“O Agente da UNCLE” entrega tudo o que há de melhor e de pior no cinema do roteirista e diretor Guy Ritchie, onde a embalagem do filme é tão ou mais importante que o seu conteúdo. De qualquer forma trata-se de um filme divertido e uma peça de entretenimento atraente, mesmo com suas evidentes limitações. O agente americano da CIA Napoleon Solo (Henry Cavill) precisa se unir ao agente russo da KGB Illya Kuriakin (Armie Hammer) para desmantelar uma organização de ex-nazistas que prepara uma poderosa arma nuclear. Para isso, usam a misteriosa Gaby Teller (Alicia Vikander), filha do principal cientista da organização, para infiltra-la e descobrir os segredos do lançamento da bomba. O antagonismo de Solo e Kuriakin está muito bem afinado, rendendo ótimas “gags” e explorando ao máximo o potencial dos talentosos Henry Cavill e Armie Hammer. Alicia Vikander tem lá o seu charme e se assemelha muito com os trejeitos da Penélope Cruz, conferindo o ar de sedução e mistério necessários a personagem. A trama é bem simples e direta, mas o roteiro tem lá a sua porção de trapaças e reviravoltas, algumas que soam naturais e ganham o espectador, outras nem tanto, porém o diretor Guy Ritchie e o montador James Herbert jamais perdem o ritmo da narrativa, sabem criar sequências estilosas e estilizadas (algumas remetendo aos quadrinhos), mesmo quando se sustenta através de “pegadinhas” (eles apresentam alguns trechos picotados de determinada passagem que a deixa sem sentido, apenas para que mais a frente se faça entender). A sequência que melhor resume os pontos positivos e negativos do filme é a que acompanha a fuga de Solo e Kuriakin de um esconderijo da organização que sabe mesclar humor e ação, como quando foca em uma “gag” cômica em que Solo come um sanduíche dentro de um caminhão enquanto que em segundo plano a lancha de Kuriakin é perseguida pelos seguranças. Se por um lado (e essa não é a única vez) o diretor Guy Ritchie demonstra aversão à espetacularização da ação, o que é uma bela sacada, por outro ele simplesmente ignora a lógica da narrativa ao privar o espectador de uma resolução minimamente aceitável para a mesma sequência, como se ele quisesse que o espectador simplesmente ignorasse esse “detalhe”. O clímax também deixa um pouco a desejar já que não se apresenta como o ponto alto da narrativa. Ainda assim o filme é dinâmico, divertido e oferece uma opção de entretenimento de qualidade que não ofende a inteligência do espectador. Pelo menos é assim na maior parte do tempo.
"“Enquanto Somos Jovens” é uma tentativa do diretor e roteirista Noah Baumbach de explorar o conflito de duas gerações, a da geração “X” em que as pessoas foram criadas com o propósito de alcançar o sucesso material através do trabalho incansável, representados por Josh (Ben Stiller, OK) e Cornelia (Naomi Watts, OK), e a geração “Y” que também valoriza o sucesso, mas desde que venha acompanhado do prazer que sentem pelo que realizam, como se vê nas figuras de Jamie (Adam Driver, fraco) e Darby (Amanda Seyfried, desperdiçada). Encantados pela juventude do novo casal de amigos, Josh e Cornelia tem a sua rotina alterada e a influência faz com que a própria relação entre os dois se modifique. O filme é simpático, inofensivo, acerta ao inverter as perspectivas já que o jovem casal é mais “old school” enquanto Josh e Cornelia são fãs de tecnologia e, apesar de não tomar partido (o que também é outro acerto), Baumbach não se aprofunda muito no choque já que as ideias são ora óbvias, ora superficiais, ora expositivas (Jamie tem uma coleção de discos enquanto que Josh uma coleção de CDs etc), investindo muito mais em traumas mal resolvidos dos próprios personagens (o orgulho profissional de Josh, a maternidade por parte de Cornelia, a “invisibilidade” de Darby, o egoísmo de Jamie), envolvendo direta ou indiretamente a figura do pai de Cornelia, um renomado documentarista. Embora não seja um documentário, este pequeno filme de Noah Baumbach lança um olhar sobre esse choque de gerações mesmo que seja mais feliz nas intenções do que pelo que realiza por conta própria."
Um oásis de originalidade, Charlie Kaufman é um dos roteiristas mais inteligentes e criativos de Hollywood ainda mais considerando que a indústria de cinema norte-americana sobrevive há um bom tempo basicamente de adaptações e refilmagens. “Confissões de Uma Mente Perigosa”, “Quero Ser John Malkovich”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Adaptação” são alguns dos seus roteiros geniais. “Sinédoque, Nova Iorque” é um filme sobre Charlie Kaufman e o seu processo criativo. E até por isso, para o bem ou para o mal, seja dirigido por ele mesmo. Trata-se de um filme que, na verdade, é muito mais sobre a idéia da construção de uma história a ser narrada do que propriamente sobre a história em si. E nesse processo, o autor reflete sobre o amor, a dor, a vida e a morte.
Hipocondríaco e depressivo, Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman, brilhante) é um escritor e diretor de teatro que vive um casamento infeliz ao lado de uma pintora (Catherine Keener) e que se sente frustrado por não ser capaz de criar nada original e autêntico (seu sucesso reflete muito mais o brilhantismo das obras que ele adaptou e não a sua verdadeira alma de artista). A sua tentativa mais autoral de criar algo novo e marcante acaba se refletindo na idéia de criar uma peça de teatro sobre a sua própria vida, comprando um imenso galpão e construindo inúmeros cenários que remetem aos locais que ele visita no dia-a-dia e contratando um elenco encarregado de interpretar não apenas ele, mas todas as pessoas que estão ao seu redor. Pontuado por alguns eventos fantásticos e fantasiosos, essa idéia principal talvez seja o maior deles justamente por ser essencial para compreender a metáfora do filme que transcorre por anos e anos sem que o espetáculo chegue aos palcos já que Caden não sabe como e/ou de que forma e/ou o que pretende contar. A peça nada mais é do que uma forma de evidenciar o tamanho do ego do artista, a sua necessidade de ser reconhecido e a possibilidade dele em realizar um extravagante exercício de autoanálise para benefício próprio, envolvendo e “usando” outras pessoas durante o processo.
O filme tem algumas boas sacadas visuais, como a que mostra a casa de Hazel (Samantha Morton), interesse romântico de Caden, constantemente em chamas, a proposta artística da personagem de Keener (que permite uma perfeita sincronia com a proposta do filme de colocar uma lente de aumento sob uma obra que se mostra minúscula diante do todo) ou a geografia dos cenários dentro do imenso galpão, mas “Sinédoque, Nova Iorque” clama por um diretor com um senso estético mais apurado que Charlie Kaufman, como Spike Jonze e Michel Gondry que já dirigiram outros roteiros feitos por ele. Logo, o apelo visual do filme deixa bastante a desejar, pois não casa perfeitamente com o brilhantismo das ideias que o roteiro lança ao longo do filme. Logicamente que pela lógica (perceberam a redundância?) da metáfora dentro da metáfora dentro da metáfora, Charlie Kaufman tinha que ser o homem por trás das câmeras, é lógico, é racional, porém talvez esse excesso de pragmatismo prejudique um pouco a experiência deste que ainda assim será um dos filmes mais originais que você terá o prazer de assistir por muito tempo. Graças a Charlie Kaufman!
Após a ótima 4ª temporada, boa parte da 5ª acabou sendo um tanto quanto frustrante, porém nada que se assemelhe à fatídica e tenebrosa 3ª temporada. O que houve de mais absoluto nesta temporada foi o arco dramático de Jon Snow (Kit Harington), talvez um dos poucos personagens da série a demonstrar uma inabalável lealdade e integridade de caráter e que precisa enfrentar a desconfiança de seus comandados da Patrulha da Noite ao buscar um entendimento com os Selvagens em meio a um conflito de proporções épicas contra o exército de Stannis Baratheon (Stephen Dillane) e também contra Forças do Mal que não são desse mundo (o oitavo episódio figura entre um dos pontos altos de toda a série). Kit Harington que até então tinha uma participação discreta na série, mas sem comprometer, apesar da importância do personagem, nesta temporada teve uma atuação crescente que só fortaleceu ainda mais o carisma e o apelo do personagem que se mantém intactos até o fim. Os dilemas de Stannis assim como seu destino são enfraquecidos pela insistência dos realizadores no uso de Melisandre (Carice Van Hounten, canastrona) como uma espécie de tutora espiritual, garantindo o sucesso de suas missões através de visões que só ela vê, mas que só reforça a preguiça dos roteiristas que ao invés de ilustrar a crescente loucura do rei de maneira sutil e/ou subjetiva preferem o uso de uma figura física para ilustrá-la (chega a ser constrangedor as sucessivas tentativas da personagem em usar o sexo como uma arma e isso já vem de temporadas anteriores). Não é à toa que em determinado momento ela simplesmente deixa Stannis na mão. E com isso, os momentos-chaves se tornam apelativos apenas para provocar o choque pelo choque (vide sequência da fogueira).
Já com relação a Tyrion (Peter Dinklage), a trama demora muito para engrenar já que após os marcantes eventos da temporada anterior, o personagem, um dos mais relevantes da série, basicamente vai de um lugar para o outro lamentando a falta de vinho pelo caminho. A partir do momento em que ele finalmente se encontra com a rainha Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) é que o personagem diz ao que veio, criando boas expectativas para o futuro, mas nesse processo até mesmo a redenção de Jorah (Iain Glen) perde seu impacto em um episódio que tem seu grau de tensão anulado pela frágil presença do dragão Drogo e de fracos efeitos especiais (um dos pontos baixos da temporada). Até ali, Daenerys precisa enfrentar as dificuldades políticas e morais de governar em meio ao conflito entre os dissidentes do seu reino. Nada muito especial embora os responsáveis pela série dediquem um bom tempo para lidar com estes dilemas, apenas para que tenhamos uma noção de que o senso de justiça de Daenerys causa muito mais implicações do que ela poderia imaginar. Emilia Clarke mantém sua irregularidade em cena já que sua postura oscila muito, sendo que às vezes dá a impressão de que ela não consegue carregar a personagem sozinha enquanto que em outros momentos ela dá conta do recado. Sem querer ser repetitivo, mas sua dobradinha com Peter Dinklage pode render bons frutos mesmo que os responsáveis pela série tenham optado por uma nova fragmentação desse núcleo.
No núcleo dos Lannisters há uma divisão já que a Rainha-Mãe Cersei (Lena Headey) ordena que Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) resgate sua filha/sobrinha de Dorne enquanto ela arquiteta um plano para desmoralizar a rainha Margaery (Natalie Dormer) e separá-la do seu filho e novo rei (Dean-Charles Chapman). Nesse ponto, a trama remete ao período da Inquisição, mostrando a mão forte da Religião sobre os destinos de homens e mulheres que viveram suas vidas contra os princípios estipulados pelos deuses, personificado pela figura do líder religioso High Sparrow (Jonathan Pryce, ótimo). Enquanto que no núcleo de Jaime nada muito digno de nota acontece (todo o plano de execução assim como sua conclusão, inclusive a sequência no barco, são risíveis pela realização canhestra), cabe a Cersei e a interpretação hipnótica de Lena Headey garantir boa parte do interesse desta subtrama mesmo quando soa redundante e/ou foca mais nas aparências antes de partir para algo definitivo. E Lena Headey entrega-se de corpo e alma a uma personagem asquerosa e desprezível (e atraente dramaticamente justamente por isso), mas que participa de uma das sequências mais marcantes e emblemáticas de toda a série quando Cersei se humilha sob um coro de vozes clamando por sua vergonha.
Enquanto que Sansa Stark (Sophie Turner) sofre nas mãos Ash Weston (Ivan Rheon) em função de um ato covarde de Mindinho (Aidan Gillen) ao deixa-la sozinha com o inimigo, apenas para atender uma necessidade genérica e repetitiva dos realizadores de transformá-la mais uma vez em uma heroína trágica (quase digna de novela mexicana, afinal ela precisa sofrer) cujo “cliffhanger” deixado para a próxima temporada também se mostra de apelo restrito, Arya (Maisie Williams) se envolve em uma subtrama igualmente fraca que a coloca em meio a uma seita que promete a seus participantes a perda da sua identidade como uma forma de atender as necessidades de uma santidade e que serve apenas para prepara-la para a sua sequência final. Duas jovens e importantes personagens sendo desperdiçadas com tramas que ao longo da temporada literalmente não saem do lugar.
Sem conseguir repetir os bons momentos da série (1ª e 4ª temporadas), a 5ª temporada de “Game Of Thrones” consegue ser tão irregular quanto a 2ª temporada apresentando graves problemas de ritmo, sendo superior apenas à fraca 3ª temporada, porém é evidente que os pontos positivos destoam e se destacam já que certamente ficarão marcados dentro da mitologia da série.
“Game Of Thrones” teve uma ótima 1ª temporada, a 2ª foi marcada por altos e baixos e a 3ª foi extremamente fraca, salvando-se basicamente pelos seus dois episódios finais. Em sua 4ª temporada a série parece ter voltado aos eixos com episódios mais dinâmicos e de contundente intensidade dramática, mesmo que alguns diálogos sigam prolixos e a estrutura dos episódios seja um tanto quanto repetitiva. O primeiro episódio é como uma espécie de interlúdio entre a temporada anterior e a atual, situando os personagens e mostrando como eles assimilaram os eventos passados e quais são as ambições futuras, valendo-se da mesma velha estrutura em dedicar de 5 a 7 minutos para cada um dos diversos núcleos, dedicando ora ou outra a um deles mais tempo ou uma ação mais grandiosa e/ou impactante. O 2º episódio talvez seja responsável por um dos pontos mais altos da série ao apresentar a icônica sequência do casamento entre Joffrey (Jack Gleeson, fraco e apropriado) e Margaery Tyrell (Natalie Dormer, ótima) e as suas terríveis consequências, além de colocar injustamente Tyrion (Peter Dinklage) como responsável pelo crime com direito a uma icônica sequência de discurso em que Dinklage dá um show de interpretação e maturidade artística.
O que dá para notar também nesta temporada de “Game Of Thrones” é uma maior proximidade entre os núcleos, fazendo com que a movimentação de um tenha impacto, mesmo que ainda sutil, em outro, como o avanço de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke, irregular) e o crescimento do seu exército que já parece incomodar outros líderes ou o avanço dos Selvagens sobre à Muralha, potencializando os dilemas de Jon Snow (Kit Harington) que culmina em uma épica sequência de batalha envolvendo inclusive Gigantes montados em mamutes (!). Da mesma forma que Mindinho (Aindan Gillen, ótimo) parece se tornar o principal articulador da temporada usando-se da aparente fragilidade Sansa Stark (Sophie Turner, ótima), dando sinais cada vez maiores de sua ambição desmedida, a temporada aposta em alguns duetos narrativos que dão leveza à série, como o que envolve Brienne (Gwendoline Christie) ao lado do antigo servo de Tyrion, além do que envolve Arya Stark (Maisie Williams) e o Cão de Caça, em uma inusitada relação de pai e filha que também funciona um guia espiritual total e politicamente incorreto. O amadurecimento de Sansa e Arya trazem um pouco de esperança ao clã dos Stark. As relações entre Tyrion, seu irmão Jaime (Nikolaj Coster-Waldau, melhor a cada temporada) e Cersei (Lena Headey, não tão hipnótica como em temporadas anteriores) também reforçam a grandeza e a complexidade emocional de um núcleo de personagens cercados pela tragédia e mais uma vez Peter Dinklage rouba a cena.
Depois de uma segunda temporada bastante irregular e uma terceira temporada tenebrosa, “Game Of Thrones” encontrou novamente o seu caminho. Tecnicamente impecável, especialmente pelo eficiente uso da fotografia e da bela trilha sonora e suas grandiosas melodias, a série teve uma 4ª temporada elogiável e grandiosa que soube muito bem dosar os diversos núcleos de forma mais orgânica (não evitando que alguns fossem mais eficientes do outros) e esforçando-se para mesclar a sua natureza épica com seus conflitos políticos, dilemas familiares e as narrativas que flertam com a fantasia (que ainda destoam em qualidade dos demais).
“Better Call Saul” é uma série derivativa de “Breaking Bad” a partir do personagem Saul Goodman, interpretado por Bob Odenkirk, que esteve ao lado de Walter White (Bryan Cranston) e Jesse Pinkman (Aaron Paul) a partir da 2ª temporada da renomada série de Vince Gilligan. Aqui nesta série, ainda sob o nome de Jimmy McGill, temos a oportunidade de nos aprofundar mais na história de vida do personagem. O grande objetivo alcançado pela série é o de humaniza-lo, logo estamos diante de um sujeito que é muito mais do um mero advogado oportunista e/ou trambiqueiro como vimos até então. Há um sentimento de piedade diante de um sujeito que desde o início quer mostrar o seu valor, mas por uma série de contratempos escolhe o caminho errado. Coproduzida por Gilligan ao lado de Peter Gould, a série é muito bem dirigida, há belíssimos planos contemplativos (muitas vezes deixando um ou mais personagem em silêncio e/ou fora do plano), há escolhas riquíssimas como a belíssima e melancólica sequência de abertura em preto e branco que apresenta um futuro do personagem (possivelmente pós-“Breaking Bad”) até retornar ao tempo com uma paleta de cores vivas para mostrar a atuação de Saul diante de um júri em um caso praticamente perdido (e a opção da câmera em focá-lo de costas e apenas apresentar o seu rosto quando ele começa a discursar é uma solução clássica para reforçar o respeito ao personagem).
O grande problema da série em sua primeira metade é que estamos diante de um personagem atraente em sua excentricidade, mas cujos eventos nunca acompanham o seu nível ou grau de complexidade. De certa forma faz até lembrar de “Dexter” que tinha um personagem central fascinante, afinal tratava-se de um “serial killer” que tentava levar uma vida normal, porém o que acontecia ao seu redor assim como os demais personagens, em sua grande maioria, nunca alcançava o mesmo nível de interesse despertado por ele. Com “Better Call Saul” acontece praticamente a mesma coisa. Se há algo de interessante na série é o próprio Saul Goodman, digo, Jimmy McGill, um advogado cujo tom e postura flertam entre a melancolia e o sarcasmo, sendo defendido com elegância, bom humor e maestria por Bob Odenkirk naquele que é desde já o papel de uma carreira. E por ser um “spin off” é natural que a série tente evocar o produto original, mas ela precisa caminhar com as próprias pernas e dessa forma a série inicialmente torna-se apenas moderada. A presença de Tuco Salamanca (Raymond Cruz), por exemplo, nos episódios iniciais acaba sendo um recurso mais distrativo do que agregador, como se feito para não deixar o espectador escapar e permitir que ele invista mais tempo na série pelo laço afetivo criado até então até porque a trama envolvendo um casal e um desvio milionário demora a engrenar.
Curiosamente, o salto de qualidade desta temporada se deve à influência de Mike (Jonathan Banks), também do universo de “Breaking Bad”. Aparecendo em participações pontuais até então, o 6º episódio é inteiramente voltado a ele, sendo Jimmy um mero coadjuvante, em uma trama que investiga o passado traumático do policial aposentado envolvendo corrupção policial e o destino trágico do seu filho assim como sua relação com a nora e a neta (mas neste caso nada que venha a agregar muito já que ligamos os pontos facilmente). Banks também é um ator formidável e entrega uma atuação sensível e precisa. Cabe a ele no episódio seguinte ajudar Jimmy em solucionar a trama do desvio de dinheiro, permitindo que este ciclo se encerre e leve o advogado para o próximo caso e que envolve a extorsão de idosos por uma clínica de repouso. Os eventos que decorrem destes dois casos servem de combustível emocional para as conclusões finais da temporada e que envolvem diretamente a relação entre Jimmy e seu irmão Chuck (Michael McKean, ótimo), um advogado mais bem sucedido, sócio de um influente escritório, mas que sofre de um distúrbio que limita o seu convívio social. A dinâmica entre os irmãos é inicialmente burocrática, sendo ajustada no decorrer da temporada até que serve de estopim para as maiores decepções e frustrações de Jimmy.
O arco dramático de Jimmy McGill se encerra com um episódio em que ele retorna às origens que reforça o seu passado escorregadio, repleto de golpes e armações para nenhum Kevin Costner botar defeito. É um episódio ágil e divertido, mas que mesmo assim não deixa de ser triste e melancólico, especialmente pelas marcas deixadas na personalidade do advogado, não apenas pela tragédia final, mas pela forma como ele encara a realidade diante das constantes frustrações, como no discurso durante um bingo da terceira idade. E a trajetória de Jimmy McGill é uma mistura de sentimentos por traduzir um pouco dessa angústia de um homem que errou e buscou a sua redenção, mas à medida que procurava fazer a coisa certa, inevitavelmente, por força das circunstâncias, acabava se deixando levar pelo seu lado sombrio.
Após a conclusão da 4ª temporada, os responsáveis por “The Walking Dead” precisaram de apenas 3 ótimos episódios para abordar a interferência do grupo de humanos do Santuário e seguir em frente (ou quase isso). Pelo menos deveria ser assim. De maneira inteligente, apresenta dois breves “flashbacks” que servem de explicação para a natureza do grupo e a razão distorcida que eles seguem para justificar seus atos. Mas como Rick (Andrew Lincoln) fez questão de alertar ao final da temporada anterior, eles mexeram com as pessoas erradas. Logo no 1º episódio, a série experimenta uma catarse carregada de tensão e ação (contando com a interferência providencial de uma importante personagem) que vai repercutir até o final do 3º episódio com um clímax sombrio e sangrento ambientado dentro de uma igreja (ou apenas um local com 4 paredes e um teto, vale a pena destacar, em mais uma boa sacada do roteiro). Os conflitos entre os personagens aliados ao sadismo do grupo do Santuário (o desfecho de um personagem ganha contornos de filme de terror, graças a ação doentia deles) culminam em um clímax que revela (mais uma vez) a gradativa perda da humanidade daqueles personagens, deixando cada vez mais difícil acreditarmos que eles sairão ilesos, física e/ou emocionalmente, dessa jornada, especialmente Rick. A redenção parece cada vez mais difícil de ser alcançada e os personagens estão em constante conflito consigo mesmo, principalmente quando se veem diante do seu lado mais obscuro.
A partir do 4º episódio, a série se divide em 3 núcleos: o grupo que se mantém na igreja, liderados por Rick; aquele que parte com o sargento Abraham Ford (Michael Cudlitz) e o cientista Eugene Porter (Josh McDermitt) em direção à Washington, incluindo Glenn (Steven Yeun) e Maggie (Lauren Cohan); e o que acompanha a até então desaparecida Beth (Emily Kinney) que se encontra “prisioneira” de um hospital, comandado de forma ditatorial pela policial Dawn Lerner (Christine Woods). Nesse terceiro núcleo há uma certa impressão de que algumas ideias estão sendo recicladas, afinal após a cidadela liderada pelo Governador e o grupo de canibais, aqui vemos mais uma distorção da noção de comunidade sendo levada ao extremo, o que inicialmente acaba sendo frustrante e derivativa, sendo que Emily Kinney por mais efetiva e carismática não sustenta sozinha o apelo da narrativa. Não fica muito difícil juntar as peças do quebra-cabeça que unem o núcleo de Beth com a de Daryl (Norman Reedus) e Carol (Melissa Suzanne McBride) que deixam o grupo da igreja para trás afim de resgatá-la em um episódio bem morno (inclusive com explicações desnecessárias sobre as ações de Carol na temporada anterior do momento da separação do grupo principal até quando consegue salvá-lo).
A fragilidade do núcleo de Abraham Ford e Eugene Porter fica ainda mais evidente com as revelações indicadas no 5º episódio que também conta um pouco da origem do sargento que já dava indícios de um nível de stress além do normal. Dessa forma cabe a Glenn incluir um pouco de racionalidade e maturidade dentro do grupo, porém nada que venha a justificar o tempo desperdiçado com eles (curioso notar que desde a metade da temporada anterior, Maggie parece conformada com a ausência de Beth, sendo que ela tinha a oportunidade de saber que estava viva muito antes do momento em que ela finalmente toma conhecimento disso). O final dessa 1ª metade da temporada acaba se apoiando em dois episódios apenas razoáveis que parecem andar em círculos (literalmente um dos grupo retorna ao ponto de partida) ou se arrasta apenas para que os núcleos se encontrem pouco depois do clímax, incluindo a subtrama envolvendo os dilemas do padre Gabriel (Seth Gilliam), já que dessa vez é ele que pede para ser salvo, e o cerco feito pelo grupo a três policiais com o intuito de negociar a troca com Dawn.
