Um humanismo que de fato ultrapassa a beleza da amizade central, e se instala nos mais variados pontos da trama em uma perspectiva profundamente progressista. Se são apontadas estruturas que travam o progresso na aldeia, - o que pode estar junto as acusações de um excesso de europeísmo do Oueadraogo decorrente da sua formação - é justamente nas figuras mais marginalizadas da própria comunidade que se obtém as respostas, em nenhum outro lugar.
Grande Otelo é um ator dramático incrível, certamente dos melhores que já viveu por cá. E a maldição do samba aqui não é nada mais que uma mão asfixiante do capitalismo. O resto é muito bonito, aliás.
Se já na história das alianças entre as potências capitalistas durante as guerras o interesse imediato se sobrepõe a qualquer possibilidade de aproximação ideológica; é na relação oportunista com os colonizados que Sembene emulando essa história faz ter certeza: não importa quem deles vença, sempre perderemos. Deslealdade selvagem, grosseira.
Uma narrativa fragmentada que cria uma pletora de acontecimentos sobre a experiência de negros africanos nas terras dos algozes colonialistas, que continuaram e continuarão a ser algozes por novos meios, mas sobretudo sobre a repercussão nas consciências individuais de existir em um ambiente que te dizem menor a todo tempo . Quase um Frantz Fanon posto em imagens.
Dos resquícios da influência de Jean Rouch no primevo cinema negro africano, aqui talvez esteja o uso mais original e ressignificado desta. Na verdade é tão pessoal e significante, que nos resta, até pelo tempo de vida que passamos sem conhecer o Mambety, compará-lo com o que há de mais autoral na história do cinema pra compreendê-lo. Um guarda eiseinsteniano, um marginal à la Godard, mas sobretudo um percurso estético por uma realidade estritamente africana, onde solidariedade e repressão se misturam numa cidade de contrastes que insiste em repetir o status quo pré independência.
O filme é todo um tanto descabido, os dilemas são meio aleatórios , e as possíveis citações a obras como "E Deus Criou a Mulher" e "A Noite" sequer fazem jus às referências. Francisco Cuoco até funciona quando austero e ciumento , mas a sua efusividade apaixonada é meio patética. A Marília Branco parece ruim mesmo.
Apesar de ter muito do que constitui o universo khouryano, principalmente nas entrelinhas, "Convite ao Prazer" me incomodou bastante com seu tom excessivamente masculino, e sem exageros, machista. As mulheres são quase decorativas, e apesar do triunfo final, nada na construção das personagem das esposas vai também muito além disso. Os personagens masculinos, apesar de detestáveis, são de fato o centro da trama, e todos os dilemas destacáveis estão contidos neles; desde o caminho do erotismo à desilusão, à amizade ultra masculinizada que esconde uma tendente homossexualidade mútua. Coerente, mas problemático.
As pequenas tragédias que o Xavier de Oliveira já pincelava pro Nercessian em "Marcelo Zona Sul", aqui se multiplicam. Quase um melodrama, apesar de muito naturalista, e contido.
Eu que fiquei absurdamente perdido no filme posterior do diretor, "Lucia McCatney", em "Memória de Helena" dá inclusive pra perceber seu estilo, no qual aqui o próprio David Neves classificaria de "falsa ficção". Um filme de fragmentos, no qual compreendemos Helena da mesma forma que Rosa e Renato, através do seu diário e dos filmezinhos. Nada mais nos é dado além disso, a distância que Helena mantem com os quais se relaciona, a estranha frieza, é em igual medida passada pra nós. Nada de mais empático há na relação de Helena com o espectador, a beleza, o sentido dos filmes que vi do David vem do que parece ser a grande mecânica dos seus filmes, iniciais ao menos, o próprio fragmento, os resquícios que considera filmar, ou os resquícios de vida dos seus personagens.
Um filme simpático, e que revela uma certa tendência na forma de olhar a juventude carioca nos finais dos anos 60 sob essa referÊncia direta do cinema francês, "Todas as Mulheres do Mundo", " As Amorosas" e "Copacabana me Engana" parecem fazer parte de um mesmo projeto, mesmo com suas particularidades notáveis. Falar em referência, o desfecho ozuniano é um achado para um casal de pais que é na verdade o inverso do que seriam os personagens do Yasujiro. E ainda me fez lembrar "Sombras" do Cassavetes o tom improvisado, principalmente do grupo de garotos liderado pelo possuído João Barcellos. Porém muito crível, basta ver "A Opinião Pública" do Jabor pra perceber que o objeto é de fato o mesmo. Muito bom e muito conectado.
