"Doutor Sono" foi lançado em 2019, escrito e dirigido por Mike Flanagan. É baseado no romance homônimo de mesmo nome de Stephen King de 2013, é uma sequência do romance de 1977 de King, "O Iluminado", e é uma sequência de "O Iluminado" (1980), de Stanley Kubrick. Situado várias décadas após os eventos de "O Iluminado", "Doutor Sono" é estrelado por Ewan McGregor como Danny Torrance, que na infância conseguiu sobreviver a uma tentativa de homicídio por parte do pai, um escritor perturbado por espíritos malignos do Hotel Overlook. Danny cresceu e agora trava uma luta contra o alcoolismo. Um homem com habilidades psíquicas que luta com traumas de sua infância.
Devo começar mencionando que li o livro de Stephen King - "Doutor Sono". O livro em si é bom, tem uma história relativamente boa, tem personagens cativantes e funcionais com a história. Porém, tem certas partes que a leitura soa um tanto quanto confusa, tem certas partes que a história se perde um pouco e se embaralha na cabeça do leitor. A própria apresentação e desenvolvimento do grupo "O Verdadeiro Nó" é um tanto quanto confusa, melhorando bastante nos últimos 5 capítulos do livro.
"O Iluminado" de Stanley Kubrick é simplesmente um dos maiores filmes de suspense/terror já feito na história do cinema. Assim como o próprio livro de Stephen King, que pra mim entra na lista das suas melhores obras literárias da carreira. Então, como seria a vida e a cabeça de Mike Flanagan ao aceitar o maior desafio da sua carreira cinematográfica, que era justamente dirigir e roteirizar a continuação de uma das maiores obras de todos os tempos, tanto pelos olhares de Kubrick quanto pelos olhares de King. Mike Flanagan tem uma certa experiência dentro do gênero de suspense e terror, já dirigiu e roteirizou algumas obras que tratava exatamente dessa temática, como "O Espelho" (2013), "O Sono da Morte" (2016) e "A Maldição da Residência Hill" (2018). Portanto, devo dizer que Flanagan fez um trabalho muito competente, jogou na segurança, ao entregar uma obra fiel ao livro de King e homenageando o icônico filme de Kubrick.
Devo dizer que em nenhum momento o filme de Flanagan faz uma disputa com o filme de Kubrick, pra vê quem é melhor ou quem chega aos pés de quem. Muito pelo contrário, a obra de Flanagan (assim como o livro de King) exerce o seu universo, funciona como uma continuação direta (30 anos após os eventos em Overlook), conta a sua história. De fato tanto o livro do King quanto o filme do Kubrick tem mais suspense e terror, aborda mais esse lado do suspense psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e da psicopatia. Já o livro "Doutor Sono" sai um pouco dessa temática, aborda outras histórias, outros acontecimentos, outras nuances, principalmente sobre a vida adulta do Danny Torrance. Danny é um adulto traumatizado e alcoólatra que vive de cidade em cidade, até que se estabelece em uma onde consegue um emprego no hospital. Porém, ele começa a ter contatos e cria um vínculo telepático com Abra Stone (Kyliegh Curran), uma garota com um dom espetacular, a iluminação mais forte que já se viu. Ela desperta os demônios de seu passado, e Danny se vê envolvido em uma batalha pela alma e pela sobrevivência dela. Sendo assim, consequentemente o filme "Doutor Sono" vai navegar dentro desse contexto, dentro desse universo, obviamente sendo menos terror e menos suspense (somente na parte final que o filme mergulha mais nesse gênero).
"Doutor Sono" já começa na nostalgia ao iniciar com a mesma música de "O Iluminado". Temos um começo que retrata muito bem o filme icônico de Kubrick, iniciando com Danny andando em seu triciclo pelos corredores do Overlook e se deparando com o quarto 237 e com a banheira. Achei muito interessante o Danny Torrance de Roger Dale Floyd (Stranger Things) e a Wendy Torrance de Alex Essoe (House of Lies). Tanto o Danny quanto a Wendy me lembrou bastante as versões icônicas e lendárias de Danny Lloyd e Shelley Duvall - achei muito bom mesmo. Inicialmente o longa ainda nos exibe uma certa ligação entre Rose, a Cartola (Rebecca Ferguson) e os membros do Verdadeiro Nó, com o Hotel Overlook e a família Torrance. Era como se na mesma época em que Jack, Wendy e Danny estavam no Hotel, Rose e seu grupo já existiam e já estavam ao seu redor.
Quando eu disse que Mike Flanagan jogou na segurança, eu estava me referindo exatamente ao roteiro de "Doutor Sono", que segue com uma adaptação completamente fiel ao livro de King. Devo afirmar que aqui temos umas das adaptações mais fiéis em relação à uma obra literária. Na verdade Flanagan decidiu seguir em duas vertentes, uma seguindo fielmente a obra de Stephen King e a outra usando a parte final para prestar uma verdadeira homenagem a obra de Stanley Kubrick. Era como se ele quisesse agradar à todos os lados, tanto os leitores do livro, quanto o próprio King e os fãs mais saudosos e nostálgicos da obra de Kubrick. E devo afirmar que Mike Flanagan conseguiu executar muito bem esse desafio!
Mike Flanagan adapta muito bem a obra de Stephen King, pois praticamente todas as cenas do livro estão no filme (tirando somente a parte final no Hotel). Inicialmente temos a cena com Danny conversando no banco de frente pro mar com Dick Hallorann (Carl Lumbly), quando ele o ensina a aprisionar todos os seus medos e monstros em uma espécie de cofre em sua mente. É uma cena que começa exatamente como no livro, ainda no passado com Danny ainda uma criança. Esta parte já concerta um pouco o final do filme "O Iluminado" pela visão e opinião de Stephen King, pois no longa de Kubrick Hallorann foi morto por Jack dentro do Overlook. Sendo assim, se Flanagan decidisse seguir nos moldes do filme do Kubrick esta cena jamais existiria. A cena das colheres no teto com Abra com apenas 5 anos. Rose recrutando a Andi Cascavel (Emily Alyn Lind). Quando o Nó rapta o garoto do Beisebol e retiram todo o seu vapor. A primeira vez que Rose tem contato com Abra e tenta entrar em sua mente, Abra simplesmente a expulsa de sua mente com muita violência. Tudo acontece no supermercado, exatamente como no livro. A cena que Rose vai até o quarto de Abra e ela a ataca dilacerando sua mão na gaveta, e a expulsando de volta até o grupo do Nó. É uma parte que não existe no livro, foi uma criação do roteirista, mas ficou uma cena muito boa, encaixou perfeitamente na história.
Mesmo com o claro desejo de Mike Flanagan em seguir uma linha que não desapontasse o King, como aconteceu na época de "O Iluminado". Porém, ele mudou alguns pontos da história: quando o Corvo (Zahn McClarnon) vai até a casa da Abra e mata o pai dela com uma facada no peito e a leva embora com ele - no livro não é assim que acontece, primeiro porque o pai da Abra não morre e segundo porque na verdade o Corvo também é morto no ataque da floresta junto com os outros do grupo do Nó. No filme o Corvo é morto ao tentar levar Abra até Rose, ela o faz bater o carro em uma árvore. Quando Andi Cascavel está morrendo ela entra na mente de Billy Freeman (Cliff Curtis) o fazendo se suicidar com um tiro no queixo, isso também não acontece, no livro o Billy não morre. Ou seja, duas mortes que acontecem no filme e que não acontecem no livro.
Já na parte final, onde claramente Mike Flanagan deixa de lado a adaptação da obra de Stephen King para nos levar de volta até a obra de Stanley Kubrick, temos a parte do Hotel Overlook. Devo lembrar que está parte não existe no livro. No livro a luta final contra Rose, a Cartola acontece no mirante do 'Teto do Mundo', o local onde ficava o Overlook antes da explosão da caldeira. Já no filme Flanagan nos leva novamente para dentro do lendário Hotel, onde a luta final contra Rose acontece. Eu achei uma ideia muito boa, pois como o próprio Danny disse para Abra, o Hotel tinha um forte poder sobre as pessoas que o adentrava, então poderia ser perigoso contra eles dois, mas também poderia ser perigoso contra Rose. É nessa hora que temos uma verdadeira viagem no tempo de volta aos corredores do icônico Overlook.
Danny adentra ao Hotel ainda intacto, ainda da forma que ele deixou quando fugiu com sua mãe na infância, sendo que até a porta do banheiro ainda permanece com a parte quebrada com o machado pelo seu pai (JackTorrance). É nessa hora que o diretor presta uma verdadeira homenagem ao filme do Kubrick, ao colocar o rosto de Danny no mesmo local onde Jack havia colocado o seu rosto e proferido a icônica frase - "Heeeere's Johnny!". E ainda tem um flashback dessa cena - sensacional e memorável! Juro que nessa hora eu queria que o saudoso Stanley Kubrick ainda estivesse vivo, só pra saber qual seria a sua opinião em relação ao filme e especificamente esta cena. Temos uma espécie de remake do filme do Kubrick daquela cena icônica em que Jack Torrance bebe no bar do Hotel sendo servido pelo fantasma do Lloyd. Aqui é Danny que está sentado no lugar do pai e sendo servido pelo próprio pai, onde temos uma incrível cena de diálogos, onde Jack tenta obrigar o filho a beber novamente - mais uma cena fantástica.
Nessa hora Flanagan despeja uma cena icônica atrás da outra: às cenas dentro do Overlook, com Danny empunhando um machado igual seu pai. Rose perseguindo Abra no Labirinto de neve, igual Jack fez com Danny. A cena que Danny corre atrás da Abra pelos corredores do Hotel gritando o seu nome e com o machado na mão, como aconteceu no filme do Kubrick com Jack com o machado gritando o nome do Danny. E o que aconteceu no final do livro "O Iluminado", com a caldeira do Hotel explodindo e matando Jack Torrance (e que não acontece no final do filme do Kubrick), aconteceu aqui e matando o Danny (antes, ele teve uma visão de sua versão criança abraçando Wendy). Nos momentos finais do filme, Abra é vista conversando com o fantasma de Dan e ele diz que agora, está em paz. No entanto, a garota começou a ser atormentada pelo fantasma da mulher do quarto 237 do Hotel Overlook, exatamente como acontecia com Danny quando era criança. Era como se Abra Stone de fato estivesse revivendo os passos de Danny Torrance.
Mesmo com toda adaptação fiel e toda liberdade criativa ao final, Flanagan deixou a desejar em alguns pontos. Faltou retratar mais o poder e a capacidade de Abra. No livro ela é muito mais poderosa, mais forte, mais ameaçadora, até para a própria Rose. A mãe de Abra, Lucy Stone (Jocelin Donahue), também ficou muito escanteada no filme, no livro ela é mais importante e tem muito mais relevância dentro da história. Ficou devendo uma abordagem maior aos integrantes do Verdadeiro Nó, como a própria Andi Cascavel e o Corvo. Fora outros personagens muito importantes na história do livro que sequer apareceram no filme, como a personagem Sarey Shhh, que no livro é peça-chave na parte final do embate, ajudando diretamente Rose, a Cartola. Temos também a parte do Dr. John Dalton (Bruce Greenwood), o líder do grupo AA de Danny e seu chefe no hospício. Ele aparece no início, quando Danny lhe fala sobre seu relógio perdido, sendo que depois ele é simplesmente abandonado pelo roteiro, e olha que no livro ele é uma figura muito importante para Abra e para os pais dela entenderem melhor todo o seu processo de iluminação. Pontos negativos do roteiro.
Ewan McGregor (Star Wars: A Ascensão Skywalker) traz a personificação do Danny Torrance adulto, agora conhecido somente por Dan. Uma escolha muito acertada, pois McGregor é um ótimo ator e esteve muito bem em todas as cenas, representou muito bem o Dan do livro. Kyliegh Curran (Segredos Em Sulphur Springs) dá vida a Abra Stone, que no filme é negra mas no livro Dan a descreve como: "tinha pernas longas para a sua idade (12 anos) e tinha mechas de cabelos louros cacheados. Ela era bonita mas não linda e tinha belos olhos azuis." Kyliegh faz muito bem o seu papel de protagonista, acerta em praticamente todas as cenas, está em uma boa sintonia com Ewan McGregor. Só acho que ela poderia ter sido um pouco mais ambiciosa nas cenas finais, poderia ter sido um pouco mais incisiva no embate final contra Rose. Rebecca Ferguson (Duna) pra mim é dona da melhor atuação do filme, ela é de longe a que mais representa a Rose, a Cartola do livro. Com toda certeza Rebecca deve ter estudado profundamente a personagem, pois ela traz a personificação mais fiel, se destacando como fria, perversa, maldosa, ambiciosa, prepotente, exatamente com a Rose do livro. Este é o típico filme que podemos dizer que temos 3 protagonistas na história - Danny Torrance, Abra Stone e Rose, a Cartola - mesmo que uma seja a vilã. Ainda tivemos a presença ilustre de Danny Lloyd, o Danny Torrance na versão da obra de Kubrick. Ele tem uma breve aparição no jogo de Beisebol.
Mike Flanagan ainda ganhou a aprovação do mestre Stephen King por tentar "reparar" as falhas que Stanley Kubrick havia cometido. King sempre reclamou abertamente sobre sua antipatia ao modo como Kubrick adaptou seu icônico romance de terror, "O Iluminado". O próprio King admitiu que o livro havia sido inspirado na própria batalha dele contra o vício, ou seja, era extremamente importante que Jack capturasse a simpatia do público. No entanto, Kubrick transformou Jack em um monstro, onde o filme é radicalmente diferente do livro em alguns aspectos. Felizmente, Flanagan superou as disparidades entre o livro de King e o filme de Kubrick ao adotar elementos presentes no final de "O Iluminado" para abordar as nuances da dependência química. Em "Doutor Sono", Danny luta contra o alcoolismo, assim como seu pai, mas consegue mudar sua vida para melhor. No discurso que ele dá para celebrar oito anos de sobriedade, Danny fala sobre o vício de seu pai, mas também relembra os momentos genuínos de amor e compaixão que ele experimentou, mostrando ao público que Jack nem sempre era um monstro (diferente da forma como Kubrick o retratou, ao evidenciar para o público que Jack era realmente um monstro).
Stephen King ainda deu a sua opinião na obra de Mike Flanagan. O autor influenciou o cineasta a mudar uma cena que estaria "muito brutal". Flanagan explicou que na cena em que o personagem de Bradley Trevor, interpretado por Jacob Tremblay (O Quarto de Jack), é assassinado pelo Verdadeiro Nó ficou extremamente violenta, a ponto de incomodar King.
"Doutor Sono" foi muito bem elogiado pelo roteiro de Flanagan, pela adaptação da obra de Stephen King e as atuações do elenco (especialmente os três protagonistas), mas recebeu fortes críticas em relação a duração do filme (e olha que a versão estendida ainda tem mais 30 min). O longa arrecadou US $ 72,3 milhões em todo o mundo, seu desempenho nas bilheterias foi considerado uma decepção em comparação com as outras adaptações de King lançadas em 2019, como "It – Capítulo Dois" e "Cemitério Maldito".
No mais, "Doutor Sono" é um filme muito bom, funciona muito bem como uma sequência de "O Iluminado". Na verdade o longa funciona tanto como continuação da história original, quanto como um filme isolado, com um universo próprio e personagens que envolvem o espectador através de uma nova história e nova revelações. Mesmo que o filme não nos envolva com o mesmo suspense e o mesmo terror de "O Iluminado", mas ainda assim podemos considerá-lo como uma obra que está inserida diretamente na fantasia, no mistério, no suspense psicológico e no terror sobrenatural. Mike Flanagan consegue entregar uma ótima adaptação para agradar Stephen King e ainda consegue fazer uma bela homenagem para a obra icônica de Stanley Kubrick. [16/10/200]
"O Farol" foi lançado em 2019, dirigido e produzido por Robert Eggers, a partir de um roteiro que ele co-escreveu com seu irmão Max Eggers. O longa-Metragem é uma produção da A24 Films, sendo diretamente influenciado pelo terror cósmico do escritor americano H.P. Lovecraft, autor que chocou o mundo com suas obras literárias nefastas, repletas de criaturas marítimas, espaciais e demoníacas. "O Farol" surgiu pela primeira vez da releitura de Max Eggers do conto inacabado de Edgar Allan Poe com o mesmo nome. Robert Eggers ajudou no desenvolvimento quando Max não conseguiu completar a adaptação de "The Light-House", originando o enredo de um mito do século XIX de um assassinato em um farol galês. "O Farol" se baseia visualmente na fotografia da Nova Inglaterra da década de 1890, no cinema francês com tema marítimo da década de 1930 e na arte simbolista. O longa é estrelado por Willem Dafoe e Robert Pattinson como wickies do século XIX (faróis) envolvidos em turbulência psicológica depois de serem abandonados em um remoto posto avançado da Nova Inglaterra por uma tempestade destrutiva.
Robert Eggers hoje é um dos principais nomes dentro da indústria hollywoodiana, é uma das grandes revelações do cinema de horror nos últimos anos. É considerado como um diretor muito promissor e com bastante potencial, e que já demonstrou todo o seu talento em seus três ótimos filmes. Em seu primeiro longa - "A Bruxa" - ele impactou à todos com uma obra imersa no terror psicológico, uma fábula imaginária, mística, sombria, que desafiava a sanidade de todos. Já este ano ele nos trouxe o seu terceiro filme - "O Homem do Norte" - um longa que desafiou Eggers a sair da sua zona de conforto (o suspense e o terror) e trilhar os caminhos de um épico viking.
"O Farol" é um filme diferente de tudo que eu já assisti. Uma obra que desafiou a categorização nas mídias digitais, muito pela sua variação entre um filme de terror, um thriller psicológico, um filme de sobrevivência e um estudo de personagem. Na verdade estamos diante de uma obra que nos traz um estudo aprofundado sobre psicologia, psicanálise, nos confrontando com as mais variadas camadas do ser humano. O longa está imerso no drama, na fantasia, no suspense, no terror, sempre buscando o imaginário, o mistério, o místico, o lúdico, nos entregando uma obra que fala diretamente sobre o isolamento, sobre a descaracterização do ser humano, sobre a destrutividade da solidão. "O Farol" também traz uma abordagem sobre a solidão em seu aspecto mais destrutivo, pois estar sozinho na história representa o distanciamento de si mesmo, e portanto, a ascensão de um estado psicótico e puramente instintivo - exatamente como observamos nos personagens com o passar do tempo.
O longa de Robert Eggers faz uma verdadeira homenagem ao cinema antigo, das décadas de 40 e 50, principalmente por ser em uma película em preto e branco e ter sido filmado com uma proporção quase quadrada com um formato 1.19:1. Ou seja, técnicas fora do comum e que hoje em dia estão praticamente extintas. A filmagem em preto e branco funciona como uma obra estilizada, arcaica, que faz uma referência ao terror de contos antigos sobre embarcações, marinheiros, criaturas marítimas, além de nos explicitar sobre a perda de sanidade em locais isolados e inóspitos como uma ilha deserta ou até mesmo um farol. Já esse formato mais próximo de um quadrado (como as antigas TV’s de tubo) nos imerge diretamente ao enclausuramento, ao isolamento, a sensação de claustrofobia, que acredito ter sido uma clara decisão do Eggers. Também podemos considerar que este formato de filmagem pode agregar ainda mais na situação desconfortável, limitada, sufocante, na exigência da aproximação dos personagens com a câmera para nos evidenciar sobre suas histórias - decisão incrível e completamente acertada do diretor.
Sobre a filmagem em preto e branco e um formato de tela um tanto quando inusitado e ousado, eu posso afirmar que Robert Eggers faz um trabalho de direção incrível e impecável. Eggers consegue tirar o melhor de cada personagem com seus takes em locais apertados, sufocantes, onde sua câmera sempre buscava o foco no rosto de cada um. A fotografia por sua vez é magnífica, delicada, ao mesmo tempo é tensa, pesada, incômoda, principalmente por se tratar de uma fotografia em preto e branco, onde realça ainda mais a qualidade de cada cena. A trilha sonora é sufocante, inquietante, horripilante, onde tínhamos aquela sirene estridente do farol, que nos sufocava e nos incomodava ainda mais. O longa tem uma bela direção de arte, pois tudo que estava em cena condizia perfeitamente para a montagem e a estruturação dos cenários. Além de contar com uma bela montagem e uma ótima edição, onde tínhamos cenas quase que em sequências e quase sem cortes. A ambientação também se destaca notavelmente, principalmente por ser fiel com o lugar, a época, o contexto onde a história se passa. A ambientação do longa contextualiza muito bem as cenas com a relação entre as personagens e o cenário - como podemos observar na primeira cena do filme.
"O Farol" é uma obra complexa, intrigante, desconcertante, ambígua, que exige diferentes interpretações, com diferentes menções, alusões e alegorias.
Podemos associar que a obra está inserida em simbologias e referências mitológicas, como a própria mitologia grega - pois nela o jovem Thomas Howard/Ephraim Winslow (Robert Pattinson) é a personificação de Prometeu, que no mito foi um titã que roubou o fogo dos deuses para dividir com a humanidade - como vimos na cena em que o Thomas Wake (Willem Dafoe) faz uma alusão personificando uma figura egocêntrica. Também temos a cena quando Thomas amaldiçoa Winslow por ofendê-lo, e ele invoca os sete mares e até Poseidon. Temos outra cena onde aparece Thomas com tentáculos, algas marinhas espalhadas pelo corpo, e até um chifre de coral saindo de sua testa. Para muitos, o personagem está caracterizado como Proteu, filho de Poseidon. Na mitologia, um dos principais traços da entidade é a violência e a imprevisibilidade - algo que foi muito bem destacado no personagem durante a trama. Sendo assim podemos dizer que "O Farol" faz uma alegoria à perda do controle e a degradação do ser humano através da mitologia grega.