O evento que serve de clímax para esse meio de temporada tem um alcance emocional estrondoso, mas a realização deixa a desejar pela própria composição do conflito, mesmo considerando que o efeito é devastador em função da identificação que se cria com alguns personagens. O que já não se pode dizer do 9º episódio que é praticamente feito em homenagem a um personagem que também tem um fim definitivo já que dentro da própria série ele não tinha muito brilho próprio, sempre ficando à margem e/ou participando apenas como apoio do grupo principal. E mesmo que neste episódio se invista em efeitos de edição estilizados ou se busque uma forma de encarar a morte de maneira mais poética e/ou metafórica, o resultado é apenas morno, ainda mais levando em consideração que em função dos acontecimentos dos dois últimos episódios, há muito mais motivos para “odiarmos o Chris” do que se podia imaginar (a atuação de Tyler James Williams é fraquíssima).
O 10º episódio, analisado isoladamente, é muito eficiente já que propõe a primeira passagem de tempo em que os personagens se encontram mais fragilizados física e emocionalmente em função da falta de suprimentos, especialmente comida e água. Decididos em seguir para Washington, mesmo após a descoberta da farsa de Eugene, eles literalmente se arrastam para cumprir os quilômetros de distância até o local de destino. Em determinado momento, eles se recusam até mesmo a confrontarem os zumbis afim de pouparem energia. Trata-se de uma jornada física e emocional intensa que faz até mesmo com que Rick se questione se eles não são os verdadeiros mortos-vivos deste novo mundo em que vivem, além de permitir o primeiro momento mais emocional de Daryl em que ele se deixa levar pelas lágrimas. A instalação em um celeiro para escaparem de uma forte tempestade se torna uma bonita metáfora sobre a união que os mantém vivos até então. E depois de três ótimos episódios iniciais e um restante de temporada bem irregular, a partir do 11º episódio é que a série se propõe finalmente a um novo caminho.
A preparação para a chegada do grupo em Alexandria é muito bem sustentada em torno do conflito entre a desconfiança de Rick e a esperança do restante, principalmente na figura de Michonne, a partir do momento que Aaron (Ross Marquand, eficiente) se apresenta como um integrante de uma comunidade e que está interessado em levá-los até lá. A atitude de Rick é absolutamente compreensível em função de tudo o que ocorreu dentro da série, não apenas nesta temporada, porém é natural que a decepção com o Santuário o deixe intensamente desconfiado ao ponto de ser extremamente cauteloso e até mesmo raivoso. É curioso, como espectador, experimentar das duas sensações, a de apoiar as decisões de Rick, pois sabemos que ele pensa no bem do grupo, por mais que se mostre mais afetado e instável emocionalmente pela crescente onda de acontecimentos, mas ao mesmo tempo também queremos que ele esteja errado para que, finalmente, o grupo mereça momentos de paz. O espectador também deposita esse voto de confiança, embora não demore muito para que se desconfie que há algo suspeito nesta comunidade, porém a condução dessa dúvida principal é bem conduzida justamente por colocar o grupo que acompanhamos desde o início da série como uma espécie de antagonista do grupo residente de Alexandria, liderado pela congressista Deanna Monroe (Tovah Feldshuh, canastrona).
A conclusão da temporada basicamente se resume em dois sentimentos. O primeiro é o de uma espécie de abstinência de parte dos personagens que encontram dificuldades em se adaptar a uma vida normal dentro de Alexandria, logo Carol não está muito satisfeita em preparar cookies para as crianças; Daryl se sente enclausurado e por isso aceita o convite de Aaron em ficar do lado de fora para buscar novos integrantes para a comunidade; Sasha (Sonequa Martin-Green) surge obcecada pela adrenalina de matar os zumbis como uma forma de lidar emocionalmente com as perdas enfrentadas; além de Rick que considera o grupo de Alexandria muito fraco e frágil para lidar com o novo mundo e até por isso é o que acaba se expondo mais ao ponto de colocar suas próprias atitudes em xeque, ainda mais quando se mostra emocionalmente envolvido com Jessie (Alexandra Breckenridge, ótima). Enquanto Maggie se mostra bem discreta ao se tornar uma espécie de assessora de Deanna, mas sem abandonar o grupo, Michonne (Danai Gurira) acaba sendo uma voz dissonante por acreditar na prosperidade da comunidade enquanto que o padre Gabriel dá cada vez mais sinais da perda de sua fé e da sua fraqueza de caráter. O 2º sentimento é o que acompanha as diretrizes da comunidade que se manteve intacta, mas que jogou para debaixo do tapete muitos dos seus conflitos (expulsando alguns integrantes contrários aos rumos da cidadela e/ou com relação à direção de Deanna), fazendo vista grossa a morte de outros no passado e a violência sofrida por Jessie pelo marido alcoólatra apenas porque ele é o único cirurgião do grupo. Embora o desfecho tenha seu impacto, especialmente pela chegada de um velho conhecido de Rick à comunidade, a segunda metade da temporada acaba se sustentado mais em função dos dilemas emocionais dos personagens principais (os novos que surgiram no final da temporada anterior e no início dessa são meros coadjuvantes e às vezes até figurantes) do que os eventos que ocorrem dentro de Alexandria, mesmo levando em consideração que essa comunidade é diferente do que tudo o que fora apresentado até então dentro da série.
E levando em consideração o desfecho desta temporada, “The Walking Dead” demonstra mais uma vez que é uma série que está muito mais preocupada em investigar as relações humanas a partir de uma premissa que se sustenta pela luta pela sobrevivência do que propriamente uma série interessada apenas no banho de sangue provocado pelos zumbis.
Trata-se de um erro considerar que “The Walking Dead” é apenas uma série de zumbis. Assim como “Lost”, a série é muito mais dramática e emocional, construída através da relação entre os personagens, tendo como pano de fundo o caos provocado pela horda de criaturas que se alimentam dos vivos. A 1ª temporada é enxuta, mas extremamente eficiente. A 2ª deixa um pouco a desejar na primeira metade, mas alcança um nível extraordinário na sua metade final. Já a 3ª se mostrou a melhor e mais regular de todas as temporadas até então. A 4ª temporada já se inicia em alto nível com a indicação de uma gripe que provoca a morte de muitos daqueles que se instalaram na prisão após a fuga da cidade comandada pelo Governador (David Morrissey). E como se sabe, no universo da série, morrer não é nada bom. Não deixa de ser uma solução prática e viável encontrada pelos responsáveis da série em eliminar rapidamente parte dos novos personagens que se juntaram a Rick e cia, mas sem soar como uma mera desculpa, além de proporcionar alguns ótimos momentos de tensão, especialmente na sequência da primeira vítima do surto que provoca dezena de outras mortes ou durante a corrida contra o tempo para salvar a vida de Glenn (Steven Yeun), ambos embalados por uma trilha sonora agonizante e aterrorizante.
A contaminação coloca os personagens em alerta e ainda estabelece alguns conflitos dramáticos importantes, especialmente aqueles em que se questionam conflitos morais assim como a racionalidade e a humanidade dos sobreviventes. Após terem feito tudo o que fizeram para se manter vivos, ainda haverá condições para que eles voltem a ser o que eram antes de tudo isso? Esse é o principal conflito entre os personagens na primeira metade da temporada. Rick continua sendo o centro emocional da série já que mesmo diante de tanta responsabilidade e stress, ele ainda se mantém com uma fé e uma moral inabaláveis que o transforma até em um sujeito menos ativo justamente para proteger aqueles que permanecem na prisão, especialmente seus filhos, como se não quisesse colocar mais ninguém em risco. Em um dos episódios, porém, uma sobrevivente que ele encontra nos arredores da prisão lhe faz esse questionamento e os eventos decorrentes desse encontro, até mesmo aqueles que seguem dentro da prisão, irão colocar em xeque essa sua postura aparentemente passiva (inclusive envolvendo uma tomada de decisão difícil e delicada ao final do 4º episódio decorrente de uma ação controversa, mas compreensível diante das circunstâncias, mesmo que a reação de ambos soe um pouco desproporcional). Andrew Lincoln é um ator formidável, pois ele consegue carregar um personagem complexo com serenidade, sensibilidade e extrema segurança, mas sem deixar de ilustrar a carga dramática característica de Rick que alterna entre o tom politicamente correto e um lado mais frio e calculista. Rick representa a nossa fé na humanidade mesmo quando está carregado de desesperança (e quando ele, emocionado, pede trégua a um determinado personagem não tem como não se comover com o seu alto nível de fragilidade). Scott Wilson é outro ator que oferece um trabalho de atuação maravilhoso como Hershel que se torna uma espécie de mentor moral, ético e espiritual do grupo com extrema elegância, mas mantendo em sua essência a sua personalidade rústica e simples de fazendeiro. Sem dúvida nenhuma, um personagem marcante.
O 6º e o 7º episódios estão certamente entre os melhores episódios da série como um todo e curiosamente está fora do núcleo central já que se concentra nos caminhos percorridos pelo Governador a partir do final da temporada anterior até o tempo presente. O arco dramático vivenciado pelo personagem é muito bem encenado e a sua humanização é quase que um sopro de esperança para o seu futuro ao lado de sua nova família, mas por mais que ele resista, a sua natureza doentia e perturbada parece falar mais alto. E estes dois episódios são capazes de elevá-lo e torna-lo mais complexo do que tudo o que vimos e sabemos sobre ele pela temporada anterior, logo quando ele surge ameaçador diante do grupo de Rick há novamente o pavor e o medo já experimentados, mas certamente estamos diante de um novo Governador, muito mais imprevisível, muito mais insano e muito mais perigoso (e essa constatação pode ser resumida através de uma atitude covarde e chocante). David Morrissey, que é um ator extremamente limitado, alcança um nível de interpretação compatível com seu talento, mas cuja eficiência é inquestionável já que funciona. E se na temporada anterior, mesmo que o Governador servisse como um relativo contraponto a Rick, aqui Morrissey permite que seu personagem imprima um alcance emocional maior, seja pela sua redenção ou pelo seu egoísmo, como desejado pelo roteiro.
Após o ótimo episódio que registra a catarse entre o grupo de Rick e do Governador (em que os responsáveis pela série deixam um pouco a desejar apenas na geografia das sequências de ação já que os planos e contra planos enfraquecem os duelos, especialmente os que envolvem arma de fogo), os episódios seguintes se concentram na dispersão do grupo. Em um episódio, que mais se parece com um curta e/ou um episódio experimental, Carl (Chandler Riggs) age solitariamente enquanto o pai se recupera dos efeitos do episódio anterior, mas tudo é feito de maneira bastante esquemática em que o garoto se comporta de maneira imatura e às vezes irritante, mas cujo peso não pode ser colocado apenas nas costas de Riggs já que ele se mostra um ator mirim bastante esforçado. As ações de Michonne (Danai Gurira) também são rasteiras, incluindo até um “flashback” que permite uma atuação terrivelmente canastrona de Gurira que até então não havia comprometido a série já que a sua performance como a personagem feminina durona se mostrara bastante convincente até então. As ações dos demais personagens, divididos em outros três núcleos não possuem eventos especialmente marcantes, fazendo com que a temporada perca bastante do seu ritmo, sendo mais reflexiva e contemplativa. Esse isolamento dos personagens em pequenos grupos evidencia também que nem todos os personagens funcionam isoladamente da mesma forma que em grupo seja para o bem, como no caso do sempre marcante Daryl (o ótimo Norman Reedus), ou para o mal, tratando-se de Glenn, por exemplo, apesar da presença carismática de Steven Yeun.
Essa 2ª metade da temporada se divide em episódios pouco marcantes que servem apenas para conduzir os personagens ao final da temporada (entenda-se “Santuário”) com outros que funcionam muito bem isoladamente para reforçar as relações entre um ou mais personagens. Além daquele que envolve Rick e Carl, um que merece destaque é o que se sustenta através da relação entre Daryl e Beth (Emily Kinney, ótima), dois opostos que se atraem. Porém, o episódio mais contundente é certamente aquele que acompanha Carol (Melissa Suzanne McBride, brilhante) e Tyreese (Chad L. Coleman, limitado) ao lado de das irmãs Lily e Tara através de um arco dramático repleto de esperança, mas carregado de tristeza e melancolia. Além de servir de preparação para a próxima temporada, a 4ª temporada insere alguns personagens novos, como o militar Abraham Ford (Michael Cudlitz, fraco) encarregado de proteger o cientista Eugene Porter (Josh McDermitt, fraco) que conhece o motivo que causou a epidemia até chegar à base do exército americano em Washington, porém não se explora muito o assunto classificado como confidencial.
A temporada se encerra com a apresentação de um novo grupo que promete ser antagonista de Rick & Cia, porém o mais bacana do encerramento foi justamente explorar a quebra de expectativa com relação aos conceitos entre o bem e o mal já que os próprios personagens questionam a respeito da sua própria natureza depois de tudo o que enfrentaram (retomando parte da abordagem levantada na primeira parte da temporada), logo não deixa de ser ousado e inteligente a aposta dos roteirista em colocar os personagens que acompanhamos desde o começo como responsáveis por uma carnificina, além de invasores de propriedade. Em resumo, mesmo com alguns episódios que destoam do restante da temporada em sua segunda metade, a 4ª temporada atingiu o mais alto nível que “The Walking Dead”, deixando boas perspectivas para o futuro.
A 1ª temporada de “Game Of Thrones” é fantástica. A 2ª temporada já demonstra uma falta de ritmo preocupante, mas ainda mantém intacto boa parte do seu apelo emocional. Já a 3ª temporada de “Game Of Thrones” é um longo, cansativo e exaustivo engodo. Como em um jogo de xadrez comandado em câmera lenta, cada um dos núcleos da narrativa se movimenta no tabuleiro de maneira preguiçosa ao longo da temporada já que na verdade tem pouco a apresentar, logo o que se vê ao longo dos 10 episódios nada mais é do que uma longa preparação para os seus episódios finais que reservam as maiores catarses da temporada, especialmente os dois últimos episódios. Isso tudo se ainda não bastasse o oportunista efeito de arrastar a narrativa ao longo de cada um dos episódios apenas para que reservasse algum evento digno de nota em seus cinco minutos finais, fazendo com que Dan Brown se sentisse orgulhoso da sua eficiente canastrice literária, os roteiristas da série, que se inspiram nos livros de George Martin, seguem sua cartilha fervorosamente de maneira extremamente prolixa. Ao longo desta temporada, Daenerys Targaryen (a irregular Emilia Clarke) tem uma trama que praticamente se repete a da temporada anterior já que se concentra na busca por um exército que lute ao seu lado. E dá-lhe negociação, peitos e bundas! Robb Stark (Richard Madden) possui um interessante conflito como Rei já que precisa medir as consequências de uma possível nova aliança ao mesmo tempo em que se apaixona por uma espécie de camponesa que pode comprometer um futuro casamento importante para as suas aspirações no poder. Não é à toa que o impacto provocado por esse núcleo é o mais chocante justamente pela frieza e a crueldade adotada pelos inimigos. Enquanto isso o Regicida (Nikolaj Coster-Waldau)¬, após suas atitudes desumanas, enfrenta todos os tipos de humilhação quando é mantido prisioneiro e curiosamente é aquele personagem que apresenta o arco dramático mais intenso e contundente. No mais, os demais núcleos se resumem a narrativas requentadas de romance e fantasia que não agregam muito e que nem chamam a atenção pelo estilo em que são apresentadas, como a que envolve um soldado da Patrulha da Noite, um bebê e a mãe da criança ou o romance com ecos de “Síndrome de Estocolmo” entre Jon Snow (Kit Harington) e a selvagem. Triste ver alguns dos personagens mais interessantes da série tão desperdiçados, com Tyrion (Peter Dinklage) que surge tão apagado nessa temporada mesmo assumindo uma condição de protagonismo no arranjo do seu casamento com Sansa (Sophie Turner); ou Cersei (Lena Headey) nem sendo a sombra da ardilosa articuladora que foram em temporadas anteriores assim como Mindinho (Aidan Gillen). O mesmo vale para a talentosa Maisie Williams na pele da Arya cujas ações são limitadíssimas tendo menos espaço até mesmo que a trama envolvendo seu irmão Bran interpretado pelo insonso Isaac Hempstead-Wright. Enfim, uma terceira temporada que deixa ainda mais evidenciado os pontos falhos da série não conseguindo repetir o equilíbrio visto ao menos na primeira temporada.
A 1ª temporada da série “Demolidor” demonstra um vasto repertório de personagens complexos e ações intensas que a tornam um programa vigoroso. Criado pelo co-roteirista Drew Goddard, a partir dos quadrinhos da Marvel, a série estabelece inicialmente de maneira enxuta e eficaz o evento que culminou com a cegueira de Matthew Murdock (Charlie Cox), ainda na infância, e a sua relação com o pai, um boxeador decadente, sendo que paralelamente já insere o personagem nos dias de hoje em meio ao cenário de caos e violência predominante em “Hell´s Kitchen”, um bairro fictício de Nova Iorque, dominado por atividades ilegais de chineses, russos e japoneses, mas comandados com frieza e autoritarismo por Wilson Fisk (Vicent D´Onofrio).
Apresentado como um advogado idealista, Matt encontrou nas suas ações, como uma espécie de vigilante noturno, uma forma de fazer justiça com as próprias mãos, o que não deixa de ser um contraponto interessante já que expõe a complexidade do personagem que usa da violência em suas ações heroicas ao mesmo tempo em que as pessoas mais próximas ficam igualmente ameaçadas. Inicialmente interessado em apenas defender pessoas que são inocentes, ele também não deixa de subverter essa regra quando considera mais conveniente fazer um jogo de interesses apenas para chegar mais rapidamente ao chefão do crime organizado da cidade. Esteticamente, a série se mostra extremamente atraente apostando em uma paleta de cores pesadas, reforçando o clima sombrio da série e os diretores estabelecem um alto padrão na condução das sequências, especialmente as que envolvem a ação de Matt, como quando ele invade o esconderijo de criminosos para salvar uma criança sequestrada em um longo (e falso) plano-sequência ou quando ele liberta a enfermeira Claire (Rosario Dawson) em uma sequência em que a locação é iluminada apenas pelas luzes dos faróis dos carros. Da mesma forma, a sequência em que Matt segue um carro por diversos quarteirões pulando entre os prédios se guiando pelo som de uma ópera é igualmente empolgante. Existem diversos momentos em que os responsáveis pela série fazem escolhas interessantes para explorar a tensão, seja através da violência gráfica e explícita, como a que envolve uma bola de boliche ou um suicídio, outras de maneira mais crua, como a que envolve dois personagens frente a frente em uma mesa, ou criativa quando há o close nos olhos de um determinado personagem com medo enquanto a ação ocorre fora do plano. Além, é claro, da eficiente sequência que marca o duelo final.
Charlie Cox, que até então teve participações inexpressivas em “Stardust” e “A Teoria de Tudo”, sai-se muitíssimo bem na condução de Matt Murdock, trazendo leveza e serenidade a um personagem que poderia facilmente se tornar antipático e/ou aborrecido, logo sua postura serena, enaltecida pelo seu tom de voz suave, aliado à inteligência do personagem, fazem com que a sua transformação no impiedoso vigilante mascarado torne-se reconhecível e autêntica, apenas um lado diferente da mesma moeda, seu lado mais obscuro, mas com extrema energia e vigor. Além disso, convence como herói de ação nas sequências de luta e/ou que envolvem maior esforço físico, mas a sua composição também passa por uma mudança de postura que transita entre o frágil e o descolado, dependendo do ambiente e/ou das circunstâncias, mesmo sem a máscara. Foggy Nelson (Elden Henson, carismático) é o sócio de Matt no novo escritório de advocacia criado pela dupla e funciona como um importante alívio cômico para a série. Se Claire se torna uma espécie de confidente de Matt, além de cuidar de suas feridas físicas e emocionais (e sofrer as consequências por isso), reforçando a dinâmica romântica entre os dois, Karen Page (a ótima Deborah Ann Woll, “True Blood”), secretária da dupla de advogados, por força das circunstâncias, parece caminhar com suas próprias pernas através das investigações que realiza contra os poderosos da empresa que queriam vê-la morta, contando com a ajuda do ético Ben Urich (Vondie Curtis-Hall, eficiente), um veterano jornalista, em vias de se aposentar, mas que também resiste na luta contra o sistema. Sistema este liderado por Wilson Fisk, cujo nome não deve ser citado. Vicent D´Onofrio tem uma participação arrebatadora, um trabalho de composição sutil e sofisticado que torna a sua figura ainda mais imprevisível e ainda mais assustadora. A sequência de apresentação do seu personagem é poética (remetendo ao passado e ao futuro do personagem) assim como toda a sua transformação vista no 4º episódio e que culmina com um desfecho avassalador e chocante (a crueldade provocada por um constrangimento pode ser brutalmente cruel), além de servir de aperitivo para um posterior episódio, cujo “flashback” mostra a sua infância e a influência negativa da sua figura paterna (a referência à abotoadura, por exemplo, é simples e genial), mesmo contando com alguns diálogos expositivos.
A relação entre Fisk e Vanessa (Ayelet Zurer), única mulher capaz de fazer com que ele se mostre mais vulnerável, é apresentada com um nível de tensão altíssima, apesar da sofisticação e de certa carga sexual, mas que só vem a reforçar o nível de ambição de ambos os personagens, inclusive da própria Vanessa cuja moral também não é totalmente defensável. Os roteiristas da série demonstram que sabem construir uma boa dose de expectativa quando a partir de um plano que marca a derrota dos russos em “Hell´s Kitchen” estabelece uma situação em que Matt se encontra encurralado, usando a catarse da situação para alavancar a relação entre os personagens, além de promover o primeiro embate ideológico entre ele e Fisk (e sabiamente não demora muito também para que ambos fiquem frente a frente pela primeira vez). A série sabe fazer o bom uso de eventos passados com a linha narrativa presente, sempre através de uma analogia que ecoa nos eventos atuais (ecos de “Lost”), como quando mostra o reencontro controverso entre Matt e seu tutor Stick (Scott Gleen) ou o nascimento da amizade entre Matt e Foggy (provavelmente o episódio menos marcante da temporada, apesar do seu apelo emocional). Se Wesley ganha uma interpretação refinada por parte do talentoso Toby Leonard Moore, garantindo uma fantástica dinâmica de cena ao lado de D´Onofrio, a participação de Wai Ching Ho empalidece já que a sua atuação burocrática nunca alcança o nível de projeção e importância que o roteiro busca sugerir através da Madame Gao (que também se perde na utilização de diferentes línguas, apesar de usada para construir pequenas, porém dispensáveis surpresas), sendo que Bob Gunton como Leland surge em cena muito mais à vontade e mais eficiente mesmo que em aparições menores.
De todos, o 9º episódio é o mais controverso. O reflexo do episódio anterior é que a figura de Wilson Fisk tornou-se pública e notória, tornando-se uma representação de esperança para a cidade devastada pela violência que o próprio patrocina. Se o mistério em torno de Fisk foi muito bem construído e sustentado até então, o que lhe dava ares ainda mais sombrios, já que não existiam sequer registros da sua existência (o que já era um tremendo exagero!), a partir do momento que ele passa a estar em frente às câmeras, a sua exposição lhe tira um importante álibi, embora não o impeça de agir de forma ditatorial nos bastidores do crime, afinal ele controla polícia, imprensa e justiça. Ainda assim me parece uma guinada muito mais em função do aspecto emocional (influência da chegada de Vanessa em sua vida) do que propriamente uma atitude racional e sensata por parte de Fisk. Aliás, esse é o mesmo “erro” cometido por Matt que tem um conflito moral em função das suas atitudes, até mesmo ecoando com relação a sua fé (bem representado por suas conversas com um padre e uma boa dose de diálogos expositivos), porém ele cai facilmente na armadilha de Fisk justamente por agir de maneira tempestiva, impulsiva e imprudente (e o sorriso de orgulho de Matt quando ouve Karen enaltecendo as virtudes do vigilante mascarado revela sutilmente a influência do seu ego em suas atitudes). Ou seja, a série cria uma sinergia muito forte e importante para reforçar que Matt e Fisk, embora em lados opostos, tem muito mais em comum do que se imagina, especialmente quando eles se mostram em situações mais vulneráveis. E os episódios finais da temporada exploram justamente o impacto provocado por estes “erros” dos personagens através do “rompimento” entre Matt e Foggy e as consequências sofridas pelas pessoas ao redor de Matt e Fisk, ou seja, eles acabam sendo atingidos pelas atitudes emocionais que tomaram, afetando principalmente aqueles que mais amam e mais juraram proteção.
Ao término da 1ª temporada de “Demolidor”, o arco dramático dos personagens se mostra poderoso e autêntico e a evolução da narrativa é extremamente coerente com a proposta sugerida no início, mostrando que a série se sustentou através de argumentos e elementos sólidos, muito bem orquestrados, apesar da complexidade envolvida entre a mistura do universo real e fantástico, e ainda assim dentro de uma lógica interna desenvolvida de uma forma que beira a perfeição. “Demolidor” se mostra uma série inteligente, madura, robusta e extremamente atraente não apenas por acreditar que um único homem e sua fantasia pode fazer a diferença, mas por fazer valer que a essência por trás da máscara (e da série) precisa ser, antes de tudo, honesta, legítima e palpável. E que venham muito mais temporadas.
