Ao menos o filme sabe que o público é infantil, mas não precisa ser tão ruim: efeitos da novela brasileira "Mutantes", da TV Record, conhecida por ser ruim, chegam a ser melhores que isso. Ao menos tenta dar uma mensagem sobre família, algo tão batido quanto genérico, mas aqui é tudo muito bobo, com facilidades para derrotar os vilões mais do que caricatos. Bem ruim.
Vale por mostrar como é necessário estar atento aos discursos machistas que ainda imperam socialmente. Mas fiquei com a impressão de superficialidade, de uma edição quase perdida (ao inserir novos casos) e principalmente de um desequilíbrio nos discursos, muito mais forte o tom empático à causa feminista, o que obviamente enfraquece ao tentarmos compreender a mente do opressor, afinal, no primeiro julgamento com o veredicto de "abuso" (e não estupro) sequer o espectador sabe definir a diferença e os argumentos de defesa. poderia ser melhor.
A edição é muito ruim, por isso a direção de arte inventou as animações para dar conta de metáforas importantes, como a mente do jovem. Assim, o projeto tenta ser maior do que as pernas em termos de valorização do artista, ao emular uma importância na saúde mental (o aviso de gatilho no início é bem vindo, ao menos). O menino é carismático, encontrou boas oportunidades, e só. O tom de homenagem e de condescendência o diminui, assim como o documentário sequer mostrar os impactos do álbum, o que mostra o tom episódico do projeto, jogando para as massas de adolescentes sedentas do que propriamente para criar um documentário informativo e relevante.
Eu me diverti com os textos espertos da comédia e com a química dos 3 amigos, que acabam criando um amigo imaginário na infância para livrar-lhes dos problemas. mas como numa síndrome de Peter Pan, continuam a usá-lo para fazerem coisas absurdas com suas respectivas esposas (o rapaz gay é o solteiro, mas ele também faz uso desse personagem) e aí mora o primeiro problema: as justificativas toscas. E, claro, apesar de ser tosca a ideia de contratarem o ator para viver o tal Ricky, o filme ao menos entrega um personagem canastrão mas divertido, e o desenrolar é bem interessante por não idiotizar os personagens secundários. Agradável, no final das contas.
Como representação da cultura nordestina, peca muitas vezes pelo trabalho amador dos sotaques e da dramaturgia duvidosa, mas é inegável o efeito de homenagem ao povo simples, riquíssimo em sua história e cheio de simbolismo. A trama familiar é toda genérica demais e não emociona, nem o plot, já que toda a estética parece algo meio televisivo, como se fosse um especial de fim de ano da Tv globo. Ainda assim, vale o registro de nossa brasilidade.
Um retrato meio perturbador sobre a influência do pensamento religioso fundamentalista, com uma família robótica podando o desenvolvimento de uma garota,que acaba por se envolver com o pastor. Por mais que tenha momentos realmente tocantes e revoltosos (a fala do pai do pastor pondo a culpa na vítima é de revirar o estômago), o roteiro parece optar pela burocracia, e tudo vai passando de forma letárgica. A cena da garota dançando ao final ficou linda demais, mostrando espaços de liberdade onde menos se vê.
A parte 2, por mais que seja um filme ainda bem divertido de se ver, deixa a desejar especialmente por repetir certas fórmulas do 1 (a jovem que não sabe lidar com o seu poder), mas principalmente por ser meio desequilibrado, com um protagonista que se tornou coadjuvante aqui. Também tem uma morte muito significativa, que muita lembra a morte da mãe do primeiro. Assim, numa trama meio redundante, vemos que o roteiro não se esforça muito e entrega algo completamente genérico. Ao menos as cenas de ação deram um upgrade.
Por mais que o filme peque nas cenas de ação, e alguns efeitos tenham ficado meio tosco, é um filme bastante simpático dentro de suas limitações, daqueles que a cara de paisagem do protagonista soa como olhar perdido e crível diante das situações, casando bem o drama na ficção científica da proposta da obra.
É também interessante ver a criação desse mundo explicada freneticamente nos primeiros minutos em cortes rápidos, passando pouca informação mas condensando o que há de essencial para a ambientação: um mundo onde mutantes, ao estilo X-men, são deixados à margem, representam perigo, mas também meios de capitalização, cujos corpos podem oferecer uma espécie de elixir.
É como se tirasse todo o glamour de ter homens com superpoderes e o expusessem em situações mais reais, tanto que se vestem como pessoas comuns, passando quase despercebidas. É assim que o Connor Reed (Robbie Amell), um mutante elétrico bem forte, se apresenta, tendo que lidar com problemas reais como falta de emprego, dificuldades de lidar com a saúde da mãe, solidão.
Gosto de como as motivações são criadas e da vibe meio "gente como a gente" toma conta do filme, e de como ter superpoderes num mundo padronizado está mais para uma maldição. O tom do realismo impera, embora todo o desenvolvimento soa maniqueísta, com vilões e mocinhos bem definidos, quase unidimensional.
O bom é que o roteiro está ciente de suas limitações, inclusive técnicas, de modo que as reviravoltas estão dentro do limite do tolerável. É um filme simples e divertido, com velhos clichês do gênero, mas com uma edição curta, objetiva, e que torna o filme bem clean de se acompanhar. Dá margem para continuação, o que é uma excelente ideia, pois é um cenário bem interessante a se explorar.
O uso do espaço lembra bastante "Boa sorte, Léo grande", mas dessa vez os papéis de gênero se invertem: o homem, mas endinheirado, contrata a jovem para momentos de prazer, mas regados a jogos de encenação. Não deixa de ter seus bons momentos, mas o texto é muitas vezes irritante e infantil, com pitadas além da conta (as cenas quebrando tudo, por exemplo), enfraquecendo a naturalidade. No entanto, diverte bem, e até mesmo a solução final, já sentida, é eficaz.
"Durma 2" é menos ruim que o primeiro, com seu show megalomaníaco vislumbrante aos olhos, e uma fotografia menos afetada, visualmente foi mais fácil de acompanhar. Mas os sérios problemas permanecem: uso excessivo da trilha, da câmera lenta, e como qualquer coisa, da mais besta possível, é enquadrada para soar épica. Tanto que o filme abandona os irritantes maneirismo no terço final e melhora da água pro vinho. Para a parte 3 espero que o Villeneuve se dê conta que, às vezes, menos é mais.
