem em sua filmografia outros destaques. O primeiro e mais celebrado longa da franquia "Halloween" (1978), "Fuga de Nova York" (1982) e "O Enigma de Outro Mundo" (1983), ambos em parceria com Russel, que além de ser uma das caras do cinema de ação da época, incorporava como ninguém a figura do anti herói malandro e carismático. Jack Burton, protagonista de "Os Aventureiros do Bairro Proibido", não foge à regra.
A trama parece fruto de uma viagem alucinógena dos roteiristas. O caminhoneiro Jack Burton precisa ajudar o amigo Wang Chi, que teve a noiva sequestrada por uma gangue de Chinatown, mas o feiticeiro Lo Pan não pretende deixar que ninguém atrapalhe seu plano para reencarnar em um corpo mais jovem. Misturando ação, aventura e fantasia, o filme de Carpenter, que inicialmente seria um faroeste, é uma galhofa das boas. Praticamente um cartoon ou um vídeo game divertido em que você precisa vencer os inimigos e o grande chefão para salvar a princesa. Coincidentemente, o longa serviu de inspiração para os criadores da série de jogos Mortal Kombat.
Russel está à vontade no papel. Como falei, o personagem reúne o estereótipo mais identificável daquela geração. John McClane, Indiana Jones, Martin Riggs, Axel Foley e Jack Burton. O parceiro Wang Chi é a versão asiática de Martin McFly, sempre nervosinho e corajoso. David Lo Pan é o típico vilão inesquecível. Malévolo, controlador e megalomaníaco. Sinto que poderiam ter explorado mais sua figura, que lembra bastante outro símbolo dos anos 80, Mumm-Ra, O de vida eterna! Outro nome conhecido do elenco é Kim Catrall, famosa por sua participação na série "Sex and City". Ela faz a mulher impetuosa e interesse romântico de Burton.
Kung Fu, tiros, magia e piadas fazem de "Os Aventureiros do Bairro Proibido" uma bobagem divertida que ri de si mesma o tempo todo e a torna uma ótima matinê.
Utilizar o humor como ferramenta para criticar, satirizar e provocar tocando em assuntos delicados não é novidade. O famoso grupo inglês Monty Phyton teve êxito nessa tarefa de fazer graça e gerar reflexão com os clássicos "O Sentido da Vida" (1983) e especialmente em "A Vida de Brian" (1979), filme que traz o personagem Brian, contemporâneo de Jesus, passando pelas provações de seu tempo. Porém, para alcançar o propósito maior de fazer rir e questionar, a comédia que brinca com a história deve se manter distante da ofensa gratuita cujo único objetivo é provocar polêmicas vazias. Tal recurso acaba denunciando certa falta de criatividade para cutucar e ao mesmo tempo chegar a algum lugar.
"A Primeira Tentação de Cristo" (2019) é o segundo especial de Natal do grupo Porta dos Fundos para a Netflix. O primeiro recentemente ganhou um importante prêmio internacional, mas confesso que não encontrei muita graça no especial natalino. Na nova produção continua a carência de um bom texto para aproveitar o talento de Fábio Porchat e Rafael Portugal, os grandes destaques da trupe. As piadas acabam caindo no lugar comum de brincar com a sexualidade de figuras históricas apenas para incomodar, mas se você, na qualidade de espectador, verbalizar o incômodo facilmente receberá a carapuça de conservador, crente (no sentido pejorativo que alguns atribuem) e censor da liberdade. O Porta dos Fundos já mostrou em outras oportunidades que pode fazer melhor. Comédia e respeito não precisam andar em lados opostos, e ao falar isso não estou me posicionando no lado do politicamente correto. Longe disso. É apenas uma questão de propósito ou da falta dele. A risada é o disfarce do comediante para passar sua mensagem, então, sem algo a dizer, o Especial Porta dos Fundos materializa a criança que quebra a árvore de Natal buscando atenção.
Espero que o Papai Noel traga um presente melhor no próximo ano.
Chega à Netflix "História de um Casamento" (2019), filme do diretor Noah Baumbach estrelado por Scarlett Johansson e Adam Driver, que traz um casal enfrentando o divórcio em meio à uma confusão de sentimentos.
O longa de Baumbach deve receber indicações para as principais categorias da próxima edição do Oscar e já tem minha torcida. Joaquin Phoenix, até então super favorito pela atuação em "Coringa", ganhou um concorrente de peso. Adam Driver está excelente em um papel mais difícil e sem bengalas de interpretação. Scarlett Johansson faz de tudo aqui. Dança, atua, ri, chora e faz chorar. Juntos, Driver e Scarlett fazem um casal verdadeiro, cuja emoção salta para o espectador. Quando eles estão felizes nós estamos ótimos e quando as lágrimas vêm, bem... É o êxito da direção em proporcionar emoções genuínas e conectar produção e público. Prestem atenção nos símbolos que a todo momento surgem em tela. É o filme conversando com você o tempo todo.
No início temos o casal lendo em silêncio o relato que cada qual fez sobre as qualidade do parceiro. O objetivo era que o material lido em voz alta pudesse servir para lembrar os motivos que os levaram a se apaixonar pelo outro, visto que durante o processo de separação tais memórias poderiam ser deixadas de lado. Perceberam que "História de um Casamento" já começa metendo o pé na porta dos canais lacrimais?
Porém, diante de mágoas e ressentimentos, as coisas boas vão ficando em último plano. Nicole (Johansson) sentia que no casamento seus desejos eram pouco respeitados e por isso acabou vivendo mais a vida de acordo com a direção apontada por Charlie (Driver). Ela queria algo dela e só dela. Queria mais espaço do que tinha vivendo imprensada trabalhando com marido em Nova York. Ele queria seguir a vida no ritmo de suas escolhas. Amava o que tinha e isso o impedia de ver que a relação é construídas por "EU", "ELA (E)" e "NÓS". Na verdade ele sabia, apenas não percebeu que Nicole se sentia como apêndice e não como um órgão vital. E no meio dessa relação, um filho disputado por duas pessoas competitivas que buscavam o "EU". Sentimentos à flor da pele nos fazem desabar com um simples "Como você está ?", e colocar pra fora o que magoa e o que pode magoar. Muitas palavras ditas no calor do momento não refletem a verdade sóbria, apenas mentiras bêbadas para fazer o outro sentir a dor que você precisa compartilhar e a forma que encontra é machucando quem ama. Quando há a terceirização da comunicação o assunto íntimo torna-se impessoal. Números, coisas e dias. É a incapacidade de gerir os próprios sentimentos. De fato não é fácil.
Com tempo sua foto não está mais na parede, você não faz mais parte da banda. No anúncio do fim dos Beatles a manchete era: "O Sonho Acabou". Talvez sim, mas se você ler em voz alta a carta que um dia escreveu e tudo aquilo ainda fizer sentido, verá que o sonho pode acabar, mas o amor não.
10.0
*Disponível na Netflix
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"Mother" (2009) é mais um filme interessante oriundo da Coréia do Sul, que merece ser visto. A história traz uma mãe buscando o verdadeiro assassino de uma jovem, para poder inocentar o próprio da filho, preso pelo crime.
O longa tem direção de Bong Joon-ho, responsável também por Expresso do Amanhã (2013), Okja (2017) e Parasita (2019). Ao analisar sua filmografia já consigo apontá-lo como um dos grandes diretores do cinema atual e recomendo que vocês procurem seus últimos trabalhos. Aqui, Joon-ho foge de clichês dos filmes investigativos e nega redenções formulaicas. O caminho percorrido pela protagonista reflete o sofrimento de compreender os instintos que determinam, ou pelo menos influenciam bastante, as decisões tomadas. Junto desses sentimentos vêm a auto-análise e a culpa que muitas vezes se traduz em super proteção e cegueira passional. Além dessas questões principais, "Mother" ainda encontra espaço para criticar o entorno, cuja empatia inexiste. Mesmo diante de uma situação difícil, sempre haverá alguém tentando explorar a necessidade alheia.
Assim, "Mother" é um drama eficiente sobre obstinação, instinto e culpa, que conta com uma direção caprichada e atuação acima da média da atriz Kim Hye-ja.
