Filme manipulativo, feito para emocionar com uma história que mais parece uma fábula. E consegue emocionar. Algo que gostei foi terem dosado o conflito com as crianças, sem parecer algo muito acima do tom (o mesmo não se pode dizer da diretora, construída numa perspectiva nem maniqueísta). Também tem problemas técnicos no som e nas atuações. Ainda assim, a história da superação pela educação é gratificante demais, ótimo filme para ser usado nas escolas, curto e bem eficiente na mensagem.
Uma demonstração sobre a cegueira e o fanatismo religioso, mostrando que não apenas religiões orientais são fundamentalistas. Embora a primeira metade seja recheada de digressões que atrapalham em muito o ritmo da obra, com muitos fatos episódicos desnecessários, tenta ser uma introdução da origem ideológica do missionário estadunidense John Allen Chau, morto por negligenciar reflexões simples, como uma simples leitura antropológica. Pode ser um filme bem interessante para fins didáticos, não apenas por explorar conceitos das Ciências Sociais, mas para alertar mesmo sobre o poder de certos mitos em nossa cultura ocidental. Gostei de como o filme equilibra os discursos, podendo o espectador tomar partido de forma mais neutra também.
Um jogo de videogame do início ao fim, mais preocupado em pôr os monstros para lutar, abrindo mão de qualquer justificativa coerente. Uma estrela por manter o clima de tensão mesclando com alívios (Duna, aprenda), mas há uns cortes e uns jogos de cena tão ruim, sem contar os efeitos que lembram a série dos Power Rangers. O visual rosa do Godzilla quase me faz achar que era um tipo de Barbie.
Eu não conhecia o campeonato mundial de futebol dos sem-tetos, e foi uma grata surpresa acompanhar essa história, que consegue dosar bem os seus personagens (mesmo com alguns bem caricatos, como a equipe do Japão), mas tem um núcleo do rapaz negro problemático muito bem construído, em grande parte pelo potencial do jovem em traduzir o drama existencial do seu papel. Ao lado a filmes como "The champions", mesmo tendo aquela narrativa clichê de superação e de espírito de equipe, consegue entreter muito bem em suas duas horas, sem cair o ritmo. Boa surpresa para um filme despretensioso.
Muito difícil avaliar um filme como "The settlers", que trata do extermínio de ameríndios na região do Chile, e de como os colonos também brigavam entre si, tendo o filme do Scorcese tão fresquinho na memória. Isso porque, Felipe Gálvez Haberle faz a opção de criar um filme mais contemplativo e letárgico, não tendo a pegada narrativa de "Assassino da Lua das flores", e por mais visceral que seja, ficamos com a sensação que o filme poderia ser mais.
Recentemente tivemos o simpático "How to have a sex" e a comédia "Você está aí Deus? Sou eu, Margareth", descrevendo a puberdade feminina com muita graça. Aqui, "Fitting in" tem uma proposta de filmar uma adolescente um pouco mais madura, mas com um problema realmente sério a se discutir: uma jovem com a síndrome MRKH.
A síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (MRKH), também conhecida simplesmente como síndrome de Mayer-Rokitansky, é uma condição congênita rara que afeta o desenvolvimento do sistema reprodutivo feminino. Ela é caracterizada pela ausência total ou parcial do útero (útero), do colo do útero e da vagina, embora os ovários e outras características sexuais secundárias geralmente se desenvolvam normalmente. A síndrome de MRKH é geralmente diagnosticada durante a adolescência, quando as meninas não menstruam normalmente. Então, as cenas sobre mesntrução no filme (ou a falta dela), ganham contornos de drama, e aos poucos vamos vendo a menina se consumir por não seguir aquilo que socialmente se espera para um "desenvolvimento normal" do seu corpo feminino.
Embora eu tenha um pé atrás com filmes mais intimistas (no sentido de cair fácil num egocentrismo), aqui o timing para o drama ficou perfeito, e vemos a jovem atriz Maddie Ziegler ser explorada em diversas facetas, como aiga, como filha, como namorada, como aluna, e vemos sua angústia aumentando à medida que vai se descobrindo.
As causas exatas da síndrome de MRKH ainda não são totalmente compreendidas, mas é considerada uma condição congênita, o que significa que está presente desde o nascimento. Estudos sugerem que fatores genéticos e ambientais podem desempenhar um papel no seu desenvolvimento, mas no filme não há nada conclusivo: trata-se de saber lidar com as consequências.
Em uma cena particularmente desajeitada (crível por se tratar de um papel adolescente), a garota inclusive se questiona se não teria um corpo trans, indo visitar grupos LGBTQIAP+. Muito interessante como o roteiro consegue transmitir o sufocamento de estar fora dos padrões.
O tratamento da síndrome de MRKH geralmente envolve a criação de uma vagina funcional por meio de cirurgia, conhecida como cirurgia de neovagina. Existem várias técnicas cirúrgicas disponíveis para criar uma vagina, e a escolha depende das preferências da paciente e da recomendação do médico. No seu quarto, com alargadores em formato de pênis, uma cena que poderia criar tensão sexual acaba por ter uma tensão psicológica mesmo, tratada com muita sensibilidade e onde o filme se permite criar cenas mais escapistas.
Um belo filme sobre uma doença que eu, particularmente, não conhecia, o que me obrigou a pesquisar para escrever essa crítica e, assim, refletir um pouco mais sobre a condição humana (em especial a feminina). Muito bom.
Particularmente, gosto da vibe de suspense impressa pelo Luc Besson, sendo um filme que mantem o ritmo e a pegada sombria.
No entanto, é fato também que "Dogman" tem um texto simples demais, desses filmes que parecem genéricos usando uma série de concessões e hipóteses absurdas para os acontecimentos, basicamente mantendo o protagonista vivo em meio à sua proteção canina, ainda que se envolva com bandidos (meio bestializados).
