Coutinho foi um cineasta impessoal - e isso é ótimo.
Existe dentro da arte uma espécie de fetichismo do auto-retrato: a clássica reclamação de que "todos os protagonistas da literatura nacional contemporânea são escritores homens brancos de classe média-alta angustiados com a vida" é um icônico exemplo. E isso não é de hoje. Autores como Hemingway e Kerouac escreveram sobre si mesmos até se estafarem, e mesmo no cinema temos Fellini e Truffaut com seus filmes autobiográficos. Nichando mais um pouco, na esfera dos documentários nacionais temos projetos como o intimista "Elena" de Petra Costa. E nada disso é necessariamente ruim. Se citei todos esses artistas por nome, é porque tenho muito carinho por eles e admiro suas respectivas obras. Contudo, é possível notar certas similaridades temáticas, e as vezes isso acaba sendo inevitável. Coutinho, seguindo a contramão do hábito do artista de olhar para dentro de si, olhava para fora. A história de Eduardo Coutinho não interessava para Eduardo Coutinho. O que Coutinho queria, durante toda sua vida de repórter-transformado-em-cineasta, era ouvir a história dos outros. Seja a história de Elizabeth Teixeira - personagem central e cíclica na filmografia do cineasta - e dos trabalhadores rurais de uma cidade do interior, seja a história de diversas mulheres reunidas no teatro Glauce Rocha, seja a história trágica dos habitantes de Ouricuri perecendo diante da seca ou seja a história do colosso Edifício Master de Copacabana. Mesmo mostrando-se mais ativo e instigante em filmes como "Últimas Conversas" e "O Fim e o Princípio", uma característica perene na obra do documentarista foi sempre a de tentar manter-se neutro e objetivo. Coutinho sabia que todos os seus entrevistados tinham uma história para contar, e portanto os deixava falar. Algo que parece simples e obrigação básica de um entrevistador, porém mesmo assim costuma ser a falha primordial de muitos entrevistadores. Coutinho, não. Ele falava com todos de igual para igual. Seja uma dona de casa de meia idade, um homem analfabeto, uma criança, uma jovem universitária - todos para ele eram um. Não existia pedantismo e segregação no cinema de Eduardo Coutinho, para ele, todos possuíam a mesma voz. É por isso que ele foi um cineasta impessoal. Coutinho jamais pretendeu ser um "documentarista-celebridade" como Michael Moore, tanto que o filme onde mais aparece fisicamente é o "Últimas Conversas", do qual não foi responsável pela montagem. E esse cinema impessoal é maravilhoso, pois não é impessoal de um jeito frio e distante, mas de um jeito abrangente e polifônico. "Edifício Master" segue o mesmo formato de muitos documentários de Coutinho, com diversas pessoas que compartilham um mesmo ambiente sendo entrevistadas, porém com cada uma tendo um relato diferente, uma experiência de vida diferente; alguns relatos parecendo tão extraordinários que parecem oriundos da ficção. E para quem mora no Rio de Janeiro e possui uma vivência com a realidade local, chega a ser uma desconstrução, uma antítese da expectativa que se tem sobre o bairro de Copacabana, o que é sintetizado no relato de um dos moradores do Edifício Master que alega ser originário da Zona Norte da cidade e sofrer certo "preconceito" por parentes que acham que ele agora é rico e esnobe por estar morando na Zona Sul. Há quem diga que o projeto cinemanovista falhou, e que os integrantes desse movimento nada mais eram do que rapazes de classe média, intelectuais de esquerda, querendo expressar alguma consciência social, mas falhando em tentar emular a voz do pobre em um cinema que não apelava ao pobre da época. Talvez Eduardo Coutinho seja, objetivamente falando, o mais bem-sucedido subproduto do Cinema Novo brasileiro. Por mais que seu cinema não seja exatamente popular e nunca tenha tido a força de bilheteria, por exemplo, de uma comédia GloboFilmes, é impossível não se emocionar com os relatos contidos em filmes como Edifício Master, independente de raça, credo, sexualidade ou classe social. Eduardo Coutinho entendia o brasileiro como ninguém. Por mais cineastas como ele.
"It's too bad she won't live! But then again, who does?" (Re)assistido na versão "The Final Cut".