Depois de declarações que levantaram discussões sobre o atual cinema e o espaço exagerado dedicado aos blockbusters, Martin Scorsese estreia "O Irlandês" (2019). O filme, uma produção da Netflix, marca a reunião do diretor com uma seleção de lendas de Hollywood. Robert De Niro, parceiro habitual, e Joe Pesci reencontram o Scorsese na história de Frank Sheeran, veterano de guerra e motorista de caminhões que entra para máfia e se envolve com o famoso líder sindical Jimmy Hoffa. Hoffa, que já foi interpretado por Jack Nicholson em 1992, agora recebe o talento de Al Pacino que pela primeira vez trabalha com Scorsese. O longa ainda conta outro peso pesado, Harvey Keitel em pequena participação.
O filme tem duração aproximada de três horas e vinte minutos, por isso separe tempo para entrar naquele mundo. O diretor, que coleciona clássicos em sua filmografia como "Táxi Driver", "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros", entrega em "O Irlandês" um verdadeiro épico que faz um recorte de décadas da vida de Frank Sheeran e do meio que ele estava inserido. A produção, ao contrário de outras, não traz glamour à máfia. O ponto central é a consequência da fidelidade dentro de um ambiente tão violento. Sheeran precisou tomar decisões que lhe custaram muito, e os anos vividos, mais do que aquele tipo de vida proporcionou aos seus colegas de crime, nos faz pensar sobre dádiva e penitência. Envelhecer com tantas lembranças que gostaria de esquecer deve fazer o tempo passar mais devagar.
Para retratar tantas idas e vindas Scorsese lançou mão de efeitos digitais bem competentes para rejuvenescer o trio principal. O resultado ficou muito bom, mas em algumas tomadas é possível notar a movimentação mais lenta dos atores que não condiz com a idade dos personagens. Se esse foi preço para poder contar com os três, acho que valeu a pena. De Niro deve colher indicação ao Oscar para Melhor Ator. Mesmo fazendo o mesmo papel de sempre, ele continua excelente. Pesci e Pacino devem disputar uma vaga entre os Coadjuvantes, isso se a Academia não fizer uma dupla indicação. Minha torcida é para Pacino, pois faz o filme ganhar força a partir de sua primeira aparição. Scorsese já tem vaga certa entre os diretores e surge como favorito. É notável sua habilidade para dar ritmo a longa duração de "O Irlandês" e seu apreço técnico. Podemos dizer que ele não apenas dirige, mas realiza o filme. Tem o controle total da produção e nos entrega uma experiência cinematográfica. Ninguém é obrigado a gostar da experiência, mas impossível negar sua existência. Por isso, o humilde conselho que dou é: Experimentem, ousem e consumam o cinema fora da caixinha. Deem um tempinho na montanha-russa (que também acho bacana) para conferir "O Irlandês". O parque continuará no mesmo lugar, mas você verá que há muito mais.
9.5
*Disponível na Netflix
**Também está disponível um pequeno vídeo que traz uma conversa descontraída entre Scorsese, Pacino, De Niro e Pesci, analisando "O Irlandês" e suas carreiras.
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Terceiro filme da franquia improvável estrelada por Gerard Butler, "Invasão ao Serviço Secreto" é um forte candidato a pior produção de 2019.
A história, mais manjada que final de novela das 21h, traz o agente Mike Banning (Butler) novamente cuidando da segurança do presidente dos Estados Unidos. Após um atentado que vitimou toda a equipe de guarda costas e deixou o presidente em coma, Mike torna-se o principal suspeito e precisa fugir para encontrar o verdadeiro culpado.
Pelo plot vocês já perceberam que a originalidade passou longe, mas não fica só nisso. Boa parte do filme parece ter sido realizado no computador. Com certa frequência vemos os atores em cenários projetados em tela azul, que tiram do espectador qualquer chance de imersão. Tais inserções são extremamente mal feitas e me deixaram pensativo quanto ao senso estético dos realizadores.
Os roteiristas colocam elementos e personagem sem a menor relevância para a trama, tentam plantar um mistério que não engana ninguém e enrolam durante quase duas horas o desenvolvimento genérico do longa.
No elenco Gerard Butler mostra o motivo da estagnação da carreira, Nick Nolte paga as contas de casa em uma ponta sem muito sentido e Morgan Freeman passa o filme em coma pra participar o mínimo dessa cafajestada que chega aos cinemas apenas pra raspar o tacho do público que conseguiu reunir nos dois filmes anteriores.
Woody Allen é Alvy Singer, um humorista cheio de neuras que se apaixona pela aspirante a cantora Annie Hall. Ao morar juntos, o relacionamento entra em crise e ambos reavaliam os sentimentos.
Alvy é exigente, tem mania de perseguição e costuma problematizar tudo ao seu redor. Annie se sente confusa e constantemente inferiorizada pelo companheiro e suas manias. Porém o humorista sempre procurou incentivar a namorada a acreditar em si mesma e reconhecer as próprias emoções. Essa balança de prós e contras dão o peso e significado para o oscarizado "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977). O longa foi o grande vencedor do Oscar em 1978, levando pra casa as estatuetas de Melhor Filme, Diretor (Allen), Roteiro Original e Atriz (Diane Keaton).
O roteiro de Allen é realmente diferenciado. Verborrágico, intenso e reflexivo, o texto fala com os personagens e com espectador. Ao quebrar a quarta parede e interagir também com os figurantes Alvy mostra que é tão vivo e real como eu ou você. Tão complicado como nós, que achamos que os esquisitos são os outros. Esse é um dos pecados de quem vive um relacionamento tentando "melhorar" a (o) parceira (o), como se aquela pessoa fosse uma bela pedra de mármore a ser manipulada e esculpida pelas mãos do perfeito escultor. Exigências podem nos fazer crescer, mas o excesso cansa. Aí é a hora que cai a ficha que a boa parceria tem que fazer bem, por isso nos afastamos do escultor e da sensação de precisar fazer sempre mais para cumprir com as expectativas.
O final do filme mostra que é necessário reavaliar o caminho para mudar a chegada. Contar para si a história até que a maturidade nos habilite a escrever a próxima.
8.5
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Dirigido por James Mangold e estrelado por Matt Damon e Christian Bale, "Ford Vs. Ferrari" (2019) traz os bastidores da entrada da Ford Motor Company no setor automobilístico dominado até então pela italiana Ferrari. Mas não se engane, o filme não é sobre carros. Ele diz mais sobre pessoas, paixões, vaidades e lealdade. Bale interpreta o piloto britânico Ken Miles, cujo temperamento é proporcional ao talento nas pistas. Damon é o ex-piloto e designer automotivo Carroll Shelby que aceita o desafio de projetar um carro e liderar a equipe capaz de vencer a tradicional corrida de 24 horas de Le Mans, na França, dominada há anos pelo vermelho da Ferrari.
Mangold nos coloca não apenas nas pistas, mas principalmente nos bastidores corporativos do negócio. O presidente da Ford, por exemplo, é apresentado como uma figura extremamente vaidosa, uma criança que quer provar que seu brinquedo é o melhor da creche. O contraponto vem com o passional Enzo Ferrari e o nítido comprometimento com o esporte.
As cenas de corrida são muito boas e mantém a visão do público próxima da pista, onde risco de colisão é maior e a típica megalomania de capotamentos e batidas extravagantes de Hollywood é deixada de lado. Dentro do cinema é possível sentir perfeitamente o barulho dos motores que só ressalta o belo trabalho da equipe de som da produção. Bale e Damon devem ser lembrados pela Academia do Oscar, com mais chances para o primeiro. A indicação para Melhor Filme, Roteiro e Direção também é uma possibilidade.
O roteiro, por sinal, equilibra muito bem os dramas de "Ford Vs. Ferrari", acelerando e freando de acordo com o desenvolvimento da história. Se você não estiver familiarizado com os fatos reais irá aproveitar ainda mais essa corrida. Ganhar o espectador a cada volta, deixando-o apreensivo com a prova, chateado com os conchavos e torná-lo um torcedor é o grande mérito do longa. Miles, um exímio piloto, mostra que é conhecendo os limites que atingimos todo o potencial, e é no percurso que se faz um campeão.
"O Iluminado" é um dos livros mais famosos de Stephen King a ganhar uma adaptação cinematográfica e também um dos casos mais controversos. Apesar do sucesso e dos elogios, King torceu o nariz para a versão de Kubrick. Quase 40 anos depois, "Doutor Sono" (2019) chega aos cinemas adaptando a continuação do livro escrita por King em 2013 e ao mesmo tempo reverenciando o longa de Stanley Kubrick que tanto irritou o escritor.
