Efetivamente, tem tudo que um bom filme hollywoodiano precisa ter para existir enquanto clássico americano, direção notória dentro do senso mercadológico, atores de alta estirpe - valoriza-se especialmente Katharine Hepburn e Spencer Tracy em seu último filme, personagens que não segregam intelectualmente o público espectador.
Contudo, meu olhar parte do comentário pleno de epifania de Douglas Sirk (FONTE: "You're making a bad movie! - Criterion Collection http://www.youtube.com/watch?v=z02M_qbTbDA), sobre fazer um filme com esquemas e fórmulas, o diretor alemão que havia fugido da segunda guerra e feito grandes filmes com crítica social nos EUA, demonstra sua reprovação por filmes que "pregam" (From the moment you start to "preach"...) seu discurso, tornando a experiência fílmica do espectador uma palestra sobre o assunto (como erroneamente filmes como "Psicose" de Alfred Hitchcock também o fizeram). Esta é questão que diminui a força da mensagem social proposta por Kramer, o momento em que Spencer Tracy começa a discursar e atrair sentimentalismo gratuito, explicando um filme que já estava representado.
O recurso não apenas diminui a inteligência do espectador, como faria mais tarde as "grandes obras" de Steven Spielberg, rocambole de lágrimas sortidas que não lhes significa com questões a ser discutida, como fariam poucos dos melodramas americanos produzidos por diretores europeus como Fritz Lang, Billy Wilder, etc.
Ainda que a intenção seja excelente, as atuações carismáticas em suas fórmulas burguesas, ADIVINHE QUEM VEM P/ JANTAR demonstra um desnível de qualidade, a cena do emblemático Sidney Poitier discutindo com o pai guarda um dos pouquíssimos momentos do filme bem-sucedidos em seu enfoque social ou psicológico.
Expressivo grandemente p/ sua época, MAKING LOVE é lembrado na maioria das pesquisas que navegam pela história do cinema em função de suas representações homo[eróticas]. É um filme que trata a maturidade de ser-gay num plano de vida bem-sucedida, como sair do armário sendo um médico casado com uma funcionária de TV. É considerado um dos primeiros lá nos oitenta, sendo um filme hollywoodiano mercadológico, a trabalhar com menos desespero e clímax a questão do homo[afetivo]. Contudo, as escolhas equivocadas de linguagem, especialmente quando se pensa na maneira que a história é contada, afasta tragicamente o filme de um olhar contextualizado contemporâneo, os closes em fundo branco do início são um equívoco e não acrescentam em nada no filme, menos ainda configuram um ponto de comunicação vis-à-vis com o espectador, como haveria feito alguns anos antes grandes diretores como Woody Allen. Pode ser visto e entendido através do seu contexto inicial, lembrando que a ausência de clímax evidencia uma sutileza da direção, a revolução MAKING LOVE, ainda que no fim das contas seja uma diferença pouco trabalhada e significativa entre o médico gay romântico e o escritor promíscuo.
Já foi dito. NOITE DE ESTREIA consegue criar uma melo-trama por trás dos bastidores com sombras de ALL ABOUT EVE [1950]. Seu trabalho pontuado por experimentação e representação daquilo que permeia os interiores de seus complexos personagens deixa rastros em obras fundamentais contemporâneas como ALL ABOUT MY MOTHER [1999]. Gena Rowlands está fantástica, numa dissimulação contínua em que o trabalho técnico de atuação, a memória do músculo - do qual Cassavetes também ficou notório no começo dos anos 60 em Nova York - traz com eloquência a questão de que a emoção construída torna-se física. Cada vez que a plateia aparece em cena, fico pensando num brinde a esta metalinguagem sólida e disposta de uma consciência incrível do próprio trabalho e da narrativa em questão. Inevitável não se recordar dos momentos alucinantes em obras polanskianas que aqui se repetem com Cassavetes e seu afinco a trabalhar as obscuridades da mente humana. Questões como a exteriorização - particularmente violenta - da protagonista numa forma pessoalizada de seus medos, angústias e dificuldades em lidar com a idade deixam herança a filmes zulawskianos como POSSESSION [1981] ou lynchianos como a série TWIN PEAKS [1990].
Um dos triunfos mora na habilidade de utilizar e ocupar o palco a seu favor. A câmera de seu diretor, como também já é dito, forma intervenções dentro da ação de cada personagem, o olhar do espectador avança conforme o ritmo precioso de cada cena nos faz querer conhecer intimamente cada personagem e nos permite nada além do que sair da sessão com a impressão de que isso não pode acontecer facilmente. BRAVO!