35 anos depois de seu lançamento original (e após uma série de mudanças feitas ao longo dos anos em um esforço de superar mutilações do estúdio), a obra prima de Ridley Scott permanece sendo um dos melhores filmes que eu já assisti. Dos visuais feitos com um orçamento escaço - Blade Runner é considerado a última produção de ficção científica feita de modo "totalmente analógico", sem efeitos digitais - à trilha sonora onírica, todos os elementos utilizados para a construção da atmosfera fazem o espectador embarcar sem questionamentos no mundo distópico da Los Angeles de 2019 - mesmo tal espectador estando em 2017. Há quem diga que Blade Runner é um filme lento, que seu ritmo se arrasta de modo proposital, e que isso é parte da atmosfera reflexiva de film noir que a produção almeja recriar. Disso, eu discordo. Em minha opinião, Blade Runner flui muito bem, fazendo com que as 2 horas de projeção da versão Final Cut passem mais rápido do que muitos filmes de 1hr40 que são lançados hoje em dia. O melhor filme de Harrison Ford - mesmo Star Wars tendo um lugar especial em meu coração infantil. Edward James Olmos também esculacha. Seu personagem provavelmente é o meu favorito do filme. Tudo é arquitetado de forma tão magistral que uma continuação definitivamente não era necessária (apesar de "Blade Runner 2049", no fim das contas, ter me agradado). Eis aqui um filme para se rever de tempos em tempos, e ser redescoberto e apreciado em cada assistida.
Em "Dickens, Griffith, and film today", Sergei Eisenstei mostra-se um dos poucos cineastas da primeira metade do século XX que não se curva diante de Griffith por seus méritos técnicos, limitando-se a definir O Nascimento de uma Nação como um "monumento de celulóide à Ku Klux Klan". E, ao fim do dia, é isso o que o filme é. Qualquer um que tenha o mínimo de leitura na área de cinema sabe a importância técnica do filme. Isso é informação básica no assunto. O mundo já está suficientemente cheio de gente que passa pano pras abominações racistas - que podem ser vistas como anacrônicas mesmo para um filme do começo do século XX - proferidas por O Nascimento de uma Nação. Não há um personagem negro nesse filme que não seja bestializado, tratado como uma aberração da natureza, um monstro. Mesmo os personagens "mulatos", como são descritos pelos interlúdios do filme, agem de forma cartunesca, desprezível, que cruza todos os limites do bom senso no que diz respeito a esteriótipos ofensivos e absurdos. Não preciso nem falar do blackface. A agenda do filme de martirizar a KKK através de um grosseiro revisionismo histórico é absolutamente desprezível e deve ser repudiada. 2,5 estrelas pelas inovações técnicas e pelos valores de produção realmente impressionantes para um filme da virada do século. -2,5 estrelas por... bem, todo o resto.
Ah, cara, o Scorsese não sabe ser humilde. O cara faz um filme de 2hrs30 que não tem problemas de ritmo em um só segundo e é impressionante da primeira até a última sequência. Chega a ser uma competição desleal pra qualquer outro diretor vivo no cinema estadunidense.
"If I was a woodcutter, I'd cut. If I was a fire, I'd burn. But I'm a heart and I love. That's the only thing I can do."
O romance "A Última Tentação" de Nikos Kazantzákis é, sem exagero, um dos melhores livros que já li na minha vida. E o quão gratificante é ver ninguém menos do que Martin Scorsese nos presenteando com filme que não apenas é uma digníssima adaptação, como também uma obra de arte a parte. Sem considerar o quão fiel a história é aos relatos bíblicos originais - e o filme, como notificado logo nos letreiros iniciais, em momento algum se propõe ser uma transcrição dos Evangelhos - é possível dizer que temos aqui uma belíssima jornada de conflito espiritual. Willem Defoe é o Jesus definitivo do cinema. E o quão estranho é afirmar isso, hm?
É estranho ver os primeiros filmes do velho Scorsa e perceber que ele também já foi um cineasta iniciante. Esse filme aqui possui algumas coisas que fazem a gente lembrar disso. A direção em certas cenas de ação / tiros pode parecer meio confusa e remetente de um filme de terror trash.
Como por exemplo, a queda do avião no início e os tiros de escopeta no final.
Também é estranho pensar que Roger Corman já foi um nome maior que Martin Scorsese. Quer dizer, um filme do Scorsese produzido pelo Roger Corman. Quem diria, hm? Enfim, como um todo, Boxcar Bertha (ou "Sexy e Marginal", um título nacional muito mais Tela Quente) é um filme de época aventuresco com partes divertidas, estilo Butch Cassady. Seu "ragtag bunch of misfits" funciona bem e Barbara Hershey está apaixonante. Ou talvez eu que caia muito fácil por olhos e cabelos castanhos e um belo sotaque sulista.
Mas eu achei a crucificação no final um pouco demais. Quer dizer, eu sei que você gosta de simbolismo católico, Scorsese, mas Jesus, não precisa ir longe assim.
