Sem sombra de dúvidas, o seriado tem momentos apavorantes (e outros pavorosos). Como exercício de incutir inquietação e angústia no espectador, possui sequências que fazem isso de forma super eficiente e outras tantas de forma bem gratuita. Contudo, infelizmente, parece que a trama vai do nada para lugar nenhum. Não sou conhecedor da franquia e creio eu que só vi o primeiro O Grito e há muuuuito tempo atrás, mas a impressão que me fica é que os realizadores levaram o subtítulo demasiadamente ao pé da letra e só se preocuparam em realizar conexões com os filmes, deixando de dar uma história própria a isso daqui.
Em Birdman temos um protagonista que, tal como numa disputa de cabo de guerra, se encontra ora oscilando em direção a seus delírios de grandeza por conta de seus sucessos do passado interpretando um super herói para o Cinema, ora pendendo para a borda de seu abismo interior, o reduto onde guarda todos os piores pensamentos que tem sobre si, sobre seu talento questionável, sobre sua deteriorada fama e sobre seus graves problemas para lidar com relações interpessoais.
Toda sua auto imagem está calcada nos anos em que foi um astro, seja para o próprio enaltecimento egoico ou para sua auto sabotagem, e da percepção que as pessoas têm dele por conta disso. Aliás, isso é uma questão recorrente no filme que se manifesta de maneiras diversas e na maior parte dos personagens: “quem sou eu?”, “qual meu valor?”. Para um filme que se passa quase que inteiramente dentro de um teatro e que é norteado pelos ensaios e apresentações de uma peça, de certa maneira parece que esses atores de fato só existem sob o olhar do Outro.
Nosso protagonista é constantemente assombrado por uma figura alada que dá nome à obra e aos filmes dentro dela e que de forma ambivalente se tornou quase que a personificação paradoxal tanto da castração quanto de seus desejos. Inicialmente se apresentando como pensamentos invasivos na cabeça do protagonista, pouco a pouco se tornou uma manifestação da sua incessante obsessão pela fama e pelo reconhecimento público -- uma forma dele mesmo admitir para si que é “alguém” --, assim Birdman assume controle sobre Riggan, com sua mente espiralando cada vez mais na loucura.
Posteriormente à sua definitiva ruptura com a realidade, e talvez como num surto psicótico, Riggan assume de vez seus “poderes” de super herói para o público do filme que é sua vida -- quando antes apenas os exercia na sua privacidade, agora sobrevoa os arranha céus de Nova York, a maior megalópole mundial e um dos maiores complexos culturais do planeta.
Seu ego, antes apavorado pela possibilidade de num eventual acidente de avião com George Clooney, este estampar o jornal com a notícia de sua morte, agora paira acima da imagem de Tom Hanks. Riggan Thomson em meio a seu surto se vê imbatível, insuperável.
Infelizmente tendo conseguido somente enxergar seu potencial como artista após romper qualquer remoto contato com a realidade, não se encontra mais em condições de apreender o que a totalidade de suas qualidades foi capaz de atingir ao se livrar das amarras de suas inseguranças, de seus medos e de seus temores. Ao fim do filme, ele está tão além de qualquer um ao seu redor que acabou por atingir um além-plano.
Acho que o Harmony Korine, em todo seu pedantismo e auto indulgência, fez isso daqui pra se divertir com a namorada e uns amigos e usou de toda sua lábia ~~alternativa e contra cultura~~ pra ver até onde seus puxa sacos vão pra defender ou glamurizar qualquer coisa que tenha o nome dele. Fez um ótimo trabalho.
Terceiro filme do Godard que vejo. Dessa vez após ter tido uma transa desmarcada e, ao contrário dos outros dois, não dormi em momento algum do filme. Acho que foi até uma boa maneira de lidar com a frustração, apesar de ter demorado um bocado pra entrar no ritmo do que aparecia em tela. Alguns meses atrás, vi uma cinebiografia sobre o diretor, O Formidável. Assim como o Godard do filme -- não sei como ele é na vida real --, o protagonista masculino é terrivelmente insuportável. Sonha com ideais, os professa profusamente, sai enchendo o saco alheio com suas ideias absolutas, enquanto nada ou pouco faz para colocar suas ocas palavras em prática. Existem muitas ruas para nosso personagem andar, mas ele vive em cafeterias.
Ironica ou simbolicamente, quem sabe, eu havia visto um vídeo que tá rolando nas redes poucos instantes antes de ver o filme. No vídeo, um rapaz é carregado à força no centro do Rio por sujeitos fardados com uniformes da guarda municipal para dentro de uma van particular, de uma empresa de turismo, e de placas encobertas. Logo depois, o cinegrafista se move para uma viatura atrás do veículo e, junto com outras pessoas, cobra dos policiais que persigam a van e acabem com o sequestro. A polícia se faz de sonsa e finge que não é com eles. Pouco após o início do filme, Paul assina um abaixo assinado denunciando a prisão injusta de 8 pessoas no Rio de Janeiro, durante o período da ditadura. É.
Masculino Feminino é carregado da visão política de Godard, mas esta, assim como as atuações e situações que permeiam a narrativa, é improvisada e frustrada -- o que me leva a outro ponto. Percebi que é comum nos filmes dele que as cenas e seus diálogos sejam completamente desprovidos de naturalidade cotidiana, parece mais algo onírico, como fragmentos de sonhos mesmo. Contudo, quando o Paul recebe um presente da Madeleine e começa a assobiar uma música enquanto Elisabeth acaricia o rosto de sua (sim, dos dois) amada, rodeados por uma descendente de vítimas do holocausto negociando seu programa e pela Brigitte Bardot lendo uma peça, nada me parece mais humano e diário do que isso.
O Farol foi um verdadeiro sonífero pra mim em muitos momentos, assim como foi uma parada extremamente incômoda em outros, mas uma coisa é certa: Robert Eggers é completamente fodido da cabeça.
Esse é o tipo de filme que dá pra galera ter as mais diversas interpretações. Vendo uma entrevista do Robert Pattinson ao Film4 deixa isso claro -- nem ele sabia o que pensar direito sobre a história, se o que se passa é real ou fantástico. De qualquer forma, me parece que a ilha é real, os personagens são reais, mas a lenta e progressiva espiralização na mais alucinante loucura floreia a narrativa com elementos fantasiosos, o que enriquece bastante a trama.
A minha impressão se deu sobretudo a três fatores: (1) a cena do Willem Dafoe pelado, com luzes que atravessam seus olhos e penetram nos de Robert Pattinson, (2) a menção e a representação do mito de Prometeu e (3) a irritadiça fala do personagem mais novo dirigida ao mais velho, dizendo "[...] você não é meu pai, então pare de agir como tal".
O conceito de "luz" é amplamente associado ao conhecimento. Prometeu foi responsável por roubar o "fogo" da vida e dar aos homens, o que lhe rendeu a punição de ter um pássaro devorando seu fígado eternamente. Ao final do filme, o personagem de Robert Pattinson finalmente consegue ver o que está dentro da iluminação do farol, surtando no processo e termina tendo seu cadáver tornado em comida de gaivota.
Além disso, os dois protagonistas são personagens que se complementam no sentido de que são homens quebrados por traumas de suas vidas passadas e que estão a todo momento fugindo de seus fantasmas. Quanto mais conversam e involuntariamente se abrem um ao outro, mais entram em contato consigo mesmos e com as memórias que estão evitando. Eles se reprimem e MUITO.
Assim, penso que essas alegorias servem pra ilustrar esse profundo mergulho na insanidade desses dois personagens. Após, a contragosto, terem tido uma tomada de consciência, entrando em contato consigo mesmos, com seus traumas e questões particulares, os dois protagonistas se veem numa situação de serem absolutamente incapazes de lidar com suas identidades, com quem realmente são de verdade: afinal, somos humanos, criaturas frágeis, que sofrem e fazem sofrer.
Perceber isso e se reconhecer nisso é muito doloroso.
Acho que uma das muitas temáticas que Mr Robot aborda (e, nossa, são MUITAS) é a da autosabotagem e me parece que nessa temporada isso se tornou o tema central. Como de costume, me doeu na alma ver o Elliot falar comigo e não ter como responder o pobre coitado de volta. Ele, desesperado por qualquer tipo de amparo, sem poder confiar em si, recorre completamente aterrorizado pra essa figura que ele criou na própria cabeça -- a audiência de seu seriado --, numa última tentativa frustrada de ter com quem se comunicar e, mais importante, de ter como ser reconfortado.
O temor nos olhos do Elliot, passando pra mais pura confusão e então de volta ao medo é de cortar o coração. É bizarro pensar como nosso maior inimigo somos nós próprios. Gosto de como a série retrata isso das maneiras mais literais e também metafóricas possíveis. Elliot enquanto Elliot quer algo, Elliot como a projeção do algoz de sua infância quer outra coisa e é apavorante vê-lo falar de si mesmo como se fosse outra pessoa de modo tão vívido. A cisão psicológica do Elliot é tão crível e palpável que em nenhum momento questionamos se Elliot e Mr Robot são pessoas distintas, mas é quando se pára pra pensar no quão fodido mentalmente é nosso protagonista que bate aquela insidiosa realização de que é um homem desesperado agindo contra si mesmo, e na maioria das vezes sem nem sequer saber disso.
