A improvável franquia "Annabelle" chega ao terceiro capítulo tentando ampliar a mitologia dos Warrens, o casal de demonologistas apresentados em "Invocação do Mal".
A trama inicia com a captura da boneca Annabelle, que é trancafiada em um armário de vidro no quarto de relíquias macabras na residência dos Warrens. A redoma tem o objetivo de impedir que a boneca de olhos esbugalhados e bochecha rosada desperte as entidades malignas dos outros artefatos. Mas, como manda a cartilha dos velhos clichês, o aviso "não toque", "não entre" ou "não abra" é praticamente uma ordem para seguir a direção oposta, e é exatamente isso o que uma personagem faz para desencadear o mal em uma noite de terror na casa dos caçadores de demônios, assim que eles saem deixando a filha em companhia da babá.
Dirigido pelo estreante Gary Bauderman, "Annabelle 3: De Volta Pra Casa" continua os eventos apresentados nos filmes anteriores, mas com clara mudança de tom. Aqui o clima está mais próximo do "terrir" dos anos 80, que mesclava a horror e comédia, e das aventuras em que os jovens aprontam confusões em casa na ausência dos pais. Em alguns momentos, o longa parecia "Jumanji" (1996) com espíritos e demônios. Assim, como no filme do saudoso Robin Williams, é difícil temer pelos personagens porque no fundo você sabe que tudo acabará bem até que os adultos voltem e encontrem a casa em ordem, como se nada tivesse acontecido.
O drama visto nos primeiros filmes da boneca Annabelle é uma lembrança distante e a franquia toma um rumo mais próximo da série de livros infanto-juvenil "Goosebumps", que ganhou recentemente adaptação cinematográfica com o ator Jack Black. O que aparenta é que o único propósito da produção é desfilar suas aberrações para testar a popularidade e quem sabe dar início a outro derivado nos cinemas.
Diante disso, "Annabelle 3" pode agradar um público maior que só deseja sentir um leve frio na barriga e em seguida aliviar a tensão com risinhos. Já os fãs do horror sobrenatural devem se decepcionar com esse passeio seguro pela "Casa do Terror" do parque de diversões.
Mônica, Cascão, Cebolinha e toda a turma criada por Maurício de Sousa embalou a infância de muita gente. Eu fui uma dessas crianças que se perdeu e se encontrou nas páginas dos gibis, numa época em que os smartphones, redes sociais e demais tecnologias não tomavam tempo e energia com a avalanche de informações rápidas dos dias atuais. Meu personagem favorito era Cebolinha, o pequeno garoto de camisa verde, cinco fios de cabelo e que sempre trocava o "R" pelo "L". Seus planos infalíveis ao lado amigo Cascão tinham como principal objetivo roubar o coelhinho Sansão, da valente amiguinha Mônica! A baixinha e dentuça (que ela não me escute) vivia as turras com o filho do Sr. Cebola, tinha uma personalidade forte e liderava toda a turma bem antes do termo "empoderamento feminino" ser tão repetido.
Durante décadas, vez ou outra, se ventilava a possibilidade de um filme live action adaptando a obra de Maurício de Sousa, e para a minha alegria o desejo tomou forma e o longa metragem ganhou o sinal verde. A direção ficou a cargo do competente Daniel Rezende, do ótimo "Bingo: O Rei das Manhãs" (2017). Rezende baseou a produção na adaptação da história em quadrinhos "Turma da Monica: Laços", um projeto que faz parte da coleção Graphic MSP, que traz releituras dos amados personagens de Sousa.
Na trama, a turma do Rua do Limoeiro, Mônica, Cascão e Magali, saem para ajudar Cebolinha, a procura de Floquinho, seu cãozinho de estimação. Tecnicamente o filme é bonito e dá pra ver que a equipe se preocupou bastante em reproduzir o ambiente colorido idealizado pelo autor dos gibis. Maurício inclusive faz uma pequena, mas emocionante participação. Vê-lo na tela gera um agradecimento coletivo em forma de suspiros na sala de cinema. O elenco mirim não faz feio, mas falta certa naturalidade na interação entre eles. Tudo parece demasiadamente ensaiado, contrapondo a espontaneidade que se espera de crianças aprontando travessuras. Rodrigo Santoro faz curta aparição como o Louco, acrescentando magia ao tom lúdico do filme, que aposta em aventura e emoção.
Hoje, com o olhar de um adulto, não consegui me conectar com "Turma da Mônica: Laços". Não por se tratar de um filme infantil, visto que continuo adorando produções, como os belos trabalhos da Pixar, mas por enxergar um erro de alvo dos realizadores. A Turma da Mônica dos gibis tinha entre os grandes trunfos, o alcance do público de várias faixas de idade. Não era incomum ver crianças, adolescentes, homens e mulheres crescidos, compartilhando a leitura das revistinhas. Logo, não posso falar pelos pequenos que têm outra visão de uma boa tarde no cinema e certamente vão se divertir bastante, mas, com pesar no coração, acredito que entre os velhos leitores, carregados da nostalgia da infância, não deve funcionar, tampouco emocionar.
"Grindhouse" foi mais um projeto da parceria entre os diretores Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, que já haviam trabalhados juntos na antologia de humor "Grand Hotel". A ideia aqui era homenagear as antigas sessões duplas de filmes de horror de baixo orçamento da década de 70. A estratégia de lançar dois filme em um era a forma de atrair público aos cinemas e gerar lucro.
Em "Grindhouse", cada diretor ficou responsável pelo seu filme B., Rodriguez com "Planeta Terror" e Quentin com "À Prova de Morte". Lançados como filme único e separados com trailers falsos durante a exibição, os longas não emplacaram e o estúdio decidiu relançá-los separadamente meses depois. No segmento de Tarantino o dublê Mike (Kurt Russel) leva o terror para jovens mulheres, enquanto dirige um carro à prova de morte, até que ele se depara com três garotas em busca de vingança.
A trama de "À Prova de Morte" segue a referência de "Faster Pussycat! Kill! Kill!" (1965), em que mulheres duronas assumem as rédeas da situação, se rebelando contra a opressão da vilania masculina. A estética da produção tenta remeter as películas B dos anos 70, com sua falhas de continuidade, granulado da imagem, cortes abruptos e desregulagem do áudio. Tudo para fazer o espectador viajar pelo cinema marginal de pouca visibilidade, imprimindo estilo ao que na época acontecia por falta de recurso e técnicas. Nesse quesito Tarantino foi feliz e certeiro, visto que a fotografia cumpre exatamente o papel proposto. Entretanto, o diretor exagerou na auto-referência. À primeira vista, o espectador mais experiente na filmografia de Quentin, pode pensar que o longa foi realizado por um fã do autor de "Pulp Fiction" e "Kill Bill", tamanho o exagero dele em colocar sua assinatura em cada cena do filme. Pés em close, dança aleatória e muita conversa fora, nos dão uma sensação de dejavu quando não há a naturalidade habitual em inserir esses elementos de forma sutil em meio a personagens interessantes.
Criado pra ser caricato, Kurt Russel interpreta o vilão Duplo Mike e tenta fazer o que pode, mas o roteiro não é dos melhores e, para mim, não funcionou a tática de ridicularizar o antagonista. Por falar nisso, o longa conta com uma sequência chocante envolvendo uma colisão de carros, orquestrada de forma bem gráfica. Na segunda metade do filme, quando o plot da vingança se inicia acompanhamos uma alucinada perseguição automobilística entre o "bem e o mal", que dispensou efeitos digitais, visto que Tarantino escalou a dublê de Uma Thurman em "Kill Bill", Zöe Bell, para interpretar uma das garotas e queria filmar a sequência à moda antiga.
"À Prova de Morte" não chega a ser um filme ruim, mas o longa de pior repercussão do diretor mostra que ele não está à prova de críticas.
Almejando ascender na empresa em que trabalha ganhando a simpatia dos chefes, o solteirão Baxter empresta regularmente seu apartamento para os executivos levarem as amantes, mas as coisas tomam um rumo inesperado quando ele se apaixona por uma destas mulheres.
Dirigido e roteirizado pelo mestre Billy Wilder, "Se Meu Apartamento Falasse" (1960) é uma das grandes comédias do cinema. O elenco conta com o protagonismo de Jack Lemmon, parceiro recorrente de Wilder, que esbanja carisma como o solitário Baxter. O ator gera uma empatia imediata e garante a torcida do espectador desde o início. Shirley MacLane, que interpreta a amante que nutre a frágil esperança de se casar com o executivo, também se destaca na produção. Wilder conduz bem as desventuras dos dois sonhadores que descobrem nem sempre vale a pena perseguir um desejo se o caminho te faz passar por cima de sua própria personalidade. Seja a ambição profissional ou o plano sentimental. Toda essa jornada de descobertas é regada com pitadas de drama, mas com bastante bom humor, que confere cenas hilárias, como as que envolvem o casal de vizinhos que julgam Baxter um mulherengo, promíscuo diante da rotatividade feminina e dos constantes barulhos no apartamento. Ou então na sequência em que ele tenta organizar o cronograma de empréstimo das chaves do apartamento.
O longa recebeu dez indicações ao Oscar, que lhe renderam cinco estatuetas, a incluir Melhor Filme, Roteiro e Direção. Nada mais justo para um filme que mescla harmonicamente romance, drama e comédia, com os toque sutis de crítica ao "American Way Life", e no jogo de cartas que acompanhamos em "Se Meu Apartamento Falasse", mais importante do que a vitória é a companhia que escolhemos para jogar as cartas.
Após a conclusão do acordo que selou a compra do Grupo Fox pela Disney, muito se questionou sobre a utilidade de mais um filme da franquia X-Men que estava programado e com produção em curso. Com chances praticamente certas de um reboot total pelos estúdios do Mickey/Marvel, "X-Men: Fênix Negra" (2019) é um projeto que nasceu morto, mas que se apegou à ideia de concluir com dignidade a cinessérie dos mutantes.
Quando estreou no ano de 2000, "X-Men" não tinha o sub-gênero dos filmes de heróis para ampará-lo. A última lembrança que martelava a cabeça da audiência era o carnaval brega de "Batman e Robin", do diretor Joel Schumacher. Assim, é inegável a importância do filme assinado por Bryan Singer, para abrir portas e permitir que pudéssemos viver uma era tão boa para os fãs dos seres super poderosos dos quadrinhos. Entretanto, de lá para cá muita coisa mudou. A Marvel trouxe cores e um universo coeso, sem vergonha do DNA da fantasia. A DC tentou, errou, mas continua perseguindo o caminho do sucesso. Já os mutantes sofreram com uma cronologia bagunçada e a sombra de um Singer ainda preso aos velhos conceitos da época do primeiro filme dos X-Men. Ele não acompanhou a mudança do mercado e a receptividade do público. Não vivemos mais o tempo das jaquetas pretas que escondem personagens.
Soma-se também os seguidos erros de desenvolvimento de personagens. Na primeira trilogia apenas Hugh Jackman se salvou, imortalizando-se como o Wolverine definitivo. Sir Ian Mckellen fez um trabalho excepcional como Magneto, mas não tão emblemático quanto Logan. Na segunda fase, iniciada em "First Class" (2011), voltamos no tempo para conhecer a gênese do grupo de mutantes e as coisas pareciam tomar um caminho interessante, mas a volta de Singer trouxe os piores filmes na sequência: "X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido" (2014) e o terrível "X-Men: Apocalipse" (2016). Do novo elenco não podemos questionar o talento de atores do gabarito de James McAvoy e Michael Fassbender, mas os arcos famosos das histórias em quadrinhos eram deformados em suas adaptações para o cinema. Vilões trocavam de lado apenas pelo apelo comercial de seus intérpretes, efeitos especiais e design de produção risíveis e heróis sem o menor carisma e identificação. Dessa maneira, a notícia da volta dos mutantes para os braços do estúdios Marvel foi um acalento para o público que nunca perdeu a esperança de ver uma transposição mais fidedigna e respeitosa dos fabulosos X-Men.
Porém, antes do início é preciso falar do fim. A saga da Fênix Negra, vista pela segunda vez nos cinemas, não é a porcaria que andam bradando aos quatro ventos, mas comete o pecado da falta de peso, impacto. O filme toma um rumo diferente que certamente vai incomodar o fã mais xiita, mas tentei me afastar desse tipo de julgamento pra analisar a execução dos caminhos que o diretor Simon Kinberg escolheu.
A trama traz a mutante Jean Grey como força motriz que move o longa. Após ser atingida por uma energia misteriosa no espaço ela retorna à Terra com uma personalidade alterada e propensa a cometer ataques violentos ao descobrir elementos de seu passado.
Sophie Turner segura bem o papel e seus momentos com Xavier são os que chegam mais perto de funcionar. Em sentido oposto a dinâmica entre os demais personagens é frouxa e fica difícil se importar com qualquer desfecho perigoso para aquele grupo. "Fênix Negra" tenta subverter a figura do Professor X., tornando-o um homem falho, de escolhas moralmente duvidosas. Já Magneto transita pela milésima vez na dualidade de sua personalidade, ora defendendo, ora atacando. Jessica Chastain, parceira de loga data do diretor e roteirista Kinberg, faz o que pode pra ajudar o amigo e entrega o melhor possível, enquanto os demais coadjuvantes pouco contribuem.
Os efeitos especiais são competentes na maior parte do tempo e as cenas de ação prendem a atenção. Certamente, um elenco mais performático levantaria o público.
Os diálogos simples não exigem muito da audiência e mostram que a meritocracia passou longe quando escolheram o mesmo roteirista da contestada última versão do Quarteto Fantástico nos cinemas (2015), "X-Men Apocalipse" (2016) e "Jumper" (2008).
Entre erros e acertos, "X-Men: Fênix Negra" encerra um ciclo de forma melancólica. Não necessariamente pelo filme em si, mas pelo desperdício de todo potencial que o universo mutante poderia nos proporcionar.
Algo épico pode ser traduzido como um feito heroico, extraordinário, uma grande proeza, mas se esse conceito pudesse ser resumido em um filme este seria "Lawrence da Arábia" (1962), obra do diretor David Lean.
