...Certamente que Joan Crawford nasceu para interpretar o papel da mulher descontrolada, uma enfermeira fiel a suas emoções que se chama Louise Howell. Ela deve ter cerca de trinta e poucos anos, e as numerosas tarefas na casa de Dean Graham ocupam todo seu tempo. Sem dúvida, Louise toma o pouco tempo que resta para amar. Amar o homem fatal David Sutton, interpretado brilhantemente por Van Heflin. Na casa de Dean Graham, Louise cuida da esposa inválida do patrão e, nas horas vagas, regozija-se da companhia do amado David. Como um autêntico veículo crawfordiesco, representante da Era de Ouro dos melodramas feitos pela Warner do pós-guerra, dos Women's Pictures, POSSESSED coloca sua protagonista num turbilhão de emoções sem nunca evitar a construção de uma figura simpática.
Foi bordado com uma atmosfera sublime de interior caloroso e distante de tantos paradigmas sedimentados pela história do cinema. FLORES DE XANGAI pode ter sido a minha maior <<experiência>> oriental por intermédio do cinema. Inúmeros filmes asiáticos nos cativam imensamente. Talvez em apropriações por parte deles de significados culturais ocidentais, o vínculo se fortifica. Traz inerente ao prazer de conhecer outra cultura a identificação com o que já é - em tese - nosso, um narrativa com elementos folhetinescos, temáticas acerca de vingança, amor, sexo, guerras, etc. Propagados no ocidente desde os gregos. CONTUDO, esta obra de Hou Hsiao-Hsien, tida por Ruy Gardnier como um filme-instalação, remetendo-nos à arte em espaço físico, como uma experiência sensorial potencializada, é tudo que a narrativa convencional não é. A primeira palavra que sobe a minha cabeça é IMPRESSÃO.
O filme impressiona por nos permitir sair dela apenas com impressões do desenrolar de uma história. O que deve ser visto como elementos primordiais numa narrativa convencional tornam-se aqui segundo plano. Vemos em primeiro plano uma aquisição fotográfica brilhante e planos milimetricamente pensados, chineses de outrora jogando e se divertindo, em momentos de luxúria, paixão, reflexão e ódio. Considerar como Gardnier fez que podemos ser crianças assistindo a uma história coincide com a minha IMPRESSÃO do filme. É difícil delimitar onde está a trama, pois a câmera pouco julga as imagens que captura.
É o resultado numa beleza e numa simplicidade que acima de tudo partiram de entendimento minucioso ao fazer um cinema que expressa em muitos patamares as próprias crenças culturais. Ao desfecho do filme, estamos distantes dele em tempo e espaço. Pois não somos aquilo, embora possamos adorá-lo.
"Does your MEMORY stray to A Brighter Summer Day, when I kissed you and called you Sweetheart?"
Elvis Presley canta algumas palavras que o engajado filme do chinês Edward Yang, vanguardista dentro do Cinema Novo Taiwanês, apropria-se para narrar com temporalidade poética e abordagem autoral o primeiro homicídio juvenil em Taipei, capital da ilha Taiwan, também conhecida como República da China. Em 2007, Yang faleceu com 59 anos e viveu boa parte de sua juventude nos anos 60, a partir disso temos a primeira chave para um entendimento sólido desta obra fundamental à história do cinema chinês – a memória. Livremente baseado na história do primeiro jovem associado a homicídio durante um período nacionalista do governo taiwanês, Yang apresenta suas memórias de colégio e cruza o seu universo de experiência frente a uma invasão da cultura POP, a ocidentalização (indesejada, em seu ponto de vista) da nação com as consequências sociais, a delinquência juvenil. Elabora um retrato complexo e virtuoso de uma Taiwan politicamente desnorteada que busca sua identidade perdida como em canções importadas de Elvis Presley, rivalidades entre famílias e, especialmente, a partir da imigração chinesa, fruto de conflitos civis e da vitória da China Comunista, que chega em Taiwan sem perspectivas de futuro. Edward Yang constrói seu argumento em quase quatro horas de duração com a representação de algo que poderia ocorrer trinta anos antes, mas traz impecavelmente o espectador a uma sensação de atemporalidade por não se perder com idealizações da época em que produziu. Isso justifica o seu pioneirismo para um inovador cinema taiwanês ao fim do século XX com sua forma de narrar afeita à liberdade.