Porém, a construção do personagem, flertando com traumas que vão da relação conturbada com o pai à desilusão amorosa, e seguindo ainda por um viés que desafia os papéis de gênero, torna tudo uma delícia de acompanhar, e cria até certa simpatia ao protagonista, que é mais vítima do que o algoz. Acaba sendo um filme gosto de acompanhar, que poderia muito bem cair no lugar comum mas tem uma direção segura e uma atmosfera que segura as pontas, a iluminação mais escura confere uma fotografia "das ruas" muito bem vinda para aceitar o clima proposto.
Já esperava pela galhofa, mas é um filme que se sustenta apenas nisso, prepare-se para várias piadinhas, muita correria, e um roteiro bem vago, com reviravoltas sentidas de longe. Gosto que, ao menos, o filme não se leva a sério, então é possível se divertir.
Uma sequência que consegue superar o original com o Patrick Swayze, que naquela ocasião fizera um filme quase amador. Já aqui, com uma produção à altura, Jake Gyllenhaal faz o possível para seu matador parecer crível, por mais que o roteiro o personifique quase como um rambo. Ao ser segurança de um estabelecimento chave (pela localização e influência), numa pacata cidade, vemos o nosso protagonista sendo convenientemente salvo, em ocasiões que bestificam seus adversários, mas também diverte. Ao menos o antagonista é bem interessante, o embate tem a alma dos anos 1980, e o filma conta com uma edição esperta que não faz sentir passar as duas horas. Um oitocentista atual.
A Netflix estragando até mesmo uma produção francesa, é tão corrido, tão artificial, tão cara de filme fraco dos anos 1990 com animais falantes, mas tem cortes e direção penosos, parece um filme apressado, sem alma, sem carisma. Uma bomba.
O diretor deste longa, John Ridley, é um roteirista e oscarizado pelo trabalho em "12 anos de escravidão", e embora aqui esteja um pouco abaixo, ambos os filmes ele parte de um material biográfico. Em "Shirley", Ridley faz a excelente opção de se concentrar nas plenárias daquela que foi a primeira deputada negra dos EUA, mostrando os bastidores da pré-campanha no seio das contradições do partido democrata, e pondo a vida pessoal da retratada muito em segundo plano.
Assim, o filme começa já em uma velocidade espantosa, sem tempo para envolvimento, o que pode causar afastamento: sem narrar os feitos da política no Congresso, nós piscamos e já estamos vendo ela tentar concorrer ao maior cargo do Executivo da face da Terra, o que claramente prejudica na empatia.
Assim, o começo do filme é bem atropelado, mas havia um porquê: de fato, ao concentrar seu arsenal nas plenárias, o filme só vai crescendo em conteúdo e interesse, por mais didático que muitos diálogos sejam. Portanto, Ridley claramente faz uma escolha em simplificar os diálogos, muito diferente do que fizera em "12 anos" (não sei até que ponto é devido o público do streaming), mas o fato é que isso acaba contaminando as atuações, que não se sentem desafiadas.
No entanto, a riqueza em contar os bastidores, e mesmo sabendo que tudo isso é dentro de um único partido, como as disputas por delegados, o encontro com o líder dos Panteras Negras, a visita a um hospital de seu rival, são pontos que incrivelmente enriquecem a história e servem como momentos interessantes para revelar o pulso da homenageada.
Os sistemas eleitorais são estruturas que determinam como os votos são convertidos em representação política em uma democracia. Eles desempenham um papel crucial na forma como os governos são formados, como os partidos políticos são representados e como as preferências dos eleitores são refletidas nos órgãos legislativos e executivos. Claro que muitos contestadores apenas enxergam nessas estruturas as manutenções do privilégio burguês, de modo que "Shirley" tenta fazer a diferença de forma endógena ao sistema, sendo claramente mais uma reformista (e necessária).
Para quem acha que a questão das identidades é coisa do século XXI, é porque não estudou direito o que a década de 1960 representou para as minorias, assim, o filme narra um ano de 1972 marcado por tensões identitárias, com muito do feminismo e do movimento negro atual sendo retratados ali, mais de 50 anos antes. Interessante resgate, ao mesmo tempo que as falas podem soar quase anacrônicas certos momentos, já que o filme faz pouco uso do audiovisual da época.
Nos Estados Unidos, o sistema de delegados para o Executivo refere-se ao processo de eleição do Presidente e do Vice-Presidente através do Colégio Eleitoral. Este sistema é estabelecido pela Constituição dos Estados Unidos e é único em comparação com muitos outros sistemas eleitorais ao redor do mundo.
Então, concentrando nesse momento de escolha do representante que irá tentar combater o Nixon, Shirley, claro, sofrerá uma série de barreiras, mas em especial suas escolhas políticas duvidosas e seu posicionamento firme perante temas complexos (ela tecia severas críticas aos ônibus inclusivos, por exemplo, por achar que eles aumentavam o risco de integridade às pessoas negras).
Com isso temos um filme que claramente sabe o que quer contar, e por mais que se permita momentos piegas, tem um arsenal sólido de questões relevantes, muito próximo ao que "Lincoln" do Spielberg apresentou, mas de forma bem mais palatável à audiência da Netflix. É um bom filme, que demora a engrenar, mas que, após isso, se permite até mesmo uma edição mais esperta, melhorando paulatinamente no ritmo. Vale muito conferir.
Por mais que algumas atuações deixem a desejar, eu me senti a todo instante naquela vibe de boteco, sabe? Ouvindo e me divertindo com os causos, nem vi o tempo passar. Espetacular a forma como algumas transições ocorrem, e de como o roteiro vai e volta no tempo sem se tornar maçante. Ainda há alguns problemas com a naturalidade, de modo que algumas citações de samba chegam a ser forçadas, e também o ritmo é desequilibrado algumas vezes. O samba, aqui, é o principal homenageado, e eu que não curto muito já amei, imagina quem tem mais expertise, vai se sentir a toda hora desafiado pelas inúmeras referências. Cinema nacional com a cara da nossa cultura!