Grande vencedor do Oscar de 1963, o longa conta a história do homem que ficou conhecido como Lawrence da Arábia, um soldado britânico que tentou unificar a Arábia para combater a invasão russa em seu território. Filmado no deserto, o filme conta com paisagens lindíssimas e planos abertos, que engrandecem cada frame em tela. David Lean costuma dizer que se pudesse morava dentro de seus filmes. Hoje em dia é até difícil imaginar filmagens dessas proporções e locações reais submetendo atores e equipe de produção a viver no escaldante deserto árabe. O Lawrence dos anos 2000 seria artificialmente ambientado numa sala de efeitos especiais, com areia e os figurantes digitalizados e multiplicados. A trilha sonora eternizada pelo tema do protagonista é evocativa e embala sua jornada de crenças, descrenças e autodescoberta. Peter O'Toole, até então um ator sem grande destaque em Hollywood, agarrou papel com unhas e dentes entregando uma interpretação primorosa do lendário personagem. Não vou me ater aos fatos históricos que serviram de base para história contada, visto que os alicerces da produção foram os livros e diários de Lawrence. Por isso minha análise é restrita ao retrato cinematográfico.
O roteiro, que desenvolve a trama durante quase quatro horas de duração, vai tecendo a personalidade do protagonista, mostrando o início de sua jornada e que seu espírito impetuoso que busca as transformações do povo árabe em constante conflito entre si. A medida que a história vai avançando Lawrence também sofre mudanças. Ele percebe as dificuldades de sua missão, os interesses escusos de seus superiores britânicos, enquanto sua vaidade cresce gradativamente a cada conquista à frente dos árabes, que reconhecem no estrangeiro o líder carismático. Lawrence é o homem em conflito com seus próprios desejos e visão sobre si. Ele sabe de seus predicados, vibra e se vangloria com seus êxitos, ao passo que se frustra quando se dá conta de sua humanidade presa em um grande jogo de interesses políticos em que ambos os lados o manipulam. Sua morte banal em um acidente de motocicleta soou como uma grande ironia comparada magnitude de seus feitos em vida. Não se preocupem com Spoiler, porque essa informação é dada no início do filme.
Steven Spielberg, Martin Scorsese e John Woo já se declararam fãs do épico de David Lean. Inclusive, os dois primeiros ajudaram no processo de restauração do longa, em 1989. Assim, me junto a esses grandes nomes do cinema para exaltar essa pintura em movimento intitulada "Lawrence da Arábia".
Chega aos cinemas "Rocketman" (2019), a cinebiografia do cantor Elton John. Diferente de "Bohemian Rhapsody" (2018), a trajetória do pianista é contada em forma de musical e desde os minutos iniciais notamos o tom lúdico adotado pela produção.
Taron Egerton, escolhido para interpretar o músico, segura bem a responsabilidade. O ator canta, incorpora os trejeitos e se entrega ao personagem. O elenco de apoio também está muito bem. O roteiro tem seus maneirismos e o arquétipo do empresário malvado e caricato é personificado por Richard Madden ("Game of Thrones"). Os números musicais oscilam um pouco. Uns são inspirados e bem coreografados, enquanto outros denotam certa falta de criatividade para conduzir a sequência.
A direção do longa ficou a cargo de Dexter Fletcher, o mesmo que foi recrutado pela Fox para finalizar a biografia de Freddie Mercury, após a demissão do diretor Bryan Singer. Apesar de umas poucas similaridades, "Rocketman" é um filme melhor, mais ousado e, principalmente, mais sincero. Aqui o louvor ao artista fica em segundo plano e o tom de auto-análise assume o protagonismo da história. Conhecemos pontos determinantes da infância de Elton que iriam repercutir em sua vida adulta permeada por vícios. Bebidas, drogas, sexo, compras corromperam o astro, mas nada foi mais deletério que a carência de relações afetivas estáveis com a família e interesses amorosos. Elton queria ser amado e de tanto querer esqueceu de se amar. O filme funciona exatamente como uma confissão, ou melhor, um desabafo sobre a origem dos problemas, aceitação e reencontros.
O abraço de Elton e Reggie não é apenas uma cena linda. É o abraço da história, da essência que nos faz ser quem nós somos de verdade. Esse amor próprio é a garantia que nunca estaremos sozinhos. É ele que nos impulsiona até as estrelas, como o tal Rocketman.
É essa honestidade que emociona e me atrai enquanto espectador.
"Rosebud" é a última palavra proferida pelo magnata da imprensa, Charles Foster Kane, em seu derradeiro momento de vida. O estranho vocábulo é o pontapé inicial para uma série de flashbacks que apresenta a história do poderoso chefão das comunicações, que se tornou um clássico definitivo do cinema mundial.
Há décadas "Cidadão Kane" (1941) é tido como o maior filme de todos os tempos por estudiosos e críticos do cinema, entretanto o filme não teve grande receptividade no período de seu lançamento. Muito desse entrave ocorreu graças ao boicote promovido pelo verdadeiro magnata, William Randolph Hearst, que claramente se reconheceu no personagem protagonizado por Orson Welles. Na trama acompanhamos toda jornada do jovem Kane até a construção de seu grande império, desde sua ascensão na imprensa jornalística até sua empreitada na política americana, quando usava os meios de comunicação para influenciar a população. Sua notória ambição foi decisiva nos rumos de sua vida tanto no campo profissional quanto na seara pessoal, prejudicando os seus relacionamentos com os amigos e com a esposa. Essa forma de conduzir o próprio destino foi determinante para o seu desfecho solitário. O roteiro de Orson, que rendeu o único Oscar do longa, trabalha com maestria o desenvolvimento da história construindo pouco a pouco a megalomania de seu protagonista. É importante frisar a maturidade do diretor que a época da produção da película tinha apenas 25 anos de idade e este era seu filme de estreia. Uma das mais famosas injustiças do Oscar reside no fato de Welles nunca ter ganho a estatueta de melhor diretor, mas sua relevância e talento dentro da indústria cinematográfica é referenciada por todos que ali trabalham. Na década de setenta a Academia entregou um merecido prêmio honorário.
A saga de Kane é sua obra mais cultuada e denota a solidão que a busca pelo poder pode trazer. Tal poder deve servir a algum propósito, mas nunca devemos servir ao poder pois se assim acontecer seremos escravos em busca de algemas.
A carreira do ator Keanu Reeves parecia seguir no piloto automático desde o fim da trilogia "Matrix". O "escolhido" Neo tinha virado uma espécie de carimbo para Reeves, mesmo ele tendo feitos outros trabalhos relevantes antes de salvar os humanos do mundo das máquinas, nos filmes dos irmãos Wachowski.
Porém, em 2014, parafraseando o subtítulo em português, Keanu voltou ao jogo em "John Wick: De Volta Ao Jogo". A história do temido assassino de aluguel que sai da aposentadoria para se vingar do responsável pela morte do cachorro de estimação e pelo roubo de seu carro, chamou atenção do público resgatando o filão dos thrillers de vingança nos moldes do "exército de um homem só", tão atrativo nos anos 90.
Cinco anos depois John Wick retorna após a sequência de 2017 e já tem data para o quarto longa da franquia. Maio de 2021.
O sucesso da marca não é um mero acaso. Keanu Reeves prova que mesmo sem contar com grandes variações interpretativas, quando bem escalado executa o serviço como poucos. Foi assim com Neo. É assim com John Wick.
Na terceira parte da franquia, que continua imediatamente aonde o segundo capítulo terminou, John corre contra o tempo para reverter a punição que sofreu ao cometer, nas dependências do Hotel Continental, o assassinato de um membro da Alta Cúpula, que controla a organização de matadores. Sem poder contar mais com a imunidade do Continental, Wick vai em busca de uma colega que lhe deve favor para levá-lo até a única pessoa acima da Alta Cúpula capaz de anular o contrato de milhões, que colocou os mais perigosos assassinos a sua procura.
"Parabellum" é um longa de ação ininterrupta que dá pouco tempo para o publico respirar. As lutas são bem coreografadas e Reeves mostra que mantém a boa forma. Hale Barry divide o show em um pequeno segmento do filme. Sua participação é cheia de energia e rende um dos melhores momentos da produção. O diretor Chad Stahelski amplia o folclore do personagem e se permite alguns exageros em prol do espetáculo. Isso faz com que "Parabellum" soe menos visceral que o primeiro filme de 2014, tornando o protagonista ainda mais destacado do mundo real. John se transformou em um personagem quase sobre humano, apesar do sofrimento que as lutas costumam lhe impor. Mark Dacascos foi escalado para ser o contraponto do herói, entretanto sua caricatura só serve para nos lembrar que o DNA dos anos 90 é uma referência constante, visto que o ator foi protagonista de uma série de filmes de ação nível B daquele período. O humor que o diretor tentou conferir ao vilão não funcionou, tirou a ameaça do personagem e gerou um ou dois momentos constrangedores.
O roteiro me pareceu um pouco mais frouxo que seus antecessores, focando muito mais nos tiros e nas lutas do que na história contada. Mesmo assim, "John Wick 3: Parabellum" estabelece de vez a franquia como o melhor produto do gênero nos último vinte anos. Como falei no início, o quarto longa já foi agendado e Keanu Reeves não demonstra sinais de cansaço. A trama se encaminha para um grande conflito que irá além do mote "John Wick contra todos". Grandes facções prometem se envolver aumentando a proporção do embate.
Quando o roteirista desempregado, Joe Gillis (William Holden), é contratado para escrever um novo sucesso para a esquecida estrela do cinema mudo, Norma Desmond (Gloria Swanson), um jogo de obsessão e manipulação tem um fim trágico.
Indicado a onze estatuetas do Oscar, "Crepúsculo dos Deuses" (1950) se debruça sobre a busca de uma atriz decadente pelo seu canto do cisne, em que provaria para a indústria do cinema que seu talento ainda é relevante. O longa, dirigido pelo mestre Billy Wilder, se revela uma crítica voraz aos grandes estúdios e a mídia cinematográfica, cuja memória não prestava os merecidos reconhecimentos para aqueles que brilharam em outros tempos. A trama, contada em flashback pelo roteirista Gillis, inicia com um corpo boiando na piscina da mansão e a partir dali o narrador dá seguimento a sua história. Norma, nitidamente fora da realidade e ainda cultivando a vaidade de grande diva do cinema, crê no seu prestígio inabalável, mesmo com o surgimento dos filmes falados. O mordomo Max, outrora diretor requisitado, ajuda a reforçar essa ilusão pajeando a patroa e a protegendo da verdade. Gillis, que inicialmente tenta manipular a atriz, vai aos poucos percebendo que se envolveu em uma situação que não podia controlar.
O desfecho é o ápice da insanidade, do delírio e da vaidade de Norma Desmond, mas também é uma das sequências mais emblemáticas e poderosas do cinema.
"Crepúsculo dos Deuses", sem dúvida alguma, é um dos pontos mais altos da carreira de Wilder, um diretor impossível de esquecer.
Em 2017 foi anunciado o Fyre Festival, um luxuoso festival de música em uma ilha paradisíaca nas Bahamas. Após uma campanha de marketing poderosa que envolvia top models famosas e influenciadores digitais, como Kendall Jenner, da família Kardashian, o evento viralizou e gerou uma expectativa tão grande quanto o seu retumbante fracasso. Desorganizado desde de sua pré produção, o festival virou motivo de piadas, processos e dívidas.
Tudo começou quando o jovem empreendedor Billy McFarland se uniu ao rapper Ja Rule para promover um grande evento de divulgação de um aplicativo para facilitar a contratação de artistas. Surgiu então a ideia de realizar um festival de música na antiga propriedade do narco traficante Pablo Escobar, uma ilha situada nas Bahamas. Mais preocupado em vender sonhos, Billy comercializou a festa sem a menor preocupação com a logística para transformar teoria em prática. O prazo foi diminuindo, fornecedores trocados, custos aumentando e o aroma do fracasso cada vez mais forte. O documentário, que coleciona depoimentos de muitos profissionais que trabalharam na fantasia chamada "Fyre Festival", compartilham a ansiedade e apreensão dos momentos que antecederam o dia "D". Segundo os relatos, Billy foi constantemente aconselhado sobre os problemas operacionais, mas o empresário decidiu manter a farsa a todo custo. Delírios de um golpista em manter a aparência, construída a partir de outras tantas mentiras, que viriam a ganhar os holofotes após a fraude do festival. Um dos efeitos mais importantes do caso foi o alerta para os influenciadores digitais e suas responsabilidades. Deixar explícita em suas postagens quando é realizada a divulgação patrocinada de alguma marca tornou-se obrigatória quando o influencer foi pago para tal.
O evento nas Bahamas pode ter fracassado, mas na Netflix o "Fyre Festival" ganhou mais um motivo para existir: expor a farsa de Billy McFarland. Infelizmente, ele não é o único a construir um império de luxo através de mentiras sedutoras. É bom ficar esperto.
Nunca fui fã de heavy metal e meu conhecimento sobre esse segmento musical é baixíssimo, mas isso não me impediu de aproveitar ao máximo a viagem pulsante de "The Dirt - As Confissões do Mötley Crüe" (2019).
Produzido pela Netflix, a cinebiografia da banda Mötley Crüe é uma terapia compartilhada dos integrantes do grupo que tirou seus primeiros acordes em Las Vegas e rodou o mundo com seus hits. Com um ar debochado e sem "passar pano" para as derrapadas dos rockeiros, o longa do diretor Jeff Tremaine é um respiro de honestidade e irreverência em meio a tantas cinebiografias musicais "chapa branca", que insistem em esconder falhas e elevar os biografados ao status de semi deuses. Contar a história a partir da perspectiva dos quatro músicos foi uma escolha certa, que nos aproximou de suas rotinas politicamente incorretas. Com isso, "The Dirty" quebra a quarta parede e conversa com o espectador numa espécie de "Curtindo a Vida Adoidado" com sexo, drogas e shows. O foco do filme está na conexão entre seus personagens principais, que encontram na banda uma família mais funcional que as de origem. Aqui não há a preocupação em desfilar sucessos da banda para ganhar a audiência e encobrir deficiências narrativas, como aconteceu recentemente com "Bohemian Rhapsody". Tão pouco proteger os biografados ou vitimizá-los.