A notória referência ao cinema mudo e a trilha sonora, que tem leves pausas para retratar o silêncio tão interessante sobre o qual a personagem filosofa ao final, enobrecem o filme. Anna Karina brilha como uma jovem heroína marginal.
Absorto efetivamente com o trabalho en Rouge do polonês Kieslowski, repleto de sensibilidade, dialogando com questões da memória e dos sentimentos. Uma reflexão sobre moral e sociedade que deslancha sutilmente por personagens riquíssimos em suas condições humanas. A trilogia valoriza a simplicidade na representação das coisas, os filhotes que saem do cercado ou a goma de chiclete colada na fechadura, tudo é feito com tanto prazer. A cor vermelha inunda o olhar do espectador ao selar a trilogia das cores.
O que uma méchante de heroína chabroliana não é capaz de fazer? A história me pareceu realmente afiadíssima, ainda que a fotografia hiper-realista extirpe da história uma ludicidade que poderia ser brilhante na concepção do título, associado aos deleites do chocolate. Não há como negar o talento de Isabelle Huppert que brilha em gentilezas e esconde uma face torpe de si mesma. Inigualável construção de personagem.
Aqui tem quase nada da cultura oriental, senão a mesma transformada por um processo de ocidentalização e pasteurização de seus modos de ser e viver a estar compatível com o que nos é comum. Isso acontece por meio de estereótipos ou na representação de maneira tão superficial da cultura deles. Em algum momento ou outro, um sopro de sensibilidade se perde em meio às traquinagens de algo piegas que assim o é aqui. Grandes diretores orientais como Yasujiro Ozu ou ocidentais como Douglas Sirk já trabalharam uma narrativa melodramática que não soava piegas, ainda que se pautasse no convite às lágrimas. Isso me faz crer que o insucesso de Wayne Wang é inaptidão ao lidar com a linguagem escolhida. Um filme como "Flores de Xangai" de Hou Hsiao-Hsien mostra uma cultura chinesa bem mais interessante.
Triunfo de linguagem documental com disfarces e enquetes insolentes, um trabalho autoral como de costume no qual a época em perspectiva torna-o um valioso registro do peito juvenil e revolucionário. C'est Féminin, F----in.
A parte mais interessante desta obra - a POSSESSÃO, quem sofre é o espectador. Construído de forma a nos deixar loucos, impregnado de uma atmosfera prenhe de surrealismo e visceralidade, herdeira do cinema polanskiano. Surge Isabelle Adjani, uma atriz de força tremenda em carcaça de menina, aparece em cena com as representações de seus horrores, eles tornam-se também os nossos.
Aquela imagem da vela parece aos meus olhos imortalizar o sentido de discussão existencial que o filme desejava propor. Contundente e atormentado. A luz não parece por mais abrangente que possa ser iluminar o caminho de seus indivíduos e no escuro se deparam com a própria existência desorientada. Contudo, a direção de Woody Allen em SETEMBRO parece potencializar menos a dramaturgia, se comparada ao seu trabalho noutros filmes como INTERIORES e MARIDOS & ESPOSAS. Falta um trabalho de construção dos personagens que dê razão para a deslocada protagonista de Mia Farrow ser brilhante como indica seu potencial, falta um estética em congruência com essa dor.
A atmosfera construída pelo francês Julien Duvivier é no mínimo louvável, a partir de uma cinematografia afiadíssima. É provável que embora sua narrativa seja particularmente contada com sofisticação e um ritmo paulatino, a cena social por trás de ANNA KARENINA talvez não consiga expressar o lirismo tolstoiano. Aqui é Vivien Leigh que reina verdadeiramente com sua construção de personagem. Seus closes são inesquecíveis, tais como a entonação de suas palavras. Um furacão dos palcos ingleses.
O drama grego sempre foi objeto de reflexão ao longo da história da humanidade por conta de trabalhar histórias cujas representações são atemporais. É muito fácil se identificar com personagens mitológicos, eles costumam apresentar as virtudes e os defeitos que nos formam enquanto indivíduos. De muitas maneiras no cinema já foram estabelecidas as relações dramatúrgicas gregas, é possível trazer isso sutilmente por meio das metáforas. Woody Allen evoca o teatro grego em sua mais explícita motivação, algo que condiz plenamente com a sua forma de provocar o riso. Allen trabalha com o exagero, a situação eloquente para tornar o impossível em seu universo lúdico possível. Poderosa Afrodite trabalha as aspirações de seus personagens com uma menos brilhante construção se comparado a outros filmes da década como Maridos e Esposas, Simplesmente Alice e Desconstruindo Harry, trabalhos que aponto como obras-primas. Contudo, com suas limitações o filme tem carisma, Mira Sorvino faz um bom trabalho, a construção de uma personagem prostituta é mais difícil do que se pensa.
