O anúncio que a série "Black Mirror" ganharia um filme interativo chamou a atenção do público, que aguardou ansioso a estreia do longa no catálogo da Netflix.
Bem, após conferir a experiência "Bandersnatch" (2018) chego a conclusão que a produção ficou refém de sua proposta. A série, que ficou conhecida e ganhou fama ao apresentar futuros distópicos, baseados nos rumos que estamos tomando com o uso desenfreado da tecnologia nas nossas vidas, criou a necessidade de sempre surpreender o espectador com novas ideias e re-imaginações. De fato, a opção de oferecer um conteúdo interativo em que o público pode escolher o destino dos personagens e o desfecho da história, é interessante, mas não pode ser o único chamariz a nos atrair. A trama, que traz um jovem programador de videogames às voltas com sua primeira e grande oportunidade no mercado, traz menos camadas do que o esperado. A mensagem sobre livre arbítrio, imposições, alienação e falta de controle sobre o próprio destino já foi melhor trabalhada em longas como "Matrix" (1999) e "O Show de Truman" (1998), por isso a sensação de mais do mesmo. Entretanto, o conceito apresentado pode abrir portas para enredos mais inspirados e quem sabe um novo nicho cinematográfico esteja começando. Dessa forma, "Bandersnatch" vale a viagem, que até diverte em alguns momentos, quando a metalinguagem toma conta e parece que nós é que estamos sendo vigiados. Talvez estejamos mesmo...
6.0
Ps.: O filme tem vários finais, a depender das escolhas que você fizer no decorrer da trama.
A trama do longa conta a história de uma família que foge do pai psicopata e se esconde um uma velha casa isolada da cidade. Após a morte da mãe, os quatro filhos prometem não se separar jamais e para isso precisam esperar que o mais velho complete 21 anos antes que descubram o falecimento da matriarca.
Envolto em uma aura de suspense e terror constante, o filme é dirigido e roteirizado pelo espanhol Sérgio G. Sánchez e produzido pelo compatriota J. A. Bayona, com quem já havia trabalhado no ótimo "O Orfanato" (2007). Esse novo trabalho até lembra, em certa medida, a melancolia assombrada do referido longa de 2007. Entretanto, "O Segredo de Marrowbone" sabe que o público espera mais do que tramas óbvias e trata seu enredo como aquelas famosas bonecas russas, em que uma boneca esconde outra dentro de si, que esconde outra, que esconde outra. O elenco distribui boas atuações e empresta verdade a história contada. George MacKay lidera o casting e Anya Taylor-Joy mostra que é o novo rosto do suspense, após emplacar filmes como "A Bruxa" (2015), "Fragmentado" (2016) e "Thoroughbreds (2017). A jovem também poderá ser vista em "Vidro" (2018) e na versão sombria dos "Novos Mutantes" (2019). A ambientação também se destaca e encaixa perfeitamente na atmosfera de desencanto do filme.
Ao assistir "Marrowbone" não se apresse em desvendar os segredos da casa. Entre, mas deixe a porta aberta.
Dirigido pelo norueguês Hans Stjernswärd e financiado pelo sistema crowdfunding de arrecadação coletiva de fundos, "The Farm" (2018) é um pesado filme de terror, que me fez recordar obras violentas como "O Massacre da Serra Elétrica" (1974) e "Holocausto Canibal" (1980).
O roteiro traz um casal que viaja de carro pelo interior estado, mas ao pernoitar numa pousada, são raptados e levados para uma fazendo, onde encontram outros turistas presos e tratados como animais. Nesse pesadelo gore, os humanos são escravizados para fornecer leite e carne para consumo, como os típicos animais encontrados numa fazenda, e seus captores usam máscaras representando os bichos. O tratamento mecanizado e brutal busca retratar a forma como bois, vacas e porcos são administrados antes de chegar às mesas para serem servidos no jantar. Assim, "The Farm" é uma verdadeira revolução dos bichos feito para chocar e provocar. O filme tem vários momentos de violência explícita de difícil digestão, por isso não é aconselhável aos espectadores mais sensíveis. A ideia de subverter a dinâmica entre presa e predador foi bem executada e exalta a mensagem além do horror, entretanto, acredito que o longa poderia ter desenvolvido um pouco mais o conceito proposto, visto que ficaram algumas dúvidas quanto ao mecanismo da bizarra fazenda e dos envolvidos. A duração relativamente curta do filme, que não alcança uma hora e meia, possibilitaria mais alguns minutos investidos na trama. Apesar disso, "The Farm" é corajoso ao tratar de um tema que o grande público ainda se recusa a discutir, pois o sabor da carne nos faz esquecer do trajeto que ela percorreu até ali.
Nesse exercício de transferência, encarar o horror pode ser um olhar no espelho.
"Suspiria" de Dario Argento é uma experiência sensorial de cores e som, que joga o espectador em um pesadelo psicodélico. Lançado em 1977, o longa virou referência no gênero de terror e suas marcas ainda podem ser sentidas nas produções atuais que insistem em chamar de pós-terror.
Mais de quarenta anos depois, é realizada uma releitura do material original, trazendo mudanças consideráveis na trama, que tem como base a entrada de uma bailarina americana em uma misteriosa escola de dança em Berlim. O diretor Luca Guadagnino ("Me Chame Pelo Seu Nome") foi encarregado de trazer algo novo em "Suspiria" (2018), mas sem ofender o clássico cult do italiano Argento. Adianto que Guadagnino superou as expectativas.
Se no original o mistério se arrastava por quase todo filme, nos deixando intrigados com a estranha escola de ballet, nessa nova versão Guadagnino optou por desvelar o segredo da companhia de dança em seus primeiros minutos e abraçar as transformações de sua protagonista.
Na primeira metade do filme temos contato uma cinematografia bem diferente da profusão de cores marcantes do longa de 1977. Entretanto os closes repentinos remetem ao estilo da época e nos jogam diretamente para os anos setenta. O ritmo é mais lento para apresentar personagens e situá-los no ambiente, mas acelera vertiginosamente em seu último ato.
Bruxaria e ocultismo envolvem o clima de horror, alternando sutilezas e violência gráfica. Os fãs do "gore" e seus banhos de sangue certamente irão aprovar os momentos mais explícitos. Apesar de não ter o mesmo apelo estético do original, o remake conta com atuações menos exageradas e acrescenta nuances a trama de Argento. Dakota Johnson está perfeita no papel, entrelaçando uma ingenuidade prestes a ser maculada. A atriz surge mais sensual do que em toda trilogia "50 tons de cinza". Tilda Swinton, sempre muito bem, talvez seja a espinha dorsal do longa e suas cenas com Dakota são magnéticas. Gostaria de ter visto mais de ambas, visto que minutos preciosos são investidos no personagem do "Doutor", que possui uma jornada parcialmente independente da trama e, assim, pouco acrescenta.
Outro destaque, sem dúvida alguma, fica por conta da coreografia dos números de dança que misturam elementos ritualísticos capazes de seduzir, hipnotizar ou infligir castigos.
Entre as grandes mudanças promovidas por Guadagnino estão as motivações da protagonista e consequentemente, seu destino. A nova versão também é mais didática, facilitando o trabalho do espectador, mas ao explicar demais acaba diminuindo a experiência de sentir o filme. As cenas de sonhos são perturbadoras e os efeitos sonoros realçam o incomodo intencional do gore. Se na década de setenta o final de Argento era rápido e assustador, dessa vez o horror é prolongado em uma sequência insana de sangue e sacrifícios.
Entre homenagens e re-imaginações, "Suspiria" conseguiu se desenvolver como um produto independente de qualidade, sem ofender a obra que serviu de fonte.
9.0
*Ps.: "Suspiria" não é um filme para todos os públicos e provavelmente é o clássico "ame ou odeie". Tem andamento lento, muito simbolismo e passa longes das produções mais comerciais do cinema americano.
Após a cena final, vista em "Fragmentado" (2017), que ligava o filme com os eventos de "Corpo Fechado" (2000), o público ficou ansioso para ver o confronto entre a "Horda" de personalidades, lideradas pela "Fera" (James Macvoy), e o super humano, David Dunn (Bruce Willis).Outra atração prometida era a volta do maquiavélico "Mr. Glass" (Samuel L. Jackson). Tudo isso criou uma grande expectativa em torno de "Vidro" (2019) e jogou a responsabilidade do diretor M. Night Shyamalan nas alturas.
O filme tem início com a perseguição silenciosa de David para encontrar o vilão de múltiplas personalidades. Quando finalmente consegue encontrar a "Fera" e salvar as reféns, os dois são encurralados pelas autoridades e levados a um manicômio judicial, onde serão analisados pela Doutora Ellie Staple (Sarah Paulson). Lá eles se juntam a outro famoso paciente, Elijah Price, que passou a ser conhecido como Mr. Glass, após os atentados mostrados em "Corpo Fechado".
Firmando sua base nesse triângulo de personagens, tive a impressão que o longa enfraqueceu justamente o vértice que deveria ser o ponto forte. Dos três pilares, David foi quem recebeu menos destaque do roteiro, frustando boa parte do público que esperou pela volta do herói. A exploração exagerada das várias faces de Kevin (James Mcavoy) ficou tão repetitiva que tirou boa parte do impacto das transformações, apesar do trabalho impecável do ator. Elijah, cujo codinome intitula o filme, age nos moldes das grandes mentes do crime. Manipula, simula e dissimula para conseguir atingir seus objetivos secretos e talvez seja o personagem mais harmônico dentro do enredo. Este, por sinal, padece de um mal recorrente na filmografia do diretor indiano: desfecho frustrante.
Apesar do primeiro ato bem desenvolvido expondo as fraquezas dos personagens e confinando-os em um ambiente que testa suas crenças, o longa de Shyamalan insiste em explicações desnecessárias e a todo instante busca o paralelo com as histórias em quadrinhos de maneira pouco sutil. O suspense e a ameaça nunca se materializam efetivamente, como nos filmes anteriores da trilogia e a tensão vai se dissolvendo até o terço final.
O embate de super humanos ficou bem aquém das expectativas e o trio foi tragado de maneira simplória. É inaceitável ver o herói por quem torcemos morrer afogado numa poça d'água (!!!), em prol de um roteiro que parece ter gasto toda criatividade na reviravolta final. Até entendo que não podemos ir ao cinema querendo que o filme retrate o script que temos na cabeça, mas esperamos pelo menos que os personagens tenham finais dignos. Por isso, "Vidro" perde bastante quando comparado ao excelente "Corpo Fechado" e ao surpreendente "Fragmentado". Não está entre os piores, tampouco ente os melhores, situando-se ligeiramente abaixo da média, porque ninguém mata o Bruce Willis numa poça d'água e fica impune.
Favorito a levar o prêmio de Melhor Filme no Oscar 2019 (seu grande concorrente é "Roma", de Alfonso Cuáron), "Green Book: O Guia" (2018) é um road movie que se constrói através de uma amizade improvável e fala sobre racismo e inclusão social. A trama nos traz a história real do ítalo-americano Tony Lip (Viggo Mortensen), que passa a trabalhar de motorista e segurança para o músico negro Don Shirley (Mahershala Ali), em turnê pelo Sul do país.
O tal Green Book, que dá nome ao filme, nada mais é do que o roteiro da segregação racial pelo Sul dos Estados Unidos. Mas a geografia do preconceito não estava apenas naquela região. O longa faz questão de mostrar que, mesmo velada, a intolerância pela cor da pele alcançava toda a América.
A turnê pelo sul apenas deixou explícita a segregação e o fomento de estereótipos dos negros, pelos olhos dos brancos. Shirley é tratado com a gentileza incômoda de seus anfitriões, que não estavam acostumados a receber um homem negro a mesa. Esses momentos são extremamente melancólicos e desconfortáveis, pois sabemos que faz parte de um período recente da história e que ainda não foi totalmente extinto. Por isso, as cenas em que o pianista e Tony dividem suas experiências e trocam lições inconscientes, são um respiro agradável.
A sinergia entre Mahershala e Viggo é intensa e garante diálogos arrebatadores, em interpretações dignas de todos os elogios. O roteiro também é merecedor de aplausos, apesar de flertar com alguns clichês.