"The Dirt" tem a chamada "atitude Rock N Roll". É uma produção carismática, vibrante, suja, descolada e divertida.
"Curtindo a Vida Adoidado" (1986) pode ser considerado o filme que representa o dia perfeito na cabeça de um jovem que vivenciou os anos 80 e 90. O filme dirigido por John Hughes virou referência e brindou o cinema com o ícone da cultura pop, Ferris Bueller, o jovem que finge estar doente para faltar aula e auto-proclama seu dia de folga para sair com o melhor amigo, Cameron, e a namorada, Sloane, pelas ruas de Chicago, enquanto o diretor do colégio tenta desmascarar o rapaz.
John Hughes talvez seja o diretor que melhor sintetizou a juventude americana dos anos 80 no cinema. Responsável por outros sucessos como "Gatinhas e Gatões", "Clube dos Cinco" e "Faça o Que Quiser", Hughes sabia ler nas entrelinhas e captar a mensagem da juventude com seus pequenos dramas e rebeldias. É claro que tudo isso recheado com muito humor e personagens cativantes.
Ferris bueller provavelmente é o maior exemplo. A interpretação de Matthew Broderick é viva, cínica e cheia de entusiasmo. O maior símbolo do carisma do protagonista está representado na lendária cena em que Ferris canta e dança na parada comemorativa ao som de "Twist and Shout" dos Beatles. O amigo Cameron (Alan Ruck), por sua vez, é o contraponto da personalidade aguerrida de Ferris. Tímido e retraído, o rapaz precisa sempre de um empurrão de Ferris para poder viver a vida além das responsabilidades. Sloane, a namorada, é o polo mais racional do trio. Funciona como uma espécie de ego entre o id de Ferris e o superego de Cameron.
Me sinto obrigado também a abrir um pequeno espaço para fazer uma menção honrosa ao antagonista da história, o diretor Rooney. Familiarizado com os papéis de vilões nas comédias oitentistas, Jeffrey Jones protagoniza cenas hilárias no filme. Todas essas gags são muito bem amarradas pelo roteiro de Hughes, que nunca deixa o ritmo cair. Outro acerto da direção foi optar pela quebra da quarta parede como forma de nos aproximar da aventura de Ferris. Sempre que ele falava com a câmera falava para nós e, mesmo passados mais de 30 anos, suas lições continuam ecoando, pois um espírito jovem nunca envelhece. "Se você não curtir de vez em quando, a vida passa e você nem vê."
Salve Ferris!!!
10.0
O que vocês ainda estão fazendo aqui? A resenha já acabou. Tchau.
A RESENHA A SEGUIR ESTÁ REPLETA DE SPOILERS, POR ISSO RECOMENDO VOLTAR AQUI APENAS QUANDO TIVER VISTO FILME PARA QUE SUA EXPERIÊNCIA SEJA A MELHOR POSSÍVEL.
OS MOMENTOS MAIS MARCANTES ACONTECEM QUANDO OS OLHOS ENCONTRAM A SURPRESA QUE EMOCIONA, E ESTA NOS ENCONTRA.
A espera chegou fim. "Vingadores: Ultimato" (2019) estreia nos cinemas para encerrar uma história pavimentada durante onze anos e mais de vinte filmes do universo compartilhado da Marvel.
Após os eventos de "Vingadores: Guerra Infinita" (2018), quando metade dos seres vivos do universo foi reduzida a pó, os heróis que sobraram tentam a todo custo reverter os efeitos do estalo do titã louco, Thanos, e vingar os amigos que se foram.
Novamente sob a direção dos irmãos Russo, que fazem uma participação especial em cena com o Capitão, o longa inicia com a clima pesado e o sentimento de perda é palpável. Família, amigos, muitos morreram e isso repercute de maneira particular sobre os sobreviventes. Gavião Arqueiro virá um assassino, Steve Rogers ajuda as pessoas em grupos de apoio, a Viúva Negra se preocupa com novas ameaças, Bruce Banner finalmente controla o Hulk e Tony Stark tenta construir um lar. Entretanto, ao voltar do Reino Quântico e propor uma viagem no tempo para impedir o estalo, o Homem-Formiga restitui as esperanças dos heróis.
A missão dos Irmãos Russo de superar o sucesso do longa anterior e o impacto de Thanos era tão dura quanto a de seus personagens em salvar o universo. Durante boa parte da projeção me peguei comparado os filmes e pendendo a balança para "Guerra Infinita". Porém, apesar de alguns pequenos pontos que me incomodaram, "Ultimato" é maior e melhor.
Visto que a equipe original dos Vingadores sobreviveu ao estalo, era de se esperar a valorização desses personagens em tela, como uma espécie de tributo pela importância e pelos anos de dedicação, mas um dos heróis mais queridos não teve o espaço que merecia. Hulk, tão fundamental no primeiro longa da franquia "Vingadores", foi escanteado em todas as batalhas e participou mais ativamente como cientista brilhante. O monstro verde perdeu a fúria e a última lembrança que ficou foi a surra que levou no filme anterior.
O Deus do Trovão não foi escanteado, pelo contrário, teve destaque em vários momentos, em especial no seu primeiro reencontro com Thanos. O problema aqui é o exagero em ridicularizar o personagem em prol da comédia. Em "Guerra Infinita" os Russo conseguiram dosar bem o humor e drama que passaram a fazer parte do DNA de Thor, mas dessa vez perderam um pouco a mão.
Uma vez constada em ata essas observações, vamos para a parte boa. Aquela que fez de "Ultimato" o maior evento cinematográfico do mundo dos super heróis.
Trabalhar viagem no tempo no cinema sempre foi motivo para ficarmos com a orelha em pé para os furos de roteiro e clichês para cobrir falta de criatividade do enredo. Felizmente, Anthony e Joe Russo tiveram o cuidado de se manterem afastados de obviedades estabelecidas em filmes que já utilizaram esse recurso no cinema e explicaram de maneira simples suas próprias regras. Talvez nem tudo seja explicado, mas não precisou. É possível entender a lógica das coisas e aceitá-la. Os roteiristas também merecem créditos pelas soluções encontradas para amarrar situações e reverter outras sem apelar para a boa vontade do público. Tudo parece fazer sentido. O filme conta também com uma forte carga emocional e o efeito disso foi um coro de fungados banhado por lágrimas, na sessão que estive presente. Confesso que dei minha contribuição com os olhos marejados na cena em que Stark revê seu pupilo no campo de batalha.
Agora é a vez dos donos do filme. Os homens que esculpiram a identidade desse universo tão amado pelo público.
Steve, um homem do passado. Tony, um homem do futuro. Duas personalidades diferentes que se encontraram, viraram amigos, rivais, voltaram a ser amigos e se sacrificaram pelo presente.
Capitão América novamente mostra que sua maior força está na dignidade e obstinação em se manter de pé mesmo diante do improvável. Assim como fazia o garoto magrelo que estava disposto a apanhar o dia inteiro até vencer a luta. Suas cenas em "Ultimato" são minha favoritas e levantou o publico no cinema. O Homem de Ferro, aquele mesmo que em 2008 voltou a nos fazer acreditar que o homem podia voar, teve um tratamento condizente com a sua relevância. Ele começou, ele termina. Não há maior justiça com Tony, com Downey Jr., conosco.
"Vingadores: Ultimato" será celebrado durante muito tempo na história da Cultura Pop. A sequência final arrasadora envolvendo o arsenal de heróis encantará gerações, mas o que vai ficar para sempre na minha memória é aquela última dança antes dos créditos de encerramento. Prometida, aguardada e finalmente cumprida.
Com raízes no humor, Jordan Peele, ganhou destaque mundial com o terror "Corra!" (2017). O filme sobre o jovem negro que vai conhecer a família da namorada e se envolve numa rede de horror e manipulação foi indicado ao Oscar e recebeu diversos elogios por seu conteúdo social. Dessa vez, Peele volta aos cinemas cercado de boas expectativas e retribui a altura.
"Nós" (2019) é uma grande crítica ao modo de vida da sociedade atual. Na trama, uma família vai passar o final de semana na casa de praia onde anos antes a protagonista Adelaide Wilson (Lupita Nyong'o) viveu um trauma numa casa de espelhos em que viu uma versão sombria de si mesma. Quando um grupo de pessoas extremamente semelhantes a sua família tenta entrar na residência, Adelaide precisa proteger a todos enquanto busca compreender o que está acontecendo.
Com uma interpretação sensacional de Lupita o filme tem ótimos momentos de horror em seu primeiro ato. As versões underground da família assusta e Peele mostra domínio em criar esse clima de tensão. Até então, Gabe (Winston Duke) funciona bem como alívio cômico e serve pra estabelecer intimidade do público com o ambiente familiar, mas o humor perde o "timing" no segundo ato do longa, quando a ação aumenta e a graça corta uma cena que deveria transmitir apreensão. O terço final amplifica a ameaça e explica conceitos. Nem todos os símbolos são explicados, mas dá pano pra manga para diversas interpretações. A conversa entre Adelaide e sua doppelgänger no início do filme pode ser bem reveladora. Sem dúvida é um filme para ser revisto. O longa ainda guarda um plot twist que confere coerência aos atos que poderiam ser vistos como incongruências de roteiro.
Baseado num caso real ocorrido na França em 1996, "Climax" (2018) é novo filme do controverso diretor Gaspar Noé. Acostumado a causar barulho em suas obras, vide "Irreversível" (2002) com sua famigerada cena de estupro, e Love (2015) que chamou atenção com seus momentos de sexo explícito, Noé traz um projeto menos chocante, mas não menos intenso.
O filme inicia com a audição dos dançarino recrutados para os ensaios de uma futura turnê do corpo de dança. Vistos pela perspectiva de um antigo aparelho de televisão, podemos apreciar logo de cara as referências do diretor Gaspar Noé para este trabalho. Ele colocou estrategicamente fitas VHS e livros de terror e filosofia ao lado da TV para nos alertar que uma viagem lisérgica se aproxima.
O número de dança inicial é hipnotizante e a batida da música promete nos acompanhar durante muito tempo. A tela é totalmente preenchida pelos dançarinos em uma coreografia incessante. Depois que os bailarinos consomem uma sangria batizada com alguma substância alucinógena, o longa se transforma numa bad trip de consequências terríveis.
A câmera de Noé está sempre em movimento, como a visão em primeira pessoa de um personagem da trama a espiar os colegas. As cores vivas, em especial o vermelho, verde e amarelo, bebem do estilo do diretor Dario Argento, no Cult de terror "Suspiria" (1977) e o surto da protagonista, Selva (Sofia Boutella) me lembrou Isabelle Adjani, em "Possessão" (1981).
O delírio visual do terço final fica confuso pela opção do diretor em reduzir a visão do espectador em planos fechados e giros que dificultam a compreensão das ações. O desfecho é como uma ressaca infernal de uma noite a ser esquecida.
Em suma, sinto que "Clímax" é um filme a ser decifrado. Muitas questões estão escondidas em diálogos, a primeira vista, banais. Nacionalismo, maternidade, fé, sexualidade e outros pontos estão por lá a espera do primeiro gole de sangria.
Um grupo de heróis improváveis é recrutado para salvar uma comunidade indefesa, de inimigos impiedosos.
Provavelmente essa sinopse será familiar, visto que vários filmes seguem essa fórmula dentro do cinema há muito tempo. Longas como "Sete Homens e um Destino" (1960) e a animação "Vida de Inseto" (1998) são bons exemplos do que me refiro. O que talvez poucos saibam é a origem dessa forma de contar a história, que viria a inspirar tantas produções a seguir.
Em 1954 o diretor japonês Akira Kurosawa realizou uma das grande obras primas do cinema: "Os Sete Samurais". A trama girava em torno de uma vila de lavradores que recorre aos samurais para conter uma ameaça que se aproxima. Sem dinheiro para contratar os guerreiros, eles precisam encontrar samurais que aceitem a missão em troca de alimentação. Quando havia pouca esperança de contar com a espada em troca de arroz, os agricultores conseguem convencer o nobre Kambei a ajudá-los. Ciente da árdua tarefa, o experiente samurai decide selecionar outros seis ronins para proteger a vila dos bandidos que prometeram retornar após a colheita.
O roteiro, também assinado por Kurosawa, desenvolve a história e os personagens construindo o drama e a ação de maneira orgânica. Os diálogos servem para transmitir as mensagens de forma muitas vezes poética é merece atenção. Até então, a ideia de recrutar um grupo de "párias" para uma missão em comum era uma novidade nos cinemas.
Na película, cada samurai tem uma personalidade própria que se encaixa com o enredo. Aqui ressalto o tresloucado Kikuchyo, responsável pelos momentos cômicos, mas também pelos mais emocionantes do longa. A fotografia do filme é outro destaque que garante lindos planos, incluindo uma das cenas finais na qual vemos um morro com os símbolos da dedicação dos samurais.
Definitivamente, "Os Sete Samurais" é um filme que merece todos os tributos, como a espada cravada num monte que reluz ao sol.
"Capitã Marvel" (2019) é o primeiro filme solo de uma heroína da Marvel Studios e chegou aos cinemas não para rivalizar, mas sim agregar ao protagonismo feminino de "Mulher-Maravilha" (2017) e garantir mais um êxito comercial da "Casa das Ideias".
A direção do longa foi dividida entre Anna Boden e Ryan Fleck, que, juntamente com um time de mais sete nomes, assinaram o roteiro. Este, por sua vez, traz a heroína Carol Danvers no meio do conflito entre duas raças alienígenas, enquanto tenta recuperar suas memórias perdidas.
É uma pena constatar, mas "Capitã Marvel" coleciona erros durante suas duas horas de exibição. Com nítido problema de tom, o longa é uma sucessão de decisões, ao meu ver, equivocadas.
Brie Larson já provou seu talento na indústria cinematográfica, entretanto as melhores cenas de sua personagem acontecem quando o CGI substitui a atriz e preenche a tela mostrando toda sua força. Acredito que não houve encaixe no papel e por isso isento atriz de qualquer responsabilidade.