“All over America highschool and college kids are thinking 'Jack Kerouac is 26 years old and on the road all the time hitch hiking', while there I am almost 40 years old, bored and jaded”
A adaptação cinematográfica de Big Sur acerta em capturar a atmosfera melancólica e por vezes solitária do livro, e nos brinda com imagens visualmente estonteantes, uma estética agradável e com monólogos e diálogos retirados de forma quase integral do livro. Contudo, falha em mostrar com maior profundidade os personagens icônicos da geração beat, tão bem explorados no universo literário de Kerouac e companhia. Como um filme, pode ser considerado como ligeiramente inconsistente.
Em diversos momentos me peguei pensando em pausar e rever o original. Pelo menos o fator "nostalgia" funcionou, mas não da forma que deveria, eu acho. Em geral é bem fraquinho, atores qualquer coisa fazendo o Riff Raff, a Columbia e a Magenta. Fiquei com pena do coitado do Tim Curry caiu nessa de fazer o Criminologista. Três estrelas pelo instrumental criativo e gostoso de se ouvir em algumas músicas e sobretudo pela Laverne Cox, pelo Adam Lambert pela Victoria Justice, as únicas pessoas que pareciam estar fazendo algum esforço pra tornar esse filme minimamente interessante (Por mais que a performance contida da Laverne Cox deixe a desejar, sobretudo quando comparada à versão esbaforida, intensa e carismática de Frank-N-Furter vivida por Tim Curry no original).
Aspectos técnicos impecáveis - o cinema nacional, tecnicamente, está avançando muito rápido, e isso é bom. Contudo, a história se perde - o filme tenta abocanhar uma gama de assuntos seríssimos e o faz de modo superficial e problemático.
Quando se fala de Nelson Rodrigues no cinema, geralmente são lembrados títulos como "Os Sete Gatinhos", de 1980, ou "Bonitinha mas Ordinária (Ou: Otto Lara Rezende)", de 1981. Pornochanchadas análogas povoam o imaginário brasileiro, porém seria injusto dizer que estão à altura da obra rodrigueana original. "Boca de Ouro", ao contrário, é um filme digníssimo. Adaptado de modo fiel do texto original e com Jece Valadão (como faz falta no cinema nacional o Jece Valadão) brilhando no papel principal, o filme é um acerto de Nelson Pereira dos Santos, que consegue adaptar com maestria o caráter narrativo fragmentado e onírico que "Boca de Ouro", bem como outras peças rodrigueanas como "Vestido de Noiva", possui.
Os filmes estadunidenses dos anos 80 tem uma estética muito própria que praticamente grita "ANOS 80!" na cara do espectador, seja a bola da vez uma comédia de John Hughes ou um terror baseado na obra de Stephen King. As atuações não são lá das melhores, e acho que é indiscutível que a coisa mais icônica nesse filme é a música dos Ramones que só aparece nos créditos finais. Apesar disso, ainda assim é um bom entretenimento, com o gore costumeiro do terror oitentista e uma história razoavelmente interessante.
"Amar é ser fiel a quem nos trai." - Nelson Rodrigues
"The Room", o Cidadão Kane do século XXI - escrito, dirigido, produzido e estrelado pelo excêntrico polímata Tommy Wiseau - é talvez a melhor representação possível de uma tragédia shakespeariana pós-moderna. O protagonista Johnny (Wiseau) é, como Júlio César, traído por todos com quem convive. A relação freudiana e perturbadora com o jovem Danny (com um claro subtexto da "Carta ao Pai" kafkiana), a suposta amizade com Mark (análogo nesse filme à figura milenar do falso amigo, como Rosencrantz e Guildenstern em Hamlet) e, acima de tudo, seu relacionamento conturbado com Lisa (figura central na seara da traição) são fatores claramente fatais à percepção de mundo do personagem principal, que externa de forma desesperada sua angústia satreana através de ações que aparentemente não fazem sentido algum, além de risos desconfortáveis que podem ser interpretados como, na verdade, gritos de socorro. Possivelmente um bibliófilo, Wiseau não esconde a influência de Machado, Shakespeare, Nelson Rodrigues, Balzac e Victor Hugo em sua magnum opus que certamente é um dos filmes mais importantes, e influentes, da história do cinema.
Mantém os problemas do primeiro filme, incluindo o sexismo grosseiro, e desperdiça atores do calibre de Jeff Bridges, Halle Berry e Juliane Moore em performances contidas que ocupam pouco tempo em tela. Dito isso, tem como pontos positivos a expansão da mitologia do universo apresentado no primeiro filme, desenvolve (um pouco) os personagens principais e tem as cenas de ação dinâmicas como o principal forte, bem como o primeiro filme.