Também podemos fazer uma alusão ao que significa o símbolo do farol para a história: como algo que lida de uma maneira muito forte com a masculinidade velada, o machismo em um alto nível, principalmente com o comportamento masculino, seja ele afetivo ou sexual. Exatamente como vimos ao longo da trama entre os dois personagens, que ora pareciam amigos ora pareciam inimigos. Tinham partes que eles pareciam despertar um interesse mútuo, onde tem uma cena que os dois estão embriagados e seus rostos se aproximam quase que se tocando em um improvável beijo. Também podemos associar o farol com uma fonte de vida daquela ilha, onde o próprio Thomas Wake o protege para manter o equilíbrio das criaturas. Talvez isso explique o motivo de Winslow sempre estar proibido de se aproximar do local.
Também é possível associar aquele farol como um estudo da psicanálise, onde o próprio pode representar como estado de consciência absoluta. Acredito que Thomas e Winslow sejam a mesma pessoa, até por isso aquele farol pode significar a quebra das ilusões para ambos. Também acredito que até por isso quando Winslow consegue finalmente acessar o farol ele é morto por sua luz intensa. O estado mental que o local oferece é mais do que ele poderia suportar, pois ele já está entregue a uma profunda perda de si.
Duas curiosidades bastante interessantes que o próprio diretor Robert Eggers confirmou: A cena que o Thomas Howard acaba matando o Thomas Wake com o machado é inspirado na obra-prima do Stanley Kubrick, "O Iluminado". Assim como a última cena do filme, aquela cena bizarra das gaivotas bicando os restos mortais do cadáver, também é uma homenagem ao filme "Os Pássaros", do mestre Alfred Hitchcock.
Willem Dafoe e Robert Pattinson é o coração da obra de Robert Eggers! Ouso afirmar que aqui temos a melhor atuação de toda a carreira do Robert Pattinson. Pattinson se destaca ao incorporar um personagem inexperiente ao início, mas com o passar do tempo ele vai criando uma casca, uma ambição, uma projeção muito grande, sempre almejando ir mais além em busca do que estar por trás daquele farol e principalmente do Thomas Wake. Pattinson está em uma perfeita química, uma perfeita sintonia com Dafoe, algo que engrandeceu ainda mais a sua atuação. Robert Pattinson é um belíssimo ator e não é de hoje que ele vem demonstrando todo o seu talento na arte de atuar, como constatamos recentemente com seu excelente Batman.
Willem Dafoe é, provavelmente, um dos maiores atores da sua geração, e um dos maiores da história do cinema. É completamente incrível o poder de atuação de Dafoe, pois tudo que ele faz fica perfeito, com uma atuação perfeita, com uma interpretação perfeita. Aqui Dafoe dá mais um show, mais uma aula de interpretação cinematográfica, seu personagem é o ponto alto de toda história. Dafoe dá vida ao velho Thomas Wake, um homem já muito cansado, muito estagnado da vida, que está se definhando por tudo que a vida lhe impôs ao longo dos anos solitários naquele farol. Dafoe nos impõe uma personalidade fria, sombria, misteriosa, ao mesmo tempo que nos impressiona com uma postura enérgica, rústica, aguerrida, principalmente entre os diálogos e as discursões com Winslow. Por falar em diálogos, este é um dos pontos alto da atuação de Dafoe - sua forma de conversar, de discutir, de resmungar, sempre carregado com um sotaque britânico pesado. Temos cenas entre Dafoe e Pattinson que soava com um mestre e seu aluno, por outro lado também soava como uma verdadeira disputa pelo poder - atuação completamente absurda do sempre impecável Willem Dafoe. Verdadeiramente uma disputa entre o novo Batman e o Duende Verde!
"O Farol" arrecadou mais de US $ 18 milhões contra um orçamento de US $ 11 milhões. O filme foi indicado para Melhor Fotografia no 92º Oscar e 73º British Academy Film Awards, além de inúmeras indicações e vitórias em outras cerimônias de premiação. Muitos dizem que é um dos melhores filmes de 2019 e um dos melhores da década.
É completamente incrível como Robert Eggers criou um longa que nos confronta com loucura, insanidade, demência, paranoia, ainda sendo muito bem contextualizado com ótimos diálogos, monólogos e um vocabulário antiquado entre a figura dos dois personagens. Uma obra visceral, grandiosa, enérgica, que nos explicita sobre uma monstruosidade real ou imaginária, pois de fato jamais saberemos se as visões de Thomas e Winslow são alucinações. Porém, posso afirmar que o isolamento e a solidão intensifica o surgimento de conflitos e a ruptura com a realidade.
O longa de Robert Eggers é difícil, é complexo, é intrigante, requer muita atenção e muita interpretação. Mas sem dúvida este é o maior acerto de Eggers - a sua ambiguidade, ousadia e ambição. De fato esta é uma obra que precisa ser assistida mais de uma vez, para ser melhor analisada e interpretada. Pois independente das suas conclusões, não há uma explicação definitiva para o filme, o que deixa "O Farol" como uma obra completamente ressignificada. [14/10/2022]
"O Sexto Sentido" foi lançado em 1999, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan. Um garoto vê o espírito de pessoas mortas à sua volta. Um dia, ele conta o segredo ao psicólogo Malcolm Crowe (Bruce Willis), que tenta ajudá-lo a descobrir o que está por trás dos distúrbios. A pesquisa de Malcolm sobre os poderes do garoto causa consequências inesperadas para ambos.
O ano de 1999 foi marcado pelo lançamento de algumas pérolas da sétima arte como: "Matrix", "Clube da Luta", "À Espera de um Milagre" e "Beleza Americana". Também ficou marcado por algumas produções de terror que impactou o espectador, produções essas como o clássico "A Bruxa de Blair", que se destacou como um fenômeno de bilheterias naquela época. Nesse mesmo ano surge "O Sexto Sentido", sendo o filme responsável por estabelecer M. Night Shyamalan como roteirista e diretor, e introduzir o seu trabalho ao grande público do cinema. Shyamalan até então era um diretor desconhecido e foi exatamente aqui que ele alavancou a sua carreira dentro do cenário hollywoodiano. Quando "O Sexto Sentido" foi lançado muitos colocaram o Shyamalan como o novo Hitchcock, muitos o compararam com o mestre do suspense, principalmente pela sua afinidade para o final surpreendente - realmente ele foi um verdadeiro fenômeno.
"O Sexto Sentido" é uma verdadeira obra-prima do horror psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e do suspense. Um drama envolto em uma atmosfera sombria, espantosa, inquietante, intrigante, complexa, que tem o dom e o poder de mexer com o nosso imaginário e despertar a nossa curiosidade. O longa trouxe ao cinema uma inovação na forma de mesclar suspense e drama, com uma história totalmente incomum em ambos os gêneros, pois aqui temos o caso do psicólogo infantil que abraça com dedicação o caso do garoto de 8 anos. Cole (Haley Joel Osment) tem dificuldades de entrosamento no colégio, sofre bullying por ser considerado como um anormal e vive paralisado pelo medo que o persegue incessantemente. Malcolm, por sua vez, busca se recuperar de um trauma sofrido anos antes, quando um de seus pacientes se suicidou na sua frente.
Este é o ponto-chave desse brilhante roteiro, a forma como ele nos conduz em diferentes vertentes até o resultado final de toda história. Shyamalan cria uma atmosfera de suspense funcional durante toda história e, o mais importante, sabe desenvolver muito bem os seus personagens, pois cada um tem um sofrimento diferente, que é explorado e que ajuda a trama a fluir. O pequeno Cole sofre de alucinações visuais, paranoia e algum tipo de esquizofrenia infantil. Malcolm sofre com seus traumas do passado e com o fato de se dedicar a ajudar o pequeno Cole enquanto observa o seu casamento ruir. A mãe (Lynn, interpretada por Toni Collette) é uma mulher forte, batalhadora, mas não sabe como ajudar seu filho, o que a deixa profundamente frustrada.
'Sexto sentido' pode referir-se a percepção extrassensorial - chamada popularmente de intuição, conhecimento hipotético ou teórico alicerçado no pressentimento - exatamente a forma comportamental do pequeno Cole.
E agora eu preciso destacar uma das cenas mais icônicas da história do cinema, que é a cena do Cole contando para o Malcolm sobre o seu segredo:
- Eu vejo gente morta. - Com que frequência você as vê? - O tempo todo.
Temos aqui uma cena apoteótica, emblemática, épica, clássica, marcante. "I See Dead People" virou um marco no cinema, na cultura Pop, na década, no milênio, uma frase imortalizada e eternizada nos mesmos padrões da mundialmente famosa "Hasta la vista, baby". Esta cena é tão icônica em "O Sexto Sentido" quanto a cena lendária do chuveiro em "Psicose".
Agora preciso mencionar o melhor Plot twist da década de 1990 e um dos melhores de todos os tempos! "O Sexto Sentido" ficou marcado pela forma visionária como o Shyamalan idealizou a reviravolta da sua história, a forma como ele trabalhou cada detalhe muito bem amarrado ao final da trama. Realmente o final do longa-metragem deixou a audiência espantada e completamente boquiaberta, fato que ajudou na ótima bilheteria da produção. Muitas pessoas voltavam aos cinemas para assisti-lo novamente na tentativa de confirmar o que haviam visto. E essa era exatamente uma das preocupações do próprio Shyamalan, o fato do público não ser enganado, ou seja, os que assistem pela segunda vez poderiam tirar a prova real de que tudo o que foi apresentado estava na frente dos seus olhos o tempo todo - sensacional!
O Plot twist de "O Sexto Sentido" foi tão criativo, tão perspicaz, tão inovador, tão original, ao ponto de até hoje ser comparado com um dos melhores Plots da história, simplesmente a obra-prima do mestre Hitchcock - "Psicose". O Plot de "O Sexto Sentido" é tão marcante para o cinema, tão influente, ao ponto de ter inspirado várias outras obras ao longo dos anos - como o clássico "Os Outros" (2001). Além de ter ficado marcado como um dos Plots mais copiados da história do cinema, pois até hoje tem vários filmes que tentam copiar o Plot de "O Sexto Sentido" mas falham miseravelmente.
Malcolm esteve morto o filme inteiro, ele morreu na primeira cena em que Vincent Gray (Donnie Wahlberg, irmão do Mark Wahlberg) atirou nele, e apenas Cole podia vê-lo ou ouvi-lo. Malcolm relembra tudo o que Cole lhe disse sobre pessoas mortas e Shyamalan habilmente conecta tudo e tudo começa a fazer sentido - maravilhoso!
Shyamalan apostou no Bruce Willis, pois na época ele estava fazendo filmes que não estavam chamando a atenção da audiência. Por outro lado o Bruce Willis também apostou no Shyamalan, ao encabeçar o filme de um diretor até então desconhecido. Porém, devo afirmar que aqui temos uma das melhores atuações da magnífica carreira do Bruce Willis. Realmente foi uma grande pena quando ele anunciou afastamento da carreira por questões de saúde. Haley Joel Osment virou um verdadeiro ícone ao dar vida ao pequeno Cole. Haley já havia ganhado um prêmio por sua interpretação do filho de Tom Hanks em "Forrest Gump" (1994), mas sua consagração veio com este thriller sobrenatural e sua poderosa interpretação, que lhe permitiu obter inúmeros prêmios, além de citações no Oscar, no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild Award. Realmente Haley Joel Osment teve uma atuação esplendorosa naquela cena icônica, conseguindo nos deixar assustados e incomodados somente pela suas expressões enquanto dialogava com o Bruce Willis. Haley foi impedido por sua mãe de assistir ao filme por um motivo simples, a censura era 14 anos. Poderia ser que as cenas impressionassem o garoto, que na época tinha 11 anos de idade, por isso Haley não teve a oportunidade de se ver nas telas.
Toni Collette já havia se destacado na comédia dramática "O Casamento de Muriel" (1994), conquistando inclusive uma indicação ao Globo de Ouro como Melhor Atriz em Comédia. Mas todas as atenções se voltaram para ela ao dar vida a mãe do pequeno Cole - Lynn Sear. Uma atuação muito forte em um papel muito importante dentro da trama do Shyamalan, conseguindo puxar todo o protagonismo para si em todas às suas cenas. Por sua atuação, ela foi aclamada pelos críticos e recebeu a primeira indicação ao Oscar. Olivia Williams ("Meu Pai", de 2020) completou o elenco ao dar vida a Anna Crowe, mulher do Dr. Malcolm. Olivia conseguiu se destacar muito bem ao contracenar com o Bruce Willis.
A trilha sonora do mestre James Newton Howard (parceiro de longa data nas produções do Shyamalan) é excelente e nos imergi com grandiosidade dentro da história. A fotografia de Tak Fujimoto (responsável pela fotografia da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é clássica, é contemporânea, casa perfeitamente com a obra. A direção de arte é muito bem executada e administrada em cada cena. A Direção do Shyamalan é rica em detalhes, pois ele trabalha com muita maestria cada cena, cada tomada de câmera, cada take, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar (merecidamente).
O longa de Shyamalan recebeu 6 indicações ao Oscar 2000: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Haley Joel Osment), Melhor Atriz Coadjuvante (Toni Collette), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem. Ganhou 2 indicações ao Globo de Ouro: Melhor Ator Coadjuvante (Haley) e Melhor Roteiro.
Nos Estados Unidos, o filme liderou o ranking semanal de público durante 6 semanas, sendo ainda a 2ª maior bilheteria de 1999 nos EUA, perdendo apenas para "Star Wars: Episódio 1 - A Ameaça-fantasma". No Brasil, o filme foi líder absoluto de público, tendo liderado o ranking semanal por mais de 2 meses e levando aos cinemas mais de 4 milhões de pessoas, tornando-se o filme que mais expectadores teve em 1999. Foi o segundo filme de maior bilheteria de 1999, arrecadando cerca de US$ 293 milhões nos EUA e US$ 379 milhões em outros mercados.
Shyamalan conseguiu criar um clássico até hoje lembrado e presente em listas de filmes obrigatórios. "O Sexto Sentido" até hoje é considerado como um dos filmes que mudaram o terror para sempre, e uma das maiores histórias de fantasmas já filmadas. Um clássico, uma obra Cult, uma obra influente na cultura Pop, uma obra de arte cultuada e respeitada mundialmente. Temos aqui o melhor roteiro do Shyamalan e, consequentemente, o seu melhor filme de toda a carreira. Uma verdadeira obra-prima do final dos anos 90 e um dos melhores suspenses de todos os tempos. [06/10/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
Lançado em 2019, "Coringa" foi dirigido e produzido por Todd Phillips (diretor e roteirista da trilogia "Se Beber, Não Case!"), que co-escreveu o roteiro com Scott Silver (roteirista da obra-prima "O Vencedor", de 2010). O filme é baseado no personagem da DC Comics, sendo estrelado por Joaquin Phoenix como o Coringa e fornece uma possível história de origem para o personagem. O longa é situado em 1981 e segue a trama de Arthur Fleck (Phoenix), um palhaço fracassado e aspirante a comediante cuja queda na insanidade e no niilismo inspira uma violenta revolução contracultural contra os ricos em uma Gotham City decadente.
Temos aqui uma verdadeira revolução dentro do universo cinematográfico do Coringa que já conhecemos, pois de fato este filme não tem ligações com as outras versões do personagem vistas anteriormente no cinema. O maior trunfo do longa é sem dúvidas o roteiro, pois Todd Phillips e Scott Silver tiveram uma licença poética, uma liberdade criativa, uma nova maneira de contar as origens do personagem. Por outro lado o roteiro também aborda uma nova forma em nos ambientar sobre uma Gotham City menos dark, menos obscura, menos sombria (como vimos recentemente em "The Batman"), mas totalmente desiquilibrada e decadente.
Outro grande acerto de Phillips e Silver foi todo o estudo de personagens dos anos 70, o que também levou às suas inspirações em obras daquela década como o clássico "Taxi Driver" de Martin Scorsese (que estava inicialmente ligado ao projeto como produtor), que também abordava uma cidade decadente em um filme urbano - além de mais inspirações em obras do Scorsese como "O Rei da Comédia" (1982). Por outro lado o filme adapta vagamente elementos da trama de "Batman: The Killing Joke" (1988), mas Phillips e Silver não buscaram inspiração em quadrinhos específicos.
O longa de Todd Phillips traz um estudo aprofundado no suspense psicológico, no drama, nas variadas vertentes do ser humano, em suas camadas, suas facetas, tudo que lhe é composto e definido diariamente em sua vida. Aqui temos a abordagem da vida de Arthur Fleck desde o isolado, o intimidado e desconsiderado pela sociedade, o fracassado comediante que inicia seu caminho com uma mente perturbada e criminosa, cuja sua ação inicia um movimento popular contra a elite de Gotham City. Toda trama é relatada sob o ponto de vista de uma personalidade que sofre de problemas mentais, desprovido de habilidades sociais e que não faz questão alguma de nos apresentar a verdade dos fatos.
O longa aborda exatamente esta "síndrome pseudobulbar" desenvolvida pelo Arthur - uma doença caracterizada por riso ou choro descontrolado e que surge por diferentes razões. Dois principais fatores que provavelmente contribuíram para sua condição foram a falta de afeto pela ausência do pai e os maus tratos na infância. Pois ao longo da trama descobrimos que muito do que o Arthur desenvolveu foi pelo fato de todo abuso e violência sofrido pelo pai e muitas coisas herdada da própria mãe, que foi diagnosticada com psicose delirante e distúrbio de personalidade narcisista, onde colocou a vida do próprio filho em perigo. O que também está ligado diretamente como o fato dos ataques de riso incontroláveis e sem motivo aparente, que de fato é o sintoma de uma série de condições médicas e, no caso do Arthur, pode ser uma "crise de epilepsia gelástica".
"Coringa" ainda abre espaço para uma crítica ácida e pertinente sobre a sociedade atual em que vivemos, onde só os ricos são notado por um sistema totalitarista e autoritário. Além da crítica de forma enfática a ausência do Estado nas periferias, a negligência e descaso com pessoas com transtornos mentais (como vimos no filme com o corte da verba do tratamento do Arthur), a facilidade do porte de armas, e um empoderamento perigoso que é, sim, capaz de corromper muita gente (como corrompeu o próprio Arthur). O longa traz uma efervescência política, uma anarquia, toda uma abordagem daquela decadente Gotham City que explicitava toda aquela aversão dos pobres com os ricos ao ponto da população apoiar um palhaço (que foi o assassino) para prefeito ao invés de Thomas Wayne (Brett Cullen).
Toda essa abordagem corrobora com um subtexto político em torno da transformação de Arthur Fleck no Coringa. Era como se morresse o Arthur e nascesse o Coringa, pois de fato temos a construção de um psicopata que é feita por sintomas que não coexistem num transtorno real. Ele pode ser pueril, como alguém com retardo, mas é capaz de insights poderosos sobre sua condição individual e social. O Coringa não se encaixa na sociedade, ele é corrompido por ela, ele vive em um nível de loucura que não serve como catarse, onde ele é doentio e não vê problema algum em ser extremamente violento. Além da situação de pobreza, que piora quando ele é demitido, ele também é obrigado a encarar a discriminação diária, o que atinge cada vez mais os seus distúrbios mentais, provocando toda onda de violência e caos. Posso afirmar que a própria sociedade transformou o Arthur Fleck em o Palhaço do Crime muito por falta de oportunidades, empatia, atenção, compaixão, pois ele mesmo afirma que a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse.
O Coringa já foi interpretado por vários atores em diferentes ocasiões ao longo de sua vasta história. Nomes como Cesar Romero, Jack Nicholson, Mark Hamill, Cameron Monaghan e Jared Leto já viveram o clássico personagem da DC. Além do mais icônico até hoje, vivido por ninguém menos que o eterno Heath Ledger. O Coringa de Ledger era mais visceral, mais anárquico, mais apoteótico, mais insano, mais Palhaço do Crime, já o Coringa de Phoenix é mais obscuro, mais sombrio, mais sofrido, mais injustiçado, mais vítima da sociedade, uma coisa mais escultural, mais artesanal. E era exatamente esse o maior desafio que Joaquin Phoenix iria enfrentar ao decidir reviver um personagem que foi imortalizado e eternizado pela interpretação estupenda de Heath Ledger. Porém, devo dizer que Joaquin Phoenix ("Gladiador" e "Sinais") conseguiu marcar o seu nome na história do Coringa com muita dignidade e muita mestria. Pois aqui temos uma interpretação do Coringa diferente de tudo que conhecemos e tudo que já vimos do personagem. Phoenix fez um trabalho grandioso, monumental, conseguindo empregar a sua forma única e autêntica no personagem, com um trabalho primoroso, peculiar, multifacetado, nos elevando para um tom mais cômico onde a comédia era subjetiva, pertence ao domínio de sua consciência - fantástico! Além de tudo, Joaquin Phoenix se entregou de corpo e alma para viver o personagem, pois o próprio revelou que achar a risada do personagem foi a parte mais difícil de sua performance, e que para aperfeiçoá-la, se baseou em "pessoas que sofrem de risadas patológicas". Outra grande entrega se deu ao fato de Phoenix se submeter a perder cerca 23,5 quilos, indo de 81kg para 56,5kg em quatro meses. Phoenix contou com ajuda médica para emagrecer e fez uma dieta rigorosa - realmente era muito nítido o quanto ele estava magro em cena. Joaquin Phoenix ganhou tudo que foi indicado naquele ano, incluindo merecidamente o Oscar de Melhor Ator.