É impressionante como Mr Robot sempre se reinventa, graças à mente brilhante de Sam Esmail e à sua incrível equipe. Esse sujeito encontra meios novos de retratar algo que, se não dada a devida atenção, ficaria rapidamente exaustivo, que é justamente a dinâmica das múltiplas personalidades do Elliot. Desde o primeiro episódio vemos o Rami Malek e o Christian Slater interpretando o mesmo personagem e é reverenciável que mesmo após tanto tempo ainda somos surpreendidos pelo batido fato de que o Elliot é absolutamente maluco. Assim, me parece ter sido certeira a decisão de "separar" ainda mais essas pessoas que vivem no interior mental do protagonista, raramente as colocando em tela juntas, diminuindo sua interação mútua e aumentando o escopo de suas diferentes ações na vida alheia.
Acho que isso contribuiu pra essa impressão de que a autosabotagem, mais do que nunca, é o alvo central do que o Sam Esmail quer falar aqui. A todo instante destruímos nossos sonhos, censuramos nossos desejos, amplificamos nossos medos, duvidamos de nossas capacidades, não confiamos em nossas decisões, nos julgamos por nossos traumas e no geral achamos que somos péssimas pessoas que não merecem qualquer tipo de compreensão ou afeto.
Pra melhor ou pra pior, me vejo muito nessas questões privadas do Elliot consigo mesmo, do Elliot com sua figura paterna e do Elliot com sua total inabilidade de lidar com seus traumas. Os esbugalhados olhos do sujeito são uma janela não pra alma dele, mas pra minha. O episódio em que ele tenta desesperadamente desativar aquela programação dentro do prédio, se batendo, se chocando contra as coisas, apagando sem lembrar do que fez há apenas 5 minutos... o estrago físico como uma manifestação total do estrago mental que o Elliot carrega dentro de si 24/7 me causou uma agonia, me deixou num nível de pânico tão grande. O tragicômico daquela situação encheu meus olhos de lágrimas.
O Elliot precisa urgentemente se deixar ser cuidado, se deixar ser compreendido, deixar as pessoas entrarem em sua vida... se deixar ser amado. Suas paranóias só pioram, não parece haver qualquer tipo de solução pra como o Elliot se enxerga e se tornou incontornável o fato de que ele coloca no pai tudo aquilo que ele rejeita dentro de si. O que o Elliot carrega em seu âmago me angustia.
Existe uma anedota sobre como num dia dentro de um museu de arte contemporânea havia a exibição de um quadro feito por um artista abstrato supostamente genial. Em algum momento, um crítico de arte super pomposo começa a iluminar os passantes sobre a sagacidade intelectual do quadro: uma tela gigante de uma única cor, exceto por um pontinho de coloração diferente em algum espaço avulso. O crítico exclamava sobre como era uma analogia sobre a luta de classes, um protesto contra a opressão social etc. Eventualmente, o pintor da obra chega de mansinho, ouve tudo dito com um sorrisinho sacana e quando o crítico finalmente se cala ao perceber a presença de seu ídolo, o artista simplesmente diz “putz, foi ali que eu deixei respingar a outra tinta”.
Grilhões do Passado, ou Mr Arkadin, é honestamente uma versão frustrada de Cidadão Kane. Temos as mesmas batidas narrativas: um cínico bilionário envolto em mistério, um bucha que vai de um canto a outro ouvindo histórias sobre o gigante rico, um segredo inviolável -- paralelo de Rosebud com a filha de Arkadin -- e construções cênicas sinuosas, provocadoras e impetuosas, assim como seu personagem título.
Visualmente esplendoroso mas narrativamente convoluto (meu deus, TUDO nesse filme precisa ser explicado?), não é de se impressionar que Orson Welles tenha abandonado o filme na sala de edição e o renegado posteriormente. Infelizmente, o filme vai do nada a lugar nenhum, sendo apenas mais uma tentativa do nosso gigante de contar aquilo que fez com maestria anos antes.
A impressão que me fica após ter maratonado os 4 filmes é que, além de os criadores por detrás da franquia não terem tido IDEIA de como conduzir/finalizar suas obras. ainda deve ter acontecido alguma espécie de grave desentendimento nos bastidores. Enquanto o REC 3 é um filme que debocha de si e de tudo que veio anteriormente, o 4º ainda tenta terminar a mitologia criada com algum mínimo resquício de dignidade, amarrando forçosamente algumas pontas soltas e deliberadamente ignorando outras.
O surto de criatividade dos dois primeiros ao apresentar um found footage com elementos sobrenaturais ligados a zumbis, numa incrível forçasão de barra ao introduzir um contágio viral propagado por possessão demoníaca (???), vai completamente por água abaixo quando suas sequências não expandem em seu mito, apesar de seus títulos referenciarem a eventos bíblicos e uma ou outra vez mencionarem a intervenção demoníaca sobre os acontecimentos -- de resto, não há nada de "novo": o terceiro conta uma paródia paralela e o quarto apenas se contenta com batidas narrativas convencionais, eventualmente ignorando por completo o aspecto religioso que justamente suscitava a curiosidade alheia.
Levando em conta o completo fracasso narrativo e de público da produção anterior, parece que a segunda metade por trás da franquia estava consciente desse fato, construindo um suspense num molde mais "clássico". Não há piadinhas gratuitas ou apelo ao melodrama, havendo um foco num tom sóbrio e numa atmosfera mais uma vez claustrofóbica. Mais uma vez, a linguagem de found footage foi lamentavelmente jogada fora, o que revelou de cara que o diretor REALMENTE não sabe conduzir cenas de ação, o que era sabiamente escondido nos dois primeiros filmes através da câmera justificadamente tremida e em cortes camuflados. Antes, o aspecto técnico era louvável por conta das artimanhas encontradas para contar uma inspirada história mesmo com limites orçamentários, causando admiração por conta de seus tantos "planos sequência". Aqui, não há nem inspiração, quanto menos história pra contar -- somente a inércia de uma explosão remota de anos atrás.
Não há motivo para terem trazido a protagonista dos dois primeiros filmes de volta: deliberadamente ignoraram o ÚNICO progresso no desenvolvimento narrativo dela, ao magicamente transferirem o verme infernal para um personagem novo com o qual ninguém possui qualquer tipo de vínculo e de quem não sabemos nada. Poderiam explorar o capeta tocando o terror num navio apertado através de uma aparente inocente sobrevivente de uma horrível chacina, mas escolheram revertê-la ao estado em que se encontrava no primeiro filme, apenas, dessa vez, menos histérica. Isso é preguiçoso e revela a estupidez da escrita do roteiro.
Ao não contar com os cabeças de áreas anteriores -- que aparentemente escolheram ficar com o diretor do fiasco do terceiro REC --, certos segmentos como a direção de arte tiveram certa liberdade para explorar seus elementos, neste caso oferecendo nova maquiagem aos infectados, muito mais agressivos e horrendos do que antes. Pena que é mais uma das várias oportunidades desperdiçadas. Já a direção de fotografia, encabeçada pelo mesmo cara ao longo de toda a franquia, não apresenta qualquer inovação ou inspiração, e reforça o desconhecimento por parte do fotógrafo sobre a existência de grandes angulares: justificável neste filme pela escolha dos cenários, mas não no longa anterior.
Enfim, REC 1 e 2 são pequenas obras primas louváveis por seus lampejos de criatividade e inovação que deveriam ter se resumido a uma duologia, mas que infelizmente foram limadas até a infertilidade, revelando a ingenuidade e o despreparo técnico de seus dois diretores-roteiristas que não tinham conteúdo algum para preencher sua audácia em querer transformar seus filmes de baixo orçamento numa variação barata de Resident Evil.
Levando em conta que o filme é dirigido e escrito por um dos diretores dos dois primeiros filmes e conta com os mesmos cabeças de fotografia, arte. edição e som das produções anteriores, fico aqui me perguntando como a galera que pariu a ideia inicial da franquia achou que seria uma boa descaracterizar de forma tão gratuita aquilo que, à primeira impressão, criaram com tanto empenho?
Ainda tenho de ver o último filme pra ver se este foi apenas um "experimento", no sentido de avaliar como o produto deles ficaria se feito completamente às avessas, explorando outras convenções de gênero etc, ou se é o que parece quando REC 3 chega por volta da marca dos 20 minutos: Paco Plaza ao escrever que o protagonista quebra a câmera do cinegrafista, não imaginou de forma satisfeita como poderia conduzir a trama a partir daquele ponto, bateu AQUELA preguiça e pensou "ah, vou tacar o foda-se" e todos na produção por serem migs toparam fazer uma paródia dos próprios filmes.
Uma coisa é certa: a diversão que eles tiveram fazendo esse trashzão sem pé nem cabeça que destrói a mitologia que eles mesmos criaram não foi passada pro público, não.
Deixo aqui meu incessante questionamento que tive frente a absolutamente tudo que acontecia nesse filme: POR QUÊ?
Curioso pensar que o diretor deste filme também dirigiu o documentário sobre Ted Bundy presente na Netflix. Enquanto esse último é extremamente competente em destrinchar toda a teia de crimes, relacionamentos e atitudes de Bundy, o primeiro insiste em deixar mais complicado ainda uma investigação e posteriormente um julgamento que duraram mais de uma década.