Filme de apelo juvenil que parte de uma premissa excelente. A intenção é brilhante de tecer comentários que colocam em paralelo talvez a vida em grandes centros urbanos, a experiência humana em sociedade com a urbanização, a interferência do espaço e da comunicação, afastando cada vez mais os indivíduos com o disfarce de os unir. Amor líquido, vida líquida, medo líquido. O filme funciona muito à égide dessas efemeridades, concluindo sua narrativa tão introspectiva e interessante com A "vibe" de filmes como Juno e (500) dias com ela, vende-se discurso POP sobre vidas vazias por meio de um conto de fadas customizado por uma linguagem igualmente vazia. E pior, a referência ao brilhante "Manhattan" (1979) de Woody Allen é desperdiçada.
A produção caríssima do mestre Zhang Yimou deveria nos impelir a seguinte questão, qual foi o custo-benefício? O crítico Roger Ebert aponta outra questão, era preciso de um americano para contar a história? Será que não bastava um padre chinês? Longe de ser um clássico Zhang Yimou como "Lanternas Vermelhas" (1991), FLORES DO ORIENTE com sua maneira ocidentalizada de narrar captura à la Spielberg dores e sofrimentos de estupros em Nanjing durante guerra entre chineses e japoneses, em alguns momentos se acomete de representações exageradas que banalizam o poder de comoção da história e, especialmente, quando lembrarmos de maneiras como o próprio diretor teria feito em início de carreira, maneiras mais poéticas. Por outro lado, o mestre ainda carrega em si o charme da perspectiva feminina e da delicadeza de usar flores com metáforas, ainda que inseridas num universo que constrói vítimas desenfreadamente. Outro problema do longa, a perspectiva central da narrativa é tão vinculada ao olhar sofrido chinês que o espectador se vê conduzido a ter o japonês como um invasor pleno e, porém, sabemos obviamente que as coisas não são tão simples assim, essa deixa maniqueísta empobrece a construção dos personagens. Todos que participaram na produção fotográfica do filme merecem ser enaltecidos com um altar adornado de flores orientais de tão impecável que está. Nisso, Christian Bale está incluso, o galã se mostra exímio em trabalho de personagem. Ao final, o filme se concebe totalmente como um estupro ao espectador.
Precisa ser revisto inúmeras vezes esse atentado de lirismo elíptico ao nosso âmago. Uma concepção de estética única que torna o ato de assistir uma viagem cultural, uma verdadeira experiência. A narrativa que Kar-Wai conta desvela nossas identificações de nosso mundo de falhas, onde as coisas acontecem de forma intensa, mas se perdem da memória e não importa o quão intensas. Precisamos de mais lugares para depositar esses eventos para que possam viver. Kar-Wai consegue isso em sua obra-prima, as vivências esquecidas de seus personagens permanecem agora imortais no imaginário do espectador.
Dispensa comparações com a série. É uma experiência estética que comprova as habilidades de seu diretor em estabelecer com autoridade a atmosfera sinistra que deseja enlaçar seus personagens chorões e singulares. Palavra-chave: sonhos.
Em "Noite Vazia", Walter Hugo Khouri constrói sua narrativa caótica e humana com uma verve autoral, ainda que depreendam dela muito da estética europeia e da temporalidade asiática. É inquietante acompanhar uma noite de quatro pessoas tão maravilhosas que aos poucos revelam vazios quase irremediáveis, lembrando que com isso a vida em sociedade se identifica e muito. O desejo com o qual a câmera de WHK invade seus personagens se reflete não apenas do trabalho minucioso de enquadramentos inusitados e poéticos, mas do repertório de imagens e representações, nos quais o filme se deleita em escultura, trazendo formas e volumes aliados à percepção dos corpos dos protagonistas, e no trágico piano que potencializa esta experiência. Obra fundamental.
Radiante, lúdico e apaixonado. A câmera flutuante de Truffaut carrega nas costas o peso de sua temática, mas torna sua impressão algo novo que corrompe as sensações que já concebemos para aquilo que ele retrata. Os personagens apresentam suas inquietudes e singularidades, mas é Jeanne Moreau que brilha em ímpeto e ambiguidades.
Voltando um primeiro olhar dramatúrgico a este metafórico filme de Walter Lang, toda a estrutura da narrativa, a maneira como ela é contada, soa deslocada para o nosso tempo. Uma sessão corrida poderia fazer crer que pouco passa de uma comédia romântica esta previsão do progresso tecnológico da segunda metade do século XX. Contudo, as atuações do casal protagonista, a sua penúltima colaboração juntos, funciona com uma química de eficiência similar às produções com os dois dos anos 40. A representação do computador gigantesco e, sutilmente, este dilema sobre a substituição da máquina pelo homem, feito da maneira mais singular possível desde "Tempos Modernos".