No elenco ainda tivemos o grande Robert De Niro ("O Irlandês"), que deu vida ao Murray Franklin. Um apresentador de talk show que desempenha o papel principal na queda de Arthur, sendo o verdadeiro estopim, a verdadeira faísca para transcender toda fúria que estava guardada dentro dele (onde temos uma das cenas mais antológicas que eu já presenciei nos últimos anos). Frances Conroy ("American Horror Story") como Penny Fleck, a mãe de Arthur. Uma figura extremamente importante para todo o processo pelo qual o Arthur foi submetido a passar em sua vida. Zazie Beetz ("Deadpool 2") como Sophie Dumond. Uma mãe solteira e o interesse amoroso de Arthur (que me deixou bastante intrigado com o seu desfecho final).
Tecnicamente e artisticamente "Coringa" é uma obra-prima! A direção de Todd Phillips é impecável. A trilha sonora de Hildur Guðnadóttir ("Sicario: Dia do Soldado") é sublime e peculiar, principalmente por dar ênfase na maior parte do tempo na decadência de Arthur Fleck. A fotografia é avassaladora, conseguia transcender com muita propriedade cada acontecimento da trama unicamente pelos ângulos fotográficos - mais uma vez eu cito "Taxi Driver", por sua fotografia urbana. A direção de arte é absurda, e muito pelo fato do filme ter sido ambientado no fim da década de 70 e início dos anos 80, que deu um vislumbre para cada detalhe em cena, como os próprios cenários, que trouxe uma riqueza incrível para a obra. Além, é claro, o filme é muito bem montado, muito bem estruturado, muito bem editado, tudo muito bem arquitetado.
"Coringa" ganhou o Leão de Ouro no 76º Festival Internacional de Cinema de Veneza. No Oscar 2020, "Coringa" liderou com 11 indicações - sendo Melhor Filme, Ator, Fotografia, Figurino, Direção, Edição, Cabelo e Maquiagem, Trilha Sonora Original, Edição de Som, Mixagem de Som e Roteiro Adaptado, vencendo em Melhor Ator para Joaquin Phoenix e Melhor Trilha Sonora para Hildur Guðnadóttir. Além de ter sido o segundo filme de HQ indicado na categoria de Melhor Filme, depois de "Pantera Negra" ter recebido indicação no ano anterior. Uma sequência intitulada "Joker: Folie À Deux" ("Coringa 2") será lançada em 4 de outubro de 2024, com Todd Phillips retornando para a direção e estrelado por Joaquin Phoenix e Lady Gaga.
"Coringa" é um filme cru, seco, niilista, intrínseco, tendencioso, individual, peculiar, pertinente, que nos relata como uma sociedade decadente tem o poder de causar distúrbios mentais em uma pessoa e transformá-la em um vilão, ou em uma vítima. O longa de Todd Phillips entra no hall das melhores adaptações de HQ's de todos os tempos, juntamente com obras como "Homem Aranha 2", "Batman: O Cavaleiro das Trevas" e "Vingadores: Ultimato". Também ficará marcado pela interpretação majestosa de Joaquin Phoenix como Coringa, que pra mim está em pé de igualdade com a versão lendária de Heath Ledger. "Coringa" é o melhor filme da DC/Warner. A sua verdadeira obra-prima incontestável!
"Só espero que minha morte faça mais sentido do que minha vida" [01/10/2022]
Órfã 2: A Origem (Orphan: First Kill) - TEM SPOILERS -
"Órfã 2" é dirigido por William Brent Bell (do péssimo "Filha do Mal", de 2012), foi escrito por David Coggeshall (roteirista do bom "Evocando Espíritos 2", de 2013), baseado em uma história de David Leslie Johnson-McGoldrick (autor de "Invocação do Mal 3", de 2021) e Alex Mace (que escreveu o roteiro e a história do primeiro filme). O longa serve como uma prequela do filme de 2009 - "A Órfã".
Depois de planejar uma fuga de um hospital psiquiátrico na Estónia, Esther (Isabelle Fuhrman) viaja até os EUA passando-se pela filha desaparecida de uma família milionária. No entanto, após uma inesperada reviravolta, a mãe começa a desconfiar da criança e faz de tudo para proteger a sua família.
Temos aqui mais um caso de uma continuação (ou prequência) completamente desnecessária. Quando ouvi os rumores que estavam produzindo uma continuação do filme de 2009, o primeiro pensamento que veio em minha cabeça foi - qual a necessidade? Qual a finalidade? Obviamente o motivo é sempre o mesmo, lucrar em cima de um filme que ficou eternizado lá atrás, utilizando a força do seu nome, o amor dos fãs e a volta de Isabelle Fuhrman no papel que a consagrou. "A Órfã" é simplesmente um dos melhores filmes de terror/suspense da década de 2000, e conta um Plot twist excelente e inédito. Particularmente eu estava satisfeito com o que foi entregue no primeiro filme, teve um fechamento perfeito da história, que o deixou completamente imortalizado. Dessa forma eu não vejo a menor necessidade em nos trazer uma história que aconteceu antes do primeiro filme, até porque nem tudo na vida necessariamente precisa de uma explicação detalhada, ainda mais quando estamos nos referindo à um filme que já foi estabelecido em seu universo.
Parece uma regra, você lança um filme que dá certo e faz um enorme sucesso, e depois de alguns anos você decide lançar um segundo que contará a origem do primeiro. Realmente nos últimos anos Hollywood tem optado pelas prequelas e não por histórias originais e inéditas (está faltando ambição e inteligência por lá), ou seja, vamos continuar no campo do famoso "ambientado antes dos eventos de". Temos vários casos que nem sempre uma pré-sequência deu certo: como o exemplo do excelente "Um Lugar Silencioso" (2018) e sua continuação mediana "Um Lugar Silencioso - Parte II" (2020).
Um dos objetivos de "Órfã 2" como uma prequela era cobrir um buraco no enredo do primeiro filme, que era exatamente como Esther foi da Estônia para um orfanato americano sem ter sido deixada por ninguém, ou seja, mesmo com toda papelada forjada, Esther não poderia simplesmente aparecer com ela do nada. Até acho uma premissa válida, mas que não clamava por urgência, onde necessariamente precisamos cobrir este buraco deixado no enredo do primeiro filme. Se fosse tão urgente assim, porque esperaram 13 anos para cobrir o tal buraco nos entregando uma produção tardia e subaproveitada?
Se no primeiro filme tínhamos algumas partes inverossímeis, onde tínhamos que aplicar uma certa suspensão de descrença, nesse aqui você tem que desligar o cérebro e aplicar a famosa suspensão de descrença em 100% do filme. Tudo bem que estamos falando de uma produção fictícia, que necessariamente não podemos exigir uma coerência em tudo, mas o problema está justamente nesse ponto, quando temos o primeiro filme inspirado em uma história real, que ainda estava no terreno do aceitável.
"Órfã 2" é uma produção catastrófica, com um roteiro subaproveitado, histórias pífias e situações inverossímeis que beiram o ridículo. Partindo da premissa do subtítulo - 'A Origem' em português, ou 'First Kill' (primeira morte) no original, poderíamos imaginar que o roteiro fosse contar uma história de origem da Esther, algo como sua frustração em ter aquela doença rara e não ter crescido, e como isso a levou a se tornar uma psicopata. Porém, o subtítulo é usado apenas para chamar atenção do espectador, porque de fato o roteiro não narra as suas origens, pois já iniciamos o filme com Esther/Leena com 30 anos e já detida em um manicômio, ou seja, não temos as suas origens e não temos a sua primeira morte - bola fora.
Outro ponto: o roteiro quer nos vender a qualquer custo que Leena Klammer aparenta ser uma doce menina inocente a primeira vista, mas o fato de estar internada em uma clínica psiquiátrica a intitula como a paciente mais perigosa do local. Uma forma ridícula que encontraram de nos vender a ameaça e o perigo que está em volta de Leena, o que soou com uma artificialidade absurda. Outro furo: Leena não é a paciente mais perigosa do local, uma vez que no local existem pacientes extremamente mais perigosa que ela, como é o caso paciente que tem o gatilho dos doces. Leena pode até ser considerada a mais maquiavélica, a mais ardilosa e a mais inteligente daquele local.
O diretor e os roteiristas pouco se preocuparam com o tanto de situações ridículas e inverossímeis que o filme nos passa, realmente nos obrigando a aceitar tudo que eles quisessem nos enfiar goela abaixo. Vamos desligar o nosso cérebro, ativar o modo suspensão de descrença e mergulhar de cabeça no tanto de imbecilidade que o roteiro nos entrega - e vamos lá! A cena inicial com Leena fugindo do manicômio é extremamente ridícula, ela encontra uma facilidade tão absurda que seria mais difícil fugir de uma tartaruga. A forma como Leena consegue encontrar uma criança americana desaparecida na internet (que se parece com ela), consegue despistar a polícia e ir para os EUA, é vexatória de horrível. A família americana aceitando a Leena como sua filha desaparecida é extremamente superficial, e digo mais - eles desconheciam a existência do exame de DNA.
Um dos principais pontos de discursão está em torno da atriz Isabelle Fuhrman, que antes tinha 12 ano e interpretava uma criança com 9, agora tem 23 (pois o filme foi filmado em 2020) e interpreta uma criança com 7, ainda mais nova que no primeiro filme. De fato a Isabelle é digitalmente rejuvenescida para fazê-la parecer semelhante com ela própria no filme original. Utilizaram de bastante maquiagem, alguns truques de filmagens, como o fato das cenas de costas ser utilizado o uso de um dublê de corpo. Alguns atores do elenco que eram da mesma altura que Isabelle enquanto estavam em cena tiveram que usar sapatos altos de plataforma ao lado dela para fazê-la parecer mais baixa. Acho até válido toda essa tentativa em querer força a atriz a se parecer com uma criança utilizando apenas truques e maquiagem, e sem utilizar efeitos digitais extremamente caros. Mas por outro lado não me convenceu, não achei plausível, não achei aceitável, tudo não passou de uma tentativa em vão, agindo como uma perspectiva forçada e totalmente falha. Típico caso da continuação tardia. Se queriam desenvolver uma prequela porque não fizeram com a atriz mais nova, e não esperar 13 anos, onde fatalmente a atriz estaria mais velha.
Isabelle Fuhrman é a única atriz do elenco do filme original a retornar nessa prequela. Isabelle é a única que se salva do elenco, pois mesmo com todas as dificuldades e todos os incômodos causados pelo fato de ser obrigada a se parecer muito mais jovem, ela entrega o que sabe fazer de melhor na pele da icônica Esther. Seus trejeitos, suas expressões, seu comportamento, sua interpretação, seu sadismo, tudo condiz com sua personagem imortalizada lá em 2009 - apesar que lá ela estava ainda melhor.
O restante do elenco é deplorável, é superficial, é genérico. Como é o caso da Julia Stiles ("O Lado Bom da Vida", de 2012) que deu vida a Tricia Albright. A princípio ela tem um papel de mãe de uma filha teoricamente desconhecida até aceitável, mas depois ela se transforma em uma personagem fútil, rasa, muito canastrona, muito caricata, que exibe o tempo todo o seu ar de perigosa e letal - achei uma interpretação péssima. O resto do elenco de apoio não vale nem a pena citar, de tão ruins que são.
O roteiro até tenta estabelecer um Plot twist inovador e surpreendente, para nos impactar com a mesma proporção do excelente Plot do filme de 2009. Porém, pra mim ficou apenas na tentativa mesmo, pois o Plot que temos aqui é mediano e não convence no nível que foi esperado. No longa de 2009 tínhamos uma violência explícita muito bem pontuada nos momentos mais oportunos da trama, o que soava como uma necessidade do roteiro. Aqui temos violência gráfica, cenas sangrentas e gore, porém, me soou como uma tentativa desesperada do roteiro em tentar nos impactar pelas cenas sem pudor, algo como uma cortina de fumaça para mascarar toda falta de preparo e de inteligência.
O diretor William Brent Bell, recentemente revelou ao podcast Bloody Disgusting The Boo Crew a probabilidade de ter um terceiro filme, comentando que só produzirá a sequência para a trilogia se Isabelle Fuhrman quiser e se houver um roteiro muito legal. O que definitivamente torço fervorosamente para que não aconteça, ainda mais se tratando de um roteiro legal, sendo que nem aqui tivemos um roteiro decente, imagina em um terceiro filme. Nesse caso eu realmente espero que a Isabelle Fuhrman desista do projeto enquanto ainda há tempo, pois aqui definitivamente "menos é mais".
"Órfã 2" é um filme falho, deprimente, vexatório, uma pré-sequência infundada, desorganizada, inverossímil e completamente desnecessária. Para quem assistiu só o primeiro filme e esteja cogitando a ideia de assistir este, eu sinceramente não recomendo, pois não agregará em nada na ótima história que você já conhece, na verdade manchará tudo que você tem guardado do belíssimo filme de 2009.
"A Órfã" é um filme simplesmente memorável, icônico e inesquecível, já esse aqui é uma perda de tempo completamente passável e totalmente esquecível. [24/09/2022]
"A Órfã" foi lançado em 2009, dirigido por Jaume Collet-Serra (estreante como diretor no filme "A Casa de Cera", de 2005), escrito por David Leslie Johnson (roteirista da série "The Walking Dead"), a partir de uma história de Alex Mace (Coprodutor do filme "A Garota da Capa Vermelha", de 2011). O filme é uma coprodução internacional entre Estados Unidos, Canadá, Alemanha e França. Foi produzido por Joel Silver e Susan Downey da Dark Castle Entertainment, e Leonardo DiCaprio e Jennifer Davisson Killoran da Appian Way Productions.
O longa nos traz a história da pequena Esther (Isabelle Fuhrman), uma garota de origem russa com apenas 9 anos que ficou órfã após a família que a adotou morrer em um incêndio que também quase a matou. Por outro lado temos a família Coleman, que vive em um luto recente devido a um trágico aborto. Kate (Vera Farmiga) e John (Peter Sarsgaard) estão arrasados, estão vulneráveis, e mesmo já tendo dois filhos decidem adotar uma criança para ocupar o lugar da filha perdida. Dentro desse contexto temos a entrada da misteriosa Esther na família Coleman, que logo desencadeia uma série de eventos alarmantes que faz com que Kate acredite que algum mal esteja por trás do rosto angelical da filha recentemente adotada.
Quando "A Órfã" chegou aos cinemas, público e crítica foram surpreendidos por um filme muito bem realizado, muito bem idealizado, que entrou para a história do cinema como uma das produções mais criativas e instigantes dos últimos anos. Quando eu assisti o filme no cinema lá em 2009, eu sai da sala completamente atônito com o que eu tinha acabado de presenciar em tela. Simplesmente um dos melhores suspense/terror daquela década, com um Plot twist excelente e inédito.
"A Órfã" nos imergi em um terror psicológico com um suspense funcional que permeia todo drama, todo mistério que está por trás de Esther. A garotinha tem um rosto angelical, tem um comportamento muito educado, entretanto, a menina não é tão inocente quanto parece e inicia um reinado de terror na residência da família, principalmente contra os outros dois filhos do casal, Max e Daniel (Jimmy Bennett e Aryana Engineer). Com a chegada de Esther logo é despertado o ciúme por parte do irmão, e logo é despertado um encanto e uma curiosidade por parte da irmã que é surda e muda. Esther é uma garota diferente, que se veste diferente, e inevitavelmente ela começa a sofrer bullying na escola (o que me remete diretamente ao clássico "Carrie, a Estranha").
Esther tem uma passado misterioso, sombrio e macabro. Ela possui problemas psicológicos e foi criada em um manicômio e não em um orfanato como todos inicialmente pensava. Esther possui um transtorno de personalidade antissocial, que é caracterizado como um distúrbio mental pelo desprezo por outras pessoas. Exatamente como constatamos ao longo da trama, pois ela costumava mentir, infringir leis, agir impulsivamente e desconsiderar sua própria segurança ou a segurança dos outros (no caso dos próprios irmãos). Esther tinha distúrbios de caráter, encanto superficial, dificuldade para fazer e manter amigos, mas por outro lado ela era hábil, manipuladora, maquiavélica (como constatamos na cena com a Psiquiatra), e agia ardilosamente ao jogar as pessoas umas contra as outras para conseguir o que queria - como também constatamos na cena bizarra e doentia em que ela quebra o próprio braço na morsa para incriminar a mãe e jogá-la contra o pai.
Aqui temos simplesmente um dos melhores Plot twist da década de 2000 e um dos melhores que eu já assisti baseado em um filme de suspense/terror:
No Plot descobrimos que Esther não é uma criança, mas sim uma mulher de 33 anos com hipopituitarismo (nanismo), uma doença rara que causa a diminuição da atividade da hipófise e resulta em baixa estatura, infertilidade e outros sintomas. Realmente um Plot muito inteligente, inédito, diferente, intrigante, que me deixou boquiaberto na sala de cinema, e muito pelo fato de nunca ter assistido nada parecido com o que foi entregue aqui.
O roteiro de "A Órfã" consegue ser ainda mais genial pelo fato de ter se inspirado na história real de Barbora Skrlová, uma mulher que nasceu com uma condição hormonal que a fazia parecer uma criança (exatamente como Esther). Em 2007, Skrlová foi morar com as irmãs Katerina e Klara Mauerova na cidade de Kuřim, na República Tcheca. Usando o nome Anna, ela contou a história de que havia sofrido abusos de sua família. Após se mudar para a residência, Barbora/Anna cometeu vários atos de tortura e crueldade contra as crianças Mauerova e ainda convenceu as irmãs a participarem dos atos brutais. Após as denúncias de vizinhos, as autoridades chegaram ao local e Barbora fingiu ser uma menina de 12 anos que havia sido sequestrada pelas irmãs. Ela conseguiu fugir, sendo encontrada anos depois na Noruega, onde se passou por um menino de 13 anos e conseguiu ser adotada por um casal que não fazia ideia de sua verdadeira identidade. História completamente bizarra e doentia, o que elevou ainda mais a qualidade do longa-metragem de Jaume Collet-Serra.
Isabelle Fuhrman é alma e o coração do filme, e ela está completamente genial na pele da misteriosa Esther. Isabelle teve uma atuação grandiosa, impecável, tenebrosa, onde nos passou uma personalidade fria, cruel, perversa, sádica e doentia - como na icônica cena das marteladas a sangue frio na freira, ou na cena bizarra em que ela quebra o próprio braço. E olha que ela ainda era uma crianças na época das filmagens do longa, pois ela tinha apenas 11 anos. Durante as filmagens, o diretor Jaume Collet-Serra permitiu que Isabelle fizesse as cenas com palavrões em apenas uma ou duas tomadas para que não ficasse xingando repetidamente. Quando o filme finalmente chegou nos cinemas, a atriz teve permissão para participar da estreia com a condição de que sua irmã mais velha se sentasse ao seu lado e cobrisse seus olhos nas cenas mais violentas. Certamente "A Órfã" é o melhor filme de Isabelle Fuhrman e também é o mais conhecido, pois sinceramente eu acreditava que sua carreira fosse decolar após este sucesso estrondoso, mas não foi bem assim que aconteceu. Após "A Órfã" Isabelle Fuhrman teve personagens pouco expressivos em filmes como "Jogos Vorazes" e "Depois da Terra".
Vera Farmiga ("Invocação do Mal" e "Annabelle 3") está excelente no filme, chegando a dividir o protagonismo com Isabelle Fuhrman com muita maestria. Farmiga dá vida a Kate Coleman, uma mulher que carrega um grande trauma envolvendo sua filha, que tem sérios problemas com bebidas e está completamente vulnerável pelo seu recente aborto. Uma atuação divina, excelente, perfeita, uma das melhores interpretações de Vera Farmiga em toda a sua carreira. Sem falar que apenas 2 anos antes Farmiga interpretou Abby (no filme "Joshua, o Filho do Mal"), a mãe de um menino prodígio extremamente manipulador e sádico que não consegue lidar com o nascimento da irmã mais nova e começa a aterrorizar a família - uma grande semelhança com a sua personagem em "A Órfã".
Peter Sarsgaard ("A Chave Mestra" e "A Filha Perdida") completa muito bem com seu papel do pai de família. Peter dá vida ao John Coleman, um homem que também sofre com os problemas de sua mulher e também está vulnerável por todos os acontecimentos recentes. John nos passa a figura do pai amável, preocupado, que quer sempre estar presente protegendo sua família, porém, com a chegada de Esther ele passa a ser extremamente manipulável. Grande trabalho de Peter Sarsgaard. A pequenina Aryana Engineer (a Becky de "Resident Evil: Retribution") com apenas 8 anos deu um show de fofura ao interpretar a irmãzinha Max Coleman - Aryana é deficiente auditiva, e usa um aparelho auditivo. E completando com Jimmy Bennett ("Horror em Amityville", de 2005), que fez o irmão mais velho Danny Coleman. Ele começa bem morno, mas depois sua relevância cresce dentro da trama e consequentemente a sua atuação também.