A persistência na suposta dúvida sobre a culpabilidade de Ted Bundy vai completamente por água abaixo se levar em conta a popularidade do caso e O FATO DE QUE O JOE BERLINGER SE UTILIZOU DE SEU DOCUMENTÁRIO PARA ATRAIR BUZZ PARA O FILME (???) Assim, a narrativa perde seu charme, que vai todo para a atuação surpreendente de Zac Efron -- que merece algum reconhecimento por carregar o filme nas costas.
O fraco roteiro não consegue se sustentar nos diálogos que tenta criar, se fazendo valer por recriações de momentos famosos, ao invés de de fato mergulhar na privacidade da vida dos envolvidos, não mostrando nada de novo ou de inventivo. Ademais, há algumas coisinhas bem piegas como o ocasional filtro de gravações setentistas ou aquela cena descartável do Bundy colocando medo no cachorro na base da força do pensamento.
De qualquer forma, é um filme assistível que pouco a pouco se torna tedioso até ganhar sopro de vida perto do final pela corajosa atuação do protagonista, além de contar com rostos conhecidos certamente para atrair audiência. Infelizmente, por conta de uma direção fraca, Lily Collins não consegue colocar pra fora todos os sentimentos de sua personagem e John Malkovich se encontra fazendo um pouco mais do mesmo, que já é algo seguro o suficiente.
Não precisaria se agarrar ao sensacionalismo barato para ser melhor, como o filme tentou aqui, mas talvez um pouco mais de sagacidade ao não contar com a ignorância ou com a boa vontade alheia quanto à responsabilidade dos crimes faria com que os cabeças do projeto se prestassem a mostrar essa lamentável e revoltante história com algo além de somente mais do mesmo.
O Drácula desse filme é tudo de bom: levemente inspirado no Bela Lugosi, charmoso, anda pelas paredes, escandaloso e ainda é interpretado de maneira bem “camp”. Genial, chega a ter um toque teatral. Já a Criatura de Frankenstein me cativa toda vez que implora para viver, implora para EXISTIR. A tragédia manifesta.
Fui rever após muitos anos — era um dos meus favoritos quando criança — e me surpreendi que sobreviveu bem ao teste do tempo. De certa maneira, como Garota Infernal, lida com seus personagens e temas de maneira bem tosca e exagerada, dando um charme a mais a uma história que, se feita de maneira mais morna, menos enérgica, ficaria facilmente inassistível pela falta de substância.
Por falar nisso, as criativas e hiperbólicas cenas de ação, com repetitivas cambalhotas e usos de cabos no maior estilo Tarzan, com direito a escaladas nas paredes, é o que preenche esse filme de inventividade. Poucas coisas entretêm tanto quanto Hugh Jackman bancando o Van Helsing super herói.
Absolutamente sem defeitos. Big Little Lies é um retrato cru e hiper realista de uma espiada no idílico retrato da vida perfeita. Casas de veraneio, mulheres bem casadas em seus 40 anos, casais ridiculamente ricos e bonitos, com a adição de crianças sorridentes permeando o clima de Monterey, que chega a exalar cheiro de maresia pela tv. Mas quando David E. Kelley e Jean Marc Vallée se juntam pra colocar uma lente de aumento nessa rotina, a grave condição humana se revela, escancarada, sem pudores, nos seus mais pungentes e aterradores impulsos. É repulsivo, mas humanamente sedutor.
Eu me senti absolutamente fascinado pela construção da narrativa desse seriado, como roteirista e diretor não têm papas na língua pra revelar as intricadas personalidades de nossas protagonistas. Elas são incríveis, corajosas, obstinadas, frágeis, sensíveis, inseguras — são humanas. Por detrás de toda a banca que colocam, escondem-se pessoas profundamente afetadas por traumas da vida. Madeline, Celeste e Jane poderiam facilmente cruzar meu caminho na rua, e eu nem me daria conta.
Madeline, muito mais do que as outras, busca ativamente a vida perfeita. Se casou com mais um cara rico, se orgulha do tempo que dedica à família, possui um trabalho não tão importante mas muito significativo à parte, é danada das ideias, engraçada e possui a boca maior que a própria cabeça. Dentro desse mulherão, há um ser terrivelmente egoísta e ingrato, que gostaria de dar mais voz aos seus desejos irrefreáveis do que sustentar essa falsa imagem que passa aos outros. Por conta disso, nem percebe o mal que inconscientemente causa àqueles que lhes são mais queridos, através da traição ao marido e da negligência quanto à filha. Tragicômico, coitada.
Celeste hits really close to home. Me compadeço e me identifico com essa giganta esguia que, ao mesmo tempo que exala uma nobreza intimidadora, é frágil e quebradiça como porcelana, se entregando de corpo e alma ao seu mefistófeles. Seria muito fácil fazer com que ela caísse num estereótipo da coitada abusada, coisa que felizmente não acontece aqui. Celeste é violentada das mais variadas formas, sofre abuso emocional e físico, é cobrada e controlada, mas ela não se aliena ao que lhe é feito e ao que faz. Sim, ela é uma vítima e ela possui profunda ciência disso. Ela se culpa, acredita piamente que merece o abuso que lhe é causado, mas, à sua maneira sutil e às vezes até mesmo atrapalhada, ela revida as agressões, derrama veneno na própria língua e o destila ao falar com o marido. Ela sabe que vive uma situação errada, mas o sentimento de gratidão ao homem que lhe ajudou no pior momento de sua vida fala mais alto, na maioria das vezes. Ela é forte, determinada e inteligente. Os momentos de confissão com a terapeuta são um assalto aos sentidos, uma verdadeira ostentação do poder de atuação da Nicole Kidman. O que senti para com essa personagem é extremamente pessoal.
Apesar da identificação com a Celeste e do quanto ela me cativou, a personagem que mais me intrigou e capturou meu interesse foi a Jane. Ela é simplória, gente como a gente, uma plebéia perdida no salão da realeza. Ela não se revela ao mundo, muito pelo contrário: sempre se encontra soterrada sob as volumosas roupas escuras com as quais se veste quando se encontra com outras pessoas. Ela é quieta, mas não sossegada. Ela é invisível, mas não inexistente. Ela vive nas sombras e só consegue ser ela mesma quando sozinha. As suas corridas, muito reveladoras por sinal, são os momentos que mais me pregaram à tela. Ela corre, corre e CORRE, fugindo de seus demônios, fugindo de seu passado, fugindo de seu estupro... diria até que foge de si mesma, justamente para encontrar a si própria, só que num futuro distante, numa outra realidade, uma Jane que não viveu aqueles traumas ou que, ao menos, tenha a audácia de destruí-los. A Jane é uma crua manifestação de Eros e Tânatos, dos impulsos de vida e morte, e ela constantemente busca a destruição de quem a violou, mesmo que pra isso ela precise se obliterar no caminho. Assustadoramente fascinante.
Para contar suas histórias e desnudar suas emoções, Jean Marc Vallée mais uma vez recorre ao uso de músicas e de metaforas visuais. Felizmente ele é inteligente o suficiente para não escolher canções que “cantam” as situações das personagens, mas, sim, composições que ECOAM seus sentimentos, que EXPANDEM o contexto de seus dramas. Com isso, sua maior aliada nessa tentativa de mostrar sem falar é a montagem, que alterna entre futuro, presente e passado de uma maneira tão suave e imperceptível, como fragmentos de lembranças que acometem as personagens em momentos de emoções mais fortes. Além disso, há o uso de tomadas de apoio que constroem metáforas, tal qual nos momentos finais do último episódio, em que diversas “Davis” destroem Golias com entrecortes de violentas ondas atacando grandes rochas, tudo isso acontecendo ao som de uma paradoxal tranquilizante música. Elas encontraram paz no caos da violência, como verdadeiras forças da natureza. É de uma sutileza simplesmente genial.
Big Little Lies me acometeu instantaneamente, como um tiro no peito. Fui fisgado por completo. É costume meu tentar solucionar quebra cabeças antes do mistério ser revelado, muitas das vezes com acertos. Eu fiquei profundamente satisfeito em ter errado em todas minhas suposições, tendo tudo sido uma grande surpresa a cada novo andar da história. Senti as mais diversas emoções: revolta, tristeza, euforia, ódio, medo e alegria; são algumas das emoções básicas do ser humano. Com uma série tão visceral, é compreensível eu ter sentido tanto ao ver ela. Honestamente? É uma daquelas experiências estéticas que me faz me sentir grato por ter tido.
De fato, expectativas são uma merda. Levando em conta o primor de Corra, esperava um pouco mais do novo de Jordan Peele. Em comparação, o filme já não é lá isso tudo e o terceiro ato, absolutamente terrível, quase destrói a obra: ao invés de somente abraçar a ideia fantasiosa das cópias, Peele envereda por um turbulento caminho repleto de furos ao tentar EXPLICAR a origem e o propósito dos macacões vermelhos. PÉSSIMA decisão.
Soma-se a isso momentos avulsos em que os personagems subitamente emburrecem e realizam atitudes completamente estúpidas, o desperdício de Elisabeth Moss e um final completamente auto indulgente, em que eu consegui visualizar o Jordan Peele piscando e dando um sorrisinho besta, se achando tão sagaz com um twist infelizmente telegrafado.