“Golpe Duplo” é um filme sustentado através da farsa e, até por isso, possui um sucesso bastante relativo. Nicky (Will Smith) é um trapaceiro profissional que se deixa enganar pela sedutora Jess (Margot Robbie) como uma forma de recrutá-la para o seu time, além de não se render a esse irresistível interesse romântico. O roteiro da dupla de diretores Glenn Ficarra e John Requa (do divertido “O Vigarista do Ano”) estabelece essa premissa, mas a partir do momento que introduz personagens que são golpistas e promove reviravoltas através dos golpes praticados pelos mesmos, as reais motivações dos personagens sempre ficam escondidas e/ou subentendidas e não se trata apenas em não desviar o olhar, afinal o roteiro só revela ao espectador aquilo que lhe interessa para que se alcance o resultado necessário para aquele momento. A engenhosidade do roteiro também não deixa de ser um golpe aplicado no espectador, sendo que a diversão não necessariamente é garantida, embora não ofenda a inteligência de nenhum dos envolvidos, na maior parte do tempo. Will Smith parece pouco à vontade na pele de um sujeito politicamente incorreto e que ainda precisa se comportar como um anti-herói romântico (Nicolas Cage, por incrível que pareça, seria uma escolha muito mais coerente com a proposta. Ou ainda Ryan Gosling que seria a escolha original.). É como se Smith simplesmente fizesse uma versão mais séria do seu personagem Hitch, o conselheiro amoroso, mas sem o mesmo charme ou apelo (a sua dramaticidade se resume à expressão de choro contido em alguns momentos). Margot Robbie, além de colírio para os olhos, traz doçura, bom humor e leveza para a sua personagem que são elementos fundamentais para não transformá-la em um mera “femme fatale” que exibe seus dotes e atributos físicos (embora ela também faça isso e muito bem, diga-se de passagem). Atingindo seu ápice na sequência que se passa durante uma partida de futebol americano, “Golpe Duplo” perde seu fôlego na metade final quando há um salto no tempo e Nicky e Jess se reencontram. O elo é o ganancioso Garriga (Rodrigo Santoro, discreto), namorado de Jess, e que contrata os serviços de Nicky. O plano envolvendo o roubo de tecnologia de equipes de automobilismo rivais é conduzida de maneira burocrática, desde a encenação inicial até a encenação final, e sem grandes arroubos de criatividade, além de culminar em um clímax que peca pela falta de ritmo (a sequência da batida entre dois carros parece fazer parte de um outro filme dentro do filme), algumas pontas soltas e um desfecho frouxo.
Neil Blomkamp é, definitivamente, um roteirista e diretor que veio para ficar. Da astúcia e ousadia vistas em “Distrito 9” passando pela excelência e pelo dinamismo de “Elysium”, o alcance de suas obras vai muito além do mero cinema de gênero já que são produções que se apresentam com apelos social e universal. E com a ficção científica “Chappie” não é diferente. Em um futuro não muito distante, a força tarefa policial na África do Sul é substituída por robôs dotados de inteligência artificial, garantindo baixos índices de criminalidade. Fabricados pela empresa Tetra Vaal, presidida com braço de ferro por Michelle Bradley (Sigouney Weaver), estes foram criados pelo talentoso engenheiro Deon (Dev Patel), que pretende criar robôs que sejam capazes de sentir e expressar emoções, porém não recebe o devido incentivo da presidente, além de encarar a inveja do inescrupuloso Vincent (Hugh Jackman), um militar que tem planos de transformar os robôs em máquinas de guerra.
A partir do momento que os personagens são apresentados, o roteiro escrito por Blomkamp ao lado de Terri Tatchell estabelece a premissa a partir do momento que Deon rouba um robô destruído em uma missão policial para concretizar seu projeto, mas é surpreendido por um grupo de criminosos que está interessado que uma máquina ajude-os em um assalto milionário para pagar uma dívida com um traficante local. O “nascimento” de Chappie é carregado de simbolismos, pois Deon assume a condição de Criador, assumindo uma conduta quase que divina já que se mostra preocupado em ensinar bons princípios para o filho. Só que naquele universo, o robô está inserido em um contexto de intensa violência, logo ele será “batizado” de forma cruel, conhecendo o que há de mais cruel na raça humana.
Embora ocasionalmente didático, o roteiro cumpre o seu papel de explorar a importância dos ensinamentos para a criação de uma criança, no caso de Chappie, uma criança-robô, porém ilustra com perfeição como o meio estabelece um reflexo irreversível na construção da personalidade deste ser robótico. Os conflitos morais e éticos promovidos dentro desse arco dramático é o que serve de base para estruturação de “Chappie”, além de ser eventualmente empregado como um nervoso elemento cômico, afinal o aprendizado que o robô tem do mundo real vai contra as boas intenções do projeto de Deon.
O antagonismo de Vincent escancara o elo fraco de “Chappie” que acaba ganhando mais repercussão apenas no terceiro ato, porém a ação de gênero é bem fraca e a atuação de Hugh Jackman se mostra muito caricata e canastrona, prejudicando parte do apelo do clímax. Dev Patel conduz de forma carismática seu personagem embora sejam as ações e omissões de Deon que movimentam, direta ou indiretamente, a trama, o que nem sempre representam soluções inteligentes ou minimamente criativas. Ninja e Yolandi Visser, do grupo de rap sul-africano Die Antwoord, intepretam os criminosos que sequestram Chappie e se assumem como suas figuras paternas, porém apenas ela realiza uma atuação com alcance dramático legítimo.
Embora controverso, o desfecho de “Chappie” flerta com a natureza poética vista em “Distrito 9”, porém embora seja questionável ainda assim revela a ousadia de Neil Blomkamp em não optar por uma solução simplista ou saída mais fácil, clichê e/ou banal. E talvez essa seja o maior triunfo dos seus filmes, a sua inquietação diante de um problema global e a impossibilidade de se mostrar indiferente ao final da experiência.
Baseado em uma “graphic novel” criada pela dupla Mark Millar (“Kick Ass”) e Dave Gibbons (“Watchmen”), “Kingsman – Serviço Secreto” é uma divertida mistura de filme de espionagem com a estética dos quadrinhos muito bem equilibrada pelo diretor Matthew Vaughn, responsável pelos ótimos “Kick-Ass: Quebrando Tudo” e “X-Men: Primeira Classe”. Garry Unwin (Taron Egerton), ou simplesmente, Eggsy é um jovem inconsequente e indisciplinado que flerta perigosamente com o mundo do crime já que ele não se mostra muito empenhado em garantir um futuro melhor para sua vida, embora tenha lá seus talentos. Após ser preso em função de uma baderna realizada com um carro roubado, ele é recrutado pelo misterioso Harry (Colin Firth), integrante de uma agência secreta independente, que pretende introduzi-lo no universo da espionagem através de um programa destinado a jovens recrutas como uma forma de pagar uma dívida moral que ele tem com o pai de Garry e recoloca-lo no caminho certo.
“Kingsman” não pode ser visto apenas como um filme de recrutamento embora dentro da narrativa proposta apresente características que remetem a esse gênero, porém mesmo assim tem um teor muito mais cínico e imprevisível que os clichês comumente utilizados. A aposta no bom humor britânico e no tom politicamente incorreto do roteiro escrito por Vaughn ao lado de Jane Goldman é o que tornam este filme tão excêntrico e peculiar, pois ele não tem medo de subverter as convenções. Harry é um classudo agente secreto, plenamente consciente da sua importância para estabelecer a ordem mundial em meio ao caos, mas não evita de arrumar uma briga de bar para chamar a atenção de Garry quanto ao convite sério que o faz para ingressar em “Kingsman”. Bebendo da fonte onde os filmes do agente “007” já secou o roteiro também faz uso das mais diversas armas e bugigangas como forma de sofisticar a ação dos agentes, seja através de uma caneta, um isqueiro ou um mero guarda-chuva.
Contando com um elegante e sofisticado trabalho de fotografia que preenche os planos com uma paleta de cores quentes, o diretor Matthew Vaughn consegue criar sequências de luta espetaculares, mantendo a câmera inquieta, mas sempre acompanhando a ação do ponto de vista mais próximo de Harry, especialmente. A sequência ultraviolenta que se passa na igreja já é antológica por unificar com perfeição toda a qualidade e a versatilidade técnica do diretor a um senso estético deslumbrante, além de estabelecer com requintes de crueldade e de humor negro o plano do vilão Valentine (Samuel L. Jackson) que por sua vez não deixa de ter o seu grau de ironia. Se Colin Firth empresta a sua característica elegância para incorporar Harry de maneira robusta, irresistível e incontestável, sem nunca deixar de transparecer sua delicada humanidade, mesmo quando precisa se manter no controle da situação, Samuel L. Jackson está muitíssimo bem à vontade na pele de um sujeito que mescla tons de ingenuidade, arrogância e crueldade que o tornam uma figura ainda mais ameaçadora. Curioso notar como o humor de Valentine soa ameaçador justamente por reforçar a sua imprevisibilidade, tornando crível que aquele sujeito é capaz de fazer qualquer coisa para atingir seu objetivo (e o desfecho da sequência da igreja é a prova disso). A caracterização de Valentine com roupas caricatas inapropriadas para a sua idade (inicialmente ele parece um “rapper” adolescente) contrastam com a elegância vista em Harry, o que reforça o antagonismo de ambos.
Taron Egerton é uma grata surpresa, pois inicialmente assim como seu personagem se mostra inapropriado para se tornar um agente secreto, o jovem ator não parece ser uma escolha das mais confiáveis. Mas da mesma forma que Eggsy amadurece com o decorrer dos treinamentos e vai criando cada vez mais um senso de responsabilidade, Egerton vai ficando cada vez mais à vontade ao passo que a transição do personagem torna-se autêntica e legítima. Ao final do processo de seleção, o roteiro estabelece uma reviravolta que prepara o filme para o terceiro ato e mesmo que seja questionável a decisão de colocar jovens na linha de frente de uma missão tão importante, não deixa de ser uma recompensa aos esforços do próprio Eggsy, mesmo que ele venha acompanhado de sofrimento e decepção. Dentro da agência “Kingsman”, ainda há espaço para as participações de Merlin (Mark Strong, carismático) e Arthur (Michael Caine, digníssimo). Os personagens femininos são secundários e recebem em sua maioria pouco destaque, como Roxy (Sophie Cookson), melhor amiga de Eggsy durante o treinamento, mas que se mantém monossilábica ao longo do filme. Até mesmo a capanga Gazelle (Sofia Boutella), embora chame a atenção pela sua habilidade de luta e pelas suas próteses de penas afiadas, ela acaba sendo uma figura inexpressiva até pela falta de carisma de Boutella que não consegue fazer um bom “ping-pong” ao lado de Jackson.
Infelizmente, o clímax de “Kingsman” é responsável pelo maior índice de irregularidades do filme já que é povoado por altos e baixos e por alguns sérios problemas de ritmo que acabam prejudicando um pouco. Até como uma forma de homenagear os filmes clássicos há espaço para a famosa contagem regressiva para a execução do plano do vilão, porém as sequências de ação soam genéricas demais, inclusive a luta final que não se mostra recompensadora. O grande momento promovido por Vaughn é literalmente de “estourar os miolos”, como se regesse uma sinfonia sangrenta, mas a opção estética de tornar esta sequência digna de um desenho animado soa ainda mais apropriada pelo tom absurdo que permeia o filme como um todo, mas com uma sabedoria pra lá de apropriada. E se “Kingsman – Serviço Secreto” é um filme que se mostra altamente dinâmico, extremamente divertido e excitante, Matthew Vaughn tem uma boa parcela de culpa, logo ele está mais do que perdoado pelos pequenos tropeços que ocorreram durante o caminho. O que será imperdoável é caso ele não retorne ao comando da produção em uma provável continuação.
O roteirista e diretor Neil Blomkamp agitou o universo da ficção científica com seu extraordinário trabalho em “Distrito 9” que fazia alusão ao apartheid na África do Sul através de uma belíssima alegoria que envolvia um aparente convívio pacífico entre humanos e alienígenas. Com “Elysium”, ele não deixa por menos, mesmo que seja um filme inferior, já que ele toca na ferida de uma sociedade dividida em classes sociais onde os ricos abandonaram a Terra para viver em órbita na estação espacial Elysium, um condomínio de luxo perfeito e envolto da mais alta tecnologia, inclusive para a cura de doenças, e os pobres são usados na Terra como mão de obra barata para garantir o conforto destes habitantes mais abastados enquanto vivem em condições precárias e de subsistência.
Em um futuro não-muito distante, Max (Matt Damon) é um ex-presidiário que trabalha na fábrica responsável pela confecção dos robôs que garantem a segurança e a comodidade dos habitantes de Elysium. Após sofrer um grave acidente radioativo que lhe dá apenas mais 5 dias de vida, ele resolve colocar em prática o seu plano de invadir a estação espacial para se curar e honrar as promessas feitas para Frey (Alice Braga), seu grande amor do passado. Para executar a sua missão, ele precisará da ajuda de “Spider” (Wagner Moura), responsável por organizar viagens espaciais clandestinas, porém enfrentará os planos de resistência nada ortodoxos de Rhodes (Jodie Foster), secretária de Segurança Nacional, através da utilização do mercenário Kruger (Sharlto Copley), um assassino frio e calculista.
Neil Blomkamp é um diretor extremamente energético, mas ele possui um estilo de direção cru que torna a ação do filme muito mais incisiva já que é alheio a boa parte dos malabarismos que tomam conta do gênero. E até mesmo quando ele faz a utilização dos efeitos especiais, como em algumas sequências que remetem à movimentação dos personagens em um jogo de videogame, o resultado não se torna enfadonho e/ou repetitivo e/ou pouco criativo. Ele sabe construir um apelo visual para as sequências em função da ação que ocorre, como se vê no momento em que um determinado personagem é sequestrado, e não decorrente de algum artificio meramente estético. O diretor de fotografia Trent Opaloch também sabe preencher muito bem os planos com o equilíbrio de cores necessário tanto nas sequências na Terra, onde há o predomínio dos tons fortes e quentes, como em Elysium onde a paleta de cores é mais fria e colorida.
O roteiro se compromete ao dar algumas meias-voltas até unificar todos os interesses envolvidos em único objetivo, mas o resultado final não decepciona. Embora tenha sido uma promessa de infância para Frey, Max só se interessa em ir para Elysium quando corre risco de vida, sendo que até então não parecia mais ter uma ligação tão próxima com ela. Quando ele resolve buscar ajuda de “Spyder”, ele não faz concessões quanto ao risco e aos perigos que enfrentará, porém a sua indicação da vítima do sequestro coincidentemente acaba sendo a única que viabilizaria o plano todo, além do que estabelecia uma relação de proximidade muito grande com Rhodes. E quando Max se torna uma ameaça para a segurança de Elysium (tornando-se uma versão genérica do Robocop), Kruger acaba funcionando como um peão dentro do roteiro, pois ele é o grande responsável pela união de todos os personagens, mesmo que a solução daquele problema não necessitasse de uma intervenção tão drástica e perigosa, ainda mais que Rhodes prezava pela cautela. Ainda assim, o pano de fundo social é muito bem sustentado ainda mais que estamos diante de uma sociedade em que a distorção na distribuição de renda é assustadora e somente os mais ricos tem acesso às melhores condições, inclusive no que se refere à promoção da saúde e da vida (a máquina que cura a doença das pessoas, que não deixa de ser uma ironia, afinal mesmo os mais abastados ainda sofrem de enfermidades, chega ao cúmulo de ressuscitar os mortos, ainda que seja um “furo” ao não evitar um desfecho trágico em seu clímax).
Matt Damon vem se tornando um ator dos mais confiáveis e aqui ele entrega mais um trabalho de atuação de extrema dedicação física e emocional. Wagner Moura incorpora a figura exótica de “Spider” com extrema energia e intensidade, chamando a atenção sempre que está em cena. Alice Braga funciona como um importante alívio emocional para um filme que muitas vezes possui um clima pesado e carregado, enquanto que Jodie Foster impede que a sua personagem se torne uma vilã canastrona e/ou caricata. Ainda assim, o grande destaque fica por conta de Sharlto Copley que toma conta do filme com uma atuação visceral, fazendo com que Kruger torne-se uma figura cruel, monstruosa, desprezível e imprevisível. E com este time de atores e essa gama de atuações destacáveis, “Elysium” se consagra como uma ficção científica notável com muito mais virtudes do que defeitos, sendo capaz de construir um universo e uma trama suficientemente marcantes em que é incapaz de fazer com o que o espectador se mostre indiferente. E isso faz toda a diferença a favor do filme.
“Caminhos da Floresta” é um musical que tenta reunir o maior número de contos de fadas possível em uma visão única e orgânica, mas que somente se torna uma salada atrapalhada de personagens em uma narrativa pouco inspirada e criativa. Aqui, há a Cinderella (Anne Kendrick), a Chapeuzinho Vermelho (Lila Crawford), o João do Pé de Feijão (Daniel Huttlestone) e a Rapunzel (MacKenzie Mauzy), sendo que a Bruxa Má (Meryl Streep) funciona como o elo de ligação entre as histórias a partir de uma maldição que ela lançou na família de um padeiro (James Corden) que impede que ele tenha filhos, o que causa tristeza para ele e sua esposa (Emily Blunt). A proposta da Bruxa é desfazer o feitiço desde que eles adquiram 4 objetos do seu interesse, mas que ela não pode tocar. Coincidentemente, eles esbarrarão com os demais personagens e consequentemente com estes itens dentro da floresta que dá título ao filme. Pelo menos essa é a proposta da primeira hora de filme. O diretor Rob Marshall, que fez um bom trabalho em “Chicago”, mas que fracassou em “Nine” e “Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas”, parece não ter a mínima intenção de se desprender da sua origem teatral, logo os cenários soam artificias e mesmo a fotografia carregada de tons escuros não consegue disfarçar que estamos diante de um filme feito quase que inteiramente em estúdio, logo a limitação da ambientação em muitas sequências se torna um empecilho para as próprias pretensões do filme (não vemos o que se passa na Terra dos Gigantes e nem sabemos como foi o baile da Cinderela). O roteiro de James Lapine é baseado na peça escrita pelo próprio ao lado do letrista Stephen Sondheim, porém nenhuma canção é especialmente marcante assim como nenhum número musical faz jus aos esforços do elenco que por sua vez oferece atuações convincentes e homogêneas. Johnny Depp surge em uma participação como o Lobo Mau, mas que só serve para nos lembrar como ele vem escolhendo mal seus papéis nestes últimos anos. Chris Pine beira a canastrice como o príncipe encantado seja nos momentos musicais ou na postura diante da personalidade mais decidida de Cinderela. Já os demais possuem vozes agradáveis e defendem bem seus personagens, especialmente Corden e Blunt. Meryl Streep atua no piloto automático. A segunda metade do filme consegue ser mais irregular que a primeira a partir da ameaça de uma gigante com uma enormidade de pontas soltas (fazendo com que os personagens retornem a qualquer custa para a floresta) e nem mesmo as perdas sentimentais que ocorrem até o desfecho alcançam o potencial dramático que mereciam (chega a ser frustrante como uma determinada personagem é descartada antes de ser fragilizada em função de uma traição). Rob Marshall realiza mais um musical pouco memorável e plenamente esquecível.
“Êxodo: Deuses e Reis” é um filme que faz jus à grandiosidade dos eventos que retrata pela sua escala épica, mas o apelo é morno e rasteiro já que a jornada física e espiritual de Moisés (Cristian Bale) assume uma natureza episódica que prejudica o seu apelo e a própria evolução da narrativa, inclusive a relação com o meio-irmão Ramses (Joel Edgerton) que se tornaria rei do Egito, escravizando os hebreus de maneira ainda mais tirana. Adaptado do “Êxodo”, segundo livro do Antigo Testamento, os roteiristas Adam Cooper, Bill Collage e Steve Zaillan se contentam em meramente registrar o maior número de eventos relevantes dessa passagem, como se fossem autossuficientes, mas são incapazes de construir uma teatralização atraente para criar um apelo genuíno decorrente do próprio filme (nem mesmo a necessidade de evocar “realidade” soa especialmente marcante). Logo, quando descobrimos que Moisés é um hebreu exilado que fora salvo da morte pela irmã do faraó, o apelo dramático fica restrito apenas à intensidade dramática empregada por Bale. Nas mãos do experiente, mas irregular Ridley Scott, ele transforma Moisés em uma espécie de Gladiador (o hebreu que virou líder do exército egípcio que virou o profeta dos hebreus), em dados momentos é quase um herói romântico, mas a evolução do personagem é corriqueira sendo que a sua redenção espiritual se resume a um acidente em que Deus é personificado através de uma criança que não deixa de ser uma saída fácil e uma muleta ao longo da narrativa. Contando com uma produção tecnicamente irrepreensível, incluindo efeitos especiais grandiosos que auxiliam na condução da narrativa, como na recriação dos ambientes, nas sequências das pragas, mas especialmente no clímax, o filme é esteticamente atraente já que conta também com o belo trabalho de fotografia de Dariusz Wolski (inicialmente apostando em tons mais quentes e posteriormente com uma paleta de cores mais acinzentadas). Se Cristian Bale confere credibilidade ao seu personagem com a competência que lhe é habitual, construindo uma interpretação forte, intensa, inquieta e melancólica, Joel Edgerton se deixa levar pela caricatura, trilhando caminhos perigosos e escorregando ora ou outra em uma canastrice distrativa e bastante prejudicial (o que justifica a sobrevida dada aos hebreus para logo em seguida Ramsés mudar de ideia e perseguir os hebreus). Ainda assim ele tem lá seus momentos. O restante do elenco é desperdiçado, sendo o experiente Bem Kingsley, um coadjuvante de luxo, ou um desperdiçado Aaron Paul, quase monossilábico. O clímax embora épico é bastante anticlimático já que se resume a um mar de efeitos especiais e nem mesmo o potencial de um duelo se confirma totalmente, logo se o filme todo foi uma preparação para aquele momento, quando ocorre é como se tudo fosse por água abaixo. Sem conseguir criar laços e vínculos emocionais profundos (o momento de mais apelo emocional envolve o destino trágico de crianças egípcias), “Êxodo: Deus e Reis” assim como “Noé” ainda não representa um retorno triunfante das obras épicas de temática religiosa. Ainda é necessário ter muita fé para que isso volte a ocorrer.
Baseado na obra literária de Thomas Pynchon, “Vício Inerente” é o primeiro filme não original dirigido e roteirizado por Paul Thomas Anderson, um dos diretores e roteiristas norte-americanos mais talentosos da atualidade. Talvez até por isso seja o seu filme menos inspirado embora tenha o seu grau de interesse garantido pelo seu tom exótico e pouco convencional, especialmente na figura do seu personagem central, o detetive particular Doc Sportello (Joaquin Phoenix), um hippie que não abre mão de um baseado e nunca é levado a sério pelos seus colegas de profissão, além de ser constantemente intimidado pelo policial de codinome Bigfoot (Josh Brolin). O apelo da narrativa fica por conta dessa mistura psicodélica com a aura paranóica que marcou a Era Nixon já que a trama em si parece apenas querer disfarçar a sua falta de propósito e de sofisticação já que um personagem desinteressante leva a outro e depois a outro como se o filme fosse um enorme devaneio saído da mente de Doc. E nenhum dos demais personagens é tão atraente em sua excentricidade como Doc e Bigfoot, o que compromete a fixação no desenrolar dos eventos. Logo, o que menos importa é se tratar de um filme de PTA já que ele parece anestesiado pela cortina de fumaça que encobre os personagens. Joaquin Phoenix tem um trabalho de composição maravilhoso, capaz de tornar o seu personagem uma figura hipnótica através da sua displicência descarada e sua doçura ingênua e quase juvenil. E pelo fato dele estar em praticamente todas as cenas do filme, Phoenix sempre torna o personagem atraente e acompanhar os esforços de Phoenix na construção desse personagem desde a postura desleixada, passando pela sua entonação vocal, a composição física e até mesmo o figurino é recompensador. Josh Brolin também realiza uma performance impecável já que a sua figura representa o autoritarismo e a ordem e suas intervenções são justamente as mais engraçadas, pois realçam um tipo de conduta violenta e fascista que beira a canastrice já que chama a atenção pela sua estupidez. Ele impede que Bigfoot se transforme em um mero ranzinza e o transforma em alguém digno de pena por defender sua moral cega, graças a uma perfomance fria e serena por parte de Brolin. Apesar da boa caracterização e restituição de época, não há na trama um único ponto destacável do ponto de vista narrativo e muito menos PTA se coloca como o talentoso contador de histórias que se especializou em ser, logo “Vício Inerente” acaba sendo um filme pouco memorável e marcante. E tão logo ele termine, o que resta é a presença de Brolin e, especialmente, a atuação de Joaquin Phoenix.
“Vingadores – Era de Ultron” é um filme que alcança o que se propõe com excelência através de uma narrativa dinâmica, uma trama que sabe explorar as boas perspectivas oferecidas pela sua premissa e que conta com uma gama de personagens carismáticos através de um senso de humor praticamente infalível. Quando Tony Stark (Robert Downey Jr.) constrói um sistema de inteligência artificial que sai do controle, ele e seus companheiros de SHIELD precisam combater o inimigo que agora atende pelo nome Ultron (voz de James Spader) e pretende exterminar os Vingadores, além de extinguir a raça humana.