Tenho que elogiar a grande direção de Jaume Collet-Serra, que usou com muita competência aqueles takes em que a câmera se aproximava pelas costas do personagem nos induzindo que algo (ou a Esther) estivesse atrás para atacar, quando na verdade era apenas um foco da câmera que se aproximava para justamente nos levar a tensão - excelente trabalho de câmeras. A edição de som é excelente - como vimos na cena que a Max retira o aparelho auditivo e somos confrontados com uma perda de som ambiente, o que nos insere diretamente sobre o mundo pela perspectiva da criança - Perfeito. A fotografia principal ocorreu no Canadá, nas cidades de St. Thomas, Toronto, Port Hope e Montreal. Um excelente trabalho da direção de fotografia, que me remeteu diretamente para o filme "Os Outros", um clássico dos anos 2000 que também era envolto no suspense e nos apresentava uma fotografia de cenários carregados de neve.
A trilha sonora de John Ottman (compositor da trilha sonora de "Bohemian Rhapsody") é impecável e se sobressai perfeitamente nas mais variadas cenas do filme, contrastando entre os momentos mais leves e mais tensos. Outro ponto muito interessante é o fato de talvez imaginarmos que esse rejuvenescimento da Esther fosse ser feito em CGI. Mas para a surpresa de todos, a própria Isabelle Fuhrman revelou que foram utilizados efeitos de maquiagem e técnicas de filmagem de perspectiva forçada - incrível!
Por outro lado nem tudo são flores em "A Órfã". Temos que concordar que o longa está repleto de inúmeros clichês do gênero - como a cena do acidente no parque, a cena bem inverossímil da Esther atacando o Danny no CTI. Realmente temos que usar uma suspensão de descrença em troca da premissa de entretenimento.
Na época, "A Órfã" enfrentou algumas polêmicas por causar controvérsia com instituições de adoção. O filme recebeu inúmeras reclamações de agências de adoção e lares temporários, que incentivaram o boicote ao filme por sua representação negativa da adoção e de crianças do leste europeu. Isso levou a Warner Brothers a retirar a frase "deve ser difícil amar uma criança adotada como se fosse sua" do trailer. Após essas polêmicas, no DVD lançado nos Estados Unidos foi inserida uma mensagem que promovia e incentivava a adoção, avisando que o filme não passava de ficção e não deveria atrapalhar um processo tão bonito e tão humano.
Em 15 de Setembro de 2022 foi lançado uma prequela, intitulada "Orphan: First Kill" (Órfã 2: A Origem), com Isabelle Fuhrman reprisando o seu icônico papel.
No YouTube e no Blu-ray tem um final alternativo, intitulado "Orphan alternate ending", que faz uma enorme mudança no final da trama. Eu particularmente sempre vou preferir o final original, acho mais convincente e muito melhor. Mas não podemos descartar este final alternativo que nos soa como ambíguo, afinal de contas ele abre margens para inúmeras interpretações.
"A Órfã" foi uma febre em sua época de lançamento, conquistando um público que se tornou fã e que ama o filme até hoje (e eu estou incluso), o que já o tornou um clássico e um suspense Cult. [23/09/2022]
"Resident Evil" é uma série original Netflix desenvolvida por Andrew Dabb (roteirista de praticamente toda a série "Supernatural"). Teve seu lançamento em 14 de Julho de 2022. A série se alterna entre duas linhas do tempo anos depois do surto viral que provocou o apocalipse mundial. Em uma parte temos Jade e Billie Wesker (Tamara Smart e Siena Agudong) durante seus dias em New Raccoon City, onde descobrem os segredos obscuros de seu pai e da Umbrella Corporation. E a outra se passa 14 anos no futuro, onde Jade, agora com 30 anos, luta para sobreviver nesse novo mundo enquanto é assombrada por segredos do passado que envolvem sua irmã desaparecida, seu pai e a Umbrella.
Quando a Netflix estava produzindo a série sobre Resident Evil, os rumores apontavam que a série se passaria em seu próprio universo, mas que iria apresentar um enredo da saga dos videogames como sua história de fundo e base - ok. Como um verdadeiro fã da franquia desde 1996 e já tendo terminado todos os jogos existentes da saga até hoje, posso afirmar que Resident Evil nunca ganhou uma adaptação à sua altura, que condissesse com todo o universo da icônica franquia da Capcom.
Por mais que isso me doa profundamente, mas eu tenho que admitir que esta série é pior que todos os filmes da Alice (Milla Jovovich). Por mais que eu não goste da franquia do Paul W. S. Anderson, mas pelo menos ele não modificou um personagem já existente dentro da saga, ele criou outro. O mesmo vale para o filme "Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City", que de fato é horrível, mas ainda assim me agradou nos Fan service. Já esta série da Netflix é simplesmente a pior adaptação sobre a saga Resident Evil já existente na face da Terra.
Este ano eu já defendi a Netflix nas séries "O Gambito da Rainha" e "Inventando Anna", que de fato são excelentes produções. Porém, dessa vez eu tenho que ser justo, dessa vez eu tenho que bater em quem merece apanhar, e esse alguém é você Netflix.
Primeiro ponto: Tantas história para vocês contarem e vocês simplesmente decidem inventar uma nova história sobre duas filhas do Albert Wesker em uma nova Raccoon City - é sério mesmo? O universo de Resident Evil é tão extenso, é tão vasto, é tão rico, que daria pra compor uma série com umas 10 temporadas (no mínimo), sem a menor necessidade de inventarem uma história completamente estapafúrdia e descabida como esta. Parece que a ideia dos roteiristas era exatamente ir na contramão do que fazer o simples, do que entregar o que todo mundo quer, pois muita das vezes o simples bem feito é muito melhor do que uma invenção contestável.
Segundo ponto: Eu juro que eu nunca vou entender esta geração, pois parece que você não pode mais sentar no sofá da sua casa unicamente para assistir um filme, uma série, pelo puro prazer da diversão e do entretenimento. Tem horas que você quer apenas se entreter com o que você está assistindo e não quer ser representado o tempo todo, em todas às mídias (como a própria Netflix acha). Hoje em dia tudo é representatividade, tudo é inclusão, tudo é lacração, tudo é empoderamento, tudo é militância, tudo é banalizado, tudo sendo enfiado goela abaixo em uma simples série que almejaria o entretenimento como seu principal objetivo. Está muito claro que a Netflix quis se aparecer, quis lacrar, teve a real intenção de fazer às pessoas se sentirem representadas ao assistirem a série, e este caminho seguido tirou todo o foco do que realmente importava, que era justamente a qualidade do roteiro, dos personagens e, principalmente, o respeito pela obra original. É óbvio que você não precisa ser 100% fiel à franquia dos videogames, você tem o direito de mudar, de reinventar, de usar uma certa liberdade criativa, mas desde que você respeite a obra que já está eternizada há anos, desde que você mantenha a essência da saga e dos personagens de Resident Evil.
O fato do Albert Wesker ser negro não tem nada a ver com o ator (até porque não foi ele que se escalou para a série), a decisão de mudança de etnia é totalmente da produtora. O que eles queriam era justamente mostrar que estavam engajados com o movimento anti-racismo, com a representatividade, com a diversidade e principalmente com a inclusão. Porém, quando a produtora decidi fazer isso, eles já sabiam que poderiam causar uma extrema revolta, poderiam até atrapalhar o movimento racial ao invés de ajudarem, como de fato queriam. Você não está derrubando barreiras, você está apenas causando mais ódio no público quando decidi mudar um universo que já existe, que já está estabelecido há décadas pelo único propósito de lacrar, de engajar uma causa em prol da representatividade e da inclusão social. O problema não está em mudar a cor da pele de um personagem que foi adaptado de um livro, de um jogo de videogame, de um conto, de uma passagem, o problema está justamente quando você faz isso unicamente com a intenção de lacração, de militância, exibindo um falso moralismo em relação a diversidade, a representatividade e a inclusão.
A série é incrivelmente ruim em tudo que se propõe a fazer. Aqui temos uma série totalmente fora do contexto de Resident Evil, ou seja, uma série adolescente, com um drama adolescente, com uma crise adolescente, que aborda o velho clichê da adolescente revoltada com a família e com a irmã, e que briga na escola. Temos mais forçação de barra em volta da representatividade da classe Vegana, da classe LGBTQIA+ e da típica mulher empoderada. Em um universo onde o principal inimigo é um vírus que adultera os genes humanos e animais, ou seja, um lugar perfeito para a produtora exibir o seu discurso em prol do uso de animais como cobaias em laboratórios, no caso, o laboratório fictício da Umbrella Corporation (acho um discurso muito válido mas que não cabe aqui).
O roteiro da série é ridículo, é vexatório, é risonho, é completamente vergonhoso e deplorável. Temos situações completamente incabíveis dentro do universo de Residente Evil - como o fato de duas garotas adolescentes e totalmente desinformadas sobre aquele universo conseguirem simplesmente invadir a base laboratorial da Umbrela. Uma das maiores e mais bem protegida indústria farmacêutica do universo (segundo a história, é claro). Um laboratório da importância e do nível da Umbrella Corporation e não existe um simples segurança noturno.
Além do roteiro ser péssimo, o enredo é muito ruim, o desenvolvimento e apresentação dos personagens são horríveis. Por falar em personagens: vexatório e vergonhoso resume completamente o elenco dessa série. O Wesker é totalmente perdido e deslocado em cena, e nem é uma culpa do ator Lance Reddick (John Wick), que até considero um bom ator. A Evelyn (interpretada pela mexicana Paola Núñez) é completamente patética, uma personagem pífia, ridícula, desprovida de talento e imaginação. As adolescentes Tamara Smart e Siena Agudong não fazem a menor diferença, na verdade estão ali unicamente para compor o núcleo adolescente que a Netflix queria nos enfiar goela abaixo. Ella Balinska (As Panteras / 2019) é a única personagem que se aproxima um pouco do universo Resident Evil. Na verdade tem partes que ela até funciona como uma espécie de nova Alice, aquele estilo Bad Ass. Realmente ela poderia ter sido melhor aproveitada.
A série por completa já é horrível, mas os 2 últimos episódios conseguem ser ainda pior. Toda aquela tosquice dos clones do Wesker (que me lembrou exatamente a franquia da Alice). Toda essa ideia ficou péssima, principalmente quando o Wesker é clonado no Blade - ridículo! Aquela dancinha do TikTok é a coisa mais vergonhosa que eu já vi em toda a minha vida, simplesmente por se tratar de uma série sobre fucking Resident Evil. O CGI é muito fraco, parece que excedeu o orçamento e usaram o que sobrou para aplicarem uns efeitos bisonhos. Os Zumbis são bem medianos, não chegam nem perto dos Zumbis da série "The Walking Dead" (onde eu acho um dos melhores Zumbis já feitos). Aqui temo uns Zumbis rápidos e violentos, que me remete aos Zumbis do "Resident Evil 6" (2012) e do Survival Horror "Cold Fear" (2005). O CGI da "Grave Digger" e do "Alligator" também são ruins.
Por outro lado temos algumas partes que até se esforçam em algo levemente plausível. Por exemplo: tem partes da Jade adulta que até soa como um universo de Resident Evil. Partes essas que contém uma ambientação que até condiz com um universo envolto em Resident Evil - até por contar com mais ação, tiroteios, bastante sangue e muito gore (como na cena que a Jade arranca a cabeça do Zumbi com a motosserra) - pois vale lembrar que a própria franquia chegou a abandonar o Survival Horror para mergulhar de cabeça na ação desenfreada em "Resident Evil 5" (2009). O "Zombie Dog" do primeiro episódio e o "Link" do episódio 3 ficaram até bem representados (apesar do fraco CGI). Assim como a própria "Black Tiger" e o Zumbi da motosserra (que lembra o "Dr. Salvador" da versão do "Resident Evil 4"). Também pude pegar aquela menção ao Zumbi "Shrieker", um inimigo que emite um forte som (um grito ensurdecedor) que abala o sistema nervoso dos infectados que reage ao som e isso faz com que fiquem mais violentos - sua aparição foi em "Resident Evil 6".
Curiosidades bizarras: Eu vivi para escutar Dua Lipa com "Don't Start Now" em uma série sobre a saga Resident Evil. Eu vivi para ler a matéria que o ator Lance Reddick afirma que a culpa da série falhar foram dos "Haters" e dos "Trolls" que não entenderam a série. E por incrível que pareça eu ainda continuo vivo.
Felizmente a Netflix falha miseravelmente com esta série por querer aplicar um conteúdo ativista ideológico. Acredito que toda ideologia que ela aplicou na série sobre representatividade, inclusão e empoderamento serviu unicamente para mascarar toda falta de inteligência ao entregar uma história pífia, com personagens execráveis e um roteiro detestável.
Eu como um fã da saga não me senti representado com esta série patética, muito pelo contrário, me senti envergonhado, achincalhado, banalizado e enganado. Considero esta série vergonhosa, vexatória, deplorável, péssima e horrível. Um desrespeito ao verdadeiro fã da franquia Resident Evil. Um desserviço a velha guarda da saga. Uma afronta para a franquia dos games que se imortalizou e se eternizou com os verdadeiros fãs, e não com essa geração que só se preocupam com a representatividade, a militância e a famosa lacração.
Um mês e meio após o lançamento de Resident Evil, a Netflix optou por não continuar a produzir a série. Segundo o Deadline, o streaming optou por tomar essa decisão devido aos baixos índices de exibição. Eu louvo de pé esta notícia! Pois de fato isso daqui não pode ser chamado de Resident Evil. Isso aqui não pode carregar o nome de Resident Evil. Isso aqui não representa Resident Evil nem aqui e nem na Bósnia Herzegovina da Malásia do Norte. [20/09/2022]
"Samaritano" é o novo filme da Amazon Prime Video dirigido por Julius Avery (estreante como diretor em 2014 no filme "Sangue Jovem", que contou com a presença de Ewan McGregor e Alicia Vikander) e escrito por Bragi F. Schut (roteirista de "Caça às Bruxas", de 2011, com o Nicolas Cage). O longa foi descrito como uma nova visão sombria dos filmes de Super-heróis, cuja a história foi previamente adaptada para as histórias em quadrinhos da Mythos Comics por Schut, Marc Olivent e Renzo Podesta. É uma co-produção da Metro-Goldwyn-Mayer e da Balboa Productions (a produtora de cinema e televisão americana liderada pelo próprio Sylvester Stallone).
Na história, temos a lenda viva Sylvester Stallone como Joe Smith, um super-herói aposentado que vive em Granite City e trabalha como lixeiro, recolhendo alguns objetos especiais e valiosos para restaurá-los como um hobby. No entanto, tudo muda quando Smith tem sua vida monótona interrompida ao salvar Sam (Javon Walton) de alguns valentões, até que o jovem percebe que ele é, na verdade, o Samaritano, um super-herói que todos achavam ter morrido em Granite City há 20 anos atrás.
Nos últimos anos o cinema foi dominado pelas produções de Super-heróis (tanto pela DC quanto pela a Marvel), onde até o M. Night Shyamalan resolveu compor o seu universo de heróis e vilões com produções como "Fragmentado" e "Vidro" (e fazendo ligações com "Corpo Fechado"). Pegando exatamente essa onda, temos aqui uma nova versão de um filme de Super-herói.
"Samaritano" é um filme de herói diferente, com um Super-herói diferente, um herói velho, um Super-humano aposentado (eu vi um estilo meio Hancock). O longa veio com uma proposta de entregar uma história que possui algumas camadas, com as quais o espectador poderá se identificar. É uma espécie de conto de moralidade, onde o próprio herói nos passa essa visão e esses argumentos em cena, sendo uma espécie de mestre e seu aprendiz, o mentor e seu pupilo, ou até mesmo o grande fã descobrindo e conhecendo o seu grande herói. Por outro lado temos um filme de herói, mas poderia ser facilmente interpretado como uma história de um ex-lutador ou um ex-soldado do Vietnã, ou seja, é um filme como tantos outros já feitos inclusive pelo próprio Stallone, que foi eternizado e imortalizado justamente pelos seus personagens John Rambo e Rocky Balboa.
Eu sou um superfã do Sylvester Stallone desde os seus tempos áureos, praticamente cresci assistindo na TV lendas como Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Chuck Norris, entre outros. O tio Stallone foi o verdadeiro herói da minha infância com o lendário Rock e o icônico Rambo. Portanto, poder assistir hoje em dia uma produção que conta com o tio Stallone no alto dos seus 76 anos e ainda interpretando um Super-herói, definitivamente não tem preço.
E foi exatamente este o principal (e único) motivo que eu decidi assistir "Samaritano". Porque de fato o filme é ruim, todo bagunçado, todo perdido tentando se achar a qualquer custo. O roteiro é raso, é falho, é preguiçoso, é batido, falta desenvolvimento, principalmente um desenvolvimento de personagens, que ficou muito aquém do que poderia ser entregue. O filme é repleto dos maiores clichês que já conhecemos - como o fato de nos trazer o velho aposentado, cansado, que por conta de uma história que ficou mal resolvida no passado tem que voltar para resolver tudo. Aquele velho clichê do herói/mentor que conhece o seu pupilo ao defendê-lo de uma gangue em um beco da cidade. Acredito que uma das principais falhas do longa é justamente não ter brilho próprio, não ter um algo a mais, em um mercado já supersaturado pela mídia de Super-heróis. O filme não se destaca pelo seu conto de moralidade, não se destaca por suas cenas de ação e não tem nada de novo a dizer sobre o velho conflito do bem contra o mal no centro de qualquer história de Super-herói - é apenas o mais do mesmo.
Por outro lado, eu estava justamente procurando uma produção para me entreter, para passar o meu tempo, aquela típica Sessão da Tarde despretensiosa, descompromissada, onde o meu único intuito era exatamente a diversão. E nesse quesito "Samaritano" funciona direitinho, pois o centro das minhas atenções estavam justamente em poder acompanhar um novo filme do tio Stallone e, definitivamente, vê-lo em cena trocando socos e pontapés com toda a sua idade, me fez esquecer (ou pouco se importar) com toda falha do filme.
Mesmo com todas as falhas, eu gostei da introdução do filme, ao começar com a história sendo narrada e nos apresentada em forma de HQ, o que já nos introduz diretamente em um universo de Super-heróis - uma grande sacada. Gostei da ambientação do filme, e principalmente pela Granite City me remeter diretamente para Gotham City, expondo aquele estilo mais dark, mais chuvoso, mais gótico - outro acerto.
O elenco é muito fraco, bem genérico, salva-se o Stallone (é óbvio). Tio Stallone faz o que sabe de melhor, e em questões de ação ele sempre reinou e sempre reinará - o último grande ator em filmes de ação. Obviamente, ao assistir "Samaritano" você não vai esperar uma obra-prima ou um clássico do tio Stallone no estilo do que ele já entregou lá atrás. Vale mencionar o jovem ator Javon Walton (da série "Euphoria"). Um jovem com apenas 16 anos que com certeza deve ter tido uma imensa honra ao contracenar com um dos monstros da história do cinema - verdadeiramente um grande aprendizado.
Portanto, "Samaritano" funciona apenas como fonte de saudosismo, por conter uma grande dose de nostalgia ao rever um ícone, uma lenda viva do cinema de volta ao posto que o consagrou. [17/09/2022]
Lançado em 1976, "Taxi Driver" foi dirigido por Martin Scorsese, escrito por Paul Schrader (roteirista em Touro Indomável) e estrelado por Robert De Niro, Jodie Foster, Cybill Shepherd, Harvey Keitel, Peter Boyle, Leonard Harris e Albert Brooks. Situado em uma Nova York decadente e moralmente falida após a Guerra do Vietnã, o filme segue Travis Bickle (De Niro), um veterano que trabalha como motorista de táxi à noite pela cidade.
O gênio da sétima arte (Martin Scorsese) se estabeleceu como um dos grandes diretores de cinema dos Estados Unidos ao longo dos anos 70, justamente por entregar obras de grande profundidade nos temas, com histórias bastante interessantes e abrangentes sobre a violência urbana, e seus personagens carregado com bastante complexidade e perturbações diversas. Exatamente o que encontramos em sua obra-prima - "Taxi Driver". O longa de Scorsese ficou marcado como um dos seus primeiros trabalhos a ser notavelmente bem reconhecido, alcançando um grande sucesso tanto comercial quanto crítico.
Temos aqui uma verdadeira aula de abordagem sobre as várias camadas de um ser humano, ou da vida desse ser humano. O longa de Scorsese é seco, é cru, é cinza, é pesado, é intragável, nos dá a nítida impressão que o ser humano é movido pela emoção, pelas circunstâncias e pelas pessoas em sua volta. Scorsese nos mergulha em uma Nova York corroída pelo o crime, pela insegurança e principalmente pela violência ao final dos anos 70. Este é o cenário completamente decadente em que conhecemos Travis Bickle. Um jovem de 26 anos que recentemente foi dispensado do Corpo de Fuzileiros Navais após a Guerra do Vietnã. Travis é um desajustado social, um taxista solitário que vive em um estado mental deteriorado, que vive cercado pela alienação, solidão, raiva e violência urbana. Travis passa a se incomodar com a violência, com o declínio moral ao seu redor, com toda a escória que contamina aquela cidade. Esta é toda a magia da obra de Scorsese, a forma como vamos observando a mudança comportamental de Travis, que passa de um mero taxista que sofre de insônia para uma espécie de justiceiro, de herói, na verdade um anti-herói.
