"Suncoast" trata sua protagonista adolescente com certo amoralismo muito bem vindo, tal qual no recente "How to have sex", mas aqui há outras camadas interessantes: sua relação com a mãe, com o irmão em estágio terminal, com um desconhecido que ela conhecera na frente do hospital, na escola cristã. Esse caldeirão muito bem feito, tem por trás a história real da diretora estreante Laura Chinn, e a julgar pela estreia, pode prometer muito no futuro.
Protagonizado pela excelente Nico Parker, gosto bastante como sua personagem inicialmente tímida vai desabrochando, embora sua personalidade mais recatada se mantem, e especialmente o contraponto com as meninas mais "descoladas" da escola, que lhe introduzem uma vida mais liberal, não se tornou uma cópia de algo visto em "Meninas malvadas", isto é, o roteiro inteligentemente não as rivaliza, embora tenha certas cenas de ciúme e competição típicos da adolescência mesmo.
Ainda acho que a situação na escola cristã foi mal desenvolvida, e a relação com a mãe, que dá mais atenção ao filho doente, também subiu o tom algumas vezes, mas ainda assim o filme graciosamente se livra de caricaturas e tenta humanizar aquela relação (o final do filme é exemplar).
Também achei que o personagem do Woody Harrelson tinha bem mais a contribuir, mas o lado bom é que tornou a situação bem crível. "Suncoast" é o hospital onde o irmão da garota está hospitalizado, e lá há uma campanha pra uma personagem internada lá, viralizando nas redes, com pessoas fazendo campanha por ela, e é maravilhosa a cena na escola que a jovem defende que não sabemos ao certo o que se passa, sendo meio descabido usar de discursos que não conhecem a realidade particular de cada pessoa, um tapa na cara de quem conhece apenas as manchetes das redes.
Com muita coisa acontecendo, o retrato é humano, mas também falta certa profundidade em alguns temas. Ainda assim, consegue passar uma mensagem poderosa sobre a dor da perda e o equilíbrio que devemos ter para seguir em frente, sobre aproveitar a vida, vivê-la intensamente, e ainda assim, ter cuidado com excessos, sem esquecer o que mais importa, essa ligação com o outro, com a mãe, com o irmão, com amigas, com um desconhecido... Filme lindo e muito sensível, e irá tocar mais ainda quem já teve uma perda repentina na vida.
Por mais estapafúrdias que sejam as situações, usando o acidente com o bebê como fio dramático, os personagens são carismáticos o suficientes para fazer rir. Assim, como comédia, me fez arrancar várias gargalhadas (mesmo com certas piadas, especialmente as escatológicas, que não funcionam). Achei que o roteiro se perdeu e não soube evoluir, mas ainda bem que isso ocorre só pelo final, não comprometendo a sessão como um todo.
Tirando a parte do acidente, que é realmente muito bem feita, e que passa todo o drama necessário (além do momento repentino), temos um filme que é basicamente uma novela sobre o triângulo amoroso do Enzo Ferrari, vivido por Adam Driver, e uma Penélope estridente por não ser aquela a quem vai lhe dar um herdeiro, embora goste de seus pulsos com os negócios, pioneiro à época, mas os textos estão completamente deprimentes.... Gran Turismo funciona melhor do que Ferrari em termos de corrida.
Um filme lindo tecnicamente, com cores que estão cada vez mais agradáveis, e uma estética cada vez mais acertada à proposta. Mas não entendi a opção do roteiro: um prólogo longo, como se fosse um filme à parte, e a segunda metade sendo basicamente um filme preparativo para um porvir, sem ao menos um ápice decente. Brochante.
Hayao Miyazaki geralmente não erra, e temos aqui um filme tecnicamente lindo, com suas cores típicas, e aquela velha mensagem humana. Mas não tenho como deixar de notar que chega a ser redundante em sua filmografia: protagonista tentando se encontrar, relações familiares problemáticas, um lugar mais idílico como escape, personagens secundários estranhos e alguns fofos. Talvez a academia veja como homenagem mesmo. Mas embora tenha momentos criativos, a meu ver o roteiro não trás grandes novidades.
Gostei muito dessa patuscada, especialmente como trabalha o suspense, e olha que o lugar é bem aberto, mas mantem o clima claustrofóbico, por mais que tudo seja clichê aqui: um verdadeiro Rambo, o que foi bem forçado para um combatente inexperiente. Ao menos tá bem atuado e dirigido. O humor aqui funciona como contraponto a uma hierarquia militar acostumada com status: o desleixo é parte da humanidade que brota em ambientes hostis. Mas confesso que preferia um fim mais trágico, faltou coragem.
Particularmente, gostei muito da edição desta obra do Hirokazu Koreeda, há umas voltas interessantes para ver diferentes pontos de vista, e o filme não precisa alertar o espectador para isso (tem que ficar atento), mas tudo tem um porquê organicamente ao roteiro: a depender da perspectiva e das motivações de nossas ações, seremos vistos como monstros, ou não. É um trabalho estupendo de roteiro, sensível ao extremo e muito bem montado.
No entanto, creio que certas referências soaram meio soltas, meio como fragmentada. Por mais que os meninos tenham certa ligação e que o comportamento adulto esteja vigilante sobre eles, trabalhos como "Close" encenam bem melhor uma ligação, e, portanto, funcionam mais na emoção.
Mas é impossível não se deliciar com o filme, e as passagens tanto na escola quanto nos momentos mais íntimos dos jovens, em cenas externas, estão muito bem filmadas. Diria que tecnicamente é maravilhoso, faltando apenas certo apuro nos diálogos e talvez nas atuações, que achei aqui meio maniqueísta em certos momentos.
Ver a humanidade como possibilidade de afetos e desafetos, e vendo uma sociedade disciplinando corpos, causa certa repulsa. A pureza vai sendo, aos poucos, poluída pela cultura moralista, e a cena final deles desbravando a natureza mostra como, de forma genuína, estamos aptos para a felicidade, basta uma forma de escape. Lindo demais.
O filme acerta bastante ao comparar a vida da adolescente com um roteiro de cinema, tipicamente trazendo ludicidade a uma vida comum, e ainda conta com uma arte visual interessante (a cena logo no início onde a personagem se vê em vários filmes). Mas por uma estranha razão essa ideia é abandonada, o filme se entrega para um romance clichê e sem sal, até, de forma meio oportunista, resgatar essa comparação com o cinema. Ou seja, só uma tentativa de goumertizar um conteúdo muito superficial e genérico mesmo.
Um trabalho muito melhor da Moore do que "May December", mostrando-a num papel de uma mãe perdida em sua maternidade, ao mesmo tempo que tem veias controladoras, não consegue estabelecer um vínculo com o filho influencer adolescente.