Errou bruscamente na dose de flamboyantismo ao construir números musicais com partituras corporais que dizem muito pouco da trama em si, uma leitura muito particular inclusive da linguagem de típicas peças teatrais que diretores como Hitchcock e outros nos anos 40/50 adaptavam ao cinema. O rocambole de reviravolta pode parecer tão sirkiano quanto ao figurino, a trilha sonora e os elementos cênicos. E é, efetivamente! As referências de Ozon comunicam bem a linguagem de atuação com a estética do modo de filmar melodramático de Hollywood. A personagem excepcional de Isabelle Huppert triunfa com sua interpretação de Message Personnel e vale a força de cada palavra.
Uma coisa me deixa extasiado em relação ao filme. É a possível relação entre a fase que o filme desencadeia, dentro da obra de um dos principais autores italianos, às escritas de Jung. Não dá para negar que o filme trata questões da subjetividade como os sonhos e os desejos para o nosso sentido de existência. É perda de tempo esperar compreensão e sensações de constante imobilidade na cadeira frente à tela dessa experiência fílmica que propõe justamente o contrário. A impressão de realidade. Ler "A Significação No Cinema" de Christian Metz para abrir o olhar voltado a um cinema pessoal que trará não apenas pessoalidades de quem o criou, mas que aceitará outras.
"Você não pode controlar a vida. Ela não termina perfeita. Apenas arte você pode controlar. Arte e masturbação. Duas áreas nas quais sou um especialista."
As letras de STARDUST na voz de L. Armstrong ecoam para sempre em nossa mente de forma tão íntima e criativa quanto à coesão de comédia e sensibilidade desta fase de Woody Allen. É o pico de espontaneidade ao repetir algo depois de tanto tempo, seus filmes atuais não conseguiram ainda fazer metade do barulho desta época, exceção para um ou dois. A interatividade entre os coadjuvantes e as referências ao cinema europeu fomentam uma estética propícia à contação de histórias de um homem tão particularmente construído como o personagem Woody Allen.
SELF SERVICE DE FAMILY DRAMA, DAVIS BRILHA! A direção de Brooks é competente ao mostrar o que ele realmente quer extrair da história, a fascinante interpretação de Davis como uma dona-de-casa, velha e provinciana que se frustra com o próprio casamento arranjado e gostaria de um pouco se realizar no casamento da filha. Adorável, realmente! O desejo de todos em espetacularizar o casamento deixa evidente uma característica do ser humano que sempre transborda no cinema americano, o close-up do Ego, esta necessidade de se colocar no palco como se o mundo tivesse parado para esta única celebração. A ironia pega implicitamente. No entanto, como a realidade frustrante comanda, as coisas quase nunca saem como planejamos.
Suspense em sua maior sofisticação e em seu maior encontro com as artes dos espetáculos, do simulacro. Exatamente ao início, quando passa aos olhos do personagem em crossfade a sugestão de trama, a ser trabalhada pelo mestre em seguida, fiquei abismado com o uso da técnica num patamar acima das expectativas para se contar uma história. Existe uma mutação de comédia obscura em antecipação do tipo de horror que seria muito utilizado mais tarde no cinema trash dos anos 60, como exemplo direi o sangue na boneca, que faz de STAGE FRIGHT um tratado ao qual não escapa nada da linguagem louvada hitchcockiana, a hora de terminar o suspense está apuradíssima, o ritmo quase nunca se perde ao compasso das melodias para sempre idílicas de Marlene Dietrich, mas é Jane Wyman/Eve quem brilha no final com o seu olhar na penumbra. Que realização teatral interessante, quem é Eve Harrington?
Definitivamente um filme caído no esquecimento. A trilha sonora emblemática de Elfman e o universo recriados das HQs são o tratado do filme, em qualquer momento que você pausar encontrará uma imagem cujo trabalho divertido das cores remetem à Pop Art. Madonna e Warren Beatty em época de romance, da tour Blond Ambition 90', oferecem à produção as mais inexpressivas interpretações que poderiam alcançar.