"Acha que estou mentalmente perturbada pelo resto da vida? Sabia que há um exército de um milhão de pessoas mentalmente perturbadas, pobres diabos que perambulam gritando uns com os outros palavras que não entendemos e que deixam a gente ainda mais apavorados? Não sei. Há um chamado para nós que não cremos. Que quer dizer? Às vezes digo para mim mesmo. Pode dizer para mim? Desejo que alguém ou algo me bata, assim posso voltar a realidade. Repito incessantemente, talvez um dia eu seja real. Que quer dizer com REAL? Ouvir uma voz humana e confiar que vem de alguém igual a mim, tocar um par de lábios e ao mesmo tempo saber que isso é um par de lábios."
A experiência imagética tem o seu valor, assim como poder testemunhar no telão a voz inesquecível de Jards Macalé. Melhor ainda se você pode assistir com o privilégio da presença dele na sessão. O agrado passa longe de ser consensual, a alguns olhares o filme parece lento e cansativo demasiado, mas pode também ser gratificante ao final onde a história de uma geração passou pelos seus olhos.
Desde a fotografia ao título, elementos evocativos que encantam a partir do toque de sensibilidade de Lúcia Murat para com as infames consequências da ditadura. A diretora que é conhecida por outros trabalhos com o mesmo tema chega só agora ao meu conhecimento, trazendo a abertura culminante de um olhar a maneiras distintas de se narrar, dentro do tratamento desta importante ferramenta que é a memória. Essencial na relação do espectador com o filme que por meio dela costura elementos de cada sequência e dá totalidade a elas ao final da sessão. Não é apenas a trajetória da diretora que se reflete na tela. É também, na verdade, a memória que <ELES> me contam e cabe ao respectivo pronome abrigar as vozes de inúmeras pessoas que se viram na mesma condição.
A experiência estética no empenho de Ang Lee se apresenta com tanta força que merece ser vista no cinema. No entanto, as palavras que li do sucinto comentário proferido pelo jornal "O Globo" ainda ressoa em meus pensamentos, reafirmando a impressão poderosa de acompanhar o jovem indiano pela aventura mais filosófica de sua vida, mas a dramaturgia não ousa. Concordo, realmente, o filme nos aproxima da ação em alto mar, mas nos distancia de qualquer outra coisa que diga respeito a culturas orientais e mais ainda quando vende seu discurso de valor às infinitas religiões. A história colocada como incrível, na verdade, pode ser bastante o oposto e seria um triunfo para o filme considerar a possibilidade de diversos pontos de vista ou cair menos nas armadilhas de uma narrativa em flashback, descrita em excesso por meio de um filme que a isso faz todo sentido, a recepção total de sensações e sentimentos. Nisso, o filme triunfa por mares tempestuosos.
Emblemático por ousar nas intimidades do ser humano, tocando no assunto que ninguém realmente que ver deixar aposentos que a nossa construção social e cultural estabeleceu como banheiro. Parte da grande fonte que desperta interesse, a notícia sensacional, relacionada com crítica social, celebritismo e política, porém resulta em algo aquém a padrões de bons filmes documentais, pois entende marcas mais fundas que isso.
"A black pool opened up at my feet. I dived in... It had no bottom."
FUNDAMENTAL para se compreender os meandros rugosos e cínicos da construção dos clássicos personagens decadentes da ficção em hard-boiled e Raymond Chandler para o gênero é considerado o topo da sofisticação. Esta adaptação é senão a mais fantástica para a presença de Philip Marlowe. Uso fotográfico e enredístico atordoante, alucinante...
O enredo se coloca de forma absurdamente atual, levando em consideração o suspense afiadíssimo, a presença psicológica fortíssima de Bogart potencializada pela narração que, citando o soberbo doc em film-noir "The Rules of Film-Noir", funciona bem como uma seringa que aos poucos nos injeta as vivências do personagem, temos acesso a algo impressionante que não aparece literalmente na tela, ressoando em nosso corpo como os terríveis fones de ouvido em "The Big Combo". Vale também enquanto desafio de entender a importância do título para a narrativa, já que DEAD RECKONING pode significar um bocado de coisas, em navegação, administração e sabe lá onde mais...
Fenomenal a habilidade do documentário inglês de reconstruir a estética noiresca, discutindo desde os aspectos políticos, o Cinema ali enquanto reflexo de uma condição de época, a relevância da segunda guerra. Até os caprichos do estilo, as celebridades que dominavam o gênero, a sedução, a fotografia, o cinismo, os cigarros, o mundo em decadência. Praticamente uma aula acadêmica sem pudor de assim ser, dentre os que mais se destacam dos comentaristas, houve quem dissecou detalhes brilhantes como a tornozeleira de Barbara Stanwyck em "Pacto de Sangue", a narração mórbida de "Crepúsculo dos Deuses", os elementos do Pulp Fiction, das narrativas em Hard-Boiled, como "O Falcão Maltês". Tenha caneta e um lugar para anotar todas as indicações, pois é um MUST-SEE a qualquer pessoa interessada em história do Cinema.