Tony tinha uma ideia pré concebida sobre os negros e Don Shirley fazia questão de se afastar do senso comum. Ele não ouvia música de artistas negros, refinava seus gostos de acordo com a cultura branca americana e frequentava apenas a alta classe. Seus dois companheiros de banda, que viajam sozinhos em outro carro, nitidamente não buscavam interação com o pianista. Tony, por sua vez, dirigia pela estrada enquanto sua admiração pelo músico ia crescendo a cada cidade em que passavam. As cartas que enviava para esposa deixa claro que o racismo do motorista ia caindo gradativamente sem ele ao menos perceber. Nessa road trip de opostos, as afinidades floresceram quando o respeito mútuo assumiu o protagonismo da história.
"Green Book" nos mostra que a gentileza bruta, meio sem jeito de Tony, é um sentimento mais nobre do que maldade gentil de uma sociedade retrógrada.
Já ganhou minha torcida na corrida pela estatueta dourada.
"O mundo está cheio de pessoas solitárias com medo de dar o primeiro passo."
Situado na Inglaterra do século XVIII, "A Favorita" (2018) traz a rainha Ana em meio a uma disputa de interesses políticos e amorosos. Enquanto Sarah (Rachel Wesz), a duquesa de Marlborough tenta manter sua influência sobre a Rainha Ana (Olivia Colman), a nova criada Abigail (Emma Stone) busca tomar a preferência.
Dentro da filmografia do diretor Yorgos Lanthimos, "A Favorita" é seu filme mais convencional, apesar de preservar os simbolismos presente em seus trabalhos. Nesse jogo de intrigas, o trio de atrizes está sensacional e recebe o merecido reconhecimento com as indicações ao Oscar. Olivia Colman desenvolve bem a personalidade depressiva e insegura da personagem, por isso não seria surpresa sua premiação. Emma Stone e Rachel Weisz travam um verdadeiro duelo de ótimas interpretações. Stone como uma ambiciosa criada que enxerga uma oportunidade de ascender e Weisz como uma conselheira manipuladora.
Interessante analisar algumas passagens do roteiro que retratam bem a psicologia humana. A Rainha Ana sofria de dores físicas, que mais pareciam manifestações dos sofrimentos da vida. Sua revolta com os momentos de beleza denotam a desilusão com o mundo. Como um lugar que permitiu a morte de 17 filhos pode abrigar qualquer manifestação de alegria sublime?
Em outro momento inspirado, Sarah alerta sobre as falsas verdades adocicadas que saem da boca de Abigail para seduzir a Rainha e justifica a dureza de algumas palavras pela legitimidade que amor lhe dá. Com uma bela direção de arte, "A Favorita" é um filme elegante e ácido, ao elocubrar sobre ações e consequências. O final seco, que alterna olhares perdidos, nos mostra que as mentiras forjam eternos servos.
"Vice" (2018) é o novo filme do diretor Adam McKay ("A Grande Aposta"), que conta a ascensão política de Dick Cheney (Christian Bale) até o posto de vice-presidente dos Estados Unidos.
Assim como seu filme anterior, "A Grande Aposta", que tratatava sobre a crise do mercado imobiliário americano, McKay usa a criatividade para explanar temas que poderiam soar confusos e tediosos para o público não iniciado nos meandros dos bastidores da política norte-americana. Sarcástico e extremamente ácido, "Vice" nos mostra a todo momento, de forma debochada, o jogo de manipulação e poder que eclodiu após os ataques de 11/09 e deu espaço para as investidas do verdadeiro detentor das decisões na Casa Branca. Os traços da personalidade de Cheney por vezes me lembrou o fictício Francis Underwood (Kevin Spacey), da série "House of Cards". Ambos colocaram a ambição a frente dos preceitos éticos e morais, e utilizaram de suas posições políticas para influenciar, controlar e mudar os rumos do país de acordo com os próprios interesses.
A metáfora da pescaria, recorrente durante o longa, é apropriada para mostrar as faces de um homem que prepara o anzol esperando pela oportunidade de fisgar o peixe grande.
Christian Bale deve levar o Oscar pelo papel, se a Academia seguir a tendência das premiações que precedem o prêmio máximo da indústria cinematográfica. O ator está ótimo, assim como Amy Adams, que interpreta Lynne Cheney, esposa do protagonista. Mas, diferente de seu colega de cena, não deve levar a estatueta dourada. Tampouco Sam Rockwell, apesar de entregar uma interpretação inspirada do ex-presidente George W. Bush.
Adam McKay merece créditos por tocar em um assunto espinhoso da história recente dos Estados Unidos e, em vários momentos, ridicularizar os absurdos da vida real, nos convidando a rir e, em seguida, refletir. Nesse sentido, McKay é como aquele professor, de métodos pouco ortodoxos, que procura ensinar um assunto chato, para a maioria da classe, de uma forma atrativa. Pode não ter ganho toda a turma, mas conseguiu a atenção de muitos espectadores.
"Sementes Podres" (2018) é aquela grata surpresa que você encontra ao acaso zapeando o catálogo da Netflix. Essa comédia francesa de tom leve, mas temas fortes, traz a história de Wael (Kheiron), trapaceiro contumaz que vivia de pequenos golpes com sua mãe adotiva, até ser recrutado para ser o mentor de uma turma de jovens problemáticos.
A eterna "bela da tarde", Catherine Deneuve, empresta todo seu carisma e divide a tela com um elenco menos conhecido do grande público. Kheiron, que também dirige o longa, conduz o enredo abordando assuntos tristes, mas sem cair nas armadilhas dos melodramas. Algo semelhante vimos em "Intocáveis" (2011), outra agradável produção do cinema francês. A sensação de esperança permeia a história e a empatia com os personagens é imediata. Talvez, essa seja a palavra chave de "Sementes Podres": empatia.
Nos colocar no lugar do outro nem sempre é uma tarefa fácil, pois temos uma agilidade fora do comum em julgar ações condenáveis. Porém esquecemos que todo problema tem uma origem e somos frutos de experiências boas e más. O que passamos na infância pode repercutir na vida adulta, assim como o hoje pode mudar os rumos do amanhã. Por isso é extremamente importante exercemos essa tal empatia com o próximo. Observar, ouvir, compreender e ajudar. Isso faz toda diferença.
Dessa forma, "Sementes Podres" além de ser um divertido entretenimento, inspira bons sentimentos. Aqueles que mudam destinos e transformam vidas.
Após ganhar o título mundial de boxe de sua categoria, Adonis Creed, herdeiro do lendário Apollo, é desafiado pelo filho do homem responsável pela morte de seu pai, o boxeador russo Ivan Drago. Vivendo o esquecimento na Ucrânia e renegado pelo seu país de origem, Drago e seu filho encontram a chance de recuperar o respeito quando o promotor de lutas, Buddy Marcelle tem a ideia de promover a luta das novas gerações. Mesmo sem a benção de Rocky, seu treinador, Adonis segue seus impulsos de lutador, enquanto acontecem transformações significativas em sua vida pessoal.
O roteiro de "Creed II" (2018) é como uma viagem por um lugar conhecido que sempre deixa saudades. Você já sabe o caminho, mas ele nunca deixa de te emocionar. Ryan Coogler, que comandou o primeiro longa derivado da franquia "Rocky", dessa vez apenas produziu, deixando a cadeira de diretor para Steven Caple Jr., que conseguiu manter a qualidade do filme anterior e acrescentar sua própria marca. Apesar da relação passional que tenho com a história do velho Rocky Balboa, tento ser justo com a observação dos defeitos e qualidades da cinesérie. O antagonista escolhido foi um acerto, pois imediatamente torna o embate pessoal para ambos os lados. Michel B. Jordan continua muito bem como o jovem, que apesar dos êxitos, vive em constantes conflitos internos. Os dilemas de Viktor Drago e seu pai também geram empatia, mesmo com o desvio de caráter de Ivan, mas o ator escolhido para viver o boxeador novato tem sérias limitações como ator. Rocky e Drago, velhos rivais, trazem a nostalgia de uma luta épica, que agora assume as vezes da famosa guerra fria, pois eles sabem que o bastão já foi passado adiante. Stallone, mais uma vez, mostra que Rocky é o personagem de sua vida. Icônico, guerreiro, solitário, mas, acima de tudo, um sobrevivente. Suas cenas são emocionais, e a idade trouxe a sabedoria da simplicidade. Sem alegorias ou distrações. Ele sabe que os holofotes não o pertencem mais, e que o momento é da nova geração, e isso nunca parece incomodá-lo. Sua saudade tem outro nome: Adrien. Do lado de fora do ringue, ele volta a lutar através do ensinamentos, calcados em golpes e palavras. O treinamento é intenso, o protagonista ganha força e o som aumenta. A trilha sonora do longa é sensacional e encaixa perfeitamente em cada momento em que é inserida. A ressurreição de Creed no deserto é embalada por uma música evocativa que cresce com o boxeador, digna de figurar ao lado do hino "Eye of the tiger", presente em Rocky III.
Quando finalmente chegamos no combate final, já sou mais um na torcida, sofrendo com os jabs e a entoar o coro para o protagonista levantar. É o momento da superação em que sobe a famosa trilha sonora de Rocky.
Emocionado e envolvido com a história, eu volto a ser aquela criança em frente a TV, vibrando pelo homem simples que luta pela família, pelos amigos e pela vida.
Assim, a franquia continua mostrando que nunca se tratou de vitórias, mas sobre aguentar as pancadas e se manter de pé.
A vida não é feita apenas de boas escolhas. Ao tomarmos uma decisão, precisamos aceitar as consequências do caminho escolhido e lidar com as mudanças. Em "Aurora" (1927), clássico do cinema mudo dirigido pelo alemão F. W. Murnau, um homem casado é convencido por sua amante a assinar a esposa e fugir para a cidade grande, mas no último instante se arrepende e tenta reconquistar o amor da mulher.
"Aurora" é o primeiro filme hollywoodiano do cineasta que ganhou fama pelos trabalhos calcados no expressionismo alemão. Vencedor de três Oscar, o filme está sempre presente entre os dez melhores filmes da história, segundo as listas mais respeitadas do cinema. Grandes nomes como Martin Scorsese, John Ford e François Truffaut já elegeram o longa de Murnau no topo de suas preferências e um verdadeiro "poema visual".
Apesar de se tratar de um romance, Murnau imprime sua marca e traz elementos do expressionismo que caracterizam sua filmografia pregressa. Sombras, ambientes distorcidos e movimentos de câmera inovadores, engrandecem o filme e consolidam "Aurora" como uma obra extremamente influente.
A história, relativamente simples, é uma espécie de renascer de um casal, após a fraqueza de um homem. Após a tentativa de homicídio, o marido sofre o martírio da culpa. A cena da igreja é emblemática e as imagens falam por si. Fazer sofrer a quem nos ama é infligir a si mesmo o fracasso das responsabilidades do coração.
Remediar a tragédia anunciada, nem sempre é possível. Às vezes abrir uma janela é suficiente para que a sedução das palavras e fantasias nos faça esquecer daquilo é real e quando menos percebemos já estamos presos numa armadilha que nós mesmos armamos. Quando a fantasia se desfaz - e ela sempre se desfaz - resta o campo seco, onde antes o verde se perdia com o horizonte. Mas, felizmente o sol nasce diariamente esperando o nosso despertar. Quanto mais cedo enxergamos a terra improdutiva, logo voltamos a caminhar em direção a novos campos e colinas. Lugares em que poderemos aplicar o aprendizado das más escolhas para colher os frutos da maturidade. No passado ficam arrependimentos e desculpas nunca ditas, mas que servem de adubo para um futuro fértil.
Divertido, emocionante e afinado com os novos tempos, "Homem-Aranha no Aranhaverso"(2018) é uma grata surpresa cheia de ousadia e respeito com o amigo da vizinhança. A animação produzida pela Sony em parceria com a Marvel Entertainment traz uma história inovadora, cheia de liberdades artísticas, costuradas com criatividade por um roteiro esperto, que traz o jovem Miles Morales assumindo o uniforme do Homem-Aranha ao descobrir a existência de outros heróis iguais a ele em universos alternativos, que entram em colapso após o plano do vilão Wilson Fisk, o Rei do Crime.