Vladimir Brichta e Leandra Leal brilham nessa história que dá um novo respiro às biopics nacionais, geralmente focadas em cantores e estruturadas de forma previsível e monótona. "Bingo" não apenas é um grande filme do cinema nacional, mas um grande filme e ponto. Podendo ser classificada como "um filme do Scorsese com palhaços" - uma história de ascensão e queda recheada de palavrões, drogas e uma belíssima cinematografia - a produção é um acerto do diretor iniciante Daniel Rezende, consagrado como um experiente montador. Tudo - o roteiro bem amarrado, o carisma de Brichta como Augusto Mendes e como o palhaço Bingo, a direção de fotografia estonteante, a paleta de cores, a montagem, a escolha da trilha sonora e a direção - trazem um nível de qualidade técnica excelente para "Bingo", que ficcionaliza uma conhecida história real de modo vibrante que conquista o espectador.
Ao mesmo tempo que é preciso ter estômago para lidar com o pior do que a televisão brasileira pode oferecer, a grotesca programação das emissoras abertas prende o espectador, por mais que ele saiba o quão idiota, fútil, sensacionalista e nauseante ela é. O amálgama bizarro de Coutinho é composto por imagens que, por mais execráveis que sejam, acolhem o brasileiro como um velho amigo.
Filme de espionagem decente. Essa moda de filmes com trilha sonora retrô vem sendo regra em praticamente todos os filmes comerciais dos últimos 2, 3 anos, dos melhores aos piores (Esquadrão Suicida, quem lembra?), e "Atômica" é um dos poucos desde então que conseguiu fazer isso de modo que não parece gratuito e feito apenas pra seguir tendência. Talvez por causa da música aparecendo em cada nova cena do filme, em alguns momentos ele pareça um videoclipe. Aparentemente ele é baseado em uma graphic novel, o que pode ser uma justificativa para o esmero que a equipe técnica da produção parece ter com a estética (direção de arte, de fotografia, coreografia das cenas de ação, figurino...) que contribui com essa aparência de videoclipe. Isso não é necessariamente ruim, apesar de fazer "Atômica" ter cara de que aspira ser um "filme de arte", o que definitivamente não é - e não há nada errado em ser um filme de ação comercial. Mesmo sendo um thriller de ação e espionagem comercial, a história felizmente não cai na mesmice, apesar de não ser exatamente inovadora ou mindblowing. Charlize e McAvoy estão muito bem. Os letreiros de indicação temporal e localização são ligeiramente supérfluos. Superou minhas expectativas, que honestamente não eram muito altas.
Gostei bastante da construção de personagem do protagonista. Manchester à Beira Mar é um bom filme para fazer o contraponto entre cinema e literatura, ao meu ver, justamente por esse aspecto. O filme começa com um ritmo lento enquanto acompanhamos a apresentação do protagonista, podendo parecer até mesmo cansativo. Em momentos, me peguei pensando o porquê de Casey Affleck ter ganhado Oscar de melhor ator, visto que sua atuação me parecia apática e engessada. Porém, com o desenrolar do filme, me veio a reflexão de que essa era justamente a intenção. É um personagem difícil pro espectador, mas que ainda assim me lembra personagens que protagonizam livros que me são estimados como favoritos, como o Memórias do Subsolo de Dostóievski, O Apanhador no Campo de Centeio e O Estrangeiro. A diferença e que na literatura o personagem se constrói de dentro pra fora, enquanto no cinema, de fora pra dentro. O cinema é uma arte essencialmente pictórica, uma arte do movimento. O roteiro existe e pode ser lido, mas no fim das contas, para o espectador, o que realmente importa é o que aparece em tela. E o trabalho conjunto de direção, direção de ator, roteiro e atuação ajudaram na construção desse personagem complexo que nos é tão próximo da realidade.
Edifício Master
4.3 372 Assista AgoraCoutinho foi um cineasta impessoal - e isso é ótimo.
Existe dentro da arte uma espécie de fetichismo do auto-retrato: a clássica reclamação de que "todos os protagonistas da literatura nacional contemporânea são escritores homens brancos de classe média-alta angustiados com a vida" é um icônico exemplo. E isso não é de hoje. Autores como Hemingway e Kerouac escreveram sobre si mesmos até se estafarem, e mesmo no cinema temos Fellini e Truffaut com seus filmes autobiográficos. Nichando mais um pouco, na esfera dos documentários nacionais temos projetos como o intimista "Elena" de Petra Costa. E nada disso é necessariamente ruim. Se citei todos esses artistas por nome, é porque tenho muito carinho por eles e admiro suas respectivas obras. Contudo, é possível notar certas similaridades temáticas, e as vezes isso acaba sendo inevitável.