Vale mais pela diversidade de atuações do elenco, os picos de beleza e singularidade de Shirley MacLaine como Aurora, a malandragem comum ao Jack Nicholson, uma Debra Winger juvenil e carismática. A narrativa em si trabalha com uma dramaturgia que se esgota fácil e já foi algum dia pertinente, como os Women's Pictures, enquanto o fazer lamuriar. Hoje, é mal recebido pelo público que vê nas desventuras de uma mulher doente, fortemente ligada aos contratos da mãe, como apenas outro "dramalhão". O termo é de extremo mal gosto e denota inexperiência da pessoa que o utiliza quanto aos principais filmes (no mínimo) que fizeram a história do cinema desde o cinema mudo, quando as habilidade técnicas não eram ideais tão possíveis quanto o de faz emocionar pelo close-up, pela teatralidade, por temas sociais, familiares e etc.
CADÊ O AMOR? Dentre perguntas e quase nenhuma resposta, num tom falador à la cinema europeu, o filme de Jabor brinca com uma estética futurista sem esconder os apelos da época. Possui momentos de elevado bom gosto, como a captura do rosto tido ali como sueco de Vera Fischer, a participação típica cheia de brasilidade de Regina Casé. O embate de rancores da letrada e puta problemática de Sonia Braga com um empresário fracassado e romântico libidinoso de Paulo Cesar Pereio possui uma força sentimental que falta na produção atual de nosso cinema... E sobre a cena da dança, achei por demais espirituosa, meio descabida meio entusiasmada, tem o appeal de glória a algumas elegâncias do passado. Ah, é um filme que merece ser visto, indubitavelmente.
Com seu humor light, delicioso... É um verdadeiro tesouro no arquivo da Warner. Norma Shearer torna tudo encantado com seu espírito de "let's be gay" todo tempo, mostrando aceitação das coisas com menos alarde. Não que eu vá acreditar nisso, o filme em seu âmbito de fantasia hollywoodiana, como a maioria dos filmes da época, termina confessando a sua ânsia por resoluções simples. Mesmo trajado por toda a opulência, o filme consegue ser pertinente enquanto comédia conjugal, além de tratar a traição, temática que nunca sai das telas com filmes femininos. Marie Dressler parece ser realmente um destaque para a produção, a anciã maluca em desespero pela vontade de terminar casamentos. Para fãs de Shearer é obrigatório.
"É um urso emblemático das narrativas infantis mais recorrentes pelo mundo, publicado pela primeira vez em 1926. Seu autor britânico Alan Alexander Milne, conhecido pela abreviação A. A. Milne, construiria as histórias a partir da relação do filho Christopher Robin Milne com seus brinquedos, daí a inspiração para o nome Christopher Robin que também atenderia por Paulo Roberto, depois Cristóvão, nas dublagens. Christopher gostava de brincar com o seu teddy bear chamado Winnie-The-Pooh, inspirado por Winnie, a famosa ursa preta de um zoológico londrino que viveu de 1915 a 1934, era mascote de guerra e foi visitada como uma celebridade. O urso Pooh enquanto pet de Christopher e ferramenta singular para as vivências infantis, tida assim por teóricos como Donald Winnicott, costuma a partir de tal importância no exercício da imaginação ser referência de estudos psicanalíticos até mais do que apenas representação de recreação entre crianças. Com a interessante abordagem emocional de A. A. Milne para com seus personagens, a diversidade que acomete cada uma daquelas relações e o senso de quotidiano, jogos e desafios de todo dia, a enriquecida história daquele que viria no Brasil a ser conhecido como Puff, um urso guloso, torna-se prato cheio para a produção de Walt Disney..."
Fogueira de Paixão
4.0 25...Certamente que Joan Crawford nasceu para interpretar o papel da mulher descontrolada, uma enfermeira fiel a suas emoções que se chama Louise Howell. Ela deve ter cerca de trinta e poucos anos, e as numerosas tarefas na casa de Dean Graham ocupam todo seu tempo. Sem dúvida, Louise toma o pouco tempo que resta para amar. Amar o homem fatal David Sutton, interpretado brilhantemente por Van Heflin. Na casa de Dean Graham, Louise cuida da esposa inválida do patrão e, nas horas vagas, regozija-se da companhia do amado David. Como um autêntico veículo crawfordiesco, representante da Era de Ouro dos melodramas feitos pela Warner do pós-guerra, dos Women's Pictures, POSSESSED coloca sua protagonista num turbilhão de emoções sem nunca evitar a construção de uma figura simpática.