Um confrontamento entre o imaginário redentor do casamento para as mulheres e os seus impactos de fato, uma espécie de remoer do mesmo tema que o Naruse trabalha sempre com os acréscimos sutis de assuntos tabus com extrema naturalidade, como a esposa que se suicida por problemas conjugais. E os closes no rosto de Kiyoko justificam o título, que é muito bonito e acertado.
Mais um filme muito bom e tendo como pano de fundo o tema da maioria dos que consegui ver do Naruse, a inevitabilidade da opressão crescente - e o clima angustiante que somos testemunhas da rotina conjugal - devido ao papel desigual destinados a homens e mulheres no Japão pós-guerra. Longe de ser maniqueísta, definitivamente não é uma caracteristíca do Naruse, mas deixando claro a violenta situação que a mulher é relegada nas relações com o gênero oposto, mesmo quando vez por outras há boa intenção, vide "Nuvens Flutuantes". Um desfecho poético surpreendente, e até mesmo conciliador, mas não anuente como em alguns filmes, o que já cabe reavaliação pelos últimos que vi, confesso. Tudo que envolve o cachorro é muito bom, desde o deslocamento da potência de Fumiko a ele, quanto o efeito que descortina a relação de comunidade do local, aquilo poderia bem ser uma reunião de condomínio na sua pretensa padronização de hábitos e associações. Quase otimista se você acreditar no final, e se esquecer de tudo que passou antes, o que é bem difícil.
Ao escolher saltar os momentos chaves, Naruse cai no ônus da incompreensão linear da sua história. Na verdade não tenho nem certeza se é a estrutura é linear ou não a todo tempo. Mas tudo que importa está implícito, um filme absolutamente triste, menos por seu desfecho que pela compreensão nos repetitivos encontros que a situação dada não se modificará positivamente seja lá o que aconteça. Impressionante como as mulheres de Naruse são absolutamente cientes da sua condição, o que não facilita uma ação definitiva para resolvê-la, devido uma cultura paralisante que lhes impõe a aceitação ou a uma saída ainda pior; a recorrente insinuação do personagem masculino pra Yukiko usar a sua beleza pra conquistar novos homens é um ponto chave do filme do destino possível. Esse dilema parece ter sido sempre explorado nas obras de Naruse, mas minha impressão em filmes como "Vida de Casado" e "Relâmpago" era que o discurso recaía em o tom condescendente e aceitação da inevitabilidade; a inevitabilidade continua, mas a aceitação é trocada por um apontar de dedo muito mais potente, por mais que não sempre explícito; aqui até é, vide a frase final. A jornada do casal que quase não se toca me fez lembrar bastante "Amor À Flor da Pele", talvez uma referência do Kar Wai, apesar de aqui o não toque ser apenas não mostrado, como quase todas as ações do filme: assassinato, traição, aborto. Aliás, o tema do aborto aparece nos filmes do Naruse com tanta naturalidade que passa quase desapercebido. Gostei bastante, a sobriedade da personagem Yukiko torna sua jornada ainda mais violenta, e o Naruse menos paternalista, sobretudo.
Tenho um nó na garganta com os finais pessimistas do Mikio Naruse do que tinha visto até então, por conta de uma condescendência final que sinto que vai além do pessimismo, e isso depois de ele nos encher de esperança com personagens femininas numa condição estruturante da narrativa e de postura sempre muito surpreendentes, que é novidade mesmo comparando aos seus contemporâneos conterrâneos. Mas aqui, que potente, que dimensionamento de um problema tao violento e invisibilizado, sem atenuar culpa como de praxe o Naruse faz. Seguindo pra atualizar essas impressões, me fez reacender o interesse.
Um emaranhado de fetiches religiosos e sexuais, que em pouco tempo já não se sabe de qual ordem são cada um. Verhoeven é mestre, em fetiches... Deus! E no final ainda acaba sendo um resumo da posição maniqueísta e duplamente misógina que o catolicismo, e talvez a própria noção geral em que o cristianismo se estabeleceu, definiu para a mulher como possibilidades de existência, algo entre a culpa prevista pelo "pecado original" e a sacralização maternal.