Apesar dessas burradas, sua nova obra é permeada de duras e inteligentes críticas à atual sociedade ocidental, com seu pavor do Outro, aludindo sobre as díspares dicotomias de classes e sobre a questão dos refugiados. Além disso abusa sabiamente da versatilidade ímpar da Lupita Nyong’o e do carisma do Winston Duke, ao mesmo tempo que constrói uma perversa e perturbadora atmosfera, até mesmo invocando Michael Haneke no processo.
Aguardo ansiosamente pelas próximas cartas que Peele possa ter nas mangas.
Meu deus, alguém ensina a esse diretor de fotografia que existe algo além de primeiro plano, além outras distâncias focais de lente aaaaaaa absolutamente EM NADA ajuda, em termos de narrativa, a linguagem fotográfica se manter a mesma, tão fechadinha e com fundo desfocado o tempo inteiro. Além disso, o Pete é indescritivelmente insuportável, ô personagem enjoado e sem personalidade, mero cachorrinho de bolsa da Tiff. Engraçado pensar como o Pete nos é introduzido como o protagonista, e se mantém assim por boa parte da série, sendo que ele não tem backstory próprio e todas as ações dele acontecem em função de outra personagem. A Tiff é o estereótipo da mulher escrota e babaca que mantém uma armadura a sua volta por traumas do passado, mas que secretamente é uma flor indefesa em busca de alguém que a entenda. Levando em conta a temática central da série, não achei que fossem enveredar por tantos clichês de comédia romântica e que pecariam tanto em ambientação e construção de personagem. Não parece que eles vivem num mundo orgânico, vivo — do jeito como as situações são introduzidas, parece que o contexto das cenas fica “pausado” esperando nossa dupla aparecer, como um videogame de mundo aberto vagabundo. Fora que há umas situações forçadas, sem pé nem cabeça, como o episódio final. Esses roteiros precisam passar por uma revisão que não inclua o tendencioso olhar do criador do seriado. Bonding tem algo de especial, mas tá rapidamente se tornando uma merda em apenas uma temporada de sete episódios curtíssimos.
Sam Was Here é um interessante experimento sobre a mente fragmentada de um assassino. A trilha musical ambient, repleta de sintetizadores e reminiscente de Neon Demon, é uma excelente escolha para ditar o ritmo da narrativa, dando um clima fantasioso, tenebroso, algo fora da realidade. A pulsante luz vermelha, onisciente de cada passo do nosso protagonista, que vaga pelo céu e, posteriormente, ilumina o exterior do corpo sujo e sangrento de nosso antagonista, o Eddy, ganha uma instigante sugestão de interpretação quando a velha diz que Eddy está “dentro”. Aliás, o ator que faz o Sam carrega um enorme peso dramático em seus olhos e em sua postura, ao mesmo tempo que interpreta um sujeito aparentemente simplório e cotidiano. Interpretação genuína. Por mais simples que seja, o filme carrega uma atmosfera fantástica que conta a história de um assassino pouco a pouco aceitando seus nefastos demônios interiores. Relevante filme experimental, repleto de signos emblemáticos, nunca entregando de mão beijada o que almeja. Certamente digno de mais atenção.
MEU GASPAR NOÉ ESTÁ VIVÍSSIMO POURRAAAAAAAAAAAAAAAAAAA AA
A mais nova obra prima de Gaspar Noé é um tanto surpreendente, tanto por cima sua temática, trama, escolha de atores, quanto por sua produção e recepção. Quando você acha que já sacou qual é a do Noé, o diretor-autor protótipo do provocador Novo Extremismo Francês chega com um longa metragem sobre uma trupe de dançarinos enclausurada numa construção abandonada no meio da neve que lentamente perde a sanidade e a moralidade. Em Clímax, temos um filme experimental de terror de dança que usa e abusa de synth music. Suspiria nunca ousou ser tão bom assim.
Ao contrário de seus filmes anteriores, especialmente Sozinho Contra Todos e Enter the Void, longas que demoraram literalmente ANOS nas fases de pré, produção e pós -- o primeiro foi gravado ao longo de 5 anos e o segundo, quase 20 anos foram levados só pra sair do papel --, Clímax teve sua concepção num mês, gravado noutro, num período de 15 dias dentro dum enorme galpão, e finalizado em mais um. Além disso, esse é seu filme melhor recebido tanto por crítica quanto por público, apesar de carregar muita bagagem similar do que veio antes. Parece que quanto menos Noé pensa sobre o que faz, melhor o faz. Gênio.
Numa espiral de insanidade que dita tanto ritmo quanto narrativa, nosso elenco é levado aos seus impulsos mais primitivos, profundamente guardados em seu inconsciente, por conta de uma sangria batizada com LSD. Num minuto, essa incrível trupe de dançarinos, permeada por verdadeiros artistas do estilo "krumping", e coloridos por seus vários gêneros, etnias e sexualidades, num ato lindo e comovente de trabalho coletivo, caem num poço de auto destruição, que inclui sexo, incesto, assassinato, suicídio e aborto... em frente à bandeira francesa, onde antes havia uma sublime coreografia grupal, há agora o mais sangrento clamor individual.
Num filme emblemático sobre construção vs destruição, Noé, incidentalmente, comenta sobre o atual estado da União Europeia -- antes, um grupo cultural e econômico referência para o mundo ocidental --, agora, um no qual seus países se encontram confusos, em conflito interno e com um levante racista e preconceituoso tomando forma como assustadoramente aconteceu no início do século passado, frente à entrada recente de estrangeiros refugiados de países em guerra, sobretudo vindouros do Oriente Médio.
Em seu filme, sua trupe de negros, brancos, pardos, loiros, dreadlocks, gays, bis, héteros..., em meio à loucura psicodélica, pouco a pouco, se encontram num livro da Agatha Christie, no melhor estilo "whodunit", possessos em busca do culpado por ter "batizado" a bebida. Em quem encontram seu principal suspeito? No muçulmano. Sem titubear, o expulsam para o exterior da construção, para o limbo cheio da mais branca neve que o engolirá em seguida. De novo, emblemático.
Em seguida, rapidamente, Clímax vai assumindo uma nova roupagem, cada vez mais paranóica e insidiosa. Qualquer um familiar com filmes de George Romero, ou de mortos vivos em geral, notará a semelhança patente que o novo de Noé possui com esses. O enclausuramento num ambiente fechado, música (por mais diegética que seja) que impulsiona o senso de perigo, personagens paranoicos pouco a pouco "tomados" por impulsos animalescos, enquanto outros fogem avidamente deles... a patente febre da cabana.
Ao contrário de seu Enter the Void, não há recursos visuais caleidoscópicos para nos colocar no ponto de vista do drogado, dessa vez, nos põe em terceira visão, como um voyeur, para examinar as atitudes de nossos personagens, e nos chocando enquanto isso. Aqui, a violência corporal e o exame do corpo volta com tudo. Além de gráficas cenas de mutilação e espancamento, Noé meticulosamente mostra a FORMA, ou as FORMAS, do corpo humano, por meio dos dançarinos que se contorcem de maneiras inacreditáveis. Nem mesmo em seu filme anterior, Love, com toda a nudez pornográfica, houve tanto uma análise corporal como em Clímax.
Com longuíssimos takes e planos sequência de até 42 minutos, com sua característica câmera flutuante acoplada à grua, que vaga, voa e dá cambalhotas pela cena, Noé constrói uma oscilante parábola sobre os desafios da multiculturalidade, sobre o fracasso das coletividades. Em mais um exame sobre a condição humana e sua vida em sociedade, Noé trata o corpo como um guia de estudo do Outro. O desconhecido, o estrangeiro, o forasteiro, o "outsider", é explorado, e violentado, à exaustão no seu mais novo e soberbo body horror.
Com suas pirotecnias visuais, sua câmera, AH, A CÂMERA ONÍRICA DE NOÉ, terminamos Clímax encarando nossas presas e predadores literalmente de ponta cabeça, com a orientação invertida, num ardente e pulsante vermelho, com gritos e grunhidos de dor enchendo a sala. Posteriormente, encaramos as vítimas e agressores num zenital, mais uma vez no que chamo de sua "visão da Criação". Enquanto uns se encontram mortos, outros estão no mais profundo êxtase. Não há maneira mais exata de representar o mundo em que vivemos.
O Grito: Origens (1ª Temporada)
2.7 111Sem sombra de dúvidas, o seriado tem momentos apavorantes (e outros pavorosos). Como exercício de incutir inquietação e angústia no espectador, possui sequências que fazem isso de forma super eficiente e outras tantas de forma bem gratuita. Contudo, infelizmente, parece que a trama vai do nada para lugar nenhum. Não sou conhecedor da franquia e creio eu que só vi o primeiro O Grito e há muuuuito tempo atrás, mas a impressão que me fica é que os realizadores levaram o subtítulo demasiadamente ao pé da letra e só se preocuparam em realizar conexões com os filmes, deixando de dar uma história própria a isso daqui.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraEm Birdman temos um protagonista que, tal como numa disputa de cabo de guerra, se encontra ora oscilando em direção a seus delírios de grandeza por conta de seus sucessos do passado interpretando um super herói para o Cinema, ora pendendo para a borda de seu abismo interior, o reduto onde guarda todos os piores pensamentos que tem sobre si, sobre seu talento questionável, sobre sua deteriorada fama e sobre seus graves problemas para lidar com relações interpessoais.