Em "Homem-Aranha no Aranhaverso", temos a chamada jornada do herói galgada pelo protagonista Miles. Nesse sentido os roteiristas souberam trabalhar bem a construção do heroísmo, as dúvidas e a redenção do personagem, que no decorrer do filme aprende lições valorosas. Como ensinava o saudoso Stan Lee, criador do personagem e merecedor de justas homenagens durante longa, qualquer um pode vestir a máscara e ser um herói. Basta acreditar, sentir e nunca desistir diante dos grandes obstáculos que a vida impõe. Mas se nos momentos de fraqueza duvidarmos das nossas forças, devemos lembrar que não estamos sós. Existem pessoas com quem podemos contar. Pessoas que passam pela mesmas dificuldades e compartilham dos mesmos sentimentos. Essa é a grande força do filme, que pode te emocionar, te fazer sorrir e pensar.
O humor, que permeia o longa, consegue encaixar todas as piadas e trabalha a favor da trama, que também tem o grande mérito de ser inclusiva sem soar como panfletagem social. Em "Aranhaverso" há espaço para todas etnias, raças e gêneros de uma forma tão natural e fluida que é impossível não exaltar o respeito com a diversidade e sua importância na cultura pop.
Esbajando qualidade, "Aranhaverso" é um acerto gigante como entretenimento além do entretenimento, e abre um leque de possibilidades para a franquia.
Que possamos conviver com todos os universos que existem...
No pacato bairro de Suburbicon dois bandidos invadem a casa de uma tradicional família americana e dão início a uma rede de conspirações e mortes. Enquanto isso, a população local se revolta com a chegada de uma família afro descendente, temendo a perturbação da ordem, e por isso, passam a hostilizar os novos vizinhos.
Atrás das câmeras, George Clooney senta na cadeira de diretor e utiliza a típica estética dos shows das TVs americanas, que mostravam sempre os núcleos familiares perfeitos e felizes da época, mas adicionando ironia e acidez em tom de crítica social. Essa é a tônica de "Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso"(2017).
A trama, cunhada em um suspense com requintes de humor nonsense, vai desnudando o ambiente perigoso que vive o pequeno Nicky e a falsa calmaria de seu núcleo familiar, desaguando em um terceiro ato propositadamente surtado.
Matt Damon interpreta o pai moralista que insiste em vestir o manto do "homem de bem" para uma sociedade de plástico, pronta para consumir o cultural sonho americano. Numa das cenas mais sarcásticas do longa, o pai ensanguentado e envolvido em uma série de crimes recomenda que o filho não ande com o amigo "de cor", insinuando a má companhia do garoto. Essa foi mais uma ótima tirada do roteiro, que a todo instante nos lembra como aquela situação é o retrato do preconceito que traça estereótipos do bom e do mau. Apesar da boa interpretação de Damon e da participação quase discreta de Julianne Moore, que encarna dois papéis, o destaque fica por conta do jovem Noah Jupe, já visto no lacrimoso drama "Extraordinário" (2017). Noah vem acumulando bons trabalhos e mostra que tem talento para seguir uma carreira de sucesso na indústria cinematográfica.
Clooney, por sua vez, continua mostrando firmeza na direção e personalidade para assumir projetos que tenham algo a dizer. "Suburbicon" reabre feridas históricas, escondidas em um suspense satírico para nos lembrar que a maldade não tem cor, nem endereço, por isso desfaça as imagens e construa amizades.
Está chegando o Natal e o fim de mais um ano. Época de repensar a vida, os projetos, os sonhos, e de ver, ou rever, o clássico de Frank Capra "A Felicidade Não Se Compra"(1946). No meu caso, sigo a tradição particular de revisitar anualmente essa grande obra, que figura tranquilamente no topo da minha cinefilia.
Nesse filme, muito associado ao período natalino, conhecemos a história de George Bailey (James Stewart), que, em um ato de desespero tenta o suicídio, pois acredita que a vida das pessoas teria sido melhor se ele nunca tivesse existido. Após ouvir várias preces, Deus envia o anjo Clarence (Henry Travers) para interceder e mostrá-lo como é importante.
O diretor Frank Capra entregou para o cinema, talvez, o filme mais bonito de todos os tempos. Nos primeiros minutos de projeção, passeando pelas ruas da pequena cidade de Bedford Falls, ouvimos as preces sinceras daqueles que pedem proteção ao atormentado George. Já tememos pelo protagonista sem ao menos saber seu rosto. Simplesmente porque as vozes que suplicam conseguem transmitir uma preocupação genuína.
A estrutura narrativa da trama faz uma retrospectiva, a partir de flashbacks, da vida George para que possamos compreeender como ele tocou o destinos de tantas pessoas naquela pequena cidade, sempre à sombra do ganancioso Sr. Potter (Lionel Barrymore).
Bailey, que sempre sonhou em explorar o mundo, projetar prédios e cidades, e viver uma vida de emoções, viu seus planos de pegar a estrada serem adiados repetidas vezes em prol da família e dos amigos. Nessa luta diária pelo bem comum, várias foram as oportunidades para que George seguisse o rumo de seus sonhos, mas seu caráter altruísta sempre definiu seus passos. Entretanto, as grandes jornadas precisam de grandes companhias e Mary (Donna Reed), desde sempre foi a parceira ideal de viagem. Capra, que tem como um dos grandes méritos de sua carreira a escolha perfeita de seus elencos, fez da apaixonada Mary uma grande mulher, de gestos nobres que simboliza a essência da cumplicidade e companheirismo. Outro destaque, sem dúvida alguma, é o carismático trabalho de James Stewart e sua interpretação carregada de vigor. O famoso ator vai do jovem idealista, ao adulto preocupado com os rumos da cidade. Por ele torcemos e com ele choramos e sorrimos.
Mais do que uma fábula de Natal, o filme de Capra é uma ode a fé no homem. Por vezes, abdicamos dos próprios sonhos em detrimento de um bem maior e quando a realidade se apresenta diferente do futuro idealizado questionamos o caminho tomado e a própria felicidade. Mas acredito que a jornada e as marcas que deixamos nas pessoas, falarão por nós. Por isso, nos momentos difíceis, em que as dúvidas colocam em xeque os êxitos que colecionamos na vida, devemos lembrar que "nenhum homem é um fracasso quando tem amigos." E quando fazemos o bem, mesmo nesses momentos de dúvidas, haverá alguém tocando o sino da fé. Afinal de contas, "Toda vez que toca um sino, é sinal de que um anjo ganhou suas asas."
A fábula do menino criado por lobos e outros animais na selva volta em grande estilo com "Mogli - Entre dois Mundos" (2018), após a versão do diretor Jon Favreu, em live action de 2016 ("Mogli - O Menino Lobo").
Dessa vez a Netflix bancou o projeto capitaneado pelo ator Andy Serkis, famoso por revolucionar a captura de movimentos, em filmes como "O Senhor dos Anéis" (Golum) e na nova trilogia de "O Planeta dos Macacos" (César). Além de coordenar todo trabalho técnico do longa, Serkis assumiu a cadeira de diretor e reuniu um elenco de peso para dar voz e alma aos personagens. Christian Bale, Benedict Cumberbatch e Cate Blanchett são os nomes mais conhecidos, mas não há como não destacar a atuação visceral do pequeno Rohan Chand.
A trama nos leva até a selva indiana e o dilema da incorporação do jovem humano na alcatéia em recorrente conflito com o maléfico tigre Khan (Cumberbatch). Mogli luta para fazer parte do grupo e ser tratado tal como os lobos, por isso não entende o que o faz tão diferente. Enquanto isso, a pantera Bagheera (Bale) e o urso Baloo (Serkis) tentam proteger o menino dos perigos da selva, mas após ser expulsos pelos lobos, Mogli passa a viver na aldeia próxima a floresta e a observar os novos costumes.
Tecnivamente a produção não é perfeita e oscila entre momentos em que a captação de movimentos é bem executada, e outros em que os efeitos especiais soam demasiadamente artificiais, nos tirando um pouco a credibilidade daquele mundo. O roteiro do filme é assumidamente sombrio e corajoso, ao fugir do tom leve das animações da Disney, e há cenas bem fortes para o público infantil. Mogli grita, chora, sangra e não teme a luta. Sofremos as perdas e vibramos com o ímpeto do garoto. No discurso sobre diferenças e aceitação, fica a mensagem que não precisamos ser iguais para termos um lugar ao sol e sermos respeitados. É preciso valorizar aqueles que não refletem necessariamente a nossa imagem, pois cada um tem habilidades que o tona especial. Então, sinta-se em casa em qualquer lugar onde a semelhança vem dos sentimentos.
"Simonal - Ninguém sabe o duro que dei" (2009) é o documentário que apresenta a ascensão e queda do cantor Wilson Simonal.
Dono de uma das vozes mais bonitas da história da música brasileira, Simonal dominava uma platéia como poucos. Exalando carisma, ele conquistou o grande público com um swing debochado e canções contagiantes, como "Sá Marina", "Mustang cor de Sangue", "Nem vem que não tem", "Zazoeira" e a deliciosa versão de "País Tropical", de Jorge Ben Jor. No auge da carreira, gozando de grande prestígio, foi acusado de mandar sequestrar o seu contador que o processava por questões trabalhistas, e em seguida ganhou fama de delator ao ser acusado de apoiar o regime da ditadura militar e colaborar como informante do DOPS, órgão do governo responsável por manter a "disciplina" do regime. A classe artística não perdoou a suspeita sobre Simonal e o transformou em persona non grata, condenando-o ao esquecimento. O documentário, através do depoimento dos filhos, amigos e colegas, retrata bem o caminho percorrido pelo cantor e tem o grande mérito de não suavizar o retrato do artista, que talvez tenha confiado demais no carisma e o seu ego pode ter feito com que escolhesse mal as palavras em uma época delicada da nossa história política. Guardando similaridades com o presente, Simonal pode ser considerado uma vítima de si, mas também dos ânimos acirrados de um cenário que exigia uma posição partidária. Se não for ativista de um dos lados, será considerado instantaneamente opositor do outro. Esse era o pensamento reducionista da época, que não me parece tão distante dos dias de hoje. Quando a poeira baixou e Simonal conseguiu documentos que provavam que nunca se envolveu com órgãos de tortura e censura, ninguém pareceu se importar, e não há nada pior para o artista que a indiferença. Realmente, ninguém sabe o duro que Wilson Simonal deu na vida, mas assistindo ao documentário podemos imaginar.
O primeiro filme do diretor Damien Chazelle com o selo de Hollywood é uma pequena jóia. Antes ele já havia dirigido "Guy And Madeline on the Park Bench" (2009) sem grande repercussão, mas foi com "Whiplash" que o jovem norte-americano ganhou visibilidade. Andrew (Miles Teller), estudante de uma famosa escola de música, consegue a chance de tocar bateria na turma do exigente professor Fletcher (J. K. Simmons), porém os métodos do mestre vão levá-lo ao limite.
O velho clichê do professor que tira o melhor do aluno sob uma relação quase militar seria uma armadilha fácil, se não fosse as mãos habilidosas do diretor. O filme anda no passo certo, cadenciando a história e a obsessão de seu protagonista. Andrew vive para ser o melhor no que se propôs a fazer. Apesar do ar tímido, há uma certa arrogância disfarçada, que acaba caindo no radar de Fletcher. Amante do rigor técnico e dedicando sua vida para estimular e descobrir talentos, o regente é um carrasco que aciona a guilhotina esperando encontrar vida, sem receio que cabeças rolem no processo.
J. K. Simmons ganhou o Oscar mais do que merecido. O personagem é vivido com paixão. Miles, apesar de mais contido, entrega um bom trabalho e carrega, além das baquetas, a torcida do espectador pelo tempo certo das batidas. O primor técnico também é destaque. Os cortes são certeiros, o som é agradável e a fotografia do filme é pra pendurar na parede. A cena final é extasiante. Segundo a filosofia de Fletcher, não há duas palavras mais danosas na nossa língua do que "bom trabalho". Por isso, espero que ele não me ouça. Bom trabalho, Damien Chazelle!