O clássico sociólogo francês Émile Durkheim introduziu o termo "Tótem" em sua obra "As Formas Elementares da Vida Religiosa" (1912), onde ele analisa as estruturas sociais e religiosas das sociedades tribais australianas. Na antropologia, um totem é um objeto natural ou animal, frequentemente venerado como símbolo sagrado ou espiritualmente significativo por uma determinada comunidade, clã ou tribo. O totem pode representar a ancestralidade, a conexão com a natureza, a identidade coletiva ou outras crenças fundamentais do grupo.
Neste delicado trabalho da diretora mexicana Lila Avilés, a câmeravai acompanhar uma família organizando o aniversário de um homem doente, mas muito querido pelo "clã", em especial acompanhar a filha e a mulher. Sem explicar direito do que padece o aniversariante, mas sabemos em poucas cenas que é algo seríssimo, o filme ganha contornos mórbidos, numa espécie de pré-velório.
No entanto, algo digno de nota é o trabalho com o elenco, tudo tão natural, tão singelo, lembra um pouco a atmosfera do banal de "Aftersun", pela delicadeza e sensibilidade em filmas a rotina, mas há aqui toda uma encenação do grupo, das frases contidas ao choro tímido, parentes que preferem ser mais reservados, outros mais efusivos, mas todos ali preparando-se para uma celebração que mistura o aniversário e o sentimento de quase luto.
Gosto também de como tudo é muito curto, episódico, e do olhar atento que a câmera tem com a filha, de fato bem tocantes as cenas da garota, mas toda a família tem algo a representar, mesmo que uns estejam mais distantes. Um belo exemplar de cinema latino, mergulhando em nossas "raízes tribais" (repare os rituais religiosos no início do filme), mostrando que, sim, somos uma sociedade muito religiosa, no sentido mais antropológico do termo. Filme extremamente rico para revelar nossas inclinações de ligação com o outro.
Por mais que não tenha a pegada realista de trabalhos como "Entre os muros da escola", não se pode negar que İlker Çatak fez um trabalho muito bom aqui. Talvez o único defeito seja nos personagens secundários mesmo, mas a composição da professora protagonista e dos seus alunos, cerne do filme, é primorosa.
Numa escola conservadora, temos a cena inicial já mostrando uma espécie de Inquisição sobre os alunos, com a direção insistindo para que eles dedurassem algum colega, tudo isso provocado por pequenos furtos que ocorrem naquele ambiente, os quais não são bem explicados, mas sim mais citados.
Leonie Benesch está estupenda como a professora protagonista da história, que resolve filmar por conta própria seu casaco pendurado na sua cadeira da sala dos professora, com uma armadilha meticulosamente brotada para pegar o responsável por aqueles pequenos furtos. Dito e certo: a câmera violadora da privacidade dos professores pega o responsável, mas não totalmente o rosto, tão somente a roupa, gerando interpretações dúbias e interessantes a respeito da autoria do crime.
Mas o filme não é apenas sobre uma investigação policial, e sim como as suposições afetam professores, alunos, direção, pais (a cena da reunião, excelente). É um microcosmo cuja teia vai sendo emaranhada de forma gradual e muito bem amarrada pelo roteiro, com grande destaque para o garoto Oskar (Leonard Stettnisch), o primeiro da turma e o que mais será impactado pelo drama.
Trata-se de um filme que tenta ir além da "cena-crime" para discutir aspectos psicológicos da projeção do outro num espaço onde claramente há margem para diversos papéis, como a liderança de uma turma de sexto ano, por exemplo. Absolutamente nenhuma cena é descartável, seja nas aulas ou na sala dos professores, ou no jornal da escola feito por alunos que conseguem inserir "racismo estrutural" no discurso da escola, tudo há um porquê de como vão lidando com as tensões.
E a real, é que a escola está completamente perdida e não sabe lidar com a situação. Oskar, o garoto mais afetado, tem uma postura tão centrada que é de dar dor ver ele sofrendo as consequências das relações sociais, pois não importa quão inteligente seja, a escola e todo o espaço pedagógico vai muito além das lições de matemática.
Mais um belo exemplar de filme sobre o mundo da educação, com destaque para o roteiro e para o ritmo do filme, mesmo que desbalanceado nos personagens, consegue transmitir muito bem a importância e o drama vivido pelos personagens principais. Ótimo representante no Oscar, ainda que não seja o favorito à estatueta.
Surpreende-me que um cara que dirigiu "Breaking bad" tenha feito algo tão letárgico assim, e tendo como protagonista Adam Sandler. Nada contra o moço, mas fiquei na cabeça com o filme baseado em fatos reais chamado "A milhões de quilômetros", mostrando como um jovem mexicano conseguiu ser astronauta, e sim, é um treinamento árduo, mental e fisicamente, de modo que Sandler está bem longe disso. Para completar, pegaram o Alien aracnídeo + Hal e compuseram o hANUS (nome sugestivo) para acompanhar o protagonista em sua viagem intergalática com pitadas de conselho amoroso, de modo que a certa altura o filme descamba para a pieguice de um romance mal resolvido com a esposa que ficara na Terra (!). Netflix, minha filha, vamos ter senso!
Interessante que uma leva de filmes sobre aborto, em especial de mulheres jovens, tem surgido nos últimos anos, com destaque para "O acontecimento" e "Nunca, raramente, às vezes, sempre", cujo premissa tem se mostrado das mais importantes para demarcar um momento onde se fala bastante em liberdade, mas o aborto continua sendo tabu.
"Levante" é um exemplar tipicamente brasileiro dessa leva de filmes, e o começo é bem alto astral, mostrando a equipe feminina de vôlei e suas facetas multiculturais, mas aqui nada soa gratuito: mostra não apenas a diversidade (com cenas em que uma delas, por exemplo, injeta-se hormônio), mas o espírito de equipe das meninas, que é fundamental como rede de apoio à jovem Sofia (Domenica Dias), que acaba por ficar grávida.
Vale destacar que, tal qual os filmes citados, o momento em que houve a consumação do fato é o que menos importa, o que desloca completamente o olhar de julgamento do espectador para o que realmente importa: mesmo se foi consentido, se teve uso de camisinha (sim, não é um método 100% eficaz, inclusive a personagem fala que fez uso), ou como é o pai, isso pouco importa. Trata-se da liberdade da mulher em decidir sobre seu corpo.
E esse exemplar brasileiro se destaca por trazer um roteiro que agrega a gravidez ao planejamento profissional do futuro da jovem, que se destaca na equipe de vôlei e está sob o olhar atento de uma equipe internacional. Assim, é como se a demarcação dos corpos ganhasse um contorno muito mais amplo e bem estrutural, limitando os corpos femininos.