Toda sua auto imagem está calcada nos anos em que foi um astro, seja para o próprio enaltecimento egoico ou para sua auto sabotagem, e da percepção que as pessoas têm dele por conta disso. Aliás, isso é uma questão recorrente no filme que se manifesta de maneiras diversas e na maior parte dos personagens: “quem sou eu?”, “qual meu valor?”. Para um filme que se passa quase que inteiramente dentro de um teatro e que é norteado pelos ensaios e apresentações de uma peça, de certa maneira parece que esses atores de fato só existem sob o olhar do Outro.
Nosso protagonista é constantemente assombrado por uma figura alada que dá nome à obra e aos filmes dentro dela e que de forma ambivalente se tornou quase que a personificação paradoxal tanto da castração quanto de seus desejos. Inicialmente se apresentando como pensamentos invasivos na cabeça do protagonista, pouco a pouco se tornou uma manifestação da sua incessante obsessão pela fama e pelo reconhecimento público -- uma forma dele mesmo admitir para si que é “alguém” --, assim Birdman assume controle sobre Riggan, com sua mente espiralando cada vez mais na loucura.
Posteriormente à sua definitiva ruptura com a realidade, e talvez como num surto psicótico, Riggan assume de vez seus “poderes” de super herói para o público do filme que é sua vida -- quando antes apenas os exercia na sua privacidade, agora sobrevoa os arranha céus de Nova York, a maior megalópole mundial e um dos maiores complexos culturais do planeta.
Seu ego, antes apavorado pela possibilidade de num eventual acidente de avião com George Clooney, este estampar o jornal com a notícia de sua morte, agora paira acima da imagem de Tom Hanks. Riggan Thomson em meio a seu surto se vê imbatível, insuperável.
Infelizmente tendo conseguido somente enxergar seu potencial como artista após romper qualquer remoto contato com a realidade, não se encontra mais em condições de apreender o que a totalidade de suas qualidades foi capaz de atingir ao se livrar das amarras de suas inseguranças, de seus medos e de seus temores. Ao fim do filme, ele está tão além de qualquer um ao seu redor que acabou por atingir um além-plano.
Sérgio
3.2 223poxa, eu só queria ficar no meio do wagner moura e da ana de armas :/
Trash Humpers
3.0 105 Assista AgoraAcho que o Harmony Korine, em todo seu pedantismo e auto indulgência, fez isso daqui pra se divertir com a namorada e uns amigos e usou de toda sua lábia ~~alternativa e contra cultura~~ pra ver até onde seus puxa sacos vão pra defender ou glamurizar qualquer coisa que tenha o nome dele. Fez um ótimo trabalho.
Masculino-Feminino
3.9 159 Assista AgoraTerceiro filme do Godard que vejo. Dessa vez após ter tido uma transa desmarcada e, ao contrário dos outros dois, não dormi em momento algum do filme. Acho que foi até uma boa maneira de lidar com a frustração, apesar de ter demorado um bocado pra entrar no ritmo do que aparecia em tela. Alguns meses atrás, vi uma cinebiografia sobre o diretor, O Formidável. Assim como o Godard do filme -- não sei como ele é na vida real --, o protagonista masculino é terrivelmente insuportável. Sonha com ideais, os professa profusamente, sai enchendo o saco alheio com suas ideias absolutas, enquanto nada ou pouco faz para colocar suas ocas palavras em prática. Existem muitas ruas para nosso personagem andar, mas ele vive em cafeterias.
Ironica ou simbolicamente, quem sabe, eu havia visto um vídeo que tá rolando nas redes poucos instantes antes de ver o filme. No vídeo, um rapaz é carregado à força no centro do Rio por sujeitos fardados com uniformes da guarda municipal para dentro de uma van particular, de uma empresa de turismo, e de placas encobertas. Logo depois, o cinegrafista se move para uma viatura atrás do veículo e, junto com outras pessoas, cobra dos policiais que persigam a van e acabem com o sequestro. A polícia se faz de sonsa e finge que não é com eles. Pouco após o início do filme, Paul assina um abaixo assinado denunciando a prisão injusta de 8 pessoas no Rio de Janeiro, durante o período da ditadura. É.
Masculino Feminino é carregado da visão política de Godard, mas esta, assim como as atuações e situações que permeiam a narrativa, é improvisada e frustrada -- o que me leva a outro ponto. Percebi que é comum nos filmes dele que as cenas e seus diálogos sejam completamente desprovidos de naturalidade cotidiana, parece mais algo onírico, como fragmentos de sonhos mesmo. Contudo, quando o Paul recebe um presente da Madeleine e começa a assobiar uma música enquanto Elisabeth acaricia o rosto de sua (sim, dos dois) amada, rodeados por uma descendente de vítimas do holocausto negociando seu programa e pela Brigitte Bardot lendo uma peça, nada me parece mais humano e diário do que isso.
Vidas sem Destino
3.7 659Dá pra resumir esse filme em uma palavra: perversão.
O Farol
3.8 1,6KO Farol foi um verdadeiro sonífero pra mim em muitos momentos, assim como foi uma parada extremamente incômoda em outros, mas uma coisa é certa: Robert Eggers é completamente fodido da cabeça.
Esse é o tipo de filme que dá pra galera ter as mais diversas interpretações. Vendo uma entrevista do Robert Pattinson ao Film4 deixa isso claro -- nem ele sabia o que pensar direito sobre a história, se o que se passa é real ou fantástico. De qualquer forma, me parece que a ilha é real, os personagens são reais, mas a lenta e progressiva espiralização na mais alucinante loucura floreia a narrativa com elementos fantasiosos, o que enriquece bastante a trama.
A minha impressão se deu sobretudo a três fatores: (1) a cena do Willem Dafoe pelado, com luzes que atravessam seus olhos e penetram nos de Robert Pattinson, (2) a menção e a representação do mito de Prometeu e (3) a irritadiça fala do personagem mais novo dirigida ao mais velho, dizendo "[...] você não é meu pai, então pare de agir como tal".
O conceito de "luz" é amplamente associado ao conhecimento. Prometeu foi responsável por roubar o "fogo" da vida e dar aos homens, o que lhe rendeu a punição de ter um pássaro devorando seu fígado eternamente. Ao final do filme, o personagem de Robert Pattinson finalmente consegue ver o que está dentro da iluminação do farol, surtando no processo e termina tendo seu cadáver tornado em comida de gaivota.
Além disso, os dois protagonistas são personagens que se complementam no sentido de que são homens quebrados por traumas de suas vidas passadas e que estão a todo momento fugindo de seus fantasmas. Quanto mais conversam e involuntariamente se abrem um ao outro, mais entram em contato consigo mesmos e com as memórias que estão evitando. Eles se reprimem e MUITO.
Assim, penso que essas alegorias servem pra ilustrar esse profundo mergulho na insanidade desses dois personagens. Após, a contragosto, terem tido uma tomada de consciência, entrando em contato consigo mesmos, com seus traumas e questões particulares, os dois protagonistas se veem numa situação de serem absolutamente incapazes de lidar com suas identidades, com quem realmente são de verdade: afinal, somos humanos, criaturas frágeis, que sofrem e fazem sofrer.
Perceber isso e se reconhecer nisso é muito doloroso.
Mr. Robot (3ª Temporada)
4.5 254Acho que uma das muitas temáticas que Mr Robot aborda (e, nossa, são MUITAS) é a da autosabotagem e me parece que nessa temporada isso se tornou o tema central. Como de costume, me doeu na alma ver o Elliot falar comigo e não ter como responder o pobre coitado de volta. Ele, desesperado por qualquer tipo de amparo, sem poder confiar em si, recorre completamente aterrorizado pra essa figura que ele criou na própria cabeça -- a audiência de seu seriado --, numa última tentativa frustrada de ter com quem se comunicar e, mais importante, de ter como ser reconfortado.
O temor nos olhos do Elliot, passando pra mais pura confusão e então de volta ao medo é de cortar o coração. É bizarro pensar como nosso maior inimigo somos nós próprios. Gosto de como a série retrata isso das maneiras mais literais e também metafóricas possíveis. Elliot enquanto Elliot quer algo, Elliot como a projeção do algoz de sua infância quer outra coisa e é apavorante vê-lo falar de si mesmo como se fosse outra pessoa de modo tão vívido. A cisão psicológica do Elliot é tão crível e palpável que em nenhum momento questionamos se Elliot e Mr Robot são pessoas distintas, mas é quando se pára pra pensar no quão fodido mentalmente é nosso protagonista que bate aquela insidiosa realização de que é um homem desesperado agindo contra si mesmo, e na maioria das vezes sem nem sequer saber disso.