Gosto do estilo, mas chega um momento que já sabemos que a câmera dará mais um close do nada, e o que era para contribuir à narrativa vira simples "toc". Tudo isso, se tivesse uma boa história, ok, mas é incrível como desperdiçam a naturalidade das atuações e situações para um roteiro que não diz muita coisa, e ainda apela para a tragédia. Faltou sustância.
Acerta no básico na atmosfera, pisando em terreno regular e certo. A direção de arte mantém, assim, o lugar seguro, e a direção sabe muito bem que não deve ir além do que as próprias pernas. Gosto de como brinca com ficção/realidade, no entanto, o terço final vira uma fantasia maluca, sem saber para onde ir num mundo de possibilidades. Quando enxuga isso no ursinho na cena final, é satisfatório. Ou seja, pecou no clímax (que clímax) pelo exagero, e ainda abre margem à continuação.
Mesmo com alguns exageros, essa comédia consegue divertir e arrancar risadas genuínas, e melhor ainda, cm um roteiro bem feitinho, bem amarrado, e ainda contem uma passagem divertida de autoironia. Ou seja, o filme tem ciência de si e de suas potencialidades e limites. Ótima sessão.
É desajeitado com reviravoltas e jogos de cena inverossímeis, mas também, em sua grande parte, a reação dos personagens é inadequada ao visto em tela, tornando tudo tão artificial. Muito ruim.
O que esse filme tem de lindo em sua fotografia, ele tem de ordinário em seu roteiro, com uma Lindsay Lohan que não consegue se desvencilhar de uma personagem feminina bobinha, como no papel de "Garotas Malvadas", mesmo que aqui ela represente uma mulher madura.
Ao se deslocar para a Irlanda, vale a pena acompanhar pelo clima leve, mas principalmente pelas locações, cores vibrantes, com muitas tomadas aéreas (a cena de cima dos barcos), planos abertos, cenas lindas de doer. Mas não espere algo da atuação, além de, claro, a reviravolta ser sentida de longe.
Há aqui um toque de magia, que sinceramente ficou constrangedor e muito mal explicado. A sorte é que os personagens não são irritantes, apenas bobos mesmo, e um tanto quanto frios. Não é um filme que emociona, de tão genérico.
No final das contas, não sobra nada marcante além da lindeza da Irlanda e suas belas paisagens, com um filme bem água com açúcar, que não ofende, mas também nada acrescenta.
Anthony Hopkins dá vida ao grande homem Nicholas Winton, que ajudou a salvar algo em torno de 669 crianças que moravam em Praga, logo antes de Hitler a invadir, transferindo-as para a Inglaterra.
Estranho como um longa do mesmo diretor de alguns episódios de "Black Mirror" se sai extremamente burocrático e piegas, é como assistir "A lista de Schindler" versão programa sensacionalista de domingo, e é bem isso mesmo que o roteiro caminha: o ápice é quando os feitos vêm à tona mediante um programa televisivo, com direito a cenas constrangedoras típicas para agradar uma audiência de forma apelativa.
Mas todo esse desenvolvimento choroso, como a trilha irritante e os closes no olhar abatido das crianças, conta ao menos com o talento do Hopkins e de todo elenco adulto, nomes como Helena Bonhan Carter, que conseguem conferir dignidade ao material. Mas o roteiro, ainda assim, não deixa de se sabotar: lá pelas tantas, depois de ter visto todo o primeiro ato com cortes meio estranhos do nosso protagonista salvando as crianças em diversas levas de trem, é curioso notar que, ao revelar o número de crianças salvas, nós também tenhamos sido pegos de surpresa, e isso é curioso porque o resgate já fora apresentado, ou seja, a imagem não deu conta de revelar a magnitude do feito.
Assim, é um filme que usa e abusa de legendas, um filme bem didático mesmo, feito para um público acompanhar de forma mastigada, e ainda conta com diálogos bem superficiais. Há uma tentativa de criar conflitos, mas que na "hora H" (durante a invasão alemã, no último trem), parece que o filme arrefeceu, podia ir muito além.
Portanto, a história em si mesmo tendo um grande peso, como cinema a obra tem várias falhas. Por mais que seja impossível não se emocionar, ficamos com a sensação de um filme clean demais considerando que se trata de um filme sobre crianças judias sobreviventes. Não diria que é um erro de Hopkins, uma vez que ele se sai muito bem, em especial no final do filme ao conviver com a dor e, ao mesmo tempo, renegar essa pose de herói. Mas ele merecia um roteiro muito melhor, sem dúvidas.
Zac Efron me surpreendeu positivamente aqui, e o filme, baseado em fatos reais, consegue passar a dimensão moralista de seus personagens com tomadas bem criativas (o foco nas armas, por exemplo, ou o timing perfeito do corte da mãe).
Ainda acho que é um filme prolixo, mas o roteiro tenta e a edição ficou realmente muito boa, algumas sequências ficaram rápidas demais, mas tudo muito funcional à narrativa.
Ainda assim, confesso que não curto muito esse tom de salvação no final, e ainda por cima baseada num núcleo de família tradicional. Poderia ter insistido em algo mais multidimensional, pois tinha calibre para tal.
O sexto sentido versão queer traumatizado. Os diálogos são bem rasteiros (tem até algumas passagens bem didáticas que não passaram a naturalidade necessária); em contrapartida, um roteiro até que bastante profundo sobre as dificuldades do homem gay em criar vínculos, com uma pegada freudiana da influência dos pais. Interessante.
