George Miller continua oferecendo imagens espetaculares, e embora aqui não chegue ao nível de "Estrada da fúria", continua tudo muito impressionante e deslumbrante. Ao contrário de Duna, o deserto é filmado com cores variadas e muito ritmo, uma edição ágil e com muitos elementos técnicos, privilegiando a ação mas também com alguns momentos mais intimista. A protagonista também ajuda muito, falando com o olhar e sua motivação bem construída de vingança, o que envolve os personagens secundários também.
É válido por se tratar de dois homens disputando a guarda do filho concebido a partir de uma barriga de aluguel, o que já demonstra algo interessante para se pensar novas configurações familiar.
No entanto, senti falta de conflitos reais, e nem falo sobre os demais personagens aceitando numa boa, pois muito me agrada ver que a homofobia não foi centralizada pelo roteiro.
Há aqui uma desilusão amorosa, com uma traição que nem é motivo de diálogo. A questão é mesmo a convivência, e isso, o filme teria muito a aprender com exemplares como "História de um casamento", pois tudo ficou meio superficial, do rompimento à reconciliação.
Mas está no caminho certo, especialmente sobre a importante representatividade da obra.
Por mais que tente esforçar conflitos (não reconhecimento da FIFA, hipótese da partida final não ser jogada pela baixa remuneração, falta de patrocínio pós copa), o documentário é todo em tom de homenagem, muito mais do que denúncia, quase um especial pro Globo Esporte. A grande verdade é que essa Copa é bem pouco representativo, foram 6 times, sendo 4 europeus junto com a Argentina (país mais europeu da América do Sul) e o país sede, México. Não a falta de representação tem um porquê bem claro, já que ficou nítica a objetificação do evento, com cliques que nos fazem lembrar dos corpos femininos e da "feminilidade" que o esporte pode ter para atrair público, e estranhamente foi um ponto que o documentário pouco discutiu. Ao menos temos imagens ricas da época, num fragmento histórico que merecia um tratamento melhor, pois estamos falando de uma era onde o furacão da década de 1960, e suas bandeiras feministas, já havia passado pelo mundo.
Ainda tenta emular uma conversa sobre poliamor, mas as meninas não fazem outra coisa da vida do que ficar nesse looping de pegar ou não fulana... Era mais fácil reunir toda a sapataria e fazer um surubão de ppk.
Já vimos esse filme tantas vezes, até me espanta ser um filme da década de 2020, um amontoado de clichês: do conflito familiar à tríade encanto/desencanto/reconciliação com seu par romântico de verão, tudo isso centrado numa protagonista chata demais. O roteiro, esquemático que só, faz questão de mudar a personalidade da jovem para algo mais "sociável" e entregar finais felizes e reconfortantes a todos. Além de chato, irreal. Salva-se a trilha sonora e parte das locações, muito bonitas de fato.
Nem sei se podemos dizer que o filme é sobre "autoconhecimento", uma vez que a protagonista (muito bem interpretada) está alienada de múltiplas formas: socialmente, ou em relação a seus sonhos, ou romanticamente. A solidão é de dar dó, assim como a ignorância do povo simples, em especial migrantes, que basicamente são lançados na "selva de pedras", em condições insalubres e quase desumanas, em plena cidade grande. Ao fim, o desfecho de tudo: do sonho, da vida, do futuro que não chegará. Um romance agridoce. O filme sofre com o ritmo e com os aspectos técnicos, mas é inegável o esforço em passar todo o sofrimento dessa heroína literária muito bem construída por Clarice. Temo pela romantização da condição humana, ainda que, lá no fundo, a gente saiba que a realidade pode ser até pior.
Depois de "20 dias em Mariupol", esse sem dúvidas é o melhor documentário indicado ao Oscar de 2024, todo o desconforto que senti vendo "As 4 filhas de Olfa", se dissipam aqui na história do pai que luta por justiça pela filha de 13 anos, estuprada coletivamente por jovens indianos, todos adolescentes. Muito interessante como o machismo estrutural vai se desenvolvendo em tela, com as falas dos moradores que defendem os abusadores, pontuando itens importantes na recuperação social dos rapazes. Ainda assim, não há como denegar o destroço à vítima e seus familiares, cujo desfecho (ainda em aberto) até nos dá um pouco de esperança. Lindo filme.
É um filme realmente muito agradável visualmente, com uma fotografia caprichada e com passagens de tempo e de estações criativas e bonitas. No entanto, por mais dedicação que as atuações possam dar aqui, a trama é um amontoado de clichês. O padre, por exemplo, sequer teve tempo de esboçar virtudes, não se pode dizer que houve uma mudança de personalidade. Ainda assim, gosto de como tudo é conduzido de forma muito natural: tal qual um filme de Haneke, o mal vai dando as caras de forma naturalista.
Uma graça como Leonardo da Vinci é retratado, fofo mesmo. Não sei até que ponto o filme é atraente aos pequenos, mas sem dúvida é um rico material para se usar nas escolas retratando essa transição entre idade média e a moderna com o renascimento e as ideias científicas então nascentes, mesmo com a simplicidade do roteiro e um certo esquematismo: o tom pedagógico faz, ao menos, ser útil para fins educacionais.
Um charmoso Thelma e Louise, embarcando numa viagem de intercâmbio e indo trabalhar como garçonete num bar bem esquisitão. Porém, o terço final do filme vai decaindo e prejudicando a tensão criada, pelo roteiro parecer querer economizar no sangue ou andar em looping em certas situações. Faltou tensão e eé tudo meio anti-climático, o que é uma pena, pois o ambiente e os bêbados que por ali transtam, transmitem insegurança mesmo.
Um documentário que parece um making of, e embora eu tenha todo respeito àquelas mulheres e às suas histórias de vida, achei que ficou de mau gosto certas reconstituições,meio que me incomodou o doc não assumir o que quer ser: entrevista ou encenação? Ainda assim o carisma delas em tela e a importância da denúncia me fez acompanhar tudo até o final.