Destaco também a cena onde uma vizinha evangélica vocifera em cima da garota e do pai (viúvo), mostrando todo o preconceito da visão religiosa, coisa que é um fenômeno fortemente latino das igrejas neopentecostais (não que nos outros lugares não exista, mas aqui é bem mais forte).
E o filme não se limita à violência simbólica, escancara de vez a repressão, por mais plastificada que a cena tenha ficado, serve como metáfora e tradução da dor de meninas que não conseguem apoio social para um simples ato (ela ate tentara no Uruguai, mas como não havia cidadania, resultou infrutífera a tentativa).
É um filme que funciona como denúncia a uma situação que, se fosse sobre corpos masculinos, certamente já teria sido resolvida. Vale muito a conferida e fico feliz de termos um exemplar brasileiro discutindo tão bem a temática.
Parece um daqueles tutoriais do Youtube para lavar banheiro. Mas falando sério, Wim Wenders acerta bastante na atmosfera e na construção dos seus personagens, mas a partir da metade do filme já estava de saco cheio do ritmo (monotônico sempre), dos personagens secundário, daquela rotina... A mensagem sobre ser feliz com pequenas coisas é muito bonita e louvável, mas temo também pela romantização do labor.
Eu curti ver o Nicolas Cage dando uma de avô rambo (não sou eu que digo, o próprio filme o adjetiva ora como avô, ora como Rambo mesmo, literalmente). Mas é óbvio que você encontrará aqui todo uma gama de concessões e absurdos, do tipo ele segurar sua filha com uma mão na corda e com a outra estar tacando-lhe a porrada nos vilões (que, diga-se, são bem abestalhados). Para piorar, a trama gira m torno de um suposto pen drive valioso, algo já visto milhões de vezes, e conta com aquelas reviravoltas absurdas, impostores, pessoas infiltradas, e claro, muitos tiros do herói e muitos vilões caricatos. Tem que ir para se divertir e se desligar.
Gosto do visual da animação e de como trabalha muito bem com os personagens vindo do horóscopo chinês, sem dúvidas a homenagem ficou bonita. Mas o roteiro... Prepare-se para acompanhar uma hora e meia de uma perseguição absurda, sem muito espaço para momentos contemplativos, reflexivos, ou ao menos emocionante (tirando uma morte importante, que aliás foi algo corajoso mas totalmente funcional a um roteiro capenga). De resto, o velho clichê da vilã que se mostrou bem domável ao final.
Vencedor do Bafta, este foi o último filme dos concorrentes ao Oscar que tive o prazer de assistir, sendo um ano muito bom para o cinema: mesmo que nem todas as obras sejam obras-primas, confesso que está muito bem nivelado este ano, exceto "Maestro" todos os filmes são muito bons.
Dito isso, "American Fiction" parece compor um grupo de filmes com tema sobre racismo, mas desta vez aqui o olhar é bem diferenciado. Temos o excelente Jeffrey Wright num dos seus maiores papéis, com todos os méritos tendo reconhecimento, fazendo um escritor demais prolixo, querendo alcançar uma linguagem mais universal, mas tendo que se contentar em representar um interesse de gueto.
É interessante como o filme faz uso da literatura, embora ache que tudo fique muito didático, e o filme às vezes confunde a realidade com o literário, mas sem uma conversão realmente visceral: há muito aqui se imiscuindo, mas é mais nos diálogos do que em imagens.
Vamos acompanhando nosso escritor e sua saga com a família, o irmão que saiu do armário já na vida adulta após um casamento frustrado e a mãe com problemas de saúde, além de uma empregada de família. Particularmente gosto do mosaico, dá um tom mais humano, assim como sua investida amorosa.
Mas o cerne do filme é mesmo o fato de que o nosso protagonista, ironicamente, alcance sucesso com um livro que ele escrevera como tom de gozação, retratando o "negro" de forma superficial e da forma como os brancos gostam, ou seja, vitimizado, agressivo, com vários estereótipos de cor. É, na verdade, um filme sobre o "pacto da branquitude".
O "pacto da branquitude" é um conceito discutido no campo dos estudos críticos de raça e etnia. Refere-se à ideia de que a sociedade é estruturada de forma a beneficiar os brancos em detrimento de pessoas de outras raças ou etnias, ou, quando valorizam as culturas afro, fazem-na pelo viéis da cultura branca padrão (veja como o escritor teve que "descer" o nível, ou como a cultura do mercado, inclusive das adaptações ao cinema, é discutido aqui).
Este pacto, muitas vezes invisível e não explicitamente articulado, perpetua a supremacia branca e sustenta desigualdades sociais e estruturais. O termo é usado para descrever as maneiras pelas quais as normas, instituições e práticas sociais são moldadas para favorecer os brancos, muitas vezes sem que eles percebam ou reconheçam esse privilégio.
A noção de "pacto da branquitude" nunca é explicitada no filme, mas é explorada de forma tácita, como na figura da outra escritora negra retratada. Ao fazerem parte de um seleto grupo de jurados literários (e por ironia do destino o tal livro ser objeto de avaliação), o filme destaca o olhar diferenciado sobre a negritude vindo de pessoas brancas e pretas. Assim, mesmo que o filme não seja tão direto, há toda uma gama simbólica de reconhecimento e confronto das estruturas de poder que perpetuam o racismo e a discriminação racial, bem como o papel dos brancos na manutenção dessas estruturas.
Achei apenas que o filme ficou muito no discurso sobre o livro, talvez fosse interessante algo mais misturado entre ficção e realidade, mas ainda assim é uma obra que ressoa, e com todos os méritos foi lembrada pela academia. O final do livro não poderia ser mais debochado: é o lugar para onde, inconscientemente, muitos mandam as pessoas pretas.
Gosto de como "A baleia azul" se tornou uma espécie de lenda urbana, e o filme se aproveita disso para criar um clima de tensão e suspense aos moldes de "Searching" e principalmente "Missing": vamos acompanhando a protagonista mediante a tela de um celular, inserindo-se no jogo que provocara a morte da irmã.
Ocorre que, desta vez, os cortes são bem artificiais, assim como a câmera, que na maior parte do tempo nem parece que há alguém segurando. Há muitas tomadas externas, e pareceu mais um exercício de estilo, pois nunca temos a sensação de que a câmera deveria ser subjetiva.