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Flores de Xangai
3.9 7Foi bordado com uma atmosfera sublime de interior caloroso e distante de tantos paradigmas sedimentados pela história do cinema. FLORES DE XANGAI pode ter sido a minha maior <<experiência>> oriental por intermédio do cinema. Inúmeros filmes asiáticos nos cativam imensamente. Talvez em apropriações por parte deles de significados culturais ocidentais, o vínculo se fortifica. Traz inerente ao prazer de conhecer outra cultura a identificação com o que já é - em tese - nosso, um narrativa com elementos folhetinescos, temáticas acerca de vingança, amor, sexo, guerras, etc. Propagados no ocidente desde os gregos. CONTUDO, esta obra de Hou Hsiao-Hsien, tida por Ruy Gardnier como um filme-instalação, remetendo-nos à arte em espaço físico, como uma experiência sensorial potencializada, é tudo que a narrativa convencional não é. A primeira palavra que sobe a minha cabeça é IMPRESSÃO.
O filme impressiona por nos permitir sair dela apenas com impressões do desenrolar de uma história. O que deve ser visto como elementos primordiais numa narrativa convencional tornam-se aqui segundo plano. Vemos em primeiro plano uma aquisição fotográfica brilhante e planos milimetricamente pensados, chineses de outrora jogando e se divertindo, em momentos de luxúria, paixão, reflexão e ódio. Considerar como Gardnier fez que podemos ser crianças assistindo a uma história coincide com a minha IMPRESSÃO do filme. É difícil delimitar onde está a trama, pois a câmera pouco julga as imagens que captura.
É o resultado numa beleza e numa simplicidade que acima de tudo partiram de entendimento minucioso ao fazer um cinema que expressa em muitos patamares as próprias crenças culturais. Ao desfecho do filme, estamos distantes dele em tempo e espaço. Pois não somos aquilo, embora possamos adorá-lo.
Um Dia Quente de Verão
4.3 46"Does your MEMORY stray to A Brighter Summer Day,
when I kissed you and called you Sweetheart?"
Elvis Presley canta algumas palavras que o engajado filme do chinês Edward Yang, vanguardista dentro do Cinema Novo Taiwanês, apropria-se para narrar com temporalidade poética e abordagem autoral o primeiro homicídio juvenil em Taipei, capital da ilha Taiwan, também conhecida como República da China. Em 2007, Yang faleceu com 59 anos e viveu boa parte de sua juventude nos anos 60, a partir disso temos a primeira chave para um entendimento sólido desta obra fundamental à história do cinema chinês – a memória. Livremente baseado na história do primeiro jovem associado a homicídio durante um período nacionalista do governo taiwanês, Yang apresenta suas memórias de colégio e cruza o seu universo de experiência frente a uma invasão da cultura POP, a ocidentalização (indesejada, em seu ponto de vista) da nação com as consequências sociais, a delinquência juvenil. Elabora um retrato complexo e virtuoso de uma Taiwan politicamente desnorteada que busca sua identidade perdida como em canções importadas de Elvis Presley, rivalidades entre famílias e, especialmente, a partir da imigração chinesa, fruto de conflitos civis e da vitória da China Comunista, que chega em Taiwan sem perspectivas de futuro. Edward Yang constrói seu argumento em quase quatro horas de duração com a representação de algo que poderia ocorrer trinta anos antes, mas traz impecavelmente o espectador a uma sensação de atemporalidade por não se perder com idealizações da época em que produziu. Isso justifica o seu pioneirismo para um inovador cinema taiwanês ao fim do século XX com sua forma de narrar afeita à liberdade.
Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual
4.3 2,3K Assista AgoraFilme de apelo juvenil que parte de uma premissa excelente. A intenção é brilhante de tecer comentários que colocam em paralelo talvez a vida em grandes centros urbanos, a experiência humana em sociedade com a urbanização, a interferência do espaço e da comunicação, afastando cada vez mais os indivíduos com o disfarce de os unir. Amor líquido, vida líquida, medo líquido. O filme funciona muito à égide dessas efemeridades, concluindo sua narrativa tão introspectiva e interessante com A "vibe" de filmes como Juno e (500) dias com ela, vende-se discurso POP sobre vidas vazias por meio de um conto de fadas customizado por uma linguagem igualmente vazia. E pior, a referência ao brilhante "Manhattan" (1979) de Woody Allen é desperdiçada.