Emulando um "Uber" drive meio perdido na vida, mas inserindo aí um componente de Rocky Balboa ao fazê-lo ser um rato de academia, com desejos reprimidos, claro, John Trengove faz o Ralphie de Jesse Eisenberg navegar perdido, sem saber direito o que fazer com sua mulher grávida e com aquele microcosmos que uma hora ou outra, claro, irá transbordar. E inserindo um grupo de homens secreto ao estilo "Clube da luta", mas com pouca porrada e muito blablablá ritualístico, o filme vai se perdendo em suas pretensões e referências, e a derrocada do protagonista acaba sendo a nossa também. Ainda bem que Eisenberg consegue ser centrado o bastante pra entregar um personagem interessante mesmo, ainda que o roteiro atire pra tudo quanto é lado. Mas é gostoso ver como os "red pills", de fato, tem uma série de problemas.
A ideia toda é super mal conduzida, e as mortes ficaram num anti-clímax terrível: basicamente os amigos se reúnem num casarão (quanta criatividade) para aproveitar o final de semana, no qual acham uma caixa com baralho de tarot/horóscopo. Sim, se é confuso pra você, para o roteiro também. Terá alguém no grupo que lerá o horóscopo de cada, e apartir dapi está lançada a maldição. Daí, quando acontecem as mortes (seguinto o prescrito nas cartas, claro que de certa forma um tanto quanto enigmático), você deve lembrar do que a jovem disse, só que o roteiro o faz com uma voz distante em eco e, para piorar, com muitos cortes e pouco sangue. A reviravolta e as piadas não funcionam. O filme todo é bem capenga, na verdade.
A única coisa que se salva nesse filme é a trilha sonora e o talento da protagonista mirim. Mesmo os veteranos estão canastrões, e a ideia de reparar os vínculos entre os amigos imaginários com seus criadores já crescidos (alguns nem tão adultos) falha miseravelmente, seja no apelo visual ridículo, seja no ritmo e edição tenebrosos. Não há aqui um domínio do espaço, de modo que os seres convivem com as pessoas de forma tão ridicularmente pobre, que filmes com mais de 30 anos como "Space Jam" parecem uma obra-prima. E tem uma direção de arte boa até, mas o roteiro e a direção não conseguem criar empatia com os seres. Decepcionante.
Confesso que me diverti bastante com a história dessas garotas. Aqui a lesbianidade surge como um elemento que é amis acessório do que propriamente vai guiar a trama, tendo o roteiro de 1990 feito piadas na medida certa. Uma pena que os vilões são bem ruins,e quando resolvem dar as caras com as protagonistas, fica tudo muito pior. Tem elementos bizarros, claro, mas como comédia funciona pela mão sempre talentosa do Cohen, que soube dosar o grotesco sem cair na vergonha alheia. Um road movie simpático, curto e bem divertido, embora nada muito memorável.
O talento do Ennio é indiscutível, com momentos que beiram a genialidade mesmo. Mas o documentário é um pé no caso, são duas horas e meia no mesmo formato: excesso de entrevistados babando ovo, em cortes rápidos (chega um momentoem que os adjetivos se esgotam); a cronologia dos filmes se mantém, com a inserção de trechos marcantes; o cenário não muda, ora de filmes ora o próprio homenageado e seus adoradores em close falando a respeito. Nada sobre o homem ou algo mais interessante sobre o processo de criação, apenas uma ou outra fala (como usou objetos em algumas composições, por eexemplo). E, claro, seguiu a cronologia mainstream, inclusive com ênfase dramático no Oscar.
É um documentário que fará o possível apra defender a tese de que, quanto mais forte o poder policial, pior apra a democracia. Apesar de alguns pontos de interesecção serem bem defendidos, como o racismo estrutural (gostei particularmente da citação filosófica sobre negros), peca, obvimente, por não apresentar contrapontos ao debate. E seria algo fundamental, pois o filme é um tanto maçante e acadêmico, com muita enrolação e ideias repetidas. Por mais que o resgate histórico seja importante, em determinado momento o filme anda em looping no argumento, muito porque a defesa de uma tese sem a antítese de fato paralisa a fluidez da trama. Acaba sendo mais um documentário com grande potencial, mas com pouca abertura para se compreender a complexidade da questão.
Existem três características importantíssimas para o filme biográfico musical funcionar que funcionam muito bem aqui: o recorte da trama; a caracterização do biografado; a organicidade das músicas ao enredo. "Back to black" é filmado com burocracia e sem inspiração, mas consegue se sair muito bem no essencial.
Além da protagonista Marisa Abela estar estupenda no papel, inclusive com evoluções no visual e na postural que soaram bastante natural, seu par romântico o namorado interpretado pelo excelente Jack O'Connel garante a tensão sexual que segura as pontas de um roteiro absolutamente clichê: o amor desguiado, a pressão entre a vida pessoal e artística da cantora, as drogas como ruína.
Alguns fãs reclamaram de como o pai foi retratado de forma bem benevolente, já que supostamente mantinha uma relação de exploração e pressão com a filha. Eu particularmente não conheço nada da vida dela para opinar, e o que vi foi um pai que, de fato, era um suporte equilibrado ali, provavelmente, na vida real, fora bem diferente disso mesmo.
Senti falta do processo de criação das músicas: por mais que o filme deixe explicado que a Amy viveu muito de suas letras, à exceção duma cena inicial, não lembro a moça em nenhum take com um lápis e um caderno na mão, de modo que tão logo os acontecimentos apareciam ( o luto, por exemplo) alguma música surgia como pano de fundo. Isso tira um pouco a naturalidade do vivido, mas ao mesmo tempo é um bom trabalho de como se confundia vida e obra.