Assim, o roteiro conta com tantas e tantas facilidades, pois é tudo muito corrido, que infelizmente prejudica um pouco a imersão. Mas ainda assim pode prender devido o desenrolar da história em velhos clichês do gênero: quais as próximas mortes, o destino da protagonista, o assassino... Ao menos conta com uma mensagem como crédito referente à saúde mental, pois o filme em si tudo é meio banalizado em favor da correria.
Faltou coragem ao roteiro para entregar algo mais verdadeiro, mas se entregou ao clichê e ao previsível. E pior que tinha calibre para isso sem comprometer a diversão, pois o filme cresce quando a protagonista destaca as várias facetas do amor, e como, na verdade, por mais liberal que pareça ser o mundo ocidental, os dilemas sobre ser a pessoa certa permanecem, seja em casamentos arranjados ou com vasta opções no Tinder. Uma pena o roteiro se entregue. Ao menos a direção de arte está bem interessante, retratando o mundo muçulmano de forma honesta.
Pensa num filme lindinho sobre amizade, companheirismo, mudanças... Só achei que poderiam explorar um pouco mais os personagens secundários, de resto, Charlie Brown e Franklin numa amizade linda de se ver, mesmo com um roteiro simples, é uma excelente opção para as crianças.
Um filme muito gostoso de ver, mesmo que tecnicamente seja bem abaixo da média. Isto porque a mensagem sobre o contato com a natureza, e as imagens que conseguem captar do fundo do mar é bem tocante, com uma mãe e uma filha lutando para preservar uma reserva marinha, e contando com um trabalho de edição bem interessante, ao mostrar dois momentos de vida delas. No entanto, algumas cenas deixam a desejar, especialmente envolvendo os demais personagens secundários, retratados superficialmente.
Produzido pela National Geograpich, o documentário realmente é estupendo em imagens, e insere você naquele ambiente hostil de Uganda. As últimas eleições são particularmente tensas, e também documentadas de forma perturbadora, com imagens fortíssimas, muito sangue, tiro, e conta ainda com uma entrevista (meio recortada, é verdade) do próprio líder da situação.
Bobi Wine, cujo nome real é Robert Kyagulanyi Ssentamu, é um proeminente cantor de reggae, ativista político e líder da oposição em Uganda. A câmera vai perseguí-lo intimamente, e embora o filme resgate imagens de 10 anos atrás, é mesmo sua situação como político que vai estar amplamente registrada.
Nascido em uma favela de Kampala, capital de Uganda, Bobi Wine ganhou destaque inicialmente como músico, com suas letras frequentemente abordando questões sociais e políticas, ganhando uma grande base de fãs, especialmente entre os jovens. No entanto, Bobi Wine entrou na esfera política em 2017, quando se candidatou e foi eleito como membro do Parlamento de Uganda, representando a circunscrição de Kyadondo East. Sua entrada na política trouxe uma nova onda de energia para o cenário político de Uganda, desafiando o status quo e mobilizando os jovens e desfavorecidos.
Bobi Wine fica então mais conhecido mundialmente, e suas críticas abertas ao governo liderado pelo Presidente Yoweri Museveni, que está no poder desde 1986, ressoam em sua arte e em sua atuação política. Ele tem sido um crítico ferrenho da suposta repressão do governo contra dissidentes políticos, bem como das questões de corrupção e falta de liberdades civis em Uganda.
Em 2020, o filme ganha um fôlego enorme com o anúncio de sua candidatura à presidência de Uganda nas eleições de 2021, desafiando diretamente o presidente Museveni, que buscava a reeleição para um sexto mandato. Sua campanha foi marcada por tumultos e confrontos com as forças de segurança, e houve relatos de assédio e detenções de membros de sua equipe de campanha. Apesar das dificuldades enfrentadas durante a campanha, Bobi Wine conseguiu mobilizar um grande apoio popular, especialmente entre os jovens urbanos. No entanto, as eleições foram amplamente contestadas, com acusações de fraude e irregularidades em favor do presidente Museveni, que fora declarado vencedor (58% a 34% de Bobi), mantendo-se no poder, enquanto Bobi Wine contestou os resultados e buscava apoio internacional para sua causa.
A ascensão do músico político como uma figura proeminente na Uganda representa a emergência de uma nova geração de líderes africanos que desafiam os regimes de longa data e buscam uma mudança democrática e progressiva em seus países. Sua influência e popularidade continuam a ser uma força significativa na cena política de Uganda e na luta por direitos civis e democracia no país.
No entanto, a ligação de Bobi com os Estados ocidentais imperialistas e as razões pelas quais muitos destes países estão interessados na Uganda são deixados de lado. Por exemplo, Uganda está localizada em uma região estrategicamente importante da África Oriental, rota dos movimentos terroristas. Além, claro, dos interesses econômicos.
Assim, quando o presidente Museveni comenta sobre o papel dos EUA e da União Europeia, estranhamente o filme o corta para imagens de pobreza e degradação nas ruas de Uganda, que obviamente é uma situação que não pode ser ignorada.
Assim, mesmo que falte certo aprofundamento no debate geopolítico, e até mesmo certa honestidade, o documentário peca por certa imparcialidade, mas acerta muito nas imagens reais, impressionantes. E é sim um bom ponto de partida para se discutir os regimes ditatoriais.
Padrão Netflix, com uma personagem até bem construída, mas com um desenvolvimento tolo. Basicamente por conta dos adultérios, ela é metida numa emboscada (não falarei mais para não dar spoiler), tendo que ser a advogada de um pintor acusado de matar uma namorada, sendo que o promotor do caso é o cunhado da protagonista. E aqui vão todos os clichês: personagens maniqueístas, motivações pífias, idiotices sendo tomadas (ao encontrar uma pista, ela vai ao encontro do promotor do caso!)...
O Retorno dos Thundermans
2.0 2 Assista AgoraAo menos o filme sabe que o público é infantil, mas não precisa ser tão ruim: efeitos da novela brasileira "Mutantes", da TV Record, conhecida por ser ruim, chegam a ser melhores que isso. Ao menos tenta dar uma mensagem sobre família, algo tão batido quanto genérico, mas aqui é tudo muito bobo, com facilidades para derrotar os vilões mais do que caricatos. Bem ruim.