É impressionante como Mr Robot sempre se reinventa, graças à mente brilhante de Sam Esmail e à sua incrível equipe. Esse sujeito encontra meios novos de retratar algo que, se não dada a devida atenção, ficaria rapidamente exaustivo, que é justamente a dinâmica das múltiplas personalidades do Elliot. Desde o primeiro episódio vemos o Rami Malek e o Christian Slater interpretando o mesmo personagem e é reverenciável que mesmo após tanto tempo ainda somos surpreendidos pelo batido fato de que o Elliot é absolutamente maluco. Assim, me parece ter sido certeira a decisão de "separar" ainda mais essas pessoas que vivem no interior mental do protagonista, raramente as colocando em tela juntas, diminuindo sua interação mútua e aumentando o escopo de suas diferentes ações na vida alheia.
Acho que isso contribuiu pra essa impressão de que a autosabotagem, mais do que nunca, é o alvo central do que o Sam Esmail quer falar aqui. A todo instante destruímos nossos sonhos, censuramos nossos desejos, amplificamos nossos medos, duvidamos de nossas capacidades, não confiamos em nossas decisões, nos julgamos por nossos traumas e no geral achamos que somos péssimas pessoas que não merecem qualquer tipo de compreensão ou afeto.
Pra melhor ou pra pior, me vejo muito nessas questões privadas do Elliot consigo mesmo, do Elliot com sua figura paterna e do Elliot com sua total inabilidade de lidar com seus traumas. Os esbugalhados olhos do sujeito são uma janela não pra alma dele, mas pra minha. O episódio em que ele tenta desesperadamente desativar aquela programação dentro do prédio, se batendo, se chocando contra as coisas, apagando sem lembrar do que fez há apenas 5 minutos... o estrago físico como uma manifestação total do estrago mental que o Elliot carrega dentro de si 24/7 me causou uma agonia, me deixou num nível de pânico tão grande. O tragicômico daquela situação encheu meus olhos de lágrimas.
O Elliot precisa urgentemente se deixar ser cuidado, se deixar ser compreendido, deixar as pessoas entrarem em sua vida... se deixar ser amado. Suas paranóias só pioram, não parece haver qualquer tipo de solução pra como o Elliot se enxerga e se tornou incontornável o fato de que ele coloca no pai tudo aquilo que ele rejeita dentro de si. O que o Elliot carrega em seu âmago me angustia.
What Did Jack Do?
3.2 139Existe uma anedota sobre como num dia dentro de um museu de arte contemporânea havia a exibição de um quadro feito por um artista abstrato supostamente genial. Em algum momento, um crítico de arte super pomposo começa a iluminar os passantes sobre a sagacidade intelectual do quadro: uma tela gigante de uma única cor, exceto por um pontinho de coloração diferente em algum espaço avulso. O crítico exclamava sobre como era uma analogia sobre a luta de classes, um protesto contra a opressão social etc. Eventualmente, o pintor da obra chega de mansinho, ouve tudo dito com um sorrisinho sacana e quando o crítico finalmente se cala ao perceber a presença de seu ídolo, o artista simplesmente diz “putz, foi ali que eu deixei respingar a outra tinta”.
Grilhões do Passado
3.7 8 Assista AgoraGrilhões do Passado, ou Mr Arkadin, é honestamente uma versão frustrada de Cidadão Kane. Temos as mesmas batidas narrativas: um cínico bilionário envolto em mistério, um bucha que vai de um canto a outro ouvindo histórias sobre o gigante rico, um segredo inviolável -- paralelo de Rosebud com a filha de Arkadin -- e construções cênicas sinuosas, provocadoras e impetuosas, assim como seu personagem título.
Visualmente esplendoroso mas narrativamente convoluto (meu deus, TUDO nesse filme precisa ser explicado?), não é de se impressionar que Orson Welles tenha abandonado o filme na sala de edição e o renegado posteriormente. Infelizmente, o filme vai do nada a lugar nenhum, sendo apenas mais uma tentativa do nosso gigante de contar aquilo que fez com maestria anos antes.
[REC]⁴ Apocalipse
2.5 594 Assista AgoraA impressão que me fica após ter maratonado os 4 filmes é que, além de os criadores por detrás da franquia não terem tido IDEIA de como conduzir/finalizar suas obras. ainda deve ter acontecido alguma espécie de grave desentendimento nos bastidores. Enquanto o REC 3 é um filme que debocha de si e de tudo que veio anteriormente, o 4º ainda tenta terminar a mitologia criada com algum mínimo resquício de dignidade, amarrando forçosamente algumas pontas soltas e deliberadamente ignorando outras.
O surto de criatividade dos dois primeiros ao apresentar um found footage com elementos sobrenaturais ligados a zumbis, numa incrível forçasão de barra ao introduzir um contágio viral propagado por possessão demoníaca (???), vai completamente por água abaixo quando suas sequências não expandem em seu mito, apesar de seus títulos referenciarem a eventos bíblicos e uma ou outra vez mencionarem a intervenção demoníaca sobre os acontecimentos -- de resto, não há nada de "novo": o terceiro conta uma paródia paralela e o quarto apenas se contenta com batidas narrativas convencionais, eventualmente ignorando por completo o aspecto religioso que justamente suscitava a curiosidade alheia.
Levando em conta o completo fracasso narrativo e de público da produção anterior, parece que a segunda metade por trás da franquia estava consciente desse fato, construindo um suspense num molde mais "clássico". Não há piadinhas gratuitas ou apelo ao melodrama, havendo um foco num tom sóbrio e numa atmosfera mais uma vez claustrofóbica. Mais uma vez, a linguagem de found footage foi lamentavelmente jogada fora, o que revelou de cara que o diretor REALMENTE não sabe conduzir cenas de ação, o que era sabiamente escondido nos dois primeiros filmes através da câmera justificadamente tremida e em cortes camuflados. Antes, o aspecto técnico era louvável por conta das artimanhas encontradas para contar uma inspirada história mesmo com limites orçamentários, causando admiração por conta de seus tantos "planos sequência". Aqui, não há nem inspiração, quanto menos história pra contar -- somente a inércia de uma explosão remota de anos atrás.
Não há motivo para terem trazido a protagonista dos dois primeiros filmes de volta: deliberadamente ignoraram o ÚNICO progresso no desenvolvimento narrativo dela, ao magicamente transferirem o verme infernal para um personagem novo com o qual ninguém possui qualquer tipo de vínculo e de quem não sabemos nada. Poderiam explorar o capeta tocando o terror num navio apertado através de uma aparente inocente sobrevivente de uma horrível chacina, mas escolheram revertê-la ao estado em que se encontrava no primeiro filme, apenas, dessa vez, menos histérica. Isso é preguiçoso e revela a estupidez da escrita do roteiro.
Ao não contar com os cabeças de áreas anteriores -- que aparentemente escolheram ficar com o diretor do fiasco do terceiro REC --, certos segmentos como a direção de arte tiveram certa liberdade para explorar seus elementos, neste caso oferecendo nova maquiagem aos infectados, muito mais agressivos e horrendos do que antes. Pena que é mais uma das várias oportunidades desperdiçadas. Já a direção de fotografia, encabeçada pelo mesmo cara ao longo de toda a franquia, não apresenta qualquer inovação ou inspiração, e reforça o desconhecimento por parte do fotógrafo sobre a existência de grandes angulares: justificável neste filme pela escolha dos cenários, mas não no longa anterior.
Enfim, REC 1 e 2 são pequenas obras primas louváveis por seus lampejos de criatividade e inovação que deveriam ter se resumido a uma duologia, mas que infelizmente foram limadas até a infertilidade, revelando a ingenuidade e o despreparo técnico de seus dois diretores-roteiristas que não tinham conteúdo algum para preencher sua audácia em querer transformar seus filmes de baixo orçamento numa variação barata de Resident Evil.
[REC]³ Gênesis
2.2 1,5K Assista AgoraEu não consigo nem compreender o que aconteceu.
Levando em conta que o filme é dirigido e escrito por um dos diretores dos dois primeiros filmes e conta com os mesmos cabeças de fotografia, arte. edição e som das produções anteriores, fico aqui me perguntando como a galera que pariu a ideia inicial da franquia achou que seria uma boa descaracterizar de forma tão gratuita aquilo que, à primeira impressão, criaram com tanto empenho?
Ainda tenho de ver o último filme pra ver se este foi apenas um "experimento", no sentido de avaliar como o produto deles ficaria se feito completamente às avessas, explorando outras convenções de gênero etc, ou se é o que parece quando REC 3 chega por volta da marca dos 20 minutos: Paco Plaza ao escrever que o protagonista quebra a câmera do cinegrafista, não imaginou de forma satisfeita como poderia conduzir a trama a partir daquele ponto, bateu AQUELA preguiça e pensou "ah, vou tacar o foda-se" e todos na produção por serem migs toparam fazer uma paródia dos próprios filmes.
Uma coisa é certa: a diversão que eles tiveram fazendo esse trashzão sem pé nem cabeça que destrói a mitologia que eles mesmos criaram não foi passada pro público, não.
Deixo aqui meu incessante questionamento que tive frente a absolutamente tudo que acontecia nesse filme: POR QUÊ?
Euphoria (1ª Temporada)
4.3 894Obra prima inquestionável caralho
Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal
3.3 584Curioso pensar que o diretor deste filme também dirigiu o documentário sobre Ted Bundy presente na Netflix. Enquanto esse último é extremamente competente em destrinchar toda a teia de crimes, relacionamentos e atitudes de Bundy, o primeiro insiste em deixar mais complicado ainda uma investigação e posteriormente um julgamento que duraram mais de uma década.