O roteiro, de fato, parece fruto de um batalhão de roteiristas, em que cada cabeça funciona de um modo singular que não se conecta uma com as outras. O humor exagerado e injustificável quebra a todo momento o ritmo de sequências emocionais ou tensas. O Nick Fury (Samuel L. Jackson) que vemos em "Capitã Marvel" é uma versão irreconhecível quando comparada a persona sisuda e profissional que foi construída durante os dez anos do "Universo Marvel" nos cinemas. Aqui ele é um tagarela de sorriso frouxo e piadista. Pior que isso só a justificativa pífia para a perda da visão que lhe rendeu o famoso tapa olho.
E o que falar do plot twist, digno da infame "Pegadinha do Mallandro" vista em "Homem de Ferro 3"(2013)? Com um decisão equivocada, o longa acabou com os rumores da saga "Invasão Secreta" nas próximas fases do universo compartilhado de heróis.
A trilha sonora que evoca os anos 90 é jogada sem o menor senso de oportunidade e soa como um "Guardiões da Galáxia" (2014) sem inspiração. No filme de James Gunn as músicas se encaixam perfeitamente e servem quase como um personagem que ajuda a contar a história. Bem diferente do que vemos aqui.
Recentemente, "Aquaman" (2018) provou que um final épico pode salvar todo o filme e nos fazer esquecer as bobagens que vimos então. Infelizmente não foi o caso, pois todas as vezes que a heroína ameaçava engatar uma sequência arrebatadora um alívio cômico era inserido e o momento triunfal ficava pela metade. Uma pena.
Apesar de toda expectativa, "Capitã Marvel" não decolou como o hype fazia crer. Nesse sentido fica a lição que um bom filme deve se ancorar na sua qualidade como obra, independente de bastidores ou fatores extra-cinema. Percebi que atualmente há uma forte tendência em mensurar o nível de um filme pelo seu entorno, ainda em fase de pré-produção, ou ainda, supervalorizar o produto por questões que vão além do que é visto em tela. No final da contas escolher os profissionais pelos méritos que o gabaritam e optar por uma boa história com identidade própria é o que determinará o saldo positivo.
Produzido pelo ator Leonardo DiCaprio, "A Vida e Arte de Stanislaw Szukalski" (2018) é um documentário original do catálogo Netflix, que traz a história do escultor polonês Stanislaw Szukalski.
Vivendo o ostracismo nos Estados Unidos, "Stas", como chamavam os íntimos, foi descoberto por artistas de Los Angeles na década de 70, entre eles o pai de DiCaprio, George. Glenn Bray, hoje um famoso colecionador de arte surrealista, foi o primeiro a estabelecer contato com Szukalski e o responsável pelas mais de 200 horas gravadas de conversas com o artista. Não a toa, se tornaram grandes amigos numa relação quase paternal.
Através dos depoimentos do velhinho de olhos azuis e voz decidida, conhecemos seu passado na Polônia, em que cicatrizes indicam lembranças de uma ideologia política que ele gostaria de apagar. Para isso, Stas até reescreveu a história do mundo em diversos volumes, nos quais ele retratou a origem da sociedade e de seus males. Na verdade, toda sua obra pós-guerra foi uma tentativa de exorcizar velhos fantasmas.
A beleza de suas esculturas, repleta de simbolismos, e os desenhos surrealistas são trabalhos de rara genialidade e certamente gabaritam Szukalski a figurar entre os grandes do mundo da arte. Sua imaginação o tornou um verdadeiro criador de formas e conteúdo. A personalidade vaidosa, egocêntrica e o desprezo por outros artistas, dão ares insanos e folclóricos ao polonês, mas em nada diminui seu valor.
Assim, o documentário "A Vida e Arte de Stanislaw Szukalski" cumpre bem o papel de nos lembrar que a arte sobrevive a tudo. Ao tempo e às ideologias.
Javier Bardem, Penélope Cruz e Ricardo Darín estrelam "Todos Já Sabem" (2018), novo filme do diretor Asghar Farhadi, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por duas vezes. Em 2012 levou o prêmio por "A Separação" e em 2017 por "O Apartamento".
Com essas credenciais estampando o cartaz, a expectativa estava alta para conferir uma produção com tanta gente boa envolvida. Na trama Laura (Penélope Cruz) retorna para a cidade onde cresceu na Espanha, com seus dois filhos, para acompanhar o casamento da irmã e rever a familia. Lá ela reencontra o ex-namorado Paco (Javier Bardem) e tudo corre bem, mas durante a festa um trágico evento traz a tona segredos que o tempo nunca apagou.
Um alerta se faz necessário para aqueles que ficaram curiosos pelo filme: não busque o fim, pois é o meio que te dirá mais. Refletir sobre o que o diretor quer dizer é mais importante do que a resolução do caso. É o cinema de autor constantemente te convidando a processar as informações e extrair consequências.
"Todos Já Sabem" não é um filme sobre crime, mesmo que seja tentador tentar adivinhar os responsáveis pelo evento que desencadeia as reações familiares. Tal fato é apenas o pretexto para discutir os segredos que consomem e os ciclos que se renovam. Por quanto tempo a verdade pode ficar nas sombras? Farhadi nos mostra que por mais que selemos os lábios para conter a verdade, ela se manifesta de alguma forma. Como diria um amigo: "A verdade sai pelos poros".
Anos após fugirem de um misterioso culto, os irmãos Justin (Justin Benson) e Aaron (Aaron Moorhead) decidem retornar à comunidade para descobrir o que está por trás da filosofia de vida dos membros da seita.
Dirigido pelos atores principais do filme, eles também foram responsáveis pelo roteiro, produção e edição do longa. Com isso, percebemos que Benson e Moorhead tiveram o controle total com o desenvolvimento de "O Culto" e o resultado é acima da média. Intrigante, o roteiro brinca com a cabeça do protagonista e do espectador. A todo momento nos perguntamos o que está de fato acontecendo naquele culto e até onde vai a verdade. Se você gostou da série "Dark" (2017) da Netflix, provavelmente vai se interessar por esse suspense, que promete te deixar processando as informações da trama, após os créditos finais.
Talvez "Cantando na Chuva" (1952) seja o maior musical da história do cinema ou pelo menos o mais lembrado.
Protagonizado, por Gene Kelly, o longa traz um famoso ator do cinema mudo que precisa se adaptar aos novos tempos dos filmes falados. Tal enredo funciona como uma grande metalinguagem de um período crítico para atores e realizadores em Hollywood. O advento do som e diálogos falados mudou a forma de fazer cinema e nem todas as estrelas da época conseguiram passar ilesos por esse momento de transformação da indústria cinematográfica. Billy Wilder retratou com amargura e genialidade os rastros deixados pela transição no ótimo "Crepúsculo dos Deuses" (1950). Já em "Cantando na Chuva", o clima é mais leve, divertido e nostálgico. Uma boa parcela dessas virtudes se dá pelo imenso carisma de Gene Kelly (pelo menos na frente das câmeras). Com raízes da Broadway, o ator foi "descoberto" por Judy Garland ("O Mágico de Oz") e a partir dali fez sucesso no cinema cantando, dançando, interpretando, coreografando números musicais, dirigindo e produzindo. Após o êxito de "Sinfonia em Paris" (1951), seu filme anterior, vencedor do Oscar de Melhor Filme, Kelly encenou em "Cantando na Chuva" uma das cenas mais icônicas da sétima arte ao dançar sem se importar com a chuva e cantar a felicidade, pois, para aquele que é feliz, o sol nunca deixa de brilhar. O momento é sublime e a câmera se movimenta acompanhando os sentimentos do homem que brinca na água. Sensacional.
Além do referido número, "Cantando na Chuva" conta com outros takes inspirados e coadjuvantes talentosos, como Debbie Reynolds e Donald O'Connor. O roteiro é extremamente fluido e se desenvolve a partir da trilha sonora, que existiu antes do script.
Apesar de não ter estourado na época de seu lançamento, "Cantando na Chuva" ainda hoje é figura certa nas listas das maiores obras do cinema e seu valor artístico lhe garantiu o status de "legendário" entre a crítica especializada. Definitivamente um filme para lembrar e cantar...
Inicio a resenha com a seguinte constatação: "Minha Fama de Mau" (2019) é muito mais "Jovem Guarda" do que "Rock 'n' Roll". Com os defeitos e qualidades que isso possa significar.
O filme, dirigido por Lui Farias, começa com um ar debochado e quebra da quarta parede, ao bom estilo Ferris Bueller ("Curtindo a Vida Adoidado"). A edição é criativa e nos conta os primeiros passos do Tremendão, como a jornada de um herói dos quadrinhos. Assim, de cara, deu para perceber que a cinebiografia adotaria o tom leve e irreverente das matinês, cujo único objetivo é divertir o público e fazê-lo cantarolar os sucessos do músico.
Os hits, como previsto, empolgam o público e revigoram o longa constantemente.
A escolha do elenco mostrou que a última preocupação da produção foi escalar atores fisicamente parecidos com as personas reais. Chay Suede definitivamente não guarda semelhanças com Erasmo, mas tem méritos ao tentar se aproximar do timbre de voz do cantor e dispensar o playback do Tremendão nos números musicais. Nesses momentos ouvimos a voz gravada do ator que encaixou bem nas canções. O ator também entrega boa interpretação e o carisma que o protagonismo pede. Já o colega de cena Gabriel Leone resume sua versão do Rei Roberto Carlos em uma coleção de sorrisos largos e mudanças de penteados. Personagem importante na vida de Erasmo, o parceiro de composições foi mostrado de forma bidimensional e a amizade vista em tela não passou a intensidade que deveria. Talvez, esse deveria ter sido o pilar do filme. Percorrer a trajetória de Erasmo Carlos pautando suas fases nas amizades estabelecidas. Com o inesquecível Tião Maia, quando o sucesso ainda era um sonho e com Roberto, quando a parceria se fortaleceu e se solidificou após os momentos difíceis da vida.
Mas essa é apenas a opinião de um espectador que se emociona com as grandes amizades. Aquelas que preenchem páginas e contam histórias de risos, lágrimas, dores e amores. Por isso, mesmo que você não enxergue Erasmo e Roberto na cena em que o Rei compõe "Amigo" para o seu camarada, pense naquela pessoa querida que materializa os sentimentos daqueles versos e amplifique o momento. É o que devemos fazer com aquilo que faz bem.
Escrito e dirigido pelo grego Yorgos Lanthimos, "O Lagosta" (2016) nos apresenta um futuro onde as pessoas não podem ficar solteiras, sob o risco de serem transformadas em animais. Antes de serem penalizadas, elas têm 45 dias de hospedagem em um hotel para encontrar seu par ideal, materializar a união e voltar para a cidade, escapando da transformação. Seguindo essa realidade, o solteiro David (Colin Farrell) tenta fugir para a floresta, mas local também possui suas própria regras e proibições.
Os filmes do diretor Yorgos Lanthimos costumam carregar nos simbolismos para transmitir uma ideia específica. Por isso, suas produções são exercícios de reflexão e inevitavelmente não caem no gosto do grande público que procura um entretenimento mais convencional. Em "O Lagosta" não é diferente e desde os primeiros minutos notamos o foco das críticas e o alvo a ser atingido.
No início do longa conhecemos David, um protagonista indeciso com suas preferências e escolhas, mas que é sempre forçado a escolher um partido, visto que ter mais de uma afinidade sobre a mesma questão pode gerar problemas, segundo os interlocutores. Em sua estadia no hotel, as pessoas precisam detectar um simples ponto em comum para dar vazão a um relacionamento e passar para o próximo estágio do processo, em que convivem com outros casais e depois seguem para um iate, onde devem interagir em harmonia durante um período de tempo. Se houver problemas, uma criança é convocada para integrar o ambiente e tentar reaproximar o casal. Havendo êxito, a sociedade os receberá de braços abertos, caso contrário viverão como animais. Em contrapartida, a floresta é o lugar do párias. Lá é proibido se apaixonar ou estabelecer qualquer vínculo afetivo. A menor infração é tratada com rigor.
É nessa dualidade que o filme se ergue. David foi pressionado de ambos os lados para seguir uma filosofia. Os extremos exigiam uma posição firme e irrevogável de levar a vida, mas o protagonista só queria seguir suas vontades, pois amanhã podemos desejar tomar um caminho diferente de hoje. Os gostos mudam, as experiências nos mudam e as pessoas mudam. O eterno Raul Seixas já cantava sua preferência pela metamorfose ambulante, do que carregar aquela velha opinião formada sobre tudo. Não precisamos seguir nenhum fluxo que não venha dos nossos próprios desejos.
Annabelle 3: De Volta Para Casa
2.8 681 Assista AgoraA improvável franquia "Annabelle" chega ao terceiro capítulo tentando ampliar a mitologia dos Warrens, o casal de demonologistas apresentados em "Invocação do Mal".
A trama inicia com a captura da boneca Annabelle, que é trancafiada em um armário de vidro no quarto de relíquias macabras na residência dos Warrens. A redoma tem o objetivo de impedir que a boneca de olhos esbugalhados e bochecha rosada desperte as entidades malignas dos outros artefatos. Mas, como manda a cartilha dos velhos clichês, o aviso "não toque", "não entre" ou "não abra" é praticamente uma ordem para seguir a direção oposta, e é exatamente isso o que uma personagem faz para desencadear o mal em uma noite de terror na casa dos caçadores de demônios, assim que eles saem deixando a filha em companhia da babá.
Dirigido pelo estreante Gary Bauderman, "Annabelle 3: De Volta Pra Casa" continua os eventos apresentados nos filmes anteriores, mas com clara mudança de tom. Aqui o clima está mais próximo do "terrir" dos anos 80, que mesclava a horror e comédia, e das aventuras em que os jovens aprontam confusões em casa na ausência dos pais. Em alguns momentos, o longa parecia "Jumanji" (1996) com espíritos e demônios. Assim, como no filme do saudoso Robin Williams, é difícil temer pelos personagens porque no fundo você sabe que tudo acabará bem até que os adultos voltem e encontrem a casa em ordem, como se nada tivesse acontecido.