Também achei, e não é culpa somente deste, que o filme forçou um ápice musical com "Rehab". Desde "Bohemia", aprece que se tornou algo estritamente necessário uma encenação final. Mas ao menos aqui se sai menos pior do que em filmes como os da "Whitney Houston". Ainda assim, lembro (esse sim está na memória) do seu último show, completamente desorientada e drogada, e o filme não trouxe isso à tona.
Em resumo, é uma biografia higienizada, facilitada pelo recorte certeiro de uma carreira que acabou bem cedo e de uma protagonista forte, com um par romântico que realmente funcionou em tela, do momento do encanto à ruína. Faz o básico e consegue, assim, entreter, mesmo com várias críticas à veracidade dos fatos. Ainda bem que cinema não necessariamente precisa ter compromisso com isso, muito embora, para uma biografia, isso de fato pode soar como defeito e concorrer contra a experiência pretendida.
Um filme completamente perdido sobre qual núcleo abordar, começa dando foco a questões corporativas numa empresa de energia da França, cuja Alta Administração vem se aproximando de interesses chineses, sendo sua protagonista uma líder sindical.
Nesse ínterim, ela sofre um atentado violento, dentro da própria casa, e o filme vai ganhando tons de contornos policiais. Sem sabermos ao certo a ligação entre um núcleo e outro, gosto de como o filme tenta se ater aos fatos e de como o que deve ficar em aberto realmente fica em aberto, mas não sei se as opções de narrar a história sob o ponto de vista dela, ainda mais ressaltando sua posição como sindicalista no título, foi a mais acertada.
Ainda assim, tudo foi filmada em tom burocrático, tornando o filme mais próximo do esquecível, mesmo que tenha sido baseado em fatos reais. Faltou-lhe identidade de gênero e visual para justificar as escolhas da obra.
Por mais violento e perturbador que seja a agressão sofrida, as lentes aqui usadas tornam tudo muito clean e o resultado é absurdamente frio para a proposta. As legendas ao final dizem muito mais do que duas horas de filme, sinal de que as imagens não deram conta do recado.
A ambientação com a fotografia escura até funciona, mesmo com a edição mecanicista em decidir contar a história em três momentos distintos (as memórias de infância do investigador, o que ocorrera com as meninas perdidas e o presente). Tudo isso pra esconder uma trama simples: desaparecimento de um corpo num ambiente denso e inóspito de mata fechada, onde aventureiros fazem trilha, o que coincide com o local onde 30 anos atrás um assassino em série matava mulheres.
No entanto, as justificativas para o grupo das meninas estarem ali é bem frágil, as conexões com o passado são bem frágeis, de modo que o suspense até engata, mas as motivações vão esnacendo o filme de qualquer pretenão mais séria. Para piorar, se o momento em que o filme regride aos acontecimentos com as meninas a mata parece ter quilômetros e quilômetros de distância, no momento presente das investigações parece que o espaço reduziu: faltou controle cênico do espaço.
Assim, o terço final do filme é só ladeira a baixo. A investiação feita sobre o caso é bem infantil, desenhos do Scooby-Doo conseguem ser mais profundos que isso. Se ficasse só no mistério talvez o filmefosse melhor, inclusive se deixasse mais aberto, pois é onde funciona. Ao tentar justificar a ação, o roteiro emenda uma disputa feminina constrangedora, um desenrolar que não vinga, um desfecho sem graça. Vale apenas para passsar o tempo mesmo.
O Oscar parece sabe muito bem mirar seu arsenal de arma soft para os russos. Mas se em "Navalny", premiado injustamente, a disputa por narrativas ficou enviesada, em "20 days in Mariupol" o viés se justifica, já que se trata de um estudo antropológico/histórico/investigativo de um lócus específico, e desta vez as palavras são poucas frente ao poder das imagens. É certo que a narração é over algumas vezes, mas pouco importa. Temos um retrato claro aqui do melhor cinema documental e da insanidade de uma guerra. Imagens perturbadoras, que irão perdurar por muito tempo em nossa memória. Lindo e, ao mesmo tempo, chocante.
Halder Gomes tem um extenso currículo com comédias nacionais regionais, retratando especialmente o povo nordestino, lugar que conhece de berço. Com isso, seu cinema usa uma linguagem mais popular e palatável, inegavelmente com certo apelo comercial que pode comprometer um tantinho incursões como essa aqui, voltado a um drama mais intimista e reflexivo. No entanto, acredito que o salto de qualidade e a ousadia, especialmente pelo domínio técnico do material em mãos e do uso de cores, como brinca com tons de vermelho e azul (do cabelo de suas atrizes à paleta dos quadros de pintura apresentados em cena), se permitindo voltas ao tempo, sem legenda, e uso de preto e branco de forma econômica, além de um cinema notadamente intimista, com uma edição tão ágil e populesca, fico com o veredito de que o cineasta realizou um grande filme, até agora o melhor nacional e um dos melhores do ano.
O filme me lembrou bastante "Cópia Fiel" (2010), dirigido por Abbas Kiarostami, que mergulha profundamente na questão da autenticidade e da cópia, utilizando uma narrativa complexa e rica em simbolismo para explorar esses temas. Halder Gomes, a seu jeito cearense, também questiona o conceito de autenticidade na arte, mas sem enveredar pela complexidade e pelo refinamento do Kiarostami. São apenas propostas diferentes.
Até porque, aqui temos um tom irônico e de desdém ao mundo glamuroso da arte, como o visto em obras do Allen: uma imersão naquele mundo, mas nitidamente por um olhar que lhe é externo, de um forasteiro. Assim, por mais que a sensação de ser um estrangeiro a falar daquele universo nunca passe, é também uma tentativa de um cineasta de explorar novos ares, do qual muito me impressiona o resultado, encantador na maioria das vezes, brusco em outras. No geral, muito satisfatório.