A partir dessa premissa, o roteiro explora não apenas a ameaça provocada por um novo inimigo (cuja moral traz um teor terrorista que sabe mesclar um discurso bem articulado aliado a um personagem digital atraente visualmente), mas também o potencial de novos personagens, como Mercúrio (Aaron Taylor-Johnson) e Feiticeira Escarlate (Elisabeth Olsen) e potencializa os dilemas entre os próprios Vingadores, especialmente os conflitos éticos entre Homem de Ferro e Capitão América (Chris Evans) que parecem ter mais diferenças do que se parece, embora representem ideais americanos; os sentimentos despertados pela relação entre Hulk (Mark Rufalo) e a Viúva Negra (Scarlett Yohansson) que possuem traumas emocionais igualmente complexos o que desperta uma genuína cumplicidade; e até mesmo a possibilidade de uma vida normal almejada pelo Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) em um momento de sensibilidade e serenidade da narrativa que jamais soa piegas.
Thor (Chris Hemsworth) acaba participando ativamente da trama (o cajado de Loki é o que serve de estopim para a trama), mas representa o elo mais fraco dentre todos (embora tenha uma participação importante lá pelo final do segundo ato, o seu núcleo se enfraquece pela necessidade de misturar mitologia dentro de uma história com conteúdo tecnológico e apelo humanitário). Ele, assim como os demais, funciona quando a narrativa exige algum alívio cômico, sendo que o momento principal reside na brincadeira envolvendo o martelo de Thor já que ninguém se mostra digno de erguê-lo (e de maneira inteligente, o roteiro investe nessa piada lá pelo final envolvendo um misterioso e poderoso personagem). Da mesma forma, o humor irônico e sarcástico de Tony Stark está sob medida assim como as boas piadas auto-referenciais do próprio Capitão América, a participação do Máquina de Guerra (Don Cheadle) e até mesmo a irresponsabilidade juvenil do jovem Mercúrio.
O diretor Joss Whedon sabe muito bem explorar o potencial de cada um dos heróis nas sequências de ação, como já fica evidente na eficiente sequência de abertura, porém esse aspecto acaba sendo bem aproveitado até mesmo quando precisa explorar o confronto espetacular entre dois dos Vingadores, como quando Hulk e Homem de Ferro destroem uma cidade em duelo particular, mesmo que em alguns momentos Whedon abuse dos cortes rápidos e da câmera tremida, o que dificulta a compreensão de algumas sequências. E se esse duelo acaba resultante da exploração do potencial da premissa que permitiu de maneira orgânica que um se voltasse contra o outro, no clímax com núcleos de ação há de se levar em consideração que nem todos possuem o mesmo apelo, inclusive aquele que envolve o destino final de Ultron que deixa um pouco a desejar. Ainda assim, mesmo em um filme que tem proporções grandiosas e com sequências megalomaníacas, Whedon faz com que “Vingadores – Era de Ultron” seja um filme em que há um nível superior de consciência com relação aos efeitos colaterais provocados na vida dos civis (se comparado com os demais filmes do gênero). Isso se faz presente não apenas no clímax, mas nos próprios dilemas dos heróis quando questionam a vida das pessoas que são colocadas em perigo quando estão em ação, na própria moral radical e distorcida do vilão Ultron que defende a idéia de que os Vingadores são assassinos e até mesmo na origem de Mercúrio e Feiticeira Escarlate que possuem suas próprias motivações pessoais.
Superior ao ótimo filme anterior, “Vingadores – Era de Ultron” revela-se um filme intenso, dinâmico e extremamente divertido, ingredientes que fazem dessa produção da Marvel um espetáculo, um “blockbuster” praticamente infalível. Se a Marvel segue uma fórmula de sucesso, essa segunda reunião demonstra que ela não se esgotou e só ajuda a criar ainda mais expectativas para as próximas produções que visam explorar o potencial dos heróis, dos homens e mulheres por debaixo dos seus uniformes e armaduras.
"“Os Últimos Cinco Anos” é um musical pouco inspirado que traz à tona as alegrias e dissabores do relacionamento amoroso entre Jamie Wellerstein (Jeremy Jordan) e Cathy Hyatt (Anna Kendrick). Baseado no musical da Broadway de Jason Robert Brown, o filme se beneficia por trazer o mesmo casal de atores da peça (que inclusive foram indicados ao Tony Awards, o Oscar do teatro norte-americano), mas o roteirista e diretor Richard LaGravenese falha ao realizar um trabalho irregular, sem ritmo e pouco atraente. A adaptação parece preguiçosa, pois a maioria dos números musicais reforçam a sua natureza teatral já que são retratados geralmente em ambientes fechados, deixando a incômoda sensação de que se trata apenas de uma peça filmada em que a única diferença são os diversos ambientes que ocasionalmente servem para um mesmo número, isso quando não são totalmente encenados dentro de um quarto e/ou de um apartamento. Há poucas oportunidades em que se investe em números musicais com coreografias de dança e tratando-se de um filme de temática romântica investe-se pouco nos duetos. A aposta de LaGravenese na câmera na mão também se mostra deselegante em alguns momentos tornando confuso os enquadramentos e a movimentação dos atores mesmo quando estão em cenários ao ar livre já que estão limitados dentro daquele plano fechado. As performances de Jeremy Jordan e Anna Kendrick oscilam de acordo com a qualidade das canções, mas eles não deixam de funcionar em nenhum momento como um casal carismático e por quem vale a pena torcer. Ironicamente, a melhor canção do filme é a que abre o longa e que anuncia o rompimento do casal antes da história deles ser contada em flashbacks, porém LaGravenese já enfraquece o momento mantendo Cathy estática, comprometendo inclusive a interpretação de Anna Kendrick. Existem outras canções românticas, inclusive o dueto em que eles enaltecem o sentimento que nutrem um pelo outro, assim como outras mais divertidas, como aquela em que Jamie sugere que outras mulheres se interessaram por ele justamente após o casamento, mas nenhuma tem o alcance emocional provocado pela canção de rompimento. E quando o terço final do filme anuncia o início do fim é ironicamente quando o filme alcança seu auge justamente pelo teor das canções ganharem mais densidade dramática (destaco a canção em que Jamie ainda se mostra um romântico incorrigível mesmo com a relação escorrendo pelos dedos e que até por isso acaba agredindo verbalmente a companheira com algumas verdades difíceis de aceitar) e o clima torna-se mais intenso e pesado (a fotografia assume tons mais escuros), reforçando a dedicação dos atores em conferir credibilidade aos seus personagens mesmo quando o idealismo romântico é substituído por um tom mais amargo. E mesmo que o roteiro queira mesclar momentos de uma ilusória reconciliação como uma forma de suavizar o drama da situação, "Os Últimos Cinco Anos" é um filme triste e desesperançoso cuja realização fica muito aquém do sucesso alcançado pelo seu material de origem, tornando-se um musical pouco memorável."
"“O Maravilhoso Agora” é um filme imperfeito que não esconde seus problemas, mas que possui certo apelo, especialmente pelo carisma e pela qualidade das performances de Miles Teller e Shailene Woodley. Sutter Keely (Teller) é um jovem de 18 anos que não tem muitas ambições com relação ao seu futuro, está no último ano do Ensino Médio, não faz planos com relação à faculdade e conforma-se com o trabalho de vendedor em uma loja de roupas masculinas. Correndo o risco de não se formar, ele resolve se dedicar aos estudos contando com a improvável parceria da jovem Aimee Finick (Woodley) e dessa relação surge um sentimento que mudará seus destinos. É inegável que a relação entre os dois personagens é muito bem defendida pelo casal de atores, afinal trata-se de um romance de opostos, porém o roteiro da dupla Scott Neustadter e Michael Weber exige muito da generosidade dos dois para legitimar a relação. Ele é um sujeito inconsequente e irresponsável que passa o filme inteiro bebendo vodca como se fosse água mineral, uma péssima companhia e influência, mas ele não se mete em maiores confusões, logo é mais digno de pena. Ninguém parece julgá-lo nem mesmo Aimee que aceita a aproximação dele sem grandes restrições, sem levar em consideração que ele sequer a conhecia, mesmo estudando na mesma escola, no mesmo ano, nunca criticando-o pelo consumo excessivo de bebida alcoólica, inclusive dividindo alguns goles, sendo uma jovem inteligente, ingênua, generosa, politicamente correta e repleta de outras virtudes. Ele é um cara mal, mas não tão mal assim. Ela é uma pessoa essencialmente do bem. Sutter Keely parece ser um sujeito mais autêntico enquanto que ela soa mais utópica. Ainda assim Miles Teller e Shailene Woodley estão tão adoráveis com interpretações sutis, sensíveis e cativantes que é quase possível perdoar as falhas de desenvolvimento da narrativa. Quase. Há pouco aprofundamento do núcleo familiar de Aimee enquanto que o roteiro investe mais na relação distante de Sutter com a mãe (Jennifer Jason Leigh), a irmã (Mary Elizabeth Winstead) e, especialmente, com o pai (Kyle Chandler) que abandonou a família e nunca mais deu notícias. A psicologia envolvida na relação de Sutter com o pai e a bebida é rasteira e ao invés de investir na resolução dos conflitos apresentados, tudo sempre se resolve num passe de mágica (se em uma cena, ele está com notas ruins, na cena seguinte, ele conseguiu se formar; se em uma cena, ele abandona algo, na cena seguinte, ele a recupera). A maior interferência de James Ponsoldt se resume na inclusão de fades toda vez que ele precisa indicar uma passagem de tempo para levar o filme de um ponto de conflito para um outro ponto de resolução, sendo que o mais importante a ser mostrado era justamente o que aconteceu nesse intervalo. Assim como o personagem central, “O Maravilhoso Agora” padece pela irresponsabilidade do seu imediatismo imaturo e juvenil."
“Cake – Uma Razão Para Viver” parece um filme feito para e por hipocondríacos, pois é um drama sofrível que parece servir apenas de veículo para que Jennifer Aniston tenha uma atuação menos glamourosa e mais humanista, digamos assim, sendo que mesmo assim não faz jus nem mesmo para esse propósito. Claire Bennett (Jennifer Aniston) é uma mulher que sofre de dores crônicas que a torna dependente de medicamentos, geralmente adquiridos de maneira ilícita. Convidada a se retirar de um grupo de apoio em função do seu comportamento cínico, mal humorado e arrogante (potencializado pelas suas constantes dores físicas), ela acaba se tornando obcecada pela vida de Nina (Anna Kendrick), uma jovem que fazia parte desse mesmo grupo, mas que cometeu suicídio ao pular do alto de um viaduto, deixando marido (Sam Worthington) e filho para trás. Aos poucos o roteiro vai oferecendo pistas sobre o passado de Claire e o que a levou a esse estágio de desamor, inclusive sugerindo um possível acidente que a deixou sequelas em seu corpo e levemente desfigurada, além de um casamento desfeito, mas as escolhas do roteiro acabam sendo previsíveis já que a obsessão é na verdade uma tentativa desesperada e artificial de Claire em não repetir a trajetória de Nina (o simbolismo do “bolo” é de um artificialismo clichê e piegas que ilustra a falta de criatividade por parte do roteiro ao longo da narrativa). A talentosa Jennifer Aniston tem em suas mãos uma personagem problemática e tenta se equilibrar na construção de uma figura amarga e ressentida, porém triste e solitária, mas as suas escolhas não suavizam o tom adotado pelo roteiro que tornam Claire uma mulher de difícil empatia. Não há quadro na parede e/ou redução de culpa (sugerida pela participação de um desperdiçado William H. Macy) que resolva esse problema e amenize o contexto. As aparições de Nina só problematizam o já deficitário trabalho de direção de Daniel Barnz que também não sabe acertar o tom destas sequências de alucinação, nem menos a fotografia se mostra particularmente inspirada, e Anna Kendrick não faz por merecer a atenção dada a sua personagem. Sam Worthington não compromete enquanto que Adriana Barraza tem uma participação bastante carismática. Se “Cake – Uma Razão Para Viver” não demonstra a mínima intenção de se tornar um dramalhão também não tem senso de humor, sarcasmo e ironia que sirvam de ingredientes para torná-lo mais atraente, tornando-se apenas um filme estranho, esquisito e sem o menor apelo estético e/ou emocional.
“Selma” é um retrato sóbrio e amargo sobre os movimentos de não-violência liderados por Martin Luther King (David Oyelowo) pela luta de direitos igualitários para os negros americanos, especialmente o direito ao voto que permanecia negligenciado e burocratizado, destacando-se a marcha realizada entre a cidade de Selma, no interior do Alabama, até Montgomery, a capital do estado. Dirigido por Ava DuVernay, o filme mantém um nível de serenidade e autenticidade louváveis quando a proposta poderia facilmente recair no melodrama e o roteiro de Paul Webb é equilibrado e ágil o bastante para conduzir a narrativa de forma dinâmica sempre conduzindo o filme a frente, além de sustentar uma representação madura e complexa do icônico ativista. A atuação de David Oyelowo é intensa, vigorosa e precisa, tornando Martin Luther King um homem carismático e de fortes convicções, como se nota em seus poderosos discursos ou em suas conversas com o presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), mas que nem por isso deixa de se mostrar frágil e melancólico, como quando precisa lidar com os conflitos e dilemas do seu casamento com Coretta (Carmen Ejogo), inclusive envolvendo suspeitas de traição, ou lidar com as perdas de companheiros no caminho (como em uma emocionante sequência ao lado do pai de uma vítima). Oyelowo jamais soa como um mero imitador e nem por isso o seu trabalho de composição se mostra menos metódico e/ou disciplinado. Ava DuVernay sabe lidar muito bem com o peso da história que tem para contar e faz escolhas elegantes e assertivas quando precisa usar sua câmera para mostrar passagens mais contundentes e violentas, seja através do uso da câmera lenta quando as vítimas são crianças, um estilo mais cru e pesado quando um jovem é assassinado brutalmente por um policial e na emblemática sequência em que negros são agredidos sob uma cortina de fumaça branca em cima de uma ponte na cidade de Selma. Nenhuma de suas escolhas se mostra equivocada já que as brutais sequências chamam a atenção justamente pelo nível absurdo de sua gratuidade. Ela tem a sua disposição também uma precisa e eficiente montagem e mais um ótimo trabalho de fotografia de Bradford Young (“O Ano Mais Violento”) que mergulha o filme ora em tons quentes e pastéis, revelando uma paleta sóbria e elegante, ora em tons mais pesados e sombrios. O roteiro, em boa parte da narrativa, apresenta uma pintura bastante distinta entre brancos e negros, sendo que enquanto dentro do movimento liderado por King haviam vozes dissonantes, que acreditavam que a mensagem poderia ser transmitida de outra forma, nunca posando totalmente de inocentes (King sabia que seriam combatidos com violência) e/ou “santinhos” (inclusive o próprio Malcolm X que aceita o seu papel de radical do movimento), no caso dos brancos, especialmente os políticos, os mesmos são retratados como sádicos e desumanos, como Lee C. White (Giovanni Ribisi), o principal assessor do presidente; a pequena participação de J. Edgar Hoover (Dylan Baker); e o governador George Wallace, interpretado de maneira canastrona pelo ótimo Tim Roth. Nesse aspecto, tudo é muito preto no branco, não existe meio-termo, não existe complexidade entre “vilões” e “mocinhos”, inclusive o próprio presidente Lyndon Johnson que se apresenta de maneira covarde apenas para preservar seu capital político, deixando o aspecto humano, social e moral de lado até o seu limite já que é constantemente confrontado por King. Somente lá pelo terceiro ato é que a perspectiva da narrativa dá mais espaço para que cidadãos brancos apoiem a causa dos manifestantes até como uma forma de ilustrar que o mundo, de uma maneira geral, só começou a dar razão às reinvindicações quando a violência vitimou pessoas caucasianas. É uma triste ironia, mas não deixa de funcionar também como uma mensagem de que a luta de Martin Luther King e seus seguidores não era uma luta da raça negra, mas sim da raça humana e que todos merecem os mesmos direitos. Há de se levar em consideração algumas “liberdades”, como a construção de uma dinâmica entre King e o presidente Johnson ilustrada através de telefonemas que revelam um certo didatismo (o roteiro faz questão de validar que King e seus companheiros eram observados pelo FBI) e até um pouco de artificialismo (o presidente e King discutem assuntos de alta complexidade como se fossem vizinhos em que um reclama do barulho do outro), mas nada que venha a comprometer o alcance emocional deste filme digno, contundente e obrigatório.
“Simplesmente Acontece” é uma comédia que tenta ser simpática, mas com as suas inúmeras, forçadas e incômodas reviravoltas só consegue ser aborrecida. Rosie Dunne (Lily Collins) e Alex Stewart (Sam Clafin) são amigos de infância que sempre se recusaram a enxergar o que é óbvio ao espectador desde o início: que eles foram feitos um para o outro. Essa necessidade do roteiro de Juliete Towhidi, baseado na obra de Cecelia Ahern, é extremamente perceptível, porém a narrativa quer transformá-la em algo invisível, o que não seria um problema irreversível, mas a cada desencontro óbvio e/ou absurdo, a cada piada e/ou gag de mau gosto ou pouco inspirada, o roteiro trai essa confiança, o que coloca o projeto em franca decadência, especialmente quando um dos dois está sempre disponível quando o outro não está; ou quando um cria uma falsa expectativa que o outro não corresponde. Esse jogo de gato e rato do destino acaba sendo uma brincadeira frágil e sem graça até mesmo quando se trata de uma comédia romântica que na sua essência apenas requenta os mais clássicos clichês do gênero. O diretor Christian Ditter não sabe muito bem o que fazer com o material que tem em mãos e se mostra um realizador desinteressante e pouco criativo assim como a fotografia pouco atraente, incapaz de salvar a passividade e a previsibilidade do roteiro. A maior virtude do filme fica por conta de Lily Collins que, mesmo em uma atuação irregular, ainda assim defende a sua personagem com unhas e dentes, mas com boas doses de obstinação e doçura que suavizam alguns dos problemas e cativam o espectador, mesmo quando Rosie toma as piores decisões de sua vida, como retomar o relacionamento com o patético pai de sua filha. Difícil imaginar que não existisse um jovem ator britânico com mais talento e carisma que Sam Clafin que aparece e sai do filme sem deixar saudades e, mesmo levando em consideração que ele está muito longe de ser um desastre, sua atuação não torna seu personagem alguém digno de se esperar por tanto tempo, ainda mais quando Alex se mostra submisso diante de qualquer mulher bonita que atravesse seu caminho. Dos coadjuvantes, a figura mais carismática é Lorcan Cranitch que interpreta o carinhoso e atencioso pai de Rosie. A trilha reserva algumas canções engraçadinhas que tentam valorizar uma ou outra piada, mas até mesmo nesse quesito o filme se reserva a ser uma mera cópia pouco inspirada em comparação às demais produções do mesmo gênero. E dessa forma o filme chega ao seu final pra lá de previsível, mas executado de forma totalmente anticlimática, e a conclusão é que a tradução do título em português funciona perfeitamente e resume todos os problemas que permeiam o filme já que tudo acontece porque simplesmente acontece e nada melhor é feito para salvá-lo dessa triste constatação.
Em 1981, a cidade de Nova Iorque viveu um período que foi considerado um dos mais violentos da História e esse é o contexto que serve de base para o filme “O Ano Mais Violento”, escrito e dirigido por J. C. Chandor, responsável pelos ótimos “Margin Call – O Dia Antes do Fim” e “Até O Fim”. Nesse contexto, o imigrante Abel Morales (Oscar Isaac) está em busca de prosperidade através do comércio de combustíveis, porém sofre com os constantes roubos de carga praticados anonimamente pelos seus concorrentes, além de correr contra o tempo para liquidar uma dívida que contraiu. Considerando a ineficiência da polícia diante da onda de crimes e sem contar com a ajuda do Ministério Público, através do promotor Lawrence (David Oyelowo), que o investiga por indícios de envolvimento em outros tipos de fraude, Abel se vê diante de uma situação delicada que ameaça o sucesso do seu negócio assim como a segurança da sua esposa Ana (Jessica Chastain) e de suas duas filhas.
O tom do filme é bastante melancólico e amargo, pois Abel precisa se posicionar da maneira mais honesta e ética possível dentro de um universo que parece a todo o momento flertar com o imoral e o que leva ao desvio de conduta. Nesse ponto, Abel é quase que uma aberração tentando sobreviver em meio a uma selva de leões famintos e desleais. Oscar Isaac realiza um trabalho de atuação metódico e meticuloso já que mantém Abel como um sujeito franco e inteligente através de um impecável trabalho de postura e entonação de voz, mas que constantemente se vê pressionado, como se a qualquer momento pudesse explodir e/ou tomar alguma atitude precipitada. Abel é um homem que acredita verdadeiramente no que faz e Issac o sustente através de uma notável e nobre atuação que pode parecer discreta, mas é absurdamente impecável já que em nenhum momento há dúvidas sobre a legitimidade do caráter do personagem. Ele não é capaz de encontrar paz e compreensão nem mesmo em seu convívio familiar já que Ana, filha de um gângster, põe em dúvida por diversas vezes a retidão do marido, embora ainda assim o ame incondicionalmente, o que só abrilhanta ainda mais o eficiente trabalho de Jessica Chastain.
O diretor J. C. Chandor demonstra ser um diretor que sabe muito bem o que faz já que a sua câmera evoca a postura de um cinema clássico, remetendo ao estilo de “O Poderoso Chefão” de Francis Ford Copolla e ao de “Era Uma Vez na América” de Sergio Leone, porém sem jamais soar didático demais ou uma mera imitação. A personalidade do roteirista/diretor está presente do início ao fim em função da sua predileção por uma narrativa que privilegia a construção de um crescente e sufocante dilema moral pontuado por sequências frias, planos mais fechados ou enquadramentos mais abertos e sem maiores firulas visuais. A elegante e brilhante fotografia de Bradford Young ajuda a legitimar essa ambientação privilegiando os tons pastéis e mergulhando constantemente os personagens em meio às sombras, como se todos os personagens, em maior ou menor escala, precisassem eventualmente lidar com o lado sombrio de suas personalidades (vide a sequência do atropelamento de um alce). Sem contar com malabarismos narrativos ou estéticos, ainda assim a sequência em que Abel persegue um dos seus caminhões roubados realça o virtuosismo do trabalho de Chandor ao lado de Young justamente por ser registrada de maneira natural, mas sabendo explorar tanto a excitação comum da perseguição como a falta de luz natural quando adentram em um túnel.
Apresentando-se como um filme maduro e elegante, “O Ano Mais Violento” não está isento de apresentar problemas de ritmo (o primeiro ato é especialmente vacilante e irregular) e há algumas conclusões mal resolvidas (a ausência repentina de Abel, que escondia documentos suspeitos, não é questionada quando o promotor vasculha sua casa; assim como a ameaça que Abel faz a seus concorrentes, inclusive quando a sua suspeita ganha um rosto, mostra-se contundente, embora não seja o bastante para garantir a sua tranquilidade nos negócios). Contando com um desfecho desesperançoso quanto à retidão de caráter de Abel e até mesmo do sistema que supostamente deveria zelar pela honestidade, “O Ano Mais Violento” não será o filme mais comentado do ano, mas é certamente um daqueles que mais tem algo a dizer, mostrando ser mais um belíssimo exemplar da filmografia deste talentoso roteirista e diretor J. C. Chandor.
O Agente da U.N.C.L.E.
3.6 536 Assista AgoraO AGENTE DA UNCLE
“O Agente da UNCLE” entrega tudo o que há de melhor e de pior no cinema do roteirista e diretor Guy Ritchie, onde a embalagem do filme é tão ou mais importante que o seu conteúdo. De qualquer forma trata-se de um filme divertido e uma peça de entretenimento atraente, mesmo com suas evidentes limitações. O agente americano da CIA Napoleon Solo (Henry Cavill) precisa se unir ao agente russo da KGB Illya Kuriakin (Armie Hammer) para desmantelar uma organização de ex-nazistas que prepara uma poderosa arma nuclear. Para isso, usam a misteriosa Gaby Teller (Alicia Vikander), filha do principal cientista da organização, para infiltra-la e descobrir os segredos do lançamento da bomba. O antagonismo de Solo e Kuriakin está muito bem afinado, rendendo ótimas “gags” e explorando ao máximo o potencial dos talentosos Henry Cavill e Armie Hammer. Alicia Vikander tem lá o seu charme e se assemelha muito com os trejeitos da Penélope Cruz, conferindo o ar de sedução e mistério necessários a personagem. A trama é bem simples e direta, mas o roteiro tem lá a sua porção de trapaças e reviravoltas, algumas que soam naturais e ganham o espectador, outras nem tanto, porém o diretor Guy Ritchie e o montador James Herbert jamais perdem o ritmo da narrativa, sabem criar sequências estilosas e estilizadas (algumas remetendo aos quadrinhos), mesmo quando se sustenta através de “pegadinhas” (eles apresentam alguns trechos picotados de determinada passagem que a deixa sem sentido, apenas para que mais a frente se faça entender). A sequência que melhor resume os pontos positivos e negativos do filme é a que acompanha a fuga de Solo e Kuriakin de um esconderijo da organização que sabe mesclar humor e ação, como quando foca em uma “gag” cômica em que Solo come um sanduíche dentro de um caminhão enquanto que em segundo plano a lancha de Kuriakin é perseguida pelos seguranças. Se por um lado (e essa não é a única vez) o diretor Guy Ritchie demonstra aversão à espetacularização da ação, o que é uma bela sacada, por outro ele simplesmente ignora a lógica da narrativa ao privar o espectador de uma resolução minimamente aceitável para a mesma sequência, como se ele quisesse que o espectador simplesmente ignorasse esse “detalhe”. O clímax também deixa um pouco a desejar já que não se apresenta como o ponto alto da narrativa. Ainda assim o filme é dinâmico, divertido e oferece uma opção de entretenimento de qualidade que não ofende a inteligência do espectador. Pelo menos é assim na maior parte do tempo.