A persistência na suposta dúvida sobre a culpabilidade de Ted Bundy vai completamente por água abaixo se levar em conta a popularidade do caso e O FATO DE QUE O JOE BERLINGER SE UTILIZOU DE SEU DOCUMENTÁRIO PARA ATRAIR BUZZ PARA O FILME (???) Assim, a narrativa perde seu charme, que vai todo para a atuação surpreendente de Zac Efron -- que merece algum reconhecimento por carregar o filme nas costas.
O fraco roteiro não consegue se sustentar nos diálogos que tenta criar, se fazendo valer por recriações de momentos famosos, ao invés de de fato mergulhar na privacidade da vida dos envolvidos, não mostrando nada de novo ou de inventivo. Ademais, há algumas coisinhas bem piegas como o ocasional filtro de gravações setentistas ou aquela cena descartável do Bundy colocando medo no cachorro na base da força do pensamento.
De qualquer forma, é um filme assistível que pouco a pouco se torna tedioso até ganhar sopro de vida perto do final pela corajosa atuação do protagonista, além de contar com rostos conhecidos certamente para atrair audiência. Infelizmente, por conta de uma direção fraca, Lily Collins não consegue colocar pra fora todos os sentimentos de sua personagem e John Malkovich se encontra fazendo um pouco mais do mesmo, que já é algo seguro o suficiente.
Não precisaria se agarrar ao sensacionalismo barato para ser melhor, como o filme tentou aqui, mas talvez um pouco mais de sagacidade ao não contar com a ignorância ou com a boa vontade alheia quanto à responsabilidade dos crimes faria com que os cabeças do projeto se prestassem a mostrar essa lamentável e revoltante história com algo além de somente mais do mesmo.
Aziz Ansari: RIGHT NOW
3.8 16Ainda tentando entender como aconteceu Spinke Jonze dirigindo um stand up do Aziz Ansari.
Van Helsing: O Caçador de Monstros
3.3 1,1K Assista AgoraO Drácula desse filme é tudo de bom: levemente inspirado no Bela Lugosi, charmoso, anda pelas paredes, escandaloso e ainda é interpretado de maneira bem “camp”. Genial, chega a ter um toque teatral. Já a Criatura de Frankenstein me cativa toda vez que implora para viver, implora para EXISTIR. A tragédia manifesta.
Fui rever após muitos anos — era um dos meus favoritos quando criança — e me surpreendi que sobreviveu bem ao teste do tempo. De certa maneira, como Garota Infernal, lida com seus personagens e temas de maneira bem tosca e exagerada, dando um charme a mais a uma história que, se feita de maneira mais morna, menos enérgica, ficaria facilmente inassistível pela falta de substância.
Por falar nisso, as criativas e hiperbólicas cenas de ação, com repetitivas cambalhotas e usos de cabos no maior estilo Tarzan, com direito a escaladas nas paredes, é o que preenche esse filme de inventividade. Poucas coisas entretêm tanto quanto Hugh Jackman bancando o Van Helsing super herói.
Big Little Lies (1ª Temporada)
4.6 1,1KAbsolutamente sem defeitos. Big Little Lies é um retrato cru e hiper realista de uma espiada no idílico retrato da vida perfeita. Casas de veraneio, mulheres bem casadas em seus 40 anos, casais ridiculamente ricos e bonitos, com a adição de crianças sorridentes permeando o clima de Monterey, que chega a exalar cheiro de maresia pela tv. Mas quando David E. Kelley e Jean Marc Vallée se juntam pra colocar uma lente de aumento nessa rotina, a grave condição humana se revela, escancarada, sem pudores, nos seus mais pungentes e aterradores impulsos. É repulsivo, mas humanamente sedutor.
Eu me senti absolutamente fascinado pela construção da narrativa desse seriado, como roteirista e diretor não têm papas na língua pra revelar as intricadas personalidades de nossas protagonistas. Elas são incríveis, corajosas, obstinadas, frágeis, sensíveis, inseguras — são humanas. Por detrás de toda a banca que colocam, escondem-se pessoas profundamente afetadas por traumas da vida. Madeline, Celeste e Jane poderiam facilmente cruzar meu caminho na rua, e eu nem me daria conta.
Madeline, muito mais do que as outras, busca ativamente a vida perfeita. Se casou com mais um cara rico, se orgulha do tempo que dedica à família, possui um trabalho não tão importante mas muito significativo à parte, é danada das ideias, engraçada e possui a boca maior que a própria cabeça. Dentro desse mulherão, há um ser terrivelmente egoísta e ingrato, que gostaria de dar mais voz aos seus desejos irrefreáveis do que sustentar essa falsa imagem que passa aos outros. Por conta disso, nem percebe o mal que inconscientemente causa àqueles que lhes são mais queridos, através da traição ao marido e da negligência quanto à filha. Tragicômico, coitada.
Celeste hits really close to home. Me compadeço e me identifico com essa giganta esguia que, ao mesmo tempo que exala uma nobreza intimidadora, é frágil e quebradiça como porcelana, se entregando de corpo e alma ao seu mefistófeles. Seria muito fácil fazer com que ela caísse num estereótipo da coitada abusada, coisa que felizmente não acontece aqui. Celeste é violentada das mais variadas formas, sofre abuso emocional e físico, é cobrada e controlada, mas ela não se aliena ao que lhe é feito e ao que faz. Sim, ela é uma vítima e ela possui profunda ciência disso. Ela se culpa, acredita piamente que merece o abuso que lhe é causado, mas, à sua maneira sutil e às vezes até mesmo atrapalhada, ela revida as agressões, derrama veneno na própria língua e o destila ao falar com o marido. Ela sabe que vive uma situação errada, mas o sentimento de gratidão ao homem que lhe ajudou no pior momento de sua vida fala mais alto, na maioria das vezes. Ela é forte, determinada e inteligente. Os momentos de confissão com a terapeuta são um assalto aos sentidos, uma verdadeira ostentação do poder de atuação da Nicole Kidman. O que senti para com essa personagem é extremamente pessoal.
Apesar da identificação com a Celeste e do quanto ela me cativou, a personagem que mais me intrigou e capturou meu interesse foi a Jane. Ela é simplória, gente como a gente, uma plebéia perdida no salão da realeza. Ela não se revela ao mundo, muito pelo contrário: sempre se encontra soterrada sob as volumosas roupas escuras com as quais se veste quando se encontra com outras pessoas. Ela é quieta, mas não sossegada. Ela é invisível, mas não inexistente. Ela vive nas sombras e só consegue ser ela mesma quando sozinha. As suas corridas, muito reveladoras por sinal, são os momentos que mais me pregaram à tela. Ela corre, corre e CORRE, fugindo de seus demônios, fugindo de seu passado, fugindo de seu estupro... diria até que foge de si mesma, justamente para encontrar a si própria, só que num futuro distante, numa outra realidade, uma Jane que não viveu aqueles traumas ou que, ao menos, tenha a audácia de destruí-los. A Jane é uma crua manifestação de Eros e Tânatos, dos impulsos de vida e morte, e ela constantemente busca a destruição de quem a violou, mesmo que pra isso ela precise se obliterar no caminho. Assustadoramente fascinante.
Para contar suas histórias e desnudar suas emoções, Jean Marc Vallée mais uma vez recorre ao uso de músicas e de metaforas visuais. Felizmente ele é inteligente o suficiente para não escolher canções que “cantam” as situações das personagens, mas, sim, composições que ECOAM seus sentimentos, que EXPANDEM o contexto de seus dramas. Com isso, sua maior aliada nessa tentativa de mostrar sem falar é a montagem, que alterna entre futuro, presente e passado de uma maneira tão suave e imperceptível, como fragmentos de lembranças que acometem as personagens em momentos de emoções mais fortes. Além disso, há o uso de tomadas de apoio que constroem metáforas, tal qual nos momentos finais do último episódio, em que diversas “Davis” destroem Golias com entrecortes de violentas ondas atacando grandes rochas, tudo isso acontecendo ao som de uma paradoxal tranquilizante música. Elas encontraram paz no caos da violência, como verdadeiras forças da natureza. É de uma sutileza simplesmente genial.
Big Little Lies me acometeu instantaneamente, como um tiro no peito. Fui fisgado por completo. É costume meu tentar solucionar quebra cabeças antes do mistério ser revelado, muitas das vezes com acertos. Eu fiquei profundamente satisfeito em ter errado em todas minhas suposições, tendo tudo sido uma grande surpresa a cada novo andar da história. Senti as mais diversas emoções: revolta, tristeza, euforia, ódio, medo e alegria; são algumas das emoções básicas do ser humano. Com uma série tão visceral, é compreensível eu ter sentido tanto ao ver ela. Honestamente? É uma daquelas experiências estéticas que me faz me sentir grato por ter tido.
Aurora - O Resgate das Almas
2.3 26Provavelmente não foi a melhor escolha pra eu ter um primeiro contato com o cinema filipino.