Flores do Oriente
4.2 774 Assista AgoraA produção caríssima do mestre Zhang Yimou deveria nos impelir a seguinte questão, qual foi o custo-benefício? O crítico Roger Ebert aponta outra questão, era preciso de um americano para contar a história? Será que não bastava um padre chinês? Longe de ser um clássico Zhang Yimou como "Lanternas Vermelhas" (1991), FLORES DO ORIENTE com sua maneira ocidentalizada de narrar captura à la Spielberg dores e sofrimentos de estupros em Nanjing durante guerra entre chineses e japoneses, em alguns momentos se acomete de representações exageradas que banalizam o poder de comoção da história e, especialmente, quando lembrarmos de maneiras como o próprio diretor teria feito em início de carreira, maneiras mais poéticas. Por outro lado, o mestre ainda carrega em si o charme da perspectiva feminina e da delicadeza de usar flores com metáforas, ainda que inseridas num universo que constrói vítimas desenfreadamente. Outro problema do longa, a perspectiva central da narrativa é tão vinculada ao olhar sofrido chinês que o espectador se vê conduzido a ter o japonês como um invasor pleno e, porém, sabemos obviamente que as coisas não são tão simples assim, essa deixa maniqueísta empobrece a construção dos personagens. Todos que participaram na produção fotográfica do filme merecem ser enaltecidos com um altar adornado de flores orientais de tão impecável que está. Nisso, Christian Bale está incluso, o galã se mostra exímio em trabalho de personagem. Ao final, o filme se concebe totalmente como um estupro ao espectador.
Amor à Flor da Pele
4.3 498 Assista AgoraPrecisa ser revisto inúmeras vezes esse atentado de lirismo elíptico ao nosso âmago. Uma concepção de estética única que torna o ato de assistir uma viagem cultural, uma verdadeira experiência. A narrativa que Kar-Wai conta desvela nossas identificações de nosso mundo de falhas, onde as coisas acontecem de forma intensa, mas se perdem da memória e não importa o quão intensas. Precisamos de mais lugares para depositar esses eventos para que possam viver. Kar-Wai consegue isso em sua obra-prima, as vivências esquecidas de seus personagens permanecem agora imortais no imaginário do espectador.
Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer
3.9 273 Assista AgoraDispensa comparações com a série. É uma experiência estética que comprova as habilidades de seu diretor em estabelecer com autoridade a atmosfera sinistra que deseja enlaçar seus personagens chorões e singulares. Palavra-chave: sonhos.
A Rosa Púrpura do Cairo
4.1 591 Assista AgoraUma das declarações definitivas de amor ao Cinema.
Noite Vazia
4.1 88Em "Noite Vazia", Walter Hugo Khouri constrói sua narrativa caótica e humana com uma verve autoral, ainda que depreendam dela muito da estética europeia e da temporalidade asiática. É inquietante acompanhar uma noite de quatro pessoas tão maravilhosas que aos poucos revelam vazios quase irremediáveis, lembrando que com isso a vida em sociedade se identifica e muito. O desejo com o qual a câmera de WHK invade seus personagens se reflete não apenas do trabalho minucioso de enquadramentos inusitados e poéticos, mas do repertório de imagens e representações, nos quais o filme se deleita em escultura, trazendo formas e volumes aliados à percepção dos corpos dos protagonistas, e no trágico piano que potencializa esta experiência. Obra fundamental.
Jules e Jim - Uma Mulher Para Dois
4.1 335 Assista AgoraRadiante, lúdico e apaixonado. A câmera flutuante de Truffaut carrega nas costas o peso de sua temática, mas torna sua impressão algo novo que corrompe as sensações que já concebemos para aquilo que ele retrata. Os personagens apresentam suas inquietudes e singularidades, mas é Jeanne Moreau que brilha em ímpeto e ambiguidades.
Amor Eletrônico
3.7 11Voltando um primeiro olhar dramatúrgico a este metafórico filme de Walter Lang, toda a estrutura da narrativa, a maneira como ela é contada, soa deslocada para o nosso tempo. Uma sessão corrida poderia fazer crer que pouco passa de uma comédia romântica esta previsão do progresso tecnológico da segunda metade do século XX. Contudo, as atuações do casal protagonista, a sua penúltima colaboração juntos, funciona com uma química de eficiência similar às produções com os dois dos anos 40. A representação do computador gigantesco e, sutilmente, este dilema sobre a substituição da máquina pelo homem, feito da maneira mais singular possível desde "Tempos Modernos".