Talvez seja o filme que mais me agradou recentemente em termo de representação da juventude, pintando-a ora como uma nova espécie de "alienados digitais" mas também retratando parte da juventude que vive no mundo da lua, que ainda carrega consigo sonhos revolucionários, mas sem parecer idiotas (por mais que, no fundo, sejam sim um pouco).
Assim, o filme abre margem para discutir a nossa capacidade de pensar o futuro entre sonho e realidade, de uma maneiro utópica ou mais imediatista. No final das contas, o garoto querendo monetizar uma canção política de sua garota está mais próximo de algo real do que todos, seja do rapaz que não sabe se quer ir para a faculdade, da garota ambientalista ou da mãe perdida. E ele também é um dos mais idiotas, o que é um paradoxo delicioso de acompanhar.
Certamente a sua musa inspiradora figuraria em uma bela estante decorativa no DCE de qualquer curso de esquerda, provando que parte dessa esquerda é muito melhor com diálogos do que com ações. Por outro lado, a mãe já deu a dica: "Estude, e tenha sua opinião". Racionalmente falando, podemos até criar nossos julgamentos, mas no que isso nos ajuda materialmente falando? E em nossas relações? Pois é, o buraco é bem mais embaixo
Assim, Moore tenta dosar sua personagem numa mãe que acaba projetando suas ambições para o filho de uma terceira, que não sabe lidar com uma geração que tem outros planos futuros e, ao mesmo tempo, de uma geração que sempre a obriga a se confrontar. Na verdade, essa fronteira geracional é cada vez mais tênua, e talvez a "Aldeia global" tenhamos forçado a uma convivência antes impensada.
Por mais que tudo isso seja evocado no filme, o roteiro em si é mais enxuto, e não trata tão bem certos personagens secundários, e claro, trará mensagem de redenção e otimismo, mesmo com certa ironia. Gostei, mas se fosse mais ácido talvez soasse bem melhor.
O Paul Mescal está muito sexy no papel de um militar simpático a imigrantes, mas o filme infelizmente não ajuda muito: tem uma fotografia encantadora especialmente quando filme o deserto e a cultura latina, mas cai num tom tão melancólico, depressivo, fazendo uso amplo de slow motion, que dá até sono em muitos momentos. Tudo isso numa tentativa de contornar um roteiro superficial. 20 minutos a menos cairia bem ao filme, quis se levar muito a sério.
Quando o estilo de Jordan Peele encontra um roteiro voltado ao público adolescente, portanto, muito mais didático, é filmado de forma bem à vontade, num casarão que lembra os acontecimentos de "Morte, morte, morte", temos "The blackening" como resultado imediato dessa linguagem da diversidade (especialmente étnica) que tomou conta em jargões e em pensamentos da cultura ocidental.
Assim, espero ver o elenco muito à vontade (ótimo trabalho da direção) disparando uma série de referências da cultura afro, com pitadas de humor e muita ironia (o que foi aquilo com "Friends"?). É realmente satisfatório ver um texto afiado, por mais direto e pedagógico que seja, mas aqui não incomoda em nada, já que o objetivo é esse e se enquadra perfeitamente à proposta.
Assim, o grupo de amigos que se reúne para uma noite de diversão, todos pretos, vão soltando pérolas no caminho e durante a noite, sem contar o prólogo interessante apresentando o "jogo" assustador do "Blackening", que consiste basicamente em um jogo mortal de perguntas e respostas testando o conhecimento geral da cultura preta.
Talvez o filme peque nos sustos, e confesso que aquela correria do terço final ficou muito aquém do subtexto que até então vinha se apresentando, mas por manter a ironia e com uma cena final hilária, achei que o filme foi amplamente satisfatório. Mesmo não funcionando como horror, funciona como "terrir" (terro + rir) e mostra que ainda há espaço para se trabalhar com diálogos mais interessantes nesse mundo de marasmos.
Por mais boa intenção do roteiro em pintar um quadro de uma mãe solo (com o marido viciado sempre à espera, e um pai com tornozeleira eletrônica a passar os últimos dias de vida com a filha e o neto), e ainda fazendo da criança um rapaz esperto mas também sensível,grita uma sensação de atitudes meio robóticas, como se não passasse naturalidade. Esse esquematismo prejudica o envolvimento e a tensão, cuja última cena é exemplar: não há espaço aqui para multidimensionalidade, os personagens fazem aquilo que o roteiro convenientemente acha o melhor. As interpretações estão apenas ok, e o ritmo meio aborrecido, pelo menos, é quebrado por certas ações interessantes, por mais forçadas que sejam.
Embora o filme quase se perca numa série de temas emanados por aquela família, como a síndrome do ninho vazio e a projeção das expectativas dos pais no filho, bem como um romance que é mais realista do que a média vista nos filmes, com um casal bem simpático, gostei de como toda essa profusão de temas fez um mosaico humanizado daquela família, por mais que certas abordagens soassem superficiais. É um filme leve e despretensioso, uma família de classe média típica, e consegue passar sinceridade.
Quem é Padre Pio? Não sabemos. Filme raso e arrastado, com interpretações robóticas, sofríveis, e um texto pior ainda. Apela para momentos óbvios (cura do câncer?), mas não faz o básico, que é tentar nos fazer se importar com os personagens. Salva-se o carisma do elenco jovem, pena serem muito mal dirigidos, mesmo com a boa intenção por trás do roteiro.
Uma bobagem sem tamanho, remake de um original que já era capenga. Ao tentar dar conta de várias histórias em paralelo, nenhum núcleo se salva aqui, nos fazendo acompanhar a saga dos irmãos de forma quase indiferente. Ao menos poderia ser engraçado, mas nem isso. Salvam-se as edições rápidas (casa com a proposta) e o design de produção, é um filme caprichoso nos detalhes e figurinos. Algumas atuações também funcionam.
Concordo que há muito absurdo nas situações em que o casal se mete, como o fato de resgatarem o prêmio em dinheiro vivo ou de fazerem pouco caso da morbidez que é querer matar um cônjuge, mas o cerne da questão aqui é se deliciar com uma espécie de paranoia de controle entre casais, um fenômeno que ocorre quando um dos parceiros ou ambos desenvolvem sentimentos intensos de desconfiança e preocupação em relação às atividades e interações do outro, muito em voga em tempos onde as redes sociais nos entregam tudo personificado (cada pessoa tem um feed projetado pelo algoritmo), de modo que esperamos do outro um encaixe também muito controlado.
Esses comportamentos podem surgir devido a uma variedade de fatores, incluindo insegurança pessoal, experiências passadas de traição ou abandono, problemas de autoestima ou até mesmo problemas psicológicos subjacentes, como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC). No filme, ainda é ratificado pelos amigos de ambos, que os acompanham em viagem, um local lindo sim, mas a cada frame fica mais evidente tratar-se de uma compulsão do instinto de vida e morte, como diria Freud, cuja origem é essa busca de controle.