A trama nos mostra Danny Torrance, o pequeno sobrevivente do inverno no Hotel Overlook, que conseguiu fugir com sua mãe da loucura que acometeu o pai, Jack Torrance, em 1980. Já adulto, Danny aprendeu a lidar com os fantasmas do Overlook que tentaram persegui-lo, mas recebeu o alcoolismo como herança maldita do velho pai. As sequelas das experiências traumáticas da infância e o peso da responsabilidade por seu dom iluminado são evidentes. Então, sem grandes expectativas na vida, Danny segue pulando de emprego em emprego, sem rumo ou direção, até chegar a Hampshire, onde finalmente encontrou um pouco de paz.
Lá ele inicia uma estranha amizade com Abra, uma garota iluminada que lhe pede ajuda quando descobre que um grupo de andarilhos matou outra criança que possui a "iluminação". Os assassinos, chamados de "O Nó", matam jovens iluminados para se alimentar do vapor que os tornam especiais. Assim eles permanecem fortes e jovens por muito tempo.
O filme é dirigido por Mike Flanagan, responsável por "Jogo Perigoso" (2017), produção da Netflix à partir de outro livro de King. O diretor faz um trabalho bem competente quando se aproxima do material original, porém ao tentar imitar o estilo de Kubrick, em planos e jogo de câmeras, o resultado é insosso. Talvez, a exigência do estúdio em conectar ao máximo "Doutor Sono" e "O Iluminado" tenha prejudicado o novo filme a se desenvolver como uma obra independente. A decisão de recriar cenas clássicas e colocar sósias de Jack Nicholson e Shelley Duvall, ao meu ver, foi um erro crasso. Até gostei do uso dos espíritos do Overlook, da volta ao hotel e como ele se conecta com o fim da história, mas passaram do ponto.
Mesmo com essas ressalvas, gostei do filme. Bons personagens, elenco correto, efeitos dignos e o enredo consegue unir as três pontas narrativas do roteiro. Tentei afastar minha análise do "filme que eu gostaria de ver" em prol do "filme que vi", pois pessoalmente eu preferia acompanhar uma trama mais focada em Danny Torrance e seus demônios interiores.
Para quem esperava uma produção no estilo de "O Iluminado" (1980), aviso que "Doutor Sono" está mais próximo da energia do recente "IT" (2017), apesar do esforço da Warner em agradar gregos e troianos, Kings e Kubricks.
Desde "O Exterminador do Futuro 2" (1991) a franquia iniciada por James Cameron tenta repetir o sucesso dos dois primeiros filmes. Porém as produções que vieram a seguir ficaram muito aquém do esperado e é praticamente unânime a baixa qualidade das sequências. Nem mesmo a recorrente presença do astro Arnold Schwarzenegger salvou o barco.
Cameron, que nunca esteve envolvido nas malfadadas continuações, recuperou o domínio da marca "O Exterminador do Futuro" e decidiu produzir mais um filme baseado em uma história própria que prometia ignorar tudo que aconteceu após os eventos do segundo longa. Para essa missão Cameron recrutou Tim Miller (Deadpool) para a direção, David Goyer para roteirizar e Linda Hamilton para reviver Sarah Connor, mãe de John, o líder da resistência contra as máquinas no futuro apocalíptico.
O problema é que "O Exterminador do Futuro - Destino Sombrio" (2019) não é um continuação genuína do longa que marcou época em 1991. Na verdade a trama dá um belo chute em todo plot de John Connor e Skynet para contar uma nova história de olho nas tendências atuais do cinema. Se você olhar com atenção, a personagem de Sarah Connor é tão irrelevante para o desenvolvimento do enredo que se ela fosse substituída por outra não faria a menor diferença. Sua presença, infelizmente, é usada apenas para atrair os fãs mais nostálgicos.
É, de fato, uma pena que Cameron tenha optado por sepultar toda a mitologia da família Connor para investir numa heroína de apelo zero. "Destino Sombrio" começa bem promissor com uma cena sensacional que recria digitalmente as versões jovens de Sarah, John e do Exterminador. A visão dos esqueletos de metal saindo da água com armas nas mãos ainda são impactantes. O final também não é de todo mal. A sequência de ação é bem competente. Mas, e sempre tem um "mas", o miolo do filme é cansativo, repetitivo, cheio de clichês e tem os diálogos mais preguiçosos dos últimos anos.
O roteiro é desleixado e entrega soluções pobres para questões pobres. O elenco não chega a ter culpa. Mackenzie Davis é ótima, mas parece ter caído de paraquedas em uma história frágil. Hamilton faz apenas presença vip e Arnold tá lá para nos lembrar que a franquia perdeu o rumo de vez quando passou a utilizá-lo como chamariz decorativo para vender o filme.
As cenas de ação, ponto alto da série, também perderam o apelo diante da insistência do embate de exterminador e mocinhos (as) a cada 5 minutos. Criatividade passou longe e não foi dessa vez que o mundo foi salvo de mais uma sequência pálida de "O Exterminador do Futuro".
RoboCop: O Policial do Futuro
3.6 683 Assista AgoraUm dos grandes filmes do final da década de 80, "Robocop" chocou boa parte do público com sua alta dose de violência, mas esta é um elemento vital para contar a história da decadente Detroit refém da criminalidade e um prato cheio para empresas privadas como a OCP oferecer seus serviços de segurança. O produto a ser vendido é o uso de ciborgues e robôs para substituir a força policial consumida pela ineficiência e corrupção. Nessa disputa de mercado a OCP concebe o Robocop, um androide mesclado com partes humanas do policial Alex Murphy, brutalmente assassinado por uma gangue de criminosos.
Mesmo com os debates sobre a violência, o filme do diretor Paul Verhoeven foi um enorme sucesso que ultrapassou as fronteiras do cinema para passear por outras mídias como os desenhos animados e as histórias em quadrinhos. O longa também gerou uma franquia com mais duas sequências e um malfadado remake dirigido pelo brasileiro José Padilha.
"Robocop" passa tranquilamente no teste do tempo pois além de ser um filme ágil e bem conduzido por Verhoeven, traz discussões que não deixaram de ser pauta nos dias de hoje. O uso da força cada vez mais ostensiva no combate à violência, a segurança privada tentando suprir ineficiências do setor público e ocultando seus interesses nem sempre legítimos, e a velha discussão sobre a substituição da mão de obra humana pela tecnologia.
Filmaço.
9.0
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Remédio Amargo
2.8 267Após sofrer um acidente que o deixa de cadeira de rodas o paramédico Ángel se torna cada vez mais obcecado pela namorada.
Protagonizado por Mario Casas, "Remédio Amargo" é um filme bem previsível se você tem certa estrada nos filmes de suspense sobre obsessão nos relacionamentos. O longa tem um bom início, mas é só. A exceção do protagonista nenhum personagem é bem desenvolvido e a trama peca pela falta de novidade. Também não há nenhum momento para fazer o espectador pular da cadeira ou roer as unhas. A reviravolta dos últimos minutos poderia ser uma ferramenta bem interessante se usada na metade do filme para subverter a nossa expectativa. Com certeza seria melhor ver papéis se invertendo e ter a emoção da audiência indo de lado para o outro. Caso esteja à procura de bons suspenses em espanhol indico "O Quarto Secreto" (2011), "Um Contratempo" (2016) e "Enquanto Você Dorme" (2011).
5.0
*Disponível na Netflix
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O Diabo de Cada Dia
3.8 1,0K Assista AgoraA maior virtude do longa "O Diabo de Cada Dia" (2020) é ressaltar o talento de Tom Holland e Robert Pattinson. Os dois atores que ainda encontram certa resistência por parte do público e da crítica se provam a cada trabalho e este é mais um bom desempenho de ambos.
A história do filme privilegia o personagem de Holland, um jovem que muito cedo perdeu os pais em uma situação traumática e vive numa região cercada por fanatismos, violência e corrupção.
"O Diabo de Cada Dia" tem um ótimo elenco numa trama pouco fluida. O diretor Antonio Campos dá suas cutucadas no governo americano envolto na guerra do Vietnã enquanto o próprio país sucumbia em seus interiores mais remotos à violência regida pelas autoridades que deveriam trazer segurança e renovar a fé. A temática religiosa também é colocada em pauta.
Confesso que esperava mais, porém o filme não chega a ser uma decepção.
7.5
*Disponível na Netflix
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Enola Holmes
3.5 816 Assista AgoraEnola Holmes é uma jovem de 16 anos, irmã mais nova do lendário detetive Sherlock Holmes, que parte em uma jornada para descobrir o paradeiro da mãe desaparecida. Distante do modelo que se esperava das moças da época, Enola também foge de seu tutor que deseja enquadrá-la nos costumes femininos daquela Inglaterra.