Madonna na mesma época, vale mais a pena ser vista aqui... http://www.youtube.com/watch?v=ncUnJsiaMdA
O elogio pode ir talvez à fotografia muito bem estilizada, na típica direção de Nichols, pois a dramaturgia em si falha na criação de personagens rasos. Fiquei impressionado com a habilidade de Meryl Streep de se esconder por trás de um corte de cabelo como este e determinada construção de voz para dar vida a uma personagem que não trabalha bem a comoção proposta pela ativista Karen Silkwood, quando deveria levando em conta os entraves da narrativa. A forma como o filme adiciona características à biografada parece alheia demais para ser crível, alguém ainda sequer notou que ela tem três filhos? Em compensação, Cher oferece ao filme uma interpretação sensível, foge completamente de si mesma ao assumir a postura de uma lésbica. No fim das contas, o filme não trabalhou a porção de sentimentos que poderia trabalhar tão bem quanto a estética dos oitenta.
..E preciso admitir que a leitura cômica de Carol Burnett é vibrante, excelente! http://www.youtube.com/watch?v=fLfSiKI3DsM A inevitável identificação com alguém como Mildred mesmo depois de rever, rever e rever. Sua persona é construída a ser grata, Hollywood nunca escondeu o seu apelo aos personagens feitos a identificação. O cheiro de óleo de cozinha, a miséria das condições na época e a torturante realidade de uma vida sem o glamour das estrelas escorrem da tela, apresentando numa das primeiras e muitas doses em que o cinema americano noiresco apostou suas fichas na mediocridade para representar fascínio, beleza e comoção. Joan Crawford está brilhante!
Dvořák invade as telas do cinema hollywoodiano! http://www.youtube.com/watch?v=H1JjUdQKMxg A análise mais pertinente para um filme como HUMORESQUE é perceber as nuances proporcionadas pela sua música. Construindo um filme cheio de caracterizações da sociedade americana dos anos 40, Negulesco parece provocar mais que a instituição das madames, mas a fábrica de sonhos que aqui se mostra extremamente pontuada por notas musicais. Pontuada não é palavra e, indo mais fundo com sua carga de Melodrama, devemos notar que Humoresque implora por música. E consegue! Quando Carmen de BIZET - "Habanera" - entra em cena, o espectador encara a verdade, o maior protagonista do filme é o violino. Crawford dá ressaca e ludibria o espectador, está alucinante!
Absolutamente fantástico. Zizek não faz nada além de estuprar o espectador com uma série de abordagens conceituais do cinema que vão, além de qualquer expectativa, abrir o nosso olhar para outros detalhes, outras questões. Paging dr. Freud, horrores! Como não amar? Vou citar quem mais abaixo muito bem escreveu, vale recomendar aos cinéfilos. Mais ainda aos cinéfilos psicanalistas. Estão todos aqui, as obsessões hitchcockianas, os sonhos lynchianos, a construção hollywoodiana de padrões de comportamento, a mágica sensibilidade do cinema bergmaniano, a minúncia técnica tarkovskiana e para além, à luz da companhia pervertida de Zizek.
Tão essencial quanto a leitura de BASTIDORES DE HOLLYWOOD, escrito por William J. Mann. O documentário dá lugar a muitas vozes, abrindo (literalmente) um leque de interpretação ao espectador que se vê assimilando, por exemplo, tanto a linguagem de narrativa, os filtros que selecionaram quais filmes representar, além de saber diretamente de roteiristas de filmes como "Cabaret", "Filadélfia", "Os Rapazes da Banda", "Rope", o significado de expressar finalmente em tantos e tão inusitados patamares a minoria marginalizada ou não, a influência exercida por gays e lésbicas na construção de uma história cinematográfica para o vigésimo século.
Ao fim, fica a imagem de muitas reflexões, como o comportamento de todos os gêneros mudaram ao longo deste tempo e como a influência antropológica no cinema é mútua. Numa paráfrase de Slavoj Zizek, o cinema é uma arte pervertida por excelência que não nos dá o que desejamos, mas que nos ensina como e o que desejar.
Adivinhe Quem Vem Para Jantar
4.1 222 Assista AgoraEfetivamente, tem tudo que um bom filme hollywoodiano precisa ter para existir enquanto clássico americano, direção notória dentro do senso mercadológico, atores de alta estirpe - valoriza-se especialmente Katharine Hepburn e Spencer Tracy em seu último filme, personagens que não segregam intelectualmente o público espectador.