A obra original é tradicionalmente considerada mais valiosa devido à sua unicidade e ao vínculo direto com o criador. No entanto, o já citado "Cópia Fiel" sugere que o valor não está apenas no objeto em si, mas também na percepção e na experiência do observador. Walter Benjamin, em seu ensaio "A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica", discute como a reprodução técnica desvaloriza a “aura” da arte original, mas também democratiza o acesso à arte. Logo, a ideia de que uma cópia pode possuir um valor próprio é central no filme, tanto em Gomes quanto em Kiarostami. A cópia permite um novo tipo de interação e interpretação, potencialmente mais relevante para o contexto atual do observador. É aqui que os três personagens ganham vida nesse simulacro: a curadora golpista interpretada por Maria Fernanda Cândido, o pintor falsário Johannes muito bem vivido por Chico Díaz, e a deliciosa atriz ruiva e musa inspiradora vivida por Gracinda Nave.
Da relação lésbica à mistura entre inspiração artística, fetiche e ganância, embora o filme não tenha tirado toda a potencialidade da sensualidade de suas atrizes, consegue exalar o essencial para conduzir sua trama, movida em torno de um "Retrato de Dorian Gray" que seja capaz de elevar os ganhos de todos, insuflando o ego da atriz, musa inspiradora da obra, como em "O desprezo" de Goddard, e capaz de gerar lucros de quem desdenha da arte e está ali para faturar. Halder Gomes consegue, assim, trazer elementos de cinema clássico de uma moderna linguagem irônica e questionadora.
Ao editar seu filme de um modo ágil e imponente, e ainda, sem perder o toque farsesco e popular que lhe confere identidade, Gomes consegue sustentar uma história simples, até meio novelesca, por mais de duas horas sem perder o ritmo. Abrindo mais do lado mais intimista e reflexivo, às vezes, ele está entre o cineasta que ainda quer conversar com o seu público popular e o que está encantado com os vernizes dos museus europeus. Rodado em Portugal, Gomes vai conhecendo o mundo sem abandonar o olhar de um matuto. É um desbravador.
O filme fecha com a citação do ferreira Gullar, "A arte existe porque a vida não basta". Claro que temos problemas aqui com alguns diálogos (mecânicos), com a superficilidade de certos momentos, com a verossimilhança, talvez. Mas há momentos de puro deleite, com cortes preocupados em passar a dimensão de uma tela sendo pintada, é como se o filme em si fosse uma tentativa de imitar essa milenar discussão sobre autenticidade da arte e sobre como compreender que grandes obras (pinturas, mas o cinema também?) o são mais devido uma indústria por trás.
Platão, em sua teoria das Formas, argumenta que o mundo sensível é apenas uma sombra do mundo real das Ideias ou Formas, onde cada objeto no mundo físico é uma cópia imperfeita de uma Forma perfeita. "Vermleho Monet", que remete às cores de um pôr do sol no quadro de Monet, tendo no personagem pintor do filme, ironicamente, restado na lembrança (já que ele está perdendo a visão), deixa claro que a memória, a linguagem, em suma, a praticidade da vida é o ponto nodal da nossa percepção estética. A metáfora interessante e moderna dessa ideia vai sendo estudada, questionando se as cópias têm seu próprio valor intrínseco e se podem, em algum aspecto, alcançar a perfeição da Forma original, bem como atribuindo valor ao que não é necessariamente inerente ao objeto, mas construído através da interação e da interpretação, sinalizando muito mais pelo contexto do que pela obra em si.
A arte, assim, tem o poder de transformar nossa percepção da realidade e nos levar a questionar nossas crenças sobre autenticidade e valor, mas ao mesmo tempo em que a criamos, por ela somos criados. A tela que fora apresentada no final do filme, fruto de uma cena mais carnal dos personagens principais, mostra muito bem essa simbiose. Prefiro um forasteiro cearense a retratar esse universo, enriquecendo com sua linguagem e senso estético de que sabe que está lá, mas sem se ver como parte desse simulacro. Ainda assim, construído e influenciado por ele.
Se o John Galliano fosse brasileiro, seria eleitor de Bolsonaro, com certeza. Ao menos o documentário credita boa parte da sua criatividade à sua ganialidade (confesso que fiquei desconfiado de não ser produto de algo mais coletivo, em especial do seu amigo Steven). Ainda assim, muito bom o relato por trazer várias imagens antigas, permitindo ao espectador criar sua própria opinião. Confesso que sou do time que acredito na reabilitação das pessoas e na segunda chance, porém, é inegável não sentir desconforto para ver como o crime é muito mais leve quando se é um homem branco, ainda que gay.
PS: a melhor tradução para High and Slow seria "luxo e lixo" (expressão que uma das entrevistadas no documentário falou), o que, inclusive, retrataria melhor o universo do protagonista.
Ao mesmo tempo que é genuinamente lindo, e falo aqui tanto da mensagem quanto da estética mesmo, comtraços delicados mas que conseguem transmitir a emoção dos seus personagens, também é cheio de clichês de livros de autoajuda. Amizade e busca pelo amor, num roteiro simples e idílico. É um conto de fadas num ambiente com neve e personagens fofos, feito para esquecer da realidade por meia hora, mas que não sobrevivem para além daquele espaço.
Furiosa: Uma Saga Mad Max
4.0 60George Miller continua oferecendo imagens espetaculares, e embora aqui não chegue ao nível de "Estrada da fúria", continua tudo muito impressionante e deslumbrante. Ao contrário de Duna, o deserto é filmado com cores variadas e muito ritmo, uma edição ágil e com muitos elementos técnicos, privilegiando a ação mas também com alguns momentos mais intimista. A protagonista também ajuda muito, falando com o olhar e sua motivação bem construída de vingança, o que envolve os personagens secundários também.