O roteiro de "Taxi Driver" é completamente impecável, pois o roteirista Paul Schrader teve a grande sacada em se basear em suas experiências pessoais, numa época em que ele andava insone pelas ruas de Nova York, frequentando cinemas pornôs e andando de táxi - e olha que esse roteiro foi escrito em apenas dez dias. O longa ainda traz uma narrativa clássica, uma forma de desenvolver toda a história em uma trama linear, que nos é mostrada sobre a perspectiva de um conto urbano sobre decadência e insanidade, ou seja, toda a história é mostrada a partir do olhar solitário do taxista, que é centrada em seus embates e seus conflitos, que reside o impacto dramático da narrativa - sensacional!
Um dos grandes pontos bem desenvolvidos pelo Scorsese está exatamente na forma em que observamos a postura de Travis em seu dia a dia, pois ele era uma pessoa extremamente silenciosa e monossilábica na presença dos colegas de trabalho ou estranhos. O que só corrobora com a sua postura antissocial ao explicitar um discurso bastante ácido, verborrágico, preconceituoso, moralista e cheio de desprezo pelas pessoas que ele se depara nas ruas. Como na cena em que nos deparamos com o seu discurso: "Todos os animais saem à noite - prostitutas, depravados, pederastas, drag queens, michês, drogados, viciados, doentes e mercenários. Um dia uma chuva de verdade virá e lavará toda essa escória para fora da rua." Logo de cara já compreendemos o porque da condição solitária em que vive Travis Bickle.
Em "Taxi Driver", Scorsese faz uma releitura da sociedade americana dos anos 70, e não somente a sociedade, mas também o cinema norte-americano, que por sua vez havia abandonado de vez a leveza das décadas anteriores e passou a abordar temas mais sérios do cotidiano americano - como violência, drogas, sexo, caos urbano, solidão e política. A obra de Scorsese ilustrou com muita veracidade todo movimento vivido pela sociedade americana nos anos 70, ou seja explicitando os problemas que era enfrentado, a dificuldade de inserção na sociedade, mostrando as partes da periferia de Manhattan, que corroborava diretamente para as regiões mais pobres de Nova York, que eram marcadas pelo desemprego, violência urbana, prostituição infantil e drogas. Definitivamente o cinema dos anos 70 passou a ser mais sombrio e mais pesado.
O elenco de "Taxi Driver" é absurdamente genial em todos os quesitos! Temos aqui o segundo filme daquela que viria a se tornar uma das maiores parcerias da história dos cinema - Robert De Niro e Martin Scorsese. De Niro (adoro ele em O Lado Bom da Vida) está incrível, está impecável, ele trabalhou durante 12 horas como motorista de Táxi ao longo de um mês, como preparação para seu personagem, além de ter estudado sobre doenças mentais. Uma escolha mais do que perfeita para viver um dos seus personagens mais marcantes de sua carreira. E olha que inicialmente o personagem de Travis Bickle foi oferecido ao Dustin Hoffman, porém o ator recusou a proposta porque achou que Scorsese "estava maluco". E não é que o Scorsese estava mesmo, e ainda teve a contribuição do De Niro, que estava ainda mais maluco. E toda essa maluquice resultou nessa obra de arte e na indicação de De Niro ao Oscar.
A jovem Jodie Foster (a lendária Clarice Starling de O Silêncio dos Inocentes) estava com apenas 13 anos durante as filmagens, por isso ela não podia participar de cenas muito fortes. Sua irmã, Connie Foster, na época com 19 anos de idade, foi contratada para trabalhar como dublê de corpo. Fico pensando em como o cinema naquela época era realmente em outros tempos, pois imagina como seria hoje em dia a escalação da Jodie Foster, entre 12 e 13 anos, no papel de um prostituta infantil. Ou seja, escalar praticamente uma criança para fazer o papel de uma prostituta. Me lembra o caso da Kirsten Dunst com apenas 12 anos na época do "Entrevista com o Vampiro", onde ela tem aquela cena icônica do beijo. Porém, a jovem Jodie Foster deu um show, um espetáculo, uma atuação muito segura, verossímil, com uma performance que parecia que ela já tinha uma vasta experiência na arte de atuar, o que só comprovou com a belíssima atriz que ela se tornou. Muito bem reconhecida com a nomeação á Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar de 1977.
Harvey Keitel (O Irlandês, também do Scorsese ) também foi outro parceiro de longa data de Scorsese. Keitel traz a personificação do cafetão ambicioso, inescrupuloso, doentio, que fazia juras de amor para Iris (Jodie Foster), quando tudo não passava de uma farsa só para tê-la junto de si lhe servindo. Bela atuação de Harvey Keitel. Completando o elenco com Cybill Shepherd (Simplesmente Alice, de 1990, de Woody Allen). Betsy era a crush (kkk) de Travis, que logo em seu primeiro encontro passou por uma situação bastante constrangedora (e hilária, eu diria). Uma atuação ok de Cybill Shepherd, nada memorável, mas ok, compôs bem a sua personagem (destaque para a sua última cena com Travis no Táxi).
Scorsese emprega uma habilidade gigantesca por trás das câmeras, cuja maestria estava justamente em nos aproximar de cada personagem com o poder de cada foco, de cada take. E não é somente por trás das câmeras, mas também atuando como o passageiro do Táxi de Travis que flagra a esposa na janela - aquela cena icônica. A fotografia do longa é bem diversificada, o que nos dava a exata dimensão do que estava sendo proposto em cada cena unicamente pela fotografia. A direção de arte é absurdamente perfeita com a época em que o longa foi rodado, pois éramos confrontados com cenários, carros, roupas, iluminações, tudo rigorosamente bem arquitetado no padrão dos anos 70.
A trilha sonora é completamente estupenda! Uma trilha sonora forte, potente, que se alternava entre a melancolia do jazz e a força dos sons mais fortes e mais avassaladores para nos sugerir a potência de toda aquela violência urbana, que se escondia por trás da solidão e das fantasias. A trilha sonora foi criada pelo gênio Bernard Herrmann (compositor em obras como Cidadão Kane de 1941, Um Corpo que Cai de 1958, e foi o eterno criador da marcante trilha sonora de Psicose – 1960). O lendário compositor Bernard Herrmann morreu na véspera do Natal de 1975, poucas horas após concluir a trilha sonora de "Taxi Driver". Trilha essa que ficou marcada e eternizada como a sua partitura final e sua última obra-prima, e que foi dignamente reconhecida com a nomeação ao Oscar.
Uma curiosidade insana: Travis Bickle estava tramando contra um candidato à presidência dos EUA, que afirmava ser uma nova representação do povo americano. Enquanto também tramava a vingança e a salvação da pequena Iris, que pra isso teria que limpar toda aquela sujeira e toda aquela escória que se alastrava na cidade. Partindo desse mesmo estado de espírito apresentado no filme que, infelizmente, inspirou a tentativa de assassinato na vida real de John Hinckley Jr. contra o presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 30 de março de 1981. Na verdade, Hinckley realizou o atentado com o objetivo de impressionar a atriz Jodie Foster - bizarro e doentio!
Scorsese ficou marcado por sempre nos entregar finais ambíguos em suas obras, que nos obrigava a tirar às nossas próprias conclusões, fazer às nossas próprias interpretações, e aqui não é diferente em relação ao final da história de Travis Bickle.
Existe uma eterna discursão em torno do final de Travis. Acredito que ele conseguiu todo o seu heroísmo ao libertar a pequena Iris, ou seja, ele realmente acreditava que suas ações serviriam para um propósito maior. E a cena final é exatamente o Travis se reencontrando com a Betsy em seu Táxi. Cena essa que ficou marcada pela notícia do heroísmo de Travis chegando até Betsy, onde ela mesmo expressa uma admiração por ele (ao invés de repudia, como ela sempre fazia). Porém, dessa vez é ele que a deixa sozinha e vai embora com seu Táxi.
É exatamente nesse ponto da trama que se estabelece a eterna discursão do final de "Taxi Driver". Esta cena do Táxi ao final seria apenas imaginária? Seria apenas uma ilusão? Seria apenas uma fantasia? Realmente Travis sobreviveu ao tiroteio? Além de ter levado um tiro no pescoço. Ou seria algo da sua imaginação em estado de agonia antes de morrer? Eu realmente acredito que Scorsese quis dar um final ambíguo para a sua obra, para levantar mesmo várias discursões. De fato, Travis pode ser visto como uma espécie de figura sagrada por tudo que fez e ainda vive, ou pode ser visto como um assassino profano que realmente morreu e está preso no inferno. Já eu realmente acredito que de fato o Travis morreu no sofá logo após a cena do tiroteio, e que toda aquela cena do Táxi existiu apenas em seu imaginário (ou no nosso), como uma ilusão, algo fantasioso de sua mente corrompida e já danificada.
"Taxi Driver" permaneceu extremamente popular; um dos mais culturalmente significativos e inspiradores de seu tempo. Em 2012, a Sight & Sound (uma revista de cinema britânica de publicação mensal) o nomeou o 31º melhor filme de todos os tempos em sua pesquisa decenal de críticos, o classificando como uma espécie de "O Poderoso Chefão Parte II", e o quinto maior filme de todos os tempos na pesquisa de seus diretores.
O longa de Scorsese ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1976, e quatro indicações ao Oscar de 1977, incluindo Melhor Filme (perdendo para o eterno Rocky), Melhor Ator (para Robert De Niro) e Melhor Atriz Coadjuvante (para Jodie Foster).
"Taxi Driver" realmente é um marco no cinema e na carreira cinematográfica de Scorsese, que queria que seu filme parecesse um sonho para o público. A obra de Scorsese é bastante influente e traz uma grande representatividade de sua época e de como as histórias eram feitas. "Taxi Driver" é aquela obra de arte categórica que expõe todos os limites alcançados pela uma mente humana doentia e deturpada. Uma excelente obra-prima marcante, influente, icônica, lendária e clássica. [15/09/2022]
"Loki" é uma série criada por Michael Waldron (roteirista de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura) diretamente para a plataforma de streaming Disney+, e teve a sua estreia em 09 de Junho de 2021. Michael Waldron é o roteirista principal e Kate Herron (diretora da série Daybreak) é a diretora responsável pela primeira temporada. A série se passa após os eventos de "Vingadores: Ultimato" (2019), em que uma versão alternativa de Loki (Tom Hiddleston) criou uma nova linha do tempo para conseguir roubar o Tesseract dos Vingadores durante a missão de recuperar as Joias do Infinito.
Realmente a Marvel tem o dom de sempre nos surpreender. Digo isso pelo fato de pensar que talvez o personagem Loki nunca ganhasse o seu filme solo, e não é por falta de potencial, pois isso o personagem tem de sobra, mas acredito que a Marvel de fato não investiria em um projeto desse personagem. Com a nova ideia do MCU em apostar nas séries, Loki foi um dos personagens que ganhou a sua própria série, para nos contar um outro lado da sua história.
Confesso que às vezes eu me perco nas linhas de raciocínio de cada história do Loki, pois aqui a série começa com a versão do Loki que foi derrotado e capturado ao final de "Os Vingadores"(2012), e não aquela versão que morreu com o Thanos quebrando o seu pescoço em "Guerra Infinita" (2018). Embora seja conhecido por "morrer e voltar", a versão do personagem que enfrentou Thanos continua morta, ao que tudo indica, pois o próprio Thanos ironiza nessa cena dizendo que não haverão ressurreições dessa vez. De fato essa realmente foi uma morte real, mas felizmente, não significou o fim do personagem.
Loki sempre foi considerado um dos melhores vilões no Universo Cinematográfico do MCU, principalmente por sempre se exibir como um personagem arrogante, pretensioso e ambicioso. Loki é um Anti-herói, o Príncipe da Maldade, o Deus da Mentira e que possui um grande poder. Ele sempre funcionou sendo uma força caótica, que não precisa ser humanizado nem muito menos ter suas ações justificadas - exatamente o Loki que conhecemos em "Vingadores 1". Aqui a série traz um possível arco de redenção do personagem, que abre espaço justamente para falar sobre identidade, pertencimento e expandir o Universo Cinematográfico Marvel - que eu achei uma boa sacada.
De fato, "Loki" me agradou bastante, pois aqui temos a presença de personagens que eu desconhecia e que ficou muito bem inserido na série. Como no caso da variante (ou versão feminina) do Loki, a Sylvie, muito bem interpretada pela ótima atriz Sophia Di Martino (da série Flowers). Sylvie é uma variante do Loki que está atacando a "Linha do Tempo Sagrada" e tem poderes de encantamento. Ela própria não se considera uma Loki, usando o nome "Sylvie" apenas como pseudônimo. Sophia Di Martino me surpreendeu em todas as cenas, pois ela se destacou e se desenvolveu de uma forma tão avassaladora dentro da série, ao ponto de em certos momentos dividir ou até tomar o protagonismo de Tom Hiddleston. Uma ótima atriz que teve bastante liberdade para criar e desenvolver a sua personagem - torço muito para que ela retorne na série.
Outro personagem muito bom foi o Mobius - interpretado pelo também ótimo Owen Wilson (eternizado nos filmes Bater ou Correr e Marley & Eu). Mobius é um agente da AVT (Autoridade de Variância Temporal) que se especializou na investigação de criminosos do tempo particularmente perigosos. Mobius é uma espécie de detetive durão que nem sequer identificou o próprio Loki como uma variante. A ideia de Mobius era recrutar (a princípio) o Loki para o ajudar a encontrar uma outra variante Loki que estava escondida para eliminá-la. Essa variante obviamente acabou sendo a Sylvie, porém, Loki e Mobius acabaram criando uma espécie de elo de amizade. Owen Wilson está muito bem na série, entrega um personagem bastante importante e muito funcional, principalmente naquele embate de ideias e diálogos entre Mobius e Loki.
Gugu Mbatha-Raw (A Bela e a Fera versão 2017) é a personagem Ravonna Renslayer. Uma ex-caçadora da AVT que subiu na hierarquia para se tornar uma espécie de juíza (ou algo do tipo); ela supervisiona a investigação da variante do Loki. Gugu Mbatha-Raw faz uma personagem muito interessante, principalmente depois que ela ganha mais relevância na série.
Tom Hiddleston e Loki já é um casamento que deu certo há muitos anos, e aqui isso só se comprova cada vez mais. Aqui temos uma versão alternativa, a "variante do tempo" de Loki, que criou uma nova linha do tempo em "Vingadores: Ultimato" começando em "Vingadores 1". Dessa vez eu vejo um Tom Hiddleston mais solto, mais leve no personagem, com uma liberdade para criar e desenvolver o seu personagem ainda maior.
Diferentemente de "WandaVision" e "Falcão e o Soldado Invernal", que são minisséries, onde obviamente tem um começo um meio e um fim. "Loki" é uma série, onde tem um começo, um desenvolvimento, mas necessariamente não tem um fim nessa temporada. Dessa forma eu vejo que a série tem um baita potencial para uma segunda temporada, pois temos muitas coisas em aberto, temos certos desenvolvimentos de personagens que ficaram em aberto (ou foi interrompido). E a série acaba de anunciar a janela de lançamento da sua 2ª temporada durante a San Diego Comic-Con 2022. Segundo o presidente do estúdio, Kevin Feige, a série deve retornar no verão de 2023 nos Estados Unidos, o que significa segundo semestre aqui no Brasil.
"Loki" tem uma ótima direção da Kate Herron, onde ela utiliza muito bem os seus takes mais abertos nas cenas de lutas. A série tem uma fotografia muito bela e se destaca muito bem em diversas localidades. A computação gráfica (CGI) é bastante competente e se sobressai nas cenas de ação, principalmente naquela cena do embate com o monstro de nuvens. As cenas de lutas são boas e estão em um bom nível de coreografia, apesar de não ter nenhuma cena de luta primorosa, de grande destaque, ou épica. A trilha sonora também ganha um grande destaque, principalmente nas aberturas de cada episódio, onde eu acho que a trilha se sobressaia ainda mais.
No mais, "Loki" é mais uma ótima série dentro do Universo do MCU, que se destaca pelas qualidades técnicas e principalmente pela apresentação de novos personagens, que poderão ser muito úteis na segunda temporada da série, e nas produções futuras do Marvel Studios. [11/09/2022]
"Cidade de Deus" foi criado a partir de uma adaptação do livro homônimo de Paulo Lins (1997). Com roteiro de Bráulio Mantovani (Tropa de Elite) e direção de Fernando Meirelles (Dois Papas) e Kátia Lund (Central do Brasil), o filme foi lançado no Brasil em 30 de agosto de 2002. O longa de Fernando Meireles e Katia Lund, conta a história de 30 anos de império do tráfico de drogas na comunidade localizada na zona oeste do Rio de Janeiro. O filme retrata uma comunidade na qual a violência massacra o dia a dia das famílias e atravessa as relações sociais e familiares.
No último dia 30/08, "Cidade de Deus" completou exatos 20 anos de seu lançamento. Para comemorar esta data tão histórica, decidi assistir (mais uma vez) este que é considerado por muitos (incluindo eu) como o melhor filme da história do cinema nacional.
A 'Cidade de Deus' é o nome de uma favela localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro surgida na década de 1960 para abrigar moradores de favelas removidas da Zona Sul. O então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, transferiu pessoas que viviam às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas para Jacarepaguá.
"Cidade de Deus" já é considerado um clássico do cinema nacional por toda a sua história e toda a sua influência. Um filme cru, seco, pesado, incômodo, verdadeiro, que traz uma representação muito fiel e realista da realidade das comunidades brasileiras que são dominadas pelo tráfico. A trama é construída com base no crime organizado no subúrbio do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1960 e de 1980, e traz uma abordagem da desigualdade social, da violência policial, da repressão e do descaso das autoridades, possibilitando a visibilidade da miséria presente naquele ambiente. Também temos uma releitura do "crime organizado" e a "carreira do tráfico", cuja narrativa acompanha exatamente as mudanças que acontecem na 'Cidade de Deus' e a chegada do crime organizado, especialmente o tráfico de drogas. O filme mostra como o tráfico funcionava, explicando que se tratava de um "negócio" extremamente rentável e aliciante para aqueles indivíduos, e principalmente para as crianças e adolescentes, que eram mais ambiciosos quanto ao crescimento no mundo do tráfico.
O roteiro de "Cidade de Deus" é sem dúvida um dos principais acertos do filme. O enredo cinematográfico também é perfeito, onde temos o desenvolvimento e a apresentação dos personagens que foram estabelecidos na história. Histórias essas que foram narradas pelo aspecto do Buscapé (Alexandre Rodrigues), que vai nos contando as histórias trágicas de vários habitantes da comunidade, seguindo também os seus esforços pessoais para realizar seu sonho: ser fotógrafo. Também temos a história de José Eduardo Barreto Conceição, ou Zé Pequeno (Leandro Firmino), antes conhecido como "Dadinho" (Douglas Silva). O bandido mais perigoso, mais desumano e mais temido do local. Um criminoso carioca da 'Cidade de Deus' entre os anos 70 e 80 que teve a sua história retratada de forma semificcional.
Todo o sucesso estratosférico de "Cidade de Deus" não reside unicamente nos seus aspetos visuais, técnicos e estéticos, mas também na mensagem social que o filme nos transmite, e principalmente por ser tratar de uma produção levado a sério, que exibe uma realidade intrínseca sobre uma violência extrema e sem nenhum pudor nas comunidades brasileiras. O longa remonta uma visão que mostra um Brasil que nem todos conhecem e poucos querem enxergar, literalmente dando a cara a tapa, colocando o dedo na ferida, exibindo a realidade podre dos nossos governantes e principalmente da polícia (como na cena que o Buscapé tira fotos do Zé Pequeno negociando com os policiais).
Toda narrativa de "Cidade de Deus" me remeteu ao clássico do Tarantino - "Pulp Fiction". Exatamente por ter uma essência, uma aura, uma montagem, uma estrutura, uma forma de contar sobre as histórias e os personagens, que por sua vez também tem uma violência extrema e explícita. Há quem diga que tanto o Meirelles quanto a Kátia podem sim terem sido influenciados (ou se inspirado) nessa obra-prima dos anos 90.
Em questões de elenco "Cidade de Deus" é completamente impecável! Pra mim as duas melhores atuações são sem dúvidas de Douglas Silva e Leandro Firmino. Douglas traz a versão ainda criança de Zé Pequeno - o Dadinho. Uma atuação monumental, gigantesca, bárbara, bizarra, que me faltam palavras para descrever o tamanho da interpretação de Douglas Silva (com uma idade entre 12 e 13 anos). Dadinho era uma criança perturbada mentalmente, que já exibia uma psicopatia e um sadismo (vide aquela cena bizarra que ele mata todo mundo no motel a sangue frio e exibe um sorriso de engrandecimento). Leandro Firmino é o Dadinho - ops - Dadinho é o caralho! Meu nome é Zé Pequeno porra! Uma fala que virou vírgula, virou gíria, influenciou toda uma geração, pois na época todo mundo usava essa fala em todos os grupos de conversas. Leandro Firmino tem uma entrega monumental ao incorporar um dos bandidos mais histórico do Rio de Janeiro, e ele dá um verdadeiro show de atuação do início ao fim da história - um rosto que ficou marcado para sempre na história de "Cidade de Deus".