7.5/10
Enquanto Somos Jovens
3.2 231 Assista Agora"“Enquanto Somos Jovens” é uma tentativa do diretor e roteirista Noah Baumbach de explorar o conflito de duas gerações, a da geração “X” em que as pessoas foram criadas com o propósito de alcançar o sucesso material através do trabalho incansável, representados por Josh (Ben Stiller, OK) e Cornelia (Naomi Watts, OK), e a geração “Y” que também valoriza o sucesso, mas desde que venha acompanhado do prazer que sentem pelo que realizam, como se vê nas figuras de Jamie (Adam Driver, fraco) e Darby (Amanda Seyfried, desperdiçada). Encantados pela juventude do novo casal de amigos, Josh e Cornelia tem a sua rotina alterada e a influência faz com que a própria relação entre os dois se modifique. O filme é simpático, inofensivo, acerta ao inverter as perspectivas já que o jovem casal é mais “old school” enquanto Josh e Cornelia são fãs de tecnologia e, apesar de não tomar partido (o que também é outro acerto), Baumbach não se aprofunda muito no choque já que as ideias são ora óbvias, ora superficiais, ora expositivas (Jamie tem uma coleção de discos enquanto que Josh uma coleção de CDs etc), investindo muito mais em traumas mal resolvidos dos próprios personagens (o orgulho profissional de Josh, a maternidade por parte de Cornelia, a “invisibilidade” de Darby, o egoísmo de Jamie), envolvendo direta ou indiretamente a figura do pai de Cornelia, um renomado documentarista. Embora não seja um documentário, este pequeno filme de Noah Baumbach lança um olhar sobre esse choque de gerações mesmo que seja mais feliz nas intenções do que pelo que realiza por conta própria."
6.0/10
Sinédoque, Nova York
4.0 477SINÉDOQUE, NOVA IORQUE
Um oásis de originalidade, Charlie Kaufman é um dos roteiristas mais inteligentes e criativos de Hollywood ainda mais considerando que a indústria de cinema norte-americana sobrevive há um bom tempo basicamente de adaptações e refilmagens. “Confissões de Uma Mente Perigosa”, “Quero Ser John Malkovich”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Adaptação” são alguns dos seus roteiros geniais. “Sinédoque, Nova Iorque” é um filme sobre Charlie Kaufman e o seu processo criativo. E até por isso, para o bem ou para o mal, seja dirigido por ele mesmo. Trata-se de um filme que, na verdade, é muito mais sobre a idéia da construção de uma história a ser narrada do que propriamente sobre a história em si. E nesse processo, o autor reflete sobre o amor, a dor, a vida e a morte.
Hipocondríaco e depressivo, Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman, brilhante) é um escritor e diretor de teatro que vive um casamento infeliz ao lado de uma pintora (Catherine Keener) e que se sente frustrado por não ser capaz de criar nada original e autêntico (seu sucesso reflete muito mais o brilhantismo das obras que ele adaptou e não a sua verdadeira alma de artista). A sua tentativa mais autoral de criar algo novo e marcante acaba se refletindo na idéia de criar uma peça de teatro sobre a sua própria vida, comprando um imenso galpão e construindo inúmeros cenários que remetem aos locais que ele visita no dia-a-dia e contratando um elenco encarregado de interpretar não apenas ele, mas todas as pessoas que estão ao seu redor. Pontuado por alguns eventos fantásticos e fantasiosos, essa idéia principal talvez seja o maior deles justamente por ser essencial para compreender a metáfora do filme que transcorre por anos e anos sem que o espetáculo chegue aos palcos já que Caden não sabe como e/ou de que forma e/ou o que pretende contar. A peça nada mais é do que uma forma de evidenciar o tamanho do ego do artista, a sua necessidade de ser reconhecido e a possibilidade dele em realizar um extravagante exercício de autoanálise para benefício próprio, envolvendo e “usando” outras pessoas durante o processo.
O filme tem algumas boas sacadas visuais, como a que mostra a casa de Hazel (Samantha Morton), interesse romântico de Caden, constantemente em chamas, a proposta artística da personagem de Keener (que permite uma perfeita sincronia com a proposta do filme de colocar uma lente de aumento sob uma obra que se mostra minúscula diante do todo) ou a geografia dos cenários dentro do imenso galpão, mas “Sinédoque, Nova Iorque” clama por um diretor com um senso estético mais apurado que Charlie Kaufman, como Spike Jonze e Michel Gondry que já dirigiram outros roteiros feitos por ele. Logo, o apelo visual do filme deixa bastante a desejar, pois não casa perfeitamente com o brilhantismo das ideias que o roteiro lança ao longo do filme. Logicamente que pela lógica (perceberam a redundância?) da metáfora dentro da metáfora dentro da metáfora, Charlie Kaufman tinha que ser o homem por trás das câmeras, é lógico, é racional, porém talvez esse excesso de pragmatismo prejudique um pouco a experiência deste que ainda assim será um dos filmes mais originais que você terá o prazer de assistir por muito tempo. Graças a Charlie Kaufman!
9.0/10
Game of Thrones (5ª Temporada)
4.4 1,4KGAME OF THRONES – 5ª TEMPORADA
Após a ótima 4ª temporada, boa parte da 5ª acabou sendo um tanto quanto frustrante, porém nada que se assemelhe à fatídica e tenebrosa 3ª temporada. O que houve de mais absoluto nesta temporada foi o arco dramático de Jon Snow (Kit Harington), talvez um dos poucos personagens da série a demonstrar uma inabalável lealdade e integridade de caráter e que precisa enfrentar a desconfiança de seus comandados da Patrulha da Noite ao buscar um entendimento com os Selvagens em meio a um conflito de proporções épicas contra o exército de Stannis Baratheon (Stephen Dillane) e também contra Forças do Mal que não são desse mundo (o oitavo episódio figura entre um dos pontos altos de toda a série). Kit Harington que até então tinha uma participação discreta na série, mas sem comprometer, apesar da importância do personagem, nesta temporada teve uma atuação crescente que só fortaleceu ainda mais o carisma e o apelo do personagem que se mantém intactos até o fim. Os dilemas de Stannis assim como seu destino são enfraquecidos pela insistência dos realizadores no uso de Melisandre (Carice Van Hounten, canastrona) como uma espécie de tutora espiritual, garantindo o sucesso de suas missões através de visões que só ela vê, mas que só reforça a preguiça dos roteiristas que ao invés de ilustrar a crescente loucura do rei de maneira sutil e/ou subjetiva preferem o uso de uma figura física para ilustrá-la (chega a ser constrangedor as sucessivas tentativas da personagem em usar o sexo como uma arma e isso já vem de temporadas anteriores). Não é à toa que em determinado momento ela simplesmente deixa Stannis na mão. E com isso, os momentos-chaves se tornam apelativos apenas para provocar o choque pelo choque (vide sequência da fogueira).
Já com relação a Tyrion (Peter Dinklage), a trama demora muito para engrenar já que após os marcantes eventos da temporada anterior, o personagem, um dos mais relevantes da série, basicamente vai de um lugar para o outro lamentando a falta de vinho pelo caminho. A partir do momento em que ele finalmente se encontra com a rainha Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) é que o personagem diz ao que veio, criando boas expectativas para o futuro, mas nesse processo até mesmo a redenção de Jorah (Iain Glen) perde seu impacto em um episódio que tem seu grau de tensão anulado pela frágil presença do dragão Drogo e de fracos efeitos especiais (um dos pontos baixos da temporada). Até ali, Daenerys precisa enfrentar as dificuldades políticas e morais de governar em meio ao conflito entre os dissidentes do seu reino. Nada muito especial embora os responsáveis pela série dediquem um bom tempo para lidar com estes dilemas, apenas para que tenhamos uma noção de que o senso de justiça de Daenerys causa muito mais implicações do que ela poderia imaginar. Emilia Clarke mantém sua irregularidade em cena já que sua postura oscila muito, sendo que às vezes dá a impressão de que ela não consegue carregar a personagem sozinha enquanto que em outros momentos ela dá conta do recado. Sem querer ser repetitivo, mas sua dobradinha com Peter Dinklage pode render bons frutos mesmo que os responsáveis pela série tenham optado por uma nova fragmentação desse núcleo.
No núcleo dos Lannisters há uma divisão já que a Rainha-Mãe Cersei (Lena Headey) ordena que Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) resgate sua filha/sobrinha de Dorne enquanto ela arquiteta um plano para desmoralizar a rainha Margaery (Natalie Dormer) e separá-la do seu filho e novo rei (Dean-Charles Chapman). Nesse ponto, a trama remete ao período da Inquisição, mostrando a mão forte da Religião sobre os destinos de homens e mulheres que viveram suas vidas contra os princípios estipulados pelos deuses, personificado pela figura do líder religioso High Sparrow (Jonathan Pryce, ótimo). Enquanto que no núcleo de Jaime nada muito digno de nota acontece (todo o plano de execução assim como sua conclusão, inclusive a sequência no barco, são risíveis pela realização canhestra), cabe a Cersei e a interpretação hipnótica de Lena Headey garantir boa parte do interesse desta subtrama mesmo quando soa redundante e/ou foca mais nas aparências antes de partir para algo definitivo. E Lena Headey entrega-se de corpo e alma a uma personagem asquerosa e desprezível (e atraente dramaticamente justamente por isso), mas que participa de uma das sequências mais marcantes e emblemáticas de toda a série quando Cersei se humilha sob um coro de vozes clamando por sua vergonha.
Enquanto que Sansa Stark (Sophie Turner) sofre nas mãos Ash Weston (Ivan Rheon) em função de um ato covarde de Mindinho (Aidan Gillen) ao deixa-la sozinha com o inimigo, apenas para atender uma necessidade genérica e repetitiva dos realizadores de transformá-la mais uma vez em uma heroína trágica (quase digna de novela mexicana, afinal ela precisa sofrer) cujo “cliffhanger” deixado para a próxima temporada também se mostra de apelo restrito, Arya (Maisie Williams) se envolve em uma subtrama igualmente fraca que a coloca em meio a uma seita que promete a seus participantes a perda da sua identidade como uma forma de atender as necessidades de uma santidade e que serve apenas para prepara-la para a sua sequência final. Duas jovens e importantes personagens sendo desperdiçadas com tramas que ao longo da temporada literalmente não saem do lugar.
Sem conseguir repetir os bons momentos da série (1ª e 4ª temporadas), a 5ª temporada de “Game Of Thrones” consegue ser tão irregular quanto a 2ª temporada apresentando graves problemas de ritmo, sendo superior apenas à fraca 3ª temporada, porém é evidente que os pontos positivos destoam e se destacam já que certamente ficarão marcados dentro da mitologia da série.
7.5/10
Game of Thrones (4ª Temporada)
4.6 1,5K Assista AgoraGAME OF THRONES – 4ª TEMPORADA
“Game Of Thrones” teve uma ótima 1ª temporada, a 2ª foi marcada por altos e baixos e a 3ª foi extremamente fraca, salvando-se basicamente pelos seus dois episódios finais. Em sua 4ª temporada a série parece ter voltado aos eixos com episódios mais dinâmicos e de contundente intensidade dramática, mesmo que alguns diálogos sigam prolixos e a estrutura dos episódios seja um tanto quanto repetitiva. O primeiro episódio é como uma espécie de interlúdio entre a temporada anterior e a atual, situando os personagens e mostrando como eles assimilaram os eventos passados e quais são as ambições futuras, valendo-se da mesma velha estrutura em dedicar de 5 a 7 minutos para cada um dos diversos núcleos, dedicando ora ou outra a um deles mais tempo ou uma ação mais grandiosa e/ou impactante. O 2º episódio talvez seja responsável por um dos pontos mais altos da série ao apresentar a icônica sequência do casamento entre Joffrey (Jack Gleeson, fraco e apropriado) e Margaery Tyrell (Natalie Dormer, ótima) e as suas terríveis consequências, além de colocar injustamente Tyrion (Peter Dinklage) como responsável pelo crime com direito a uma icônica sequência de discurso em que Dinklage dá um show de interpretação e maturidade artística.
O que dá para notar também nesta temporada de “Game Of Thrones” é uma maior proximidade entre os núcleos, fazendo com que a movimentação de um tenha impacto, mesmo que ainda sutil, em outro, como o avanço de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke, irregular) e o crescimento do seu exército que já parece incomodar outros líderes ou o avanço dos Selvagens sobre à Muralha, potencializando os dilemas de Jon Snow (Kit Harington) que culmina em uma épica sequência de batalha envolvendo inclusive Gigantes montados em mamutes (!). Da mesma forma que Mindinho (Aindan Gillen, ótimo) parece se tornar o principal articulador da temporada usando-se da aparente fragilidade Sansa Stark (Sophie Turner, ótima), dando sinais cada vez maiores de sua ambição desmedida, a temporada aposta em alguns duetos narrativos que dão leveza à série, como o que envolve Brienne (Gwendoline Christie) ao lado do antigo servo de Tyrion, além do que envolve Arya Stark (Maisie Williams) e o Cão de Caça, em uma inusitada relação de pai e filha que também funciona um guia espiritual total e politicamente incorreto. O amadurecimento de Sansa e Arya trazem um pouco de esperança ao clã dos Stark. As relações entre Tyrion, seu irmão Jaime (Nikolaj Coster-Waldau, melhor a cada temporada) e Cersei (Lena Headey, não tão hipnótica como em temporadas anteriores) também reforçam a grandeza e a complexidade emocional de um núcleo de personagens cercados pela tragédia e mais uma vez Peter Dinklage rouba a cena.
Depois de uma segunda temporada bastante irregular e uma terceira temporada tenebrosa, “Game Of Thrones” encontrou novamente o seu caminho. Tecnicamente impecável, especialmente pelo eficiente uso da fotografia e da bela trilha sonora e suas grandiosas melodias, a série teve uma 4ª temporada elogiável e grandiosa que soube muito bem dosar os diversos núcleos de forma mais orgânica (não evitando que alguns fossem mais eficientes do outros) e esforçando-se para mesclar a sua natureza épica com seus conflitos políticos, dilemas familiares e as narrativas que flertam com a fantasia (que ainda destoam em qualidade dos demais).
8.0/10
Better Call Saul (1ª Temporada)
4.3 821BETTER CALL SAUL – 1ª TEMPORADA
“Better Call Saul” é uma série derivativa de “Breaking Bad” a partir do personagem Saul Goodman, interpretado por Bob Odenkirk, que esteve ao lado de Walter White (Bryan Cranston) e Jesse Pinkman (Aaron Paul) a partir da 2ª temporada da renomada série de Vince Gilligan. Aqui nesta série, ainda sob o nome de Jimmy McGill, temos a oportunidade de nos aprofundar mais na história de vida do personagem. O grande objetivo alcançado pela série é o de humaniza-lo, logo estamos diante de um sujeito que é muito mais do um mero advogado oportunista e/ou trambiqueiro como vimos até então. Há um sentimento de piedade diante de um sujeito que desde o início quer mostrar o seu valor, mas por uma série de contratempos escolhe o caminho errado. Coproduzida por Gilligan ao lado de Peter Gould, a série é muito bem dirigida, há belíssimos planos contemplativos (muitas vezes deixando um ou mais personagem em silêncio e/ou fora do plano), há escolhas riquíssimas como a belíssima e melancólica sequência de abertura em preto e branco que apresenta um futuro do personagem (possivelmente pós-“Breaking Bad”) até retornar ao tempo com uma paleta de cores vivas para mostrar a atuação de Saul diante de um júri em um caso praticamente perdido (e a opção da câmera em focá-lo de costas e apenas apresentar o seu rosto quando ele começa a discursar é uma solução clássica para reforçar o respeito ao personagem).
O grande problema da série em sua primeira metade é que estamos diante de um personagem atraente em sua excentricidade, mas cujos eventos nunca acompanham o seu nível ou grau de complexidade. De certa forma faz até lembrar de “Dexter” que tinha um personagem central fascinante, afinal tratava-se de um “serial killer” que tentava levar uma vida normal, porém o que acontecia ao seu redor assim como os demais personagens, em sua grande maioria, nunca alcançava o mesmo nível de interesse despertado por ele. Com “Better Call Saul” acontece praticamente a mesma coisa. Se há algo de interessante na série é o próprio Saul Goodman, digo, Jimmy McGill, um advogado cujo tom e postura flertam entre a melancolia e o sarcasmo, sendo defendido com elegância, bom humor e maestria por Bob Odenkirk naquele que é desde já o papel de uma carreira. E por ser um “spin off” é natural que a série tente evocar o produto original, mas ela precisa caminhar com as próprias pernas e dessa forma a série inicialmente torna-se apenas moderada. A presença de Tuco Salamanca (Raymond Cruz), por exemplo, nos episódios iniciais acaba sendo um recurso mais distrativo do que agregador, como se feito para não deixar o espectador escapar e permitir que ele invista mais tempo na série pelo laço afetivo criado até então até porque a trama envolvendo um casal e um desvio milionário demora a engrenar.
Curiosamente, o salto de qualidade desta temporada se deve à influência de Mike (Jonathan Banks), também do universo de “Breaking Bad”. Aparecendo em participações pontuais até então, o 6º episódio é inteiramente voltado a ele, sendo Jimmy um mero coadjuvante, em uma trama que investiga o passado traumático do policial aposentado envolvendo corrupção policial e o destino trágico do seu filho assim como sua relação com a nora e a neta (mas neste caso nada que venha a agregar muito já que ligamos os pontos facilmente). Banks também é um ator formidável e entrega uma atuação sensível e precisa. Cabe a ele no episódio seguinte ajudar Jimmy em solucionar a trama do desvio de dinheiro, permitindo que este ciclo se encerre e leve o advogado para o próximo caso e que envolve a extorsão de idosos por uma clínica de repouso. Os eventos que decorrem destes dois casos servem de combustível emocional para as conclusões finais da temporada e que envolvem diretamente a relação entre Jimmy e seu irmão Chuck (Michael McKean, ótimo), um advogado mais bem sucedido, sócio de um influente escritório, mas que sofre de um distúrbio que limita o seu convívio social. A dinâmica entre os irmãos é inicialmente burocrática, sendo ajustada no decorrer da temporada até que serve de estopim para as maiores decepções e frustrações de Jimmy.
O arco dramático de Jimmy McGill se encerra com um episódio em que ele retorna às origens que reforça o seu passado escorregadio, repleto de golpes e armações para nenhum Kevin Costner botar defeito. É um episódio ágil e divertido, mas que mesmo assim não deixa de ser triste e melancólico, especialmente pelas marcas deixadas na personalidade do advogado, não apenas pela tragédia final, mas pela forma como ele encara a realidade diante das constantes frustrações, como no discurso durante um bingo da terceira idade. E a trajetória de Jimmy McGill é uma mistura de sentimentos por traduzir um pouco dessa angústia de um homem que errou e buscou a sua redenção, mas à medida que procurava fazer a coisa certa, inevitavelmente, por força das circunstâncias, acabava se deixando levar pelo seu lado sombrio.
8.0/10
The Walking Dead (5ª Temporada)
4.2 1,4K Assista AgoraTHE WALKING DEAD – 5ª TEMPORADA
Após a conclusão da 4ª temporada, os responsáveis por “The Walking Dead” precisaram de apenas 3 ótimos episódios para abordar a interferência do grupo de humanos do Santuário e seguir em frente (ou quase isso). Pelo menos deveria ser assim. De maneira inteligente, apresenta dois breves “flashbacks” que servem de explicação para a natureza do grupo e a razão distorcida que eles seguem para justificar seus atos. Mas como Rick (Andrew Lincoln) fez questão de alertar ao final da temporada anterior, eles mexeram com as pessoas erradas. Logo no 1º episódio, a série experimenta uma catarse carregada de tensão e ação (contando com a interferência providencial de uma importante personagem) que vai repercutir até o final do 3º episódio com um clímax sombrio e sangrento ambientado dentro de uma igreja (ou apenas um local com 4 paredes e um teto, vale a pena destacar, em mais uma boa sacada do roteiro). Os conflitos entre os personagens aliados ao sadismo do grupo do Santuário (o desfecho de um personagem ganha contornos de filme de terror, graças a ação doentia deles) culminam em um clímax que revela (mais uma vez) a gradativa perda da humanidade daqueles personagens, deixando cada vez mais difícil acreditarmos que eles sairão ilesos, física e/ou emocionalmente, dessa jornada, especialmente Rick. A redenção parece cada vez mais difícil de ser alcançada e os personagens estão em constante conflito consigo mesmo, principalmente quando se veem diante do seu lado mais obscuro.
A partir do 4º episódio, a série se divide em 3 núcleos: o grupo que se mantém na igreja, liderados por Rick; aquele que parte com o sargento Abraham Ford (Michael Cudlitz) e o cientista Eugene Porter (Josh McDermitt) em direção à Washington, incluindo Glenn (Steven Yeun) e Maggie (Lauren Cohan); e o que acompanha a até então desaparecida Beth (Emily Kinney) que se encontra “prisioneira” de um hospital, comandado de forma ditatorial pela policial Dawn Lerner (Christine Woods). Nesse terceiro núcleo há uma certa impressão de que algumas ideias estão sendo recicladas, afinal após a cidadela liderada pelo Governador e o grupo de canibais, aqui vemos mais uma distorção da noção de comunidade sendo levada ao extremo, o que inicialmente acaba sendo frustrante e derivativa, sendo que Emily Kinney por mais efetiva e carismática não sustenta sozinha o apelo da narrativa. Não fica muito difícil juntar as peças do quebra-cabeça que unem o núcleo de Beth com a de Daryl (Norman Reedus) e Carol (Melissa Suzanne McBride) que deixam o grupo da igreja para trás afim de resgatá-la em um episódio bem morno (inclusive com explicações desnecessárias sobre as ações de Carol na temporada anterior do momento da separação do grupo principal até quando consegue salvá-lo).
A fragilidade do núcleo de Abraham Ford e Eugene Porter fica ainda mais evidente com as revelações indicadas no 5º episódio que também conta um pouco da origem do sargento que já dava indícios de um nível de stress além do normal. Dessa forma cabe a Glenn incluir um pouco de racionalidade e maturidade dentro do grupo, porém nada que venha a justificar o tempo desperdiçado com eles (curioso notar que desde a metade da temporada anterior, Maggie parece conformada com a ausência de Beth, sendo que ela tinha a oportunidade de saber que estava viva muito antes do momento em que ela finalmente toma conhecimento disso). O final dessa 1ª metade da temporada acaba se apoiando em dois episódios apenas razoáveis que parecem andar em círculos (literalmente um dos grupo retorna ao ponto de partida) ou se arrasta apenas para que os núcleos se encontrem pouco depois do clímax, incluindo a subtrama envolvendo os dilemas do padre Gabriel (Seth Gilliam), já que dessa vez é ele que pede para ser salvo, e o cerco feito pelo grupo a três policiais com o intuito de negociar a troca com Dawn.
O evento que serve de clímax para esse meio de temporada tem um alcance emocional estrondoso, mas a realização deixa a desejar pela própria composição do conflito, mesmo considerando que o efeito é devastador em função da identificação que se cria com alguns personagens. O que já não se pode dizer do 9º episódio que é praticamente feito em homenagem a um personagem que também tem um fim definitivo já que dentro da própria série ele não tinha muito brilho próprio, sempre ficando à margem e/ou participando apenas como apoio do grupo principal. E mesmo que neste episódio se invista em efeitos de edição estilizados ou se busque uma forma de encarar a morte de maneira mais poética e/ou metafórica, o resultado é apenas morno, ainda mais levando em consideração que em função dos acontecimentos dos dois últimos episódios, há muito mais motivos para “odiarmos o Chris” do que se podia imaginar (a atuação de Tyler James Williams é fraquíssima).