Contudo, meu olhar parte do comentário pleno de epifania de Douglas Sirk (FONTE: "You're making a bad movie! - Criterion Collection http://www.youtube.com/watch?v=z02M_qbTbDA), sobre fazer um filme com esquemas e fórmulas, o diretor alemão que havia fugido da segunda guerra e feito grandes filmes com crítica social nos EUA, demonstra sua reprovação por filmes que "pregam" (From the moment you start to "preach"...) seu discurso, tornando a experiência fílmica do espectador uma palestra sobre o assunto (como erroneamente filmes como "Psicose" de Alfred Hitchcock também o fizeram). Esta é questão que diminui a força da mensagem social proposta por Kramer, o momento em que Spencer Tracy começa a discursar e atrair sentimentalismo gratuito, explicando um filme que já estava representado.
O recurso não apenas diminui a inteligência do espectador, como faria mais tarde as "grandes obras" de Steven Spielberg, rocambole de lágrimas sortidas que não lhes significa com questões a ser discutida, como fariam poucos dos melodramas americanos produzidos por diretores europeus como Fritz Lang, Billy Wilder, etc.
Ainda que a intenção seja excelente, as atuações carismáticas em suas fórmulas burguesas, ADIVINHE QUEM VEM P/ JANTAR demonstra um desnível de qualidade, a cena do emblemático Sidney Poitier discutindo com o pai guarda um dos pouquíssimos momentos do filme bem-sucedidos em seu enfoque social ou psicológico.
Fazendo Amor
3.5 20Expressivo grandemente p/ sua época, MAKING LOVE é lembrado na maioria das pesquisas que navegam pela história do cinema em função de suas representações homo[eróticas]. É um filme que trata a maturidade de ser-gay num plano de vida bem-sucedida, como sair do armário sendo um médico casado com uma funcionária de TV. É considerado um dos primeiros lá nos oitenta, sendo um filme hollywoodiano mercadológico, a trabalhar com menos desespero e clímax a questão do homo[afetivo]. Contudo, as escolhas equivocadas de linguagem, especialmente quando se pensa na maneira que a história é contada, afasta tragicamente o filme de um olhar contextualizado contemporâneo, os closes em fundo branco do início são um equívoco e não acrescentam em nada no filme, menos ainda configuram um ponto de comunicação vis-à-vis com o espectador, como haveria feito alguns anos antes grandes diretores como Woody Allen. Pode ser visto e entendido através do seu contexto inicial, lembrando que a ausência de clímax evidencia uma sutileza da direção, a revolução MAKING LOVE, ainda que no fim das contas seja uma diferença pouco trabalhada e significativa entre o médico gay romântico e o escritor promíscuo.
Noite de Estréia
4.4 52Já foi dito. NOITE DE ESTREIA consegue criar uma melo-trama por trás dos bastidores com sombras de ALL ABOUT EVE [1950]. Seu trabalho pontuado por experimentação e representação daquilo que permeia os interiores de seus complexos personagens deixa rastros em obras fundamentais contemporâneas como ALL ABOUT MY MOTHER [1999]. Gena Rowlands está fantástica, numa dissimulação contínua em que o trabalho técnico de atuação, a memória do músculo - do qual Cassavetes também ficou notório no começo dos anos 60 em Nova York - traz com eloquência a questão de que a emoção construída torna-se física. Cada vez que a plateia aparece em cena, fico pensando num brinde a esta metalinguagem sólida e disposta de uma consciência incrível do próprio trabalho e da narrativa em questão. Inevitável não se recordar dos momentos alucinantes em obras polanskianas que aqui se repetem com Cassavetes e seu afinco a trabalhar as obscuridades da mente humana. Questões como a exteriorização - particularmente violenta - da protagonista numa forma pessoalizada de seus medos, angústias e dificuldades em lidar com a idade deixam herança a filmes zulawskianos como POSSESSION [1981] ou lynchianos como a série TWIN PEAKS [1990].
Um dos triunfos mora na habilidade de utilizar e ocupar o palco a seu favor. A câmera de seu diretor, como também já é dito, forma intervenções dentro da ação de cada personagem, o olhar do espectador avança conforme o ritmo precioso de cada cena nos faz querer conhecer intimamente cada personagem e nos permite nada além do que sair da sessão com a impressão de que isso não pode acontecer facilmente. BRAVO!
Viver a Vida
4.2 391A notória referência ao cinema mudo e a trilha sonora, que tem leves pausas para retratar o silêncio tão interessante sobre o qual a personagem filosofa ao final, enobrecem o filme. Anna Karina brilha como uma jovem heroína marginal.