Alexandre Rodrigues, que deu vida ao sonhador Buscapé, se destaca pela leveza e simplicidade em buscar o seu objetivo, o seu sonho, mesmo que pra isso ele tenha que arriscar diariamente a sua própria vida. Uma grande atuação de Alexandre Rodrigues. Alice Braga (Angélica) está irreconhecível com apenas 18 aninhos. Alice ainda jovem já nos mostrava todo o seu talento na arte de atuar, o que explica totalmente a grande atriz que ela se tornou hoje em dia. Seu Jorge (Mané Galinha) sempre se destacou nas produções nacionais e aqui não seria diferente. Seu Jorge entrega mais uma grande atuação, mais uma interpretação completamente impecável (baita ator). Matheus Nachtergaele (Cenoura) é mais um nome importante dentro do elenco, e ele entrega tudo e mais um pouco, principalmente nos embates com Zé Pequeno. Ainda tivemos vários nomes do nosso cinema nacional que integraram o elenco de "Cidade de Deus" - como Phellipe Haagensen como Bené. Jonathan Haagensen como Cabeleira. Roberta Rodrigues como Berenice. Darlan Cunha como Filé com Fritas (já matei, já roubei, já cheirei, sou sujeito homem). Babu Santana como o Grande. Mumuzinho como Palito e Gero Camilo como Paraíba.
Tem uma cena que o Zé Pequeno encurrala as crianças e depois usa de uma violência extrema (uma cena pesada e doentia) que nos mostra a força de um elenco desconhecido. Pois grande parte do elenco de "Cidade de Deus" foi escolhido entre garotos que viviam em diversas comunidades e favelas do Rio de Janeiro e que não tinham tido até aquele momento nenhum contato com a arte de atuar.
Meirelles e Kátia trazem um poderoso trabalho de câmeras, nos evidenciando o tamanho das dificuldades que eles enfrentaram ao longo das gravações. Pois a gravação do longa se deu em três fases, a primeira parte do filme - a 'Cidade de Deus' nos anos 60 - foi filmada no conjunto habitacional de Nova Sepetiba, Rio de Janeiro. Embora o tráfico já tivesse chegado ao local, não tinha nenhum traficante tomando conta do lugar, o que possibilitou filmar com facilidade. A fotografia é crua, é seca, é morta, é desconcertante, acredito que essa era a principal finalidade da fotografia, nos elucidar sobre a realidade que estava sendo mostrada. Uma trilha sonora comunicativa, abrangente, contundente, que exemplificava todas as cenas do filme com uma qualidade absurda. O longa possui uma direção de arte inquestionável. Uma ótima cenografia. Uma ótima ambientação. Uma ótima montagem. Uma ótima edição. Tudo feito com muito cuidado, com muito detalhe, que só engrandecia a qualidade técnica da obra.
"Cidade de Deus" é um filme atemporal, influente, um marco na história do cinema nacional. O filme brasileiro que tem o maior impacto internacional - o mais conhecido, o mais lembrado e o mais respeitado mundialmente. Com todo o impacto e o reconhecimento que o longa obteve, seria óbvio que ele recebesse inúmeros prêmios e indicações nos festivais de premiações. O filme teve indicações no Prêmio ABC, no Grande Prêmio do Cinema Brasil, no Festival de Santo Domingo, no Festival do Uruguai, no Festival de Cartagena, no Festival de Marrakech, no Festival de Guadalajara, no Festival de Toronto, no Festival de Havana, no Prêmio Independent Spirit Awards, no BAFTA e no Globo de Ouro. Além, é claro, o Oscar - que nomeou o longa nas categorias Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia. Apesar do longa não ter recebido a indicação do Oscar para Melhor Filme estrangeiro (que todos esperavam), Meirelles disse: "Ter recebido tamanho reconhecimento da Academia mostrou que o cinema brasileiro não se limita apenas a disputa de Melhor Filme estrangeiro".
"Cidade de Deus" é o segundo filme estrangeiro mais assistido no mundo. De acordo com estudo realizado pela plataforma online Preply, o filme brasileiro está em segundo lugar na lista de filmes estrangeiros mais vistos no mundo, ficando atrás apenas de "Os Intocáveis" (produção francesa de 2011). Em terceiro lugar está o filme francês "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" (2011), seguido pelo japonês "A Viagem de Chihiro" (2001) e o coreano "Parasita" (2019). O longa foi eleito o oitavo melhor filme nacional de todos os tempos segundo a Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Também é o filme mais bem colocado na lista que foi produzido neste milênio. Está classificado em 5.º lugar na lista do Top 10 Melhores Filmes da década de 2000, segundo a lista baseada nas melhores notas do IMDB (que também o classifica como o melhor filme Latino-americano).
Apesar de já ser reconhecido como um dos grandes longas do país, o filme ganhou ainda mais reconhecimento este ano, após a participação do ator Douglas Silva no Big Brother Brasil. Afinal, o filme revelou o artista como o personagem Dadinho.
"Cidade de Deus" é, sem sombra de dúvidas, um marco da indústria audiovisual nacional. Uma verdadeira obra de arte do nosso cinema que fez e faz história mundialmente até hoje. Uma verdadeira obra-prima nacional e internacional. [09/09/2022]
"Nope" é uma produção neo-ocidental americano escrito, dirigido e co-produzido por Jordan Peele em sua própria produtora - a Monkeypaw Productions, fundada em 2012. O longa é estrelado por Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Michael Wincott e Brandon Perea. No filme, os irmãos cuidadores de cavalos tentam capturar evidências em vídeo de um objeto voador não identificado com a ajuda de um vendedor de tecnologia e um renomado diretor de fotografia.
É inegável que Jordan Peele hoje é considerado um dos diretores roteiristas mais promissores da atual Hollywood. Peele surpreendeu a todos em 2017 com seu filme de estreia - o badalado e impactante "Corra" (que lhe rendeu o Oscar de Roteiro Original). "Corra" é um terror psicológico que aborda diretamente questões como relações inter-raciais, masculinidade negra e racismo velado. Temas esses que atravessam nossas vivências cotidianamente, e nos levam a repensar nossas identidades e subjetividades. Em 2019 o diretor trouxe "Nós", um filme de terror e suspense que nos faz uma reflexão profunda sobre o medo. "Nós" nos surpreende com a impressão de ameaça constante, a certeza de que chegará alguma coisa que não sabemos de onde vem, ou seja, um apelo ao nosso instinto de proteger aquilo que é nosso e ao medo do desconhecido ou daquilo que não compreendemos.
Depois de alguns adiamentos, finalmente "Nope" está entre nós (um triste trocadilho - rsrs). Jordan Peele é um diretor autêntico, 100% original, que sempre nos impacta com suas obras que visam o ineditismo, o ambíguo, o complexo, e dessa vez ele consegue entregar um longa-metragem que até surpreende em alguns quesitos. "Nope" é um filme especificamente de terror e ficção científica, mas que está completamente inserido no mistério, no horror, pois o longa navega no lúdico, no místico, no imaginário, com uma ambientação sombria, macabra e soturna. Peele traz um thriller oculto, psicodélico, um suspense hitchcockiano que na primeira parte do filme funciona perfeitamente. Realmente a primeira parte do longa é de fato a melhor, pois é nessa hora que Peele emprega um suspense extremamente funcional, nos deixando completamente intrigado com cada acontecimento que ia se desenvolvendo. É nessa parte que Peele brinca com o nosso imaginário, mexe com o nosso psicológico, pois nada está sendo revelado, tudo está oculto, sombrio, misterioso, uma sacada genial.
Em "Nope" temos um Jordan Peele ainda mais engenhoso e mais audacioso referente à tudo que ele quer nos passar. Peele dosa muito bem o suspense, o terror, o mistério e o cômico. Temos um terror engenhoso, com uma construção complexa dos mistérios do início ao fim, no caso, objetos misteriosos no céu e a ameaça de animais na terra. Temos um Peele sempre autêntico e com um universo visual original, que se revela de uma forma inesperada e abrupta ao longo da história, pois aqui somos apresentados para uma criatura grotesca. Eu diria que Peele utiliza um "vilão" mais estranho que eu já vi no cinema nos últimos anos.
Como Jordan Peele veio do humor, seria óbvio que em sua nova obra também estivesse inserido o alívio cômico. E aqui o filme pede um certo alívio cômico, que por sua vez é bem feito, bem dosado, bem interpretado, entrando sempre nas horas certas e não soando como forçado ou fora de timing. Peele também ficou marcado por sempre trazer referências e alusões à crítica social e metáfora social em seus filmes anteriores. Em "Corra" às críticas sociais referente ao racismo estão muito mais afloradas e contundentes. Em "Nós" o diretor não mergulha diretamente no tema mas a abordagem sempre está presente. Já em "Nope", a metáfora social existe, principalmente sobre o racismo, sobre a existência e a abordagem em relação ao caubói negro (como vimos na cena que OJ está nos bastidores da gravação com seu cavalo). Porém, aqui não há paralelos tão óbvios e tão explícitos - o que não é um defeito do filme, mas uma diferença em relação aos anteriores.
Peele não deixa de lado às críticas ácidas e satíricas em relação ao imperialismo velado americano (como ele sempre fez em seus filmes anteriores), principalmente sobre a influência no âmbito cultural, econômico, do entretenimento e político que esse país exerce no mundo hoje em dia. Temos menções sobre o programa da Oprah (que é citado diversas vezes ao longo da trama). O longa ainda exemplifica uma crítica ácida e contundente sobre o TMZ (Thirty-mile zone), que é um dos maiores sites americanos de entretenimento, e claro, também é um dos maiores programas de fofocas dos EUA - como vimos na cena do motoqueiro, que aconteça o que acontecer, o seu maior objetivo será sempre o entretimento a qualquer custo, mesmo que pra isso ele tenha que por em risco a própria vida em prol de uma foto do acontecimento.
Como já destaquei anteriormente, a primeira hora do filme é muito boa (antes da revelação fictícia), justamente por mexer diretamente com o nosso imaginário e o nosso psicológico, pois o mistério e o desconhecido nos fascina facilmente. Porém, a segunda hora é exatamente aonde o longa de Jordan Peele cai de produção, dar uma escorregada, peca por deixar de lado o lúdico, o místico, o suspense, e mergulhar de cabeça no espalhafatoso, no extravagante, no excêntrico, mesmo sendo essa a proposta ficcional desde o início. Peele também ficou marcado por sempre nos trazer uma trama inteligente, instigante, complexa, que te faz pensar naquela sacada por meses (exatamente a minha sensação ao término do filme). Porém, aqui ele constrói tantas tantas ligações, ele amarra tantas ideias que, depois da resolução final, o apelo fica perdido, fica pouco conclusivo.
Astro e protagonista do primeiro filme de Jordan Peele, Daniel Kaluuya (ganhador do Oscar por "Judas e o Messias Negro") está de volta. Aqui Daniel traz uma interpretação moldada no introspectivo, no misterioso, pois o OJ tinha um semblante misterioso, fechado, pensativo, sisudo, daqueles que sempre pensava muito antes de agir. Ótima atuação de Daniel Kaluuya, pois ele entrega um personagem na medida propícia que o roteiro precisa. Keke Palmer (As Golpistas) é a melhor escolha de Jordan Peele, pois ela é uma atriz incrível, tem um timing para o humor incrível, consegue navegar do suspense para a comédia em questões de segundos. Palmer incorpora a melhor personagem de todo o filme, a cowgirl que anda de moto e não a cavalo, sendo a principal responsável em suavizar a trama nos momentos mais tensos. Inquestionável, impecável, perfeita do início ao fim. Realmente o Jordan Peele trouxe uma direção afiada e vibrante de atores, pois os protagonistas Daniel Kaluuya e Keke Palmer têm uma química e uma empatia imediata, e compartilham com os espectadores os sustos e risadas com as cenas absurdas (uma verdadeira diversão em um filme de suspense e terror).
Temos Steven Yeun (indicado ao Oscar por Minari). Um ex-ator mirim que passou pelo trauma do ataque de um macaco assassino em um set de filmagem e depois virou dono de um parque de diversões vizinho ao rancho dos Haywood, que também foi afetado pelo mistério no céu. Acredito que o roteiro de Jordan Peele não favoreceu o desenvolvimento do personagem Ricky Park, pois fica claro que ele sofre da falta de dinamismo, de desenvolvimento e de aprofundamento, sendo que a sua história em especial fica sobrando, fica devendo. Ainda tivemos o vendedor de eletrônicos Angel Torres (Brandon Perea, da série The OA), que se junta aos irmãos na busca incansável pelas explicações. Brandon traz um bom alívio cômico, se tornando funcional em algumas partes. E completando com o fotógrafo de cinema Antlers Holst (Michael Winicott, de O Escafandro e a Borboleta), uma espécie de representação da parte mais séria do filme de autor, que reflete e conversa diretamente sobre o próprio audiovisual e a cultura pop (mais um acerto do Peele).
Jordan Peele nos entrega um terror engenhoso, com um suspense ambicioso e uma trama conclusiva com uma ficção mirabolante e excêntrica. Se nos trabalhos anteriores Peele trouxe um mistério que era era escondido e subterrâneo, em "Nope" ele exibe um medo que está aberto e visível no céu. Definitivamente Jordan Peele é um megalomaníaco, que exibe uma valorização excessiva em suas obras, que expressa um excesso de ambição em seus roteiros, mas por outro lado ele também soa como intimista, que prioriza a expressão dos seus sentimentos mais íntimos, que age de maneira natural e espontânea (no final eu acho que ele é louco mesmo - rsrs).
"Nope" é uma verdadeira mistura de terror com ficção científica, mas com um boa pitada de western, aquele estilo mais faroeste com uma fotografia dos anos 70 (assistindo no cinema o filme fica muito mais imersivo). O que não deixa de ser vendido como um produto pop e em até certo ponto sendo encarado como um blockbuster moderno, pois os filmes do Jordan Peele já atingiram uma exposição cultural que atinge diretamente uma grande popularidade atual.
O mais novo trabalho do Jordan Peele é um bom filme, acerta na primeira hora e peca na segunda. Porém, eu ainda vou na contramão do seu público alvo, ainda prefiro "Nós", que pra mim é o melhor filme do Jordan Peele. [03/09/2022]
"O Iluminado" foi lançado em 1980, produzido e dirigido por Stanley Kubrick e co-escrito com a romancista americana Diane Johnson. O longa é baseado na obra de arte literária de Stephen King de 1977. Jack Torrance (Jack Nicholson) é um aspirante a escritor e alcoólatra em recuperação, que se torna caseiro de inverno do isolado Hotel Overlook, nas Montanhas Rochosas do Colorado, na esperança de curar seu bloqueio de escritor. Ele se instala com a esposa Wendy (Shelley Duvall) e o filho Danny (Danny Lloyd), que é dotado de habilidades psíquicas e atormentado por premonições. Jack não consegue escrever e as visões de Danny se tornam mais perturbadoras. O escritor descobre os segredos sombrios do hotel e começa a se transformar em um maníaco homicida, aterrorizando sua família.
Acabo de ler uma das maiores obras literárias da história, a obra-prima de Stephen King - 'O Iluminado'. Nunca tinha lido nada com essa proporção, com uma história tão avassaladora e tão perturbadora. 'O Iluminado' é simplesmente uma viagem ao subconsciente, uma viagem para uma outra dimensão, você sai fora de órbita ao ler cada capítulo da história criada pelo mestre King. Verdadeiramente uma obra-prima da literatura, e uma das melhores obras de arte de Stephen King.
O início dos anos 80 no cinema foi marcado pela obra que trouxe três monstros, três lendas, três personalidades completamente geniais e influentes em suas respectivas áreas - Stephen King, Jack Nicholson e Stanley Kubrick. King é simplesmente o gênio da literatura, o autor de mais de 50 livros best-sellers no mundo, o Grão-Mestre dos escritores de mistério dos EUA. Nicholson é verdadeiramente um ícone da sétima arte e um dos maiores atores de todos os tempos. O mestre Kubrick facilmente é um dos maiores cineastas que já passou por esta terra.
Certamente "O Iluminado" é um dos maiores suspense/terror de todos os tempos. Um thriller misterioso, emblemático, contundente, soturno, intrigante, niilista, que nos conquista pelo seu charme trashístico oitentista e nos imergi em um horror sobrenatural e maquiavélico. Kubrick emprega um um terror psicológico que carrega algumas teorias, algumas alegorias, algumas metáforas sobre o problema psicológico de Jack, que tendo que lidar com o alcoolismo e o isolamento, não consegue se aproximar da família e tampouco realizar o sonho de ser escritor, sendo assim, sucumbe a um estado mental e espiritual atormentado, chegando à uma completa loucura. Kubrick traz uma verdadeira aula de psicanálise, um estudo da mente humana, uma análise do surto psicótico, nos exemplificando sobre a confusão mental, a perda da sanidade, a perda do equilíbrio emocional, delírios, alucinações, catatonia, alteração de humor, perda da noção de tempo. Realmente o Jack não conseguia escapar do labirinto psicológico que se tornou a sua mente perturbada.
Temos aqui uma releitura aprofundada sobre a 'febre de cabine' (Cabin Fever). Jack estava completamente mergulhado em um estado de irritabilidade, tédio, inquietação, perturbação, confusão, por passar muito tempo isolado (confinado) dentro do hotel. Jack estava sofrendo uma reação claustrofóbica, caracterizada por anormalidades comportamentais, exatamente como aconteceu com o zelador da outra família no verão passado.
Acredito que Kubrick quis dar uma cutucada no Stephen King ao abordar uma cena em que Jack aparece no bar do hotel bebendo na presença de um fantasma (ou algo sobrenatural do seu subconsciente), pois os primeiros anos da carreira de King foram turbulentos, marcados por vício em álcool, cocaína e tragédias. Podemos considerar que toda a premissa é uma alegoria ao momento que King passava: o autor temia o descontrole quando estivesse bêbado ou drogado, acreditando que podia acabar machucando sua esposa ou filho (exatamente como foi abordado com os personagens no filme e no livro). Definitivamente 'O Iluminado' é uma história muito pessoal para Stephen King.
Dentro desse contexto temos o eterno descontentamento de Stephen King em relação à adaptação feita por Kubrick. King não gostou da obra do Kubrick, foi contra a escalação de Jack Nicholson, e nunca escondeu o seu desgosto com o filme. King afirmou que o cineasta modificou a história para criar uma aura de suspense muito eficiente, mas que o desagradou profundamente. Dentre os maiores incômodos estão a figura de Jack Torrance que, segundo o autor, é visivelmente insano desde o início, e a mudança na conclusão da trama. King descreve a versão de Kubrick como um “carro de luxo sem motor”, com muita estética e pouco conteúdo. Na visão de King, "O Iluminado" sofre com a ausência do dinamismo e humanidade presentes no livro, sendo que o filme é, em comparação, bastante cínico e niilista, pois o longa de Kubrick não tem compaixão por seus personagens, o que é comprovado pelo final diferente de Jack. A resposta de King veio em 1997, quando fez questão de assinar o roteiro da minissérie para a TV baseada no livro. Em 2013, o autor lançou 'Doutor Sono', que continua a história de Danny Torrance e também possui uma adaptação cinematográfica lançada em 2019.
Eu entendo perfeitamente o descontentamento do Stephen King em relação ao longa do Kubrick. Realmente a figura do Jack no livro inicialmente não passa essa visão de perturbado e insano, ele vai desenvolvendo e adquirindo com o passar do tempo e do isolamento no hotel. Sobre a conclusão da trama: realmente é a parte que é totalmente modificada em relação ao livro, pois aqui Kubrick imprimiu a sua visão, a sua forma de pensar um novo final para a história. Na minha opinião: o filme inteiro é baseado/inspirado na obra do King, ok, mas não é 100% fiel ao livro, e nem poderia, pois facilmente identificamos uma liberdade criativa e poética por parte do Kubrick. Pra mim, "O Iluminado" tem muitas coisas que se adéquam ao livro mas também tem muitas coisas que diferem do livro (este é o ponto alto da discursão), a maior delas é sem dúvida o final. Portanto, "O Iluminado" é uma obra-prima pela visão do Kubrick, impondo a sua liberdade criativa e a sua peculiaridade em relação à obra de Stephen King. No final o que temos são duas belíssimas obras-primas - uma pela versão imposta pelo Kubrick, e a outra pela genialidade criada por King. São mídias diferentemente grandiosas e expressivas, que marcaram uma época e uma geração, e que são lembradas, cultuadas e respeitadas até hoje.
Aqui eu trago um comparativo em relação à obra do Kubrick e à obra do King.
No livro o Dick Hallorann não morre, ele é apenas atacado por Jack quando chega no hotel mas consegue sobreviver, tanto que o final do livro é uma cena emblemática com Hallorann, Wendy e Danny sentados na ponta do ancoradouro sob o sol da tarde (uma espécie de uma nova família para Danny, talvez até com um padrasto também Iluminado). No livro Jack não usa um machado e sim o taco que no filme a Wendy o ataca (Kubrick quis dar um ar mais possuído e demoníaco com o uso de um machado). No livro Jack quase mata a Wendy de pancadas com o taco, enquanto na luta ela consegue cravar a faca em suas costelas e fugir. No filme o Jack nunca encostou na Wendy. No final do livro o Jack morre na explosão do hotel causado pela caldeira, e não congelado como no filme. Acredito que se deva a isso às principais revoltas de King em relação ao longa de Kubrick.