O drama visto nos primeiros filmes da boneca Annabelle é uma lembrança distante e a franquia toma um rumo mais próximo da série de livros infanto-juvenil "Goosebumps", que ganhou recentemente adaptação cinematográfica com o ator Jack Black.
O que aparenta é que o único propósito da produção é desfilar suas aberrações para testar a popularidade e quem sabe dar início a outro derivado nos cinemas.
Diante disso, "Annabelle 3" pode agradar um público maior que só deseja sentir um leve frio na barriga e em seguida aliviar a tensão com risinhos. Já os fãs do horror sobrenatural devem se decepcionar com esse passeio seguro pela "Casa do Terror" do parque de diversões.
5.0
Turma da Mônica: Laços
3.6 607 Assista AgoraMônica, Cascão, Cebolinha e toda a turma criada por Maurício de Sousa embalou a infância de muita gente. Eu fui uma dessas crianças que se perdeu e se encontrou nas páginas dos gibis, numa época em que os smartphones, redes sociais e demais tecnologias não tomavam tempo e energia com a avalanche de informações rápidas dos dias atuais.
Meu personagem favorito era Cebolinha, o pequeno garoto de camisa verde, cinco fios de cabelo e que sempre trocava o "R" pelo "L". Seus planos infalíveis ao lado amigo Cascão tinham como principal objetivo roubar o coelhinho Sansão, da valente amiguinha Mônica! A baixinha e dentuça (que ela não me escute) vivia as turras com o filho do Sr. Cebola, tinha uma personalidade forte e liderava toda a turma bem antes do termo "empoderamento feminino" ser tão repetido.
Durante décadas, vez ou outra, se ventilava a possibilidade de um filme live action adaptando a obra de Maurício de Sousa, e para a minha alegria o desejo tomou forma e o longa metragem ganhou o sinal verde.
A direção ficou a cargo do competente Daniel Rezende, do ótimo "Bingo: O Rei das Manhãs" (2017). Rezende baseou a produção na adaptação da história em quadrinhos "Turma da Monica: Laços", um projeto que faz parte da coleção Graphic MSP, que traz releituras dos amados personagens de Sousa.
Na trama, a turma do Rua do Limoeiro, Mônica, Cascão e Magali, saem para ajudar Cebolinha, a procura de Floquinho, seu cãozinho de estimação.
Tecnicamente o filme é bonito e dá pra ver que a equipe se preocupou bastante em reproduzir o ambiente colorido idealizado pelo autor dos gibis. Maurício inclusive faz uma pequena, mas emocionante participação. Vê-lo na tela gera um agradecimento coletivo em forma de suspiros na sala de cinema.
O elenco mirim não faz feio, mas falta certa naturalidade na interação entre eles. Tudo parece demasiadamente ensaiado, contrapondo a espontaneidade que se espera de crianças aprontando travessuras.
Rodrigo Santoro faz curta aparição como o Louco, acrescentando magia ao tom lúdico do filme, que aposta em aventura e emoção.
Hoje, com o olhar de um adulto, não consegui me conectar com "Turma da Mônica: Laços". Não por se tratar de um filme infantil, visto que continuo adorando produções, como os belos trabalhos da Pixar, mas por enxergar um erro de alvo dos realizadores. A Turma da Mônica dos gibis tinha entre os grandes trunfos, o alcance do público de várias faixas de idade. Não era incomum ver crianças, adolescentes, homens e mulheres crescidos, compartilhando a leitura das revistinhas. Logo, não posso falar pelos pequenos que têm outra visão de uma boa tarde no cinema e certamente vão se divertir bastante, mas, com pesar no coração, acredito que entre os velhos leitores, carregados da nostalgia da infância, não deve funcionar, tampouco emocionar.
5.0
À Prova de Morte
3.9 2,0K Assista Agora"Grindhouse" foi mais um projeto da parceria entre os diretores Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, que já haviam trabalhados juntos na antologia de humor "Grand Hotel". A ideia aqui era homenagear as antigas sessões duplas de filmes de horror de baixo orçamento da década de 70. A estratégia de lançar dois filme em um era a forma de atrair público aos cinemas e gerar lucro.
Em "Grindhouse", cada diretor ficou responsável pelo seu filme B., Rodriguez com "Planeta Terror" e Quentin com "À Prova de Morte". Lançados como filme único e separados com trailers falsos durante a exibição, os longas não emplacaram e o estúdio decidiu relançá-los separadamente meses depois.
No segmento de Tarantino o dublê Mike (Kurt Russel) leva o terror para jovens mulheres, enquanto dirige um carro à prova de morte, até que ele se depara com três garotas em busca de vingança.
A trama de "À Prova de Morte" segue a referência de "Faster Pussycat! Kill! Kill!" (1965), em que mulheres duronas assumem as rédeas da situação, se rebelando contra a opressão da vilania masculina.
A estética da produção tenta remeter as películas B dos anos 70, com sua falhas de continuidade, granulado da imagem, cortes abruptos e desregulagem do áudio. Tudo para fazer o espectador viajar pelo cinema marginal de pouca visibilidade, imprimindo estilo ao que na época acontecia por falta de recurso e técnicas.
Nesse quesito Tarantino foi feliz e certeiro, visto que a fotografia cumpre exatamente o papel proposto.
Entretanto, o diretor exagerou na auto-referência. À primeira vista, o espectador mais experiente na filmografia de Quentin, pode pensar que o longa foi realizado por um fã do autor de "Pulp Fiction" e "Kill Bill", tamanho o exagero dele em colocar sua assinatura em cada cena do filme. Pés em close, dança aleatória e muita conversa fora, nos dão uma sensação de dejavu quando não há a naturalidade habitual em inserir esses elementos de forma sutil em meio a personagens interessantes.
Criado pra ser caricato, Kurt Russel interpreta o vilão Duplo Mike e tenta fazer o que pode, mas o roteiro não é dos melhores e, para mim, não funcionou a tática de ridicularizar o antagonista.
Por falar nisso, o longa conta com uma sequência chocante envolvendo uma colisão de carros, orquestrada de forma bem gráfica.
Na segunda metade do filme, quando o plot da vingança se inicia acompanhamos uma alucinada perseguição automobilística entre o "bem e o mal", que dispensou efeitos digitais, visto que Tarantino escalou a dublê de Uma Thurman em "Kill Bill", Zöe Bell, para interpretar uma das garotas e queria filmar a sequência à moda antiga.
"À Prova de Morte" não chega a ser um filme ruim, mas o longa de pior repercussão do diretor mostra que ele não está à prova de críticas.
6.0
Se Meu Apartamento Falasse
4.3 422 Assista AgoraAlmejando ascender na empresa em que trabalha ganhando a simpatia dos chefes, o solteirão Baxter empresta regularmente seu apartamento para os executivos levarem as amantes, mas as coisas tomam um rumo inesperado quando ele se apaixona por uma destas mulheres.
Dirigido e roteirizado pelo mestre Billy Wilder, "Se Meu Apartamento Falasse" (1960) é uma das grandes comédias do cinema.
O elenco conta com o protagonismo de Jack Lemmon, parceiro recorrente de Wilder, que esbanja carisma como o solitário Baxter. O ator gera uma empatia imediata e garante a torcida do espectador desde o início. Shirley MacLane, que interpreta a amante que nutre a frágil esperança de se casar com o executivo, também se destaca na produção.
Wilder conduz bem as desventuras dos dois sonhadores que descobrem nem sempre vale a pena perseguir um desejo se o caminho te faz passar por cima de sua própria personalidade. Seja a ambição profissional ou o plano sentimental.
Toda essa jornada de descobertas é regada com pitadas de drama, mas com bastante bom humor, que confere cenas hilárias, como as que envolvem o casal de vizinhos que julgam Baxter um mulherengo, promíscuo diante da rotatividade feminina e dos constantes barulhos no apartamento. Ou então na sequência em que ele tenta organizar o cronograma de empréstimo das chaves do apartamento.
O longa recebeu dez indicações ao Oscar, que lhe renderam cinco estatuetas, a incluir Melhor Filme, Roteiro e Direção.
Nada mais justo para um filme que mescla harmonicamente romance, drama e comédia, com os toque sutis de crítica ao "American Way Life", e no jogo de cartas que acompanhamos em "Se Meu Apartamento Falasse", mais importante do que a vitória é a companhia que escolhemos para jogar as cartas.
10.0
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X-Men: Fênix Negra
2.6 1,1K Assista AgoraApós a conclusão do acordo que selou a compra do Grupo Fox pela Disney, muito se questionou sobre a utilidade de mais um filme da franquia X-Men que estava programado e com produção em curso. Com chances praticamente certas de um reboot total pelos estúdios do Mickey/Marvel, "X-Men: Fênix Negra" (2019) é um projeto que nasceu morto, mas que se apegou à ideia de concluir com dignidade a cinessérie dos mutantes.
Quando estreou no ano de 2000, "X-Men" não tinha o sub-gênero dos filmes de heróis para ampará-lo. A última lembrança que martelava a cabeça da audiência era o carnaval brega de "Batman e Robin", do diretor Joel Schumacher. Assim, é inegável a importância do filme assinado por Bryan Singer, para abrir portas e permitir que pudéssemos viver uma era tão boa para os fãs dos seres super poderosos dos quadrinhos.
Entretanto, de lá para cá muita coisa mudou. A Marvel trouxe cores e um universo coeso, sem vergonha do DNA da fantasia. A DC tentou, errou, mas continua perseguindo o caminho do sucesso. Já os mutantes sofreram com uma cronologia bagunçada e a sombra de um Singer ainda preso aos velhos conceitos da época do primeiro filme dos X-Men. Ele não acompanhou a mudança do mercado e a receptividade do público. Não vivemos mais o tempo das jaquetas pretas que escondem personagens.
Soma-se também os seguidos erros de desenvolvimento de personagens. Na primeira trilogia apenas Hugh Jackman se salvou, imortalizando-se como o Wolverine definitivo. Sir Ian Mckellen fez um trabalho excepcional como Magneto, mas não tão emblemático quanto Logan.
Na segunda fase, iniciada em "First Class" (2011), voltamos no tempo para conhecer a gênese do grupo de mutantes e as coisas pareciam tomar um caminho interessante, mas a volta de Singer trouxe os piores filmes na sequência: "X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido" (2014) e o terrível "X-Men: Apocalipse" (2016).
Do novo elenco não podemos questionar o talento de atores do gabarito de James McAvoy e Michael Fassbender, mas os arcos famosos das histórias em quadrinhos eram deformados em suas adaptações para o cinema. Vilões trocavam de lado apenas pelo apelo comercial de seus intérpretes, efeitos especiais e design de produção risíveis e heróis sem o menor carisma e identificação.
Dessa maneira, a notícia da volta dos mutantes para os braços do estúdios Marvel foi um acalento para o público que nunca perdeu a esperança de ver uma transposição mais fidedigna e respeitosa dos fabulosos X-Men.
Porém, antes do início é preciso falar do fim. A saga da Fênix Negra, vista pela segunda vez nos cinemas, não é a porcaria que andam bradando aos quatro ventos, mas comete o pecado da falta de peso, impacto.
O filme toma um rumo diferente que certamente vai incomodar o fã mais xiita, mas tentei me afastar desse tipo de julgamento pra analisar a execução dos caminhos que o diretor Simon Kinberg escolheu.
A trama traz a mutante Jean Grey como força motriz que move o longa. Após ser atingida por uma energia misteriosa no espaço ela retorna à Terra com uma personalidade alterada e propensa a cometer ataques violentos ao descobrir elementos de seu passado.
Sophie Turner segura bem o papel e seus momentos com Xavier são os que chegam mais perto de funcionar. Em sentido oposto a dinâmica entre os demais personagens é frouxa e fica difícil se importar com qualquer desfecho perigoso para aquele grupo. "Fênix Negra" tenta subverter a figura do Professor X., tornando-o um homem falho, de escolhas moralmente duvidosas. Já Magneto transita pela milésima vez na dualidade de sua personalidade, ora defendendo, ora atacando. Jessica Chastain, parceira de loga data do diretor e roteirista Kinberg, faz o que pode pra ajudar o amigo e entrega o melhor possível, enquanto os demais coadjuvantes pouco contribuem.
Os efeitos especiais são competentes na maior parte do tempo e as cenas de ação prendem a atenção. Certamente, um elenco mais performático levantaria o público.
Os diálogos simples não exigem muito da audiência e mostram que a meritocracia passou longe quando escolheram o mesmo roteirista da contestada última versão do Quarteto Fantástico nos cinemas (2015), "X-Men Apocalipse" (2016) e "Jumper" (2008).
Entre erros e acertos, "X-Men: Fênix Negra" encerra um ciclo de forma melancólica. Não necessariamente pelo filme em si, mas pelo desperdício de todo potencial que o universo mutante poderia nos proporcionar.
5.5
*Instagram para Contato: resenha100nota
Lawrence da Arábia
4.2 417 Assista AgoraAlgo épico pode ser traduzido como um feito heroico, extraordinário, uma grande proeza, mas se esse conceito pudesse ser resumido em um filme este seria "Lawrence da Arábia" (1962), obra do diretor David Lean.
Grande vencedor do Oscar de 1963, o longa conta a história do homem que ficou conhecido como Lawrence da Arábia, um soldado britânico que tentou unificar a Arábia para combater a invasão russa em seu território.
Filmado no deserto, o filme conta com paisagens lindíssimas e planos abertos, que engrandecem cada frame em tela. David Lean costuma dizer que se pudesse morava dentro de seus filmes.
Hoje em dia é até difícil imaginar filmagens dessas proporções e locações reais submetendo atores e equipe de produção a viver no escaldante deserto árabe. O Lawrence dos anos 2000 seria artificialmente ambientado numa sala de efeitos especiais, com areia e os figurantes digitalizados e multiplicados.
A trilha sonora eternizada pelo tema do protagonista é evocativa e embala sua jornada de crenças, descrenças e autodescoberta.