Our Son
3.4 7 Assista AgoraÉ válido por se tratar de dois homens disputando a guarda do filho concebido a partir de uma barriga de aluguel, o que já demonstra algo interessante para se pensar novas configurações familiar.
No entanto, senti falta de conflitos reais, e nem falo sobre os demais personagens aceitando numa boa, pois muito me agrada ver que a homofobia não foi centralizada pelo roteiro.
Há aqui uma desilusão amorosa, com uma traição que nem é motivo de diálogo. A questão é mesmo a convivência, e isso, o filme teria muito a aprender com exemplares como "História de um casamento", pois tudo ficou meio superficial, do rompimento à reconciliação.
Mas está no caminho certo, especialmente sobre a importante representatividade da obra.
A Copa de 1971
2.5 1Por mais que tente esforçar conflitos (não reconhecimento da FIFA, hipótese da partida final não ser jogada pela baixa remuneração, falta de patrocínio pós copa), o documentário é todo em tom de homenagem, muito mais do que denúncia, quase um especial pro Globo Esporte. A grande verdade é que essa Copa é bem pouco representativo, foram 6 times, sendo 4 europeus junto com a Argentina (país mais europeu da América do Sul) e o país sede, México. Não a falta de representação tem um porquê bem claro, já que ficou nítica a objetificação do evento, com cliques que nos fazem lembrar dos corpos femininos e da "feminilidade" que o esporte pode ter para atrair público, e estranhamente foi um ponto que o documentário pouco discutiu. Ao menos temos imagens ricas da época, num fragmento histórico que merecia um tratamento melhor, pois estamos falando de uma era onde o furacão da década de 1960, e suas bandeiras feministas, já havia passado pelo mundo.
GIRLFRIENDS AND GIRLFRIENDS
3.0 6 Assista AgoraAinda tenta emular uma conversa sobre poliamor, mas as meninas não fazem outra coisa da vida do que ficar nesse looping de pegar ou não fulana... Era mais fácil reunir toda a sapataria e fazer um surubão de ppk.
Sweetheart
2.8 2 Assista AgoraJá vimos esse filme tantas vezes, até me espanta ser um filme da década de 2020, um amontoado de clichês: do conflito familiar à tríade encanto/desencanto/reconciliação com seu par romântico de verão, tudo isso centrado numa protagonista chata demais. O roteiro, esquemático que só, faz questão de mudar a personalidade da jovem para algo mais "sociável" e entregar finais felizes e reconfortantes a todos. Além de chato, irreal. Salva-se a trilha sonora e parte das locações, muito bonitas de fato.
A Hora da Estrela
3.9 512Nem sei se podemos dizer que o filme é sobre "autoconhecimento", uma vez que a protagonista (muito bem interpretada) está alienada de múltiplas formas: socialmente, ou em relação a seus sonhos, ou romanticamente. A solidão é de dar dó, assim como a ignorância do povo simples, em especial migrantes, que basicamente são lançados na "selva de pedras", em condições insalubres e quase desumanas, em plena cidade grande. Ao fim, o desfecho de tudo: do sonho, da vida, do futuro que não chegará. Um romance agridoce. O filme sofre com o ritmo e com os aspectos técnicos, mas é inegável o esforço em passar todo o sofrimento dessa heroína literária muito bem construída por Clarice. Temo pela romantização da condição humana, ainda que, lá no fundo, a gente saiba que a realidade pode ser até pior.
Matar um Tigre
3.8 28 Assista AgoraDepois de "20 dias em Mariupol", esse sem dúvidas é o melhor documentário indicado ao Oscar de 2024, todo o desconforto que senti vendo "As 4 filhas de Olfa", se dissipam aqui na história do pai que luta por justiça pela filha de 13 anos, estuprada coletivamente por jovens indianos, todos adolescentes. Muito interessante como o machismo estrutural vai se desenvolvendo em tela, com as falas dos moradores que defendem os abusadores, pontuando itens importantes na recuperação social dos rapazes. Ainda assim, não há como denegar o destroço à vítima e seus familiares, cujo desfecho (ainda em aberto) até nos dá um pouco de esperança. Lindo filme.
Terra de Deus
3.6 13 Assista AgoraÉ um filme realmente muito agradável visualmente, com uma fotografia caprichada e com passagens de tempo e de estações criativas e bonitas. No entanto, por mais dedicação que as atuações possam dar aqui, a trama é um amontoado de clichês. O padre, por exemplo, sequer teve tempo de esboçar virtudes, não se pode dizer que houve uma mudança de personalidade. Ainda assim, gosto de como tudo é conduzido de forma muito natural: tal qual um filme de Haneke, o mal vai dando as caras de forma naturalista.
The Inventor
3.5 1 Assista AgoraUma graça como Leonardo da Vinci é retratado, fofo mesmo. Não sei até que ponto o filme é atraente aos pequenos, mas sem dúvida é um rico material para se usar nas escolas retratando essa transição entre idade média e a moderna com o renascimento e as ideias científicas então nascentes, mesmo com a simplicidade do roteiro e um certo esquematismo: o tom pedagógico faz, ao menos, ser útil para fins educacionais.
The Royal Hotel
2.9 27 Assista AgoraUm charmoso Thelma e Louise, embarcando numa viagem de intercâmbio e indo trabalhar como garçonete num bar bem esquisitão. Porém, o terço final do filme vai decaindo e prejudicando a tensão criada, pelo roteiro parecer querer economizar no sangue ou andar em looping em certas situações. Faltou tensão e eé tudo meio anti-climático, o que é uma pena, pois o ambiente e os bêbados que por ali transtam, transmitem insegurança mesmo.
As 4 Filhas de Olfa
3.8 35 Assista AgoraUm documentário que parece um making of, e embora eu tenha todo respeito àquelas mulheres e às suas histórias de vida, achei que ficou de mau gosto certas reconstituições,meio que me incomodou o doc não assumir o que quer ser: entrevista ou encenação? Ainda assim o carisma delas em tela e a importância da denúncia me fez acompanhar tudo até o final.