Face a Face
4.2 131"Acha que estou mentalmente perturbada pelo resto da vida? Sabia que há um exército de um milhão de pessoas mentalmente perturbadas, pobres diabos que perambulam gritando uns com os outros palavras que não entendemos e que deixam a gente ainda mais apavorados? Não sei. Há um chamado para nós que não cremos. Que quer dizer? Às vezes digo para mim mesmo. Pode dizer para mim? Desejo que alguém ou algo me bata, assim posso voltar a realidade. Repito incessantemente, talvez um dia eu seja real. Que quer dizer com REAL? Ouvir uma voz humana e confiar que vem de alguém igual a mim, tocar um par de lábios e ao mesmo tempo saber que isso é um par de lábios."
Jards
2.9 12A experiência imagética tem o seu valor, assim como poder testemunhar no telão a voz inesquecível de Jards Macalé. Melhor ainda se você pode assistir com o privilégio da presença dele na sessão. O agrado passa longe de ser consensual, a alguns olhares o filme parece lento e cansativo demasiado, mas pode também ser gratificante ao final onde a história de uma geração passou pelos seus olhos.
Proezas de Satanás na Vila de Leva-e-Traz
4.0 13Uma pérola do horror nacional com filmagens em Tiradentes que foram exibidas na cidade pela primeira vez ontem, na 16ª Mostra de Cinema.
A Memória que me Contam
3.1 60Desde a fotografia ao título, elementos evocativos que encantam a partir do toque de sensibilidade de Lúcia Murat para com as infames consequências da ditadura. A diretora que é conhecida por outros trabalhos com o mesmo tema chega só agora ao meu conhecimento, trazendo a abertura culminante de um olhar a maneiras distintas de se narrar, dentro do tratamento desta importante ferramenta que é a memória. Essencial na relação do espectador com o filme que por meio dela costura elementos de cada sequência e dá totalidade a elas ao final da sessão. Não é apenas a trajetória da diretora que se reflete na tela. É também, na verdade, a memória que <ELES> me contam e cabe ao respectivo pronome abrigar as vozes de inúmeras pessoas que se viram na mesma condição.
As Aventuras de Pi
3.9 4,4KA experiência estética no empenho de Ang Lee se apresenta com tanta força que merece ser vista no cinema. No entanto, as palavras que li do sucinto comentário proferido pelo jornal "O Globo" ainda ressoa em meus pensamentos, reafirmando a impressão poderosa de acompanhar o jovem indiano pela aventura mais filosófica de sua vida, mas a dramaturgia não ousa. Concordo, realmente, o filme nos aproxima da ação em alto mar, mas nos distancia de qualquer outra coisa que diga respeito a culturas orientais e mais ainda quando vende seu discurso de valor às infinitas religiões. A história colocada como incrível, na verdade, pode ser bastante o oposto e seria um triunfo para o filme considerar a possibilidade de diversos pontos de vista ou cair menos nas armadilhas de uma narrativa em flashback, descrita em excesso por meio de um filme que a isso faz todo sentido, a recepção total de sensações e sentimentos. Nisso, o filme triunfa por mares tempestuosos.
Grey Gardens
4.3 105Emblemático por ousar nas intimidades do ser humano, tocando no assunto que ninguém realmente que ver deixar aposentos que a nossa construção social e cultural estabeleceu como banheiro. Parte da grande fonte que desperta interesse, a notícia sensacional, relacionada com crítica social, celebritismo e política, porém resulta em algo aquém a padrões de bons filmes documentais, pois entende marcas mais fundas que isso.
Até a Vista, Querida
3.7 22 Assista Agora"A black pool opened up at my feet. I dived in... It had no bottom."
FUNDAMENTAL para se compreender os meandros rugosos e cínicos da construção dos clássicos personagens decadentes da ficção em hard-boiled e Raymond Chandler para o gênero é considerado o topo da sofisticação. Esta adaptação é senão a mais fantástica para a presença de Philip Marlowe. Uso fotográfico e enredístico atordoante, alucinante...
Confissão
3.6 14 Assista AgoraO enredo se coloca de forma absurdamente atual, levando em consideração o suspense afiadíssimo, a presença psicológica fortíssima de Bogart potencializada pela narração que, citando o soberbo doc em film-noir "The Rules of Film-Noir", funciona bem como uma seringa que aos poucos nos injeta as vivências do personagem, temos acesso a algo impressionante que não aparece literalmente na tela, ressoando em nosso corpo como os terríveis fones de ouvido em "The Big Combo". Vale também enquanto desafio de entender a importância do título para a narrativa, já que DEAD RECKONING pode significar um bocado de coisas, em navegação, administração e sabe lá onde mais...