Você Não Está Sozinha: A Luta Contra La Manada
3.6 7 Assista AgoraVale por mostrar como é necessário estar atento aos discursos machistas que ainda imperam socialmente. Mas fiquei com a impressão de superficialidade, de uma edição quase perdida (ao inserir novos casos) e principalmente de um desequilíbrio nos discursos, muito mais forte o tom empático à causa feminista, o que obviamente enfraquece ao tentarmos compreender a mente do opressor, afinal, no primeiro julgamento com o veredicto de "abuso" (e não estupro) sequer o espectador sabe definir a diferença e os argumentos de defesa. poderia ser melhor.
Kids Are Growing Up: A Story About A Kid Named …
2.8 3 Assista AgoraA edição é muito ruim, por isso a direção de arte inventou as animações para dar conta de metáforas importantes, como a mente do jovem. Assim, o projeto tenta ser maior do que as pernas em termos de valorização do artista, ao emular uma importância na saúde mental (o aviso de gatilho no início é bem vindo, ao menos). O menino é carismático, encontrou boas oportunidades, e só. O tom de homenagem e de condescendência o diminui, assim como o documentário sequer mostrar os impactos do álbum, o que mostra o tom episódico do projeto, jogando para as massas de adolescentes sedentas do que propriamente para criar um documentário informativo e relevante.
Ricky Stanicky
3.1 80 Assista AgoraEu me diverti com os textos espertos da comédia e com a química dos 3 amigos, que acabam criando um amigo imaginário na infância para livrar-lhes dos problemas. mas como numa síndrome de Peter Pan, continuam a usá-lo para fazerem coisas absurdas com suas respectivas esposas (o rapaz gay é o solteiro, mas ele também faz uso desse personagem) e aí mora o primeiro problema: as justificativas toscas. E, claro, apesar de ser tosca a ideia de contratarem o ator para viver o tal Ricky, o filme ao menos entrega um personagem canastrão mas divertido, e o desenrolar é bem interessante por não idiotizar os personagens secundários. Agradável, no final das contas.
O Sertão Vai Vir ao Mar
3.4 4Como representação da cultura nordestina, peca muitas vezes pelo trabalho amador dos sotaques e da dramaturgia duvidosa, mas é inegável o efeito de homenagem ao povo simples, riquíssimo em sua história e cheio de simbolismo. A trama familiar é toda genérica demais e não emociona, nem o plot, já que toda a estética parece algo meio televisivo, como se fosse um especial de fim de ano da Tv globo. Ainda assim, vale o registro de nossa brasilidade.
The Starling Girl
3.5 9Um retrato meio perturbador sobre a influência do pensamento religioso fundamentalista, com uma família robótica podando o desenvolvimento de uma garota,que acaba por se envolver com o pastor. Por mais que tenha momentos realmente tocantes e revoltosos (a fala do pai do pastor pondo a culpa na vítima é de revirar o estômago), o roteiro parece optar pela burocracia, e tudo vai passando de forma letárgica. A cena da garota dançando ao final ficou linda demais, mostrando espaços de liberdade onde menos se vê.
Code 8: Renegados – Parte II
2.7 31 Assista AgoraA parte 2, por mais que seja um filme ainda bem divertido de se ver, deixa a desejar especialmente por repetir certas fórmulas do 1 (a jovem que não sabe lidar com o seu poder), mas principalmente por ser meio desequilibrado, com um protagonista que se tornou coadjuvante aqui. Também tem uma morte muito significativa, que muita lembra a morte da mãe do primeiro. Assim, numa trama meio redundante, vemos que o roteiro não se esforça muito e entrega algo completamente genérico. Ao menos as cenas de ação deram um upgrade.
Code 8: Renegados
2.8 166 Assista AgoraPor mais que o filme peque nas cenas de ação, e alguns efeitos tenham ficado meio tosco, é um filme bastante simpático dentro de suas limitações, daqueles que a cara de paisagem do protagonista soa como olhar perdido e crível diante das situações, casando bem o drama na ficção científica da proposta da obra.
É também interessante ver a criação desse mundo explicada freneticamente nos primeiros minutos em cortes rápidos, passando pouca informação mas condensando o que há de essencial para a ambientação: um mundo onde mutantes, ao estilo X-men, são deixados à margem, representam perigo, mas também meios de capitalização, cujos corpos podem oferecer uma espécie de elixir.
É como se tirasse todo o glamour de ter homens com superpoderes e o expusessem em situações mais reais, tanto que se vestem como pessoas comuns, passando quase despercebidas. É assim que o Connor Reed (Robbie Amell), um mutante elétrico bem forte, se apresenta, tendo que lidar com problemas reais como falta de emprego, dificuldades de lidar com a saúde da mãe, solidão.
Gosto de como as motivações são criadas e da vibe meio "gente como a gente" toma conta do filme, e de como ter superpoderes num mundo padronizado está mais para uma maldição. O tom do realismo impera, embora todo o desenvolvimento soa maniqueísta, com vilões e mocinhos bem definidos, quase unidimensional.
O bom é que o roteiro está ciente de suas limitações, inclusive técnicas, de modo que as reviravoltas estão dentro do limite do tolerável. É um filme simples e divertido, com velhos clichês do gênero, mas com uma edição curta, objetiva, e que torna o filme bem clean de se acompanhar. Dá margem para continuação, o que é uma excelente ideia, pois é um cenário bem interessante a se explorar.
Santuário
3.0 29 Assista AgoraO uso do espaço lembra bastante "Boa sorte, Léo grande", mas dessa vez os papéis de gênero se invertem: o homem, mas endinheirado, contrata a jovem para momentos de prazer, mas regados a jogos de encenação. Não deixa de ter seus bons momentos, mas o texto é muitas vezes irritante e infantil, com pitadas além da conta (as cenas quebrando tudo, por exemplo), enfraquecendo a naturalidade. No entanto, diverte bem, e até mesmo a solução final, já sentida, é eficaz.
Duna: Parte 2
4.4 633"Durma 2" é menos ruim que o primeiro, com seu show megalomaníaco vislumbrante aos olhos, e uma fotografia menos afetada, visualmente foi mais fácil de acompanhar. Mas os sérios problemas permanecem: uso excessivo da trilha, da câmera lenta, e como qualquer coisa, da mais besta possível, é enquadrada para soar épica. Tanto que o filme abandona os irritantes maneirismo no terço final e melhora da água pro vinho. Para a parte 3 espero que o Villeneuve se dê conta que, às vezes, menos é mais.