O 10º episódio, analisado isoladamente, é muito eficiente já que propõe a primeira passagem de tempo em que os personagens se encontram mais fragilizados física e emocionalmente em função da falta de suprimentos, especialmente comida e água. Decididos em seguir para Washington, mesmo após a descoberta da farsa de Eugene, eles literalmente se arrastam para cumprir os quilômetros de distância até o local de destino. Em determinado momento, eles se recusam até mesmo a confrontarem os zumbis afim de pouparem energia. Trata-se de uma jornada física e emocional intensa que faz até mesmo com que Rick se questione se eles não são os verdadeiros mortos-vivos deste novo mundo em que vivem, além de permitir o primeiro momento mais emocional de Daryl em que ele se deixa levar pelas lágrimas. A instalação em um celeiro para escaparem de uma forte tempestade se torna uma bonita metáfora sobre a união que os mantém vivos até então. E depois de três ótimos episódios iniciais e um restante de temporada bem irregular, a partir do 11º episódio é que a série se propõe finalmente a um novo caminho.
A preparação para a chegada do grupo em Alexandria é muito bem sustentada em torno do conflito entre a desconfiança de Rick e a esperança do restante, principalmente na figura de Michonne, a partir do momento que Aaron (Ross Marquand, eficiente) se apresenta como um integrante de uma comunidade e que está interessado em levá-los até lá. A atitude de Rick é absolutamente compreensível em função de tudo o que ocorreu dentro da série, não apenas nesta temporada, porém é natural que a decepção com o Santuário o deixe intensamente desconfiado ao ponto de ser extremamente cauteloso e até mesmo raivoso. É curioso, como espectador, experimentar das duas sensações, a de apoiar as decisões de Rick, pois sabemos que ele pensa no bem do grupo, por mais que se mostre mais afetado e instável emocionalmente pela crescente onda de acontecimentos, mas ao mesmo tempo também queremos que ele esteja errado para que, finalmente, o grupo mereça momentos de paz. O espectador também deposita esse voto de confiança, embora não demore muito para que se desconfie que há algo suspeito nesta comunidade, porém a condução dessa dúvida principal é bem conduzida justamente por colocar o grupo que acompanhamos desde o início da série como uma espécie de antagonista do grupo residente de Alexandria, liderado pela congressista Deanna Monroe (Tovah Feldshuh, canastrona).
A conclusão da temporada basicamente se resume em dois sentimentos. O primeiro é o de uma espécie de abstinência de parte dos personagens que encontram dificuldades em se adaptar a uma vida normal dentro de Alexandria, logo Carol não está muito satisfeita em preparar cookies para as crianças; Daryl se sente enclausurado e por isso aceita o convite de Aaron em ficar do lado de fora para buscar novos integrantes para a comunidade; Sasha (Sonequa Martin-Green) surge obcecada pela adrenalina de matar os zumbis como uma forma de lidar emocionalmente com as perdas enfrentadas; além de Rick que considera o grupo de Alexandria muito fraco e frágil para lidar com o novo mundo e até por isso é o que acaba se expondo mais ao ponto de colocar suas próprias atitudes em xeque, ainda mais quando se mostra emocionalmente envolvido com Jessie (Alexandra Breckenridge, ótima). Enquanto Maggie se mostra bem discreta ao se tornar uma espécie de assessora de Deanna, mas sem abandonar o grupo, Michonne (Danai Gurira) acaba sendo uma voz dissonante por acreditar na prosperidade da comunidade enquanto que o padre Gabriel dá cada vez mais sinais da perda de sua fé e da sua fraqueza de caráter. O 2º sentimento é o que acompanha as diretrizes da comunidade que se manteve intacta, mas que jogou para debaixo do tapete muitos dos seus conflitos (expulsando alguns integrantes contrários aos rumos da cidadela e/ou com relação à direção de Deanna), fazendo vista grossa a morte de outros no passado e a violência sofrida por Jessie pelo marido alcoólatra apenas porque ele é o único cirurgião do grupo. Embora o desfecho tenha seu impacto, especialmente pela chegada de um velho conhecido de Rick à comunidade, a segunda metade da temporada acaba se sustentado mais em função dos dilemas emocionais dos personagens principais (os novos que surgiram no final da temporada anterior e no início dessa são meros coadjuvantes e às vezes até figurantes) do que os eventos que ocorrem dentro de Alexandria, mesmo levando em consideração que essa comunidade é diferente do que tudo o que fora apresentado até então dentro da série.
E levando em consideração o desfecho desta temporada, “The Walking Dead” demonstra mais uma vez que é uma série que está muito mais preocupada em investigar as relações humanas a partir de uma premissa que se sustenta pela luta pela sobrevivência do que propriamente uma série interessada apenas no banho de sangue provocado pelos zumbis.
8.0/10
The Walking Dead (4ª Temporada)
4.1 1,6K Assista AgoraTHE WALKING DEAD – 4ª TEMPORADA
Trata-se de um erro considerar que “The Walking Dead” é apenas uma série de zumbis. Assim como “Lost”, a série é muito mais dramática e emocional, construída através da relação entre os personagens, tendo como pano de fundo o caos provocado pela horda de criaturas que se alimentam dos vivos. A 1ª temporada é enxuta, mas extremamente eficiente. A 2ª deixa um pouco a desejar na primeira metade, mas alcança um nível extraordinário na sua metade final. Já a 3ª se mostrou a melhor e mais regular de todas as temporadas até então. A 4ª temporada já se inicia em alto nível com a indicação de uma gripe que provoca a morte de muitos daqueles que se instalaram na prisão após a fuga da cidade comandada pelo Governador (David Morrissey). E como se sabe, no universo da série, morrer não é nada bom. Não deixa de ser uma solução prática e viável encontrada pelos responsáveis da série em eliminar rapidamente parte dos novos personagens que se juntaram a Rick e cia, mas sem soar como uma mera desculpa, além de proporcionar alguns ótimos momentos de tensão, especialmente na sequência da primeira vítima do surto que provoca dezena de outras mortes ou durante a corrida contra o tempo para salvar a vida de Glenn (Steven Yeun), ambos embalados por uma trilha sonora agonizante e aterrorizante.
A contaminação coloca os personagens em alerta e ainda estabelece alguns conflitos dramáticos importantes, especialmente aqueles em que se questionam conflitos morais assim como a racionalidade e a humanidade dos sobreviventes. Após terem feito tudo o que fizeram para se manter vivos, ainda haverá condições para que eles voltem a ser o que eram antes de tudo isso? Esse é o principal conflito entre os personagens na primeira metade da temporada. Rick continua sendo o centro emocional da série já que mesmo diante de tanta responsabilidade e stress, ele ainda se mantém com uma fé e uma moral inabaláveis que o transforma até em um sujeito menos ativo justamente para proteger aqueles que permanecem na prisão, especialmente seus filhos, como se não quisesse colocar mais ninguém em risco. Em um dos episódios, porém, uma sobrevivente que ele encontra nos arredores da prisão lhe faz esse questionamento e os eventos decorrentes desse encontro, até mesmo aqueles que seguem dentro da prisão, irão colocar em xeque essa sua postura aparentemente passiva (inclusive envolvendo uma tomada de decisão difícil e delicada ao final do 4º episódio decorrente de uma ação controversa, mas compreensível diante das circunstâncias, mesmo que a reação de ambos soe um pouco desproporcional). Andrew Lincoln é um ator formidável, pois ele consegue carregar um personagem complexo com serenidade, sensibilidade e extrema segurança, mas sem deixar de ilustrar a carga dramática característica de Rick que alterna entre o tom politicamente correto e um lado mais frio e calculista. Rick representa a nossa fé na humanidade mesmo quando está carregado de desesperança (e quando ele, emocionado, pede trégua a um determinado personagem não tem como não se comover com o seu alto nível de fragilidade). Scott Wilson é outro ator que oferece um trabalho de atuação maravilhoso como Hershel que se torna uma espécie de mentor moral, ético e espiritual do grupo com extrema elegância, mas mantendo em sua essência a sua personalidade rústica e simples de fazendeiro. Sem dúvida nenhuma, um personagem marcante.
O 6º e o 7º episódios estão certamente entre os melhores episódios da série como um todo e curiosamente está fora do núcleo central já que se concentra nos caminhos percorridos pelo Governador a partir do final da temporada anterior até o tempo presente. O arco dramático vivenciado pelo personagem é muito bem encenado e a sua humanização é quase que um sopro de esperança para o seu futuro ao lado de sua nova família, mas por mais que ele resista, a sua natureza doentia e perturbada parece falar mais alto. E estes dois episódios são capazes de elevá-lo e torna-lo mais complexo do que tudo o que vimos e sabemos sobre ele pela temporada anterior, logo quando ele surge ameaçador diante do grupo de Rick há novamente o pavor e o medo já experimentados, mas certamente estamos diante de um novo Governador, muito mais imprevisível, muito mais insano e muito mais perigoso (e essa constatação pode ser resumida através de uma atitude covarde e chocante). David Morrissey, que é um ator extremamente limitado, alcança um nível de interpretação compatível com seu talento, mas cuja eficiência é inquestionável já que funciona. E se na temporada anterior, mesmo que o Governador servisse como um relativo contraponto a Rick, aqui Morrissey permite que seu personagem imprima um alcance emocional maior, seja pela sua redenção ou pelo seu egoísmo, como desejado pelo roteiro.
Após o ótimo episódio que registra a catarse entre o grupo de Rick e do Governador (em que os responsáveis pela série deixam um pouco a desejar apenas na geografia das sequências de ação já que os planos e contra planos enfraquecem os duelos, especialmente os que envolvem arma de fogo), os episódios seguintes se concentram na dispersão do grupo. Em um episódio, que mais se parece com um curta e/ou um episódio experimental, Carl (Chandler Riggs) age solitariamente enquanto o pai se recupera dos efeitos do episódio anterior, mas tudo é feito de maneira bastante esquemática em que o garoto se comporta de maneira imatura e às vezes irritante, mas cujo peso não pode ser colocado apenas nas costas de Riggs já que ele se mostra um ator mirim bastante esforçado. As ações de Michonne (Danai Gurira) também são rasteiras, incluindo até um “flashback” que permite uma atuação terrivelmente canastrona de Gurira que até então não havia comprometido a série já que a sua performance como a personagem feminina durona se mostrara bastante convincente até então. As ações dos demais personagens, divididos em outros três núcleos não possuem eventos especialmente marcantes, fazendo com que a temporada perca bastante do seu ritmo, sendo mais reflexiva e contemplativa. Esse isolamento dos personagens em pequenos grupos evidencia também que nem todos os personagens funcionam isoladamente da mesma forma que em grupo seja para o bem, como no caso do sempre marcante Daryl (o ótimo Norman Reedus), ou para o mal, tratando-se de Glenn, por exemplo, apesar da presença carismática de Steven Yeun.
Essa 2ª metade da temporada se divide em episódios pouco marcantes que servem apenas para conduzir os personagens ao final da temporada (entenda-se “Santuário”) com outros que funcionam muito bem isoladamente para reforçar as relações entre um ou mais personagens. Além daquele que envolve Rick e Carl, um que merece destaque é o que se sustenta através da relação entre Daryl e Beth (Emily Kinney, ótima), dois opostos que se atraem. Porém, o episódio mais contundente é certamente aquele que acompanha Carol (Melissa Suzanne McBride, brilhante) e Tyreese (Chad L. Coleman, limitado) ao lado de das irmãs Lily e Tara através de um arco dramático repleto de esperança, mas carregado de tristeza e melancolia. Além de servir de preparação para a próxima temporada, a 4ª temporada insere alguns personagens novos, como o militar Abraham Ford (Michael Cudlitz, fraco) encarregado de proteger o cientista Eugene Porter (Josh McDermitt, fraco) que conhece o motivo que causou a epidemia até chegar à base do exército americano em Washington, porém não se explora muito o assunto classificado como confidencial.
A temporada se encerra com a apresentação de um novo grupo que promete ser antagonista de Rick & Cia, porém o mais bacana do encerramento foi justamente explorar a quebra de expectativa com relação aos conceitos entre o bem e o mal já que os próprios personagens questionam a respeito da sua própria natureza depois de tudo o que enfrentaram (retomando parte da abordagem levantada na primeira parte da temporada), logo não deixa de ser ousado e inteligente a aposta dos roteirista em colocar os personagens que acompanhamos desde o começo como responsáveis por uma carnificina, além de invasores de propriedade. Em resumo, mesmo com alguns episódios que destoam do restante da temporada em sua segunda metade, a 4ª temporada atingiu o mais alto nível que “The Walking Dead”, deixando boas perspectivas para o futuro.
8.0/10
Game of Thrones (3ª Temporada)
4.6 1,8K Assista AgoraGAME OF THRONES – 3ª TEMPORADA
A 1ª temporada de “Game Of Thrones” é fantástica. A 2ª temporada já demonstra uma falta de ritmo preocupante, mas ainda mantém intacto boa parte do seu apelo emocional. Já a 3ª temporada de “Game Of Thrones” é um longo, cansativo e exaustivo engodo. Como em um jogo de xadrez comandado em câmera lenta, cada um dos núcleos da narrativa se movimenta no tabuleiro de maneira preguiçosa ao longo da temporada já que na verdade tem pouco a apresentar, logo o que se vê ao longo dos 10 episódios nada mais é do que uma longa preparação para os seus episódios finais que reservam as maiores catarses da temporada, especialmente os dois últimos episódios. Isso tudo se ainda não bastasse o oportunista efeito de arrastar a narrativa ao longo de cada um dos episódios apenas para que reservasse algum evento digno de nota em seus cinco minutos finais, fazendo com que Dan Brown se sentisse orgulhoso da sua eficiente canastrice literária, os roteiristas da série, que se inspiram nos livros de George Martin, seguem sua cartilha fervorosamente de maneira extremamente prolixa. Ao longo desta temporada, Daenerys Targaryen (a irregular Emilia Clarke) tem uma trama que praticamente se repete a da temporada anterior já que se concentra na busca por um exército que lute ao seu lado. E dá-lhe negociação, peitos e bundas! Robb Stark (Richard Madden) possui um interessante conflito como Rei já que precisa medir as consequências de uma possível nova aliança ao mesmo tempo em que se apaixona por uma espécie de camponesa que pode comprometer um futuro casamento importante para as suas aspirações no poder. Não é à toa que o impacto provocado por esse núcleo é o mais chocante justamente pela frieza e a crueldade adotada pelos inimigos. Enquanto isso o Regicida (Nikolaj Coster-Waldau)¬, após suas atitudes desumanas, enfrenta todos os tipos de humilhação quando é mantido prisioneiro e curiosamente é aquele personagem que apresenta o arco dramático mais intenso e contundente. No mais, os demais núcleos se resumem a narrativas requentadas de romance e fantasia que não agregam muito e que nem chamam a atenção pelo estilo em que são apresentadas, como a que envolve um soldado da Patrulha da Noite, um bebê e a mãe da criança ou o romance com ecos de “Síndrome de Estocolmo” entre Jon Snow (Kit Harington) e a selvagem. Triste ver alguns dos personagens mais interessantes da série tão desperdiçados, com Tyrion (Peter Dinklage) que surge tão apagado nessa temporada mesmo assumindo uma condição de protagonismo no arranjo do seu casamento com Sansa (Sophie Turner); ou Cersei (Lena Headey) nem sendo a sombra da ardilosa articuladora que foram em temporadas anteriores assim como Mindinho (Aidan Gillen). O mesmo vale para a talentosa Maisie Williams na pele da Arya cujas ações são limitadíssimas tendo menos espaço até mesmo que a trama envolvendo seu irmão Bran interpretado pelo insonso Isaac Hempstead-Wright. Enfim, uma terceira temporada que deixa ainda mais evidenciado os pontos falhos da série não conseguindo repetir o equilíbrio visto ao menos na primeira temporada.
5.0/10
Demolidor (1ª Temporada)
4.4 1,5K Assista AgoraDEMOLIDOR – 1ª TEMPORADA
A 1ª temporada da série “Demolidor” demonstra um vasto repertório de personagens complexos e ações intensas que a tornam um programa vigoroso. Criado pelo co-roteirista Drew Goddard, a partir dos quadrinhos da Marvel, a série estabelece inicialmente de maneira enxuta e eficaz o evento que culminou com a cegueira de Matthew Murdock (Charlie Cox), ainda na infância, e a sua relação com o pai, um boxeador decadente, sendo que paralelamente já insere o personagem nos dias de hoje em meio ao cenário de caos e violência predominante em “Hell´s Kitchen”, um bairro fictício de Nova Iorque, dominado por atividades ilegais de chineses, russos e japoneses, mas comandados com frieza e autoritarismo por Wilson Fisk (Vicent D´Onofrio).
Apresentado como um advogado idealista, Matt encontrou nas suas ações, como uma espécie de vigilante noturno, uma forma de fazer justiça com as próprias mãos, o que não deixa de ser um contraponto interessante já que expõe a complexidade do personagem que usa da violência em suas ações heroicas ao mesmo tempo em que as pessoas mais próximas ficam igualmente ameaçadas. Inicialmente interessado em apenas defender pessoas que são inocentes, ele também não deixa de subverter essa regra quando considera mais conveniente fazer um jogo de interesses apenas para chegar mais rapidamente ao chefão do crime organizado da cidade. Esteticamente, a série se mostra extremamente atraente apostando em uma paleta de cores pesadas, reforçando o clima sombrio da série e os diretores estabelecem um alto padrão na condução das sequências, especialmente as que envolvem a ação de Matt, como quando ele invade o esconderijo de criminosos para salvar uma criança sequestrada em um longo (e falso) plano-sequência ou quando ele liberta a enfermeira Claire (Rosario Dawson) em uma sequência em que a locação é iluminada apenas pelas luzes dos faróis dos carros. Da mesma forma, a sequência em que Matt segue um carro por diversos quarteirões pulando entre os prédios se guiando pelo som de uma ópera é igualmente empolgante. Existem diversos momentos em que os responsáveis pela série fazem escolhas interessantes para explorar a tensão, seja através da violência gráfica e explícita, como a que envolve uma bola de boliche ou um suicídio, outras de maneira mais crua, como a que envolve dois personagens frente a frente em uma mesa, ou criativa quando há o close nos olhos de um determinado personagem com medo enquanto a ação ocorre fora do plano. Além, é claro, da eficiente sequência que marca o duelo final.
Charlie Cox, que até então teve participações inexpressivas em “Stardust” e “A Teoria de Tudo”, sai-se muitíssimo bem na condução de Matt Murdock, trazendo leveza e serenidade a um personagem que poderia facilmente se tornar antipático e/ou aborrecido, logo sua postura serena, enaltecida pelo seu tom de voz suave, aliado à inteligência do personagem, fazem com que a sua transformação no impiedoso vigilante mascarado torne-se reconhecível e autêntica, apenas um lado diferente da mesma moeda, seu lado mais obscuro, mas com extrema energia e vigor. Além disso, convence como herói de ação nas sequências de luta e/ou que envolvem maior esforço físico, mas a sua composição também passa por uma mudança de postura que transita entre o frágil e o descolado, dependendo do ambiente e/ou das circunstâncias, mesmo sem a máscara. Foggy Nelson (Elden Henson, carismático) é o sócio de Matt no novo escritório de advocacia criado pela dupla e funciona como um importante alívio cômico para a série. Se Claire se torna uma espécie de confidente de Matt, além de cuidar de suas feridas físicas e emocionais (e sofrer as consequências por isso), reforçando a dinâmica romântica entre os dois, Karen Page (a ótima Deborah Ann Woll, “True Blood”), secretária da dupla de advogados, por força das circunstâncias, parece caminhar com suas próprias pernas através das investigações que realiza contra os poderosos da empresa que queriam vê-la morta, contando com a ajuda do ético Ben Urich (Vondie Curtis-Hall, eficiente), um veterano jornalista, em vias de se aposentar, mas que também resiste na luta contra o sistema. Sistema este liderado por Wilson Fisk, cujo nome não deve ser citado. Vicent D´Onofrio tem uma participação arrebatadora, um trabalho de composição sutil e sofisticado que torna a sua figura ainda mais imprevisível e ainda mais assustadora. A sequência de apresentação do seu personagem é poética (remetendo ao passado e ao futuro do personagem) assim como toda a sua transformação vista no 4º episódio e que culmina com um desfecho avassalador e chocante (a crueldade provocada por um constrangimento pode ser brutalmente cruel), além de servir de aperitivo para um posterior episódio, cujo “flashback” mostra a sua infância e a influência negativa da sua figura paterna (a referência à abotoadura, por exemplo, é simples e genial), mesmo contando com alguns diálogos expositivos.
A relação entre Fisk e Vanessa (Ayelet Zurer), única mulher capaz de fazer com que ele se mostre mais vulnerável, é apresentada com um nível de tensão altíssima, apesar da sofisticação e de certa carga sexual, mas que só vem a reforçar o nível de ambição de ambos os personagens, inclusive da própria Vanessa cuja moral também não é totalmente defensável. Os roteiristas da série demonstram que sabem construir uma boa dose de expectativa quando a partir de um plano que marca a derrota dos russos em “Hell´s Kitchen” estabelece uma situação em que Matt se encontra encurralado, usando a catarse da situação para alavancar a relação entre os personagens, além de promover o primeiro embate ideológico entre ele e Fisk (e sabiamente não demora muito também para que ambos fiquem frente a frente pela primeira vez). A série sabe fazer o bom uso de eventos passados com a linha narrativa presente, sempre através de uma analogia que ecoa nos eventos atuais (ecos de “Lost”), como quando mostra o reencontro controverso entre Matt e seu tutor Stick (Scott Gleen) ou o nascimento da amizade entre Matt e Foggy (provavelmente o episódio menos marcante da temporada, apesar do seu apelo emocional). Se Wesley ganha uma interpretação refinada por parte do talentoso Toby Leonard Moore, garantindo uma fantástica dinâmica de cena ao lado de D´Onofrio, a participação de Wai Ching Ho empalidece já que a sua atuação burocrática nunca alcança o nível de projeção e importância que o roteiro busca sugerir através da Madame Gao (que também se perde na utilização de diferentes línguas, apesar de usada para construir pequenas, porém dispensáveis surpresas), sendo que Bob Gunton como Leland surge em cena muito mais à vontade e mais eficiente mesmo que em aparições menores.
De todos, o 9º episódio é o mais controverso. O reflexo do episódio anterior é que a figura de Wilson Fisk tornou-se pública e notória, tornando-se uma representação de esperança para a cidade devastada pela violência que o próprio patrocina. Se o mistério em torno de Fisk foi muito bem construído e sustentado até então, o que lhe dava ares ainda mais sombrios, já que não existiam sequer registros da sua existência (o que já era um tremendo exagero!), a partir do momento que ele passa a estar em frente às câmeras, a sua exposição lhe tira um importante álibi, embora não o impeça de agir de forma ditatorial nos bastidores do crime, afinal ele controla polícia, imprensa e justiça. Ainda assim me parece uma guinada muito mais em função do aspecto emocional (influência da chegada de Vanessa em sua vida) do que propriamente uma atitude racional e sensata por parte de Fisk. Aliás, esse é o mesmo “erro” cometido por Matt que tem um conflito moral em função das suas atitudes, até mesmo ecoando com relação a sua fé (bem representado por suas conversas com um padre e uma boa dose de diálogos expositivos), porém ele cai facilmente na armadilha de Fisk justamente por agir de maneira tempestiva, impulsiva e imprudente (e o sorriso de orgulho de Matt quando ouve Karen enaltecendo as virtudes do vigilante mascarado revela sutilmente a influência do seu ego em suas atitudes). Ou seja, a série cria uma sinergia muito forte e importante para reforçar que Matt e Fisk, embora em lados opostos, tem muito mais em comum do que se imagina, especialmente quando eles se mostram em situações mais vulneráveis. E os episódios finais da temporada exploram justamente o impacto provocado por estes “erros” dos personagens através do “rompimento” entre Matt e Foggy e as consequências sofridas pelas pessoas ao redor de Matt e Fisk, ou seja, eles acabam sendo atingidos pelas atitudes emocionais que tomaram, afetando principalmente aqueles que mais amam e mais juraram proteção.
Ao término da 1ª temporada de “Demolidor”, o arco dramático dos personagens se mostra poderoso e autêntico e a evolução da narrativa é extremamente coerente com a proposta sugerida no início, mostrando que a série se sustentou através de argumentos e elementos sólidos, muito bem orquestrados, apesar da complexidade envolvida entre a mistura do universo real e fantástico, e ainda assim dentro de uma lógica interna desenvolvida de uma forma que beira a perfeição. “Demolidor” se mostra uma série inteligente, madura, robusta e extremamente atraente não apenas por acreditar que um único homem e sua fantasia pode fazer a diferença, mas por fazer valer que a essência por trás da máscara (e da série) precisa ser, antes de tudo, honesta, legítima e palpável. E que venham muito mais temporadas.