Assim, o roteiro se desenrola como se fosse várias esquetes permeada por planos mirabolantes, e sempre frustrados, óbvio. A desconfiança é mútua, mas o sentimento também, e essa dualidade é que dá um certo tempero ao filme, com os protagonistas realmente tendo bastante química, o que, para uma comédia romântica, é algo essencial.
É importante reconhecer que a paranoia de controle não é saudável em um relacionamento e pode levar a uma série de consequências negativas, incluindo ressentimento, conflitos constantes, isolamento social e até mesmo o término do relacionamento. É fundamental abordar esses problemas por meio da comunicação aberta, honesta e, em alguns casos, buscar ajuda profissional, como terapia de casal, para lidar com essas questões de maneira construtiva.
O dinheiro, por óbvio, é apenas uma metáfora para problematizar as relações conjugais, um meio lúdico pelo qual a trama se desenrola, já que, por mais que fiquem ricos, a necessidade de controle, de agradar o outro, é meio que ilimitado, e não depende do bem material. Uma comédia romântica que é uma versão polonesa do longa turco de 2019, este sim bem melhor, entretanto, aqui também é um filme acima da média e que garante uma boa diversão.
Começa com personagens bem interessantes, questionando certos padrões de relacionamentos amorosos às suas respectivas maneiras, dando destaque à liberdade individual, seja do ponto de vista feminino ou mais masculino (e pelo menos aqui o homem não é tratado como um idiota machista, embora o seja, sem ser bestializado). Mas acaba sendo mais um filme de romance mesmo, bobinho até.
Albert Einstein para leigos. Gosto de como o filme tem um roteiro enxuto, e de como faz uso de imagens reais especialmente da Alemanha: inicia com uma explicação básica de física e aos poucos vai ganhando contornos políticos. Há um excesso de didatismo aqui, inclusive uma representação meio grosseira de um Einstein palatável, mas talvez funcione melhor para fins pedagógicos.
Confesso que fui sem expectativa nenhuma, e por mais que esteja longe de ser um filme memorável, também não é ruim: tem um roteiro que, apesar das falhas e típicas concessões, é bem amarado, sabe o que quer. Os efeitos continuam tenebrosos, mas a história prende, há ali claros objetivos, personagens interessantes (apesar dos diálogos) e uma imersão condizente com o universo.
Não dá para esperar muita coisa de filmes de super heróis, salvo raras exceções. E o universo do Aranha ganhou novo fôlego recentemente coma ótima produção da animação do "Aranhaverso", que de fato continua sendo a melhor coisa feita sobre os heróis nos últimos anos. Assim, embora Madame Teia não consiga chegar no mesmo nível, gosto como tenta andar com as próprias pernas, sem surfar na onda do Peter Park, que aliás tem menção tímida aqui.
Assim, é um filme que explora o nascimento da personagem, sua relação com a mãe, pesquisadora de aranhas, e o filme já começa na amazônia peruana (retratada de forma arquétipa e preguiçosa, é verdade), mas ao menos a economia de detalhes serviu aqui para narrar a história de origem e também a motivação do vilão.
Dakota Johnson está até muito à vontade com o papel, assim como o vilão vivido por Tahar Rahim, que corre em perseguição às outras moças, já que elas lhe parecem em sonho, matando-o. É um filme de caça.
Eu confesso que gosto da movimentação de câmera, dá uma movimentada muito bacana, como na cena em que o vilão aranha entra na lanchonete em busca do quarteto feminino: os giros de 360º performando o olhar do aracnídeo da parede, e fora outras tantas movimentações, closes de cabeça pra baixo, etc.
Tudo isso, até certo ponto, parece artifício para enganar duas grandes deficiências do filme: as cenas de luta são poucas e nada inspiradas, e os diálogos... Bem, ao menos contiveram as piadinhas sem graça, mas esperava mais do trabalho dramático das meninas. Infelizmente, o filme peca na encenação, o drama e a tensão são muito pouco trabalhados, e aqui é problema dos diálogos, conforme dito, mas de direção também.
Quanto aos efeitos, é realmente decepcionante ver uma empresa desse calibre trabalhar tão mal as luzes, mas eu particularmente não me atento muito a isso. Há aqui uma linha de raciocínio ao menos, por mais facilidades que os personagens encontrem pelo caminho, é divertido ver as brincadeiras com o tempo e com as premonições, mesmo que tudo seja mal explicado, porém, as imagens dão conta de passar a sensação constante de dejavu da nossa protagonista, e com isso, o filme consegue na edição fazer bom uso do conceito imagético para tal.
Não é um filme ruim, as meninas tem carisma, por mais que a direção e os diálogos não as valorizem tanto assim. É um filme que não vi a hora passar, que é compreensível. Acredito sim que há um peso e duas medidas para filmes com protagonistas femininas, o que é uma pena.
Não só de boa caracterização vive uma boa biografia. Embora Kingsley Ben-Adir esteja bem à vontade no papel, com trejeitos que lembram bastante o astro do reggae, o roteiro de "Bob Marley: One Love" pode até ser conciso, mas ainda assim não deixou de ser episódico. Veja-se, por exemplo, o atentado. Lá pelas tantas, é completamente esquecível, não mais marcante. E assim o filme vai, explorando muito pouco do ícone.
Bob Marley, nascido Robert Nesta Marley em 6 de fevereiro de 1945, foi um icônico músico jamaicano, compositor e líder do movimento reggae. Ele é amplamente considerado um dos maiores artistas musicais de todos os tempos e um ícone cultural global. Gosto de como o filme o torna global e local ao mesmo tempo (por mais que muito me incomode o uso do filtro laranjado para representar tudo que está a baixo geograficamente dos EUA).
Marley nasceu em Nine Mile, uma pequena vila na paróquia de Saint Ann, Jamaica. Ele começou sua carreira musical na década de 1960, inicialmente com o grupo vocal The Wailers, que mais tarde evoluiu para Bob Marley & The Wailers. O filme, no entanto, não explora sua ascensão, e até certo ponto consegue se sair muito bem ao recortar a vida do cantor para quando já estava na iminência de um sucesso internacional com canções como "One Love", "No Woman, No Cry", "Redemption Song", "Stir It Up" e muitas outras, muito provocado pelo atentado que sofrera.
Talvez o filme não queira romantizar o evento, mas um acontecimento como esse merecia muito mais atenção e cuidado. Pessoas que foram atingidas (e aqui pessoas importantes para Bob) aprecem em cenas seguintes como se estivessem a se recuperar de uma gripe passageira.