O que torna "Um Dia" especial? Por vezes tentamos voltar ao dia em que algo especial aconteceu. Viajamos nas lembranças buscando sentir novamente o sabor que parece nunca ter nos deixado. É o gosto do "se". São sentidos que podem despertar com o som de uma música ou o perfume que nos encontra acidentalmente. E a lembrança de um dia nos abraça, assim como a saudade daquilo que não vivemos.
Dexter (Jim Sturgess) é um jovem com fome de vida e pressa para curtir sua juventude. Seus excessos lhe custam mais do que dias. Custam momentos. Emma (Anne Hathaway) é uma talentosa escritora, que carece de confiança em si mesma, e busca mais do que apenas um dia feliz. A amizade dos dois é o símbolo da troca de diferenças. Dexter estimula a ousadia de Emma, que tenta emprestar um pouco de serenidade para o amigo. Mesmo com a distância, eles desenvolvem o ritual de uma vez ao ano se encontrar, na inconsciente tentativa de resgatar as mesmas pessoas que passearam no primeiro 15 de julho juntos. Mas todos mudam. E por mais gostoso que seja voltar ao passado para rever uma época, a mudança é importante e necessária. Triste de quem permanece o mesmo. Desse modo, Dexter e Emma passam o filme tentando entender essas transformações e a própria relação de amor e amizade desenhada anualmente. Com similaridades ao romance "Cidade dos Anjos"(1998), com Meg Ryan e Nicolas Cage, Um Dia nos provoca a refletir sobre todos os dias. Não apenas a data marcada no calendário, mas também como poderíamos multiplicar esses números para termos mais do que momentos na vida. Para termos uma vida de momentos.
Indicado ao Oscar de melhor animação em 2018, "Com Amor, Van Gogh", conta a peregrinação do jovem Armand Roulin para entregar a última carta do pintor holandês endereçada ao irmão, e no caminho, ao ouvir as impressões das pessoas que interagiram com Van Gogh, entender o que o levou a dar fim à própria vida.
Inteiramente pintado por mais de cem artistas recrutados para o trabalho, o filme funciona como uma obra de arte em movimento. Seguir as pistas deixadas pelo famoso holandês nos ajuda a imaginar sua personalidade a cada testemunho sobre seu comportamento. Declarado o pai da arte moderna após a morte, Van Gogh produziu mais de 800 pinturas, mas, por incrível que pareça, só conseguiu vender uma em vida. Isso só me faz refletir sobre a dificuldade das pessoas em lidar com gênios improváveis. Reconhecer que o homem que cortara a própria orelha fosse capaz de transformar em arte as pequenas coisas da vida, através de traços singulares, provavelmente incomodou os "normais" e abastados. Vicent Van Gogh queria comover as pessoas com sua arte e que elas soubessem que ele sentia profunda e ternamente. Eternizado pelas tintas e pela história, sabemos e também sentimos.
Indicado a vários prêmios na época de seu lançamento, "O Carteiro e o Poeta" (1994) é uma jóia do cinema italiano dirigida por Michael Radford e protagonizada pelo carismático Massimo Troisi, que faleceu logo após as filmagens.
Mario (Troisi) é um carteiro que tem o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret, o eterno Alfredo de "Cinema Paradiso") como único destinatário. O ilustre chileno, em exílio em uma ilha da Itália, recebia visitas frequentes do tímido carteiro, que começou a nutrir verdadeira fascinação pela habilidade de Neruda com as palavras. Em contrapartida, Mario era o ouvinte perfeito para o poeta, nostálgico pelo país de origem. A partir daí é estabelecida a cumplicidade entre os novos amigos, que dividem lembranças, sonhos e metáforas. Há quem se refira às pessoas queridas como "grandes amigos" ou "grandes amizades". Nesse sentido, acredito na redundância de tal expressão, visto que não existe pequena amizade ou amigo de nível médio. A amizade existe ou não. Se foi, é porque não era. Se é, sempre será. Amizades afloram partes de nós, que muitas vezes desconhecíamos que existiam. Elas configuram uma troca espontânea de experiências e lições. Mario aprendeu com Neruda, e o famoso poeta aprendeu com o carteiro a simplicidade das palavras, cujo significado desabrocha nos ouvidos e germina na mente. Conhecer um amigo é aprender com ele, e quando aprendemos sobre algo nunca esquecemos os ensinamentos, porque de alguma forma eles passam a fazer parte de nós.
10.0
"Quando um homem começa a te tocar com as palavras, não está longe de te tocar com as mãos."
Sei que você deve estar pensando que "Entre Abelhas" (2015) é mais uma comédia nonsense protagonizada pelo humorista Fábio Porchat. Pensou errado! Dessa vez o ator se arrisca em um drama sensível sobre o fim de um relacionamento, que merece ser visto.
Bruno (Porchat) é um jovem recém-separado que volta a morar com a mãe enquanto tenta entender o fim de seu casamento. Em certo momento, ele percebe que está deixando de enxergar as pessoas a sua volta, mesmo sabendo que elas continuam a existir. Apesar de alguns momentos de humor, "Entre Abelhas" se mantém fiel ao drama do personagem e a metáfora do desaparecimento. Quando ainda estamos atordoados por uma mudança inesperada deixamos de ver as coisas e as pessoas com clareza. Tudo fica nublado e as nuvens encobrem o caminho do sol, que continua brilhando no mesmo lugar de sempre. Como um passe de mágica acabamos permitindo que as pessoas desapareçam, porque nos sentimos só no mundo. Mas tudo não passa de uma ilusão passageira. A vida é um eterno recomeço e quando os nossos olhos voltam a enxergar alguém, tudo volta a aparecer. As cores, o brilho, o sol. Aquele mesmo sol que nunca foi embora, mesmo nos dias de chuva.
Quantas vezes nos perguntamos por que queremos algo? O documentário "Minimalism: A Documentary About The Important Things" (2016) traz esse e outros questionamentos com o propósito de provocar a reflexão e auto-análise ao espectador.
Vivemos cercados de bens materiais que perdem o significado a cada estação do ano e mais do que entulhar uma casa, alimenta uma indústria de consumo pelo consumo, pois nem sempre pensamos se de fato precisamos daqueles itens. É a falsa percepção de controle das ações, quando na verdade nós somos guiados e consumidos pelos modismos e imposições sociais.
Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus propõem uma mudança no estilo de vida calcada no Minimalismo, em que você deve questionar o real valor do que te cerca e viver com o essencial. Essa noção não é radical, por isso uma coleção de livros ou discos pode perfeitamente ser essencial pra você. Assim, eles não pregam o fim do consumismo ou que as pessoas vivam no limite para sobreviver. A questão passa pelo consumismo consciente, sem os devaneios de quem procura a felicidade no novo produto lançado no mercado. É melhor ter no um ótimo casaco no gurada roupa ou vários que você use pouco? A filosofia do minimalismo busca atribuir esses significados às coisas que te cercam e estimular o descarte das peças que não acrescentam a sua felicidade. Alguns depoimentos de pessoas que passaram a seguir esse pensamento ajudam a ilustrar o documentário e propagar essa ideia que não é fácil de ser colocada em prática, diante de tantos costumes arraigados, mas convido você a maximizar os pensamentos, conheçer o Minimalismo, e ponderar sobre a viabilidade na sua vida ou não.
O peso da vida adulta e as cobranças para que sigamos o roteiro pré-estabelecido pelos pais e pela sociedade em geral são temas abordados no clássico "A Primeira Noite de Um Homem" (1967).
Benjamin (Dustin Hoffman) é um jovem recém formado, mas ainda sem grandes resoluções na vida. Ao voltar de férias para casa, ele é seduzido pela Sra. Robinson (Anne Bancroft), que é casada e amiga de seus pais. Benjamin, então, embarca em um tórrido romance, até se apaixonar por Elaine (Katharine Ross), filha de sua amante.
Indicado ao Oscar de melhor filme e vencedor na categoria de direção (Mike Nichols), "A Primeira Noite de Um Homem" é uma comédia com doses de drama, de roteiro afinado e atuações marcantes. Hoffman consegue emular as transformações do protagonista, que passa de um estado de letargia inicial para um desabrochar de emoções. Benjamin passou a vida guiado por mandamentos alheios, quase como um zumbi, sem vontade própria, apenas seguindo o fluxo das coisas, e ao concluir a faculdade se viu perdido, sem um propósito que o tirasse do transe. A trama trabalha bem esse dilema de seguir ou não os impulsos e a cena final é emblemática, pois o semblante do protagonista denota mais uma satisfação com o êxito da mudança de postura pessoal, do que com o objetivo alcançado. Destaco também a atuação da veterana, Anne Bancroft, que também foi indicada ao Oscar como atriz coadjuvante. A trilha sonora do longa é tão sensacional que ganhou vida própria, alçando a canção "Ms. Robinson", de autoria da dupla Paul Simon e Garfunkel, a uns dos grandes temas da história do cinema.
Ainda hoje, a primeira noite de amor entre a sedutora Sra. Robinson e o inexperiente Benjamin serve de referência para cineastas e a jornada de amadurecimento do protagonista nos lembra que os grandes aprendizados que podemos ter vêm das decisões que tomamos na vida. Essa é a nossa maior graduação.
Inspirado em uma série de tv dos anos 80, "As Viúvas" (2018) é o mais novo longa do diretor Steve McQueen, que traz quatro mulheres lutando pela sobrevivência, após a morte dos maridos golpistas.
Esse é o quarto filme da filmografia de McQueen, que conta com os intensos "Hunger", "Shame" e "12 Anos de Escravidão". Apesar das disputas políticas e críticas sociais presentes em "As Viúvas", nitidamente este é o projeto mais comercial e menos intenso da carreira do diretor, mas isso não quer dizer que o longa é ruim. Viola Davis comanda o elenco e continua entregando interpretações viscerais, entretanto, ao analisar seus últimos trabalhos, percebo uma sensação de deja vu, em que a atriz veste a mesma carga emocional. A surpresa ficou por conta de Elizabeth Debicki no papel da viúva espancada pelo marido e manipulada pela mãe, que amadurece ao entrar no plano das novas amigas. Daniel Kaluuya, protagonista do sucesso "Corra!", também se destaca como o ameaçador Jatemme.
O roteiro trata da adaptação das viúvas a uma nova vida, ao passo que tenta aprofundar questões políticas e disputa pelo poder, mas ficou amarrado com a trama do golpe milionário. Logo, o filme ficou no meio termo entre o drama com algo a dizer e um genérico filme de roubo. Mesmo sem empolgar em nenhum dos dois segmentos, ele consegue segurar a atenção durante sua projeção por conta do elenco competente e pela habilidade de McQueen em inserir tomadas e planos cinematográficos que fogem do convencional para nos dar uma nova perspectiva para determinadas cenas. O enredo ainda aposta em uma reviravolta que pouco contribui com a trama.
Isoladamente, "As Viúvas" é um bom filme, porém, menor que a grandeza de seu diretor.
Black Mirror: Bandersnatch
3.5 1,4KO anúncio que a série "Black Mirror" ganharia um filme interativo chamou a atenção do público, que aguardou ansioso a estreia do longa no catálogo da Netflix.
Bem, após conferir a experiência "Bandersnatch" (2018) chego a conclusão que a produção ficou refém de sua proposta.
A série, que ficou conhecida e ganhou fama ao apresentar futuros distópicos, baseados nos rumos que estamos tomando com o uso desenfreado da tecnologia nas nossas vidas, criou a necessidade de sempre surpreender o espectador com novas ideias e re-imaginações.
De fato, a opção de oferecer um conteúdo interativo em que o público pode escolher o destino dos personagens e o desfecho da história, é interessante, mas não pode ser o único chamariz a nos atrair.
A trama, que traz um jovem programador de videogames às voltas com sua primeira e grande oportunidade no mercado, traz menos camadas do que o esperado. A mensagem sobre livre arbítrio, imposições, alienação e falta de controle sobre o próprio destino já foi melhor trabalhada em longas como "Matrix" (1999) e "O Show de Truman" (1998), por isso a sensação de mais do mesmo.