Manodrome
2.6 34Emulando um "Uber" drive meio perdido na vida, mas inserindo aí um componente de Rocky Balboa ao fazê-lo ser um rato de academia, com desejos reprimidos, claro, John Trengove faz o Ralphie de Jesse Eisenberg navegar perdido, sem saber direito o que fazer com sua mulher grávida e com aquele microcosmos que uma hora ou outra, claro, irá transbordar. E inserindo um grupo de homens secreto ao estilo "Clube da luta", mas com pouca porrada e muito blablablá ritualístico, o filme vai se perdendo em suas pretensões e referências, e a derrocada do protagonista acaba sendo a nossa também. Ainda bem que Eisenberg consegue ser centrado o bastante pra entregar um personagem interessante mesmo, ainda que o roteiro atire pra tudo quanto é lado. Mas é gostoso ver como os "red pills", de fato, tem uma série de problemas.
O Tarô da Morte
2.4 20A ideia toda é super mal conduzida, e as mortes ficaram num anti-clímax terrível: basicamente os amigos se reúnem num casarão (quanta criatividade) para aproveitar o final de semana, no qual acham uma caixa com baralho de tarot/horóscopo. Sim, se é confuso pra você, para o roteiro também. Terá alguém no grupo que lerá o horóscopo de cada, e apartir dapi está lançada a maldição. Daí, quando acontecem as mortes (seguinto o prescrito nas cartas, claro que de certa forma um tanto quanto enigmático), você deve lembrar do que a jovem disse, só que o roteiro o faz com uma voz distante em eco e, para piorar, com muitos cortes e pouco sangue. A reviravolta e as piadas não funcionam. O filme todo é bem capenga, na verdade.
Amigos Imaginários
3.1 7A única coisa que se salva nesse filme é a trilha sonora e o talento da protagonista mirim. Mesmo os veteranos estão canastrões, e a ideia de reparar os vínculos entre os amigos imaginários com seus criadores já crescidos (alguns nem tão adultos) falha miseravelmente, seja no apelo visual ridículo, seja no ritmo e edição tenebrosos. Não há aqui um domínio do espaço, de modo que os seres convivem com as pessoas de forma tão ridicularmente pobre, que filmes com mais de 30 anos como "Space Jam" parecem uma obra-prima. E tem uma direção de arte boa até, mas o roteiro e a direção não conseguem criar empatia com os seres. Decepcionante.
Garotas em Fuga
2.7 23 Assista AgoraConfesso que me diverti bastante com a história dessas garotas. Aqui a lesbianidade surge como um elemento que é amis acessório do que propriamente vai guiar a trama, tendo o roteiro de 1990 feito piadas na medida certa. Uma pena que os vilões são bem ruins,e quando resolvem dar as caras com as protagonistas, fica tudo muito pior. Tem elementos bizarros, claro, mas como comédia funciona pela mão sempre talentosa do Cohen, que soube dosar o grotesco sem cair na vergonha alheia. Um road movie simpático, curto e bem divertido, embora nada muito memorável.
Ennio, O Maestro
4.5 15 Assista AgoraO talento do Ennio é indiscutível, com momentos que beiram a genialidade mesmo. Mas o documentário é um pé no caso, são duas horas e meia no mesmo formato: excesso de entrevistados babando ovo, em cortes rápidos (chega um momentoem que os adjetivos se esgotam); a cronologia dos filmes se mantém, com a inserção de trechos marcantes; o cenário não muda, ora de filmes ora o próprio homenageado e seus adoradores em close falando a respeito. Nada sobre o homem ou algo mais interessante sobre o processo de criação, apenas uma ou outra fala (como usou objetos em algumas composições, por eexemplo). E, claro, seguiu a cronologia mainstream, inclusive com ênfase dramático no Oscar.
Poder Policial
3.6 2É um documentário que fará o possível apra defender a tese de que, quanto mais forte o poder policial, pior apra a democracia. Apesar de alguns pontos de interesecção serem bem defendidos, como o racismo estrutural (gostei particularmente da citação filosófica sobre negros), peca, obvimente, por não apresentar contrapontos ao debate. E seria algo fundamental, pois o filme é um tanto maçante e acadêmico, com muita enrolação e ideias repetidas. Por mais que o resgate histórico seja importante, em determinado momento o filme anda em looping no argumento, muito porque a defesa de uma tese sem a antítese de fato paralisa a fluidez da trama. Acaba sendo mais um documentário com grande potencial, mas com pouca abertura para se compreender a complexidade da questão.
Back to Black
2.9 26Existem três características importantíssimas para o filme biográfico musical funcionar que funcionam muito bem aqui: o recorte da trama; a caracterização do biografado; a organicidade das músicas ao enredo. "Back to black" é filmado com burocracia e sem inspiração, mas consegue se sair muito bem no essencial.
Além da protagonista Marisa Abela estar estupenda no papel, inclusive com evoluções no visual e na postural que soaram bastante natural, seu par romântico o namorado interpretado pelo excelente Jack O'Connel garante a tensão sexual que segura as pontas de um roteiro absolutamente clichê: o amor desguiado, a pressão entre a vida pessoal e artística da cantora, as drogas como ruína.
Alguns fãs reclamaram de como o pai foi retratado de forma bem benevolente, já que supostamente mantinha uma relação de exploração e pressão com a filha. Eu particularmente não conheço nada da vida dela para opinar, e o que vi foi um pai que, de fato, era um suporte equilibrado ali, provavelmente, na vida real, fora bem diferente disso mesmo.