As Regras do Film Noir
4.5 5Fenomenal a habilidade do documentário inglês de reconstruir a estética noiresca, discutindo desde os aspectos políticos, o Cinema ali enquanto reflexo de uma condição de época, a relevância da segunda guerra. Até os caprichos do estilo, as celebridades que dominavam o gênero, a sedução, a fotografia, o cinismo, os cigarros, o mundo em decadência. Praticamente uma aula acadêmica sem pudor de assim ser, dentre os que mais se destacam dos comentaristas, houve quem dissecou detalhes brilhantes como a tornozeleira de Barbara Stanwyck em "Pacto de Sangue", a narração mórbida de "Crepúsculo dos Deuses", os elementos do Pulp Fiction, das narrativas em Hard-Boiled, como "O Falcão Maltês". Tenha caneta e um lugar para anotar todas as indicações, pois é um MUST-SEE a qualquer pessoa interessada em história do Cinema.
Laços de Ternura
3.9 246 Assista AgoraVale mais pela diversidade de atuações do elenco, os picos de beleza e singularidade de Shirley MacLaine como Aurora, a malandragem comum ao Jack Nicholson, uma Debra Winger juvenil e carismática. A narrativa em si trabalha com uma dramaturgia que se esgota fácil e já foi algum dia pertinente, como os Women's Pictures, enquanto o fazer lamuriar. Hoje, é mal recebido pelo público que vê nas desventuras de uma mulher doente, fortemente ligada aos contratos da mãe, como apenas outro "dramalhão". O termo é de extremo mal gosto e denota inexperiência da pessoa que o utiliza quanto aos principais filmes (no mínimo) que fizeram a história do cinema desde o cinema mudo, quando as habilidade técnicas não eram ideais tão possíveis quanto o de faz emocionar pelo close-up, pela teatralidade, por temas sociais, familiares e etc.
Eu Te Amo
3.4 75CADÊ O AMOR? Dentre perguntas e quase nenhuma resposta, num tom falador à la cinema europeu, o filme de Jabor brinca com uma estética futurista sem esconder os apelos da época. Possui momentos de elevado bom gosto, como a captura do rosto tido ali como sueco de Vera Fischer, a participação típica cheia de brasilidade de Regina Casé. O embate de rancores da letrada e puta problemática de Sonia Braga com um empresário fracassado e romântico libidinoso de Paulo Cesar Pereio possui uma força sentimental que falta na produção atual de nosso cinema... E sobre a cena da dança, achei por demais espirituosa, meio descabida meio entusiasmada, tem o appeal de glória a algumas elegâncias do passado. Ah, é um filme que merece ser visto, indubitavelmente.
Sejamos Alegres
3.8 2Com seu humor light, delicioso... É um verdadeiro tesouro no arquivo da Warner. Norma Shearer torna tudo encantado com seu espírito de "let's be gay" todo tempo, mostrando aceitação das coisas com menos alarde. Não que eu vá acreditar nisso, o filme em seu âmbito de fantasia hollywoodiana, como a maioria dos filmes da época, termina confessando a sua ânsia por resoluções simples. Mesmo trajado por toda a opulência, o filme consegue ser pertinente enquanto comédia conjugal, além de tratar a traição, temática que nunca sai das telas com filmes femininos. Marie Dressler parece ser realmente um destaque para a produção, a anciã maluca em desespero pela vontade de terminar casamentos. Para fãs de Shearer é obrigatório.
As Aventuras do Ursinho Puff
3.5 38 Assista Agora"É um urso emblemático das narrativas infantis mais recorrentes pelo mundo, publicado pela primeira vez em 1926. Seu autor britânico Alan Alexander Milne, conhecido pela abreviação A. A. Milne, construiria as histórias a partir da relação do filho Christopher Robin Milne com seus brinquedos, daí a inspiração para o nome Christopher Robin que também atenderia por Paulo Roberto, depois Cristóvão, nas dublagens. Christopher gostava de brincar com o seu teddy bear chamado Winnie-The-Pooh, inspirado por Winnie, a famosa ursa preta de um zoológico londrino que viveu de 1915 a 1934, era mascote de guerra e foi visitada como uma celebridade. O urso Pooh enquanto pet de Christopher e ferramenta singular para as vivências infantis, tida assim por teóricos como Donald Winnicott, costuma a partir de tal importância no exercício da imaginação ser referência de estudos psicanalíticos até mais do que apenas representação de recreação entre crianças. Com a interessante abordagem emocional de A. A. Milne para com seus personagens, a diversidade que acomete cada uma daquelas relações e o senso de quotidiano, jogos e desafios de todo dia, a enriquecida história daquele que viria no Brasil a ser conhecido como Puff, um urso guloso, torna-se prato cheio para a produção de Walt Disney..."
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