Entretanto, o conceito apresentado pode abrir portas para enredos mais inspirados e quem sabe um novo nicho cinematográfico esteja começando. Dessa forma, "Bandersnatch" vale a viagem, que até diverte em alguns momentos, quando a metalinguagem toma conta e parece que nós é que estamos sendo vigiados.
Talvez estejamos mesmo...
6.0
Ps.: O filme tem vários finais, a depender das escolhas que você fizer no decorrer da trama.
*Disponível na Netflix
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O Segredo de Marrowbone
3.7 436 Assista AgoraA trama do longa conta a história de uma família que foge do pai psicopata e se esconde um uma velha casa isolada da cidade. Após a morte da mãe, os quatro filhos prometem não se separar jamais e para isso precisam esperar que o mais velho complete 21 anos antes que descubram o falecimento da matriarca.
Envolto em uma aura de suspense e terror constante, o filme é dirigido e roteirizado pelo espanhol Sérgio G. Sánchez e produzido pelo compatriota J. A. Bayona, com quem já havia trabalhado no ótimo "O Orfanato" (2007). Esse novo trabalho até lembra, em certa medida, a melancolia assombrada do referido longa de 2007.
Entretanto, "O Segredo de Marrowbone" sabe que o público espera mais do que tramas óbvias e trata seu enredo como aquelas famosas bonecas russas, em que uma boneca esconde outra dentro de si, que esconde outra, que esconde outra.
O elenco distribui boas atuações e empresta verdade a história contada. George MacKay lidera o casting e Anya Taylor-Joy mostra que é o novo rosto do suspense, após emplacar filmes como "A Bruxa" (2015), "Fragmentado" (2016) e "Thoroughbreds (2017). A jovem também poderá ser vista em "Vidro" (2018) e na versão sombria dos "Novos Mutantes" (2019).
A ambientação também se destaca e encaixa perfeitamente na atmosfera de desencanto do filme.
Ao assistir "Marrowbone" não se apresse em desvendar os segredos da casa. Entre, mas deixe a porta aberta.
8.5
*Disponível no Youtube
*Instagram: resenha100nota
Os Canibais
1.9 184Dirigido pelo norueguês Hans Stjernswärd e financiado pelo sistema crowdfunding de arrecadação coletiva de fundos, "The Farm" (2018) é um pesado filme de terror, que me fez recordar obras violentas como "O Massacre da Serra Elétrica" (1974) e "Holocausto Canibal" (1980).
O roteiro traz um casal que viaja de carro pelo interior estado, mas ao pernoitar numa pousada, são raptados e levados para uma fazendo, onde encontram outros turistas presos e tratados como animais.
Nesse pesadelo gore, os humanos são escravizados para fornecer leite e carne para consumo, como os típicos animais encontrados numa fazenda, e seus captores usam máscaras representando os bichos.
O tratamento mecanizado e brutal busca retratar a forma como bois, vacas e porcos são administrados antes de chegar às mesas para serem servidos no jantar.
Assim, "The Farm" é uma verdadeira revolução dos bichos feito para chocar e provocar. O filme tem vários momentos de violência explícita de difícil digestão, por isso não é aconselhável aos espectadores mais sensíveis.
A ideia de subverter a dinâmica entre presa e predador foi bem executada e exalta a mensagem além do horror, entretanto, acredito que o longa poderia ter desenvolvido um pouco mais o conceito proposto, visto que ficaram algumas dúvidas quanto ao mecanismo da bizarra fazenda e dos envolvidos. A duração relativamente curta do filme, que não alcança uma hora e meia, possibilitaria mais alguns minutos investidos na trama.
Apesar disso, "The Farm" é corajoso ao tratar de um tema que o grande público ainda se recusa a discutir, pois o sabor da carne nos faz esquecer do trajeto que ela percorreu até ali.
Nesse exercício de transferência, encarar o horror pode ser um olhar no espelho.
7.5
*Diponível no Youtube
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Suspíria: A Dança do Medo
3.7 1,2K Assista Agora"Suspiria" de Dario Argento é uma experiência sensorial de cores e som, que joga o espectador em um pesadelo psicodélico. Lançado em 1977, o longa virou referência no gênero de terror e suas marcas ainda podem ser sentidas nas produções atuais que insistem em chamar de pós-terror.
Mais de quarenta anos depois, é realizada uma releitura do material original, trazendo mudanças consideráveis na trama, que tem como base a entrada de uma bailarina americana em uma misteriosa escola de dança em Berlim.
O diretor Luca Guadagnino ("Me Chame Pelo Seu Nome") foi encarregado de trazer algo novo em "Suspiria" (2018), mas sem ofender o clássico cult do italiano Argento. Adianto que Guadagnino superou as expectativas.
Se no original o mistério se arrastava por quase todo filme, nos deixando intrigados com a estranha escola de ballet, nessa nova versão Guadagnino optou por desvelar o segredo da companhia de dança em seus primeiros minutos e abraçar as transformações de sua protagonista.
Na primeira metade do filme temos contato uma cinematografia bem diferente da profusão de cores marcantes do longa de 1977. Entretanto os closes repentinos remetem ao estilo da época e nos jogam diretamente para os anos setenta. O ritmo é mais lento para apresentar personagens e situá-los no ambiente, mas acelera vertiginosamente em seu último ato.
Bruxaria e ocultismo envolvem o clima de horror, alternando sutilezas e violência gráfica. Os fãs do "gore" e seus banhos de sangue certamente irão aprovar os momentos mais explícitos.
Apesar de não ter o mesmo apelo estético do original, o remake conta com atuações menos exageradas e acrescenta nuances a trama de Argento. Dakota Johnson está perfeita no papel, entrelaçando uma ingenuidade prestes a ser maculada. A atriz surge mais sensual do que em toda trilogia "50 tons de cinza". Tilda Swinton, sempre muito bem, talvez seja a espinha dorsal do longa e suas cenas com Dakota são magnéticas. Gostaria de ter visto mais de ambas, visto que minutos preciosos são investidos no personagem do "Doutor", que possui uma jornada parcialmente independente da trama e, assim, pouco acrescenta.
Outro destaque, sem dúvida alguma, fica por conta da coreografia dos números de dança que misturam elementos ritualísticos capazes de seduzir, hipnotizar ou infligir castigos.
Entre as grandes mudanças promovidas por Guadagnino estão as motivações da protagonista e consequentemente, seu destino.
A nova versão também é mais didática, facilitando o trabalho do espectador, mas ao explicar demais acaba diminuindo a experiência de sentir o filme.
As cenas de sonhos são perturbadoras e os efeitos sonoros realçam o incomodo intencional do gore. Se na década de setenta o final de Argento era rápido e assustador, dessa vez o horror é prolongado em uma sequência insana de sangue e sacrifícios.
Entre homenagens e re-imaginações, "Suspiria" conseguiu se desenvolver como um produto independente de qualidade, sem ofender a obra que serviu de fonte.
9.0
*Ps.: "Suspiria" não é um filme para todos os públicos e provavelmente é o clássico "ame ou odeie". Tem andamento lento, muito simbolismo e passa longes das produções mais comerciais do cinema americano.
*Instagram: resenha100nota
Vidro
3.5 1,3K Assista AgoraApós a cena final, vista em "Fragmentado" (2017), que ligava o filme com os eventos de "Corpo Fechado" (2000), o público ficou ansioso para ver o confronto entre a "Horda" de personalidades, lideradas pela "Fera" (James Macvoy), e o super humano, David Dunn (Bruce Willis).Outra atração prometida era a volta do maquiavélico "Mr. Glass" (Samuel L. Jackson). Tudo isso criou uma grande expectativa em torno de "Vidro" (2019) e jogou a responsabilidade do diretor M. Night Shyamalan nas alturas.
O filme tem início com a perseguição silenciosa de David para encontrar o vilão de múltiplas personalidades. Quando finalmente consegue encontrar a "Fera" e salvar as reféns, os dois são encurralados pelas autoridades e levados a um manicômio judicial, onde serão analisados pela Doutora Ellie Staple (Sarah Paulson). Lá eles se juntam a outro famoso paciente, Elijah Price, que passou a ser conhecido como Mr. Glass, após os atentados mostrados em "Corpo Fechado".
Firmando sua base nesse triângulo de personagens, tive a impressão que o longa enfraqueceu justamente o vértice que deveria ser o ponto forte. Dos três pilares, David foi quem recebeu menos destaque do roteiro, frustando boa parte do público que esperou pela volta do herói.
A exploração exagerada das várias faces de Kevin (James Mcavoy) ficou tão repetitiva que tirou boa parte do impacto das transformações, apesar do trabalho impecável do ator. Elijah, cujo codinome intitula o filme, age nos moldes das grandes mentes do crime. Manipula, simula e dissimula para conseguir atingir seus objetivos secretos e talvez seja o personagem mais harmônico dentro do enredo.
Este, por sinal, padece de um mal recorrente na filmografia do diretor indiano: desfecho frustrante.
Apesar do primeiro ato bem desenvolvido expondo as fraquezas dos personagens e confinando-os em um ambiente que testa suas crenças, o longa de Shyamalan insiste em explicações desnecessárias e a todo instante busca o paralelo com as histórias em quadrinhos de maneira pouco sutil. O suspense e a ameaça nunca se materializam efetivamente, como nos filmes anteriores da trilogia e a tensão vai se dissolvendo até o terço final.
O embate de super humanos ficou bem aquém das expectativas e o trio foi tragado de maneira simplória. É inaceitável ver o herói por quem torcemos morrer afogado numa poça d'água (!!!), em prol de um roteiro que parece ter gasto toda criatividade na reviravolta final. Até entendo que não podemos ir ao cinema querendo que o filme retrate o script que temos na cabeça, mas esperamos pelo menos que os personagens tenham finais dignos.
Por isso, "Vidro" perde bastante quando comparado ao excelente "Corpo Fechado" e ao surpreendente "Fragmentado".
Não está entre os piores, tampouco ente os melhores, situando-se ligeiramente abaixo da média, porque ninguém mata o Bruce Willis numa poça d'água e fica impune.
6.5
*Instagram: resenha100nota
Green Book: O Guia
4.1 1,5K Assista AgoraFavorito a levar o prêmio de Melhor Filme no Oscar 2019 (seu grande concorrente é "Roma", de Alfonso Cuáron), "Green Book: O Guia" (2018) é um road movie que se constrói através de uma amizade improvável e fala sobre racismo e inclusão social.
A trama nos traz a história real do ítalo-americano Tony Lip (Viggo Mortensen), que passa a trabalhar de motorista e segurança para o músico negro Don Shirley (Mahershala Ali), em turnê pelo Sul do país.
O tal Green Book, que dá nome ao filme, nada mais é do que o roteiro da segregação racial pelo Sul dos Estados Unidos. Mas a geografia do preconceito não estava apenas naquela região. O longa faz questão de mostrar que, mesmo velada, a intolerância pela cor da pele alcançava toda a América.
A turnê pelo sul apenas deixou explícita a segregação e o fomento de estereótipos dos negros, pelos olhos dos brancos. Shirley é tratado com a gentileza incômoda de seus anfitriões, que não estavam acostumados a receber um homem negro a mesa.
Esses momentos são extremamente melancólicos e desconfortáveis, pois sabemos que faz parte de um período recente da história e que ainda não foi totalmente extinto. Por isso, as cenas em que o pianista e Tony dividem suas experiências e trocam lições inconscientes, são um respiro agradável.
A sinergia entre Mahershala e Viggo é intensa e garante diálogos arrebatadores, em interpretações dignas de todos os elogios. O roteiro também é merecedor de aplausos, apesar de flertar com alguns clichês.
Tony tinha uma ideia pré concebida sobre os negros e Don Shirley fazia questão de se afastar do senso comum. Ele não ouvia música de artistas negros, refinava seus gostos de acordo com a cultura branca americana e frequentava apenas a alta classe. Seus dois companheiros de banda, que viajam sozinhos em outro carro, nitidamente não buscavam interação com o pianista.
Tony, por sua vez, dirigia pela estrada enquanto sua admiração pelo músico ia crescendo a cada cidade em que passavam. As cartas que enviava para esposa deixa claro que o racismo do motorista ia caindo gradativamente sem ele ao menos perceber.