Além de sua música influente, Marley também era conhecido por suas letras profundas que frequentemente abordavam questões sociais, políticas e espirituais, incluindo temas como a luta contra a opressão e a busca pela paz e pela igualdade. Sua música frequentemente transmitia uma mensagem de unidade, amor e esperança. Algo que me incomodou no filme também é que as tensões sociais e políticas do governo jamaicano foram tratados em manchetes e reportagens de TV, o que contribuiu para um clima muito menos tenso. É como se Bob apenas soubesse de algo, que teve impacto no atentado que sofrera sim, mas como ambos os acontecimentos são tratados com desleixo, tudo soa muito frio. E quando ele viaja, então, o clima fica pulverizado.
Bob Marley também foi um defensor do movimento rastafári, que incorpora elementos da cultura africana, e foi o que mais me agradou no longa. Menção a cortes de cabelo, à relação com as drogas, à liberdade, ao senso de comunidade, tudo é bem inserido, de forma meio espontânea e por isso o tom ficou super natural, sem aquele didatismo político característico.
Ainda assim, a obra é pouco inspirada, cabem às músicas transmitir alguma emoção genuína. É um filme bom, mas carece de uma paixão que o astro do reggae transbordava.
Filme completamente esquecível, que trata seu personagem como adolescente, fazendo com que todos ao seu redor tentem arrumar pretendentes para a moça, uma microempresária no ramo de chás. Aliás, ao mostrar parte dessa cultura chinesa, é o que mais me agrada, por mais que a distorção em se adaptar ao mercado possa gerar discussões sobre aculturação, ao menos é algo muito mais interessante de se discutir do que os romances bobos aqui apresentados.
É um filme surpreendentemente divertido de acompanhar, e com um desenvolvimento bem cadenciado (para uns, será naturalmente chato), mas com uma linha de raciocínio que sabe aonde quer chegar.
Ver uma comédia protagonizada por personagens já na terceira idade, fugindo daquele padrão típico de corpos jovens, e entregando atuações eficientes, comprova que precisamos nos atentar mais em narrar boas histórias com bons personagens do que direcionar a certo apelo físico e estético, rompendo padrões.
O maior trunfo do roteiro é ir desenvolvendo sem pressa seus personagens, dando conta de segurar o mistério que ronda o passado das personagens de Jane Fonda e de Lily Tomlin em relação ao Malcolm McDowell, um vilão bem interessante, por mais cínico e cruel que ele tenha sido, em certo diálogo é possível quase compreendê-lo. Ponto para o roteiro que soube trabalhar muito bem o lado humano dos personagens, abrindo mão daquela caricatura escrachada.
Com isso, temos um filme leve, que mantem o suspense e a diversão, e consegue tirar um genuíno sorriso a seu final, por mais que tenha uma moral discutível, mas a graça reside justamente aí.
O começo do filme é muito promissor, pois conta com uma edição muito esperta e piadas que são uma delícia, além da dedicação e sintonia incríveis do elenco, muito à vontade em seus papéis, lembrando uma versão mais antenada de trabalhos como "Se beber não case", dada a sintonia dos amigos.
Centrando na personagem de Gina Rodriguez, mas com todos tendo alguma relevância na história, os amigos são "jogadores" no sentido de sempre ajudarem-se mutuamente na arte da paquera, e realmente o prólogo funciona, pelo timing cômico e pela diversão em criar histórias para atrair seus parceiros em relacionamentos casuais.
Ocorre que estranha a condução da trama tão bem apresentada optar por desenvolver um romance meio bobo até, e pior ainda, com o plot sendo sentido desde muito cedo. Por mais à vontade que estejam os personagens em seus respectivos papéis, o roteiro joga no lixo o título sugerido para dar vazão a coisas como "ser autêntico" em relacionamentos.
No entanto, a edição continua muito boa, com closes certeiros e um timing que segura as pontas da história, por mais decepcionante que seja. Destaca-se também que todos os personagens tem seu desenvolvimento, mas justamente o terceiro elemento do triângulo amoroso é muito mal desenvolvido, e precisaria de um toque melhor para garantir a espinha dorsal do filme.
Acaba que é mais um filme bobinho de comédia romântica, o que é uma pena pelo desperdício do que poderia ser algo bem mais marcante.
Kristine Kujath Thorp dá a vida a uma moça super mediana, daquelas que não se destacam em nada se levarmos em conta parâmetros usados nas redes sociais e que nos é vendido como sinônimo de felicidade. Ao contrário, Signe é justamente uma mulher do seu tempo, vivendo a era do simulacro e adoecendo perante isso.
Incialmente, já vamos vendo o quadro depressivo, seja no olhar perdido ou no tédio daquela vida comum. Em seguida, vemos a personagem sempre tentando algo a mais, como um florescer, mas sem paixão ou brilho no olhar. E assim, quando surge a oportunidade de se medicar, numa clara alusão à automedicação, tão danosa em tempos de "Google", sequer sabemos quais suas verdadeiras intenções.
Aí o roteiro vai brincar com muitas situações típicas do século XXI: exposição da mídia, espetacularização dos corpos, estigma... E tudo isso é acompanhado por uma câmera que não poupa a protagonista dos mais variados efeitos colaterais, em especial na aparência. E quando ela passa a monetizar seu sofrimento, sabemos que nada é tão simples assim.
É estranho que, durante o filme, alguma sensação como "querer imitar" a protagonista em seu uso de medicamentos soe ao mesmo tempo estranho e louco como também muito crível. Afinal, fazer uso de drogas e entorpecentes nem é tão longe disso. É como se o mundo encontrasse um nicho para cada espetáculo.
Mas a condição de Signe vai muito além da aparência, passa a ter implicações psicológicas e físicas severas, a ponto de sofrer internação. E, nós, enquanto espectadores, somos jogados numa culpa interna entre desejar-lhe que a vida a retribua de alguma forma, talvez com mais curtidas ou com o sucesso repentino, quando na verdade ela propositadamente se coloca numa situação esdrúxula.
Claro que o roteiro é, até certo ponto, complacente com a situação, colocando no caminho dela momentos de alívio e de ganhos. Contudo, não atrapalha a experiência de vermos como somos monstros de nós mesmos, métricas de uma sociedade doente. Aliás, a sociedade em si é neutra, e se torna doente pelos indivíduos que a compõe. Belo tiro weberiano para uma composição foucaultiana e freudiana sobre a jovem reprimida que procura prazeres fortuitos, em dispositivos de poder que no fundo a massacram, e à custa deliberada de sua própria saúde.
Suncoast
3.3 13"Suncoast" trata sua protagonista adolescente com certo amoralismo muito bem vindo, tal qual no recente "How to have sex", mas aqui há outras camadas interessantes: sua relação com a mãe, com o irmão em estágio terminal, com um desconhecido que ela conhecera na frente do hospital, na escola cristã. Esse caldeirão muito bem feito, tem por trás a história real da diretora estreante Laura Chinn, e a julgar pela estreia, pode prometer muito no futuro.