Tótem
3.2 8 Assista AgoraO clássico sociólogo francês Émile Durkheim introduziu o termo "Tótem" em sua obra "As Formas Elementares da Vida Religiosa" (1912), onde ele analisa as estruturas sociais e religiosas das sociedades tribais australianas. Na antropologia, um totem é um objeto natural ou animal, frequentemente venerado como símbolo sagrado ou espiritualmente significativo por uma determinada comunidade, clã ou tribo. O totem pode representar a ancestralidade, a conexão com a natureza, a identidade coletiva ou outras crenças fundamentais do grupo.
Neste delicado trabalho da diretora mexicana Lila Avilés, a câmeravai acompanhar uma família organizando o aniversário de um homem doente, mas muito querido pelo "clã", em especial acompanhar a filha e a mulher. Sem explicar direito do que padece o aniversariante, mas sabemos em poucas cenas que é algo seríssimo, o filme ganha contornos mórbidos, numa espécie de pré-velório.
No entanto, algo digno de nota é o trabalho com o elenco, tudo tão natural, tão singelo, lembra um pouco a atmosfera do banal de "Aftersun", pela delicadeza e sensibilidade em filmas a rotina, mas há aqui toda uma encenação do grupo, das frases contidas ao choro tímido, parentes que preferem ser mais reservados, outros mais efusivos, mas todos ali preparando-se para uma celebração que mistura o aniversário e o sentimento de quase luto.
Gosto também de como tudo é muito curto, episódico, e do olhar atento que a câmera tem com a filha, de fato bem tocantes as cenas da garota, mas toda a família tem algo a representar, mesmo que uns estejam mais distantes. Um belo exemplar de cinema latino, mergulhando em nossas "raízes tribais" (repare os rituais religiosos no início do filme), mostrando que, sim, somos uma sociedade muito religiosa, no sentido mais antropológico do termo. Filme extremamente rico para revelar nossas inclinações de ligação com o outro.
A Sala dos Professores
3.9 139 Assista AgoraPor mais que não tenha a pegada realista de trabalhos como "Entre os muros da escola", não se pode negar que İlker Çatak fez um trabalho muito bom aqui. Talvez o único defeito seja nos personagens secundários mesmo, mas a composição da professora protagonista e dos seus alunos, cerne do filme, é primorosa.
Numa escola conservadora, temos a cena inicial já mostrando uma espécie de Inquisição sobre os alunos, com a direção insistindo para que eles dedurassem algum colega, tudo isso provocado por pequenos furtos que ocorrem naquele ambiente, os quais não são bem explicados, mas sim mais citados.
Leonie Benesch está estupenda como a professora protagonista da história, que resolve filmar por conta própria seu casaco pendurado na sua cadeira da sala dos professora, com uma armadilha meticulosamente brotada para pegar o responsável por aqueles pequenos furtos. Dito e certo: a câmera violadora da privacidade dos professores pega o responsável, mas não totalmente o rosto, tão somente a roupa, gerando interpretações dúbias e interessantes a respeito da autoria do crime.
Mas o filme não é apenas sobre uma investigação policial, e sim como as suposições afetam professores, alunos, direção, pais (a cena da reunião, excelente). É um microcosmo cuja teia vai sendo emaranhada de forma gradual e muito bem amarrada pelo roteiro, com grande destaque para o garoto Oskar (Leonard Stettnisch), o primeiro da turma e o que mais será impactado pelo drama.
Trata-se de um filme que tenta ir além da "cena-crime" para discutir aspectos psicológicos da projeção do outro num espaço onde claramente há margem para diversos papéis, como a liderança de uma turma de sexto ano, por exemplo. Absolutamente nenhuma cena é descartável, seja nas aulas ou na sala dos professores, ou no jornal da escola feito por alunos que conseguem inserir "racismo estrutural" no discurso da escola, tudo há um porquê de como vão lidando com as tensões.
E a real, é que a escola está completamente perdida e não sabe lidar com a situação. Oskar, o garoto mais afetado, tem uma postura tão centrada que é de dar dor ver ele sofrendo as consequências das relações sociais, pois não importa quão inteligente seja, a escola e todo o espaço pedagógico vai muito além das lições de matemática.
Mais um belo exemplar de filme sobre o mundo da educação, com destaque para o roteiro e para o ritmo do filme, mesmo que desbalanceado nos personagens, consegue transmitir muito bem a importância e o drama vivido pelos personagens principais. Ótimo representante no Oscar, ainda que não seja o favorito à estatueta.
O Astronauta
2.9 119 Assista AgoraSurpreende-me que um cara que dirigiu "Breaking bad" tenha feito algo tão letárgico assim, e tendo como protagonista Adam Sandler. Nada contra o moço, mas fiquei na cabeça com o filme baseado em fatos reais chamado "A milhões de quilômetros", mostrando como um jovem mexicano conseguiu ser astronauta, e sim, é um treinamento árduo, mental e fisicamente, de modo que Sandler está bem longe disso. Para completar, pegaram o Alien aracnídeo + Hal e compuseram o hANUS (nome sugestivo) para acompanhar o protagonista em sua viagem intergalática com pitadas de conselho amoroso, de modo que a certa altura o filme descamba para a pieguice de um romance mal resolvido com a esposa que ficara na Terra (!). Netflix, minha filha, vamos ter senso!
Levante
3.7 9Interessante que uma leva de filmes sobre aborto, em especial de mulheres jovens, tem surgido nos últimos anos, com destaque para "O acontecimento" e "Nunca, raramente, às vezes, sempre", cujo premissa tem se mostrado das mais importantes para demarcar um momento onde se fala bastante em liberdade, mas o aborto continua sendo tabu.
"Levante" é um exemplar tipicamente brasileiro dessa leva de filmes, e o começo é bem alto astral, mostrando a equipe feminina de vôlei e suas facetas multiculturais, mas aqui nada soa gratuito: mostra não apenas a diversidade (com cenas em que uma delas, por exemplo, injeta-se hormônio), mas o espírito de equipe das meninas, que é fundamental como rede de apoio à jovem Sofia (Domenica Dias), que acaba por ficar grávida.
Vale destacar que, tal qual os filmes citados, o momento em que houve a consumação do fato é o que menos importa, o que desloca completamente o olhar de julgamento do espectador para o que realmente importa: mesmo se foi consentido, se teve uso de camisinha (sim, não é um método 100% eficaz, inclusive a personagem fala que fez uso), ou como é o pai, isso pouco importa. Trata-se da liberdade da mulher em decidir sobre seu corpo.