O filme inicia com Enola falando para a câmera. Tenho a impressão que o recurso da quebra da quarta parede, em que o protagonista fala diretamente com o espectador, tem sofrido um gradativo processo de desgaste. Geralmente a fórmula é associada a uma tentativa de fazer humor, trazer certa intimidade com o público como se este fizesse parte daquela história contada. Entretanto, em alguns casos também serve para indicar a falta de habilidade da direção e relativa preguiça em desenvolver outro mecanismo para nos apresentar o enredo. Fiquei na dúvida em que caso "Enola Holmes" pertence.
Porém, felizmente, o filme tem o trunfo de contar com Milly Bobbie Brown que segura nossa atenção do inicio ao fim. A jovem atriz, que ganhou holofotes na série "Stranger Things", tem um talento absurdo e domínio total da tela. Tenho certeza que seu nome ainda vai figurar entre as maiores atrizes do cinema.
Em contrapartida, a versão marombada do detetive Sherlock Holmes parece feita sob medida para mostrar o preconceito que não nos permite associar a figura meio brucutu do ator Henry Cavill com o brilhantismo do personagem criado por Arthur Conan Doyle. E de fato ator e personagem não encaixam. Contribui pra isso o fato desse Sherlock ser muito mal escrito, apático e quase insignificante na trama. A falta de talento de Henry Cavill também entra na equação.
No balanço geral o filme diverte, tem um clima "Harry Potter" sem magia e mais politizado.
O maior problema do longa, além do Sherlock, é quando o discurso soa mais pesado que o necessário e destoa da atmosfera aventuresca que o filme tem em boa parte do tempo. Só para ficar mais claro, não há problema algum em inserir mensagens, ideologias e lutas legítimas numa produção de entretenimento infanto juvenil, muito pelo contrário, a ferramenta é válida e importante. A questão é trazer os temas à baila de forma condizente com a narrativa. A sensação era que por vezes a brincadeira parava para um recado importante. Tipo a lição do He-man no final dos episódios animados dos anos 80. Em outro momentos a mensagem soava bem mais eficaz ao se misturar com a aventura, provando que era possível o diretor seguir sempre essa linha.
Mirando no público mais jovem, "Enola Holmes" deve, e merece, ter sucesso. Uma boa matinê que vai gerar sequências. Pelo menos é o que esperamos.
7.5
*Disponível na Netflix
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Forrest Gump: O Contador de Histórias
4.5 3,8K Assista AgoraQuando Forrest Gump sentou naquele banco à espera do ônibus e desandou a contar suas aventuras, desde a infância até a vida adulta, nos deparamos com uma das grandes fábulas do cinema. A saga de um homem que venceu o preconceito e com ingenuidade cativante buscou um lugar no mundo e reescreveu a história americana sob a tutela do diretor Robert Zemeckis.
Zemeckis, um dos maiores cineastas menos badalados de Hollywood, fez uma pequena obra prima em "Forrest Gump - O Contador de Histórias". O filme impressiona pela técnica que incluiu o protagonista em diversos momentos simbólicos dos Estados Unidos, mas ganha mesmo o público pela doçura de Forrest, que corria para fugir e para se encontrar. Apesar do QI diagnosticado abaixo do padrão, Gump tinha um perfeito entendimento sobre humanidade. O carinho pela mãe, o respeito às promessas aos amigos e o amor por Jenny, a garotinha que o recebeu ao seu lado no assento do ônibus da escola quando as demais crianças repeliam o garoto de aparelho nas pernas. A subtrama de Jenny é triste e tão real como aquele ciclo vicioso que se repete e impede a felicidade de quem não se acha no direito de ser feliz.
Forrest foi o porto seguro, sempre pronto para acolher e fazer a diferença, mesmo sem ter a exata noção de como transformou a vida de tanta gente.
Sua forma simples de levar o dia a dia e tratar as pessoas, causava certo espanto para uma sociedade que insiste em complicar as relações humanas com seus preconceitos e interesses.
Assim, mais relevante do que ensinar passos de dança para o Rei do Rock, Elvis Presley, Forrest Gump ensinou que idiota é quem faz idiotice e definitivamente esse não é o caso de quem mantém um olhar de respeito e carinho pelo próximo.
10.0
*Disponível na Netflix
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Bonequinha de Luxo
4.1 1,7K Assista AgoraNão é difícil encontrar alguém que reconheça a imagem de Audrey Hepburn trajando um vestido preto, uma tiara de brilhantes na cabeça, colar de pérolas e uma cigarrilha na mão. O quadro, tirado do filme "Bonequinha de Luxo" (1961) ganhou o mundo e virou ícone da cultura pop, tendo diversas versões e estampando camisetas e telas.
Porém, poucos se deram o "trabalho" de ir atrás da fonte. O longa dirigido por Blake Edwards é uma deliciosa comédia, cheia de estilo, uma música tema inesquecível e uma bela história de amor.
Audrey Hepburn é Holly Golightly, uma acompanhante de luxo à procura de um marido rico para esquecer de vez os tempos de pobreza de sua juventude. Todas as manhãs ela tem o ritual de tomar café da manhã em frente a famosa joalheria Tiffany. É olhando para a vitrine que Holly esquece os problemas e sonha com o futuro.
Ambiciosa e determinada, a moça tem suas convicções abaladas com a chegada do vizinho Paul Varjak (George Peppard), um escritor sustentado por uma mulher mais velha que o tem como amante.
Baseado no texto de Truman Capote, "Bonequinha de Luxo" quase teve outra protagonista. Capote vendeu os diretos de sua obra desejando Marilyn Monroe como protagonista, mas a atriz recusou o papel com receio de associar sua imagem a uma garota de programa.
O roteiro, que inicialmente pode induzir o espectador a achar que o filme é uma comédia romântica bobinha, na verdade é um conto sobre uma mulher e suas escolhas.
Holly decidiu fugir de uma realidade dura, deixando para trás coisas importantes. Consciente disso, ela tentou a todo custo viver um sonho para não pensar no que passou. À primeira vista, sua personalidade pode parecer fútil, mas não há futilidade no coração de quem só quer ser feliz. Paul surge na trama para ajudar Holly a se conectar consigo mesma e fazê-la compreender que é impossível viver sem vínculos genuínos de amor. Ela, que tinha medo de nomear seu gato de estimação para evitar laços afetivos, acabou percebendo que os sentimentos não precisam de denominação.
Um filmaço para ver e se emocionar ao som de "Moon River", canção vencedora do Oscar.
10.0
O Relatório
3.5 111 Assista AgoraAdam Driver estrela "O Relatório" (2019), filme que se debruça sobre a comissão do Senado americano designada para apurar os interrogatórios de prisioneiros promovidos pela CIA após os atentados do 11/09.
Produzido pela Amazon, "O Relatório" é mais um filme a desvelar os bastidores nada morais da política. Dan Jones (Driver), incumbido pela senadora Fienne Feinstein (Annette Bening) de chefiar um pequeno grupo para investigar a conduta da CIA e elaborar um relatório sobre as chamadas "Técnicas de Interrogatórios Melhoradas" abre a caixa preta da instituição e mostra como o mecanismo age de modo a tentar apagar os rastros de suas falhas.
Nesse sentido o filme logra êxito em conectar os acontecimentos, sempre situando o espectador. Driver vem ganhando meu respeito à cada novo trabalho, a exceção das atuações afetadas na franquia Star Wars. O ator segura bem o protagonismo com um personagem que não pode demonstrar muitas emoções, mas que vai deixando a indignação crescer sem perceber. Annette Bening também se destaca e não seria surpresa vê-la indicada às premiações que se aproximam.
Os fatos reais que deram base a história aconteceram há pouquíssimo tempo e sob a suposta justificativa que os fins justificam os meios. É a tal conversa do bem maior, presente em uma das falas finais de "O Relatório". Esse pensamento só mostra que nossas condutas com o outro não falam sobre ele, mas sim sobre nós.
8.5
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Judy: Muito Além do Arco-Íris
3.4 356Judy Garland maravilhou o público como a doce menina do Kansas que vai parar no mundo mágico de Oz em 1939, mas em 1968 não havia mais tanta fantasia na vida da atriz e cantora.
"Judy" (2019) é a cinebiografia de Garland em sua passagem conturbada por Londres em 1968 durante uma série de concertos que fez na capital inglesa. Permeando o filme também temos flashbacks de Judy nos bastidores de seu primeiro longa, "O Mágico de Oz" (1939). Nesse lugar escondido do grande público descobrimos como os abusos e a pressão da indústria cinematográfica, personificada na figura do chefão do estúdio MGM, Louis B. Mayer, influenciaram os vícios e instabilidade emocional da mulher que nunca parou de caminhar pela estrada de tijolos amarelos.