Protagonizado pela excelente Nico Parker, gosto bastante como sua personagem inicialmente tímida vai desabrochando, embora sua personalidade mais recatada se mantem, e especialmente o contraponto com as meninas mais "descoladas" da escola, que lhe introduzem uma vida mais liberal, não se tornou uma cópia de algo visto em "Meninas malvadas", isto é, o roteiro inteligentemente não as rivaliza, embora tenha certas cenas de ciúme e competição típicos da adolescência mesmo.
Ainda acho que a situação na escola cristã foi mal desenvolvida, e a relação com a mãe, que dá mais atenção ao filho doente, também subiu o tom algumas vezes, mas ainda assim o filme graciosamente se livra de caricaturas e tenta humanizar aquela relação (o final do filme é exemplar).
Também achei que o personagem do Woody Harrelson tinha bem mais a contribuir, mas o lado bom é que tornou a situação bem crível. "Suncoast" é o hospital onde o irmão da garota está hospitalizado, e lá há uma campanha pra uma personagem internada lá, viralizando nas redes, com pessoas fazendo campanha por ela, e é maravilhosa a cena na escola que a jovem defende que não sabemos ao certo o que se passa, sendo meio descabido usar de discursos que não conhecem a realidade particular de cada pessoa, um tapa na cara de quem conhece apenas as manchetes das redes.
Com muita coisa acontecendo, o retrato é humano, mas também falta certa profundidade em alguns temas. Ainda assim, consegue passar uma mensagem poderosa sobre a dor da perda e o equilíbrio que devemos ter para seguir em frente, sobre aproveitar a vida, vivê-la intensamente, e ainda assim, ter cuidado com excessos, sem esquecer o que mais importa, essa ligação com o outro, com a mãe, com o irmão, com amigas, com um desconhecido... Filme lindo e muito sensível, e irá tocar mais ainda quem já teve uma perda repentina na vida.
A Queda
2.3 2 Assista AgoraPor mais estapafúrdias que sejam as situações, usando o acidente com o bebê como fio dramático, os personagens são carismáticos o suficientes para fazer rir. Assim, como comédia, me fez arrancar várias gargalhadas (mesmo com certas piadas, especialmente as escatológicas, que não funcionam). Achei que o roteiro se perdeu e não soube evoluir, mas ainda bem que isso ocorre só pelo final, não comprometendo a sessão como um todo.
Ferrari
3.3 94 Assista AgoraTirando a parte do acidente, que é realmente muito bem feita, e que passa todo o drama necessário (além do momento repentino), temos um filme que é basicamente uma novela sobre o triângulo amoroso do Enzo Ferrari, vivido por Adam Driver, e uma Penélope estridente por não ser aquela a quem vai lhe dar um herdeiro, embora goste de seus pulsos com os negócios, pioneiro à época, mas os textos estão completamente deprimentes.... Gran Turismo funciona melhor do que Ferrari em termos de corrida.
Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba - Para o Treinamento Hashira
3.4 18Um filme lindo tecnicamente, com cores que estão cada vez mais agradáveis, e uma estética cada vez mais acertada à proposta. Mas não entendi a opção do roteiro: um prólogo longo, como se fosse um filme à parte, e a segunda metade sendo basicamente um filme preparativo para um porvir, sem ao menos um ápice decente. Brochante.
O Menino e a Garça
4.0 217Hayao Miyazaki geralmente não erra, e temos aqui um filme tecnicamente lindo, com suas cores típicas, e aquela velha mensagem humana. Mas não tenho como deixar de notar que chega a ser redundante em sua filmografia: protagonista tentando se encontrar, relações familiares problemáticas, um lugar mais idílico como escape, personagens secundários estranhos e alguns fofos. Talvez a academia veja como homenagem mesmo. Mas embora tenha momentos criativos, a meu ver o roteiro não trás grandes novidades.
Zona de Risco
3.2 39 Assista AgoraGostei muito dessa patuscada, especialmente como trabalha o suspense, e olha que o lugar é bem aberto, mas mantem o clima claustrofóbico, por mais que tudo seja clichê aqui: um verdadeiro Rambo, o que foi bem forçado para um combatente inexperiente. Ao menos tá bem atuado e dirigido. O humor aqui funciona como contraponto a uma hierarquia militar acostumada com status: o desleixo é parte da humanidade que brota em ambientes hostis. Mas confesso que preferia um fim mais trágico, faltou coragem.
Monstro
4.3 272 Assista AgoraParticularmente, gostei muito da edição desta obra do Hirokazu Koreeda, há umas voltas interessantes para ver diferentes pontos de vista, e o filme não precisa alertar o espectador para isso (tem que ficar atento), mas tudo tem um porquê organicamente ao roteiro: a depender da perspectiva e das motivações de nossas ações, seremos vistos como monstros, ou não. É um trabalho estupendo de roteiro, sensível ao extremo e muito bem montado.
No entanto, creio que certas referências soaram meio soltas, meio como fragmentada. Por mais que os meninos tenham certa ligação e que o comportamento adulto esteja vigilante sobre eles, trabalhos como "Close" encenam bem melhor uma ligação, e, portanto, funcionam mais na emoção.
Mas é impossível não se deliciar com o filme, e as passagens tanto na escola quanto nos momentos mais íntimos dos jovens, em cenas externas, estão muito bem filmadas. Diria que tecnicamente é maravilhoso, faltando apenas certo apuro nos diálogos e talvez nas atuações, que achei aqui meio maniqueísta em certos momentos.
Ver a humanidade como possibilidade de afetos e desafetos, e vendo uma sociedade disciplinando corpos, causa certa repulsa. A pureza vai sendo, aos poucos, poluída pela cultura moralista, e a cena final deles desbravando a natureza mostra como, de forma genuína, estamos aptos para a felicidade, basta uma forma de escape. Lindo demais.
Fazendo Meu Filme
3.2 25 Assista AgoraO filme acerta bastante ao comparar a vida da adolescente com um roteiro de cinema, tipicamente trazendo ludicidade a uma vida comum, e ainda conta com uma arte visual interessante (a cena logo no início onde a personagem se vê em vários filmes). Mas por uma estranha razão essa ideia é abandonada, o filme se entrega para um romance clichê e sem sal, até, de forma meio oportunista, resgatar essa comparação com o cinema. Ou seja, só uma tentativa de goumertizar um conteúdo muito superficial e genérico mesmo.
Quando Você Terminar de Salvar o Mundo
3.1 28 Assista AgoraUm trabalho muito melhor da Moore do que "May December", mostrando-a num papel de uma mãe perdida em sua maternidade, ao mesmo tempo que tem veias controladoras, não consegue estabelecer um vínculo com o filho influencer adolescente.
Talvez seja o filme que mais me agradou recentemente em termo de representação da juventude, pintando-a ora como uma nova espécie de "alienados digitais" mas também retratando parte da juventude que vive no mundo da lua, que ainda carrega consigo sonhos revolucionários, mas sem parecer idiotas (por mais que, no fundo, sejam sim um pouco).