Como foi citado já, o que mais incomoda é a repetição de algumas situações, porém é uma característica destacável do Plínio Marcos, o incomodo é absolutamente o mesmo lendo uma peça do Plínio, mas profundamente justificável na sua busca de expor humilhações cotidianas entre seres com poucos recursos para tal e com poucas coisas que os diferenciam de fato, aqui menos, dada as explorações de gênero entre as personagens, mas mais ainda em "Dois Perdidos Numa Noite Suja", adaptado também pelo Braz, onde os dois personagens encontram-se praticamente na mesma situação e injuriam um ao outro repetitivamente, quase ofendendo a si mesmo. Daí onde mais a direção do Braz Chediak se diferencia da peça, e é o grande trunfo do filme, é justamente os tempos silenciosos numa competente descrição ambiental e de personagem que inevitavelmente dá o tom do filme, mesmo com o falatório que se segue, no qual se sustenta toda a peça.
Há uma pequena quebra de ritmo perto da metade, mas retorna num desfecho sensível, memorável e militante, nessa ordem. O filme mais Beauvoiriano da Varda, como a sinopse entrega. Por mais que boa parte da trama seja ainda baseada nas agruras e felicidades do casamento heterossexual, inevitável quando se fala da Agnes, é a sororidade que dá o tom aqui mais que em qualquer outro da diretora, e inclusive assume sentido poucas vezes visto no cinema de antes e depois. Muito bonito!
Absolutamente discutíveis os dilemas éticos que são ultrapassados aqui, principalmente fazer os pais da vítima parte de todo esse jogo. Mas quase nada reflete tão bem o clima de neurose e histeria na qual a noção militarista se estabelece no contexto social, que é e a mesma forma que a violência diária dialoga com a população a partir do sensacionalismo midiático que a faz produto. Mas não sei, além de me sentir absurdamente partidário em quase tudo que o diretor faz aqui, tenho uma pequena noção que o documentário brasileiro chega nos melhores momentos quando capta e dialoga com esse grotesco, quando gera esse choque ao nos depararmos com ideias tão visivelmente costumazes(basta ver quantos negros são assassinados no Brasil, diariamente) mas que talvez sejamos tao tendentes a ignorá-las. Precisa ser mais conhecido, pra ser mais discutido, no mínimo.
Sendo assim, a última cena do filme que perdurará na minha mémoria não será a cena final, mas o seu ápice com a aparição do Spencer Tracy no tribunal enquanto um dos acusados tenta fugir, genial em qual seja a estrutura analisada, seja pela contagem das palpitações do coração, seja pelo total controle da técnica cinematográfica.
Lang com todas as distâncias que ainda o separavam culturamente dos EUA, no seu primeiro trabalho já o compreendeu mais que muitos em toda uma vida.
A impressão que se tem é que o tom assumido aqui remonta mais o Makhmabalf de "O Ciclista" do que o que vinha se desenvolvendo nos filmes imediatamente anteriores. Talvez pelo fato de ser uma personagem desambientada a conduzir a trama, existe um certo distanciamento causado por um olhar quase antropológico e que parece preocupar-se em enumerar fatos mais espetaculares, sendo que os momentos mais sublimes dos filmes do iraniano surgem justamente na despreocupação de hierarquização de situações, que criam poéticas absolutamente singulares nos lugares mais corriqueiros, lugares que nem parece ficção.
Filme-resolução do Kurosawa com o passado, e aqui passado não tem só o sentido mais imediato sobre a memória de Nagazaki e os efeitos causados pela bomba, a resolução aqui também é com tua própria obra e com a obsessão com o ataque nuclear que foi embutida inevitavelmente na tua forma de pensar o cinema, e com os EUA, algoz, mas tambem talvez o maior doador das referências utilizadas na construção da tua obra (algo que ele devolverá dignamente diga-se). Tal qual Alain Resnais antecipara em "Noite e Neblina", Kurosawa ratifica: não é a mágoa que deverá restar depois de tudo, mas jamais será o esquecimento a chave que nao irá permitir que tais atrocidades voltem a acontecer. Um filme arrastado, mas necessário pra compreender a obra de um dos mais necessários diretores da História do e no cinema.