A Millie Bobby Brown já mostrou certa desenvoltura com ação nos dois Enola Holmes, e aqui ela meio repete os cacoetes da irmã da detetive em prol de uma ação/aventura genérica. Em muitos momentos, esse filme me lembrou aspectos de aventura juvenil como em Harry Potter (especialmente a Câmara secreta): um mundo meio mágico, um castelo rodeado por uma floresta, a montanha com um monstro (lembra a câmera, inclusive me causou espanto a cena com a espada), a postura dos personagens secundários e o protagonismo juvenil, mas principalmente: o ritmo e timing bem ruim do roteiro.
É bem verdade que há aqui uma tentativa de se criar uma protagonista feminina empoderada, e ao menos não soou tão anacrônico quanto vendido: o roteiro tem sim bons momentos e convence na sua simplicidade de narrar a história de sacrifício de princesas, de modo que o discurso sobre corpos femininos quase descartáveis, servindo como barganha, é bem vindo. Mas além de ser um filme bem chato na sua primeira metade, os efeitos visuais não ajudam em nada aqui, particularmente no fogo (CGI muito mal feito). O vencedor do Oscar 2024 em efeitos, Godzilla, fez muito mais com 1/4 do orçamento, o que é algo para se pensar, criando um monstro mais imponente e com cenas de destruição mais fantástica.
Caso você não desista do filme (já que a reviravolta é sentida de longe, portanto, não espere muito do roteiro), é importante dizer que o terço final ficou bom, por mais que as emboscadas sejam previsíveis e o timing continue ruim, ao menos consegue infetar um pouco de adrenalina para não dormir. E também o filme vale pela atuação da Angela Basset, mesmo que pouca, engole a todos quando aparece.
Ao fim, não passa de um passatempo com uma protagonista até talentosa, mas que queria vê-la em outros papéis e filmes mais desafiadores: sua voz imponente ao final, por exemplo, teve que lutar contra um texto piegas para soar convincente.
Por fim, gostei bastante do título, uma espécie de ironia com a protagonista, mas que já entrega muito do que esperar, portanto, é um filme sem surpresas, feito para e pela diversão, e claro que não tem nenhum problema nisso caso o ritmo contribuísse com a diversão. Como não é o caso, o que resta é se apegar ao que funciona, por mais simplório que seja, ainda que tudo fique esquecível assim que raie o próximo dia.
Faz muito bem o feijão com arroz apresentando os personagens em close, para criar a ligação necessária para se importar, e o que é melhor, sem excesso de piadinhas tão comuns no gênero. Alguns momentos piegas não estragam o clima de suspense, conseguindo preencher o tempo de tela num filme com duração adequada. Por mais inverossímil que pareça, o filme consegue gerar ótimo entretenimento, com algumas cenas que não poupam o espectador.
Nos últimos anos, tanto o Senegal quanto a Líbia têm enfrentado conflitos sociais de diferentes naturezas, e a questão das pessoas que atravessam o Mediterrâneo para chegar à Itália está diretamente ligada a esses conflitos. Com muita sutileza, "Io capitano" mostra a vida de dois primos em Senegal, que juntam dinheiro às escondidas para tentar uma vida melhor na Europa. O problema todo estará no percurso.
Embora o Senegal tenha uma longa tradição de estabilidade política em comparação com alguns de seus vizinhos, não está isento de conflitos internos. Questões étnicas, disputas de terra e tensões entre comunidades têm surgido em várias partes do país, particularmente nas regiões do sul e do leste. O desemprego, especialmente entre os jovens, tem sido uma fonte significativa de descontentamento social. Muitos jovens senegaleses enfrentam dificuldades econômicas devido à falta de oportunidade, muito embora, relativamente falando, o país seja menos ruim que a Líbia para se viver.
É importante pontuar isso pois os meninos, em que pese o descontentamento e a tomada de decisão de atravessar para a Europa, não era de todo uma vida descartável: por diversas vezes no longa eles sentem saudade de casa, e não foi à toa que em Senegal conseguiram juntar dinheiro.
Encontrando pelo seu caminho traficantes e oportunistas, o filme começa a ficar pesado no deserto, com a cena de uma morteonde meu coração começou a disparar. A partir de então, ficamos preso na cadeira, pois não se sabe em quem mais confiar: os meninos são separados, e vemos uma estrutura de poder de dar arrepio a qualquer defensor de direitos humanos: de trabalho escravo à torturas explícitas.
Por muitas vezes é um filme difícil, mas há aqui um esforço para criar uma ou outra cena lírica, com uma fotografia que ajuda bastante. Pode-se dizer que desperta uma série de gatilhos, e não é nada fácil, mas no fundo ouve certa tentativa de higienizar algumas cenas e, com isso, por mais agonizante que seja, é um cinema lindo, visceral, que merece o reconhecimento. É meu favorito dos filmes estrangeiros no Oscar de 2024, ainda que não seja o favorito da academia.
Tudo aquilo que "Perfect days" poderia ser e não é, pelo fato de não romantizar o rapaz. Um rapaz coreano tendo que sobreviver na Bélgica, comendo o pão que o diabo amassou, e ainda encontrando pessoas oportunistas ao seu redor, o filme conta com momentos de arrepiar, e é incrível como o protagonista mantem-se firme em sua ética. Só um pouco arrastado, mas em favor de mais poesia a um filme bem sofrido.
Des-Igualdade: O Filme
2.7 1Filme manipulativo, feito para emocionar com uma história que mais parece uma fábula. E consegue emocionar. Algo que gostei foi terem dosado o conflito com as crianças, sem parecer algo muito acima do tom (o mesmo não se pode dizer da diretora, construída numa perspectiva nem maniqueísta). Também tem problemas técnicos no som e nas atuações. Ainda assim, a história da superação pela educação é gratificante demais, ótimo filme para ser usado nas escolas, curto e bem eficiente na mensagem.