Assim, o filme abre margem para discutir a nossa capacidade de pensar o futuro entre sonho e realidade, de uma maneiro utópica ou mais imediatista. No final das contas, o garoto querendo monetizar uma canção política de sua garota está mais próximo de algo real do que todos, seja do rapaz que não sabe se quer ir para a faculdade, da garota ambientalista ou da mãe perdida. E ele também é um dos mais idiotas, o que é um paradoxo delicioso de acompanhar.
Certamente a sua musa inspiradora figuraria em uma bela estante decorativa no DCE de qualquer curso de esquerda, provando que parte dessa esquerda é muito melhor com diálogos do que com ações. Por outro lado, a mãe já deu a dica: "Estude, e tenha sua opinião". Racionalmente falando, podemos até criar nossos julgamentos, mas no que isso nos ajuda materialmente falando? E em nossas relações? Pois é, o buraco é bem mais embaixo
Assim, Moore tenta dosar sua personagem numa mãe que acaba projetando suas ambições para o filho de uma terceira, que não sabe lidar com uma geração que tem outros planos futuros e, ao mesmo tempo, de uma geração que sempre a obriga a se confrontar. Na verdade, essa fronteira geracional é cada vez mais tênua, e talvez a "Aldeia global" tenhamos forçado a uma convivência antes impensada.
Por mais que tudo isso seja evocado no filme, o roteiro em si é mais enxuto, e não trata tão bem certos personagens secundários, e claro, trará mensagem de redenção e otimismo, mesmo com certa ironia. Gostei, mas se fosse mais ácido talvez soasse bem melhor.
Carmen
2.8 4O Paul Mescal está muito sexy no papel de um militar simpático a imigrantes, mas o filme infelizmente não ajuda muito: tem uma fotografia encantadora especialmente quando filme o deserto e a cultura latina, mas cai num tom tão melancólico, depressivo, fazendo uso amplo de slow motion, que dá até sono em muitos momentos. Tudo isso numa tentativa de contornar um roteiro superficial. 20 minutos a menos cairia bem ao filme, quis se levar muito a sério.
Jogo Mortal
3.2 111 Assista AgoraQuando o estilo de Jordan Peele encontra um roteiro voltado ao público adolescente, portanto, muito mais didático, é filmado de forma bem à vontade, num casarão que lembra os acontecimentos de "Morte, morte, morte", temos "The blackening" como resultado imediato dessa linguagem da diversidade (especialmente étnica) que tomou conta em jargões e em pensamentos da cultura ocidental.
Assim, espero ver o elenco muito à vontade (ótimo trabalho da direção) disparando uma série de referências da cultura afro, com pitadas de humor e muita ironia (o que foi aquilo com "Friends"?). É realmente satisfatório ver um texto afiado, por mais direto e pedagógico que seja, mas aqui não incomoda em nada, já que o objetivo é esse e se enquadra perfeitamente à proposta.
Assim, o grupo de amigos que se reúne para uma noite de diversão, todos pretos, vão soltando pérolas no caminho e durante a noite, sem contar o prólogo interessante apresentando o "jogo" assustador do "Blackening", que consiste basicamente em um jogo mortal de perguntas e respostas testando o conhecimento geral da cultura preta.
Talvez o filme peque nos sustos, e confesso que aquela correria do terço final ficou muito aquém do subtexto que até então vinha se apresentando, mas por manter a ironia e com uma cena final hilária, achei que o filme foi amplamente satisfatório. Mesmo não funcionando como horror, funciona como "terrir" (terro + rir) e mostra que ainda há espaço para se trabalhar com diálogos mais interessantes nesse mundo de marasmos.
Filha do Prisioneiro
2.8 15 Assista AgoraPor mais boa intenção do roteiro em pintar um quadro de uma mãe solo (com o marido viciado sempre à espera, e um pai com tornozeleira eletrônica a passar os últimos dias de vida com a filha e o neto), e ainda fazendo da criança um rapaz esperto mas também sensível,grita uma sensação de atitudes meio robóticas, como se não passasse naturalidade. Esse esquematismo prejudica o envolvimento e a tensão, cuja última cena é exemplar: não há espaço aqui para multidimensionalidade, os personagens fazem aquilo que o roteiro convenientemente acha o melhor. As interpretações estão apenas ok, e o ritmo meio aborrecido, pelo menos, é quebrado por certas ações interessantes, por mais forçadas que sejam.
Em Algum Lugar do Queens
3.3 7 Assista AgoraEmbora o filme quase se perca numa série de temas emanados por aquela família, como a síndrome do ninho vazio e a projeção das expectativas dos pais no filho, bem como um romance que é mais realista do que a média vista nos filmes, com um casal bem simpático, gostei de como toda essa profusão de temas fez um mosaico humanizado daquela família, por mais que certas abordagens soassem superficiais. É um filme leve e despretensioso, uma família de classe média típica, e consegue passar sinceridade.
A Força da Amizade
0.8 1Quem é Padre Pio? Não sabemos. Filme raso e arrastado, com interpretações robóticas, sofríveis, e um texto pior ainda. Apela para momentos óbvios (cura do câncer?), mas não faz o básico, que é tentar nos fazer se importar com os personagens. Salva-se o carisma do elenco jovem, pena serem muito mal dirigidos, mesmo com a boa intenção por trás do roteiro.
Amor em Soweto
2.6 4 Assista AgoraUma bobagem sem tamanho, remake de um original que já era capenga. Ao tentar dar conta de várias histórias em paralelo, nenhum núcleo se salva aqui, nos fazendo acompanhar a saga dos irmãos de forma quase indiferente. Ao menos poderia ser engraçado, mas nem isso. Salvam-se as edições rápidas (casa com a proposta) e o design de produção, é um filme caprichoso nos detalhes e figurinos. Algumas atuações também funcionam.
Me Mate, Querido
2.2 18 Assista AgoraConcordo que há muito absurdo nas situações em que o casal se mete, como o fato de resgatarem o prêmio em dinheiro vivo ou de fazerem pouco caso da morbidez que é querer matar um cônjuge, mas o cerne da questão aqui é se deliciar com uma espécie de paranoia de controle entre casais, um fenômeno que ocorre quando um dos parceiros ou ambos desenvolvem sentimentos intensos de desconfiança e preocupação em relação às atividades e interações do outro, muito em voga em tempos onde as redes sociais nos entregam tudo personificado (cada pessoa tem um feed projetado pelo algoritmo), de modo que esperamos do outro um encaixe também muito controlado.
Esses comportamentos podem surgir devido a uma variedade de fatores, incluindo insegurança pessoal, experiências passadas de traição ou abandono, problemas de autoestima ou até mesmo problemas psicológicos subjacentes, como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC). No filme, ainda é ratificado pelos amigos de ambos, que os acompanham em viagem, um local lindo sim, mas a cada frame fica mais evidente tratar-se de uma compulsão do instinto de vida e morte, como diria Freud, cuja origem é essa busca de controle.