O futebol no Brasil é um assunto incrivelmente delicado e por demais estigmatizado quando trabalhado por quem pretende utilizar suas sensações coletivas como fonte de reflexão social. Definitivamente o Erik não resolve esse problema. Pelo contrário, cria outro. Intelectuais de outrora retirou vozes ao reduzir o futebol a uma alienação coletiva, que age quase identicamente em todos, só havendo a separação de categoria entre torcida e jogadores. Ele, apesar de subtrair boa parte dessa categorização (aqui os dois estão mais próximos mesmo, inclusive fisicamente, vide as penalidades), Erik tira vozes por um excesso de dramatização que sempre parece querer deixar visível de que é ele quem comanda e interpreta e que compreende absolutamente o sentido poético que cada expressão daquela emana. Toda vez que o filme parece ganhar força com a individualidade dos filmados explodindo em tela, há um corte pra ele mostrar de como ele acha que o som funcionaria de outra forma, de como aquilo ele acha parecido com um balé, recursos que apesar do pouco tempo de duração soam repetitivos ou desafinados, as vezes os dois. Como um apreciador de futebol, não apaixonado como o diretor, por vezes os excessos de câmera lenta do filme me soam como objeto tão banal quanto um tira-teima da Globo.
Quase indiscutível que tem uma prolixidade simbólica que desconcentra mais que tudo, não conseguia lembrar do autor do texto lido no bar duas cenas depois. O personagem burguês de tão caricato é oco, daí não representa nem o estereótipo. Os demais não são tão duráveis também, nem o menino que mó juntei expectativas. Mas legal ver São Paulo voltar como personagem oposto de como foi estabelecida até então, que joga o caos pra dentro dos personagens e se apresenta como uma cidade quase sempre vazia, silenciosa, que se traduz não com a Rita Lee, mas com o vagaroso Arnaldo Baptista. E a Patife Band é uma descoberta e tanto, e fez pensar no Arrigo, e pensar no Arrigo me faz gostar de São Paulo.
Yaaba - O Amor Silencioso
4.0 10 Assista AgoraUm humanismo que de fato ultrapassa a beleza da amizade central, e se instala nos mais variados pontos da trama em uma perspectiva profundamente progressista. Se são apontadas estruturas que travam o progresso na aldeia, - o que pode estar junto as acusações de um excesso de europeísmo do Oueadraogo decorrente da sua formação - é justamente nas figuras mais marginalizadas da própria comunidade que se obtém as respostas, em nenhum outro lugar.
Rio, Zona Norte
4.2 50Grande Otelo é um ator dramático incrível, certamente dos melhores que já viveu por cá. E a maldição do samba aqui não é nada mais que uma mão asfixiante do capitalismo. O resto é muito bonito, aliás.
Campo Thiaroye
4.3 8Se já na história das alianças entre as potências capitalistas durante as guerras o interesse imediato se sobrepõe a qualquer possibilidade de aproximação ideológica; é na relação oportunista com os colonizados que Sembene emulando essa história faz ter certeza: não importa quem deles vença, sempre perderemos. Deslealdade selvagem, grosseira.
Ó, Sol
4.2 4Uma narrativa fragmentada que cria uma pletora de acontecimentos sobre a experiência de negros africanos nas terras dos algozes colonialistas, que continuaram e continuarão a ser algozes por novos meios, mas sobretudo sobre a repercussão nas consciências individuais de existir em um ambiente que te dizem menor a todo tempo . Quase um Frantz Fanon posto em imagens.
Badou Boy
3.8 4Dos resquícios da influência de Jean Rouch no primevo cinema negro africano, aqui talvez esteja o uso mais original e ressignificado desta. Na verdade é tão pessoal e significante, que nos resta, até pelo tempo de vida que passamos sem conhecer o Mambety, compará-lo com o que há de mais autoral na história do cinema pra compreendê-lo. Um guarda eiseinsteniano, um marginal à la Godard, mas sobretudo um percurso estético por uma realidade estritamente africana, onde solidariedade e repressão se misturam numa cidade de contrastes que insiste em repetir o status quo pré independência.
Anuska, Manequim e Mulher
2.9 9 Assista AgoraO filme é todo um tanto descabido, os dilemas são meio aleatórios , e as possíveis citações a obras como "E Deus Criou a Mulher" e "A Noite" sequer fazem jus às referências. Francisco Cuoco até funciona quando austero e ciumento , mas a sua efusividade apaixonada é meio patética. A Marília Branco parece ruim mesmo.