The Mission
3.3 4 Assista AgoraUma demonstração sobre a cegueira e o fanatismo religioso, mostrando que não apenas religiões orientais são fundamentalistas. Embora a primeira metade seja recheada de digressões que atrapalham em muito o ritmo da obra, com muitos fatos episódicos desnecessários, tenta ser uma introdução da origem ideológica do missionário estadunidense John Allen Chau, morto por negligenciar reflexões simples, como uma simples leitura antropológica. Pode ser um filme bem interessante para fins didáticos, não apenas por explorar conceitos das Ciências Sociais, mas para alertar mesmo sobre o poder de certos mitos em nossa cultura ocidental. Gostei de como o filme equilibra os discursos, podendo o espectador tomar partido de forma mais neutra também.
Godzilla e Kong: O Novo Império
3.1 177 Assista AgoraUm jogo de videogame do início ao fim, mais preocupado em pôr os monstros para lutar, abrindo mão de qualquer justificativa coerente. Uma estrela por manter o clima de tensão mesclando com alívios (Duna, aprenda), mas há uns cortes e uns jogos de cena tão ruim, sem contar os efeitos que lembram a série dos Power Rangers. O visual rosa do Godzilla quase me faz achar que era um tipo de Barbie.
Jogo Bonito
3.0 8 Assista AgoraEu não conhecia o campeonato mundial de futebol dos sem-tetos, e foi uma grata surpresa acompanhar essa história, que consegue dosar bem os seus personagens (mesmo com alguns bem caricatos, como a equipe do Japão), mas tem um núcleo do rapaz negro problemático muito bem construído, em grande parte pelo potencial do jovem em traduzir o drama existencial do seu papel. Ao lado a filmes como "The champions", mesmo tendo aquela narrativa clichê de superação e de espírito de equipe, consegue entreter muito bem em suas duas horas, sem cair o ritmo. Boa surpresa para um filme despretensioso.
Os Colonos
3.7 22 Assista AgoraMuito difícil avaliar um filme como "The settlers", que trata do extermínio de ameríndios na região do Chile, e de como os colonos também brigavam entre si, tendo o filme do Scorcese tão fresquinho na memória. Isso porque, Felipe Gálvez Haberle faz a opção de criar um filme mais contemplativo e letárgico, não tendo a pegada narrativa de "Assassino da Lua das flores", e por mais visceral que seja, ficamos com a sensação que o filme poderia ser mais.
Diário da MInha Vagina
3.0 12 Assista AgoraRecentemente tivemos o simpático "How to have a sex" e a comédia "Você está aí Deus? Sou eu, Margareth", descrevendo a puberdade feminina com muita graça. Aqui, "Fitting in" tem uma proposta de filmar uma adolescente um pouco mais madura, mas com um problema realmente sério a se discutir: uma jovem com a síndrome MRKH.
A síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (MRKH), também conhecida simplesmente como síndrome de Mayer-Rokitansky, é uma condição congênita rara que afeta o desenvolvimento do sistema reprodutivo feminino. Ela é caracterizada pela ausência total ou parcial do útero (útero), do colo do útero e da vagina, embora os ovários e outras características sexuais secundárias geralmente se desenvolvam normalmente. A síndrome de MRKH é geralmente diagnosticada durante a adolescência, quando as meninas não menstruam normalmente. Então, as cenas sobre mesntrução no filme (ou a falta dela), ganham contornos de drama, e aos poucos vamos vendo a menina se consumir por não seguir aquilo que socialmente se espera para um "desenvolvimento normal" do seu corpo feminino.
Embora eu tenha um pé atrás com filmes mais intimistas (no sentido de cair fácil num egocentrismo), aqui o timing para o drama ficou perfeito, e vemos a jovem atriz Maddie Ziegler ser explorada em diversas facetas, como aiga, como filha, como namorada, como aluna, e vemos sua angústia aumentando à medida que vai se descobrindo.
As causas exatas da síndrome de MRKH ainda não são totalmente compreendidas, mas é considerada uma condição congênita, o que significa que está presente desde o nascimento. Estudos sugerem que fatores genéticos e ambientais podem desempenhar um papel no seu desenvolvimento, mas no filme não há nada conclusivo: trata-se de saber lidar com as consequências.
Em uma cena particularmente desajeitada (crível por se tratar de um papel adolescente), a garota inclusive se questiona se não teria um corpo trans, indo visitar grupos LGBTQIAP+. Muito interessante como o roteiro consegue transmitir o sufocamento de estar fora dos padrões.
O tratamento da síndrome de MRKH geralmente envolve a criação de uma vagina funcional por meio de cirurgia, conhecida como cirurgia de neovagina. Existem várias técnicas cirúrgicas disponíveis para criar uma vagina, e a escolha depende das preferências da paciente e da recomendação do médico. No seu quarto, com alargadores em formato de pênis, uma cena que poderia criar tensão sexual acaba por ter uma tensão psicológica mesmo, tratada com muita sensibilidade e onde o filme se permite criar cenas mais escapistas.
Um belo filme sobre uma doença que eu, particularmente, não conhecia, o que me obrigou a pesquisar para escrever essa crítica e, assim, refletir um pouco mais sobre a condição humana (em especial a feminina). Muito bom.
DogMan
3.6 65 Assista AgoraParticularmente, gosto da vibe de suspense impressa pelo Luc Besson, sendo um filme que mantem o ritmo e a pegada sombria.
No entanto, é fato também que "Dogman" tem um texto simples demais, desses filmes que parecem genéricos usando uma série de concessões e hipóteses absurdas para os acontecimentos, basicamente mantendo o protagonista vivo em meio à sua proteção canina, ainda que se envolva com bandidos (meio bestializados).