Assim, o roteiro se desenrola como se fosse várias esquetes permeada por planos mirabolantes, e sempre frustrados, óbvio. A desconfiança é mútua, mas o sentimento também, e essa dualidade é que dá um certo tempero ao filme, com os protagonistas realmente tendo bastante química, o que, para uma comédia romântica, é algo essencial.
É importante reconhecer que a paranoia de controle não é saudável em um relacionamento e pode levar a uma série de consequências negativas, incluindo ressentimento, conflitos constantes, isolamento social e até mesmo o término do relacionamento. É fundamental abordar esses problemas por meio da comunicação aberta, honesta e, em alguns casos, buscar ajuda profissional, como terapia de casal, para lidar com essas questões de maneira construtiva.
O dinheiro, por óbvio, é apenas uma metáfora para problematizar as relações conjugais, um meio lúdico pelo qual a trama se desenrola, já que, por mais que fiquem ricos, a necessidade de controle, de agradar o outro, é meio que ilimitado, e não depende do bem material. Uma comédia romântica que é uma versão polonesa do longa turco de 2019, este sim bem melhor, entretanto, aqui também é um filme acima da média e que garante uma boa diversão.
Agência do Amor
3.0 8 Assista AgoraComeça com personagens bem interessantes, questionando certos padrões de relacionamentos amorosos às suas respectivas maneiras, dando destaque à liberdade individual, seja do ponto de vista feminino ou mais masculino (e pelo menos aqui o homem não é tratado como um idiota machista, embora o seja, sem ser bestializado). Mas acaba sendo mais um filme de romance mesmo, bobinho até.
Einstein e a Bomba
3.2 14 Assista AgoraAlbert Einstein para leigos. Gosto de como o filme tem um roteiro enxuto, e de como faz uso de imagens reais especialmente da Alemanha: inicia com uma explicação básica de física e aos poucos vai ganhando contornos políticos. Há um excesso de didatismo aqui, inclusive uma representação meio grosseira de um Einstein palatável, mas talvez funcione melhor para fins pedagógicos.
Madame Teia
2.1 239 Assista AgoraConfesso que fui sem expectativa nenhuma, e por mais que esteja longe de ser um filme memorável, também não é ruim: tem um roteiro que, apesar das falhas e típicas concessões, é bem amarado, sabe o que quer. Os efeitos continuam tenebrosos, mas a história prende, há ali claros objetivos, personagens interessantes (apesar dos diálogos) e uma imersão condizente com o universo.
Não dá para esperar muita coisa de filmes de super heróis, salvo raras exceções. E o universo do Aranha ganhou novo fôlego recentemente coma ótima produção da animação do "Aranhaverso", que de fato continua sendo a melhor coisa feita sobre os heróis nos últimos anos. Assim, embora Madame Teia não consiga chegar no mesmo nível, gosto como tenta andar com as próprias pernas, sem surfar na onda do Peter Park, que aliás tem menção tímida aqui.
Assim, é um filme que explora o nascimento da personagem, sua relação com a mãe, pesquisadora de aranhas, e o filme já começa na amazônia peruana (retratada de forma arquétipa e preguiçosa, é verdade), mas ao menos a economia de detalhes serviu aqui para narrar a história de origem e também a motivação do vilão.
Dakota Johnson está até muito à vontade com o papel, assim como o vilão vivido por Tahar Rahim, que corre em perseguição às outras moças, já que elas lhe parecem em sonho, matando-o. É um filme de caça.
Eu confesso que gosto da movimentação de câmera, dá uma movimentada muito bacana, como na cena em que o vilão aranha entra na lanchonete em busca do quarteto feminino: os giros de 360º performando o olhar do aracnídeo da parede, e fora outras tantas movimentações, closes de cabeça pra baixo, etc.
Tudo isso, até certo ponto, parece artifício para enganar duas grandes deficiências do filme: as cenas de luta são poucas e nada inspiradas, e os diálogos... Bem, ao menos contiveram as piadinhas sem graça, mas esperava mais do trabalho dramático das meninas. Infelizmente, o filme peca na encenação, o drama e a tensão são muito pouco trabalhados, e aqui é problema dos diálogos, conforme dito, mas de direção também.
Quanto aos efeitos, é realmente decepcionante ver uma empresa desse calibre trabalhar tão mal as luzes, mas eu particularmente não me atento muito a isso. Há aqui uma linha de raciocínio ao menos, por mais facilidades que os personagens encontrem pelo caminho, é divertido ver as brincadeiras com o tempo e com as premonições, mesmo que tudo seja mal explicado, porém, as imagens dão conta de passar a sensação constante de dejavu da nossa protagonista, e com isso, o filme consegue na edição fazer bom uso do conceito imagético para tal.
Não é um filme ruim, as meninas tem carisma, por mais que a direção e os diálogos não as valorizem tanto assim. É um filme que não vi a hora passar, que é compreensível. Acredito sim que há um peso e duas medidas para filmes com protagonistas femininas, o que é uma pena.
Bob Marley: One Love
3.2 133Não só de boa caracterização vive uma boa biografia. Embora Kingsley Ben-Adir esteja bem à vontade no papel, com trejeitos que lembram bastante o astro do reggae, o roteiro de "Bob Marley: One Love" pode até ser conciso, mas ainda assim não deixou de ser episódico. Veja-se, por exemplo, o atentado. Lá pelas tantas, é completamente esquecível, não mais marcante. E assim o filme vai, explorando muito pouco do ícone.
Bob Marley, nascido Robert Nesta Marley em 6 de fevereiro de 1945, foi um icônico músico jamaicano, compositor e líder do movimento reggae. Ele é amplamente considerado um dos maiores artistas musicais de todos os tempos e um ícone cultural global. Gosto de como o filme o torna global e local ao mesmo tempo (por mais que muito me incomode o uso do filtro laranjado para representar tudo que está a baixo geograficamente dos EUA).
Marley nasceu em Nine Mile, uma pequena vila na paróquia de Saint Ann, Jamaica. Ele começou sua carreira musical na década de 1960, inicialmente com o grupo vocal The Wailers, que mais tarde evoluiu para Bob Marley & The Wailers. O filme, no entanto, não explora sua ascensão, e até certo ponto consegue se sair muito bem ao recortar a vida do cantor para quando já estava na iminência de um sucesso internacional com canções como "One Love", "No Woman, No Cry", "Redemption Song", "Stir It Up" e muitas outras, muito provocado pelo atentado que sofrera.
Talvez o filme não queira romantizar o evento, mas um acontecimento como esse merecia muito mais atenção e cuidado. Pessoas que foram atingidas (e aqui pessoas importantes para Bob) aprecem em cenas seguintes como se estivessem a se recuperar de uma gripe passageira.