Coutinho, seguindo a contramão do hábito do artista de olhar para dentro de si, olhava para fora. A história de Eduardo Coutinho não interessava para Eduardo Coutinho. O que Coutinho queria, durante toda sua vida de repórter-transformado-em-cineasta, era ouvir a história dos outros. Seja a história de Elizabeth Teixeira - personagem central e cíclica na filmografia do cineasta - e dos trabalhadores rurais de uma cidade do interior, seja a história de diversas mulheres reunidas no teatro Glauce Rocha, seja a história trágica dos habitantes de Ouricuri perecendo diante da seca ou seja a história do colosso Edifício Master de Copacabana.
Mesmo mostrando-se mais ativo e instigante em filmes como "Últimas Conversas" e "O Fim e o Princípio", uma característica perene na obra do documentarista foi sempre a de tentar manter-se neutro e objetivo. Coutinho sabia que todos os seus entrevistados tinham uma história para contar, e portanto os deixava falar. Algo que parece simples e obrigação básica de um entrevistador, porém mesmo assim costuma ser a falha primordial de muitos entrevistadores. Coutinho, não. Ele falava com todos de igual para igual. Seja uma dona de casa de meia idade, um homem analfabeto, uma criança, uma jovem universitária - todos para ele eram um. Não existia pedantismo e segregação no cinema de Eduardo Coutinho, para ele, todos possuíam a mesma voz.
É por isso que ele foi um cineasta impessoal. Coutinho jamais pretendeu ser um "documentarista-celebridade" como Michael Moore, tanto que o filme onde mais aparece fisicamente é o "Últimas Conversas", do qual não foi responsável pela montagem. E esse cinema impessoal é maravilhoso, pois não é impessoal de um jeito frio e distante, mas de um jeito abrangente e polifônico.
"Edifício Master" segue o mesmo formato de muitos documentários de Coutinho, com diversas pessoas que compartilham um mesmo ambiente sendo entrevistadas, porém com cada uma tendo um relato diferente, uma experiência de vida diferente; alguns relatos parecendo tão extraordinários que parecem oriundos da ficção. E para quem mora no Rio de Janeiro e possui uma vivência com a realidade local, chega a ser uma desconstrução, uma antítese da expectativa que se tem sobre o bairro de Copacabana, o que é sintetizado no relato de um dos moradores do Edifício Master que alega ser originário da Zona Norte da cidade e sofrer certo "preconceito" por parentes que acham que ele agora é rico e esnobe por estar morando na Zona Sul.
Há quem diga que o projeto cinemanovista falhou, e que os integrantes desse movimento nada mais eram do que rapazes de classe média, intelectuais de esquerda, querendo expressar alguma consciência social, mas falhando em tentar emular a voz do pobre em um cinema que não apelava ao pobre da época. Talvez Eduardo Coutinho seja, objetivamente falando, o mais bem-sucedido subproduto do Cinema Novo brasileiro. Por mais que seu cinema não seja exatamente popular e nunca tenha tido a força de bilheteria, por exemplo, de uma comédia GloboFilmes, é impossível não se emocionar com os relatos contidos em filmes como Edifício Master, independente de raça, credo, sexualidade ou classe social. Eduardo Coutinho entendia o brasileiro como ninguém. Por mais cineastas como ele.
O Último Cine Drive-in
3.5 69Bem sucedido em sua simplicidade.
Blade Runner: O Caçador de Andróides
4.1 1,6K Assista Agora"It's too bad she won't live! But then again, who does?"
(Re)assistido na versão "The Final Cut".
35 anos depois de seu lançamento original (e após uma série de mudanças feitas ao longo dos anos em um esforço de superar mutilações do estúdio), a obra prima de Ridley Scott permanece sendo um dos melhores filmes que eu já assisti. Dos visuais feitos com um orçamento escaço - Blade Runner é considerado a última produção de ficção científica feita de modo "totalmente analógico", sem efeitos digitais - à trilha sonora onírica, todos os elementos utilizados para a construção da atmosfera fazem o espectador embarcar sem questionamentos no mundo distópico da Los Angeles de 2019 - mesmo tal espectador estando em 2017.
Há quem diga que Blade Runner é um filme lento, que seu ritmo se arrasta de modo proposital, e que isso é parte da atmosfera reflexiva de film noir que a produção almeja recriar. Disso, eu discordo. Em minha opinião, Blade Runner flui muito bem, fazendo com que as 2 horas de projeção da versão Final Cut passem mais rápido do que muitos filmes de 1hr40 que são lançados hoje em dia.
O melhor filme de Harrison Ford - mesmo Star Wars tendo um lugar especial em meu coração infantil.
Edward James Olmos também esculacha. Seu personagem provavelmente é o meu favorito do filme.