Peter O'Toole, até então um ator sem grande destaque em Hollywood, agarrou papel com unhas e dentes entregando uma interpretação primorosa do lendário personagem.
Não vou me ater aos fatos históricos que serviram de base para história contada, visto que os alicerces da produção foram os livros e diários de Lawrence. Por isso minha análise é restrita ao retrato cinematográfico.
O roteiro, que desenvolve a trama durante quase quatro horas de duração, vai tecendo a personalidade do protagonista, mostrando o início de sua jornada e que seu espírito impetuoso que busca as transformações do povo árabe em constante conflito entre si. A medida que a história vai avançando Lawrence também sofre mudanças. Ele percebe as dificuldades de sua missão, os interesses escusos de seus superiores britânicos, enquanto sua vaidade cresce gradativamente a cada conquista à frente dos árabes, que reconhecem no estrangeiro o líder carismático.
Lawrence é o homem em conflito com seus próprios desejos e visão sobre si. Ele sabe de seus predicados, vibra e se vangloria com seus êxitos, ao passo que se frustra quando se dá conta de sua humanidade presa em um grande jogo de interesses políticos em que ambos os lados o manipulam.
Sua morte banal em um acidente de motocicleta soou como uma grande ironia comparada magnitude de seus feitos em vida.
Não se preocupem com Spoiler, porque essa informação é dada no início do filme.
Steven Spielberg, Martin Scorsese e John Woo já se declararam fãs do épico de David Lean. Inclusive, os dois primeiros ajudaram no processo de restauração do longa, em 1989. Assim, me junto a esses grandes nomes do cinema para exaltar essa pintura em movimento intitulada "Lawrence da Arábia".
10.0
Rocketman
4.0 922 Assista AgoraChega aos cinemas "Rocketman" (2019), a cinebiografia do cantor Elton John. Diferente de "Bohemian Rhapsody" (2018), a trajetória do pianista é contada em forma de musical e desde os minutos iniciais notamos o tom lúdico adotado pela produção.
Taron Egerton, escolhido para interpretar o músico, segura bem a responsabilidade. O ator canta, incorpora os trejeitos e se entrega ao personagem. O elenco de apoio também está muito bem. O roteiro tem seus maneirismos e o arquétipo do empresário malvado e caricato é personificado por Richard Madden ("Game of Thrones"). Os números musicais oscilam um pouco. Uns são inspirados e bem coreografados, enquanto outros denotam certa falta de criatividade para conduzir a sequência.
A direção do longa ficou a cargo de Dexter Fletcher, o mesmo que foi recrutado pela Fox para finalizar a biografia de Freddie Mercury, após a demissão do diretor Bryan Singer.
Apesar de umas poucas similaridades, "Rocketman" é um filme melhor, mais ousado e, principalmente, mais sincero. Aqui o louvor ao artista fica em segundo plano e o tom de auto-análise assume o protagonismo da história.
Conhecemos pontos determinantes da infância de Elton que iriam repercutir em sua vida adulta permeada por vícios. Bebidas, drogas, sexo, compras corromperam o astro, mas nada foi mais deletério que a carência de relações afetivas estáveis com a família e interesses amorosos. Elton queria ser amado e de tanto querer esqueceu de se amar. O filme funciona exatamente como uma confissão, ou melhor, um desabafo sobre a origem dos problemas, aceitação e reencontros.
O abraço de Elton e Reggie não é apenas uma cena linda. É o abraço da história, da essência que nos faz ser quem nós somos de verdade. Esse amor próprio é a garantia que nunca estaremos sozinhos. É ele que nos impulsiona até as estrelas, como o tal Rocketman.
É essa honestidade que emociona e me atrai enquanto espectador.
8.0
*Disponível nos Cinemas
Cidadão Kane
4.3 991 Assista Agora"Rosebud" é a última palavra proferida pelo magnata da imprensa, Charles Foster Kane, em seu derradeiro momento de vida. O estranho vocábulo é o pontapé inicial para uma série de flashbacks que apresenta a história do poderoso chefão das comunicações, que se tornou um clássico definitivo do cinema mundial.
Há décadas "Cidadão Kane" (1941) é tido como o maior filme de todos os tempos por estudiosos e críticos do cinema, entretanto o filme não teve grande receptividade no período de seu lançamento. Muito desse entrave ocorreu graças ao boicote promovido pelo verdadeiro magnata, William Randolph Hearst, que claramente se reconheceu no personagem protagonizado por Orson Welles.
Na trama acompanhamos toda jornada do jovem Kane até a construção de seu grande império, desde sua ascensão na imprensa jornalística até sua empreitada na política americana, quando usava os meios de comunicação para influenciar a população.
Sua notória ambição foi decisiva nos rumos de sua vida tanto no campo profissional quanto na seara pessoal, prejudicando os seus relacionamentos com os amigos e com a esposa. Essa forma de conduzir o próprio destino foi determinante para o seu desfecho solitário.
O roteiro de Orson, que rendeu o único Oscar do longa, trabalha com maestria o desenvolvimento da história construindo pouco a pouco a megalomania de seu protagonista.
É importante frisar a maturidade do diretor que a época da produção da película tinha apenas 25 anos de idade e este era seu filme de estreia.
Uma das mais famosas injustiças do Oscar reside no fato de Welles nunca ter ganho a estatueta de melhor diretor, mas sua relevância e talento dentro da indústria cinematográfica é referenciada por todos que ali trabalham. Na década de setenta a Academia entregou um merecido prêmio honorário.
A saga de Kane é sua obra mais cultuada e denota a solidão que a busca pelo poder pode trazer. Tal poder deve servir a algum propósito, mas nunca devemos servir ao poder pois se assim acontecer seremos escravos em busca de algemas.
10.0
*Instagram para contato: resenha100nota
John Wick 3: Parabellum
3.9 1,0K Assista AgoraA carreira do ator Keanu Reeves parecia seguir no piloto automático desde o fim da trilogia "Matrix". O "escolhido" Neo tinha virado uma espécie de carimbo para Reeves, mesmo ele tendo feitos outros trabalhos relevantes antes de salvar os humanos do mundo das máquinas, nos filmes dos irmãos Wachowski.
Porém, em 2014, parafraseando o subtítulo em português, Keanu voltou ao jogo em "John Wick: De Volta Ao Jogo".
A história do temido assassino de aluguel que sai da aposentadoria para se vingar do responsável pela morte do cachorro de estimação e pelo roubo de seu carro, chamou atenção do público resgatando o filão dos thrillers de vingança nos moldes do "exército de um homem só", tão atrativo nos anos 90.
Cinco anos depois John Wick retorna após a sequência de 2017 e já tem data para o quarto longa da franquia. Maio de 2021.
O sucesso da marca não é um mero acaso. Keanu Reeves prova que mesmo sem contar com grandes variações interpretativas, quando bem escalado executa o serviço como poucos. Foi assim com Neo. É assim com John Wick.
Na terceira parte da franquia, que continua imediatamente aonde o segundo capítulo terminou, John corre contra o tempo para reverter a punição que sofreu ao cometer, nas dependências do Hotel Continental, o assassinato de um membro da Alta Cúpula, que controla a organização de matadores.
Sem poder contar mais com a imunidade do Continental, Wick vai em busca de uma colega que lhe deve favor para levá-lo até a única pessoa acima da Alta Cúpula capaz de anular o contrato de milhões, que colocou os mais perigosos assassinos a sua procura.
"Parabellum" é um longa de ação ininterrupta que dá pouco tempo para o publico respirar. As lutas são bem coreografadas e Reeves mostra que mantém a boa forma. Hale Barry divide o show em um pequeno segmento do filme. Sua participação é cheia de energia e rende um dos melhores momentos da produção.
O diretor Chad Stahelski amplia o folclore do personagem e se permite alguns exageros em prol do espetáculo. Isso faz com que "Parabellum" soe menos visceral que o primeiro filme de 2014, tornando o protagonista ainda mais destacado do mundo real.
John se transformou em um personagem quase sobre humano, apesar do sofrimento que as lutas costumam lhe impor.
Mark Dacascos foi escalado para ser o contraponto do herói, entretanto sua caricatura só serve para nos lembrar que o DNA dos anos 90 é uma referência constante, visto que o ator foi protagonista de uma série de filmes de ação nível B daquele período. O humor que o diretor tentou conferir ao vilão não funcionou, tirou a ameaça do personagem e gerou um ou dois momentos constrangedores.
O roteiro me pareceu um pouco mais frouxo que seus antecessores, focando muito mais nos tiros e nas lutas do que na história contada. Mesmo assim, "John Wick 3: Parabellum" estabelece de vez a franquia como o melhor produto do gênero nos último vinte anos. Como falei no início, o quarto longa já foi agendado e Keanu Reeves não demonstra sinais de cansaço. A trama se encaminha para um grande conflito que irá além do mote "John Wick contra todos". Grandes facções prometem se envolver aumentando a proporção do embate.
Vida longa a John Wick!
Crepúsculo dos Deuses
4.5 794 Assista AgoraQuando o roteirista desempregado, Joe Gillis (William Holden), é contratado para escrever um novo sucesso para a esquecida estrela do cinema mudo, Norma Desmond (Gloria Swanson), um jogo de obsessão e manipulação tem um fim trágico.
Indicado a onze estatuetas do Oscar, "Crepúsculo dos Deuses" (1950) se debruça sobre a busca de uma atriz decadente pelo seu canto do cisne, em que provaria para a indústria do cinema que seu talento ainda é relevante.
O longa, dirigido pelo mestre Billy Wilder, se revela uma crítica voraz aos grandes estúdios e a mídia cinematográfica, cuja memória não prestava os merecidos reconhecimentos para aqueles que brilharam em outros tempos.
A trama, contada em flashback pelo roteirista Gillis, inicia com um corpo boiando na piscina da mansão e a partir dali o narrador dá seguimento a sua história.
Norma, nitidamente fora da realidade e ainda cultivando a vaidade de grande diva do cinema, crê no seu prestígio inabalável, mesmo com o surgimento dos filmes falados. O mordomo Max, outrora diretor requisitado, ajuda a reforçar essa ilusão pajeando a patroa e a protegendo da verdade.
Gillis, que inicialmente tenta manipular a atriz, vai aos poucos percebendo que se envolveu em uma situação que não podia controlar.
O desfecho é o ápice da insanidade, do delírio e da vaidade de Norma Desmond, mas também é uma das sequências mais emblemáticas e poderosas do cinema.
"Crepúsculo dos Deuses", sem dúvida alguma, é um dos pontos mais altos da carreira de Wilder, um diretor impossível de esquecer.
9.0
FYRE Festival: Fiasco no Caribe
3.6 227Em 2017 foi anunciado o Fyre Festival, um luxuoso festival de música em uma ilha paradisíaca nas Bahamas. Após uma campanha de marketing poderosa que envolvia top models famosas e influenciadores digitais, como Kendall Jenner, da família Kardashian, o evento viralizou e gerou uma expectativa tão grande quanto o seu retumbante fracasso. Desorganizado desde de sua pré produção, o festival virou motivo de piadas, processos e dívidas.
Tudo começou quando o jovem empreendedor Billy McFarland se uniu ao rapper Ja Rule para promover um grande evento de divulgação de um aplicativo para facilitar a contratação de artistas. Surgiu então a ideia de realizar um festival de música na antiga propriedade do narco traficante Pablo Escobar, uma ilha situada nas Bahamas.
Mais preocupado em vender sonhos, Billy comercializou a festa sem a menor preocupação com a logística para transformar teoria em prática. O prazo foi diminuindo, fornecedores trocados, custos aumentando e o aroma do fracasso cada vez mais forte.
O documentário, que coleciona depoimentos de muitos profissionais que trabalharam na fantasia chamada "Fyre Festival", compartilham a ansiedade e apreensão dos momentos que antecederam o dia "D". Segundo os relatos, Billy foi constantemente aconselhado sobre os problemas operacionais, mas o empresário decidiu manter a farsa a todo custo.
Delírios de um golpista em manter a aparência, construída a partir de outras tantas mentiras, que viriam a ganhar os holofotes após a fraude do festival.
Um dos efeitos mais importantes do caso foi o alerta para os influenciadores digitais e suas responsabilidades. Deixar explícita em suas postagens quando é realizada a divulgação patrocinada de alguma marca tornou-se obrigatória quando o influencer foi pago para tal.
O evento nas Bahamas pode ter fracassado, mas na Netflix o "Fyre Festival" ganhou mais um motivo para existir: expor a farsa de Billy McFarland.
Infelizmente, ele não é o único a construir um império de luxo através de mentiras sedutoras. É bom ficar esperto.
8.0
The Dirt - Confissões do Mötley Crue
3.8 285 Assista AgoraNunca fui fã de heavy metal e meu conhecimento sobre esse segmento musical é baixíssimo, mas isso não me impediu de aproveitar ao máximo a viagem pulsante de "The Dirt - As Confissões do Mötley Crüe" (2019).
Produzido pela Netflix, a cinebiografia da banda Mötley Crüe é uma terapia compartilhada dos integrantes do grupo que tirou seus primeiros acordes em Las Vegas e rodou o mundo com seus hits. Com um ar debochado e sem "passar pano" para as derrapadas dos rockeiros, o longa do diretor Jeff Tremaine é um respiro de honestidade e irreverência em meio a tantas cinebiografias musicais "chapa branca", que insistem em esconder falhas e elevar os biografados ao status de semi deuses.
Contar a história a partir da perspectiva dos quatro músicos foi uma escolha certa, que nos aproximou de suas rotinas politicamente incorretas. Com isso, "The Dirty" quebra a quarta parede e conversa com o espectador numa espécie de "Curtindo a Vida Adoidado" com sexo, drogas e shows.
O foco do filme está na conexão entre seus personagens principais, que encontram na banda uma família mais funcional que as de origem. Aqui não há a preocupação em desfilar sucessos da banda para ganhar a audiência e encobrir deficiências narrativas, como aconteceu recentemente com "Bohemian Rhapsody". Tão pouco proteger os biografados ou vitimizá-los.
"The Dirt" tem a chamada "atitude Rock N Roll". É uma produção carismática, vibrante, suja, descolada e divertida.