Eu adoro a versão do final do Kubrick, acho que encaixou perfeitamente com toda a proposta que ele criou com seu filme desde o início, que era justamente um thriller mais assustador, mais perturbador e, consequentemente, com mais suspense. Mas vou confessar que ainda prefiro o final do livro, por ser mais abrangente, mais detalhado e mais imersivo com o leitor (principalmente em relação à morte do Jack, que é muito melhor que no filme).
O elenco de "O Iluminado" é monstruosamente perfeito! Temos um Jack Nicholson completamente no auge da sua carreira e aqui ele entrega um dos seus maiores personagens, uma de suas maiores atuações na vida. O psicopata mais louco e mais demente da história do cinema. Conforme o filme vai decorrendo, a personalidade de Jack cada vez mais vai sendo levada ao limite, vai ficando cada vez mais errática e descontrolada, a sua insanidade e seu alter ego culmina no pai de família tentando matar sua própria esposa e filho. Uma atuação impecável, ímpar, perfeita de Jack Nicholson, mas que exigiu um preparo não muito tradicional. Para entrar no clima certo de frustração e raiva que o personagem pedia, Nicholson se alimentou apenas de sanduíches de queijo por duas semanas, algo que ele sempre odiou desde criança.
Shelley Duvall (a Wendy, que no livro era loira e no filme é morena) está perfeita, magnânima, com uma interpretação muito segura, muito arrojada, muito convincente, muito gostosa, que nos confrontava com uma atuação poética, teatral, singela, primorosa, que me encantou em 100% das suas cenas. Shelley Duvall sofreu muito nas gravações do longa, onde incluíram ataques de fúria de Kubrick e inúmeros takes da mesma cena com ela até que se aplacasse o desejo pela perfeição do diretor (Kubrick chegou a rodar uma mesma cena com a atriz 127 vezes). Como resultado dos constantes maus tratos do diretor, a atriz teve várias crises nervosas, que resultaram em exaustão física e mental, doenças e até em perda de cabelo. A atriz disse que ficou muito feliz com o seu resultado final na obra de Kubrick, mas que jamais voltaria a fazer algo parecido. Realmente Stanley Kubrick era um aficionado pela perfeição em suas obras. Absurdamente incrível a atuação do pequenino Danny Lloyd! O Danny do filme alterava o seu comportamento entre o Danny e o Tony em milésimos de segundos. Quando ele falava sendo a personalidade do Tony ele sequer mexia a boca para sair as palavras - completamente incrível para um garoto com apenas 5 anos. Temos aquela cena emblemática que ele imita uma voz diabólica (no maior estilo O Exorcista) ao proferir constantemente a palavra "REDRUM" - que é a mensagem subliminar mais marcante no filme (e no livro), principalmente quando ele escreve na porta do quarto, que seria "Murder" (assassinato) ao contrário. Kubrick foi extremamente cauteloso sempre que o ator mirim Danny Lloyd entrava em cena. Por ser muito novo, o diretor queria poupar a criança de testemunhar as cenas mais assustadoras sendo feitas, tanto que o pequeno sequer sabia que estava num filme de terror. Danny Lloyd só foi descobrir sobre o que "O Iluminado" se tratava muitos anos depois, e só viu a versão sem cortes do filme aos 17 anos. Scatman Crothers como o icônico Dick Hallorann está bem, consegue se destacar bem em suas cenas, apesar de ser pouco aproveitado e ter pouco tempo de tela, principalmente pelo seu final, que eu diria ser um tanto quanto curioso e questionável.
A direção do mestre Kubrick é genial, pois realmente ele era um perfeccionista em cena, e sempre nos entregava takes completamente perfeitos e engenhosos. A trilha sonora é completamente estridente, inquietante, perturbadora, tenebrosa, literalmente nos incomodava sempre que ela entrava em um tom mais médio e ia se elevando com os acontecimentos que estavam por vir - a trilha sonora é o coração da obra! A fotografia é outra obra de arte poética, pois era impossível não se impressionar com uma fotografia que contrastava entre às maravilhas luxuosas do Overlook com um ambiente sombrio, soturno e macabro. A direção de arte é impecável, com cenários belíssimos e totalmente inserido dentro dos padrões da época. Por falar em padrões da época, temos figurinos perfeitos e harmoniosos.
Kubrick entregou uma obra completamente influente: pois tenho certeza que o Danny foi uma base de inspiração para vários outros filmes que contava com uma criança que tinha contatos com o sobrenatural, pra citar um - "O Sexto Sentido". A cena em que Danny anda em seu triciclo pelos corredores do hotel claramente me remeteu ao desenho clássico - "O Fantástico Mundo de Bobby" - de 1990.
King se inspirou em sua própria experiência no Stanley Hotel para criar o Overlook. Em 1974, King e sua esposa se hospedaram no local, que fica no meio das Montanhas Rochosas (assim como o Overlook). O Stanley Hotel - localizado em uma propriedade de 1909, na cidade de Estes Park, no Colorado, EUA - conta com 140 quartos, e hoje é ponto turístico para fãs de "O Iluminado", que viajam de lugares do mundo inteiro para ter uma experiência 'real' do filme e do livro (um dia ainda viajarei para lá).
No livro 'O Iluminado' o apartamento onde aconteceu o contato com a mulher na banheira era o de número 217. Atendendo a um pedido do dono do hotel onde "O Iluminado" foi filmado, que temia que as pessoas não alugassem o quarto 217 por causa do filme, o número do apartamento foi alterado para 237, inexistente no hotel em que o filme fora rodado.
Ainda temos aquela cena emblemática e completamente icônica, quando Jack quebra a porta do banheiro com o machado para pegar a Wendy e profere a frase - "Heeeere's Johnny!" Esta fala foi um total improviso de Jack Nicholson, e trata-se da chamada do programa de auditório 'The Tonight Show Starring Johnny Carson', cuja a famosa fala era de Ed McMahon, que fez muito sucesso em solo americano nos anos 60. Por ser inglês e nunca ter visto o programa, Kubrick por pouco não usou a cena, mas Nicholson o convenceu a deixá-la na versão final. Um slogan macabro que funcionou muito bem.
E como um filme da estrutura, da magnitude e da proporção de "O Iluminado" pode ter sido completamente esnobado pela academia na época? Esta é uma pergunta que nunca existirá respostas, pois se Kubrick não venceu o Oscar por "Dr. Fantástico", "2001: Uma Odisseia no Espaço" e "Laranja Mecânica", não seria por um filme de horror que ele levaria a estatueta, pois a academia sempre teve um total desprezo e preconceito com esta categoria - revoltante!
Sem dúvidas "O Iluminado" é um dois maiores e melhores filmes do gênero de todos os tempos. Certamente é uma das obras mais importante, mais influente e mais respeitada da filmografia do Kubrick. Pra mim entra no top 3 do diretor. "O Iluminado" é a obra-prima do terror, o épico do suspense e a obra de arte do horror. Ler o livro e assistir ao filme foi uma das melhores coisas que eu já fiz em toda a minha vida.
Dedico essa parte final para a minha amiga de Filmow - Karolinne - que foi a grande responsável em me influenciar a ler o livro. Certamente se não fosse pelo seu belo comentário, eu não teria despertado a vontade de conferir esta obra-prima do Stephen King. Obrigado Karol! Obrigado Stanley Kubrick! Obrigado Stephen King! [01/09/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
"Inventando Anna" é uma minissérie criada e produzida por Shonda Rhimes (criadora da série Grey's Anatomy), inspirada na história real de Anna Sorokin e no artigo em Nova York intitulado "How Anna Delvey Tricked New York's Party People" de Jessica Pressler (uma jornalista americana e editora colaboradora da revista New York Magazine). A série foi lançada na Netflix em 11 de fevereiro de 2022. O roteiro segue a jornalista Vivian Kent (Anna Chlumsky) enquanto ela entrevista Anna Delvey (Julia Garner), durante suas idas e vindas ao presídio onde ela estava aguardando julgamento.
A Netflix vive a pior crise da sua história, diariamente vem perdendo milhões de assinantes. Eu vejo muitas pessoas reclamarem que a plataforma não tem nenhuma produção boa, que tudo que a Netflix faz fica ruim, que a plataforma é sinônimo de fracasso. Bem, cada um tem a sua opinião e eu entendo as diversas reclamações, realmente a Netflix tem deixado a desejar e tem pisado feio na bola (posso citar a série Resident Evil como um ótimo exemplo). Porém, a Netflix tem sim produções excelentes, tanto em filmes como em séries. Este ano eu assisti duas excelentes séries originais Netflix - "O Gambito da Rainha" (com a bela e talentosa Anya Taylor-Joy) e "Inventando Anna".
Anna Vadimovna Sorokina, nascida em Domodedovo (uma cidade da Rússia) em 23 de janeiro de 1991.
A história da vida de Anna Sorokina é absurdamente louca!
Anna Sorokina ficou mundialmente conhecida como a impostora russa. Ela mudou-se para Nova York em 2013 e criou a identidade de Anna Delvey, fingindo ser uma rica herdeira alemã. Anna usou um nome fictício, aplicou inúmeros golpes na alta cúpula americana, foi capaz de enganar os membros da classe alta de Nova York a acreditar que ela era uma herdeira alemã com acesso a uma fortuna substancial. Anna foi praticamente uma atriz ao se utilizar de uma faceta fictícia para receber centenas de milhares de dólares em dinheiro, além de bens e serviços enquanto trabalhava para seu objetivo de abrir um clube exclusivo com tema de arte - a sua tão sonhada Fundação Anna Delvey.
Realmente a Netflix fez um trabalho incrível, trouxe uma produção fantástica ao nos mergulhar na história da Anna Delvey. O roteiro da série opta por nos contar a história da Anna em diferentes vertentes, com diferentes pontos de vista. Pois a série já começa nos apresentando as suas duas personagens principais - a jornalista Vivian, que precisa se reafirmar em sua carreira e decide investigar o caso da Anna - e a protagonista da história, Anna Delvey, que está presa aguardando o seu julgamento.
A produção da Netflix foi totalmente assertiva ao nos elucidar sobre o caráter de Anna Delvey. Anna era bizarra, completamente sem noção, uma jovem ambiciosa, inapta, impostora, fraudadora. Uma sociopata, uma narcisista manipuladora, uma jovem totalmente inexperiente de 25 anos que enganou várias pessoas importantes, vários bancos e hotéis luxuosos, roubou o coração do cenário social de Nova York, fez apropriações indébita, tudo isso sem um diploma de faculdade, sem credenciais e sem experiência no ramo além de um estágio.
Como deve ser VIP na vida? De que adianta ter dinheiro se não for pra gastar?
Uma coisa é certa: eu admirei a coragem da Anna, a sua cara de pau, a sua lábia, pois temos que concordar que ela era muito inteligente, persuasiva, conquistadora, convincente, habilidosa, visionária, idealista, astuta, sagaz. Ela tinha uma memória eidética e muita cabeça para os negócios, tinha muita percepção, sabedoria e inteligência para identificar oportunidades e atacar às suas vítimas. Anna era VIP na vida, em todos os locais que ela passava ela era VIP, ela ostentava a sua vida de extremo glamour, ela não tinha dinheiro e mesmo assim gastava horrores, mas como? O último episódio é o ápice da sua loucura, quando ela simplesmente decidi que quer ostentar belas roupas para o julgamento, praticamente uma celebridade. Anna adentra ao tribunal como se estivesse entrando no tapete vermelho do Oscar - bizarro! Ainda temos o Instagram que foi criado para os modelos utilizados por ela em cada sessão do seu julgamento - Incrível, praticamente uma Rihanna! Outra coisa é certa: Anna era extremamente corajosa, pois uma estrangeira dando golpes nos EUA e na época do Governo Trump (o que era ainda pior).
Julia Garner (das séries Maniac e Ozark) me deixou completamente embasbacado com a sua encarnação de Anna Delvey. Julia foi uma grata surpresa (visto que eu não conhecia os trabalhos da atriz), mas adorei a sua interpretação e sua atuação. Acredito que Julia fez um estudo aprofundado na Anna Delvey, buscando se inteirar dos seus trejeitos, suas expressões, seus gestos, seu modo de agir, falar, andar, se portar, pois é muito perceptível como ela se empenhou e se doou para viver a personagem. Eu vi algumas matérias de TV, fotos, artigos, pesquisas, vídeos jornalísticos, e posso afirmar com convicção que a Julia Garner personificou perfeitamente a verdadeira Anna Delvey, principalmente pela sua aparência e seu rosto, que estava verdadeiramente idêntico. Virei fã dessa atriz! Anna Chlumsky (da série Veep da HBO) também se destaca positivamente em cena dando vida a jornalista Vivian Kent (personagem que foi inspirado na repórter Jessica Pressler). Anna Chlumsky está bem na personagem, consegue compor todo o seu papel e entrega uma atuação bastante convincente.
Em 2019, Anna Delvey foi condenada entre 4 e 12 anos de prisão por fraude, por várias acusações de tentativa de roubo qualificado, roubo de serviços e furto de propriedade. Após ser encarcerada, Anna conseguiu liberdade condicional em fevereiro de 2021 por apresentar um bom comportamento, o que fez com que a sua pena fosse reduzida.
Toda essa história da Anna Delvey me remete à belíssima série da Hulu/Star Plus - "The Dropout" - protagonizada pela talentosíssima Amanda Seyfried. Uma série que também trata de uma personalidade real que aplicou vários golpes e várias fraudes nos EUA. Porém, apesar de achar as histórias semelhantes, de duas mulheres que fraudaram os EUA só com o poder da palavra e o poder da persuasão, ambas se diferem justamente no quesito da mentira e suas consequências; Anna Delvey aplicou vários golpes e extorquiu pessoas ricas, sem machucar ninguém, já Elizabeth Holmes além das fraudes e mentiras, ela envolveu um caso mais delicado e mais sério, que era justamente a medicina e a saúde da população norte-americana.
Assim como fiz minhas apostas que a série "The Dropout" ganharia indicações nos próximos festivais de premiações, também aposto na série "Inventando Anna". Assim como indicações para a própria Amanda Seyfried e para a Julia Garner.
Agora deixo umas perguntas em aberto: Há um pouco de Anna Delvey em todos nós? Pois todos nós sempre mentimos um pouco na vida para conseguirmos algo. Anna realmente nunca teve nenhuma fortuna, ou nunca foi uma herdeira rica? Anna foi apenas uma trapaceira em Nova York, ou ela estava apenas tentando o famoso Sonho Americano?
Portanto, eu afirmo com total convicção que "Inventando Anna" é uma das melhores séries da Netflix, e também é uma das melhores séries desse ano (juntamente com "The Dropout" e "Iluminadas"). Volto a afirmar que a Netflix tem sim os seus problemas e está enfrentando uma grande crise, mas isso não quer dizer que todas as suas produções são horríveis, basta ser um pouco inteligente e saber procurar corretamente - fica a dica!
Esta é uma análise totalmente verídica. Exceto pelas partes que foram completamente inventadas. [27/08/2022]
"Dança com Lobos" foi lançado em1990, estrelado, dirigido e produzido por Kevin Costner (juntamente com Jim Wilson na produção). O longa é uma adaptação cinematográfica do romance de 1988, 'Dances with Wolves', de Michael Blake. Durante a Guerra Civil, o tenente do Exército da União John J. Dunbar (Kevin Costner) pratica uma ato ousado, é considerado herói e viaja para a fronteira americana por sua livre escolha. Lá ele vai servir em um posto militar em um lugar com uma forte predominância do povo Sioux.
"Dança com Lobos" marca a estreia de Kevin Costner na direção. Eu tenho um carinho muito especial por este filme, pois foi com ele que eu aprendi muitas coisas da vida, muitos valores em minha infância/adolescência, foi o primeiro filme que eu assisti para fazer um trabalho escolar. Pra mim é uma obra muito intimista, muito pessoal, que sempre me chamou a atenção pelos ensinamentos que nos transmite a respeito de liderança, de amizade, de compaixão e de reconhecimento. Realmente foi uma obra que me ensinou muito, teve uma participação direta na formação do meu caráter.
Em todas as vezes que assisti o longa-metragem eu vi a versão normal, de 3h, dessa vez eu pude acompanhar a versão estendida de 3h 54min. É incrível como um filme de quase 4 horas não cansa, não é maçante, não é monótono, não é enfadonho, o ritmo é perfeito e acertado, tem uma história muito envolvente que nos prende gradativamente em cada cena. Os 54 minutos a mais foram cruciais para o desenrolar de toda história, para a construção de toda a trama, onde o longa conseguiu se desenvolver ainda mais. Assisti poucos filmes que chegassem a quase 4 horas de duração, posso afirmar que um tempo muito extenso fatalmente cansaria o espectador, o que incrivelmente não acontece aqui, pois eu assisti o filme de forma ininterrupta.
Eu tenho uma amor e um carinho muito especial pelo cinema da década de 1990, sempre afirmei que os anos 90 foram os anos de ouro para o cinema. De fato os anos 90 foi uma década cuja às grandes obras cinematográficas nos retratava grandes histórias, grandes contos, grandes passagens, era uma época totalmente diferente de se fazer cinema. E aqui temos um longa que revolucionou o faroeste, pois "Dança com Lobos" foi lançado exatamente em 1990, uma época que o gênero estava defasado e totalmente em crise em Hollywood, pois todo mundo já estava saturado dos westerns americanos. Dessa forma o longa de Kevin Costner encontrou bastante rejeição e dificuldade para ser produzido e consequentemente financiado.
"Dança com Lobos" novamente abre as portas para o gênero em Hollywood e mostra que ainda temos muitas coisas para falar a respeito de um tema tão consagrado e cultuado nas décadas passadas. O longa ficou marcado como o responsável pela renovação dos westerns americanos e marcou o início do faroeste moderno nos cinemas. Aqui temos uma aventura épica, um drama envolvente, um romance singelo e um humor leve e passivo. Kevin Costner traz simplesmente o melhor e mais notável trabalho de toda a sua carreira, com uma direção maestral, com muita segurança em cada cena, com uma narrativa muito bem amarrada onde era mesclado momentos de tranquilidade e tensão.
O roteiro de "Dança com Lobos" é incrivelmente perfeito e feito com uma coesão incrível. Pois temos o início da história do tenente John Dunbar, que se inicia durante a Guerra Civil americana (por volta da década de 1860) em uma luta travada pelo fim da escravidão. Somos confrontados com um personagem que sofre com traumas pelos horrores da guerra, que é totalmente perturbado, que já tentou suicídio, mas que ao partir para um local para viver sozinho, ele vai se reencontrando, se desenvolvendo, se achando, sua vida vai tomando um outro rumo e uma outra forma. Temos aqui um verdadeiro estudo do ser humano e suas culturas - como o desenvolvimento e a construção do respeito, do reconhecimento, dos ensinamentos, da admiração, da confiança. Também temos o choque e o confronto de cultura entre o homem branco americano e os índios Sioux, que aparentemente poderia difundir a sua cultura entre os índios, mas somos confrontados com uma assimilação dos costumes dos nativos, acontecendo uma verdadeira aculturação às avessas.
É muito interessante notar que com o tempo o John Dunbar vai se moldando com às culturas indígenas, vai adquirindo respeito e construindo uma amizade singela e verdadeira. Por outro lado o personagem vai cada vez mais se distanciando da sua civilização e se aproximando dos índios e das suas culturas e ensinamentos. Podemos claramente notar uma certa distância de personalidade e caráter do personagem John Dunbar (o tenente americano) como novo personagem 'Dança com Lobos' (nome que ele ganhou dos indígenas). Assim como também está muito claro que a medida que seu relacionamento vai se aprofundando com os índios, a sua aproximação com o lobo também vai aumentando, até ele finalmente conseguir fazer com que o lobo pegue a comida em suas mãos - incrível!
Kevin Costner foi magnífico ao conseguir sincronizar inúmeros momentos durante toda a trama, momentos esses que vão desde o épico ao faroeste, que apesar do filme não ser predominantemente um faroeste por completo, mas ele possui muitas nuances do gênero. O mais notável em toda a história é a quebra dos estereótipos indígenas, pois sempre houve uma mística que os índios eram seres brutais, violentos, que só matavam, roubavam e causavam destruições por onde passavam. Porém, aqui o longa nos mostra uma outra vertente, uma outra faceta dos povos indígenas, que são realmente pessoas muito incompreendidas, que são vítimas dos povos brancos, que vão colonizando e tomando tudo pela frente, sempre com muita violência e com intenções inteiramente mercantilistas. O longa também faz questão de nos elucidar em como o homem branco praticamente exterminou os povos indígenas e suas culturas, que eles também eram vítimas de uma sociedade totalitarista e facínora (como ainda vemos hoje em dia).