Tudo é arquitetado de forma tão magistral que uma continuação definitivamente não era necessária (apesar de "Blade Runner 2049", no fim das contas, ter me agradado). Eis aqui um filme para se rever de tempos em tempos, e ser redescoberto e apreciado em cada assistida.
O Nascimento de uma Nação
3.0 230Em "Dickens, Griffith, and film today", Sergei Eisenstei mostra-se um dos poucos cineastas da primeira metade do século XX que não se curva diante de Griffith por seus méritos técnicos, limitando-se a definir O Nascimento de uma Nação como um "monumento de celulóide à Ku Klux Klan". E, ao fim do dia, é isso o que o filme é.
Qualquer um que tenha o mínimo de leitura na área de cinema sabe a importância técnica do filme. Isso é informação básica no assunto. O mundo já está suficientemente cheio de gente que passa pano pras abominações racistas - que podem ser vistas como anacrônicas mesmo para um filme do começo do século XX - proferidas por O Nascimento de uma Nação. Não há um personagem negro nesse filme que não seja bestializado, tratado como uma aberração da natureza, um monstro. Mesmo os personagens "mulatos", como são descritos pelos interlúdios do filme, agem de forma cartunesca, desprezível, que cruza todos os limites do bom senso no que diz respeito a esteriótipos ofensivos e absurdos. Não preciso nem falar do blackface.
A agenda do filme de martirizar a KKK através de um grosseiro revisionismo histórico é absolutamente desprezível e deve ser repudiada.
2,5 estrelas pelas inovações técnicas e pelos valores de produção realmente impressionantes para um filme da virada do século. -2,5 estrelas por... bem, todo o resto.
Os Infiltrados
4.2 1,7K Assista AgoraAh, cara, o Scorsese não sabe ser humilde. O cara faz um filme de 2hrs30 que não tem problemas de ritmo em um só segundo e é impressionante da primeira até a última sequência. Chega a ser uma competição desleal pra qualquer outro diretor vivo no cinema estadunidense.
A Última Tentação de Cristo
4.0 296 Assista Agora"If I was a woodcutter, I'd cut. If I was a fire, I'd burn. But I'm a heart and I love. That's the only thing I can do."
O romance "A Última Tentação" de Nikos Kazantzákis é, sem exagero, um dos melhores livros que já li na minha vida. E o quão gratificante é ver ninguém menos do que Martin Scorsese nos presenteando com filme que não apenas é uma digníssima adaptação, como também uma obra de arte a parte.
Sem considerar o quão fiel a história é aos relatos bíblicos originais - e o filme, como notificado logo nos letreiros iniciais, em momento algum se propõe ser uma transcrição dos Evangelhos - é possível dizer que temos aqui uma belíssima jornada de conflito espiritual.
Willem Defoe é o Jesus definitivo do cinema. E o quão estranho é afirmar isso, hm?
Sexy e Marginal
3.1 52 Assista AgoraÉ estranho ver os primeiros filmes do velho Scorsa e perceber que ele também já foi um cineasta iniciante. Esse filme aqui possui algumas coisas que fazem a gente lembrar disso. A direção em certas cenas de ação / tiros pode parecer meio confusa e remetente de um filme de terror trash.
Como por exemplo, a queda do avião no início e os tiros de escopeta no final.
Também é estranho pensar que Roger Corman já foi um nome maior que Martin Scorsese. Quer dizer, um filme do Scorsese produzido pelo Roger Corman. Quem diria, hm?
Enfim, como um todo, Boxcar Bertha (ou "Sexy e Marginal", um título nacional muito mais Tela Quente) é um filme de época aventuresco com partes divertidas, estilo Butch Cassady. Seu "ragtag bunch of misfits" funciona bem e Barbara Hershey está apaixonante. Ou talvez eu que caia muito fácil por olhos e cabelos castanhos e um belo sotaque sulista.
Mas eu achei a crucificação no final um pouco demais. Quer dizer, eu sei que você gosta de simbolismo católico, Scorsese, mas Jesus, não precisa ir longe assim.
Big Sur
3.3 22“All over America highschool and college kids are thinking 'Jack Kerouac is 26 years old and on the road all the time hitch hiking', while there I am almost 40 years old, bored and jaded”
A adaptação cinematográfica de Big Sur acerta em capturar a atmosfera melancólica e por vezes solitária do livro, e nos brinda com imagens visualmente estonteantes, uma estética agradável e com monólogos e diálogos retirados de forma quase integral do livro. Contudo, falha em mostrar com maior profundidade os personagens icônicos da geração beat, tão bem explorados no universo literário de Kerouac e companhia. Como um filme, pode ser considerado como ligeiramente inconsistente.