Nessa road trip de opostos, as afinidades floresceram quando o respeito mútuo assumiu o protagonismo da história.
"Green Book" nos mostra que a gentileza bruta, meio sem jeito de Tony, é um sentimento mais nobre do que maldade gentil de uma sociedade retrógrada.
Já ganhou minha torcida na corrida pela estatueta dourada.
"O mundo está cheio de pessoas solitárias com medo de dar o primeiro passo."
9.0
A Favorita
3.9 1,2K Assista AgoraSituado na Inglaterra do século XVIII, "A Favorita" (2018) traz a rainha Ana em meio a uma disputa de interesses políticos e amorosos. Enquanto Sarah (Rachel Wesz), a duquesa de Marlborough tenta manter sua influência sobre a Rainha Ana (Olivia Colman), a nova criada Abigail (Emma Stone) busca tomar a preferência.
Dentro da filmografia do diretor Yorgos Lanthimos, "A Favorita" é seu filme mais convencional, apesar de preservar os simbolismos presente em seus trabalhos.
Nesse jogo de intrigas, o trio de atrizes está sensacional e recebe o merecido reconhecimento com as indicações ao Oscar. Olivia Colman desenvolve bem a personalidade depressiva e insegura da personagem, por isso não seria surpresa sua premiação. Emma Stone e Rachel Weisz travam um verdadeiro duelo de ótimas interpretações. Stone como uma ambiciosa criada que enxerga uma oportunidade de ascender e Weisz como uma conselheira manipuladora.
Interessante analisar algumas passagens do roteiro que retratam bem a psicologia humana. A Rainha Ana sofria de dores físicas, que mais pareciam manifestações dos sofrimentos da vida. Sua revolta com os momentos de beleza denotam a desilusão com o mundo. Como um lugar que permitiu a morte de 17 filhos pode abrigar qualquer manifestação de alegria sublime?
Em outro momento inspirado, Sarah alerta sobre as falsas verdades adocicadas que saem da boca de Abigail para seduzir a Rainha e justifica a dureza de algumas palavras pela legitimidade que amor lhe dá.
Com uma bela direção de arte, "A Favorita" é um filme elegante e ácido, ao elocubrar sobre ações e consequências.
O final seco, que alterna olhares perdidos, nos mostra que as mentiras forjam eternos servos.
7.0
*Em cartaz nos cinemas
*Instagram: resenha100nota
Vice
3.5 488 Assista Agora"Vice" (2018) é o novo filme do diretor Adam McKay ("A Grande Aposta"), que conta a ascensão política de Dick Cheney (Christian Bale) até o posto de vice-presidente dos Estados Unidos.
Assim como seu filme anterior, "A Grande Aposta", que tratatava sobre a crise do mercado imobiliário americano, McKay usa a criatividade para explanar temas que poderiam soar confusos e tediosos para o público não iniciado nos meandros dos bastidores da política norte-americana.
Sarcástico e extremamente ácido, "Vice" nos mostra a todo momento, de forma debochada, o jogo de manipulação e poder que eclodiu após os ataques de 11/09 e deu espaço para as investidas do verdadeiro detentor das decisões na Casa Branca.
Os traços da personalidade de Cheney por vezes me lembrou o fictício Francis Underwood (Kevin Spacey), da série "House of Cards".
Ambos colocaram a ambição a frente dos preceitos éticos e morais, e utilizaram de suas posições políticas para influenciar, controlar e mudar os rumos do país de acordo com os próprios interesses.
A metáfora da pescaria, recorrente durante o longa, é apropriada para mostrar as faces de um homem que prepara o anzol esperando pela oportunidade de fisgar o peixe grande.
Christian Bale deve levar o Oscar pelo papel, se a Academia seguir a tendência das premiações que precedem o prêmio máximo da indústria cinematográfica. O ator está ótimo, assim como Amy Adams, que interpreta Lynne Cheney, esposa do protagonista. Mas, diferente de seu colega de cena, não deve levar a estatueta dourada. Tampouco Sam Rockwell, apesar de entregar uma interpretação inspirada do ex-presidente George W. Bush.
Adam McKay merece créditos por tocar em um assunto espinhoso da história recente dos Estados Unidos e, em vários momentos, ridicularizar os absurdos da vida real, nos convidando a rir e, em seguida, refletir. Nesse sentido, McKay é como aquele professor, de métodos pouco ortodoxos, que procura ensinar um assunto chato, para a maioria da classe, de uma forma atrativa.
Pode não ter ganho toda a turma, mas conseguiu a atenção de muitos espectadores.
7.5
*Em cartaz nos cinemas
*Instagram para contatos: resenha100nota
Sementes Podres
4.1 254 Assista Agora"Sementes Podres" (2018) é aquela grata surpresa que você encontra ao acaso zapeando o catálogo da Netflix.
Essa comédia francesa de tom leve, mas temas fortes, traz a história de Wael (Kheiron), trapaceiro contumaz que vivia de pequenos golpes com sua mãe adotiva, até ser recrutado para ser o mentor de uma turma de jovens problemáticos.
A eterna "bela da tarde", Catherine Deneuve, empresta todo seu carisma e divide a tela com um elenco menos conhecido do grande público.
Kheiron, que também dirige o longa, conduz o enredo abordando assuntos tristes, mas sem cair nas armadilhas dos melodramas. Algo semelhante vimos em "Intocáveis" (2011), outra agradável produção do cinema francês.
A sensação de esperança permeia a história e a empatia com os personagens é imediata. Talvez, essa seja a palavra chave de "Sementes Podres": empatia.
Nos colocar no lugar do outro nem sempre é uma tarefa fácil, pois temos uma agilidade fora do comum em julgar ações condenáveis. Porém esquecemos que todo problema tem uma origem e somos frutos de experiências boas e más. O que passamos na infância pode repercutir na vida adulta, assim como o hoje pode mudar os rumos do amanhã. Por isso é extremamente importante exercemos essa tal empatia com o próximo. Observar, ouvir, compreender e ajudar. Isso faz toda diferença.
Dessa forma, "Sementes Podres" além de ser um divertido entretenimento, inspira bons sentimentos. Aqueles que mudam destinos e transformam vidas.
8.5
*Disponível na Netflix
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Creed II
3.8 540Após ganhar o título mundial de boxe de sua categoria, Adonis Creed, herdeiro do lendário Apollo, é desafiado pelo filho do homem responsável pela morte de seu pai, o boxeador russo Ivan Drago.
Vivendo o esquecimento na Ucrânia e renegado pelo seu país de origem, Drago e seu filho encontram a chance de recuperar o respeito quando o promotor de lutas, Buddy Marcelle tem a ideia de promover a luta das novas gerações. Mesmo sem a benção de Rocky, seu treinador, Adonis segue seus impulsos de lutador, enquanto acontecem transformações significativas em sua vida pessoal.
O roteiro de "Creed II" (2018) é como uma viagem por um lugar conhecido que sempre deixa saudades. Você já sabe o caminho, mas ele nunca deixa de te emocionar.
Ryan Coogler, que comandou o primeiro longa derivado da franquia "Rocky", dessa vez apenas produziu, deixando a cadeira de diretor para Steven Caple Jr., que conseguiu manter a qualidade do filme anterior e acrescentar sua própria marca.
Apesar da relação passional que tenho com a história do velho Rocky Balboa, tento ser justo com a observação dos defeitos e qualidades da cinesérie. O antagonista escolhido foi um acerto, pois imediatamente torna o embate pessoal para ambos os lados.
Michel B. Jordan continua muito bem como o jovem, que apesar dos êxitos, vive em constantes conflitos internos. Os dilemas de Viktor Drago e seu pai também geram empatia, mesmo com o desvio de caráter de Ivan, mas o ator escolhido para viver o boxeador novato tem sérias limitações como ator.
Rocky e Drago, velhos rivais, trazem a nostalgia de uma luta épica, que agora assume as vezes da famosa guerra fria, pois eles sabem que o bastão já foi passado adiante.
Stallone, mais uma vez, mostra que Rocky é o personagem de sua vida. Icônico, guerreiro, solitário, mas, acima de tudo, um sobrevivente.
Suas cenas são emocionais, e a idade trouxe a sabedoria da simplicidade. Sem alegorias ou distrações. Ele sabe que os holofotes não o pertencem mais, e que o momento é da nova geração, e isso nunca parece incomodá-lo. Sua saudade tem outro nome: Adrien.
Do lado de fora do ringue, ele volta a lutar através do ensinamentos, calcados em golpes e palavras.
O treinamento é intenso, o protagonista ganha força e o som aumenta.
A trilha sonora do longa é sensacional e encaixa perfeitamente em cada momento em que é inserida. A ressurreição de Creed no deserto é embalada por uma música evocativa que cresce com o boxeador, digna de figurar ao lado do hino "Eye of the tiger", presente em Rocky III.
Quando finalmente chegamos no combate final, já sou mais um na torcida, sofrendo com os jabs e a entoar o coro para o protagonista levantar. É o momento da superação em que sobe a famosa trilha sonora de Rocky.
Emocionado e envolvido com a história, eu volto a ser aquela criança em frente a TV, vibrando pelo homem simples que luta pela família, pelos amigos e pela vida.
Assim, a franquia continua mostrando que nunca se tratou de vitórias, mas sobre aguentar as pancadas e se manter de pé.
Ótimo filme, ótimas lições.
9.0
Aurora
4.4 205 Assista AgoraA vida não é feita apenas de boas escolhas. Ao tomarmos uma decisão, precisamos aceitar as consequências do caminho escolhido e lidar com as mudanças.
Em "Aurora" (1927), clássico do cinema mudo dirigido pelo alemão F. W. Murnau, um homem casado é convencido por sua amante a assinar a esposa e fugir para a cidade grande, mas no último instante se arrepende e tenta reconquistar o amor da mulher.
"Aurora" é o primeiro filme hollywoodiano do cineasta que ganhou fama pelos trabalhos calcados no expressionismo alemão. Vencedor de três Oscar, o filme está sempre presente entre os dez melhores filmes da história, segundo as listas mais respeitadas do cinema. Grandes nomes como Martin Scorsese, John Ford e François Truffaut já elegeram o longa de Murnau no topo de suas preferências e um verdadeiro "poema visual".
Apesar de se tratar de um romance, Murnau imprime sua marca e traz elementos do expressionismo que caracterizam sua filmografia pregressa. Sombras, ambientes distorcidos e movimentos de câmera inovadores, engrandecem o filme e consolidam "Aurora" como uma obra extremamente influente.
A história, relativamente simples, é uma espécie de renascer de um casal, após a fraqueza de um homem.
Após a tentativa de homicídio, o marido sofre o martírio da culpa.
A cena da igreja é emblemática e as imagens falam por si. Fazer sofrer a quem nos ama é infligir a si mesmo o fracasso das responsabilidades do coração.
Remediar a tragédia anunciada, nem sempre é possível. Às vezes abrir uma janela é suficiente para que a sedução das palavras e fantasias nos faça esquecer daquilo é real e quando menos percebemos já estamos presos numa armadilha que nós mesmos armamos. Quando a fantasia se desfaz - e ela sempre se desfaz - resta o campo seco, onde antes o verde se perdia com o horizonte.
Mas, felizmente o sol nasce diariamente esperando o nosso despertar. Quanto mais cedo enxergamos a terra improdutiva, logo voltamos a caminhar em direção a novos campos e colinas. Lugares em que poderemos aplicar o aprendizado das más escolhas para colher os frutos da maturidade.
No passado ficam arrependimentos e desculpas nunca ditas, mas que servem de adubo para um futuro fértil.
8.5
Homem-Aranha: No Aranhaverso
4.4 1,5K Assista AgoraDivertido, emocionante e afinado com os novos tempos, "Homem-Aranha no Aranhaverso"(2018) é uma grata surpresa cheia de ousadia e respeito com o amigo da vizinhança.
A animação produzida pela Sony em parceria com a Marvel Entertainment traz uma história inovadora, cheia de liberdades artísticas, costuradas com criatividade por um roteiro esperto, que traz o jovem Miles Morales assumindo o uniforme do Homem-Aranha ao descobrir a existência de outros heróis iguais a ele em universos alternativos, que entram em colapso após o plano do vilão Wilson Fisk, o Rei do Crime.