Porém, a construção do personagem, flertando com traumas que vão da relação conturbada com o pai à desilusão amorosa, e seguindo ainda por um viés que desafia os papéis de gênero, torna tudo uma delícia de acompanhar, e cria até certa simpatia ao protagonista, que é mais vítima do que o algoz. Acaba sendo um filme gosto de acompanhar, que poderia muito bem cair no lugar comum mas tem uma direção segura e uma atmosfera que segura as pontas, a iluminação mais escura confere uma fotografia "das ruas" muito bem vinda para aceitar o clima proposto.
Kung Fu Panda 4
3.0 59 Assista AgoraJá esperava pela galhofa, mas é um filme que se sustenta apenas nisso, prepare-se para várias piadinhas, muita correria, e um roteiro bem vago, com reviravoltas sentidas de longe. Gosto que, ao menos, o filme não se leva a sério, então é possível se divertir.
Matador de Aluguel
3.1 272 Assista AgoraUma sequência que consegue superar o original com o Patrick Swayze, que naquela ocasião fizera um filme quase amador. Já aqui, com uma produção à altura, Jake Gyllenhaal faz o possível para seu matador parecer crível, por mais que o roteiro o personifique quase como um rambo. Ao ser segurança de um estabelecimento chave (pela localização e influência), numa pacata cidade, vemos o nosso protagonista sendo convenientemente salvo, em ocasiões que bestificam seus adversários, mas também diverte. Ao menos o antagonista é bem interessante, o embate tem a alma dos anos 1980, e o filma conta com uma edição esperta que não faz sentir passar as duas horas. Um oitocentista atual.
Cão e Gato
1.9 8 Assista AgoraA Netflix estragando até mesmo uma produção francesa, é tão corrido, tão artificial, tão cara de filme fraco dos anos 1990 com animais falantes, mas tem cortes e direção penosos, parece um filme apressado, sem alma, sem carisma. Uma bomba.
Shirley para Presidente
3.3 11O diretor deste longa, John Ridley, é um roteirista e oscarizado pelo trabalho em "12 anos de escravidão", e embora aqui esteja um pouco abaixo, ambos os filmes ele parte de um material biográfico. Em "Shirley", Ridley faz a excelente opção de se concentrar nas plenárias daquela que foi a primeira deputada negra dos EUA, mostrando os bastidores da pré-campanha no seio das contradições do partido democrata, e pondo a vida pessoal da retratada muito em segundo plano.
Assim, o filme começa já em uma velocidade espantosa, sem tempo para envolvimento, o que pode causar afastamento: sem narrar os feitos da política no Congresso, nós piscamos e já estamos vendo ela tentar concorrer ao maior cargo do Executivo da face da Terra, o que claramente prejudica na empatia.
Assim, o começo do filme é bem atropelado, mas havia um porquê: de fato, ao concentrar seu arsenal nas plenárias, o filme só vai crescendo em conteúdo e interesse, por mais didático que muitos diálogos sejam. Portanto, Ridley claramente faz uma escolha em simplificar os diálogos, muito diferente do que fizera em "12 anos" (não sei até que ponto é devido o público do streaming), mas o fato é que isso acaba contaminando as atuações, que não se sentem desafiadas.
No entanto, a riqueza em contar os bastidores, e mesmo sabendo que tudo isso é dentro de um único partido, como as disputas por delegados, o encontro com o líder dos Panteras Negras, a visita a um hospital de seu rival, são pontos que incrivelmente enriquecem a história e servem como momentos interessantes para revelar o pulso da homenageada.
Os sistemas eleitorais são estruturas que determinam como os votos são convertidos em representação política em uma democracia. Eles desempenham um papel crucial na forma como os governos são formados, como os partidos políticos são representados e como as preferências dos eleitores são refletidas nos órgãos legislativos e executivos. Claro que muitos contestadores apenas enxergam nessas estruturas as manutenções do privilégio burguês, de modo que "Shirley" tenta fazer a diferença de forma endógena ao sistema, sendo claramente mais uma reformista (e necessária).
Para quem acha que a questão das identidades é coisa do século XXI, é porque não estudou direito o que a década de 1960 representou para as minorias, assim, o filme narra um ano de 1972 marcado por tensões identitárias, com muito do feminismo e do movimento negro atual sendo retratados ali, mais de 50 anos antes. Interessante resgate, ao mesmo tempo que as falas podem soar quase anacrônicas certos momentos, já que o filme faz pouco uso do audiovisual da época.
Nos Estados Unidos, o sistema de delegados para o Executivo refere-se ao processo de eleição do Presidente e do Vice-Presidente através do Colégio Eleitoral. Este sistema é estabelecido pela Constituição dos Estados Unidos e é único em comparação com muitos outros sistemas eleitorais ao redor do mundo.
Então, concentrando nesse momento de escolha do representante que irá tentar combater o Nixon, Shirley, claro, sofrerá uma série de barreiras, mas em especial suas escolhas políticas duvidosas e seu posicionamento firme perante temas complexos (ela tecia severas críticas aos ônibus inclusivos, por exemplo, por achar que eles aumentavam o risco de integridade às pessoas negras).
Com isso temos um filme que claramente sabe o que quer contar, e por mais que se permita momentos piegas, tem um arsenal sólido de questões relevantes, muito próximo ao que "Lincoln" do Spielberg apresentou, mas de forma bem mais palatável à audiência da Netflix. É um bom filme, que demora a engrenar, mas que, após isso, se permite até mesmo uma edição mais esperta, melhorando paulatinamente no ritmo. Vale muito conferir.
Saudosa Maloca
3.5 15Por mais que algumas atuações deixem a desejar, eu me senti a todo instante naquela vibe de boteco, sabe? Ouvindo e me divertindo com os causos, nem vi o tempo passar. Espetacular a forma como algumas transições ocorrem, e de como o roteiro vai e volta no tempo sem se tornar maçante. Ainda há alguns problemas com a naturalidade, de modo que algumas citações de samba chegam a ser forçadas, e também o ritmo é desequilibrado algumas vezes. O samba, aqui, é o principal homenageado, e eu que não curto muito já amei, imagina quem tem mais expertise, vai se sentir a toda hora desafiado pelas inúmeras referências. Cinema nacional com a cara da nossa cultura!