E esse exemplar brasileiro se destaca por trazer um roteiro que agrega a gravidez ao planejamento profissional do futuro da jovem, que se destaca na equipe de vôlei e está sob o olhar atento de uma equipe internacional. Assim, é como se a demarcação dos corpos ganhasse um contorno muito mais amplo e bem estrutural, limitando os corpos femininos.
Destaco também a cena onde uma vizinha evangélica vocifera em cima da garota e do pai (viúvo), mostrando todo o preconceito da visão religiosa, coisa que é um fenômeno fortemente latino das igrejas neopentecostais (não que nos outros lugares não exista, mas aqui é bem mais forte).
E o filme não se limita à violência simbólica, escancara de vez a repressão, por mais plastificada que a cena tenha ficado, serve como metáfora e tradução da dor de meninas que não conseguem apoio social para um simples ato (ela ate tentara no Uruguai, mas como não havia cidadania, resultou infrutífera a tentativa).
É um filme que funciona como denúncia a uma situação que, se fosse sobre corpos masculinos, certamente já teria sido resolvida. Vale muito a conferida e fico feliz de termos um exemplar brasileiro discutindo tão bem a temática.
Dias Perfeitos
4.2 283 Assista AgoraParece um daqueles tutoriais do Youtube para lavar banheiro. Mas falando sério, Wim Wenders acerta bastante na atmosfera e na construção dos seus personagens, mas a partir da metade do filme já estava de saco cheio do ritmo (monotônico sempre), dos personagens secundário, daquela rotina... A mensagem sobre ser feliz com pequenas coisas é muito bonita e louvável, mas temo também pela romantização do labor.
Plano de Aposentadoria
2.2 19 Assista AgoraEu curti ver o Nicolas Cage dando uma de avô rambo (não sou eu que digo, o próprio filme o adjetiva ora como avô, ora como Rambo mesmo, literalmente). Mas é óbvio que você encontrará aqui todo uma gama de concessões e absurdos, do tipo ele segurar sua filha com uma mão na corda e com a outra estar tacando-lhe a porrada nos vilões (que, diga-se, são bem abestalhados). Para piorar, a trama gira m torno de um suposto pen drive valioso, algo já visto milhões de vezes, e conta com aquelas reviravoltas absurdas, impostores, pessoas infiltradas, e claro, muitos tiros do herói e muitos vilões caricatos. Tem que ir para se divertir e se desligar.
O Aprendiz do Tigre
2.7 1 Assista AgoraGosto do visual da animação e de como trabalha muito bem com os personagens vindo do horóscopo chinês, sem dúvidas a homenagem ficou bonita. Mas o roteiro... Prepare-se para acompanhar uma hora e meia de uma perseguição absurda, sem muito espaço para momentos contemplativos, reflexivos, ou ao menos emocionante (tirando uma morte importante, que aliás foi algo corajoso mas totalmente funcional a um roteiro capenga). De resto, o velho clichê da vilã que se mostrou bem domável ao final.
Ficção Americana
3.8 375 Assista AgoraVencedor do Bafta, este foi o último filme dos concorrentes ao Oscar que tive o prazer de assistir, sendo um ano muito bom para o cinema: mesmo que nem todas as obras sejam obras-primas, confesso que está muito bem nivelado este ano, exceto "Maestro" todos os filmes são muito bons.
Dito isso, "American Fiction" parece compor um grupo de filmes com tema sobre racismo, mas desta vez aqui o olhar é bem diferenciado. Temos o excelente Jeffrey Wright num dos seus maiores papéis, com todos os méritos tendo reconhecimento, fazendo um escritor demais prolixo, querendo alcançar uma linguagem mais universal, mas tendo que se contentar em representar um interesse de gueto.
É interessante como o filme faz uso da literatura, embora ache que tudo fique muito didático, e o filme às vezes confunde a realidade com o literário, mas sem uma conversão realmente visceral: há muito aqui se imiscuindo, mas é mais nos diálogos do que em imagens.
Vamos acompanhando nosso escritor e sua saga com a família, o irmão que saiu do armário já na vida adulta após um casamento frustrado e a mãe com problemas de saúde, além de uma empregada de família. Particularmente gosto do mosaico, dá um tom mais humano, assim como sua investida amorosa.
Mas o cerne do filme é mesmo o fato de que o nosso protagonista, ironicamente, alcance sucesso com um livro que ele escrevera como tom de gozação, retratando o "negro" de forma superficial e da forma como os brancos gostam, ou seja, vitimizado, agressivo, com vários estereótipos de cor. É, na verdade, um filme sobre o "pacto da branquitude".
O "pacto da branquitude" é um conceito discutido no campo dos estudos críticos de raça e etnia. Refere-se à ideia de que a sociedade é estruturada de forma a beneficiar os brancos em detrimento de pessoas de outras raças ou etnias, ou, quando valorizam as culturas afro, fazem-na pelo viéis da cultura branca padrão (veja como o escritor teve que "descer" o nível, ou como a cultura do mercado, inclusive das adaptações ao cinema, é discutido aqui).
Este pacto, muitas vezes invisível e não explicitamente articulado, perpetua a supremacia branca e sustenta desigualdades sociais e estruturais. O termo é usado para descrever as maneiras pelas quais as normas, instituições e práticas sociais são moldadas para favorecer os brancos, muitas vezes sem que eles percebam ou reconheçam esse privilégio.
A noção de "pacto da branquitude" nunca é explicitada no filme, mas é explorada de forma tácita, como na figura da outra escritora negra retratada. Ao fazerem parte de um seleto grupo de jurados literários (e por ironia do destino o tal livro ser objeto de avaliação), o filme destaca o olhar diferenciado sobre a negritude vindo de pessoas brancas e pretas. Assim, mesmo que o filme não seja tão direto, há toda uma gama simbólica de reconhecimento e confronto das estruturas de poder que perpetuam o racismo e a discriminação racial, bem como o papel dos brancos na manutenção dessas estruturas.
Achei apenas que o filme ficou muito no discurso sobre o livro, talvez fosse interessante algo mais misturado entre ficção e realidade, mas ainda assim é uma obra que ressoa, e com todos os méritos foi lembrada pela academia. O final do livro não poderia ser mais debochado: é o lugar para onde, inconscientemente, muitos mandam as pessoas pretas.
O Jogo da Morte
2.2 17 Assista AgoraGosto de como "A baleia azul" se tornou uma espécie de lenda urbana, e o filme se aproveita disso para criar um clima de tensão e suspense aos moldes de "Searching" e principalmente "Missing": vamos acompanhando a protagonista mediante a tela de um celular, inserindo-se no jogo que provocara a morte da irmã.