9.5/10
Golpe Duplo
3.3 733 Assista Agora“Golpe Duplo” é um filme sustentado através da farsa e, até por isso, possui um sucesso bastante relativo. Nicky (Will Smith) é um trapaceiro profissional que se deixa enganar pela sedutora Jess (Margot Robbie) como uma forma de recrutá-la para o seu time, além de não se render a esse irresistível interesse romântico. O roteiro da dupla de diretores Glenn Ficarra e John Requa (do divertido “O Vigarista do Ano”) estabelece essa premissa, mas a partir do momento que introduz personagens que são golpistas e promove reviravoltas através dos golpes praticados pelos mesmos, as reais motivações dos personagens sempre ficam escondidas e/ou subentendidas e não se trata apenas em não desviar o olhar, afinal o roteiro só revela ao espectador aquilo que lhe interessa para que se alcance o resultado necessário para aquele momento. A engenhosidade do roteiro também não deixa de ser um golpe aplicado no espectador, sendo que a diversão não necessariamente é garantida, embora não ofenda a inteligência de nenhum dos envolvidos, na maior parte do tempo. Will Smith parece pouco à vontade na pele de um sujeito politicamente incorreto e que ainda precisa se comportar como um anti-herói romântico (Nicolas Cage, por incrível que pareça, seria uma escolha muito mais coerente com a proposta. Ou ainda Ryan Gosling que seria a escolha original.). É como se Smith simplesmente fizesse uma versão mais séria do seu personagem Hitch, o conselheiro amoroso, mas sem o mesmo charme ou apelo (a sua dramaticidade se resume à expressão de choro contido em alguns momentos). Margot Robbie, além de colírio para os olhos, traz doçura, bom humor e leveza para a sua personagem que são elementos fundamentais para não transformá-la em um mera “femme fatale” que exibe seus dotes e atributos físicos (embora ela também faça isso e muito bem, diga-se de passagem). Atingindo seu ápice na sequência que se passa durante uma partida de futebol americano, “Golpe Duplo” perde seu fôlego na metade final quando há um salto no tempo e Nicky e Jess se reencontram. O elo é o ganancioso Garriga (Rodrigo Santoro, discreto), namorado de Jess, e que contrata os serviços de Nicky. O plano envolvendo o roubo de tecnologia de equipes de automobilismo rivais é conduzida de maneira burocrática, desde a encenação inicial até a encenação final, e sem grandes arroubos de criatividade, além de culminar em um clímax que peca pela falta de ritmo (a sequência da batida entre dois carros parece fazer parte de um outro filme dentro do filme), algumas pontas soltas e um desfecho frouxo.
5.5/10
Chappie
3.6 1,1K Assista AgoraCHAPPIE
Neil Blomkamp é, definitivamente, um roteirista e diretor que veio para ficar. Da astúcia e ousadia vistas em “Distrito 9” passando pela excelência e pelo dinamismo de “Elysium”, o alcance de suas obras vai muito além do mero cinema de gênero já que são produções que se apresentam com apelos social e universal. E com a ficção científica “Chappie” não é diferente. Em um futuro não muito distante, a força tarefa policial na África do Sul é substituída por robôs dotados de inteligência artificial, garantindo baixos índices de criminalidade. Fabricados pela empresa Tetra Vaal, presidida com braço de ferro por Michelle Bradley (Sigouney Weaver), estes foram criados pelo talentoso engenheiro Deon (Dev Patel), que pretende criar robôs que sejam capazes de sentir e expressar emoções, porém não recebe o devido incentivo da presidente, além de encarar a inveja do inescrupuloso Vincent (Hugh Jackman), um militar que tem planos de transformar os robôs em máquinas de guerra.
A partir do momento que os personagens são apresentados, o roteiro escrito por Blomkamp ao lado de Terri Tatchell estabelece a premissa a partir do momento que Deon rouba um robô destruído em uma missão policial para concretizar seu projeto, mas é surpreendido por um grupo de criminosos que está interessado que uma máquina ajude-os em um assalto milionário para pagar uma dívida com um traficante local. O “nascimento” de Chappie é carregado de simbolismos, pois Deon assume a condição de Criador, assumindo uma conduta quase que divina já que se mostra preocupado em ensinar bons princípios para o filho. Só que naquele universo, o robô está inserido em um contexto de intensa violência, logo ele será “batizado” de forma cruel, conhecendo o que há de mais cruel na raça humana.
Embora ocasionalmente didático, o roteiro cumpre o seu papel de explorar a importância dos ensinamentos para a criação de uma criança, no caso de Chappie, uma criança-robô, porém ilustra com perfeição como o meio estabelece um reflexo irreversível na construção da personalidade deste ser robótico. Os conflitos morais e éticos promovidos dentro desse arco dramático é o que serve de base para estruturação de “Chappie”, além de ser eventualmente empregado como um nervoso elemento cômico, afinal o aprendizado que o robô tem do mundo real vai contra as boas intenções do projeto de Deon.
O antagonismo de Vincent escancara o elo fraco de “Chappie” que acaba ganhando mais repercussão apenas no terceiro ato, porém a ação de gênero é bem fraca e a atuação de Hugh Jackman se mostra muito caricata e canastrona, prejudicando parte do apelo do clímax. Dev Patel conduz de forma carismática seu personagem embora sejam as ações e omissões de Deon que movimentam, direta ou indiretamente, a trama, o que nem sempre representam soluções inteligentes ou minimamente criativas. Ninja e Yolandi Visser, do grupo de rap sul-africano Die Antwoord, intepretam os criminosos que sequestram Chappie e se assumem como suas figuras paternas, porém apenas ela realiza uma atuação com alcance dramático legítimo.
Embora controverso, o desfecho de “Chappie” flerta com a natureza poética vista em “Distrito 9”, porém embora seja questionável ainda assim revela a ousadia de Neil Blomkamp em não optar por uma solução simplista ou saída mais fácil, clichê e/ou banal. E talvez essa seja o maior triunfo dos seus filmes, a sua inquietação diante de um problema global e a impossibilidade de se mostrar indiferente ao final da experiência.
8.0/10
Kingsman: Serviço Secreto
4.0 2,2K Assista AgoraKINGSMAN - SERVIÇO SECRETO
Baseado em uma “graphic novel” criada pela dupla Mark Millar (“Kick Ass”) e Dave Gibbons (“Watchmen”), “Kingsman – Serviço Secreto” é uma divertida mistura de filme de espionagem com a estética dos quadrinhos muito bem equilibrada pelo diretor Matthew Vaughn, responsável pelos ótimos “Kick-Ass: Quebrando Tudo” e “X-Men: Primeira Classe”. Garry Unwin (Taron Egerton), ou simplesmente, Eggsy é um jovem inconsequente e indisciplinado que flerta perigosamente com o mundo do crime já que ele não se mostra muito empenhado em garantir um futuro melhor para sua vida, embora tenha lá seus talentos. Após ser preso em função de uma baderna realizada com um carro roubado, ele é recrutado pelo misterioso Harry (Colin Firth), integrante de uma agência secreta independente, que pretende introduzi-lo no universo da espionagem através de um programa destinado a jovens recrutas como uma forma de pagar uma dívida moral que ele tem com o pai de Garry e recoloca-lo no caminho certo.
“Kingsman” não pode ser visto apenas como um filme de recrutamento embora dentro da narrativa proposta apresente características que remetem a esse gênero, porém mesmo assim tem um teor muito mais cínico e imprevisível que os clichês comumente utilizados. A aposta no bom humor britânico e no tom politicamente incorreto do roteiro escrito por Vaughn ao lado de Jane Goldman é o que tornam este filme tão excêntrico e peculiar, pois ele não tem medo de subverter as convenções. Harry é um classudo agente secreto, plenamente consciente da sua importância para estabelecer a ordem mundial em meio ao caos, mas não evita de arrumar uma briga de bar para chamar a atenção de Garry quanto ao convite sério que o faz para ingressar em “Kingsman”. Bebendo da fonte onde os filmes do agente “007” já secou o roteiro também faz uso das mais diversas armas e bugigangas como forma de sofisticar a ação dos agentes, seja através de uma caneta, um isqueiro ou um mero guarda-chuva.
Contando com um elegante e sofisticado trabalho de fotografia que preenche os planos com uma paleta de cores quentes, o diretor Matthew Vaughn consegue criar sequências de luta espetaculares, mantendo a câmera inquieta, mas sempre acompanhando a ação do ponto de vista mais próximo de Harry, especialmente. A sequência ultraviolenta que se passa na igreja já é antológica por unificar com perfeição toda a qualidade e a versatilidade técnica do diretor a um senso estético deslumbrante, além de estabelecer com requintes de crueldade e de humor negro o plano do vilão Valentine (Samuel L. Jackson) que por sua vez não deixa de ter o seu grau de ironia. Se Colin Firth empresta a sua característica elegância para incorporar Harry de maneira robusta, irresistível e incontestável, sem nunca deixar de transparecer sua delicada humanidade, mesmo quando precisa se manter no controle da situação, Samuel L. Jackson está muitíssimo bem à vontade na pele de um sujeito que mescla tons de ingenuidade, arrogância e crueldade que o tornam uma figura ainda mais ameaçadora. Curioso notar como o humor de Valentine soa ameaçador justamente por reforçar a sua imprevisibilidade, tornando crível que aquele sujeito é capaz de fazer qualquer coisa para atingir seu objetivo (e o desfecho da sequência da igreja é a prova disso). A caracterização de Valentine com roupas caricatas inapropriadas para a sua idade (inicialmente ele parece um “rapper” adolescente) contrastam com a elegância vista em Harry, o que reforça o antagonismo de ambos.
Taron Egerton é uma grata surpresa, pois inicialmente assim como seu personagem se mostra inapropriado para se tornar um agente secreto, o jovem ator não parece ser uma escolha das mais confiáveis. Mas da mesma forma que Eggsy amadurece com o decorrer dos treinamentos e vai criando cada vez mais um senso de responsabilidade, Egerton vai ficando cada vez mais à vontade ao passo que a transição do personagem torna-se autêntica e legítima. Ao final do processo de seleção, o roteiro estabelece uma reviravolta que prepara o filme para o terceiro ato e mesmo que seja questionável a decisão de colocar jovens na linha de frente de uma missão tão importante, não deixa de ser uma recompensa aos esforços do próprio Eggsy, mesmo que ele venha acompanhado de sofrimento e decepção. Dentro da agência “Kingsman”, ainda há espaço para as participações de Merlin (Mark Strong, carismático) e Arthur (Michael Caine, digníssimo). Os personagens femininos são secundários e recebem em sua maioria pouco destaque, como Roxy (Sophie Cookson), melhor amiga de Eggsy durante o treinamento, mas que se mantém monossilábica ao longo do filme. Até mesmo a capanga Gazelle (Sofia Boutella), embora chame a atenção pela sua habilidade de luta e pelas suas próteses de penas afiadas, ela acaba sendo uma figura inexpressiva até pela falta de carisma de Boutella que não consegue fazer um bom “ping-pong” ao lado de Jackson.
Infelizmente, o clímax de “Kingsman” é responsável pelo maior índice de irregularidades do filme já que é povoado por altos e baixos e por alguns sérios problemas de ritmo que acabam prejudicando um pouco. Até como uma forma de homenagear os filmes clássicos há espaço para a famosa contagem regressiva para a execução do plano do vilão, porém as sequências de ação soam genéricas demais, inclusive a luta final que não se mostra recompensadora. O grande momento promovido por Vaughn é literalmente de “estourar os miolos”, como se regesse uma sinfonia sangrenta, mas a opção estética de tornar esta sequência digna de um desenho animado soa ainda mais apropriada pelo tom absurdo que permeia o filme como um todo, mas com uma sabedoria pra lá de apropriada. E se “Kingsman – Serviço Secreto” é um filme que se mostra altamente dinâmico, extremamente divertido e excitante, Matthew Vaughn tem uma boa parcela de culpa, logo ele está mais do que perdoado pelos pequenos tropeços que ocorreram durante o caminho. O que será imperdoável é caso ele não retorne ao comando da produção em uma provável continuação.
9.0/10
Elysium
3.3 2,0K Assista AgoraELYSIUM
O roteirista e diretor Neil Blomkamp agitou o universo da ficção científica com seu extraordinário trabalho em “Distrito 9” que fazia alusão ao apartheid na África do Sul através de uma belíssima alegoria que envolvia um aparente convívio pacífico entre humanos e alienígenas. Com “Elysium”, ele não deixa por menos, mesmo que seja um filme inferior, já que ele toca na ferida de uma sociedade dividida em classes sociais onde os ricos abandonaram a Terra para viver em órbita na estação espacial Elysium, um condomínio de luxo perfeito e envolto da mais alta tecnologia, inclusive para a cura de doenças, e os pobres são usados na Terra como mão de obra barata para garantir o conforto destes habitantes mais abastados enquanto vivem em condições precárias e de subsistência.
Em um futuro não-muito distante, Max (Matt Damon) é um ex-presidiário que trabalha na fábrica responsável pela confecção dos robôs que garantem a segurança e a comodidade dos habitantes de Elysium. Após sofrer um grave acidente radioativo que lhe dá apenas mais 5 dias de vida, ele resolve colocar em prática o seu plano de invadir a estação espacial para se curar e honrar as promessas feitas para Frey (Alice Braga), seu grande amor do passado. Para executar a sua missão, ele precisará da ajuda de “Spider” (Wagner Moura), responsável por organizar viagens espaciais clandestinas, porém enfrentará os planos de resistência nada ortodoxos de Rhodes (Jodie Foster), secretária de Segurança Nacional, através da utilização do mercenário Kruger (Sharlto Copley), um assassino frio e calculista.
Neil Blomkamp é um diretor extremamente energético, mas ele possui um estilo de direção cru que torna a ação do filme muito mais incisiva já que é alheio a boa parte dos malabarismos que tomam conta do gênero. E até mesmo quando ele faz a utilização dos efeitos especiais, como em algumas sequências que remetem à movimentação dos personagens em um jogo de videogame, o resultado não se torna enfadonho e/ou repetitivo e/ou pouco criativo. Ele sabe construir um apelo visual para as sequências em função da ação que ocorre, como se vê no momento em que um determinado personagem é sequestrado, e não decorrente de algum artificio meramente estético. O diretor de fotografia Trent Opaloch também sabe preencher muito bem os planos com o equilíbrio de cores necessário tanto nas sequências na Terra, onde há o predomínio dos tons fortes e quentes, como em Elysium onde a paleta de cores é mais fria e colorida.
O roteiro se compromete ao dar algumas meias-voltas até unificar todos os interesses envolvidos em único objetivo, mas o resultado final não decepciona. Embora tenha sido uma promessa de infância para Frey, Max só se interessa em ir para Elysium quando corre risco de vida, sendo que até então não parecia mais ter uma ligação tão próxima com ela. Quando ele resolve buscar ajuda de “Spyder”, ele não faz concessões quanto ao risco e aos perigos que enfrentará, porém a sua indicação da vítima do sequestro coincidentemente acaba sendo a única que viabilizaria o plano todo, além do que estabelecia uma relação de proximidade muito grande com Rhodes. E quando Max se torna uma ameaça para a segurança de Elysium (tornando-se uma versão genérica do Robocop), Kruger acaba funcionando como um peão dentro do roteiro, pois ele é o grande responsável pela união de todos os personagens, mesmo que a solução daquele problema não necessitasse de uma intervenção tão drástica e perigosa, ainda mais que Rhodes prezava pela cautela. Ainda assim, o pano de fundo social é muito bem sustentado ainda mais que estamos diante de uma sociedade em que a distorção na distribuição de renda é assustadora e somente os mais ricos tem acesso às melhores condições, inclusive no que se refere à promoção da saúde e da vida (a máquina que cura a doença das pessoas, que não deixa de ser uma ironia, afinal mesmo os mais abastados ainda sofrem de enfermidades, chega ao cúmulo de ressuscitar os mortos, ainda que seja um “furo” ao não evitar um desfecho trágico em seu clímax).
Matt Damon vem se tornando um ator dos mais confiáveis e aqui ele entrega mais um trabalho de atuação de extrema dedicação física e emocional. Wagner Moura incorpora a figura exótica de “Spider” com extrema energia e intensidade, chamando a atenção sempre que está em cena. Alice Braga funciona como um importante alívio emocional para um filme que muitas vezes possui um clima pesado e carregado, enquanto que Jodie Foster impede que a sua personagem se torne uma vilã canastrona e/ou caricata. Ainda assim, o grande destaque fica por conta de Sharlto Copley que toma conta do filme com uma atuação visceral, fazendo com que Kruger torne-se uma figura cruel, monstruosa, desprezível e imprevisível. E com este time de atores e essa gama de atuações destacáveis, “Elysium” se consagra como uma ficção científica notável com muito mais virtudes do que defeitos, sendo capaz de construir um universo e uma trama suficientemente marcantes em que é incapaz de fazer com o que o espectador se mostre indiferente. E isso faz toda a diferença a favor do filme.
8.0/10
Caminhos da Floresta
2.9 1,7K Assista AgoraCAMINHOS DA FLORESTA
“Caminhos da Floresta” é um musical que tenta reunir o maior número de contos de fadas possível em uma visão única e orgânica, mas que somente se torna uma salada atrapalhada de personagens em uma narrativa pouco inspirada e criativa. Aqui, há a Cinderella (Anne Kendrick), a Chapeuzinho Vermelho (Lila Crawford), o João do Pé de Feijão (Daniel Huttlestone) e a Rapunzel (MacKenzie Mauzy), sendo que a Bruxa Má (Meryl Streep) funciona como o elo de ligação entre as histórias a partir de uma maldição que ela lançou na família de um padeiro (James Corden) que impede que ele tenha filhos, o que causa tristeza para ele e sua esposa (Emily Blunt). A proposta da Bruxa é desfazer o feitiço desde que eles adquiram 4 objetos do seu interesse, mas que ela não pode tocar. Coincidentemente, eles esbarrarão com os demais personagens e consequentemente com estes itens dentro da floresta que dá título ao filme. Pelo menos essa é a proposta da primeira hora de filme. O diretor Rob Marshall, que fez um bom trabalho em “Chicago”, mas que fracassou em “Nine” e “Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas”, parece não ter a mínima intenção de se desprender da sua origem teatral, logo os cenários soam artificias e mesmo a fotografia carregada de tons escuros não consegue disfarçar que estamos diante de um filme feito quase que inteiramente em estúdio, logo a limitação da ambientação em muitas sequências se torna um empecilho para as próprias pretensões do filme (não vemos o que se passa na Terra dos Gigantes e nem sabemos como foi o baile da Cinderela). O roteiro de James Lapine é baseado na peça escrita pelo próprio ao lado do letrista Stephen Sondheim, porém nenhuma canção é especialmente marcante assim como nenhum número musical faz jus aos esforços do elenco que por sua vez oferece atuações convincentes e homogêneas. Johnny Depp surge em uma participação como o Lobo Mau, mas que só serve para nos lembrar como ele vem escolhendo mal seus papéis nestes últimos anos. Chris Pine beira a canastrice como o príncipe encantado seja nos momentos musicais ou na postura diante da personalidade mais decidida de Cinderela. Já os demais possuem vozes agradáveis e defendem bem seus personagens, especialmente Corden e Blunt. Meryl Streep atua no piloto automático. A segunda metade do filme consegue ser mais irregular que a primeira a partir da ameaça de uma gigante com uma enormidade de pontas soltas (fazendo com que os personagens retornem a qualquer custa para a floresta) e nem mesmo as perdas sentimentais que ocorrem até o desfecho alcançam o potencial dramático que mereciam (chega a ser frustrante como uma determinada personagem é descartada antes de ser fragilizada em função de uma traição). Rob Marshall realiza mais um musical pouco memorável e plenamente esquecível.
4.0/10
Êxodo: Deuses e Reis
3.1 1,2K Assista AgoraÊXODO: DEUSES E REIS
“Êxodo: Deuses e Reis” é um filme que faz jus à grandiosidade dos eventos que retrata pela sua escala épica, mas o apelo é morno e rasteiro já que a jornada física e espiritual de Moisés (Cristian Bale) assume uma natureza episódica que prejudica o seu apelo e a própria evolução da narrativa, inclusive a relação com o meio-irmão Ramses (Joel Edgerton) que se tornaria rei do Egito, escravizando os hebreus de maneira ainda mais tirana. Adaptado do “Êxodo”, segundo livro do Antigo Testamento, os roteiristas Adam Cooper, Bill Collage e Steve Zaillan se contentam em meramente registrar o maior número de eventos relevantes dessa passagem, como se fossem autossuficientes, mas são incapazes de construir uma teatralização atraente para criar um apelo genuíno decorrente do próprio filme (nem mesmo a necessidade de evocar “realidade” soa especialmente marcante). Logo, quando descobrimos que Moisés é um hebreu exilado que fora salvo da morte pela irmã do faraó, o apelo dramático fica restrito apenas à intensidade dramática empregada por Bale. Nas mãos do experiente, mas irregular Ridley Scott, ele transforma Moisés em uma espécie de Gladiador (o hebreu que virou líder do exército egípcio que virou o profeta dos hebreus), em dados momentos é quase um herói romântico, mas a evolução do personagem é corriqueira sendo que a sua redenção espiritual se resume a um acidente em que Deus é personificado através de uma criança que não deixa de ser uma saída fácil e uma muleta ao longo da narrativa. Contando com uma produção tecnicamente irrepreensível, incluindo efeitos especiais grandiosos que auxiliam na condução da narrativa, como na recriação dos ambientes, nas sequências das pragas, mas especialmente no clímax, o filme é esteticamente atraente já que conta também com o belo trabalho de fotografia de Dariusz Wolski (inicialmente apostando em tons mais quentes e posteriormente com uma paleta de cores mais acinzentadas). Se Cristian Bale confere credibilidade ao seu personagem com a competência que lhe é habitual, construindo uma interpretação forte, intensa, inquieta e melancólica, Joel Edgerton se deixa levar pela caricatura, trilhando caminhos perigosos e escorregando ora ou outra em uma canastrice distrativa e bastante prejudicial (o que justifica a sobrevida dada aos hebreus para logo em seguida Ramsés mudar de ideia e perseguir os hebreus). Ainda assim ele tem lá seus momentos. O restante do elenco é desperdiçado, sendo o experiente Bem Kingsley, um coadjuvante de luxo, ou um desperdiçado Aaron Paul, quase monossilábico. O clímax embora épico é bastante anticlimático já que se resume a um mar de efeitos especiais e nem mesmo o potencial de um duelo se confirma totalmente, logo se o filme todo foi uma preparação para aquele momento, quando ocorre é como se tudo fosse por água abaixo. Sem conseguir criar laços e vínculos emocionais profundos (o momento de mais apelo emocional envolve o destino trágico de crianças egípcias), “Êxodo: Deus e Reis” assim como “Noé” ainda não representa um retorno triunfante das obras épicas de temática religiosa. Ainda é necessário ter muita fé para que isso volte a ocorrer.
6.0/10
Vício Inerente
3.5 554 Assista AgoraVÍCIO INERENTE
Baseado na obra literária de Thomas Pynchon, “Vício Inerente” é o primeiro filme não original dirigido e roteirizado por Paul Thomas Anderson, um dos diretores e roteiristas norte-americanos mais talentosos da atualidade. Talvez até por isso seja o seu filme menos inspirado embora tenha o seu grau de interesse garantido pelo seu tom exótico e pouco convencional, especialmente na figura do seu personagem central, o detetive particular Doc Sportello (Joaquin Phoenix), um hippie que não abre mão de um baseado e nunca é levado a sério pelos seus colegas de profissão, além de ser constantemente intimidado pelo policial de codinome Bigfoot (Josh Brolin). O apelo da narrativa fica por conta dessa mistura psicodélica com a aura paranóica que marcou a Era Nixon já que a trama em si parece apenas querer disfarçar a sua falta de propósito e de sofisticação já que um personagem desinteressante leva a outro e depois a outro como se o filme fosse um enorme devaneio saído da mente de Doc. E nenhum dos demais personagens é tão atraente em sua excentricidade como Doc e Bigfoot, o que compromete a fixação no desenrolar dos eventos. Logo, o que menos importa é se tratar de um filme de PTA já que ele parece anestesiado pela cortina de fumaça que encobre os personagens. Joaquin Phoenix tem um trabalho de composição maravilhoso, capaz de tornar o seu personagem uma figura hipnótica através da sua displicência descarada e sua doçura ingênua e quase juvenil. E pelo fato dele estar em praticamente todas as cenas do filme, Phoenix sempre torna o personagem atraente e acompanhar os esforços de Phoenix na construção desse personagem desde a postura desleixada, passando pela sua entonação vocal, a composição física e até mesmo o figurino é recompensador. Josh Brolin também realiza uma performance impecável já que a sua figura representa o autoritarismo e a ordem e suas intervenções são justamente as mais engraçadas, pois realçam um tipo de conduta violenta e fascista que beira a canastrice já que chama a atenção pela sua estupidez. Ele impede que Bigfoot se transforme em um mero ranzinza e o transforma em alguém digno de pena por defender sua moral cega, graças a uma perfomance fria e serena por parte de Brolin. Apesar da boa caracterização e restituição de época, não há na trama um único ponto destacável do ponto de vista narrativo e muito menos PTA se coloca como o talentoso contador de histórias que se especializou em ser, logo “Vício Inerente” acaba sendo um filme pouco memorável e marcante. E tão logo ele termine, o que resta é a presença de Brolin e, especialmente, a atuação de Joaquin Phoenix.