8.5
*Disponível na Netflix
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Curtindo a Vida Adoidado
4.2 2,3K Assista Agora"Curtindo a Vida Adoidado" (1986) pode ser considerado o filme que representa o dia perfeito na cabeça de um jovem que vivenciou os anos 80 e 90.
O filme dirigido por John Hughes virou referência e brindou o cinema com o ícone da cultura pop, Ferris Bueller, o jovem que finge estar doente para faltar aula e auto-proclama seu dia de folga para sair com o melhor amigo, Cameron, e a namorada, Sloane, pelas ruas de Chicago, enquanto o diretor do colégio tenta desmascarar o rapaz.
John Hughes talvez seja o diretor que melhor sintetizou a juventude americana dos anos 80 no cinema. Responsável por outros sucessos como "Gatinhas e Gatões", "Clube dos Cinco" e "Faça o Que Quiser", Hughes sabia ler nas entrelinhas e captar a mensagem da juventude com seus pequenos dramas e rebeldias. É claro que tudo isso recheado com muito humor e personagens cativantes.
Ferris bueller provavelmente é o maior exemplo. A interpretação de Matthew Broderick é viva, cínica e cheia de entusiasmo. O maior símbolo do carisma do protagonista está representado na lendária cena em que Ferris canta e dança na parada comemorativa ao som de "Twist and Shout" dos Beatles.
O amigo Cameron (Alan Ruck), por sua vez, é o contraponto da personalidade aguerrida de Ferris. Tímido e retraído, o rapaz precisa sempre de um empurrão de Ferris para poder viver a vida além das responsabilidades.
Sloane, a namorada, é o polo mais racional do trio. Funciona como uma espécie de ego entre o id de Ferris e o superego de Cameron.
Me sinto obrigado também a abrir um pequeno espaço para fazer uma menção honrosa ao antagonista da história, o diretor Rooney. Familiarizado com os papéis de vilões nas comédias oitentistas, Jeffrey Jones protagoniza cenas hilárias no filme.
Todas essas gags são muito bem amarradas pelo roteiro de Hughes, que nunca deixa o ritmo cair.
Outro acerto da direção foi optar pela quebra da quarta parede como forma de nos aproximar da aventura de Ferris. Sempre que ele falava com a câmera falava para nós e, mesmo passados mais de 30 anos, suas lições continuam ecoando, pois um espírito jovem nunca envelhece.
"Se você não curtir de vez em quando, a vida passa e você nem vê."
Salve Ferris!!!
10.0
O que vocês ainda estão fazendo aqui? A resenha já acabou. Tchau.
"Txica txicaaaa..."
Vingadores: Ultimato
4.3 2,6K Assista AgoraA RESENHA A SEGUIR ESTÁ REPLETA DE SPOILERS, POR ISSO RECOMENDO VOLTAR AQUI APENAS QUANDO TIVER VISTO FILME PARA QUE SUA EXPERIÊNCIA SEJA A MELHOR POSSÍVEL.
OS MOMENTOS MAIS MARCANTES ACONTECEM QUANDO OS OLHOS ENCONTRAM A SURPRESA QUE EMOCIONA, E ESTA NOS ENCONTRA.
A espera chegou fim. "Vingadores: Ultimato" (2019) estreia nos cinemas para encerrar uma história pavimentada durante onze anos e mais de vinte filmes do universo compartilhado da Marvel.
Após os eventos de "Vingadores: Guerra Infinita" (2018), quando metade dos seres vivos do universo foi reduzida a pó, os heróis que sobraram tentam a todo custo reverter os efeitos do estalo do titã louco, Thanos, e vingar os amigos que se foram.
Novamente sob a direção dos irmãos Russo, que fazem uma participação especial em cena com o Capitão, o longa inicia com a clima pesado e o sentimento de perda é palpável. Família, amigos, muitos morreram e isso repercute de maneira particular sobre os sobreviventes. Gavião Arqueiro virá um assassino, Steve Rogers ajuda as pessoas em grupos de apoio, a Viúva Negra se preocupa com novas ameaças, Bruce Banner finalmente controla o Hulk e Tony Stark tenta construir um lar.
Entretanto, ao voltar do Reino Quântico e propor uma viagem no tempo para impedir o estalo, o Homem-Formiga restitui as esperanças dos heróis.
A missão dos Irmãos Russo de superar o sucesso do longa anterior e o impacto de Thanos era tão dura quanto a de seus personagens em salvar o universo. Durante boa parte da projeção me peguei comparado os filmes e pendendo a balança para "Guerra Infinita". Porém, apesar de alguns pequenos pontos que me incomodaram, "Ultimato" é maior e melhor.
Vou começar pelos incômodos.
Visto que a equipe original dos Vingadores sobreviveu ao estalo, era de se esperar a valorização desses personagens em tela, como uma espécie de tributo pela importância e pelos anos de dedicação, mas um dos heróis mais queridos não teve o espaço que merecia.
Hulk, tão fundamental no primeiro longa da franquia "Vingadores", foi escanteado em todas as batalhas e participou mais ativamente como cientista brilhante. O monstro verde perdeu a fúria e a última lembrança que ficou foi a surra que levou no filme anterior.
O Deus do Trovão não foi escanteado, pelo contrário, teve destaque em vários momentos, em especial no seu primeiro reencontro com Thanos. O problema aqui é o exagero em ridicularizar o personagem em prol da comédia. Em "Guerra Infinita" os Russo conseguiram dosar bem o humor e drama que passaram a fazer parte do DNA de Thor, mas dessa vez perderam um pouco a mão.
Uma vez constada em ata essas observações, vamos para a parte boa. Aquela que fez de "Ultimato" o maior evento cinematográfico do mundo dos super heróis.
Trabalhar viagem no tempo no cinema sempre foi motivo para ficarmos com a orelha em pé para os furos de roteiro e clichês para cobrir falta de criatividade do enredo. Felizmente, Anthony e Joe Russo tiveram o cuidado de se manterem afastados de obviedades estabelecidas em filmes que já utilizaram esse recurso no cinema e explicaram de maneira simples suas próprias regras.
Talvez nem tudo seja explicado, mas não precisou. É possível entender a lógica das coisas e aceitá-la.
Os roteiristas também merecem créditos pelas soluções encontradas para amarrar situações e reverter outras sem apelar para a boa vontade do público. Tudo parece fazer sentido.
O filme conta também com uma forte carga emocional e o efeito disso foi um coro de fungados banhado por lágrimas, na sessão que estive presente.
Confesso que dei minha contribuição com os olhos marejados na cena em que Stark revê seu pupilo no campo de batalha.
Agora é a vez dos donos do filme. Os homens que esculpiram a identidade desse universo tão amado pelo público.
Steve, um homem do passado. Tony, um homem do futuro. Duas personalidades diferentes que se encontraram, viraram amigos, rivais, voltaram a ser amigos e se sacrificaram pelo presente.
Capitão América novamente mostra que sua maior força está na dignidade e obstinação em se manter de pé mesmo diante do improvável. Assim como fazia o garoto magrelo que estava disposto a apanhar o dia inteiro até vencer a luta.
Suas cenas em "Ultimato" são minha favoritas e levantou o publico no cinema.
O Homem de Ferro, aquele mesmo que em 2008 voltou a nos fazer acreditar que o homem podia voar, teve um tratamento condizente com a sua relevância. Ele começou, ele termina. Não há maior justiça com Tony, com Downey Jr., conosco.
"Vingadores: Ultimato" será celebrado durante muito tempo na história da Cultura Pop. A sequência final arrasadora envolvendo o arsenal de heróis encantará gerações, mas o que vai ficar para sempre na minha memória é aquela última dança antes dos créditos de encerramento. Prometida, aguardada e finalmente cumprida.
9.5
*Disponível nos Cinemas
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Nós
3.8 2,3K Assista AgoraCom raízes no humor, Jordan Peele, ganhou destaque mundial com o terror "Corra!" (2017). O filme sobre o jovem negro que vai conhecer a família da namorada e se envolve numa rede de horror e manipulação foi indicado ao Oscar e recebeu diversos elogios por seu conteúdo social.
Dessa vez, Peele volta aos cinemas cercado de boas expectativas e retribui a altura.
"Nós" (2019) é uma grande crítica ao modo de vida da sociedade atual.
Na trama, uma família vai passar o final de semana na casa de praia onde anos antes a protagonista Adelaide Wilson (Lupita Nyong'o) viveu um trauma numa casa de espelhos em que viu uma versão sombria de si mesma.
Quando um grupo de pessoas extremamente semelhantes a sua família tenta entrar na residência, Adelaide precisa proteger a todos enquanto busca compreender o que está acontecendo.
Com uma interpretação sensacional de Lupita o filme tem ótimos momentos de horror em seu primeiro ato. As versões underground da família assusta e Peele mostra domínio em criar esse clima de tensão. Até então, Gabe (Winston Duke) funciona bem como alívio cômico e serve pra estabelecer intimidade do público com o ambiente familiar, mas o humor perde o "timing" no segundo ato do longa, quando a ação aumenta e a graça corta uma cena que deveria transmitir apreensão.
O terço final amplifica a ameaça e explica conceitos. Nem todos os símbolos são explicados, mas dá pano pra manga para diversas interpretações. A conversa entre Adelaide e sua doppelgänger no início do filme pode ser bem reveladora. Sem dúvida é um filme para ser revisto. O longa ainda guarda um plot twist que confere coerência aos atos que poderiam ser vistos como incongruências de roteiro.
8.0
Clímax
3.6 1,1K Assista AgoraBaseado num caso real ocorrido na França em 1996, "Climax" (2018) é novo filme do controverso diretor Gaspar Noé. Acostumado a causar barulho em suas obras, vide "Irreversível" (2002) com sua famigerada cena de estupro, e Love (2015) que chamou atenção com seus momentos de sexo explícito, Noé traz um projeto menos chocante, mas não menos intenso.
O filme inicia com a audição dos dançarino recrutados para os ensaios de uma futura turnê do corpo de dança. Vistos pela perspectiva de um antigo aparelho de televisão, podemos apreciar logo de cara as referências do diretor Gaspar Noé para este trabalho. Ele colocou estrategicamente fitas VHS e livros de terror e filosofia ao lado da TV para nos alertar que uma viagem lisérgica se aproxima.
O número de dança inicial é hipnotizante e a batida da música promete nos acompanhar durante muito tempo. A tela é totalmente preenchida pelos dançarinos em uma coreografia incessante.
Depois que os bailarinos consomem uma sangria batizada com alguma substância alucinógena, o longa se transforma numa bad trip de consequências terríveis.
A câmera de Noé está sempre em movimento, como a visão em primeira pessoa de um personagem da trama a espiar os colegas.
As cores vivas, em especial o vermelho, verde e amarelo, bebem do estilo do diretor Dario Argento, no Cult de terror "Suspiria" (1977) e o surto da protagonista, Selva (Sofia Boutella) me lembrou Isabelle Adjani, em "Possessão" (1981).
O delírio visual do terço final fica confuso pela opção do diretor em reduzir a visão do espectador em planos fechados e giros que dificultam a compreensão das ações. O desfecho é como uma ressaca infernal de uma noite a ser esquecida.
Em suma, sinto que "Clímax" é um filme a ser decifrado. Muitas questões estão escondidas em diálogos, a primeira vista, banais. Nacionalismo, maternidade, fé, sexualidade e outros pontos estão por lá a espera do primeiro gole de sangria.
7.5
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Os Sete Samurais
4.5 404Um grupo de heróis improváveis é recrutado para salvar uma comunidade indefesa, de inimigos impiedosos.
Provavelmente essa sinopse será familiar, visto que vários filmes seguem essa fórmula dentro do cinema há muito tempo. Longas como "Sete Homens e um Destino" (1960) e a animação "Vida de Inseto" (1998) são bons exemplos do que me refiro.
O que talvez poucos saibam é a origem dessa forma de contar a história, que viria a inspirar tantas produções a seguir.
Em 1954 o diretor japonês Akira Kurosawa realizou uma das grande obras primas do cinema: "Os Sete Samurais".
A trama girava em torno de uma vila de lavradores que recorre aos samurais para conter uma ameaça que se aproxima.
Sem dinheiro para contratar os guerreiros, eles precisam encontrar samurais que aceitem a missão em troca de alimentação.
Quando havia pouca esperança de contar com a espada em troca de arroz, os agricultores conseguem convencer o nobre Kambei a ajudá-los. Ciente da árdua tarefa, o experiente samurai decide selecionar outros seis ronins para proteger a vila dos bandidos que prometeram retornar após a colheita.
O roteiro, também assinado por Kurosawa, desenvolve a história e os personagens construindo o drama e a ação de maneira orgânica. Os diálogos servem para transmitir as mensagens de forma muitas vezes poética é merece atenção. Até então, a ideia de recrutar um grupo de "párias" para uma missão em comum era uma novidade nos cinemas.
Na película, cada samurai tem uma personalidade própria que se encaixa com o enredo. Aqui ressalto o tresloucado Kikuchyo, responsável pelos momentos cômicos, mas também pelos mais emocionantes do longa.
A fotografia do filme é outro destaque que garante lindos planos, incluindo uma das cenas finais na qual vemos um morro com os símbolos da dedicação dos samurais.
Definitivamente, "Os Sete Samurais" é um filme que merece todos os tributos, como a espada cravada num monte que reluz ao sol.
9.5
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Capitã Marvel
3.7 1,9K Assista Agora"Capitã Marvel" (2019) é o primeiro filme solo de uma heroína da Marvel Studios e chegou aos cinemas não para rivalizar, mas sim agregar ao protagonismo feminino de "Mulher-Maravilha" (2017) e garantir mais um êxito comercial da "Casa das Ideias".
A direção do longa foi dividida entre Anna Boden e Ryan Fleck, que, juntamente com um time de mais sete nomes, assinaram o roteiro. Este, por sua vez, traz a heroína Carol Danvers no meio do conflito entre duas raças alienígenas, enquanto tenta recuperar suas memórias perdidas.
É uma pena constatar, mas "Capitã Marvel" coleciona erros durante suas duas horas de exibição.