Em "Homem-Aranha no Aranhaverso", temos a chamada jornada do herói galgada pelo protagonista Miles. Nesse sentido os roteiristas souberam trabalhar bem a construção do heroísmo, as dúvidas e a redenção do personagem, que no decorrer do filme aprende lições valorosas. Como ensinava o saudoso Stan Lee, criador do personagem e merecedor de justas homenagens durante longa, qualquer um pode vestir a máscara e ser um herói. Basta acreditar, sentir e nunca desistir diante dos grandes obstáculos que a vida impõe.
Mas se nos momentos de fraqueza duvidarmos das nossas forças, devemos lembrar que não estamos sós. Existem pessoas com quem podemos contar. Pessoas que passam pela mesmas dificuldades e compartilham dos mesmos sentimentos. Essa é a grande força do filme, que pode te emocionar, te fazer sorrir e pensar.
O humor, que permeia o longa, consegue encaixar todas as piadas e trabalha a favor da trama, que também tem o grande mérito de ser inclusiva sem soar como panfletagem social. Em "Aranhaverso" há espaço para todas etnias, raças e gêneros de uma forma tão natural e fluida que é impossível não exaltar o respeito com a diversidade e sua importância na cultura pop.
Esbajando qualidade, "Aranhaverso" é um acerto gigante como entretenimento além do entretenimento, e abre um leque de possibilidades para a franquia.
Que possamos conviver com todos os universos que existem...
9.0
*Instagram: resenha100nota
Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso
3.1 160 Assista AgoraNo pacato bairro de Suburbicon dois bandidos invadem a casa de uma tradicional família americana e dão início a uma rede de conspirações e mortes. Enquanto isso, a população local se revolta com a chegada de uma família afro descendente, temendo a perturbação da ordem, e por isso, passam a hostilizar os novos vizinhos.
Atrás das câmeras, George Clooney senta na cadeira de diretor e utiliza a típica estética dos shows das TVs americanas, que mostravam sempre os núcleos familiares perfeitos e felizes da época, mas adicionando ironia e acidez em tom de crítica social. Essa é a tônica de "Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso"(2017).
A trama, cunhada em um suspense com requintes de humor nonsense, vai desnudando o ambiente perigoso que vive o pequeno Nicky e a falsa calmaria de seu núcleo familiar, desaguando em um terceiro ato propositadamente surtado.
Matt Damon interpreta o pai moralista que insiste em vestir o manto do "homem de bem" para uma sociedade de plástico, pronta para consumir o cultural sonho americano.
Numa das cenas mais sarcásticas do longa, o pai ensanguentado e envolvido em uma série de crimes recomenda que o filho não ande com o amigo "de cor", insinuando a má companhia do garoto.
Essa foi mais uma ótima tirada do roteiro, que a todo instante nos lembra como aquela situação é o retrato do preconceito que traça estereótipos do bom e do mau.
Apesar da boa interpretação de Damon e da participação quase discreta de Julianne Moore, que encarna dois papéis, o destaque fica por conta do jovem Noah Jupe, já visto no lacrimoso drama "Extraordinário" (2017).
Noah vem acumulando bons trabalhos e mostra que tem talento para seguir uma carreira de sucesso na indústria cinematográfica.
Clooney, por sua vez, continua mostrando firmeza na direção e personalidade para assumir projetos que tenham algo a dizer. "Suburbicon" reabre feridas históricas, escondidas em um suspense satírico para nos lembrar que a maldade não tem cor, nem endereço, por isso desfaça as imagens e construa amizades.
8.0
*Disponível na Amazon Prime Vídeo
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A Felicidade Não Se Compra
4.5 1,2K Assista AgoraEstá chegando o Natal e o fim de mais um ano. Época de repensar a vida, os projetos, os sonhos, e de ver, ou rever, o clássico de Frank Capra "A Felicidade Não Se Compra"(1946). No meu caso, sigo a tradição particular de revisitar anualmente essa grande obra, que figura tranquilamente no topo da minha cinefilia.
Nesse filme, muito associado ao período natalino, conhecemos a história de George Bailey (James Stewart), que, em um ato de desespero tenta o suicídio, pois acredita que a vida das pessoas teria sido melhor se ele nunca tivesse existido. Após ouvir várias preces, Deus envia o anjo Clarence (Henry Travers) para interceder e mostrá-lo como é importante.
O diretor Frank Capra entregou para o cinema, talvez, o filme mais bonito de todos os tempos. Nos primeiros minutos de projeção, passeando pelas ruas da pequena cidade de Bedford Falls, ouvimos as preces sinceras daqueles que pedem proteção ao atormentado George. Já tememos pelo protagonista sem ao menos saber seu rosto. Simplesmente porque as vozes que suplicam conseguem transmitir uma preocupação genuína.
A estrutura narrativa da trama faz uma retrospectiva, a partir de flashbacks, da vida George para que possamos compreeender como ele tocou o destinos de tantas pessoas naquela pequena cidade, sempre à sombra do ganancioso Sr. Potter (Lionel Barrymore).
Bailey, que sempre sonhou em explorar o mundo, projetar prédios e cidades, e viver uma vida de emoções, viu seus planos de pegar a estrada serem adiados repetidas vezes em prol da família e dos amigos. Nessa luta diária pelo bem comum, várias foram as oportunidades para que George seguisse o rumo de seus sonhos, mas seu caráter altruísta sempre definiu seus passos. Entretanto, as grandes jornadas precisam de grandes companhias e Mary (Donna Reed), desde sempre foi a parceira ideal de viagem. Capra, que tem como um dos grandes méritos de sua carreira a escolha perfeita de seus elencos, fez da apaixonada Mary uma grande mulher, de gestos nobres que simboliza a essência da cumplicidade e companheirismo. Outro destaque, sem dúvida alguma, é o carismático trabalho de James Stewart e sua interpretação carregada de vigor. O famoso ator vai do jovem idealista, ao adulto preocupado com os rumos da cidade. Por ele torcemos e com ele choramos e sorrimos.
Mais do que uma fábula de Natal, o filme de Capra é uma ode a fé no homem. Por vezes, abdicamos dos próprios sonhos em detrimento de um bem maior e quando a realidade se apresenta diferente do futuro idealizado questionamos o caminho tomado e a própria felicidade. Mas acredito que a jornada e as marcas que deixamos nas pessoas, falarão por nós. Por isso, nos momentos difíceis, em que as dúvidas colocam em xeque os êxitos que colecionamos na vida, devemos lembrar que "nenhum homem é um fracasso quando tem amigos." E quando fazemos o bem, mesmo nesses momentos de dúvidas, haverá alguém tocando o sino da fé. Afinal de contas, "Toda vez que toca um sino, é sinal de que um anjo ganhou suas asas."
Feliz Natal!
10.0
Mogli: Entre Dois Mundos
3.4 390 Assista AgoraA fábula do menino criado por lobos e outros animais na selva volta em grande estilo com "Mogli - Entre dois Mundos" (2018), após a versão do diretor Jon Favreu, em live action de 2016 ("Mogli - O Menino Lobo").
Dessa vez a Netflix bancou o projeto capitaneado pelo ator Andy Serkis, famoso por revolucionar a captura de movimentos, em filmes como "O Senhor dos Anéis" (Golum) e na nova trilogia de "O Planeta dos Macacos" (César). Além de coordenar todo trabalho técnico do longa, Serkis assumiu a cadeira de diretor e reuniu um elenco de peso para dar voz e alma aos personagens. Christian Bale, Benedict Cumberbatch e Cate Blanchett são os nomes mais conhecidos, mas não há como não destacar a atuação visceral do pequeno Rohan Chand.
A trama nos leva até a selva indiana e o dilema da incorporação do jovem humano na alcatéia em recorrente conflito com o maléfico tigre Khan (Cumberbatch). Mogli luta para fazer parte do grupo e ser tratado tal como os lobos, por isso não entende o que o faz tão diferente. Enquanto isso, a pantera Bagheera (Bale) e o urso Baloo (Serkis) tentam proteger o menino dos perigos da selva, mas após ser expulsos pelos lobos, Mogli passa a viver na aldeia próxima a floresta e a observar os novos costumes.
Tecnivamente a produção não é perfeita e oscila entre momentos em que a captação de movimentos é bem executada, e outros em que os efeitos especiais soam demasiadamente artificiais, nos tirando um pouco a credibilidade daquele mundo.
O roteiro do filme é assumidamente sombrio e corajoso, ao fugir do tom leve das animações da Disney, e há cenas bem fortes para o público infantil. Mogli grita, chora, sangra e não teme a luta. Sofremos as perdas e vibramos com o ímpeto do garoto. No discurso sobre diferenças e aceitação, fica a mensagem que não precisamos ser iguais para termos um lugar ao sol e sermos respeitados. É preciso valorizar aqueles que não refletem necessariamente a nossa imagem, pois cada um tem habilidades que o tona especial.
Então, sinta-se em casa em qualquer lugar onde a semelhança vem dos sentimentos.
8.5
*Disponível na Netflix
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Simonal, Ninguém Sabe o Duro que Dei
4.0 127 Assista Agora"Simonal - Ninguém sabe o duro que dei" (2009) é o documentário que apresenta a ascensão e queda do cantor Wilson Simonal.
Dono de uma das vozes mais bonitas da história da música brasileira, Simonal dominava uma platéia como poucos. Exalando carisma, ele conquistou o grande público com um swing debochado e canções contagiantes, como "Sá Marina", "Mustang cor de Sangue", "Nem vem que não tem", "Zazoeira" e a deliciosa versão de "País Tropical", de Jorge Ben Jor.
No auge da carreira, gozando de grande prestígio, foi acusado de mandar sequestrar o seu contador que o processava por questões trabalhistas, e em seguida ganhou fama de delator ao ser acusado de apoiar o regime da ditadura militar e colaborar como informante do DOPS, órgão do governo responsável por manter a "disciplina" do regime. A classe artística não perdoou a suspeita sobre Simonal e o transformou em persona non grata, condenando-o ao esquecimento.
O documentário, através do depoimento dos filhos, amigos e colegas, retrata bem o caminho percorrido pelo cantor e tem o grande mérito de não suavizar o retrato do artista, que talvez tenha confiado demais no carisma e o seu ego pode ter feito com que escolhesse mal as palavras em uma época delicada da nossa história política.
Guardando similaridades com o presente, Simonal pode ser considerado uma vítima de si, mas também dos ânimos acirrados de um cenário que exigia uma posição partidária. Se não for ativista de um dos lados, será considerado instantaneamente opositor do outro. Esse era o pensamento reducionista da época, que não me parece tão distante dos dias de hoje.
Quando a poeira baixou e Simonal conseguiu documentos que provavam que nunca se envolveu com órgãos de tortura e censura, ninguém pareceu se importar, e não há nada pior para o artista que a indiferença.
Realmente, ninguém sabe o duro que Wilson Simonal deu na vida, mas assistindo ao documentário podemos imaginar.
9.5
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraO primeiro filme do diretor Damien Chazelle com o selo de Hollywood é uma pequena jóia. Antes ele já havia dirigido "Guy And Madeline on the Park Bench" (2009) sem grande repercussão, mas foi com "Whiplash" que o jovem norte-americano ganhou visibilidade. Andrew (Miles Teller), estudante de uma famosa escola de música, consegue a chance de tocar bateria na turma do exigente professor Fletcher (J. K. Simmons), porém os métodos do mestre vão levá-lo ao limite.
O velho clichê do professor que tira o melhor do aluno sob uma relação quase militar seria uma armadilha fácil, se não fosse as mãos habilidosas do diretor. O filme anda no passo certo, cadenciando a história e a obsessão de seu protagonista. Andrew vive para ser o melhor no que se propôs a fazer. Apesar do ar tímido, há uma certa arrogância disfarçada, que acaba caindo no radar de Fletcher. Amante do rigor técnico e dedicando sua vida para estimular e descobrir talentos, o regente é um carrasco que aciona a guilhotina esperando encontrar vida, sem receio que cabeças rolem no processo.