A Babá
3.1 960 Assista AgoraEu tive exatamente o que eu esperava.
The Rocky Horror Picture Show: Let's Do the Time Warp …
2.8 86Em diversos momentos me peguei pensando em pausar e rever o original. Pelo menos o fator "nostalgia" funcionou, mas não da forma que deveria, eu acho. Em geral é bem fraquinho, atores qualquer coisa fazendo o Riff Raff, a Columbia e a Magenta. Fiquei com pena do coitado do Tim Curry caiu nessa de fazer o Criminologista. Três estrelas pelo instrumental criativo e gostoso de se ouvir em algumas músicas e sobretudo pela Laverne Cox, pelo Adam Lambert pela Victoria Justice, as únicas pessoas que pareciam estar fazendo algum esforço pra tornar esse filme minimamente interessante (Por mais que a performance contida da Laverne Cox deixe a desejar, sobretudo quando comparada à versão esbaforida, intensa e carismática de Frank-N-Furter vivida por Tim Curry no original).
Alguma Coisa Assim
3.1 47 Assista AgoraAspectos técnicos impecáveis - o cinema nacional, tecnicamente, está avançando muito rápido, e isso é bom. Contudo, a história se perde - o filme tenta abocanhar uma gama de assuntos seríssimos e o faz de modo superficial e problemático.
Boca de Ouro
3.7 34Quando se fala de Nelson Rodrigues no cinema, geralmente são lembrados títulos como "Os Sete Gatinhos", de 1980, ou "Bonitinha mas Ordinária (Ou: Otto Lara Rezende)", de 1981. Pornochanchadas análogas povoam o imaginário brasileiro, porém seria injusto dizer que estão à altura da obra rodrigueana original. "Boca de Ouro", ao contrário, é um filme digníssimo. Adaptado de modo fiel do texto original e com Jece Valadão (como faz falta no cinema nacional o Jece Valadão) brilhando no papel principal, o filme é um acerto de Nelson Pereira dos Santos, que consegue adaptar com maestria o caráter narrativo fragmentado e onírico que "Boca de Ouro", bem como outras peças rodrigueanas como "Vestido de Noiva", possui.
Blade Runner 2049
4.0 1,7K Assista AgoraEra tão fácil errar ao fazer uma continuação de Blade Runner. Por sorte, essa saiu do melhor jeito possível.
Cemitério Maldito
3.7 1,1K Assista AgoraOs filmes estadunidenses dos anos 80 tem uma estética muito própria que praticamente grita "ANOS 80!" na cara do espectador, seja a bola da vez uma comédia de John Hughes ou um terror baseado na obra de Stephen King. As atuações não são lá das melhores, e acho que é indiscutível que a coisa mais icônica nesse filme é a música dos Ramones que só aparece nos créditos finais. Apesar disso, ainda assim é um bom entretenimento, com o gore costumeiro do terror oitentista e uma história razoavelmente interessante.
The Room
2.3 492"Amar é ser fiel a quem nos trai."
- Nelson Rodrigues
"The Room", o Cidadão Kane do século XXI - escrito, dirigido, produzido e estrelado pelo excêntrico polímata Tommy Wiseau - é talvez a melhor representação possível de uma tragédia shakespeariana pós-moderna.
O protagonista Johnny (Wiseau) é, como Júlio César, traído por todos com quem convive. A relação freudiana e perturbadora com o jovem Danny (com um claro subtexto da "Carta ao Pai" kafkiana), a suposta amizade com Mark (análogo nesse filme à figura milenar do falso amigo, como Rosencrantz e Guildenstern em Hamlet) e, acima de tudo, seu relacionamento conturbado com Lisa (figura central na seara da traição) são fatores claramente fatais à percepção de mundo do personagem principal, que externa de forma desesperada sua angústia satreana através de ações que aparentemente não fazem sentido algum, além de risos desconfortáveis que podem ser interpretados como, na verdade, gritos de socorro.
Possivelmente um bibliófilo, Wiseau não esconde a influência de Machado, Shakespeare, Nelson Rodrigues, Balzac e Victor Hugo em sua magnum opus que certamente é um dos filmes mais importantes, e influentes, da história do cinema.
Kingsman: O Círculo Dourado
3.5 885 Assista AgoraMantém os problemas do primeiro filme, incluindo o sexismo grosseiro, e desperdiça atores do calibre de Jeff Bridges, Halle Berry e Juliane Moore em performances contidas que ocupam pouco tempo em tela. Dito isso, tem como pontos positivos a expansão da mitologia do universo apresentado no primeiro filme, desenvolve (um pouco) os personagens principais e tem as cenas de ação dinâmicas como o principal forte, bem como o primeiro filme.