Com nítido problema de tom, o longa é uma sucessão de decisões, ao meu ver, equivocadas.
Brie Larson já provou seu talento na indústria cinematográfica, entretanto as melhores cenas de sua personagem acontecem quando o CGI substitui a atriz e preenche a tela mostrando toda sua força. Acredito que não houve encaixe no papel e por isso isento atriz de qualquer responsabilidade.
O roteiro, de fato, parece fruto de um batalhão de roteiristas, em que cada cabeça funciona de um modo singular que não se conecta uma com as outras.
O humor exagerado e injustificável quebra a todo momento o ritmo de sequências emocionais ou tensas. O Nick Fury (Samuel L. Jackson) que vemos em "Capitã Marvel" é uma versão irreconhecível quando comparada a persona sisuda e profissional que foi construída durante os dez anos do "Universo Marvel" nos cinemas. Aqui ele é um tagarela de sorriso frouxo e piadista. Pior que isso só a justificativa pífia para a perda da visão que lhe rendeu o famoso tapa olho.
E o que falar do plot twist, digno da infame "Pegadinha do Mallandro" vista em "Homem de Ferro 3"(2013)?
Com um decisão equivocada, o longa acabou com os rumores da saga "Invasão Secreta" nas próximas fases do universo compartilhado de heróis.
A trilha sonora que evoca os anos 90 é jogada sem o menor senso de oportunidade e soa como um "Guardiões da Galáxia" (2014) sem inspiração. No filme de James Gunn as músicas se encaixam perfeitamente e servem quase como um personagem que ajuda a contar a história. Bem diferente do que vemos aqui.
Recentemente, "Aquaman" (2018) provou que um final épico pode salvar todo o filme e nos fazer esquecer as bobagens que vimos então. Infelizmente não foi o caso, pois todas as vezes que a heroína ameaçava engatar uma sequência arrebatadora um alívio cômico era inserido e o momento triunfal ficava pela metade. Uma pena.
Apesar de toda expectativa, "Capitã Marvel" não decolou como o hype fazia crer. Nesse sentido fica a lição que um bom filme deve se ancorar na sua qualidade como obra, independente de bastidores ou fatores extra-cinema. Percebi que atualmente há uma forte tendência em mensurar o nível de um filme pelo seu entorno, ainda em fase de pré-produção, ou ainda, supervalorizar o produto por questões que vão além do que é visto em tela. No final da contas escolher os profissionais pelos méritos que o gabaritam e optar por uma boa história com identidade própria é o que determinará o saldo positivo.
Agora vamos esperar "Vingadores: Ultimato".
Momento "Isso é sério?": Carol Danvers fazendo interurbano de orelhão para o espaço.
Momento "Isso é sério?"(2): Uma garotinha brinca de mudar roupa de boneca usando tecnologia alienígena.
Momento "Isso é sério?"(3): Sobra dos figurantes de "Star Wars" fazendo ponta de Skrulls.
5.5
A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski
4.3 21 Assista AgoraProduzido pelo ator Leonardo DiCaprio, "A Vida e Arte de Stanislaw Szukalski" (2018) é um documentário original do catálogo Netflix, que traz a história do escultor polonês Stanislaw Szukalski.
Vivendo o ostracismo nos Estados Unidos, "Stas", como chamavam os íntimos, foi descoberto por artistas de Los Angeles na década de 70, entre eles o pai de DiCaprio, George.
Glenn Bray, hoje um famoso colecionador de arte surrealista, foi o primeiro a estabelecer contato com Szukalski e o responsável pelas mais de 200 horas gravadas de conversas com o artista. Não a toa, se tornaram grandes amigos numa relação quase paternal.
Através dos depoimentos do velhinho de olhos azuis e voz decidida, conhecemos seu passado na Polônia, em que cicatrizes indicam lembranças de uma ideologia política que ele gostaria de apagar. Para isso, Stas até reescreveu a história do mundo em diversos volumes, nos quais ele retratou a origem da sociedade e de seus males. Na verdade, toda sua obra pós-guerra foi uma tentativa de exorcizar velhos fantasmas.
A beleza de suas esculturas, repleta de simbolismos, e os desenhos surrealistas são trabalhos de rara genialidade e certamente gabaritam Szukalski a figurar entre os grandes do mundo da arte. Sua imaginação o tornou um verdadeiro criador de formas e conteúdo.
A personalidade vaidosa, egocêntrica e o desprezo por outros artistas, dão ares insanos e folclóricos ao polonês, mas em nada diminui seu valor.
Assim, o documentário "A Vida e Arte de Stanislaw Szukalski" cumpre bem o papel de nos lembrar que a arte sobrevive a tudo. Ao tempo e às ideologias.
9.0
*Disponível na Netflix
*Instagram para contato: resenha100nota
Todos Já Sabem
3.4 216 Assista AgoraJavier Bardem, Penélope Cruz e Ricardo Darín estrelam "Todos Já Sabem" (2018), novo filme do diretor Asghar Farhadi, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por duas vezes. Em 2012 levou o prêmio por "A Separação" e em 2017 por "O Apartamento".
Com essas credenciais estampando o cartaz, a expectativa estava alta para conferir uma produção com tanta gente boa envolvida.
Na trama Laura (Penélope Cruz) retorna para a cidade onde cresceu na Espanha, com seus dois filhos, para acompanhar o casamento da irmã e rever a familia. Lá ela reencontra o ex-namorado Paco (Javier Bardem) e tudo corre bem, mas durante a festa um trágico evento traz a tona segredos que o tempo nunca apagou.
Um alerta se faz necessário para aqueles que ficaram curiosos pelo filme: não busque o fim, pois é o meio que te dirá mais. Refletir sobre o que o diretor quer dizer é mais importante do que a resolução do caso. É o cinema de autor constantemente te convidando a processar as informações e extrair consequências.
"Todos Já Sabem" não é um filme sobre crime, mesmo que seja tentador tentar adivinhar os responsáveis pelo evento que desencadeia as reações familiares. Tal fato é apenas o pretexto para discutir os segredos que consomem e os ciclos que se renovam. Por quanto tempo a verdade pode ficar nas sombras? Farhadi nos mostra que por mais que selemos os lábios para conter a verdade, ela se manifesta de alguma forma. Como diria um amigo: "A verdade sai pelos poros".
E não há segredo que resista ao tempo.
8.0
O Culto
3.2 201 Assista AgoraO Culto (2017)
Anos após fugirem de um misterioso culto, os irmãos Justin (Justin Benson) e Aaron (Aaron Moorhead) decidem retornar à comunidade para descobrir o que está por trás da filosofia de vida dos membros da seita.
Dirigido pelos atores principais do filme, eles também foram responsáveis pelo roteiro, produção e edição do longa. Com isso, percebemos que Benson e Moorhead tiveram o controle total com o desenvolvimento de "O Culto" e o resultado é acima da média.
Intrigante, o roteiro brinca com a cabeça do protagonista e do espectador. A todo momento nos perguntamos o que está de fato acontecendo naquele culto e até onde vai a verdade.
Se você gostou da série "Dark" (2017) da Netflix, provavelmente vai se interessar por esse suspense, que promete te deixar processando as informações da trama, após os créditos finais.
8.5
Cantando na Chuva
4.4 1,1K Assista AgoraTalvez "Cantando na Chuva" (1952) seja o maior musical da história do cinema ou pelo menos o mais lembrado.
Protagonizado, por Gene Kelly, o longa traz um famoso ator do cinema mudo que precisa se adaptar aos novos tempos dos filmes falados.
Tal enredo funciona como uma grande metalinguagem de um período crítico para atores e realizadores em Hollywood. O advento do som e diálogos falados mudou a forma de fazer cinema e nem todas as estrelas da época conseguiram passar ilesos por esse momento de transformação da indústria cinematográfica.
Billy Wilder retratou com amargura e genialidade os rastros deixados pela transição no ótimo "Crepúsculo dos Deuses" (1950). Já em "Cantando na Chuva", o clima é mais leve, divertido e nostálgico.
Uma boa parcela dessas virtudes se dá pelo imenso carisma de Gene Kelly (pelo menos na frente das câmeras). Com raízes da Broadway, o ator foi "descoberto" por Judy Garland ("O Mágico de Oz") e a partir dali fez sucesso no cinema cantando, dançando, interpretando, coreografando números musicais, dirigindo e produzindo.
Após o êxito de "Sinfonia em Paris" (1951), seu filme anterior, vencedor do Oscar de Melhor Filme, Kelly encenou em "Cantando na Chuva" uma das cenas mais icônicas da sétima arte ao dançar sem se importar com a chuva e cantar a felicidade, pois, para aquele que é feliz, o sol nunca deixa de brilhar. O momento é sublime e a câmera se movimenta acompanhando os sentimentos do homem que brinca na água. Sensacional.
Além do referido número, "Cantando na Chuva" conta com outros takes inspirados e coadjuvantes talentosos, como Debbie Reynolds e Donald O'Connor.
O roteiro é extremamente fluido e se desenvolve a partir da trilha sonora, que existiu antes do script.
Apesar de não ter estourado na época de seu lançamento, "Cantando na Chuva" ainda hoje é figura certa nas listas das maiores obras do cinema e seu valor artístico lhe garantiu o status de "legendário" entre a crítica especializada.
Definitivamente um filme para lembrar e cantar...
"I'm singin' in the rain..."
9.0
Minha Fama de Mau
3.2 123Inicio a resenha com a seguinte constatação: "Minha Fama de Mau" (2019) é muito mais "Jovem Guarda" do que "Rock 'n' Roll". Com os defeitos e qualidades que isso possa significar.
O filme, dirigido por Lui Farias, começa com um ar debochado e quebra da quarta parede, ao bom estilo Ferris Bueller ("Curtindo a Vida Adoidado"). A edição é criativa e nos conta os primeiros passos do Tremendão, como a jornada de um herói dos quadrinhos. Assim, de cara, deu para perceber que a cinebiografia adotaria o tom leve e irreverente das matinês, cujo único objetivo é divertir o público e fazê-lo cantarolar os sucessos do músico.
Os hits, como previsto, empolgam o público e revigoram o longa constantemente.
A escolha do elenco mostrou que a última preocupação da produção foi escalar atores fisicamente parecidos com as personas reais.
Chay Suede definitivamente não guarda semelhanças com Erasmo, mas tem méritos ao tentar se aproximar do timbre de voz do cantor e dispensar o playback do Tremendão nos números musicais. Nesses momentos ouvimos a voz gravada do ator que encaixou bem nas canções. O ator também entrega boa interpretação e o carisma que o protagonismo pede.
Já o colega de cena Gabriel Leone resume sua versão do Rei Roberto Carlos em uma coleção de sorrisos largos e mudanças de penteados. Personagem importante na vida de Erasmo, o parceiro de composições foi mostrado de forma bidimensional e a amizade vista em tela não passou a intensidade que deveria.
Talvez, esse deveria ter sido o pilar do filme. Percorrer a trajetória de Erasmo Carlos pautando suas fases nas amizades estabelecidas. Com o inesquecível Tião Maia, quando o sucesso ainda era um sonho e com Roberto, quando a parceria se fortaleceu e se solidificou após os momentos difíceis da vida.
Mas essa é apenas a opinião de um espectador que se emociona com as grandes amizades. Aquelas que preenchem páginas e contam histórias de risos, lágrimas, dores e amores. Por isso, mesmo que você não enxergue Erasmo e Roberto na cena em que o Rei compõe "Amigo" para o seu camarada, pense naquela pessoa querida que materializa os sentimentos daqueles versos e amplifique o momento. É o que devemos fazer com aquilo que faz bem.
6.5
*Em cartaz nos cinemas
*Instagram para contato: resenha100nota
O Lagosta
3.8 1,5K Assista AgoraEscrito e dirigido pelo grego Yorgos Lanthimos, "O Lagosta" (2016) nos apresenta um futuro onde as pessoas não podem ficar solteiras, sob o risco de serem transformadas em animais. Antes de serem penalizadas, elas têm 45 dias de hospedagem em um hotel para encontrar seu par ideal, materializar a união e voltar para a cidade, escapando da transformação. Seguindo essa realidade, o solteiro David (Colin Farrell) tenta fugir para a floresta, mas local também possui suas própria regras e proibições.
Os filmes do diretor Yorgos Lanthimos costumam carregar nos simbolismos para transmitir uma ideia específica. Por isso, suas produções são exercícios de reflexão e inevitavelmente não caem no gosto do grande público que procura um entretenimento mais convencional. Em "O Lagosta" não é diferente e desde os primeiros minutos notamos o foco das críticas e o alvo a ser atingido.
No início do longa conhecemos David, um protagonista indeciso com suas preferências e escolhas, mas que é sempre forçado a escolher um partido, visto que ter mais de uma afinidade sobre a mesma questão pode gerar problemas, segundo os interlocutores.
Em sua estadia no hotel, as pessoas precisam detectar um simples ponto em comum para dar vazão a um relacionamento e passar para o próximo estágio do processo, em que convivem com outros casais e depois seguem para um iate, onde devem interagir em harmonia durante um período de tempo. Se houver problemas, uma criança é convocada para integrar o ambiente e tentar reaproximar o casal. Havendo êxito, a sociedade os receberá de braços abertos, caso contrário viverão como animais.
Em contrapartida, a floresta é o lugar do párias. Lá é proibido se apaixonar ou estabelecer qualquer vínculo afetivo. A menor infração é tratada com rigor.
É nessa dualidade que o filme se ergue. David foi pressionado de ambos os lados para seguir uma filosofia. Os extremos exigiam uma posição firme e irrevogável de levar a vida, mas o protagonista só queria seguir suas vontades, pois amanhã podemos desejar tomar um caminho diferente de hoje. Os gostos mudam, as experiências nos mudam e as pessoas mudam. O eterno Raul Seixas já cantava sua preferência pela metamorfose ambulante, do que carregar aquela velha opinião formada sobre tudo.
Não precisamos seguir nenhum fluxo que não venha dos nossos próprios desejos.
8.0
*Disponível na Netflix
Instagram: resenha100nota