O Convite ao Prazer
3.2 19Apesar de ter muito do que constitui o universo khouryano, principalmente nas entrelinhas, "Convite ao Prazer" me incomodou bastante com seu tom excessivamente masculino, e sem exageros, machista. As mulheres são quase decorativas, e apesar do triunfo final, nada na construção das personagem das esposas vai também muito além disso. Os personagens masculinos, apesar de detestáveis, são de fato o centro da trama, e todos os dilemas destacáveis estão contidos neles; desde o caminho do erotismo à desilusão, à amizade ultra masculinizada que esconde uma tendente homossexualidade mútua. Coerente, mas problemático.
André, a Cara e a Coragem
3.5 11As pequenas tragédias que o Xavier de Oliveira já pincelava pro Nercessian em "Marcelo Zona Sul", aqui se multiplicam. Quase um melodrama, apesar de muito naturalista, e contido.
Memória de Helena
3.7 13Eu que fiquei absurdamente perdido no filme posterior do diretor, "Lucia McCatney", em "Memória de Helena" dá inclusive pra perceber seu estilo, no qual aqui o próprio David Neves classificaria de "falsa ficção". Um filme de fragmentos, no qual compreendemos Helena da mesma forma que Rosa e Renato, através do seu diário e dos filmezinhos. Nada mais nos é dado além disso, a distância que Helena mantem com os quais se relaciona, a estranha frieza, é em igual medida passada pra nós. Nada de mais empático há na relação de Helena com o espectador, a beleza, o sentido dos filmes que vi do David vem do que parece ser a grande mecânica dos seus filmes, iniciais ao menos, o próprio fragmento, os resquícios que considera filmar, ou os resquícios de vida dos seus personagens.
Copacabana me Engana
3.7 18Um filme simpático, e que revela uma certa tendência na forma de olhar a juventude carioca nos finais dos anos 60 sob essa referÊncia direta do cinema francês, "Todas as Mulheres do Mundo", " As Amorosas" e "Copacabana me Engana" parecem fazer parte de um mesmo projeto, mesmo com suas particularidades notáveis. Falar em referência, o desfecho ozuniano é um achado para um casal de pais que é na verdade o inverso do que seriam os personagens do Yasujiro. E ainda me fez lembrar "Sombras" do Cassavetes o tom improvisado, principalmente do grupo de garotos liderado pelo possuído João Barcellos. Porém muito crível, basta ver "A Opinião Pública" do Jabor pra perceber que o objeto é de fato o mesmo. Muito bom e muito conectado.
Coração de Esposa
3.9 3Um confrontamento entre o imaginário redentor do casamento para as mulheres e os seus impactos de fato, uma espécie de remoer do mesmo tema que o Naruse trabalha sempre com os acréscimos sutis de assuntos tabus com extrema naturalidade, como a esposa que se suicida por problemas conjugais. E os closes no rosto de Kiyoko justificam o título, que é muito bonito e acertado.
Chuva Repentina
4.3 5Mais um filme muito bom e tendo como pano de fundo o tema da maioria dos que consegui ver do Naruse, a inevitabilidade da opressão crescente - e o clima angustiante que somos testemunhas da rotina conjugal - devido ao papel desigual destinados a homens e mulheres no Japão pós-guerra. Longe de ser maniqueísta, definitivamente não é uma caracteristíca do Naruse, mas deixando claro a violenta situação que a mulher é relegada nas relações com o gênero oposto, mesmo quando vez por outras há boa intenção, vide "Nuvens Flutuantes". Um desfecho poético surpreendente, e até mesmo conciliador, mas não anuente como em alguns filmes, o que já cabe reavaliação pelos últimos que vi, confesso. Tudo que envolve o cachorro é muito bom, desde o deslocamento da potência de Fumiko a ele, quanto o efeito que descortina a relação de comunidade do local, aquilo poderia bem ser uma reunião de condomínio na sua pretensa padronização de hábitos e associações. Quase otimista se você acreditar no final, e se esquecer de tudo que passou antes, o que é bem difícil.