6.5/10
Vingadores: Era de Ultron
3.7 3,0K Assista AgoraVINGADORES - ERA DE ULTRON
“Vingadores – Era de Ultron” é um filme que alcança o que se propõe com excelência através de uma narrativa dinâmica, uma trama que sabe explorar as boas perspectivas oferecidas pela sua premissa e que conta com uma gama de personagens carismáticos através de um senso de humor praticamente infalível. Quando Tony Stark (Robert Downey Jr.) constrói um sistema de inteligência artificial que sai do controle, ele e seus companheiros de SHIELD precisam combater o inimigo que agora atende pelo nome Ultron (voz de James Spader) e pretende exterminar os Vingadores, além de extinguir a raça humana.
A partir dessa premissa, o roteiro explora não apenas a ameaça provocada por um novo inimigo (cuja moral traz um teor terrorista que sabe mesclar um discurso bem articulado aliado a um personagem digital atraente visualmente), mas também o potencial de novos personagens, como Mercúrio (Aaron Taylor-Johnson) e Feiticeira Escarlate (Elisabeth Olsen) e potencializa os dilemas entre os próprios Vingadores, especialmente os conflitos éticos entre Homem de Ferro e Capitão América (Chris Evans) que parecem ter mais diferenças do que se parece, embora representem ideais americanos; os sentimentos despertados pela relação entre Hulk (Mark Rufalo) e a Viúva Negra (Scarlett Yohansson) que possuem traumas emocionais igualmente complexos o que desperta uma genuína cumplicidade; e até mesmo a possibilidade de uma vida normal almejada pelo Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) em um momento de sensibilidade e serenidade da narrativa que jamais soa piegas.
Thor (Chris Hemsworth) acaba participando ativamente da trama (o cajado de Loki é o que serve de estopim para a trama), mas representa o elo mais fraco dentre todos (embora tenha uma participação importante lá pelo final do segundo ato, o seu núcleo se enfraquece pela necessidade de misturar mitologia dentro de uma história com conteúdo tecnológico e apelo humanitário). Ele, assim como os demais, funciona quando a narrativa exige algum alívio cômico, sendo que o momento principal reside na brincadeira envolvendo o martelo de Thor já que ninguém se mostra digno de erguê-lo (e de maneira inteligente, o roteiro investe nessa piada lá pelo final envolvendo um misterioso e poderoso personagem). Da mesma forma, o humor irônico e sarcástico de Tony Stark está sob medida assim como as boas piadas auto-referenciais do próprio Capitão América, a participação do Máquina de Guerra (Don Cheadle) e até mesmo a irresponsabilidade juvenil do jovem Mercúrio.
O diretor Joss Whedon sabe muito bem explorar o potencial de cada um dos heróis nas sequências de ação, como já fica evidente na eficiente sequência de abertura, porém esse aspecto acaba sendo bem aproveitado até mesmo quando precisa explorar o confronto espetacular entre dois dos Vingadores, como quando Hulk e Homem de Ferro destroem uma cidade em duelo particular, mesmo que em alguns momentos Whedon abuse dos cortes rápidos e da câmera tremida, o que dificulta a compreensão de algumas sequências. E se esse duelo acaba resultante da exploração do potencial da premissa que permitiu de maneira orgânica que um se voltasse contra o outro, no clímax com núcleos de ação há de se levar em consideração que nem todos possuem o mesmo apelo, inclusive aquele que envolve o destino final de Ultron que deixa um pouco a desejar. Ainda assim, mesmo em um filme que tem proporções grandiosas e com sequências megalomaníacas, Whedon faz com que “Vingadores – Era de Ultron” seja um filme em que há um nível superior de consciência com relação aos efeitos colaterais provocados na vida dos civis (se comparado com os demais filmes do gênero). Isso se faz presente não apenas no clímax, mas nos próprios dilemas dos heróis quando questionam a vida das pessoas que são colocadas em perigo quando estão em ação, na própria moral radical e distorcida do vilão Ultron que defende a idéia de que os Vingadores são assassinos e até mesmo na origem de Mercúrio e Feiticeira Escarlate que possuem suas próprias motivações pessoais.
Superior ao ótimo filme anterior, “Vingadores – Era de Ultron” revela-se um filme intenso, dinâmico e extremamente divertido, ingredientes que fazem dessa produção da Marvel um espetáculo, um “blockbuster” praticamente infalível. Se a Marvel segue uma fórmula de sucesso, essa segunda reunião demonstra que ela não se esgotou e só ajuda a criar ainda mais expectativas para as próximas produções que visam explorar o potencial dos heróis, dos homens e mulheres por debaixo dos seus uniformes e armaduras.
9.0/10
Os Últimos 5 Anos
3.2 98OS ÚLTIMOS CINCO ANOS
"“Os Últimos Cinco Anos” é um musical pouco inspirado que traz à tona as alegrias e dissabores do relacionamento amoroso entre Jamie Wellerstein (Jeremy Jordan) e Cathy Hyatt (Anna Kendrick). Baseado no musical da Broadway de Jason Robert Brown, o filme se beneficia por trazer o mesmo casal de atores da peça (que inclusive foram indicados ao Tony Awards, o Oscar do teatro norte-americano), mas o roteirista e diretor Richard LaGravenese falha ao realizar um trabalho irregular, sem ritmo e pouco atraente. A adaptação parece preguiçosa, pois a maioria dos números musicais reforçam a sua natureza teatral já que são retratados geralmente em ambientes fechados, deixando a incômoda sensação de que se trata apenas de uma peça filmada em que a única diferença são os diversos ambientes que ocasionalmente servem para um mesmo número, isso quando não são totalmente encenados dentro de um quarto e/ou de um apartamento. Há poucas oportunidades em que se investe em números musicais com coreografias de dança e tratando-se de um filme de temática romântica investe-se pouco nos duetos. A aposta de LaGravenese na câmera na mão também se mostra deselegante em alguns momentos tornando confuso os enquadramentos e a movimentação dos atores mesmo quando estão em cenários ao ar livre já que estão limitados dentro daquele plano fechado. As performances de Jeremy Jordan e Anna Kendrick oscilam de acordo com a qualidade das canções, mas eles não deixam de funcionar em nenhum momento como um casal carismático e por quem vale a pena torcer. Ironicamente, a melhor canção do filme é a que abre o longa e que anuncia o rompimento do casal antes da história deles ser contada em flashbacks, porém LaGravenese já enfraquece o momento mantendo Cathy estática, comprometendo inclusive a interpretação de Anna Kendrick. Existem outras canções românticas, inclusive o dueto em que eles enaltecem o sentimento que nutrem um pelo outro, assim como outras mais divertidas, como aquela em que Jamie sugere que outras mulheres se interessaram por ele justamente após o casamento, mas nenhuma tem o alcance emocional provocado pela canção de rompimento. E quando o terço final do filme anuncia o início do fim é ironicamente quando o filme alcança seu auge justamente pelo teor das canções ganharem mais densidade dramática (destaco a canção em que Jamie ainda se mostra um romântico incorrigível mesmo com a relação escorrendo pelos dedos e que até por isso acaba agredindo verbalmente a companheira com algumas verdades difíceis de aceitar) e o clima torna-se mais intenso e pesado (a fotografia assume tons mais escuros), reforçando a dedicação dos atores em conferir credibilidade aos seus personagens mesmo quando o idealismo romântico é substituído por um tom mais amargo. E mesmo que o roteiro queira mesclar momentos de uma ilusória reconciliação como uma forma de suavizar o drama da situação, "Os Últimos Cinco Anos" é um filme triste e desesperançoso cuja realização fica muito aquém do sucesso alcançado pelo seu material de origem, tornando-se um musical pouco memorável."
5.5/10
O Maravilhoso Agora
3.2 808 Assista AgoraO MARAVILHOSO AGORA
"“O Maravilhoso Agora” é um filme imperfeito que não esconde seus problemas, mas que possui certo apelo, especialmente pelo carisma e pela qualidade das performances de Miles Teller e Shailene Woodley. Sutter Keely (Teller) é um jovem de 18 anos que não tem muitas ambições com relação ao seu futuro, está no último ano do Ensino Médio, não faz planos com relação à faculdade e conforma-se com o trabalho de vendedor em uma loja de roupas masculinas. Correndo o risco de não se formar, ele resolve se dedicar aos estudos contando com a improvável parceria da jovem Aimee Finick (Woodley) e dessa relação surge um sentimento que mudará seus destinos. É inegável que a relação entre os dois personagens é muito bem defendida pelo casal de atores, afinal trata-se de um romance de opostos, porém o roteiro da dupla Scott Neustadter e Michael Weber exige muito da generosidade dos dois para legitimar a relação. Ele é um sujeito inconsequente e irresponsável que passa o filme inteiro bebendo vodca como se fosse água mineral, uma péssima companhia e influência, mas ele não se mete em maiores confusões, logo é mais digno de pena. Ninguém parece julgá-lo nem mesmo Aimee que aceita a aproximação dele sem grandes restrições, sem levar em consideração que ele sequer a conhecia, mesmo estudando na mesma escola, no mesmo ano, nunca criticando-o pelo consumo excessivo de bebida alcoólica, inclusive dividindo alguns goles, sendo uma jovem inteligente, ingênua, generosa, politicamente correta e repleta de outras virtudes. Ele é um cara mal, mas não tão mal assim. Ela é uma pessoa essencialmente do bem. Sutter Keely parece ser um sujeito mais autêntico enquanto que ela soa mais utópica. Ainda assim Miles Teller e Shailene Woodley estão tão adoráveis com interpretações sutis, sensíveis e cativantes que é quase possível perdoar as falhas de desenvolvimento da narrativa. Quase. Há pouco aprofundamento do núcleo familiar de Aimee enquanto que o roteiro investe mais na relação distante de Sutter com a mãe (Jennifer Jason Leigh), a irmã (Mary Elizabeth Winstead) e, especialmente, com o pai (Kyle Chandler) que abandonou a família e nunca mais deu notícias. A psicologia envolvida na relação de Sutter com o pai e a bebida é rasteira e ao invés de investir na resolução dos conflitos apresentados, tudo sempre se resolve num passe de mágica (se em uma cena, ele está com notas ruins, na cena seguinte, ele conseguiu se formar; se em uma cena, ele abandona algo, na cena seguinte, ele a recupera). A maior interferência de James Ponsoldt se resume na inclusão de fades toda vez que ele precisa indicar uma passagem de tempo para levar o filme de um ponto de conflito para um outro ponto de resolução, sendo que o mais importante a ser mostrado era justamente o que aconteceu nesse intervalo. Assim como o personagem central, “O Maravilhoso Agora” padece pela irresponsabilidade do seu imediatismo imaturo e juvenil."
5.5/10
Cake - Uma Razão Para Viver
3.4 699 Assista AgoraCAKE – UMA RAZÃO PARA VIVER
“Cake – Uma Razão Para Viver” parece um filme feito para e por hipocondríacos, pois é um drama sofrível que parece servir apenas de veículo para que Jennifer Aniston tenha uma atuação menos glamourosa e mais humanista, digamos assim, sendo que mesmo assim não faz jus nem mesmo para esse propósito. Claire Bennett (Jennifer Aniston) é uma mulher que sofre de dores crônicas que a torna dependente de medicamentos, geralmente adquiridos de maneira ilícita. Convidada a se retirar de um grupo de apoio em função do seu comportamento cínico, mal humorado e arrogante (potencializado pelas suas constantes dores físicas), ela acaba se tornando obcecada pela vida de Nina (Anna Kendrick), uma jovem que fazia parte desse mesmo grupo, mas que cometeu suicídio ao pular do alto de um viaduto, deixando marido (Sam Worthington) e filho para trás. Aos poucos o roteiro vai oferecendo pistas sobre o passado de Claire e o que a levou a esse estágio de desamor, inclusive sugerindo um possível acidente que a deixou sequelas em seu corpo e levemente desfigurada, além de um casamento desfeito, mas as escolhas do roteiro acabam sendo previsíveis já que a obsessão é na verdade uma tentativa desesperada e artificial de Claire em não repetir a trajetória de Nina (o simbolismo do “bolo” é de um artificialismo clichê e piegas que ilustra a falta de criatividade por parte do roteiro ao longo da narrativa). A talentosa Jennifer Aniston tem em suas mãos uma personagem problemática e tenta se equilibrar na construção de uma figura amarga e ressentida, porém triste e solitária, mas as suas escolhas não suavizam o tom adotado pelo roteiro que tornam Claire uma mulher de difícil empatia. Não há quadro na parede e/ou redução de culpa (sugerida pela participação de um desperdiçado William H. Macy) que resolva esse problema e amenize o contexto. As aparições de Nina só problematizam o já deficitário trabalho de direção de Daniel Barnz que também não sabe acertar o tom destas sequências de alucinação, nem menos a fotografia se mostra particularmente inspirada, e Anna Kendrick não faz por merecer a atenção dada a sua personagem. Sam Worthington não compromete enquanto que Adriana Barraza tem uma participação bastante carismática. Se “Cake – Uma Razão Para Viver” não demonstra a mínima intenção de se tornar um dramalhão também não tem senso de humor, sarcasmo e ironia que sirvam de ingredientes para torná-lo mais atraente, tornando-se apenas um filme estranho, esquisito e sem o menor apelo estético e/ou emocional.
4/10
Selma: Uma Luta Pela Igualdade
4.2 793SELMA
“Selma” é um retrato sóbrio e amargo sobre os movimentos de não-violência liderados por Martin Luther King (David Oyelowo) pela luta de direitos igualitários para os negros americanos, especialmente o direito ao voto que permanecia negligenciado e burocratizado, destacando-se a marcha realizada entre a cidade de Selma, no interior do Alabama, até Montgomery, a capital do estado. Dirigido por Ava DuVernay, o filme mantém um nível de serenidade e autenticidade louváveis quando a proposta poderia facilmente recair no melodrama e o roteiro de Paul Webb é equilibrado e ágil o bastante para conduzir a narrativa de forma dinâmica sempre conduzindo o filme a frente, além de sustentar uma representação madura e complexa do icônico ativista. A atuação de David Oyelowo é intensa, vigorosa e precisa, tornando Martin Luther King um homem carismático e de fortes convicções, como se nota em seus poderosos discursos ou em suas conversas com o presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), mas que nem por isso deixa de se mostrar frágil e melancólico, como quando precisa lidar com os conflitos e dilemas do seu casamento com Coretta (Carmen Ejogo), inclusive envolvendo suspeitas de traição, ou lidar com as perdas de companheiros no caminho (como em uma emocionante sequência ao lado do pai de uma vítima). Oyelowo jamais soa como um mero imitador e nem por isso o seu trabalho de composição se mostra menos metódico e/ou disciplinado. Ava DuVernay sabe lidar muito bem com o peso da história que tem para contar e faz escolhas elegantes e assertivas quando precisa usar sua câmera para mostrar passagens mais contundentes e violentas, seja através do uso da câmera lenta quando as vítimas são crianças, um estilo mais cru e pesado quando um jovem é assassinado brutalmente por um policial e na emblemática sequência em que negros são agredidos sob uma cortina de fumaça branca em cima de uma ponte na cidade de Selma. Nenhuma de suas escolhas se mostra equivocada já que as brutais sequências chamam a atenção justamente pelo nível absurdo de sua gratuidade. Ela tem a sua disposição também uma precisa e eficiente montagem e mais um ótimo trabalho de fotografia de Bradford Young (“O Ano Mais Violento”) que mergulha o filme ora em tons quentes e pastéis, revelando uma paleta sóbria e elegante, ora em tons mais pesados e sombrios. O roteiro, em boa parte da narrativa, apresenta uma pintura bastante distinta entre brancos e negros, sendo que enquanto dentro do movimento liderado por King haviam vozes dissonantes, que acreditavam que a mensagem poderia ser transmitida de outra forma, nunca posando totalmente de inocentes (King sabia que seriam combatidos com violência) e/ou “santinhos” (inclusive o próprio Malcolm X que aceita o seu papel de radical do movimento), no caso dos brancos, especialmente os políticos, os mesmos são retratados como sádicos e desumanos, como Lee C. White (Giovanni Ribisi), o principal assessor do presidente; a pequena participação de J. Edgar Hoover (Dylan Baker); e o governador George Wallace, interpretado de maneira canastrona pelo ótimo Tim Roth. Nesse aspecto, tudo é muito preto no branco, não existe meio-termo, não existe complexidade entre “vilões” e “mocinhos”, inclusive o próprio presidente Lyndon Johnson que se apresenta de maneira covarde apenas para preservar seu capital político, deixando o aspecto humano, social e moral de lado até o seu limite já que é constantemente confrontado por King. Somente lá pelo terceiro ato é que a perspectiva da narrativa dá mais espaço para que cidadãos brancos apoiem a causa dos manifestantes até como uma forma de ilustrar que o mundo, de uma maneira geral, só começou a dar razão às reinvindicações quando a violência vitimou pessoas caucasianas. É uma triste ironia, mas não deixa de funcionar também como uma mensagem de que a luta de Martin Luther King e seus seguidores não era uma luta da raça negra, mas sim da raça humana e que todos merecem os mesmos direitos. Há de se levar em consideração algumas “liberdades”, como a construção de uma dinâmica entre King e o presidente Johnson ilustrada através de telefonemas que revelam um certo didatismo (o roteiro faz questão de validar que King e seus companheiros eram observados pelo FBI) e até um pouco de artificialismo (o presidente e King discutem assuntos de alta complexidade como se fossem vizinhos em que um reclama do barulho do outro), mas nada que venha a comprometer o alcance emocional deste filme digno, contundente e obrigatório.
9.0/10
Simplesmente Acontece
3.8 1,8K Assista AgoraSIMPLESMENTE ACONTECE
“Simplesmente Acontece” é uma comédia que tenta ser simpática, mas com as suas inúmeras, forçadas e incômodas reviravoltas só consegue ser aborrecida. Rosie Dunne (Lily Collins) e Alex Stewart (Sam Clafin) são amigos de infância que sempre se recusaram a enxergar o que é óbvio ao espectador desde o início: que eles foram feitos um para o outro. Essa necessidade do roteiro de Juliete Towhidi, baseado na obra de Cecelia Ahern, é extremamente perceptível, porém a narrativa quer transformá-la em algo invisível, o que não seria um problema irreversível, mas a cada desencontro óbvio e/ou absurdo, a cada piada e/ou gag de mau gosto ou pouco inspirada, o roteiro trai essa confiança, o que coloca o projeto em franca decadência, especialmente quando um dos dois está sempre disponível quando o outro não está; ou quando um cria uma falsa expectativa que o outro não corresponde. Esse jogo de gato e rato do destino acaba sendo uma brincadeira frágil e sem graça até mesmo quando se trata de uma comédia romântica que na sua essência apenas requenta os mais clássicos clichês do gênero. O diretor Christian Ditter não sabe muito bem o que fazer com o material que tem em mãos e se mostra um realizador desinteressante e pouco criativo assim como a fotografia pouco atraente, incapaz de salvar a passividade e a previsibilidade do roteiro. A maior virtude do filme fica por conta de Lily Collins que, mesmo em uma atuação irregular, ainda assim defende a sua personagem com unhas e dentes, mas com boas doses de obstinação e doçura que suavizam alguns dos problemas e cativam o espectador, mesmo quando Rosie toma as piores decisões de sua vida, como retomar o relacionamento com o patético pai de sua filha. Difícil imaginar que não existisse um jovem ator britânico com mais talento e carisma que Sam Clafin que aparece e sai do filme sem deixar saudades e, mesmo levando em consideração que ele está muito longe de ser um desastre, sua atuação não torna seu personagem alguém digno de se esperar por tanto tempo, ainda mais quando Alex se mostra submisso diante de qualquer mulher bonita que atravesse seu caminho. Dos coadjuvantes, a figura mais carismática é Lorcan Cranitch que interpreta o carinhoso e atencioso pai de Rosie. A trilha reserva algumas canções engraçadinhas que tentam valorizar uma ou outra piada, mas até mesmo nesse quesito o filme se reserva a ser uma mera cópia pouco inspirada em comparação às demais produções do mesmo gênero. E dessa forma o filme chega ao seu final pra lá de previsível, mas executado de forma totalmente anticlimática, e a conclusão é que a tradução do título em português funciona perfeitamente e resume todos os problemas que permeiam o filme já que tudo acontece porque simplesmente acontece e nada melhor é feito para salvá-lo dessa triste constatação.
4.5/10
O Ano Mais Violento
3.5 285O ANO MAIS VIOLENTO
Em 1981, a cidade de Nova Iorque viveu um período que foi considerado um dos mais violentos da História e esse é o contexto que serve de base para o filme “O Ano Mais Violento”, escrito e dirigido por J. C. Chandor, responsável pelos ótimos “Margin Call – O Dia Antes do Fim” e “Até O Fim”. Nesse contexto, o imigrante Abel Morales (Oscar Isaac) está em busca de prosperidade através do comércio de combustíveis, porém sofre com os constantes roubos de carga praticados anonimamente pelos seus concorrentes, além de correr contra o tempo para liquidar uma dívida que contraiu. Considerando a ineficiência da polícia diante da onda de crimes e sem contar com a ajuda do Ministério Público, através do promotor Lawrence (David Oyelowo), que o investiga por indícios de envolvimento em outros tipos de fraude, Abel se vê diante de uma situação delicada que ameaça o sucesso do seu negócio assim como a segurança da sua esposa Ana (Jessica Chastain) e de suas duas filhas.
O tom do filme é bastante melancólico e amargo, pois Abel precisa se posicionar da maneira mais honesta e ética possível dentro de um universo que parece a todo o momento flertar com o imoral e o que leva ao desvio de conduta. Nesse ponto, Abel é quase que uma aberração tentando sobreviver em meio a uma selva de leões famintos e desleais. Oscar Isaac realiza um trabalho de atuação metódico e meticuloso já que mantém Abel como um sujeito franco e inteligente através de um impecável trabalho de postura e entonação de voz, mas que constantemente se vê pressionado, como se a qualquer momento pudesse explodir e/ou tomar alguma atitude precipitada. Abel é um homem que acredita verdadeiramente no que faz e Issac o sustente através de uma notável e nobre atuação que pode parecer discreta, mas é absurdamente impecável já que em nenhum momento há dúvidas sobre a legitimidade do caráter do personagem. Ele não é capaz de encontrar paz e compreensão nem mesmo em seu convívio familiar já que Ana, filha de um gângster, põe em dúvida por diversas vezes a retidão do marido, embora ainda assim o ame incondicionalmente, o que só abrilhanta ainda mais o eficiente trabalho de Jessica Chastain.
O diretor J. C. Chandor demonstra ser um diretor que sabe muito bem o que faz já que a sua câmera evoca a postura de um cinema clássico, remetendo ao estilo de “O Poderoso Chefão” de Francis Ford Copolla e ao de “Era Uma Vez na América” de Sergio Leone, porém sem jamais soar didático demais ou uma mera imitação. A personalidade do roteirista/diretor está presente do início ao fim em função da sua predileção por uma narrativa que privilegia a construção de um crescente e sufocante dilema moral pontuado por sequências frias, planos mais fechados ou enquadramentos mais abertos e sem maiores firulas visuais. A elegante e brilhante fotografia de Bradford Young ajuda a legitimar essa ambientação privilegiando os tons pastéis e mergulhando constantemente os personagens em meio às sombras, como se todos os personagens, em maior ou menor escala, precisassem eventualmente lidar com o lado sombrio de suas personalidades (vide a sequência do atropelamento de um alce). Sem contar com malabarismos narrativos ou estéticos, ainda assim a sequência em que Abel persegue um dos seus caminhões roubados realça o virtuosismo do trabalho de Chandor ao lado de Young justamente por ser registrada de maneira natural, mas sabendo explorar tanto a excitação comum da perseguição como a falta de luz natural quando adentram em um túnel.
Apresentando-se como um filme maduro e elegante, “O Ano Mais Violento” não está isento de apresentar problemas de ritmo (o primeiro ato é especialmente vacilante e irregular) e há algumas conclusões mal resolvidas (a ausência repentina de Abel, que escondia documentos suspeitos, não é questionada quando o promotor vasculha sua casa; assim como a ameaça que Abel faz a seus concorrentes, inclusive quando a sua suspeita ganha um rosto, mostra-se contundente, embora não seja o bastante para garantir a sua tranquilidade nos negócios). Contando com um desfecho desesperançoso quanto à retidão de caráter de Abel e até mesmo do sistema que supostamente deveria zelar pela honestidade, “O Ano Mais Violento” não será o filme mais comentado do ano, mas é certamente um daqueles que mais tem algo a dizer, mostrando ser mais um belíssimo exemplar da filmografia deste talentoso roteirista e diretor J. C. Chandor.
9.0/10