Adorável Rita
2.8 3 Assista AgoraGosto do estilo, mas chega um momento que já sabemos que a câmera dará mais um close do nada, e o que era para contribuir à narrativa vira simples "toc". Tudo isso, se tivesse uma boa história, ok, mas é incrível como desperdiçam a naturalidade das atuações e situações para um roteiro que não diz muita coisa, e ainda apela para a tragédia. Faltou sustância.
Imaginário: Brinquedo Diabólico
1.9 80 Assista AgoraAcerta no básico na atmosfera, pisando em terreno regular e certo. A direção de arte mantém, assim, o lugar seguro, e a direção sabe muito bem que não deve ir além do que as próprias pernas. Gosto de como brinca com ficção/realidade, no entanto, o terço final vira uma fantasia maluca, sem saber para onde ir num mundo de possibilidades. Quando enxuga isso no ursinho na cena final, é satisfatório. Ou seja, pecou no clímax (que clímax) pelo exagero, e ainda abre margem à continuação.
Os Farofeiros 2
3.0 28Mesmo com alguns exageros, essa comédia consegue divertir e arrancar risadas genuínas, e melhor ainda, cm um roteiro bem feitinho, bem amarrado, e ainda contem uma passagem divertida de autoironia. Ou seja, o filme tem ciência de si e de suas potencialidades e limites. Ótima sessão.
A Arte de Amar
2.5 14 Assista AgoraÉ desajeitado com reviravoltas e jogos de cena inverossímeis, mas também, em sua grande parte, a reação dos personagens é inadequada ao visto em tela, tornando tudo tão artificial. Muito ruim.
Pedido Irlandês
2.7 118O que esse filme tem de lindo em sua fotografia, ele tem de ordinário em seu roteiro, com uma Lindsay Lohan que não consegue se desvencilhar de uma personagem feminina bobinha, como no papel de "Garotas Malvadas", mesmo que aqui ela represente uma mulher madura.
Ao se deslocar para a Irlanda, vale a pena acompanhar pelo clima leve, mas principalmente pelas locações, cores vibrantes, com muitas tomadas aéreas (a cena de cima dos barcos), planos abertos, cenas lindas de doer. Mas não espere algo da atuação, além de, claro, a reviravolta ser sentida de longe.
Há aqui um toque de magia, que sinceramente ficou constrangedor e muito mal explicado. A sorte é que os personagens não são irritantes, apenas bobos mesmo, e um tanto quanto frios. Não é um filme que emociona, de tão genérico.
No final das contas, não sobra nada marcante além da lindeza da Irlanda e suas belas paisagens, com um filme bem água com açúcar, que não ofende, mas também nada acrescenta.
Uma Vida: A História de Nicholas Winton
3.9 25 Assista AgoraAnthony Hopkins dá vida ao grande homem Nicholas Winton, que ajudou a salvar algo em torno de 669 crianças que moravam em Praga, logo antes de Hitler a invadir, transferindo-as para a Inglaterra.
Estranho como um longa do mesmo diretor de alguns episódios de "Black Mirror" se sai extremamente burocrático e piegas, é como assistir "A lista de Schindler" versão programa sensacionalista de domingo, e é bem isso mesmo que o roteiro caminha: o ápice é quando os feitos vêm à tona mediante um programa televisivo, com direito a cenas constrangedoras típicas para agradar uma audiência de forma apelativa.
Mas todo esse desenvolvimento choroso, como a trilha irritante e os closes no olhar abatido das crianças, conta ao menos com o talento do Hopkins e de todo elenco adulto, nomes como Helena Bonhan Carter, que conseguem conferir dignidade ao material. Mas o roteiro, ainda assim, não deixa de se sabotar: lá pelas tantas, depois de ter visto todo o primeiro ato com cortes meio estranhos do nosso protagonista salvando as crianças em diversas levas de trem, é curioso notar que, ao revelar o número de crianças salvas, nós também tenhamos sido pegos de surpresa, e isso é curioso porque o resgate já fora apresentado, ou seja, a imagem não deu conta de revelar a magnitude do feito.
Assim, é um filme que usa e abusa de legendas, um filme bem didático mesmo, feito para um público acompanhar de forma mastigada, e ainda conta com diálogos bem superficiais. Há uma tentativa de criar conflitos, mas que na "hora H" (durante a invasão alemã, no último trem), parece que o filme arrefeceu, podia ir muito além.
Portanto, a história em si mesmo tendo um grande peso, como cinema a obra tem várias falhas. Por mais que seja impossível não se emocionar, ficamos com a sensação de um filme clean demais considerando que se trata de um filme sobre crianças judias sobreviventes. Não diria que é um erro de Hopkins, uma vez que ele se sai muito bem, em especial no final do filme ao conviver com a dor e, ao mesmo tempo, renegar essa pose de herói. Mas ele merecia um roteiro muito melhor, sem dúvidas.
Garra de Ferro
3.9 114Zac Efron me surpreendeu positivamente aqui, e o filme, baseado em fatos reais, consegue passar a dimensão moralista de seus personagens com tomadas bem criativas (o foco nas armas, por exemplo, ou o timing perfeito do corte da mãe).
Ainda acho que é um filme prolixo, mas o roteiro tenta e a edição ficou realmente muito boa, algumas sequências ficaram rápidas demais, mas tudo muito funcional à narrativa.
Ainda assim, confesso que não curto muito esse tom de salvação no final, e ainda por cima baseada num núcleo de família tradicional. Poderia ter insistido em algo mais multidimensional, pois tinha calibre para tal.