Nuvens Flutuantes
3.8 9Ao escolher saltar os momentos chaves, Naruse cai no ônus da incompreensão linear da sua história. Na verdade não tenho nem certeza se é a estrutura é linear ou não a todo tempo. Mas tudo que importa está implícito, um filme absolutamente triste, menos por seu desfecho que pela compreensão nos repetitivos encontros que a situação dada não se modificará positivamente seja lá o que aconteça. Impressionante como as mulheres de Naruse são absolutamente cientes da sua condição, o que não facilita uma ação definitiva para resolvê-la, devido uma cultura paralisante que lhes impõe a aceitação ou a uma saída ainda pior; a recorrente insinuação do personagem masculino pra Yukiko usar a sua beleza pra conquistar novos homens é um ponto chave do filme do destino possível. Esse dilema parece ter sido sempre explorado nas obras de Naruse, mas minha impressão em filmes como "Vida de Casado" e "Relâmpago" era que o discurso recaía em o tom condescendente e aceitação da inevitabilidade; a inevitabilidade continua, mas a aceitação é trocada por um apontar de dedo muito mais potente, por mais que não sempre explícito; aqui até é, vide a frase final. A jornada do casal que quase não se toca me fez lembrar bastante "Amor À Flor da Pele", talvez uma referência do Kar Wai, apesar de aqui o não toque ser apenas não mostrado, como quase todas as ações do filme: assassinato, traição, aborto. Aliás, o tema do aborto aparece nos filmes do Naruse com tanta naturalidade que passa quase desapercebido. Gostei bastante, a sobriedade da personagem Yukiko torna sua jornada ainda mais violenta, e o Naruse menos paternalista, sobretudo.
O Som da Montanha
4.2 9Tenho um nó na garganta com os finais pessimistas do Mikio Naruse do que tinha visto até então, por conta de uma condescendência final que sinto que vai além do pessimismo, e isso depois de ele nos encher de esperança com personagens femininas numa condição estruturante da narrativa e de postura sempre muito surpreendentes, que é novidade mesmo comparando aos seus contemporâneos conterrâneos. Mas aqui, que potente, que dimensionamento de um problema tao violento e invisibilizado, sem atenuar culpa como de praxe o Naruse faz. Seguindo pra atualizar essas impressões, me fez reacender o interesse.
O Quarto Homem
3.8 55Um emaranhado de fetiches religiosos e sexuais, que em pouco tempo já não se sabe de qual ordem são cada um. Verhoeven é mestre, em fetiches... Deus! E no final ainda acaba sendo um resumo da posição maniqueísta e duplamente misógina que o catolicismo, e talvez a própria noção geral em que o cristianismo se estabeleceu, definiu para a mulher como possibilidades de existência, algo entre a culpa prevista pelo "pecado original" e a sacralização maternal.
A Navalha na Carne
3.9 34Como foi citado já, o que mais incomoda é a repetição de algumas situações, porém é uma característica destacável do Plínio Marcos, o incomodo é absolutamente o mesmo lendo uma peça do Plínio, mas profundamente justificável na sua busca de expor humilhações cotidianas entre seres com poucos recursos para tal e com poucas coisas que os diferenciam de fato, aqui menos, dada as explorações de gênero entre as personagens, mas mais ainda em "Dois Perdidos Numa Noite Suja", adaptado também pelo Braz, onde os dois personagens encontram-se praticamente na mesma situação e injuriam um ao outro repetitivamente, quase ofendendo a si mesmo. Daí onde mais a direção do Braz Chediak se diferencia da peça, e é o grande trunfo do filme, é justamente os tempos silenciosos numa competente descrição ambiental e de personagem que inevitavelmente dá o tom do filme, mesmo com o falatório que se segue, no qual se sustenta toda a peça.
Uma Canta, a Outra Não
4.2 45 Assista AgoraHá uma pequena quebra de ritmo perto da metade, mas retorna num desfecho sensível, memorável e militante, nessa ordem. O filme mais Beauvoiriano da Varda, como a sinopse entrega. Por mais que boa parte da trama seja ainda baseada nas agruras e felicidades do casamento heterossexual, inevitável quando se fala da Agnes, é a sororidade que dá o tom aqui mais que em qualquer outro da diretora, e inclusive assume sentido poucas vezes visto no cinema de antes e depois. Muito bonito!
Jesus no Mundo Maravilha...e Outras Histórias da Polícia Brasileira
3.6 5Absolutamente discutíveis os dilemas éticos que são ultrapassados aqui, principalmente fazer os pais da vítima parte de todo esse jogo. Mas quase nada reflete tão bem o clima de neurose e histeria na qual a noção militarista se estabelece no contexto social, que é e a mesma forma que a violência diária dialoga com a população a partir do sensacionalismo midiático que a faz produto. Mas não sei, além de me sentir absurdamente partidário em quase tudo que o diretor faz aqui, tenho uma pequena noção que o documentário brasileiro chega nos melhores momentos quando capta e dialoga com esse grotesco, quando gera esse choque ao nos depararmos com ideias tão visivelmente costumazes(basta ver quantos negros são assassinados no Brasil, diariamente) mas que talvez sejamos tao tendentes a ignorá-las. Precisa ser mais conhecido, pra ser mais discutido, no mínimo.