Senti falta do processo de criação das músicas: por mais que o filme deixe explicado que a Amy viveu muito de suas letras, à exceção duma cena inicial, não lembro a moça em nenhum take com um lápis e um caderno na mão, de modo que tão logo os acontecimentos apareciam ( o luto, por exemplo) alguma música surgia como pano de fundo. Isso tira um pouco a naturalidade do vivido, mas ao mesmo tempo é um bom trabalho de como se confundia vida e obra.
Também achei, e não é culpa somente deste, que o filme forçou um ápice musical com "Rehab". Desde "Bohemia", aprece que se tornou algo estritamente necessário uma encenação final. Mas ao menos aqui se sai menos pior do que em filmes como os da "Whitney Houston". Ainda assim, lembro (esse sim está na memória) do seu último show, completamente desorientada e drogada, e o filme não trouxe isso à tona.
Em resumo, é uma biografia higienizada, facilitada pelo recorte certeiro de uma carreira que acabou bem cedo e de uma protagonista forte, com um par romântico que realmente funcionou em tela, do momento do encanto à ruína. Faz o básico e consegue, assim, entreter, mesmo com várias críticas à veracidade dos fatos. Ainda bem que cinema não necessariamente precisa ter compromisso com isso, muito embora, para uma biografia, isso de fato pode soar como defeito e concorrer contra a experiência pretendida.
A Sindicalista
3.6 11 Assista AgoraUm filme completamente perdido sobre qual núcleo abordar, começa dando foco a questões corporativas numa empresa de energia da França, cuja Alta Administração vem se aproximando de interesses chineses, sendo sua protagonista uma líder sindical.
Nesse ínterim, ela sofre um atentado violento, dentro da própria casa, e o filme vai ganhando tons de contornos policiais. Sem sabermos ao certo a ligação entre um núcleo e outro, gosto de como o filme tenta se ater aos fatos e de como o que deve ficar em aberto realmente fica em aberto, mas não sei se as opções de narrar a história sob o ponto de vista dela, ainda mais ressaltando sua posição como sindicalista no título, foi a mais acertada.
Ainda assim, tudo foi filmada em tom burocrático, tornando o filme mais próximo do esquecível, mesmo que tenha sido baseado em fatos reais. Faltou-lhe identidade de gênero e visual para justificar as escolhas da obra.
Por mais violento e perturbador que seja a agressão sofrida, as lentes aqui usadas tornam tudo muito clean e o resultado é absurdamente frio para a proposta. As legendas ao final dizem muito mais do que duas horas de filme, sinal de que as imagens não deram conta do recado.
The Dry 2: Força da Natureza
2.8 2 Assista AgoraA ambientação com a fotografia escura até funciona, mesmo com a edição mecanicista em decidir contar a história em três momentos distintos (as memórias de infância do investigador, o que ocorrera com as meninas perdidas e o presente). Tudo isso pra esconder uma trama simples: desaparecimento de um corpo num ambiente denso e inóspito de mata fechada, onde aventureiros fazem trilha, o que coincide com o local onde 30 anos atrás um assassino em série matava mulheres.
No entanto, as justificativas para o grupo das meninas estarem ali é bem frágil, as conexões com o passado são bem frágeis, de modo que o suspense até engata, mas as motivações vão esnacendo o filme de qualquer pretenão mais séria. Para piorar, se o momento em que o filme regride aos acontecimentos com as meninas a mata parece ter quilômetros e quilômetros de distância, no momento presente das investigações parece que o espaço reduziu: faltou controle cênico do espaço.
Assim, o terço final do filme é só ladeira a baixo. A investiação feita sobre o caso é bem infantil, desenhos do Scooby-Doo conseguem ser mais profundos que isso. Se ficasse só no mistério talvez o filmefosse melhor, inclusive se deixasse mais aberto, pois é onde funciona. Ao tentar justificar a ação, o roteiro emenda uma disputa feminina constrangedora, um desenrolar que não vinga, um desfecho sem graça. Vale apenas para passsar o tempo mesmo.
20 Dias em Mariupol
3.9 57 Assista AgoraO Oscar parece sabe muito bem mirar seu arsenal de arma soft para os russos. Mas se em "Navalny", premiado injustamente, a disputa por narrativas ficou enviesada, em "20 days in Mariupol" o viés se justifica, já que se trata de um estudo antropológico/histórico/investigativo de um lócus específico, e desta vez as palavras são poucas frente ao poder das imagens. É certo que a narração é over algumas vezes, mas pouco importa. Temos um retrato claro aqui do melhor cinema documental e da insanidade de uma guerra. Imagens perturbadoras, que irão perdurar por muito tempo em nossa memória. Lindo e, ao mesmo tempo, chocante.
Vermelho Monet
3.3 7Halder Gomes tem um extenso currículo com comédias nacionais regionais, retratando especialmente o povo nordestino, lugar que conhece de berço. Com isso, seu cinema usa uma linguagem mais popular e palatável, inegavelmente com certo apelo comercial que pode comprometer um tantinho incursões como essa aqui, voltado a um drama mais intimista e reflexivo. No entanto, acredito que o salto de qualidade e a ousadia, especialmente pelo domínio técnico do material em mãos e do uso de cores, como brinca com tons de vermelho e azul (do cabelo de suas atrizes à paleta dos quadros de pintura apresentados em cena), se permitindo voltas ao tempo, sem legenda, e uso de preto e branco de forma econômica, além de um cinema notadamente intimista, com uma edição tão ágil e populesca, fico com o veredito de que o cineasta realizou um grande filme, até agora o melhor nacional e um dos melhores do ano.
O filme me lembrou bastante "Cópia Fiel" (2010), dirigido por Abbas Kiarostami, que mergulha profundamente na questão da autenticidade e da cópia, utilizando uma narrativa complexa e rica em simbolismo para explorar esses temas. Halder Gomes, a seu jeito cearense, também questiona o conceito de autenticidade na arte, mas sem enveredar pela complexidade e pelo refinamento do Kiarostami. São apenas propostas diferentes.