Todos Nós Desconhecidos
3.9 181 Assista AgoraO sexto sentido versão queer traumatizado. Os diálogos são bem rasteiros (tem até algumas passagens bem didáticas que não passaram a naturalidade necessária); em contrapartida, um roteiro até que bastante profundo sobre as dificuldades do homem gay em criar vínculos, com uma pegada freudiana da influência dos pais. Interessante.
Donzela
3.1 293 Assista AgoraA Millie Bobby Brown já mostrou certa desenvoltura com ação nos dois Enola Holmes, e aqui ela meio repete os cacoetes da irmã da detetive em prol de uma ação/aventura genérica. Em muitos momentos, esse filme me lembrou aspectos de aventura juvenil como em Harry Potter (especialmente a Câmara secreta): um mundo meio mágico, um castelo rodeado por uma floresta, a montanha com um monstro (lembra a câmera, inclusive me causou espanto a cena com a espada), a postura dos personagens secundários e o protagonismo juvenil, mas principalmente: o ritmo e timing bem ruim do roteiro.
É bem verdade que há aqui uma tentativa de se criar uma protagonista feminina empoderada, e ao menos não soou tão anacrônico quanto vendido: o roteiro tem sim bons momentos e convence na sua simplicidade de narrar a história de sacrifício de princesas, de modo que o discurso sobre corpos femininos quase descartáveis, servindo como barganha, é bem vindo. Mas além de ser um filme bem chato na sua primeira metade, os efeitos visuais não ajudam em nada aqui, particularmente no fogo (CGI muito mal feito). O vencedor do Oscar 2024 em efeitos, Godzilla, fez muito mais com 1/4 do orçamento, o que é algo para se pensar, criando um monstro mais imponente e com cenas de destruição mais fantástica.
Caso você não desista do filme (já que a reviravolta é sentida de longe, portanto, não espere muito do roteiro), é importante dizer que o terço final ficou bom, por mais que as emboscadas sejam previsíveis e o timing continue ruim, ao menos consegue infetar um pouco de adrenalina para não dormir. E também o filme vale pela atuação da Angela Basset, mesmo que pouca, engole a todos quando aparece.
Ao fim, não passa de um passatempo com uma protagonista até talentosa, mas que queria vê-la em outros papéis e filmes mais desafiadores: sua voz imponente ao final, por exemplo, teve que lutar contra um texto piegas para soar convincente.
Por fim, gostei bastante do título, uma espécie de ironia com a protagonista, mas que já entrega muito do que esperar, portanto, é um filme sem surpresas, feito para e pela diversão, e claro que não tem nenhum problema nisso caso o ritmo contribuísse com a diversão. Como não é o caso, o que resta é se apegar ao que funciona, por mais simplório que seja, ainda que tudo fique esquecível assim que raie o próximo dia.
Desespero Profundo
2.2 70 Assista AgoraFaz muito bem o feijão com arroz apresentando os personagens em close, para criar a ligação necessária para se importar, e o que é melhor, sem excesso de piadinhas tão comuns no gênero. Alguns momentos piegas não estragam o clima de suspense, conseguindo preencher o tempo de tela num filme com duração adequada. Por mais inverossímil que pareça, o filme consegue gerar ótimo entretenimento, com algumas cenas que não poupam o espectador.
Eu, Capitão
4.0 70 Assista AgoraNos últimos anos, tanto o Senegal quanto a Líbia têm enfrentado conflitos sociais de diferentes naturezas, e a questão das pessoas que atravessam o Mediterrâneo para chegar à Itália está diretamente ligada a esses conflitos. Com muita sutileza, "Io capitano" mostra a vida de dois primos em Senegal, que juntam dinheiro às escondidas para tentar uma vida melhor na Europa. O problema todo estará no percurso.
Embora o Senegal tenha uma longa tradição de estabilidade política em comparação com alguns de seus vizinhos, não está isento de conflitos internos. Questões étnicas, disputas de terra e tensões entre comunidades têm surgido em várias partes do país, particularmente nas regiões do sul e do leste. O desemprego, especialmente entre os jovens, tem sido uma fonte significativa de descontentamento social. Muitos jovens senegaleses enfrentam dificuldades econômicas devido à falta de oportunidade, muito embora, relativamente falando, o país seja menos ruim que a Líbia para se viver.
É importante pontuar isso pois os meninos, em que pese o descontentamento e a tomada de decisão de atravessar para a Europa, não era de todo uma vida descartável: por diversas vezes no longa eles sentem saudade de casa, e não foi à toa que em Senegal conseguiram juntar dinheiro.
Encontrando pelo seu caminho traficantes e oportunistas, o filme começa a ficar pesado no deserto, com a cena de uma morteonde meu coração começou a disparar. A partir de então, ficamos preso na cadeira, pois não se sabe em quem mais confiar: os meninos são separados, e vemos uma estrutura de poder de dar arrepio a qualquer defensor de direitos humanos: de trabalho escravo à torturas explícitas.
Por muitas vezes é um filme difícil, mas há aqui um esforço para criar uma ou outra cena lírica, com uma fotografia que ajuda bastante. Pode-se dizer que desperta uma série de gatilhos, e não é nada fácil, mas no fundo ouve certa tentativa de higienizar algumas cenas e, com isso, por mais agonizante que seja, é um cinema lindo, visceral, que merece o reconhecimento. É meu favorito dos filmes estrangeiros no Oscar de 2024, ainda que não seja o favorito da academia.
Meu Nome é Loh Kiwan
3.6 18 Assista AgoraTudo aquilo que "Perfect days" poderia ser e não é, pelo fato de não romantizar o rapaz. Um rapaz coreano tendo que sobreviver na Bélgica, comendo o pão que o diabo amassou, e ainda encontrando pessoas oportunistas ao seu redor, o filme conta com momentos de arrepiar, e é incrível como o protagonista mantem-se firme em sua ética. Só um pouco arrastado, mas em favor de mais poesia a um filme bem sofrido.