A Fraternidade é Vermelha
4.2 439 Assista AgoraAbsorto efetivamente com o trabalho en Rouge do polonês Kieslowski, repleto de sensibilidade, dialogando com questões da memória e dos sentimentos. Uma reflexão sobre moral e sociedade que deslancha sutilmente por personagens riquíssimos em suas condições humanas. A trilogia valoriza a simplicidade na representação das coisas, os filhotes que saem do cercado ou a goma de chiclete colada na fechadura, tudo é feito com tanto prazer. A cor vermelha inunda o olhar do espectador ao selar a trilogia das cores.
A Teia de Chocolate
3.5 18O que uma méchante de heroína chabroliana não é capaz de fazer? A história me pareceu realmente afiadíssima, ainda que a fotografia hiper-realista extirpe da história uma ludicidade que poderia ser brilhante na concepção do título, associado aos deleites do chocolate. Não há como negar o talento de Isabelle Huppert que brilha em gentilezas e esconde uma face torpe de si mesma. Inigualável construção de personagem.
O Clube da Felicidade e da Sorte
4.2 52Aqui tem quase nada da cultura oriental, senão a mesma transformada por um processo de ocidentalização e pasteurização de seus modos de ser e viver a estar compatível com o que nos é comum. Isso acontece por meio de estereótipos ou na representação de maneira tão superficial da cultura deles. Em algum momento ou outro, um sopro de sensibilidade se perde em meio às traquinagens de algo piegas que assim o é aqui. Grandes diretores orientais como Yasujiro Ozu ou ocidentais como Douglas Sirk já trabalharam uma narrativa melodramática que não soava piegas, ainda que se pautasse no convite às lágrimas. Isso me faz crer que o insucesso de Wayne Wang é inaptidão ao lidar com a linguagem escolhida. Um filme como "Flores de Xangai" de Hou Hsiao-Hsien mostra uma cultura chinesa bem mais interessante.
Masculino-Feminino
3.9 159 Assista AgoraTriunfo de linguagem documental com disfarces e enquetes insolentes, um trabalho autoral como de costume no qual a época em perspectiva torna-o um valioso registro do peito juvenil e revolucionário. C'est Féminin, F----in.
Possessão
3.9 587A parte mais interessante desta obra - a POSSESSÃO, quem sofre é o espectador.
Construído de forma a nos deixar loucos, impregnado de uma atmosfera prenhe de surrealismo e visceralidade, herdeira do cinema polanskiano. Surge Isabelle Adjani, uma atriz de força tremenda em carcaça de menina, aparece em cena com as representações de seus horrores, eles tornam-se também os nossos.
Setembro
3.6 106Aquela imagem da vela parece aos meus olhos imortalizar o sentido de discussão existencial que o filme desejava propor. Contundente e atormentado. A luz não parece por mais abrangente que possa ser iluminar o caminho de seus indivíduos e no escuro se deparam com a própria existência desorientada. Contudo, a direção de Woody Allen em SETEMBRO parece potencializar menos a dramaturgia, se comparada ao seu trabalho noutros filmes como INTERIORES e MARIDOS & ESPOSAS. Falta um trabalho de construção dos personagens que dê razão para a deslocada protagonista de Mia Farrow ser brilhante como indica seu potencial, falta um estética em congruência com essa dor.
Anna Karenina
3.9 28A atmosfera construída pelo francês Julien Duvivier é no mínimo louvável, a partir de uma cinematografia afiadíssima. É provável que embora sua narrativa seja particularmente contada com sofisticação e um ritmo paulatino, a cena social por trás de ANNA KARENINA talvez não consiga expressar o lirismo tolstoiano. Aqui é Vivien Leigh que reina verdadeiramente com sua construção de personagem. Seus closes são inesquecíveis, tais como a entonação de suas palavras. Um furacão dos palcos ingleses.
Poderosa Afrodite
3.7 235 Assista AgoraO drama grego sempre foi objeto de reflexão ao longo da história da humanidade por conta de trabalhar histórias cujas representações são atemporais. É muito fácil se identificar com personagens mitológicos, eles costumam apresentar as virtudes e os defeitos que nos formam enquanto indivíduos. De muitas maneiras no cinema já foram estabelecidas as relações dramatúrgicas gregas, é possível trazer isso sutilmente por meio das metáforas. Woody Allen evoca o teatro grego em sua mais explícita motivação, algo que condiz plenamente com a sua forma de provocar o riso. Allen trabalha com o exagero, a situação eloquente para tornar o impossível em seu universo lúdico possível. Poderosa Afrodite trabalha as aspirações de seus personagens com uma menos brilhante construção se comparado a outros filmes da década como Maridos e Esposas, Simplesmente Alice e Desconstruindo Harry, trabalhos que aponto como obras-primas. Contudo, com suas limitações o filme tem carisma, Mira Sorvino faz um bom trabalho, a construção de uma personagem prostituta é mais difícil do que se pensa.