Renée Zellweger está muito bem interpretando Garland. Além da semelhança física, especialmente nos planos em que está de perfil, a atriz buscou copiar o olhar e trejeitos da biografada, mas seu grande mérito foi nos passar a sensação constante de esgotamento que Judy exalava. Triste ver o rumo não apenas da carreira, mas de sua vida. Por mais irônico que pareça, a eterna interprete da garotinha Dorothy que dizia que "não há lugar como o nosso lar", não tinha um lar para viver e criar os filhos.
O roteiro trabalha esse sentimento de exploração e sacrifício, e mesmo que o filme tenha problemas consideráveis de edição é uma obra que vale a visita. Seja por Zellweger ou seja por Judy Garland. O final emociona.
7.5
Um Lindo Dia Na Vizinhança
3.5 273 Assista AgoraTom Hanks é Fred Rogers, um pedagogo apresentador de um famoso programa infanto-juvenil nos Estados Unidos que muda a perspectiva de vida do jornalista Lloyd Vogel.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" (2019) é baseado no artigo da revista Esquire escrita por Tom Junod, incumbido de traçar o perfil do apresentador.
Ao ver o filme me peguei algumas vezes sorrindo com cara de bobo e isso é um ótimo sinal de conexão. As lágrimas também tendem a ser outro forte elo de ligação, mas não vamos entrar em detalhes, rs.
Lloyd, um jornalista investigativo designado para fazer a matéria com Mr. Rogers, era pura descrença na imagem construída pelo homem da TV que demonstrava-se um poço de atenção e acolhimento com todos a sua volta.
O repórter parecia disposto a desvelar aquela serenidade irreal aos seus olhos.
Os conflitos familiares de Lloyd moldaram sua visão. Dessa forma, passou a enxergar a vida cinza, deixando, assim, de acreditar na existência das cores.
Porém, o contato cada vez mais íntimo com Rogers o ajuda a trabalhar seus medos e angústias. Certamente, também influenciou diretamente para resolver o passado e impedir a repetição inconsciente em comportamentos futuros.
No final das contas, você escolhe como vai lidar com raiva, dor e mágoas. Como menciona Rogers, há maneiras de trabalhar esses sentimentos sem machucar os outros ou si mesmo. Não é fácil, mas não precisa ser.
9.0
Adoráveis Mulheres
4.0 975 Assista AgoraJo March e suas irmãs voltam para a casa onde viveram na infância para encontrar a caçula que padece de uma doença.
Sob o comando da diretora Greta Gerwig "Adoráveis Mulheres" (2019) é a oitava versão para os cinemas do livro "Mulherzinhas", de Louisa May Alcott.
Gerwig decidiu apostar em duas linhas narrativas alternadas durante todo o filme. Assim vemos o presente e passado de Jo e suas irmãs. Saoirse Ronan é a protagonista Jo, cujo sonho de ser escritora é proporcional ao medo de seguir o caminho da grande parte das mulheres: o casamento.
Nesse sentido o filme traz reflexões importantes sobre o caminho que tomamos e o receio de perder a autonomia da própria vida. Às vezes esse temor que nos leva a fugir pode nos deixar preso a outro roteiro engessado. A felicidade não tem destino certo e sucesso profissional não precisa seguir o caminho oposto do campo sentimental.
As irmãs representam bem cada modo de ver a vida. Florence Pugh quase rouba o protagonismo de Saoirse. A jovem atriz que chamou atenção no terror "Midsommar" promete ser figurinha carimbada nas futuras premiações da indústria cinematográfica. Emma Watson, a eterna Hermione da franquia Harry Potter, tem atuação correta, mas discreta e Laura Dern pra variar está ótima, interpretando a mãe das garotas.
Em suma, "Adoráveis Mulheres" é um belo filme sobre caminhos, escolhas, concessões e felicidade.
8.0
Dois Papas
4.1 962 Assista AgoraDirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e produzido pela Netflix, "Dois Papas" (2019) traz uma longa conversa entre o então Papa Bento XVI e seu futuro sucessor, o Papa Francisco. O filme é baseado no livro de Anthony McCarten e tem excelentes interpretações de Jonathan Pryce é Anthony Hopkins.
"Dois Papas" trabalha como porta voz do Papa Francisco, realçando sua simplicidade, virtudes e a aura de um cara legal, bem distante da imagem rígida e extremamente conservadora do Papa Bento XVI.
Meirelles também dedica tempo para justificar o passado controverso do Padre Bergoglio (Papa Francisco). Alguns poderão empregar o termo da moda "passar pano", mas eu prefiro me manter otimista em acreditar na mudança do homem, que o diretor faz questão de frisar em vários momentos do longa.
Tecnicamente "Dois Papas" tem uma edição confusa e pouco fluida. Há uma indecisão entre o tom documental e a forma mais tradicional de filmar. É nítido também a intenção de Meirelles em tornar o filme mais leve e descontraído acrescentando trilha sonora pop e humor. Essa informalidade pontual é interessante para atrair um número maior de espectadores.
Até a metade da projeção "Dois Papas" tem ritmo mais lento e fica preso ao contraste entre os dois membros da igreja. A cada cena a direção pinta os dois personagens com cores fortes para não haver dúvidas na cabeça do público quanto às diferentes filosofias. Em dado momento, pensei: "Ok, eu já entendi! Vamos adiante!".
A grande virada acontece quando a dupla vai à Capela Sistina, no Vaticano, para uma conversa franca sobre passado, presente e futuro.
É aí que o filme ganha fôlego, profundidade e melhora bastante.
7.5
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Jojo Rabbit
4.2 1,6K Assista AgoraTaika Waititi nos leva de volta a Alemanha nazista para contar a fábula "Jojo Rabbit" (2019) sobre um garoto fã de Hitler, mas que não entende muito bem a natureza dos judeus até descobrir que uma jovem judia se esconde em sua casa.
O filme de Waititi é carregado de humor politicamente incorreto, porém tudo é feito para exagerar uma realidade por si só absurda. As atuações tem o timing perfeito para a comédia e para os momentos mais emotivos. Scarlett Johansson e Sam Rockwell estão ótimos em papéis coadjuvantes, Taika Waititi segura bem a reimaginação afetada do Führer, mas o grande destaque vai para o pequeno Jojo, Roman Griffin Davis e da jovem atriz Thomasin McKenzie. A dupla ganha o espectador do início ao fim.
"Jojo Rabbit" pode eventualmente lembrar o oscarizado "A Vida é Bela" (1997), ao brincar e emocionar dentro do cenário triste da Guerra e do Holocausto. Para alguns, um assunto delicado demais para ser pincelado com humor, mas esse filmes são como instrumentos efetivos para a transmissão de mensagens importantes como a coragem, a fé e a capacidade do ser humano de se manter de pé e otimista mesmo diante dos horrores que podem bater à porta.
8.0
1917
4.2 1,8K Assista AgoraA próxima edição do Oscar que ocorrerá no dia 09 de fevereiro tem uma lista de nove filmes concorrendo ao principal prêmio da noite. Para a sorte do público todos os concorrentes estão acima da média e fazem jus a nomeação, porém uma produção dobra a meta e ultrapassa os concorrentes tornando-se uma obra que o tempo se encarregará de colocá-la entre os gigantes do cinema.
"1917", do diretor Sam Mendes, é estupendo. O longa sobre dois soldados britânicos enviados para entregar uma mensagem à um regimento no intuito de evitar a morte de 1600 colegas durante a Primeira Guerra Mundial é um primor.
Sam Mendes idealizou o filme de forma a aparentar um único take. Ou seja, acompanhamos o protagonista integralmente em sua jornada, seguindo seus passos e observando as mesmas ruínas da guerra que seus olhos veem.
O diretor tem o pleno domínio do jogo. Sabe onde colocar as peças para conseguir o efeito desejado. A trilha sonora pontua bem os atos e a fotografia é de encher os olhos. Os planos abertos estão entre os mais bonitos das últimas décadas no cinema.
Posso estar cometendo algum exagero, me perdoem o entusiamo, mas aposto que "1917" terá relevância semelhante a Apocalypse Now, filme de Francis Ford Coppola que revolucionou os filmes de guerra.