J. K. Simmons ganhou o Oscar mais do que merecido. O personagem é vivido com paixão. Miles, apesar de mais contido, entrega um bom trabalho e carrega, além das baquetas, a torcida do espectador pelo tempo certo das batidas. O primor técnico também é destaque. Os cortes são certeiros, o som é agradável e a fotografia do filme é pra pendurar na parede. A cena final é extasiante.
Segundo a filosofia de Fletcher, não há duas palavras mais danosas na nossa língua do que "bom trabalho". Por isso, espero que ele não me ouça. Bom trabalho, Damien Chazelle!
9.0
Um Dia
3.9 3,5K Assista AgoraO que torna "Um Dia" especial?
Por vezes tentamos voltar ao dia em que algo especial aconteceu. Viajamos nas lembranças buscando sentir novamente o sabor que parece nunca ter nos deixado. É o gosto do "se". São sentidos que podem despertar com o som de uma música ou o perfume que nos encontra acidentalmente. E a lembrança de um dia nos abraça, assim como a saudade daquilo que não vivemos.
Dexter (Jim Sturgess) é um jovem com fome de vida e pressa para curtir sua juventude. Seus excessos lhe custam mais do que dias. Custam momentos.
Emma (Anne Hathaway) é uma talentosa escritora, que carece de confiança em si mesma, e busca mais do que apenas um dia feliz.
A amizade dos dois é o símbolo da troca de diferenças. Dexter estimula a ousadia de Emma, que tenta emprestar um pouco de serenidade para o amigo. Mesmo com a distância, eles desenvolvem o ritual de uma vez ao ano se encontrar, na inconsciente tentativa de resgatar as mesmas pessoas que passearam no primeiro 15 de julho juntos. Mas todos mudam. E por mais gostoso que seja voltar ao passado para rever uma época, a mudança é importante e necessária. Triste de quem permanece o mesmo.
Desse modo, Dexter e Emma passam o filme tentando entender essas transformações e a própria relação de amor e amizade desenhada anualmente.
Com similaridades ao romance "Cidade dos Anjos"(1998), com Meg Ryan e Nicolas Cage, Um Dia nos provoca a refletir sobre todos os dias. Não apenas a data marcada no calendário, mas também como poderíamos multiplicar esses números para termos mais do que momentos na vida. Para termos uma vida de momentos.
8.5
Com Amor, Van Gogh
4.3 1,0K Assista AgoraIndicado ao Oscar de melhor animação em 2018, "Com Amor, Van Gogh", conta a peregrinação do jovem Armand Roulin para entregar a última carta do pintor holandês endereçada ao irmão, e no caminho, ao ouvir as impressões das pessoas que interagiram com Van Gogh, entender o que o levou a dar fim à própria vida.
Inteiramente pintado por mais de cem artistas recrutados para o trabalho, o filme funciona como uma obra de arte em movimento. Seguir as pistas deixadas pelo famoso holandês nos ajuda a imaginar sua personalidade a cada testemunho sobre seu comportamento.
Declarado o pai da arte moderna após a morte, Van Gogh produziu mais de 800 pinturas, mas, por incrível que pareça, só conseguiu vender uma em vida.
Isso só me faz refletir sobre a dificuldade das pessoas em lidar com gênios improváveis.
Reconhecer que o homem que cortara a própria orelha fosse capaz de transformar em arte as pequenas coisas da vida, através de traços singulares, provavelmente incomodou os "normais" e abastados.
Vicent Van Gogh queria comover as pessoas com sua arte e que elas soubessem que ele sentia profunda e ternamente. Eternizado pelas tintas e pela história, sabemos e também sentimos.
9.0
O Carteiro e o Poeta
4.2 300Indicado a vários prêmios na época de seu lançamento, "O Carteiro e o Poeta" (1994) é uma jóia do cinema italiano dirigida por Michael Radford e protagonizada pelo carismático Massimo Troisi, que faleceu logo após as filmagens.
Mario (Troisi) é um carteiro que tem o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret, o eterno Alfredo de "Cinema Paradiso") como único destinatário. O ilustre chileno, em exílio em uma ilha da Itália, recebia visitas frequentes do tímido carteiro, que começou a nutrir verdadeira fascinação pela habilidade de Neruda com as palavras. Em contrapartida, Mario era o ouvinte perfeito para o poeta, nostálgico pelo país de origem.
A partir daí é estabelecida a cumplicidade entre os novos amigos, que dividem lembranças, sonhos e metáforas.
Há quem se refira às pessoas queridas como "grandes amigos" ou "grandes amizades". Nesse sentido, acredito na redundância de tal expressão, visto que não existe pequena amizade ou amigo de nível médio. A amizade existe ou não. Se foi, é porque não era. Se é, sempre será.
Amizades afloram partes de nós, que muitas vezes desconhecíamos que existiam. Elas configuram uma troca espontânea de experiências e lições. Mario aprendeu com Neruda, e o famoso poeta aprendeu com o carteiro a simplicidade das palavras, cujo significado desabrocha nos ouvidos e germina na mente.
Conhecer um amigo é aprender com ele, e quando aprendemos sobre algo nunca esquecemos os ensinamentos, porque de alguma forma eles passam a fazer parte de nós.
10.0
"Quando um homem começa a te tocar com as palavras, não está longe de te tocar com as mãos."
Entre Abelhas
3.4 830Sei que você deve estar pensando que "Entre Abelhas" (2015) é mais uma comédia nonsense protagonizada pelo humorista Fábio Porchat. Pensou errado!
Dessa vez o ator se arrisca em um drama sensível sobre o fim de um relacionamento, que merece ser visto.
Bruno (Porchat) é um jovem recém-separado que volta a morar com a mãe enquanto tenta entender o fim de seu casamento. Em certo momento, ele percebe que está deixando de enxergar as pessoas a sua volta, mesmo sabendo que elas continuam a existir.
Apesar de alguns momentos de humor, "Entre Abelhas" se mantém fiel ao drama do personagem e a metáfora do desaparecimento.
Quando ainda estamos atordoados por uma mudança inesperada deixamos de ver as coisas e as pessoas com clareza. Tudo fica nublado e as nuvens encobrem o caminho do sol, que continua brilhando no mesmo lugar de sempre.
Como um passe de mágica acabamos permitindo que as pessoas desapareçam, porque nos sentimos só no mundo. Mas tudo não passa de uma ilusão passageira.
A vida é um eterno recomeço e quando os nossos olhos voltam a enxergar alguém, tudo volta a aparecer. As cores, o brilho, o sol. Aquele mesmo sol que nunca foi embora, mesmo nos dias de chuva.
"I can see clearly now the rain is gone..."
9.0
Minimalismo: Um Documentário Sobre Coisas Importantes
3.5 195Quantas vezes nos perguntamos por que queremos algo?
O documentário "Minimalism: A Documentary About The Important Things" (2016) traz esse e outros questionamentos com o propósito de provocar a reflexão e auto-análise ao espectador.
Vivemos cercados de bens materiais que perdem o significado a cada estação do ano e mais do que entulhar uma casa, alimenta uma indústria de consumo pelo consumo, pois nem sempre pensamos se de fato precisamos daqueles itens. É a falsa percepção de controle das ações, quando na verdade nós somos guiados e consumidos pelos modismos e imposições sociais.
Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus propõem uma mudança no estilo de vida calcada no Minimalismo, em que você deve questionar o real valor do que te cerca e viver com o essencial. Essa noção não é radical, por isso uma coleção de livros ou discos pode perfeitamente ser essencial pra você. Assim, eles não pregam o fim do consumismo ou que as pessoas vivam no limite para sobreviver. A questão passa pelo consumismo consciente, sem os devaneios de quem procura a felicidade no novo produto lançado no mercado.
É melhor ter no um ótimo casaco no gurada roupa ou vários que você use pouco?
A filosofia do minimalismo busca atribuir esses significados às coisas que te cercam e estimular o descarte das peças que não acrescentam a sua felicidade.
Alguns depoimentos de pessoas que passaram a seguir esse pensamento ajudam a ilustrar o documentário e propagar essa ideia que não é fácil de ser colocada em prática, diante de tantos costumes arraigados, mas convido você a maximizar os pensamentos, conheçer o Minimalismo, e ponderar sobre a viabilidade na sua vida ou não.
7.5
*Disponível na Netflix
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A Primeira Noite de Um Homem
4.1 810 Assista AgoraO peso da vida adulta e as cobranças para que sigamos o roteiro pré-estabelecido pelos pais e pela sociedade em geral são temas abordados no clássico "A Primeira Noite de Um Homem" (1967).
Benjamin (Dustin Hoffman) é um jovem recém formado, mas ainda sem grandes resoluções na vida. Ao voltar de férias para casa, ele é seduzido pela Sra. Robinson (Anne Bancroft), que é casada e amiga de seus pais. Benjamin, então, embarca em um tórrido romance, até se apaixonar por Elaine (Katharine Ross), filha de sua amante.
Indicado ao Oscar de melhor filme e vencedor na categoria de direção (Mike Nichols), "A Primeira Noite de Um Homem" é uma comédia com doses de drama, de roteiro afinado e atuações marcantes.
Hoffman consegue emular as transformações do protagonista, que passa de um estado de letargia inicial para um desabrochar de emoções. Benjamin passou a vida guiado por mandamentos alheios, quase como um zumbi, sem vontade própria, apenas seguindo o fluxo das coisas, e ao concluir a faculdade se viu perdido, sem um propósito que o tirasse do transe.
A trama trabalha bem esse dilema de seguir ou não os impulsos e a cena final é emblemática, pois o semblante do protagonista denota mais uma satisfação com o êxito da mudança de postura pessoal, do que com o objetivo alcançado.
Destaco também a atuação da veterana, Anne Bancroft, que também foi indicada ao Oscar como atriz coadjuvante.
A trilha sonora do longa é tão sensacional que ganhou vida própria, alçando a canção "Ms. Robinson", de autoria da dupla Paul Simon e Garfunkel, a uns dos grandes temas da história do cinema.
Ainda hoje, a primeira noite de amor entre a sedutora Sra. Robinson e o inexperiente Benjamin serve de referência para cineastas e a jornada de amadurecimento do protagonista nos lembra que os grandes aprendizados que podemos ter vêm das decisões que tomamos na vida. Essa é a nossa maior graduação.
9.0
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As Viúvas
3.4 410Inspirado em uma série de tv dos anos 80, "As Viúvas" (2018) é o mais novo longa do diretor Steve McQueen, que traz quatro mulheres lutando pela sobrevivência, após a morte dos maridos golpistas.
Esse é o quarto filme da filmografia de McQueen, que conta com os intensos "Hunger", "Shame" e "12 Anos de Escravidão". Apesar das disputas políticas e críticas sociais presentes em "As Viúvas", nitidamente este é o projeto mais comercial e menos intenso da carreira do diretor, mas isso não quer dizer que o longa é ruim.
Viola Davis comanda o elenco e continua entregando interpretações viscerais, entretanto, ao analisar seus últimos trabalhos, percebo uma sensação de deja vu, em que a atriz veste a mesma carga emocional. A surpresa ficou por conta de Elizabeth Debicki no papel da viúva espancada pelo marido e manipulada pela mãe, que amadurece ao entrar no plano das novas amigas.
Daniel Kaluuya, protagonista do sucesso "Corra!", também se destaca como o ameaçador Jatemme.
O roteiro trata da adaptação das viúvas a uma nova vida, ao passo que tenta aprofundar questões políticas e disputa pelo poder, mas ficou amarrado com a trama do golpe milionário. Logo, o filme ficou no meio termo entre o drama com algo a dizer e um genérico filme de roubo. Mesmo sem empolgar em nenhum dos dois segmentos, ele consegue segurar a atenção durante sua projeção por conta do elenco competente e pela habilidade de McQueen em inserir tomadas e planos cinematográficos que fogem do convencional para nos dar uma nova perspectiva para determinadas cenas. O enredo ainda aposta em uma reviravolta que pouco contribui com a trama.
Isoladamente, "As Viúvas" é um bom filme, porém, menor que a grandeza de seu diretor.
7.5