8 Mulheres
3.8 144Errou bruscamente na dose de flamboyantismo ao construir números musicais com partituras corporais que dizem muito pouco da trama em si, uma leitura muito particular inclusive da linguagem de típicas peças teatrais que diretores como Hitchcock e outros nos anos 40/50 adaptavam ao cinema. O rocambole de reviravolta pode parecer tão sirkiano quanto ao figurino, a trilha sonora e os elementos cênicos. E é, efetivamente! As referências de Ozon comunicam bem a linguagem de atuação com a estética do modo de filmar melodramático de Hollywood. A personagem excepcional de Isabelle Huppert triunfa com sua interpretação de Message Personnel e vale a força de cada palavra.
8½
4.3 409 Assista AgoraUma coisa me deixa extasiado em relação ao filme. É a possível relação entre a fase que o filme desencadeia, dentro da obra de um dos principais autores italianos, às escritas de Jung. Não dá para negar que o filme trata questões da subjetividade como os sonhos e os desejos para o nosso sentido de existência. É perda de tempo esperar compreensão e sensações de constante imobilidade na cadeira frente à tela dessa experiência fílmica que propõe justamente o contrário. A impressão de realidade. Ler "A Significação No Cinema" de Christian Metz para abrir o olhar voltado a um cinema pessoal que trará não apenas pessoalidades de quem o criou, mas que aceitará outras.
Memórias
4.0 168 Assista Agora"Você não pode controlar a vida. Ela não termina perfeita. Apenas arte você pode controlar. Arte e masturbação. Duas áreas nas quais sou um especialista."
As letras de STARDUST na voz de L. Armstrong ecoam para sempre em nossa mente de forma tão íntima e criativa quanto à coesão de comédia e sensibilidade desta fase de Woody Allen. É o pico de espontaneidade ao repetir algo depois de tanto tempo, seus filmes atuais não conseguiram ainda fazer metade do barulho desta época, exceção para um ou dois. A interatividade entre os coadjuvantes e as referências ao cinema europeu fomentam uma estética propícia à contação de histórias de um homem tão particularmente construído como o personagem Woody Allen.
A Festa de Casamento
3.9 23 Assista AgoraSELF SERVICE DE FAMILY DRAMA, DAVIS BRILHA! A direção de Brooks é competente ao mostrar o que ele realmente quer extrair da história, a fascinante interpretação de Davis como uma dona-de-casa, velha e provinciana que se frustra com o próprio casamento arranjado e gostaria de um pouco se realizar no casamento da filha. Adorável, realmente! O desejo de todos em espetacularizar o casamento deixa evidente uma característica do ser humano que sempre transborda no cinema americano, o close-up do Ego, esta necessidade de se colocar no palco como se o mundo tivesse parado para esta única celebração. A ironia pega implicitamente. No entanto, como a realidade frustrante comanda, as coisas quase nunca saem como planejamos.
Pavor nos Bastidores
4.0 68Suspense em sua maior sofisticação e em seu maior encontro com as artes dos espetáculos, do simulacro. Exatamente ao início, quando passa aos olhos do personagem em crossfade a sugestão de trama, a ser trabalhada pelo mestre em seguida, fiquei abismado com o uso da técnica num patamar acima das expectativas para se contar uma história. Existe uma mutação de comédia obscura em antecipação do tipo de horror que seria muito utilizado mais tarde no cinema trash dos anos 60, como exemplo direi o sangue na boneca, que faz de STAGE FRIGHT um tratado ao qual não escapa nada da linguagem louvada hitchcockiana, a hora de terminar o suspense está apuradíssima, o ritmo quase nunca se perde ao compasso das melodias para sempre idílicas de Marlene Dietrich, mas é Jane Wyman/Eve quem brilha no final com o seu olhar na penumbra. Que realização teatral interessante, quem é Eve Harrington?
Dick Tracy
3.2 140Definitivamente um filme caído no esquecimento. A trilha sonora emblemática de Elfman e o universo recriados das HQs são o tratado do filme, em qualquer momento que você pausar encontrará uma imagem cujo trabalho divertido das cores remetem à Pop Art. Madonna e Warren Beatty em época de romance, da tour Blond Ambition 90', oferecem à produção as mais inexpressivas interpretações que poderiam alcançar.