Além de sua música influente, Marley também era conhecido por suas letras profundas que frequentemente abordavam questões sociais, políticas e espirituais, incluindo temas como a luta contra a opressão e a busca pela paz e pela igualdade. Sua música frequentemente transmitia uma mensagem de unidade, amor e esperança. Algo que me incomodou no filme também é que as tensões sociais e políticas do governo jamaicano foram tratados em manchetes e reportagens de TV, o que contribuiu para um clima muito menos tenso. É como se Bob apenas soubesse de algo, que teve impacto no atentado que sofrera sim, mas como ambos os acontecimentos são tratados com desleixo, tudo soa muito frio. E quando ele viaja, então, o clima fica pulverizado.
Bob Marley também foi um defensor do movimento rastafári, que incorpora elementos da cultura africana, e foi o que mais me agradou no longa. Menção a cortes de cabelo, à relação com as drogas, à liberdade, ao senso de comunidade, tudo é bem inserido, de forma meio espontânea e por isso o tom ficou super natural, sem aquele didatismo político característico.
Ainda assim, a obra é pouco inspirada, cabem às músicas transmitir alguma emoção genuína. É um filme bom, mas carece de uma paixão que o astro do reggae transbordava.
Cinco Chances Para Ser Feliz
2.6 13Filme completamente esquecível, que trata seu personagem como adolescente, fazendo com que todos ao seu redor tentem arrumar pretendentes para a moça, uma microempresária no ramo de chás. Aliás, ao mostrar parte dessa cultura chinesa, é o que mais me agrada, por mais que a distorção em se adaptar ao mercado possa gerar discussões sobre aculturação, ao menos é algo muito mais interessante de se discutir do que os romances bobos aqui apresentados.
Seguindo em Frente
3.1 11É um filme surpreendentemente divertido de acompanhar, e com um desenvolvimento bem cadenciado (para uns, será naturalmente chato), mas com uma linha de raciocínio que sabe aonde quer chegar.
Ver uma comédia protagonizada por personagens já na terceira idade, fugindo daquele padrão típico de corpos jovens, e entregando atuações eficientes, comprova que precisamos nos atentar mais em narrar boas histórias com bons personagens do que direcionar a certo apelo físico e estético, rompendo padrões.
O maior trunfo do roteiro é ir desenvolvendo sem pressa seus personagens, dando conta de segurar o mistério que ronda o passado das personagens de Jane Fonda e de Lily Tomlin em relação ao Malcolm McDowell, um vilão bem interessante, por mais cínico e cruel que ele tenha sido, em certo diálogo é possível quase compreendê-lo. Ponto para o roteiro que soube trabalhar muito bem o lado humano dos personagens, abrindo mão daquela caricatura escrachada.
Com isso, temos um filme leve, que mantem o suspense e a diversão, e consegue tirar um genuíno sorriso a seu final, por mais que tenha uma moral discutível, mas a graça reside justamente aí.
Jogos de Amor
2.9 47 Assista AgoraO começo do filme é muito promissor, pois conta com uma edição muito esperta e piadas que são uma delícia, além da dedicação e sintonia incríveis do elenco, muito à vontade em seus papéis, lembrando uma versão mais antenada de trabalhos como "Se beber não case", dada a sintonia dos amigos.
Centrando na personagem de Gina Rodriguez, mas com todos tendo alguma relevância na história, os amigos são "jogadores" no sentido de sempre ajudarem-se mutuamente na arte da paquera, e realmente o prólogo funciona, pelo timing cômico e pela diversão em criar histórias para atrair seus parceiros em relacionamentos casuais.
Ocorre que estranha a condução da trama tão bem apresentada optar por desenvolver um romance meio bobo até, e pior ainda, com o plot sendo sentido desde muito cedo. Por mais à vontade que estejam os personagens em seus respectivos papéis, o roteiro joga no lixo o título sugerido para dar vazão a coisas como "ser autêntico" em relacionamentos.
No entanto, a edição continua muito boa, com closes certeiros e um timing que segura as pontas da história, por mais decepcionante que seja. Destaca-se também que todos os personagens tem seu desenvolvimento, mas justamente o terceiro elemento do triângulo amoroso é muito mal desenvolvido, e precisaria de um toque melhor para garantir a espinha dorsal do filme.
Acaba que é mais um filme bobinho de comédia romântica, o que é uma pena pelo desperdício do que poderia ser algo bem mais marcante.
Doente de Mim Mesma
3.9 95 Assista AgoraKristine Kujath Thorp dá a vida a uma moça super mediana, daquelas que não se destacam em nada se levarmos em conta parâmetros usados nas redes sociais e que nos é vendido como sinônimo de felicidade. Ao contrário, Signe é justamente uma mulher do seu tempo, vivendo a era do simulacro e adoecendo perante isso.
Incialmente, já vamos vendo o quadro depressivo, seja no olhar perdido ou no tédio daquela vida comum. Em seguida, vemos a personagem sempre tentando algo a mais, como um florescer, mas sem paixão ou brilho no olhar. E assim, quando surge a oportunidade de se medicar, numa clara alusão à automedicação, tão danosa em tempos de "Google", sequer sabemos quais suas verdadeiras intenções.
Aí o roteiro vai brincar com muitas situações típicas do século XXI: exposição da mídia, espetacularização dos corpos, estigma... E tudo isso é acompanhado por uma câmera que não poupa a protagonista dos mais variados efeitos colaterais, em especial na aparência. E quando ela passa a monetizar seu sofrimento, sabemos que nada é tão simples assim.
É estranho que, durante o filme, alguma sensação como "querer imitar" a protagonista em seu uso de medicamentos soe ao mesmo tempo estranho e louco como também muito crível. Afinal, fazer uso de drogas e entorpecentes nem é tão longe disso. É como se o mundo encontrasse um nicho para cada espetáculo.
Mas a condição de Signe vai muito além da aparência, passa a ter implicações psicológicas e físicas severas, a ponto de sofrer internação. E, nós, enquanto espectadores, somos jogados numa culpa interna entre desejar-lhe que a vida a retribua de alguma forma, talvez com mais curtidas ou com o sucesso repentino, quando na verdade ela propositadamente se coloca numa situação esdrúxula.
Claro que o roteiro é, até certo ponto, complacente com a situação, colocando no caminho dela momentos de alívio e de ganhos. Contudo, não atrapalha a experiência de vermos como somos monstros de nós mesmos, métricas de uma sociedade doente. Aliás, a sociedade em si é neutra, e se torna doente pelos indivíduos que a compõe. Belo tiro weberiano para uma composição foucaultiana e freudiana sobre a jovem reprimida que procura prazeres fortuitos, em dispositivos de poder que no fundo a massacram, e à custa deliberada de sua própria saúde.