Ocorre que, desta vez, os cortes são bem artificiais, assim como a câmera, que na maior parte do tempo nem parece que há alguém segurando. Há muitas tomadas externas, e pareceu mais um exercício de estilo, pois nunca temos a sensação de que a câmera deveria ser subjetiva.
Assim, o roteiro conta com tantas e tantas facilidades, pois é tudo muito corrido, que infelizmente prejudica um pouco a imersão. Mas ainda assim pode prender devido o desenrolar da história em velhos clichês do gênero: quais as próximas mortes, o destino da protagonista, o assassino... Ao menos conta com uma mensagem como crédito referente à saúde mental, pois o filme em si tudo é meio banalizado em favor da correria.
Minha Família Quer que Eu Case
3.2 11 Assista AgoraFaltou coragem ao roteiro para entregar algo mais verdadeiro, mas se entregou ao clichê e ao previsível. E pior que tinha calibre para isso sem comprometer a diversão, pois o filme cresce quando a protagonista destaca as várias facetas do amor, e como, na verdade, por mais liberal que pareça ser o mundo ocidental, os dilemas sobre ser a pessoa certa permanecem, seja em casamentos arranjados ou com vasta opções no Tinder. Uma pena o roteiro se entregue. Ao menos a direção de arte está bem interessante, retratando o mundo muçulmano de forma honesta.
Snoopy Apresenta: Seja Bem-vindo, Franklin!
3.9 4 Assista AgoraPensa num filme lindinho sobre amizade, companheirismo, mudanças... Só achei que poderiam explorar um pouco mais os personagens secundários, de resto, Charlie Brown e Franklin numa amizade linda de se ver, mesmo com um roteiro simples, é uma excelente opção para as crianças.
Blueback: Uma Amizade Profunda
2.8 3Um filme muito gostoso de ver, mesmo que tecnicamente seja bem abaixo da média. Isto porque a mensagem sobre o contato com a natureza, e as imagens que conseguem captar do fundo do mar é bem tocante, com uma mãe e uma filha lutando para preservar uma reserva marinha, e contando com um trabalho de edição bem interessante, ao mostrar dois momentos de vida delas. No entanto, algumas cenas deixam a desejar, especialmente envolvendo os demais personagens secundários, retratados superficialmente.
Bobi Wine: O Presidente Do Povo
3.6 26Produzido pela National Geograpich, o documentário realmente é estupendo em imagens, e insere você naquele ambiente hostil de Uganda. As últimas eleições são particularmente tensas, e também documentadas de forma perturbadora, com imagens fortíssimas, muito sangue, tiro, e conta ainda com uma entrevista (meio recortada, é verdade) do próprio líder da situação.
Bobi Wine, cujo nome real é Robert Kyagulanyi Ssentamu, é um proeminente cantor de reggae, ativista político e líder da oposição em Uganda. A câmera vai perseguí-lo intimamente, e embora o filme resgate imagens de 10 anos atrás, é mesmo sua situação como político que vai estar amplamente registrada.
Nascido em uma favela de Kampala, capital de Uganda, Bobi Wine ganhou destaque inicialmente como músico, com suas letras frequentemente abordando questões sociais e políticas, ganhando uma grande base de fãs, especialmente entre os jovens. No entanto, Bobi Wine entrou na esfera política em 2017, quando se candidatou e foi eleito como membro do Parlamento de Uganda, representando a circunscrição de Kyadondo East. Sua entrada na política trouxe uma nova onda de energia para o cenário político de Uganda, desafiando o status quo e mobilizando os jovens e desfavorecidos.
Bobi Wine fica então mais conhecido mundialmente, e suas críticas abertas ao governo liderado pelo Presidente Yoweri Museveni, que está no poder desde 1986, ressoam em sua arte e em sua atuação política. Ele tem sido um crítico ferrenho da suposta repressão do governo contra dissidentes políticos, bem como das questões de corrupção e falta de liberdades civis em Uganda.
Em 2020, o filme ganha um fôlego enorme com o anúncio de sua candidatura à presidência de Uganda nas eleições de 2021, desafiando diretamente o presidente Museveni, que buscava a reeleição para um sexto mandato. Sua campanha foi marcada por tumultos e confrontos com as forças de segurança, e houve relatos de assédio e detenções de membros de sua equipe de campanha. Apesar das dificuldades enfrentadas durante a campanha, Bobi Wine conseguiu mobilizar um grande apoio popular, especialmente entre os jovens urbanos. No entanto, as eleições foram amplamente contestadas, com acusações de fraude e irregularidades em favor do presidente Museveni, que fora declarado vencedor (58% a 34% de Bobi), mantendo-se no poder, enquanto Bobi Wine contestou os resultados e buscava apoio internacional para sua causa.
A ascensão do músico político como uma figura proeminente na Uganda representa a emergência de uma nova geração de líderes africanos que desafiam os regimes de longa data e buscam uma mudança democrática e progressiva em seus países. Sua influência e popularidade continuam a ser uma força significativa na cena política de Uganda e na luta por direitos civis e democracia no país.
No entanto, a ligação de Bobi com os Estados ocidentais imperialistas e as razões pelas quais muitos destes países estão interessados na Uganda são deixados de lado. Por exemplo, Uganda está localizada em uma região estrategicamente importante da África Oriental, rota dos movimentos terroristas. Além, claro, dos interesses econômicos.
Assim, quando o presidente Museveni comenta sobre o papel dos EUA e da União Europeia, estranhamente o filme o corta para imagens de pobreza e degradação nas ruas de Uganda, que obviamente é uma situação que não pode ser ignorada.
Assim, mesmo que falte certo aprofundamento no debate geopolítico, e até mesmo certa honestidade, o documentário peca por certa imparcialidade, mas acerta muito nas imagens reais, impressionantes. E é sim um bom ponto de partida para se discutir os regimes ditatoriais.
Mea Culpa
2.1 52 Assista AgoraPadrão Netflix, com uma personagem até bem construída, mas com um desenvolvimento tolo. Basicamente por conta dos adultérios, ela é metida numa emboscada (não falarei mais para não dar spoiler), tendo que ser a advogada de um pintor acusado de matar uma namorada, sendo que o promotor do caso é o cunhado da protagonista. E aqui vão todos os clichês: personagens maniqueístas, motivações pífias, idiotices sendo tomadas (ao encontrar uma pista, ela vai ao encontro do promotor do caso!)...