Madonna na mesma época, vale mais a pena ser vista aqui...
http://www.youtube.com/watch?v=ncUnJsiaMdA
Silkwood - O Retrato de Uma Coragem
3.7 55O elogio pode ir talvez à fotografia muito bem estilizada, na típica direção de Nichols, pois a dramaturgia em si falha na criação de personagens rasos. Fiquei impressionado com a habilidade de Meryl Streep de se esconder por trás de um corte de cabelo como este e determinada construção de voz para dar vida a uma personagem que não trabalha bem a comoção proposta pela ativista Karen Silkwood, quando deveria levando em conta os entraves da narrativa. A forma como o filme adiciona características à biografada parece alheia demais para ser crível, alguém ainda sequer notou que ela tem três filhos? Em compensação, Cher oferece ao filme uma interpretação sensível, foge completamente de si mesma ao assumir a postura de uma lésbica. No fim das contas, o filme não trabalhou a porção de sentimentos que poderia trabalhar tão bem quanto a estética dos oitenta.
Alma em Suplício
4.2 138 Assista Agora..E preciso admitir que a leitura cômica de Carol Burnett é vibrante, excelente!
http://www.youtube.com/watch?v=fLfSiKI3DsM
A inevitável identificação com alguém como Mildred mesmo depois de rever, rever e rever. Sua persona é construída a ser grata, Hollywood nunca escondeu o seu apelo aos personagens feitos a identificação. O cheiro de óleo de cozinha, a miséria das condições na época e a torturante realidade de uma vida sem o glamour das estrelas escorrem da tela, apresentando numa das primeiras e muitas doses em que o cinema americano noiresco apostou suas fichas na mediocridade para representar fascínio, beleza e comoção.
Joan Crawford está brilhante!
Acordes do Coração
3.9 18Dvořák invade as telas do cinema hollywoodiano!
http://www.youtube.com/watch?v=H1JjUdQKMxg
A análise mais pertinente para um filme como HUMORESQUE é perceber as nuances proporcionadas pela sua música. Construindo um filme cheio de caracterizações da sociedade americana dos anos 40, Negulesco parece provocar mais que a instituição das madames, mas a fábrica de sonhos que aqui se mostra extremamente pontuada por notas musicais. Pontuada não é palavra e, indo mais fundo com sua carga de Melodrama, devemos notar que Humoresque implora por música. E consegue! Quando Carmen de BIZET - "Habanera" - entra em cena, o espectador encara a verdade, o maior protagonista do filme é o violino. Crawford dá ressaca e ludibria o espectador, está alucinante!
O Guia Pervertido do Cinema
4.3 78Absolutamente fantástico. Zizek não faz nada além de estuprar o espectador com uma série de abordagens conceituais do cinema que vão, além de qualquer expectativa, abrir o nosso olhar para outros detalhes, outras questões. Paging dr. Freud, horrores! Como não amar? Vou citar quem mais abaixo muito bem escreveu, vale recomendar aos cinéfilos. Mais ainda aos cinéfilos psicanalistas. Estão todos aqui, as obsessões hitchcockianas, os sonhos lynchianos, a construção hollywoodiana de padrões de comportamento, a mágica sensibilidade do cinema bergmaniano, a minúncia técnica tarkovskiana e para além, à luz da companhia pervertida de Zizek.
As Mulheres
3.8 34Descrevendo numa única palavra... DELIGHTFUL!
O Outro Lado de Hollywood
4.3 77Tão essencial quanto a leitura de BASTIDORES DE HOLLYWOOD, escrito por William J. Mann. O documentário dá lugar a muitas vozes, abrindo (literalmente) um leque de interpretação ao espectador que se vê assimilando, por exemplo, tanto a linguagem de narrativa, os filtros que selecionaram quais filmes representar, além de saber diretamente de roteiristas de filmes como "Cabaret", "Filadélfia", "Os Rapazes da Banda", "Rope", o significado de expressar finalmente em tantos e tão inusitados patamares a minoria marginalizada ou não, a influência exercida por gays e lésbicas na construção de uma história cinematográfica para o vigésimo século.
Ao fim, fica a imagem de muitas reflexões, como o comportamento de todos os gêneros mudaram ao longo deste tempo e como a influência antropológica no cinema é mútua. Numa paráfrase de Slavoj Zizek, o cinema é uma arte pervertida por excelência que não nos dá o que desejamos, mas que nos ensina como e o que desejar.