10.0
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Star Wars, Episódio IX: A Ascensão Skywalker
3.2 1,3K Assista Agora"Star Wars - A Ascensão Skywalker" (2019) é o último capítulo da nova trilogia, que teoricamente encerra a história da família Skywalker e sua luta contra as forças do mal para salvar a galáxia. Após o segundo filme ter gerado polêmica e insatisfação pelas decisões criativas do diretor Ryan Johnson, JJ Abrams, cineasta responsável pelo primeiro longa, foi convidado a retornar ao comando.
Com isso a expectativa era que "A Ascensão Skywalker" diminuísse o efeito Ryan Johnson e de brinde distribuir fan service.
Acontece que a vontade de agradar o público não pode cercear o ímpeto e a ousadia do autor. Infelizmente foi o que vi em "Uma Nova Esperança", filme que iniciou a história da catadora de lixo Rey, e agora com o desfecho da trilogia.
Abrams exagerou na mitologia da "Força", algo que sempre enxerguei como sentimento que amadurecia dentro do indivíduo, e transformou os Jedi em super heróis da Marvel.
Esse aumento de proporção tirou boa parte da aventura e investiu tempo e energia em mistérios pouco convidativos e lutas para encher os olhos dos fãs. É inegável que visualmente os filmes impressionam, mas quando o assunto é roteiro e desenvolvimento de personagens a coisa complica.
"A Ascensão Skywalker" sofre bastante nesses dois segmentos. O enredo se divide entre mimar os seguidores fiéis com referências ao material clássico, corrigir equívocos do filme anterior, finalizar a história. Recheando tudo isso você encontrará diversas conveniências de roteiro, soluções fáceis e milagrosas. É um festival de morre, mas não morre que só indica a falta de coragem da direção para tomar rumos mais arriscados. JJ Abrams vai sempre na bola de segurança.
Os principais nomes da nova leva de personagens sofreram com a falta de harmonia entre os três filmes. Finn será menos lembrado que o androide dourado C-3PO e Poe Dameron tinha potencial mas sempre estava fora dos melhores momentos.
Rey foi o destaque e não tinha como ser diferente. Enquanto na trilogia original as atenções eram bem divididas pelos heróis Luke, Leia e Solo, aqui Rey foi criada para não dividir o protagonismo.
Todos os plot eram voltados para ela e exceto uma carona ali e outra acolá pela galáxia, a jovem resolveu toda batalha sozinha
Já o vilão talvez seja o mais problemático. Kylo Ren é uma mistura de chiliques e indecisões. Imagino o neto do temido Darth Vader enfrentando o dilema de escolher as opções para o almoço no self service ou a cor que vai pintar o apartamento. Mais inconstante impossível.
Mas o filme é ruim? Não.
Então é bom? Hummm....Não é um desperdício de tempo, mas é um filme menor para o tamanho da franquia.
7.5
Os Aventureiros do Bairro Proibido
3.7 568 Assista Agora"Os Aventureiros do Bairro Proibido" (1986) é uma das maiores pérolas dos anos 80. Se você foi um espectador assíduo das sessões de filmes da Globo, como "Sessão da Tarde" ou "Temperatura Máxima", certamente conhece essa divertida aventura dirigida por John Carpenter e estrelada por Kurt Russel.
Carpenter tem em sua filmografia outros destaques. O primeiro e mais celebrado longa da franquia "Halloween" (1978), "Fuga de Nova York" (1982) e "O Enigma de Outro Mundo" (1983), ambos em parceria com Russel, que além de ser uma das caras do cinema de ação da época, incorporava como ninguém a figura do anti herói malandro e carismático.
Jack Burton, protagonista de "Os Aventureiros do Bairro Proibido", não foge à regra.
A trama parece fruto de uma viagem alucinógena dos roteiristas.
O caminhoneiro Jack Burton precisa ajudar o amigo Wang Chi, que teve a noiva sequestrada por uma gangue de Chinatown, mas o feiticeiro Lo Pan não pretende deixar que ninguém atrapalhe seu plano para reencarnar em um corpo mais jovem.
Misturando ação, aventura e fantasia, o filme de Carpenter, que inicialmente seria um faroeste, é uma galhofa das boas. Praticamente um cartoon ou um vídeo game divertido em que você precisa vencer os inimigos e o grande chefão para salvar a princesa. Coincidentemente, o longa serviu de inspiração para os criadores da série de jogos Mortal Kombat.
Russel está à vontade no papel. Como falei, o personagem reúne o estereótipo mais identificável daquela geração. John McClane, Indiana Jones, Martin Riggs, Axel Foley e Jack Burton.
O parceiro Wang Chi é a versão asiática de Martin McFly, sempre nervosinho e corajoso. David Lo Pan é o típico vilão inesquecível. Malévolo, controlador e megalomaníaco. Sinto que poderiam ter explorado mais sua figura, que lembra bastante outro símbolo dos anos 80, Mumm-Ra, O de vida eterna!
Outro nome conhecido do elenco é Kim Catrall, famosa por sua participação na série "Sex and City". Ela faz a mulher impetuosa e interesse romântico de Burton.
Kung Fu, tiros, magia e piadas fazem de "Os Aventureiros do Bairro Proibido" uma bobagem divertida que ri de si mesma o tempo todo e a torna uma ótima matinê.
7.5
A Primeira Tentação de Cristo
3.0 345Utilizar o humor como ferramenta para criticar, satirizar e provocar tocando em assuntos delicados não é novidade. O famoso grupo inglês Monty Phyton teve êxito nessa tarefa de fazer graça e gerar reflexão com os clássicos "O Sentido da Vida" (1983) e especialmente em "A Vida de Brian" (1979), filme que traz o personagem Brian, contemporâneo de Jesus, passando pelas provações de seu tempo. Porém, para alcançar o propósito maior de fazer rir e questionar, a comédia que brinca com a história deve se manter distante da ofensa gratuita cujo único objetivo é provocar polêmicas vazias. Tal recurso acaba denunciando certa falta de criatividade para cutucar e ao mesmo tempo chegar a algum lugar.
"A Primeira Tentação de Cristo" (2019) é o segundo especial de Natal do grupo Porta dos Fundos para a Netflix. O primeiro recentemente ganhou um importante prêmio internacional, mas confesso que não encontrei muita graça no especial natalino. Na nova produção continua a carência de um bom texto para aproveitar o talento de Fábio Porchat e Rafael Portugal, os grandes destaques da trupe. As piadas acabam caindo no lugar comum de brincar com a sexualidade de figuras históricas apenas para incomodar, mas se você, na qualidade de espectador, verbalizar o incômodo facilmente receberá a carapuça de conservador, crente (no sentido pejorativo que alguns atribuem) e censor da liberdade. O Porta dos Fundos já mostrou em outras oportunidades que pode fazer melhor.
Comédia e respeito não precisam andar em lados opostos, e ao falar isso não estou me posicionando no lado do politicamente correto. Longe disso. É apenas uma questão de propósito ou da falta dele. A risada é o disfarce do comediante para passar sua mensagem, então, sem algo a dizer, o Especial Porta dos Fundos materializa a criança que quebra a árvore de Natal buscando atenção.
Espero que o Papai Noel traga um presente melhor no próximo ano.
4.0
História de um Casamento
4.0 1,9K Assista AgoraChega à Netflix "História de um Casamento" (2019), filme do diretor Noah Baumbach estrelado por Scarlett Johansson e Adam Driver, que traz um casal enfrentando o divórcio em meio à uma confusão de sentimentos.
O longa de Baumbach deve receber indicações para as principais categorias da próxima edição do Oscar e já tem minha torcida. Joaquin Phoenix, até então super favorito pela atuação em "Coringa", ganhou um concorrente de peso. Adam Driver está excelente em um papel mais difícil e sem bengalas de interpretação. Scarlett Johansson faz de tudo aqui. Dança, atua, ri, chora e faz chorar. Juntos, Driver e Scarlett fazem um casal verdadeiro, cuja emoção salta para o espectador. Quando eles estão felizes nós estamos ótimos e quando as lágrimas vêm, bem...
É o êxito da direção em proporcionar emoções genuínas e conectar produção e público. Prestem atenção nos símbolos que a todo momento surgem em tela. É o filme conversando com você o tempo todo.
No início temos o casal lendo em silêncio o relato que cada qual fez sobre as qualidade do parceiro. O objetivo era que o material lido em voz alta pudesse servir para lembrar os motivos que os levaram a se apaixonar pelo outro, visto que durante o processo de separação tais memórias poderiam ser deixadas de lado. Perceberam que "História de um Casamento" já começa metendo o pé na porta dos canais lacrimais?