Terra Estrangeira
4.1 182 Assista AgoraUma das obras primas esquecidas do cinema nacional.
Bingo - O Rei das Manhãs
4.1 1,1K Assista AgoraVladimir Brichta e Leandra Leal brilham nessa história que dá um novo respiro às biopics nacionais, geralmente focadas em cantores e estruturadas de forma previsível e monótona. "Bingo" não apenas é um grande filme do cinema nacional, mas um grande filme e ponto. Podendo ser classificada como "um filme do Scorsese com palhaços" - uma história de ascensão e queda recheada de palavrões, drogas e uma belíssima cinematografia - a produção é um acerto do diretor iniciante Daniel Rezende, consagrado como um experiente montador. Tudo - o roteiro bem amarrado, o carisma de Brichta como Augusto Mendes e como o palhaço Bingo, a direção de fotografia estonteante, a paleta de cores, a montagem, a escolha da trilha sonora e a direção - trazem um nível de qualidade técnica excelente para "Bingo", que ficcionaliza uma conhecida história real de modo vibrante que conquista o espectador.
Um Dia na Vida
4.1 72Ao mesmo tempo que é preciso ter estômago para lidar com o pior do que a televisão brasileira pode oferecer, a grotesca programação das emissoras abertas prende o espectador, por mais que ele saiba o quão idiota, fútil, sensacionalista e nauseante ela é. O amálgama bizarro de Coutinho é composto por imagens que, por mais execráveis que sejam, acolhem o brasileiro como um velho amigo.
Atômica
3.6 1,1K Assista AgoraFilme de espionagem decente. Essa moda de filmes com trilha sonora retrô vem sendo regra em praticamente todos os filmes comerciais dos últimos 2, 3 anos, dos melhores aos piores (Esquadrão Suicida, quem lembra?), e "Atômica" é um dos poucos desde então que conseguiu fazer isso de modo que não parece gratuito e feito apenas pra seguir tendência.
Talvez por causa da música aparecendo em cada nova cena do filme, em alguns momentos ele pareça um videoclipe. Aparentemente ele é baseado em uma graphic novel, o que pode ser uma justificativa para o esmero que a equipe técnica da produção parece ter com a estética (direção de arte, de fotografia, coreografia das cenas de ação, figurino...) que contribui com essa aparência de videoclipe. Isso não é necessariamente ruim, apesar de fazer "Atômica" ter cara de que aspira ser um "filme de arte", o que definitivamente não é - e não há nada errado em ser um filme de ação comercial.
Mesmo sendo um thriller de ação e espionagem comercial, a história felizmente não cai na mesmice, apesar de não ser exatamente inovadora ou mindblowing. Charlize e McAvoy estão muito bem. Os letreiros de indicação temporal e localização são ligeiramente supérfluos.
Superou minhas expectativas, que honestamente não eram muito altas.
Manchester à Beira-Mar
3.8 1,4K Assista AgoraGostei bastante da construção de personagem do protagonista. Manchester à Beira Mar é um bom filme para fazer o contraponto entre cinema e literatura, ao meu ver, justamente por esse aspecto. O filme começa com um ritmo lento enquanto acompanhamos a apresentação do protagonista, podendo parecer até mesmo cansativo. Em momentos, me peguei pensando o porquê de Casey Affleck ter ganhado Oscar de melhor ator, visto que sua atuação me parecia apática e engessada. Porém, com o desenrolar do filme, me veio a reflexão de que essa era justamente a intenção. É um personagem difícil pro espectador, mas que ainda assim me lembra personagens que protagonizam livros que me são estimados como favoritos, como o Memórias do Subsolo de Dostóievski, O Apanhador no Campo de Centeio e O Estrangeiro. A diferença e que na literatura o personagem se constrói de dentro pra fora, enquanto no cinema, de fora pra dentro. O cinema é uma arte essencialmente pictórica, uma arte do movimento. O roteiro existe e pode ser lido, mas no fim das contas, para o espectador, o que realmente importa é o que aparece em tela. E o trabalho conjunto de direção, direção de ator, roteiro e atuação ajudaram na construção desse personagem complexo que nos é tão próximo da realidade.
O Corte
3.9 128 Assista AgoraGosto muito de como o diretor do filme consegue trabalhar a tensão em algumas cenas que se desenrolam de modo sutil.
Quando Duas Mulheres Pecam
4.4 1,1K Assista AgoraEsse Bergman sabia filmar, ein. O trabalho que ele faz com dualidade e sombras nesse filme é impecável.
Dançando no Escuro
4.4 2,3K Assista AgoraO filme definitivo para perder a fé na humanidade.