Sneaky Pete (3ª Temporada)
3.7 13Poxa, eu só queria uma quarta temporada :(
Nós
3.8 2,3KDe fato, expectativas são uma merda. Levando em conta o primor de Corra, esperava um pouco mais do novo de Jordan Peele. Em comparação, o filme já não é lá isso tudo e o terceiro ato, absolutamente terrível, quase destrói a obra: ao invés de somente abraçar a ideia fantasiosa das cópias, Peele envereda por um turbulento caminho repleto de furos ao tentar EXPLICAR a origem e o propósito dos macacões vermelhos. PÉSSIMA decisão.
Soma-se a isso momentos avulsos em que os personagems subitamente emburrecem e realizam atitudes completamente estúpidas, o desperdício de Elisabeth Moss e um final completamente auto indulgente, em que eu consegui visualizar o Jordan Peele piscando e dando um sorrisinho besta, se achando tão sagaz com um twist infelizmente telegrafado.
Apesar dessas burradas, sua nova obra é permeada de duras e inteligentes críticas à atual sociedade ocidental, com seu pavor do Outro, aludindo sobre as díspares dicotomias de classes e sobre a questão dos refugiados. Além disso abusa sabiamente da versatilidade ímpar da Lupita Nyong’o e do carisma do Winston Duke, ao mesmo tempo que constrói uma perversa e perturbadora atmosfera, até mesmo invocando Michael Haneke no processo.
Aguardo ansiosamente pelas próximas cartas que Peele possa ter nas mangas.
BoJack Horseman (4ª Temporada)
4.5 240Tem algo de especial nesse seriado.
Amizade Dolorida (1ª Temporada)
3.6 134Meu deus, alguém ensina a esse diretor de fotografia que existe algo além de primeiro plano, além outras distâncias focais de lente aaaaaaa absolutamente EM NADA ajuda, em termos de narrativa, a linguagem fotográfica se manter a mesma, tão fechadinha e com fundo desfocado o tempo inteiro. Além disso, o Pete é indescritivelmente insuportável, ô personagem enjoado e sem personalidade, mero cachorrinho de bolsa da Tiff. Engraçado pensar como o Pete nos é introduzido como o protagonista, e se mantém assim por boa parte da série, sendo que ele não tem backstory próprio e todas as ações dele acontecem em função de outra personagem. A Tiff é o estereótipo da mulher escrota e babaca que mantém uma armadura a sua volta por traumas do passado, mas que secretamente é uma flor indefesa em busca de alguém que a entenda. Levando em conta a temática central da série, não achei que fossem enveredar por tantos clichês de comédia romântica e que pecariam tanto em ambientação e construção de personagem. Não parece que eles vivem num mundo orgânico, vivo — do jeito como as situações são introduzidas, parece que o contexto das cenas fica “pausado” esperando nossa dupla aparecer, como um videogame de mundo aberto vagabundo. Fora que há umas situações forçadas, sem pé nem cabeça, como o episódio final. Esses roteiros precisam passar por uma revisão que não inclua o tendencioso olhar do criador do seriado. Bonding tem algo de especial, mas tá rapidamente se tornando uma merda em apenas uma temporada de sete episódios curtíssimos.
A Deusa da Vingança
2.8 179Sam Was Here é um interessante experimento sobre a mente fragmentada de um assassino. A trilha musical ambient, repleta de sintetizadores e reminiscente de Neon Demon, é uma excelente escolha para ditar o ritmo da narrativa, dando um clima fantasioso, tenebroso, algo fora da realidade. A pulsante luz vermelha, onisciente de cada passo do nosso protagonista, que vaga pelo céu e, posteriormente, ilumina o exterior do corpo sujo e sangrento de nosso antagonista, o Eddy, ganha uma instigante sugestão de interpretação quando a velha diz que Eddy está “dentro”. Aliás, o ator que faz o Sam carrega um enorme peso dramático em seus olhos e em sua postura, ao mesmo tempo que interpreta um sujeito aparentemente simplório e cotidiano. Interpretação genuína. Por mais simples que seja, o filme carrega uma atmosfera fantástica que conta a história de um assassino pouco a pouco aceitando seus nefastos demônios interiores. Relevante filme experimental, repleto de signos emblemáticos, nunca entregando de mão beijada o que almeja. Certamente digno de mais atenção.
Clímax
3.6 1,1KMEU GASPAR NOÉ ESTÁ VIVÍSSIMO POURRAAAAAAAAAAAAAAAAAAA AA
A mais nova obra prima de Gaspar Noé é um tanto surpreendente, tanto por cima sua temática, trama, escolha de atores, quanto por sua produção e recepção. Quando você acha que já sacou qual é a do Noé, o diretor-autor protótipo do provocador Novo Extremismo Francês chega com um longa metragem sobre uma trupe de dançarinos enclausurada numa construção abandonada no meio da neve que lentamente perde a sanidade e a moralidade. Em Clímax, temos um filme experimental de terror de dança que usa e abusa de synth music. Suspiria nunca ousou ser tão bom assim.
Ao contrário de seus filmes anteriores, especialmente Sozinho Contra Todos e Enter the Void, longas que demoraram literalmente ANOS nas fases de pré, produção e pós -- o primeiro foi gravado ao longo de 5 anos e o segundo, quase 20 anos foram levados só pra sair do papel --, Clímax teve sua concepção num mês, gravado noutro, num período de 15 dias dentro dum enorme galpão, e finalizado em mais um. Além disso, esse é seu filme melhor recebido tanto por crítica quanto por público, apesar de carregar muita bagagem similar do que veio antes. Parece que quanto menos Noé pensa sobre o que faz, melhor o faz. Gênio.
Numa espiral de insanidade que dita tanto ritmo quanto narrativa, nosso elenco é levado aos seus impulsos mais primitivos, profundamente guardados em seu inconsciente, por conta de uma sangria batizada com LSD. Num minuto, essa incrível trupe de dançarinos, permeada por verdadeiros artistas do estilo "krumping", e coloridos por seus vários gêneros, etnias e sexualidades, num ato lindo e comovente de trabalho coletivo, caem num poço de auto destruição, que inclui sexo, incesto, assassinato, suicídio e aborto... em frente à bandeira francesa, onde antes havia uma sublime coreografia grupal, há agora o mais sangrento clamor individual.
Num filme emblemático sobre construção vs destruição, Noé, incidentalmente, comenta sobre o atual estado da União Europeia -- antes, um grupo cultural e econômico referência para o mundo ocidental --, agora, um no qual seus países se encontram confusos, em conflito interno e com um levante racista e preconceituoso tomando forma como assustadoramente aconteceu no início do século passado, frente à entrada recente de estrangeiros refugiados de países em guerra, sobretudo vindouros do Oriente Médio.
Em seu filme, sua trupe de negros, brancos, pardos, loiros, dreadlocks, gays, bis, héteros..., em meio à loucura psicodélica, pouco a pouco, se encontram num livro da Agatha Christie, no melhor estilo "whodunit", possessos em busca do culpado por ter "batizado" a bebida. Em quem encontram seu principal suspeito? No muçulmano. Sem titubear, o expulsam para o exterior da construção, para o limbo cheio da mais branca neve que o engolirá em seguida. De novo, emblemático.
Em seguida, rapidamente, Clímax vai assumindo uma nova roupagem, cada vez mais paranóica e insidiosa. Qualquer um familiar com filmes de George Romero, ou de mortos vivos em geral, notará a semelhança patente que o novo de Noé possui com esses. O enclausuramento num ambiente fechado, música (por mais diegética que seja) que impulsiona o senso de perigo, personagens paranoicos pouco a pouco "tomados" por impulsos animalescos, enquanto outros fogem avidamente deles... a patente febre da cabana.
Ao contrário de seu Enter the Void, não há recursos visuais caleidoscópicos para nos colocar no ponto de vista do drogado, dessa vez, nos põe em terceira visão, como um voyeur, para examinar as atitudes de nossos personagens, e nos chocando enquanto isso. Aqui, a violência corporal e o exame do corpo volta com tudo. Além de gráficas cenas de mutilação e espancamento, Noé meticulosamente mostra a FORMA, ou as FORMAS, do corpo humano, por meio dos dançarinos que se contorcem de maneiras inacreditáveis. Nem mesmo em seu filme anterior, Love, com toda a nudez pornográfica, houve tanto uma análise corporal como em Clímax.
Com longuíssimos takes e planos sequência de até 42 minutos, com sua característica câmera flutuante acoplada à grua, que vaga, voa e dá cambalhotas pela cena, Noé constrói uma oscilante parábola sobre os desafios da multiculturalidade, sobre o fracasso das coletividades. Em mais um exame sobre a condição humana e sua vida em sociedade, Noé trata o corpo como um guia de estudo do Outro. O desconhecido, o estrangeiro, o forasteiro, o "outsider", é explorado, e violentado, à exaustão no seu mais novo e soberbo body horror.
Com suas pirotecnias visuais, sua câmera, AH, A CÂMERA ONÍRICA DE NOÉ, terminamos Clímax encarando nossas presas e predadores literalmente de ponta cabeça, com a orientação invertida, num ardente e pulsante vermelho, com gritos e grunhidos de dor enchendo a sala. Posteriormente, encaramos as vítimas e agressores num zenital, mais uma vez no que chamo de sua "visão da Criação". Enquanto uns se encontram mortos, outros estão no mais profundo êxtase. Não há maneira mais exata de representar o mundo em que vivemos.