Porém, diante de mágoas e ressentimentos, as coisas boas vão ficando em último plano. Nicole (Johansson) sentia que no casamento seus desejos eram pouco respeitados e por isso acabou vivendo mais a vida de acordo com a direção apontada por Charlie (Driver). Ela queria algo dela e só dela. Queria mais espaço do que tinha vivendo imprensada trabalhando com marido em Nova York.
Ele queria seguir a vida no ritmo de suas escolhas. Amava o que tinha e isso o impedia de ver que a relação é construídas por "EU", "ELA (E)" e "NÓS". Na verdade ele sabia, apenas não percebeu que Nicole se sentia como apêndice e não como um órgão vital.
E no meio dessa relação, um filho disputado por duas pessoas competitivas que buscavam o "EU".
Sentimentos à flor da pele nos fazem desabar com um simples "Como você está ?", e colocar pra fora o que magoa e o que pode magoar. Muitas palavras ditas no calor do momento não refletem a verdade sóbria, apenas mentiras bêbadas para fazer o outro sentir a dor que você precisa compartilhar e a forma que encontra é machucando quem ama.
Quando há a terceirização da comunicação o assunto íntimo torna-se impessoal. Números, coisas e dias. É a incapacidade de gerir os próprios sentimentos. De fato não é fácil.
Com tempo sua foto não está mais na parede, você não faz mais parte da banda. No anúncio do fim dos Beatles a manchete era: "O Sonho Acabou". Talvez sim, mas se você ler em voz alta a carta que um dia escreveu e tudo aquilo ainda fizer sentido, verá que o sonho pode acabar, mas o amor não.
10.0
*Disponível na Netflix
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Mother - A Busca Pela Verdade
4.1 279"Mother" (2009) é mais um filme interessante oriundo da Coréia do Sul, que merece ser visto.
A história traz uma mãe buscando o verdadeiro assassino de uma jovem, para poder inocentar o próprio da filho, preso pelo crime.
O longa tem direção de Bong Joon-ho, responsável também por Expresso do Amanhã (2013), Okja (2017) e Parasita (2019). Ao analisar sua filmografia já consigo apontá-lo como um dos grandes diretores do cinema atual e recomendo que vocês procurem seus últimos trabalhos.
Aqui, Joon-ho foge de clichês dos filmes investigativos e nega redenções formulaicas. O caminho percorrido pela protagonista reflete o sofrimento de compreender os instintos que determinam, ou pelo menos influenciam bastante, as decisões tomadas. Junto desses sentimentos vêm a auto-análise e a culpa que muitas vezes se traduz em super proteção e cegueira passional.
Além dessas questões principais, "Mother" ainda encontra espaço para criticar o entorno, cuja empatia inexiste. Mesmo diante de uma situação difícil, sempre haverá alguém tentando explorar a necessidade alheia.
Assim, "Mother" é um drama eficiente sobre obstinação, instinto e culpa, que conta com uma direção caprichada e atuação acima da média da atriz Kim Hye-ja.
8.0
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O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraDepois de declarações que levantaram discussões sobre o atual cinema e o espaço exagerado dedicado aos blockbusters, Martin Scorsese estreia "O Irlandês" (2019). O filme, uma produção da Netflix, marca a reunião do diretor com uma seleção de lendas de Hollywood. Robert De Niro, parceiro habitual, e Joe Pesci reencontram o Scorsese na história de Frank Sheeran, veterano de guerra e motorista de caminhões que entra para máfia e se envolve com o famoso líder sindical Jimmy Hoffa.
Hoffa, que já foi interpretado por Jack Nicholson em 1992, agora recebe o talento de Al Pacino que pela primeira vez trabalha com Scorsese. O longa ainda conta outro peso pesado, Harvey Keitel em pequena participação.
O filme tem duração aproximada de três horas e vinte minutos, por isso separe tempo para entrar naquele mundo.
O diretor, que coleciona clássicos em sua filmografia como "Táxi Driver", "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros", entrega em "O Irlandês" um verdadeiro épico que faz um recorte de décadas da vida de Frank Sheeran e do meio que ele estava inserido.
A produção, ao contrário de outras, não traz glamour à máfia. O ponto central é a consequência da fidelidade dentro de um ambiente tão violento.
Sheeran precisou tomar decisões que lhe custaram muito, e os anos vividos, mais do que aquele tipo de vida proporcionou aos seus colegas de crime, nos faz pensar sobre dádiva e penitência. Envelhecer com tantas lembranças que gostaria de esquecer deve fazer o tempo passar mais devagar.
Para retratar tantas idas e vindas Scorsese lançou mão de efeitos digitais bem competentes para rejuvenescer o trio principal. O resultado ficou muito bom, mas em algumas tomadas é possível notar a movimentação mais lenta dos atores que não condiz com a idade dos personagens. Se esse foi preço para poder contar com os três, acho que valeu a pena.
De Niro deve colher indicação ao Oscar para Melhor Ator. Mesmo fazendo o mesmo papel de sempre, ele continua excelente. Pesci e Pacino devem disputar uma vaga entre os Coadjuvantes, isso se a Academia não fizer uma dupla indicação. Minha torcida é para Pacino, pois faz o filme ganhar força a partir de sua primeira aparição.
Scorsese já tem vaga certa entre os diretores e surge como favorito. É notável sua habilidade para dar ritmo a longa duração de "O Irlandês" e seu apreço técnico. Podemos dizer que ele não apenas dirige, mas realiza o filme. Tem o controle total da produção e nos entrega uma experiência cinematográfica. Ninguém é obrigado a gostar da experiência, mas impossível negar sua existência.
Por isso, o humilde conselho que dou é: Experimentem, ousem e consumam o cinema fora da caixinha. Deem um tempinho na montanha-russa (que também acho bacana) para conferir "O Irlandês". O parque continuará no mesmo lugar, mas você verá que há muito mais.
9.5
*Disponível na Netflix
**Também está disponível um pequeno vídeo que traz uma conversa descontraída entre Scorsese, Pacino, De Niro e Pesci, analisando "O Irlandês" e suas carreiras.
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Invasão ao Serviço Secreto
3.2 175 Assista AgoraTerceiro filme da franquia improvável estrelada por Gerard Butler, "Invasão ao Serviço Secreto" é um forte candidato a pior produção de 2019.
A história, mais manjada que final de novela das 21h, traz o agente Mike Banning (Butler) novamente cuidando da segurança do presidente dos Estados Unidos. Após um atentado que vitimou toda a equipe de guarda costas e deixou o presidente em coma, Mike torna-se o principal suspeito e precisa fugir para encontrar o verdadeiro culpado.
Pelo plot vocês já perceberam que a originalidade passou longe, mas não fica só nisso. Boa parte do filme parece ter sido realizado no computador. Com certa frequência vemos os atores em cenários projetados em tela azul, que tiram do espectador qualquer chance de imersão. Tais inserções são extremamente mal feitas e me deixaram pensativo quanto ao senso estético dos realizadores.
Os roteiristas colocam elementos e personagem sem a menor relevância para a trama, tentam plantar um mistério que não engana ninguém e enrolam durante quase duas horas o desenvolvimento genérico do longa.
No elenco Gerard Butler mostra o motivo da estagnação da carreira, Nick Nolte paga as contas de casa em uma ponta sem muito sentido e Morgan Freeman passa o filme em coma pra participar o mínimo dessa cafajestada que chega aos cinemas apenas pra raspar o tacho do público que conseguiu reunir nos dois filmes anteriores.
2.0
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
4.1 1,1K Assista AgoraWoody Allen é Alvy Singer, um humorista cheio de neuras que se apaixona pela aspirante a cantora Annie Hall. Ao morar juntos, o relacionamento entra em crise e ambos reavaliam os sentimentos.
Alvy é exigente, tem mania de perseguição e costuma problematizar tudo ao seu redor. Annie se sente confusa e constantemente inferiorizada pelo companheiro e suas manias. Porém o humorista sempre procurou incentivar a namorada a acreditar em si mesma e reconhecer as próprias emoções.
Essa balança de prós e contras dão o peso e significado para o oscarizado "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977).
O longa foi o grande vencedor do Oscar em 1978, levando pra casa as estatuetas de Melhor Filme, Diretor (Allen), Roteiro Original e Atriz (Diane Keaton).