Até porque, aqui temos um tom irônico e de desdém ao mundo glamuroso da arte, como o visto em obras do Allen: uma imersão naquele mundo, mas nitidamente por um olhar que lhe é externo, de um forasteiro. Assim, por mais que a sensação de ser um estrangeiro a falar daquele universo nunca passe, é também uma tentativa de um cineasta de explorar novos ares, do qual muito me impressiona o resultado, encantador na maioria das vezes, brusco em outras. No geral, muito satisfatório.
A obra original é tradicionalmente considerada mais valiosa devido à sua unicidade e ao vínculo direto com o criador. No entanto, o já citado "Cópia Fiel" sugere que o valor não está apenas no objeto em si, mas também na percepção e na experiência do observador. Walter Benjamin, em seu ensaio "A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica", discute como a reprodução técnica desvaloriza a “aura” da arte original, mas também democratiza o acesso à arte. Logo, a ideia de que uma cópia pode possuir um valor próprio é central no filme, tanto em Gomes quanto em Kiarostami. A cópia permite um novo tipo de interação e interpretação, potencialmente mais relevante para o contexto atual do observador. É aqui que os três personagens ganham vida nesse simulacro: a curadora golpista interpretada por Maria Fernanda Cândido, o pintor falsário Johannes muito bem vivido por Chico Díaz, e a deliciosa atriz ruiva e musa inspiradora vivida por Gracinda Nave.
Da relação lésbica à mistura entre inspiração artística, fetiche e ganância, embora o filme não tenha tirado toda a potencialidade da sensualidade de suas atrizes, consegue exalar o essencial para conduzir sua trama, movida em torno de um "Retrato de Dorian Gray" que seja capaz de elevar os ganhos de todos, insuflando o ego da atriz, musa inspiradora da obra, como em "O desprezo" de Goddard, e capaz de gerar lucros de quem desdenha da arte e está ali para faturar. Halder Gomes consegue, assim, trazer elementos de cinema clássico de uma moderna linguagem irônica e questionadora.
Ao editar seu filme de um modo ágil e imponente, e ainda, sem perder o toque farsesco e popular que lhe confere identidade, Gomes consegue sustentar uma história simples, até meio novelesca, por mais de duas horas sem perder o ritmo. Abrindo mais do lado mais intimista e reflexivo, às vezes, ele está entre o cineasta que ainda quer conversar com o seu público popular e o que está encantado com os vernizes dos museus europeus. Rodado em Portugal, Gomes vai conhecendo o mundo sem abandonar o olhar de um matuto. É um desbravador.
O filme fecha com a citação do ferreira Gullar, "A arte existe porque a vida não basta". Claro que temos problemas aqui com alguns diálogos (mecânicos), com a superficilidade de certos momentos, com a verossimilhança, talvez. Mas há momentos de puro deleite, com cortes preocupados em passar a dimensão de uma tela sendo pintada, é como se o filme em si fosse uma tentativa de imitar essa milenar discussão sobre autenticidade da arte e sobre como compreender que grandes obras (pinturas, mas o cinema também?) o são mais devido uma indústria por trás.
Platão, em sua teoria das Formas, argumenta que o mundo sensível é apenas uma sombra do mundo real das Ideias ou Formas, onde cada objeto no mundo físico é uma cópia imperfeita de uma Forma perfeita. "Vermleho Monet", que remete às cores de um pôr do sol no quadro de Monet, tendo no personagem pintor do filme, ironicamente, restado na lembrança (já que ele está perdendo a visão), deixa claro que a memória, a linguagem, em suma, a praticidade da vida é o ponto nodal da nossa percepção estética. A metáfora interessante e moderna dessa ideia vai sendo estudada, questionando se as cópias têm seu próprio valor intrínseco e se podem, em algum aspecto, alcançar a perfeição da Forma original, bem como atribuindo valor ao que não é necessariamente inerente ao objeto, mas construído através da interação e da interpretação, sinalizando muito mais pelo contexto do que pela obra em si.
A arte, assim, tem o poder de transformar nossa percepção da realidade e nos levar a questionar nossas crenças sobre autenticidade e valor, mas ao mesmo tempo em que a criamos, por ela somos criados. A tela que fora apresentada no final do filme, fruto de uma cena mais carnal dos personagens principais, mostra muito bem essa simbiose. Prefiro um forasteiro cearense a retratar esse universo, enriquecendo com sua linguagem e senso estético de que sabe que está lá, mas sem se ver como parte desse simulacro. Ainda assim, construído e influenciado por ele.
Ascensão e Queda: John Galliano
3.7 6 Assista AgoraSe o John Galliano fosse brasileiro, seria eleitor de Bolsonaro, com certeza. Ao menos o documentário credita boa parte da sua criatividade à sua ganialidade (confesso que fiquei desconfiado de não ser produto de algo mais coletivo, em especial do seu amigo Steven). Ainda assim, muito bom o relato por trazer várias imagens antigas, permitindo ao espectador criar sua própria opinião. Confesso que sou do time que acredito na reabilitação das pessoas e na segunda chance, porém, é inegável não sentir desconforto para ver como o crime é muito mais leve quando se é um homem branco, ainda que gay.
PS: a melhor tradução para High and Slow seria "luxo e lixo" (expressão que uma das entrevistadas no documentário falou), o que, inclusive, retrataria melhor o universo do protagonista.
O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo
4.0 138Ao mesmo tempo que é genuinamente lindo, e falo aqui tanto da mensagem quanto da estética mesmo, comtraços delicados mas que conseguem transmitir a emoção dos seus personagens, também é cheio de clichês de livros de autoajuda. Amizade e busca pelo amor, num roteiro simples e idílico. É um conto de fadas num ambiente com neve e personagens fofos, feito para esquecer da realidade por meia hora, mas que não sobrevivem para além daquele espaço.