Fúria
4.3 29Todos os possíveis defeitos de "Fúria" são suplantados pelos seus incríveis méritos do minuto seguinte, ou do minuto anterior.
Sendo assim, a última cena do filme que perdurará na minha mémoria não será a cena final, mas o seu ápice com a aparição do Spencer Tracy no tribunal enquanto um dos acusados tenta fugir, genial em qual seja a estrutura analisada, seja pela contagem das palpitações do coração, seja pelo total controle da técnica cinematográfica.
[spoiler][/spoiler]
A Caminho de Kandahar
3.7 34A impressão que se tem é que o tom assumido aqui remonta mais o Makhmabalf de "O Ciclista" do que o que vinha se desenvolvendo nos filmes imediatamente anteriores. Talvez pelo fato de ser uma personagem desambientada a conduzir a trama, existe um certo distanciamento causado por um olhar quase antropológico e que parece preocupar-se em enumerar fatos mais espetaculares, sendo que os momentos mais sublimes dos filmes do iraniano surgem justamente na despreocupação de hierarquização de situações, que criam poéticas absolutamente singulares nos lugares mais corriqueiros, lugares que nem parece ficção.
Rapsódia em Agosto
4.0 85Filme-resolução do Kurosawa com o passado, e aqui passado não tem só o sentido mais imediato sobre a memória de Nagazaki e os efeitos causados pela bomba, a resolução aqui também é com tua própria obra e com a obsessão com o ataque nuclear que foi embutida inevitavelmente na tua forma de pensar o cinema, e com os EUA, algoz, mas tambem talvez o maior doador das referências utilizadas na construção da tua obra (algo que ele devolverá dignamente diga-se). Tal qual Alain Resnais antecipara em "Noite e Neblina", Kurosawa ratifica: não é a mágoa que deverá restar depois de tudo, mas jamais será o esquecimento a chave que nao irá permitir que tais atrocidades voltem a acontecer. Um filme arrastado, mas necessário pra compreender a obra de um dos mais necessários diretores da História do e no cinema.
Eu Matei Minha Mãe
3.9 1,3Kbicha, melhore, tua mãe é até mais legal que você.
Campo de Jogo
3.2 10O futebol no Brasil é um assunto incrivelmente delicado e por demais estigmatizado quando trabalhado por quem pretende utilizar suas sensações coletivas como fonte de reflexão social. Definitivamente o Erik não resolve esse problema. Pelo contrário, cria outro. Intelectuais de outrora retirou vozes ao reduzir o futebol a uma alienação coletiva, que age quase identicamente em todos, só havendo a separação de categoria entre torcida e jogadores. Ele, apesar de subtrair boa parte dessa categorização (aqui os dois estão mais próximos mesmo, inclusive fisicamente, vide as penalidades), Erik tira vozes por um excesso de dramatização que sempre parece querer deixar visível de que é ele quem comanda e interpreta e que compreende absolutamente o sentido poético que cada expressão daquela emana. Toda vez que o filme parece ganhar força com a individualidade dos filmados explodindo em tela, há um corte pra ele mostrar de como ele acha que o som funcionaria de outra forma, de como aquilo ele acha parecido com um balé, recursos que apesar do pouco tempo de duração soam repetitivos ou desafinados, as vezes os dois. Como um apreciador de futebol, não apaixonado como o diretor, por vezes os excessos de câmera lenta do filme me soam como objeto tão banal quanto um tira-teima da Globo.
Riocorrente
2.8 34Quase indiscutível que tem uma prolixidade simbólica que desconcentra mais que tudo, não conseguia lembrar do autor do texto lido no bar duas cenas depois. O personagem burguês de tão caricato é oco, daí não representa nem o estereótipo. Os demais não são tão duráveis também, nem o menino que mó juntei expectativas. Mas legal ver São Paulo voltar como personagem oposto de como foi estabelecida até então, que joga o caos pra dentro dos personagens e se apresenta como uma cidade quase sempre vazia, silenciosa, que se traduz não com a Rita Lee, mas com o vagaroso Arnaldo Baptista. E a Patife Band é uma descoberta e tanto, e fez pensar no Arrigo, e pensar no Arrigo me faz gostar de São Paulo.