O roteiro de Allen é realmente diferenciado. Verborrágico, intenso e reflexivo, o texto fala com os personagens e com espectador. Ao quebrar a quarta parede e interagir também com os figurantes Alvy mostra que é tão vivo e real como eu ou você. Tão complicado como nós, que achamos que os esquisitos são os outros.
Esse é um dos pecados de quem vive um relacionamento tentando "melhorar" a (o) parceira (o), como se aquela pessoa fosse uma bela pedra de mármore a ser manipulada e esculpida pelas mãos do perfeito escultor. Exigências podem nos fazer crescer, mas o excesso cansa. Aí é a hora que cai a ficha que a boa parceria tem que fazer bem, por isso nos afastamos do escultor e da sensação de precisar fazer sempre mais para cumprir com as expectativas.
O final do filme mostra que é necessário reavaliar o caminho para mudar a chegada. Contar para si a história até que a maturidade nos habilite a escrever a próxima.
8.5
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Ford vs Ferrari
3.9 713 Assista AgoraDirigido por James Mangold e estrelado por Matt Damon e Christian Bale, "Ford Vs. Ferrari" (2019) traz os bastidores da entrada da Ford Motor Company no setor automobilístico dominado até então pela italiana Ferrari. Mas não se engane, o filme não é sobre carros. Ele diz mais sobre pessoas, paixões, vaidades e lealdade.
Bale interpreta o piloto britânico Ken Miles, cujo temperamento é proporcional ao talento nas pistas. Damon é o ex-piloto e designer automotivo Carroll Shelby que aceita o desafio de projetar um carro e liderar a equipe capaz de vencer a tradicional corrida de 24 horas de Le Mans, na França, dominada há anos pelo vermelho da Ferrari.
Mangold nos coloca não apenas nas pistas, mas principalmente nos bastidores corporativos do negócio. O presidente da Ford, por exemplo, é apresentado como uma figura extremamente vaidosa, uma criança que quer provar que seu brinquedo é o melhor da creche. O contraponto vem com o passional Enzo Ferrari e o nítido comprometimento com o esporte.
As cenas de corrida são muito boas e mantém a visão do público próxima da pista, onde risco de colisão é maior e a típica megalomania de capotamentos e batidas extravagantes de Hollywood é deixada de lado. Dentro do cinema é possível sentir perfeitamente o barulho dos motores que só ressalta o belo trabalho da equipe de som da produção.
Bale e Damon devem ser lembrados pela Academia do Oscar, com mais chances para o primeiro. A indicação para Melhor Filme, Roteiro e Direção também é uma possibilidade.
O roteiro, por sinal, equilibra muito bem os dramas de "Ford Vs. Ferrari", acelerando e freando de acordo com o desenvolvimento da história. Se você não estiver familiarizado com os fatos reais irá aproveitar ainda mais essa corrida. Ganhar o espectador a cada volta, deixando-o apreensivo com a prova, chateado com os conchavos e torná-lo um torcedor é o grande mérito do longa.
Miles, um exímio piloto, mostra que
é conhecendo os limites que atingimos todo o potencial, e é no percurso que se faz um campeão.
9.0
Doutor Sono
3.7 1,0K Assista Agora"O Iluminado" é um dos livros mais famosos de Stephen King a ganhar uma adaptação cinematográfica e também um dos casos mais controversos. Apesar do sucesso e dos elogios, King torceu o nariz para a versão de Kubrick.
Quase 40 anos depois, "Doutor Sono" (2019) chega aos cinemas adaptando a continuação do livro escrita por King em 2013 e ao mesmo tempo reverenciando o longa de Stanley Kubrick que tanto irritou o escritor.
A trama nos mostra Danny Torrance, o pequeno sobrevivente do inverno no Hotel Overlook, que conseguiu fugir com sua mãe da loucura que acometeu o pai, Jack Torrance, em 1980. Já adulto, Danny aprendeu a lidar com os fantasmas do Overlook que tentaram persegui-lo, mas recebeu o alcoolismo como herança maldita do velho pai. As sequelas das experiências traumáticas da infância e o peso da responsabilidade por seu dom iluminado são evidentes.
Então, sem grandes expectativas na vida, Danny segue pulando de emprego em emprego, sem rumo ou direção, até chegar a Hampshire, onde finalmente encontrou um pouco de paz.
Lá ele inicia uma estranha amizade com Abra, uma garota iluminada que lhe pede ajuda quando descobre que um grupo de andarilhos matou outra criança que possui a "iluminação". Os assassinos, chamados de "O Nó", matam jovens iluminados para se alimentar do vapor que os tornam especiais. Assim eles permanecem fortes e jovens por muito tempo.
O filme é dirigido por Mike Flanagan, responsável por "Jogo Perigoso" (2017), produção da Netflix à partir de outro livro de King. O diretor faz um trabalho bem competente quando se aproxima do material original, porém ao tentar imitar o estilo de Kubrick, em planos e jogo de câmeras, o resultado é insosso. Talvez, a exigência do estúdio em conectar ao máximo "Doutor Sono" e "O Iluminado" tenha prejudicado o novo filme a se desenvolver como uma obra independente. A decisão de recriar cenas clássicas e colocar sósias de Jack Nicholson e Shelley Duvall, ao meu ver, foi um erro crasso. Até gostei do uso dos espíritos do Overlook, da volta ao hotel e como ele se conecta com o fim da história, mas passaram do ponto.
Mesmo com essas ressalvas, gostei do filme. Bons personagens, elenco correto, efeitos dignos e o enredo consegue unir as três pontas narrativas do roteiro. Tentei afastar minha análise do "filme que eu gostaria de ver" em prol do "filme que vi", pois pessoalmente eu preferia acompanhar uma trama mais focada em Danny Torrance e seus demônios interiores.
Para quem esperava uma produção no estilo de "O Iluminado" (1980), aviso que "Doutor Sono" está mais próximo da energia do recente "IT" (2017), apesar do esforço da Warner em agradar gregos e troianos, Kings e Kubricks.
8.0
O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio
3.1 725 Assista AgoraDesde "O Exterminador do Futuro 2" (1991) a franquia iniciada por James Cameron tenta repetir o sucesso dos dois primeiros filmes. Porém as produções que vieram a seguir ficaram muito aquém do esperado e é praticamente unânime a baixa qualidade das sequências. Nem mesmo a recorrente presença do astro Arnold Schwarzenegger salvou o barco.
Cameron, que nunca esteve envolvido nas malfadadas continuações, recuperou o domínio da marca "O Exterminador do Futuro" e decidiu produzir mais um filme baseado em uma história própria que prometia ignorar tudo que aconteceu após os eventos do segundo longa.
Para essa missão Cameron recrutou Tim Miller (Deadpool) para a direção, David Goyer para roteirizar e Linda Hamilton para reviver Sarah Connor, mãe de John, o líder da resistência contra as máquinas no futuro apocalíptico.
O problema é que "O Exterminador do Futuro - Destino Sombrio" (2019) não é um continuação genuína do longa que marcou época em 1991. Na verdade a trama dá um belo chute em todo plot de John Connor e Skynet para contar uma nova história de olho nas tendências atuais do cinema. Se você olhar com atenção, a personagem de Sarah Connor é tão irrelevante para o desenvolvimento do enredo que se ela fosse substituída por outra não faria a menor diferença. Sua presença, infelizmente, é usada apenas para atrair os fãs mais nostálgicos.
É, de fato, uma pena que Cameron tenha optado por sepultar toda a mitologia da família Connor para investir numa heroína de apelo zero.
"Destino Sombrio" começa bem promissor com uma cena sensacional que recria digitalmente as versões jovens de Sarah, John e do Exterminador. A visão dos esqueletos de metal saindo da água com armas nas mãos ainda são impactantes. O final também não é de todo mal. A sequência de ação é bem competente. Mas, e sempre tem um "mas", o miolo do filme é cansativo, repetitivo, cheio de clichês e tem os diálogos mais preguiçosos dos últimos anos.
O roteiro é desleixado e entrega soluções pobres para questões pobres.
O elenco não chega a ter culpa. Mackenzie Davis é ótima, mas parece ter caído de paraquedas em uma história frágil. Hamilton faz apenas presença vip e Arnold tá lá para nos lembrar que a franquia perdeu o rumo de vez quando passou a utilizá-lo como chamariz decorativo para vender o filme.
As cenas de ação, ponto alto da série, também perderam o apelo diante da insistência do embate de exterminador e mocinhos (as) a cada 5 minutos.
Criatividade passou longe e não foi dessa vez que o mundo foi salvo de mais uma sequência pálida de "O Exterminador do Futuro".
5.0
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