Além de produzir e dirigir magistralmente, Kevin Costner (que atualmente está na série Yellowstone) também atua com a alma e o coração. Posso afirmar que "Dança com Lobos" é o projeto mais grandioso e mais certeiro de toda a carreira do Costner, assim como a sua atuação, que certamente é a melhor de toda uma vida cinematográfica. Aqui temos Costner personificando um personagem que possui várias camadas, várias nuances, ele é extremamente reflexivo e traumatizado pela guerra, mas que se reencontra com o seu "EU" interior ao adentrar na cultura daqueles povos, e ao se apaixonar verdadeiramente. Nota 10 para a atuação de Kevin Costner, melhor impossível, totalmente memorável (muito bem indicado ao Oscar por esse trabalho). Mary McDonnell (da série Major Crimes) também está incrível, traz uma atuação muito bem acertada com sua personagem 'De Pé com Punho'. Mary se destacou como a princesa de toda história, o par romântico do personagem 'Dança com Lobos', alcançando uma química muito funcional e muito condizente com toda a trama que ia se desenvolvendo - outra atuação completamente perfeita, que foi justamente indicada ao Oscar. Graham Greene (da obra-prima À Espera de um Milagre) completa com muita dignidade o trio de ouro do filme. Seu personagem 'Pássaro Esperneante' é muito autêntico, inteligente, confiante, é dele os confrontos iniciais com o personagem John Dunbar, também parte dele a intenção de depositar uma certa confiança em John e vê até que ponto essa confiança pode resultar para seus povos e suas culturas. Por outro lado a confiança, a admiração, o reconhecimento e a amizade que nasce entre eles são verdadeiras e sinceras. Graham Greene também está impecável, tem uma grande atuação, o que condiz plenamente com a sua indicação ao Oscar. Um destaque para Annie Costner, a filha de Kevin Costner, de apenas 6 anos, onde ela tem uma breve participação como a pequenina Christine (um flashback do passado da personagem da Mary McDonnell), cuja cena ela escapa do ataque correndo para as montanhas.
"Dança com Lobos" é um filme que acerta em tudo, e nas qualidades técnicas não seria diferente, estão completamente absurdas. Quero destacar a assombrosa, a monumental, a estratosférica trilha sonora de John Barry (compositor de longa data da icônica franquia 007 nos anos 80). Vou ser bem sincero: não me lembro de outro filme que tivesse uma trilha sonora tão impactante, tão memorável, tão esplêndida como aqui. Uma trilha completamente envolvente, com lindíssimas melodias tiradas com genuinidade de pianos, violinos, violoncelos e flautas. Uma coisa magnífica, que me emocionou verdadeiramente, pois quando terminou o filme a primeira coisa que eu fui fazer foi procurar a trilha sonora para guardar em meu computador. Oscar mais justo da história das trilhas sonoras dos cinemas. Uma fotografia deslumbrante, com enquadramentos perfeitos, que potencializava ainda mais a qualidade estética de cada cena. Os cenários são de uma beleza sem igual, os figurinos estão homogêneo. A direção de arte é absurdamente perfeita. A cenografia é gloriosa. Muito bem montado, muito bem editado, muito bem mixado, muito bem arquitetado, e uma ideia muito abrangente e muito bem transplantada para a tela.
O longa foi um verdadeiro sucesso de bilheteria, com um orçamento de US$ 19 milhões, sendo que apenas nos Estados Unidos o filme arrecadou mais de US$ 180 milhões, arrecadando US$ 424,2 milhões em todo o mundo, tornando-se o quarto filme de maior bilheteria de 1990, e é o filme de maior bilheteria da Orion Pictures. O filme foi indicado a 12 Oscars no Oscar de 1991 e ganhou sete, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor para Costner, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Mixagem de Som. O filme também ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama. O longa de Costner ainda integra a seleta lista dos únicos três westerns a ganhar o Oscar de Melhor Filme na história, sendo acompanhado por "Cimarron" (1931) e "Os Imperdoáveis" (1992).
"Dança com Lobos" é um marco na indústria hollywoodiana, é muito importante para um fator social, por praticamente ter assumido a culpa de ter dizimado uma cultura inteira (a cultura indígena). Após 32 anos de lançamento, o longa não ficou datado, não ficou ultrapassado, envelheceu muito bem, o tempo fez muito bem para à obra. Além, é claro, o filme é creditado como uma das principais influências para a revitalização do gênero de cinema ocidental em Hollywood. "Dança com Lobos" e "Os Imperdoáveis" são as duas melhores obras-primas do faroeste dos anos 90 que eu já assisti na vida. Uma verdadeira obra-prima, obra épica, obra histórica, obra memorável, obra influente, obra revolucionária, obra visionária, obra icônica, obra de arte, pérola da sétima arte, aula de cinema, um verdadeiro estudo histórico e contemporâneo. Simplesmente o ganhador do Oscar de Melhor filme em 1991 e um dos principais filmes da minha vida. [26/08/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
"O Homem Invisível" foi lançado em 2020, escrito e dirigido por Leigh Whannell (cocriador e roteirista da franquia Jogos Mortais). O longa foi inspirado no romance de mesmo nome de H. G. Wells, de 1987, já adaptado pela Universal Studios em 1933. É estrelado por Elisabeth Moss como uma mulher cuja rotina é atormentada por um namorado bastante abusivo, um cientista rico especializado em óptica. Para se libertar dele, a personagem utiliza uma droga para fazê-lo dormir e assim fugir com sua irmã. Porém, ela acredita estar sendo perseguida por seu ex-namorado aparentemente falecido depois que ele adquire a capacidade de se tornar invisível.
O desenvolvimento de uma nova adaptação cinematográfica contemporânea do romance começou em 2006, mas foi interrompido em 2011, quando o roteirista David S. Goyer (diretor de Blade Trinity, de 2004) foi contratado pela Universal Studios para trabalhar em uma nova perspectiva da história clássica. No entanto, o profissional se desligou da obra deixando o projeto engavetado por alguns anos, até o ator Johnny Depp se interessar pelo andamento da produção em 2016, pois o projeto foi revivido como parte do universo cinematográfico compartilhado dos monstros clássicos da Universal - Dark Universe. Apesar disso, o estúdio assumiu o controle do filme e Depp foi descartado após o fracasso crítico e financeiro de "A Múmia", em 2017 (realmente esta versão é horrível), pois a Universal se afastou de um universo serializado para filmes independentes. O projeto voltou a ser desenvolvido em 2019 junto com outros clássicos de terror.
Sobre o clássico: durante a ascensão de Hollywood nos anos 30, a Universal Classic Monsters chamou a atenção do público com diversas obras envolventes, que incluíam filmes como "Drácula" (1930), "Frankenstein" (1931) e "O Homem Invisível" (1933). Depois que o clássico de 1933 chegou aos cinemas, o sucesso foi praticamente imediato, dessa forma o estúdio pensou em desenvolver outras produções ligadas à obra de H. G. Wells. Nesse sentido, em 1940, os espectadores puderam conferir "A Volta do Homem Invisível", e em 1942, "A Mulher Invisível" se tornou uma comédia de sucesso emprestando alguns elementos do longa original para conquistar o público. O clássico de 1933 faz parte de uma série de clássicos de terror que os estúdios Universal decidiram refilmar no século 21 - os outros títulos incluem "A Múmia", "O Lobisomem", "A Noiva de Frankenstein" e "O Monstro da Lagoa Negra", além de "A Liga Extraordinária" (2003), que também foi baseada em um quadrinho homônimo, em que um dos personagens centrais era o Homem Invisível. O longa-metragem ainda me remete ao clássico do SBT, "O Homem sem Sombra" (2000), que também é inspirado na obra do escritor britânico H. G. Wells.
Realmente o ano de 2020 foi o ano dos reboots, e aqui temos mais um. O longa nos confronta um drama familiar abordando casos de terror mesclados à ficção científica de um jeito inovador e cheio de tensão. É incrível como temos várias abordagens ao longo da trama de um cientista que descobriu a fórmula da invisibilidade e testa essa condição específica em si mesmo. O longa navega no drama, no mistério, no terror, no suspense, além de nos trazer uma relação abusiva através do olhar da vítima, que é uma mulher angustiada pela obsessão do marido e, dentre as variadas leituras, nos faz refletir sobre o percurso doloroso que uma vítima oprimida pelo medo percorre.
Este é o maior trunfo do filme, a forma como ele aborda uma relação violenta, controladora, abusiva, com maus-tratos que causa pressão psicológica e mexe com a sanidade da vítima. De fato a Cecilia (Elisabeth Moss) era extremamente traumatizada e fortemente alucinada pela opressão, pelas agressões físicas e psicológicas. O longa ainda exemplifica como a vítima sofre o 'Gaslighting' - que é uma forma de violência psicológica nos relacionamentos afetivos. Sorrateiramente, o parceiro abusivo fere o emocional da vítima através de manipulações e mentiras para se engrandecer ou se safar de situações desfavoráveis para ele - muito bem abordado e concretizado na trama! Temos aqui uma espécie de denúncia em forma de suspense.
Como acreditar em uma pessoa que afirma que um morto voltou e agora está invisível? O roteiro lida muito bem com essa vertente e toda essa construção do místico, do imperceptível, do oculto, do sombrio, além de claramente trabalhar o clima soturno da personagem ao nos explicitar a sua insanidade mental, e como ela perdeu a razão em pensamentos e ações sem sentido, apresentando comportamentos distorcidos que fogem à regra. Por outro lado o longa aborda o comportamento do namorado (ou marido) da vítima - um sociopata narcisista. Claramente o Adrian (Oliver Jackson-Cohen) tinha dificuldade para ter empatia, a sua sociopatia lhe incapacitava de ter empatia. Ele ainda apresentava mentiras compulsivas, manipulação, impulsividade, arrogância, comportamento hostil, impaciência e a incapacidade de sentir culpa.
A vencedora do Emmy Awards, Elisabeth Moss (recentemente esteve impecável na série Iluminadas), está completamente incrível e absoluta na personagem. Se o filme consegue nos imergir e nos prender em um suspense muito funcional mesclado com o terror, grande parte desse acerto se deve a Moss. De fato ela conseguia nos passar a sua angústia, a sua aflição e o seu medo unicamente pelo olhar e pelas suas expressões. Posso afirmar que não seria qualquer atriz que conseguiria nos prender e nos paralisar em uma cena de suspense praticamente sozinha, como a Moss fez várias vezes (como na cena que ela contracena com o oculto). Tem que ter uma bagagem, muita experiência e todo um preparo para nos entregar uma excelência como ela nos entregou. Eu nunca me canso de elogiar a Elisabeth Moss, pois ela é uma atriz fenomenal que funciona no drama, funciona no suspense, funciona na ficção, funciona em tudo que você quiser. Ela é uma das melhores atrizes da sua geração e da atualidade - a rainha da porra toda!
Oliver Jackson-Cohen (recentemente esteve em A Filha Perdida) é muito bom no que ele faz, e aqui ele impressiona com um personagem frio, compulsivo, introspectivo, sádico e totalmente letal - gostei da sua atuação. Michael Dorman (da série For All Mankind) foi uma grata surpresa na trama, visto que seu personagem Tom Griffin (irmão do Adrian) inicialmente estava escanteado, onde eu achava que ele estava ali unicamente para compor o elenco, porém, no último ato do filme ele ganha uma relevância e o roteiro até tenta nos surpreender o envolvendo em um plot. Aldis Hodge (da série City on a Hill), um amigo de infância da Cecilia e hoje é o Detetive James Lanier. Aldis entrega um personagem um pouco perdido em cena, que não mostrou a que veio e tem situações inverossímeis. Harriet Dyer (da série American Auto) faz a Emily Kass, a irmã que ajuda a Cecilia a fugir dos abusos do marido sociopata. Harriet faz aquela típica personagem que nem cheira e nem fede, praticamente um desperdício de tempo e talento.
O longa de Leigh Whannell se sobressai muito bem ao abordar um drama familiar com casos de uma relação doentia e abusiva, onde ele mescla muito bem o suspense com o terror e a ficção científica. Porém, o filme está recheado com vários furos e inconsistências de roteiro totalmente incabíveis, onde eu nem vou me dar ao trabalho de pontuar aqui, pois é só descer às páginas abaixo que encontrará vários comentários que pontuam muito bem cada uma (quem quiser saber mais é só procurar os comentários dos usuários Goremaster e Fabio Kowalski). O australiano Leigh Whannell foi o cocriador e roteirista da franquia Jogos Mortais, o que me leva a crer que no último ato ele descamba para a violência explícita por vontade própria, como algo para impressionar o espectador (eu não me impressionei), ao apostar no sangue jorrando sem pudor, quase um gore. Por outro lado o roteiro tenta estabelecer um plot twist que beira o ridículo - eu não comprei essa ideia, não achei aceitável, de certa forma achei até absurdo. Também achei inverossímil a última cena com a Cecilia expondo aquele ar de soberana e poderosa.
"O Homem Invisível" é um bom filme, acerta muito bem no suspense, na ficção e na abordagem de um relacionamento tóxico, mas por outro lado erra descaradamente ao desafiar a nossa inteligência com situações que beiram o ridículo - inaceitável! [20/08/2022]
"O Último Samurai" foi lançado em 2003, dirigido e co-produzido por Edward Zwick, que também co-escreveu o roteiro com John Logan (roteirista do épico Gladiador) e Marshall Herskovitz (criador da série Once and Again). O longa parte da premissa de uma história criada por John Logan, que foi inspirado por um projeto de Vincent Ward (trabalhou no roteiro de Alien 3, de 1992), com Ward mais tarde servindo como produtor executivo, juntamente com a estrela do filme, Tom Cruise, que também co-produziu.
O soldado Nathan Algren (Tom Cruise) deixa os Estados Unidos rumo ao Japão feudal. Na tentativa de derrotar o comandante Katsumoto (Ken Watanabe), ele é capturado. Algren sabe o destino de prisioneiros inimigos, mas fica surpreso ao ser poupado e se sente atraído pelo estilo de vida dos Samurais, entre outras coisas que ele vai descobrindo com o passar do tempo.
O roteiro de "O Último Samurai" é completamente esplêndido e instigador, pois de fato temos a abordagem em torno do capitão americano, Nathan Algren, um veterano de guerra que ganhou bastante fama ao combater os indígenas no Oeste do seu país. Porém, o que observamos é um capitão extremamente traumatizado e transtornado com o seu passado (onde ele tinha constantes visões dessa batalha), cujos conflitos pessoais e emocionais o colocaram em contato com guerreiros Samurais. A partir do momento que Nathan é rendido e levado como prisioneiro pelo líder dos Samurais, Katsumoto, o roteiro fica ainda mais interessante, pois temos uma abordagem de um prisioneiro nada convencional, que passa a admirar o estilo de vida e da cultura daquelas pessoas. Temos aqui o apreço de Nathan pela tradição, pela honra, pelo perfeccionismo da cultura japonesa, o que o leva diretamente a um estado emocional e uma crise de consciência, pois ele estava se identificando mais com os japoneses do que a sua própria nação.
Edward Zwick (Diamante de Sangue) nos premia com este belíssimo épico que aborda a dor da guerra com a serenidade e a calma próprias dos orientais, pois de fato o longa está inserido na ocidentalização do Japão por potências estrangeiras (como o próprio EUA), cujo enredo foi inspirado na Rebelião de Satsuma de 1877 liderada por Saigō Takamori. "O Último Samurai" é um drama que nos retrata de forma poética um tema tão doloroso, tão cruel, tão profundo, tão importante para a história da cultura japonesa. O longa aborda principalmente a guerra e os confrontos, mas nos traz o valor da disciplina, da compaixão, da honra, da tradição, da amizade, nos desperta o interesse de conhecer um pouco mais a história do Japão e principalmente às histórias por trás da cultura dos Samurais.
"O Último Samurai" nos confronta em diferentes aspectos, tanto da cultura japonesa quanto da história do Japão do século 19, pois de fato o longa nos traz os conflitos entre os Samurais e o governo imperial japoneses na era da revolução Meiji, o que é exatamente o foco do filme, soando como um estudo completamente aprofundado na história do Japão feudal. Por outro lado o longa nos traz um profundo estudo do poder da amizade, da benevolência, da compaixão, que é exatamente como somos confrontados com a relação que vai se criando entre o Nathan e o Katsumoto. Passamos a acompanhar todos os conceitos de valores, como a justiça e a bravura, que é exatamente bem abordado nos mais variados diálogos entre os dois personagens, que vai nos retratando sobre o respeito, a honra, a lealdade, a honestidade, nos mostrando todo o caminho que é trilhado em busca da glória e da ascensão eterna.
A forma como o longa nos retrata a cultura dos Samurais é completamente incrível - como o fato de pouparem a vida do Nathan unicamente porque ele era o último do seu exército e a derrota o desonra, e de fato os americanos não tinham a cultura de se matar por desonra, como os Japoneses faziam, e um Samurai não suporta a vergonha da derrota. Por outro lado o Katsumoto queria conhecer melhor o seu novo inimigo. O que mais impressiona é a busca incessante de Nathan sobre a cultura e os treinamentos, onde o próprio descobriu o significado da palavra Samurai - que significa servir. Ser um Samurai significa dedicar-se completamente a uma série de princípios morais, buscar a inércia da mente e dominar o manejo da espada.
Tom Cruise (recentemente esteve em Top Gun: Maverick) vinha de projetos variados na época, sendo que em "O Último Samurai" ele entrega uma de suas melhores atuações de toda uma carreira (contando até hoje). Tom sempre foi um ator versátil, inteligente, completo, o que nos deixou ainda mais impactados com esta produção na época. Realmente aqui temos um Tom Cruise mais enérgico, mais centrado, motivado, destemido, que sobressaiu em todas as cenas. Por falar em sobressair nas cenas, temos o maravilhoso Ken Watanabe (o inesquecível Saito de A Origem), que assim como o Tom Cruise também se sobressaiu em suas cenas. Foi completamente incrível acompanhar o nascimento daquela amizade sincera e verdadeira, onde podíamos notar todos os seus princípios e seus valores sendo expostos entre ambos. Ken Watanabe trouxe um personagem triunfal e grandioso, onde sua atuação se tornou perfeita, verdadeira e completamente eterna - muito bem coroado com a indicação ao Oscar em 2004. Ainda tivemos uma participação fundamental do grande Timothy Spall (recentemente esteve no maravilhoso Spencer), que deu vida ao Simon Graham, sendo muito objetivo em todo o contexto final. Não posso deixar de mencionar a atriz japonesa Katô Koyuki (do filme japonês Caçadores de Vampiros), que foi a Taka, uma das grandes responsável pela recuperação de Nathan, sendo determinante para alcançar todo o seu objetivo com bastante empenho. Katô Koyuki é uma atriz doce, singela, meiga, que se destacou e esteve muito bem em cena contracenando principalmente com o Tom Cruise.
A trilha sonora foi completamente determinante para todo o sucesso do filme. Temos aqui a 100ª trilha sonora composta pelo gênio Hans Zimmer, que foi completamente absoluta e profunda em 100% das cenas. Um destaque maior para a trilha sonora da batalha final, que me remeteu diretamente para as composições sinfônicas da banda de metal melódico Nightwish (uma de minhas bandas preferidas). A fotografia de John Toll (diretor de fotografia em Coração Valente) está completamente perfeita, se destacando entre os contrastes dos vilarejos e os grandes campos de batalhas. A direção de arte de Steven Rosenblum (também de Coração Valente) é impecável. Os figurinos estão muito fiéis e completamente dentro do padrão da época.
O longa de Edward Zwick foi indicado a vários prêmios: quatro Oscars - sendo Mixagem de Som, Figurino, Direção de Arte e Ator Coadjuvante para o Ken Watanabe. Três Globos de Ouro - sendo Trilha Sonora para o Hans Zimmer, Ator Coadjuvante para o Watanabe e Ator Drama para o Tom Cruise. Além de dois National Board of Review Awards.
Apesar de todo o sucesso, "O Último Samurai" foi duramente criticado no Japão, por eles afirmarem que o filme passa um retrato muito romantizado de "livro de histórias" dos Samurais, que são considerados mais corruptos.
"O Último Samurai" é um belíssimo filme sobre a cultura japonesa e principalmente sobre a cultura dos Samurais, além de abordar o verdadeiro valor e o poder de uma amizade sincera e verdadeira. A batalha final é tão apoteótica quanto a batalha final do épico "Coração Valente", que serviu de base de inspiração pro longa. Sem falar que após a batalha final ainda temos uma cena emblemática - nos mostrando que o sacrifício de Katsumoto serviu para despertar o Imperador e subtrair o Japão da órbita do imperialismo americano.
Eu assisti "O Último Samurai" no cinema em Março de 2004 (me lembro como se fosse hoje), naquela época os filmes ficavam vários meses em cartaz. Posso afirmar que se naquela época o Oscar pudesse nomear 10 indicados a Melhor Filme (como pode hoje), com toda certeza "O Último Samurai" estaria entre eles.
De fato, "O Último Samurai" é uma obra primorosa, grandiosa, sagaz, contundente, verdadeira, importante, profunda, com um grande valor histórico, e que nos cativa e nos emociona verdadeiramente (principalmente na última parte da batalha final). Um verdadeiro épico, uma verdadeira pérola, uma verdadeira obra-prima - que não está somente entre os melhores filmes da carreira do Tom Cruise, mas integra na lista dos melhores filmes da década de 2000. [18/08/2022]
"Pacto Brutal - O Assassinato de Daniella Perez" é uma minissérie que nos relata um documentário sobre o assassinato da atriz e bailarina Daniella Perez, filha da escritora Glória Perez. Foi produzida pela HBO Max.
Glória Perez é uma escritora que admiro muito e respeito demais. Gosto muito de assistir novelas (hoje em dia não assisto mais) e me lembro que a primeira novela que eu assisti na vida foi 'Explode Coração' (1995), justamente uma novela de sua autoria e também foi a primeira novela após o caso da Daniella. A Glória é um verdadeiro ícone da teledramaturgia brasileira, ao longo dos anos acompanhei todas as suas novelas e as minhas preferidas (além de Explode Coração) foram 'O Clone' (2002), 'América' (2005) e 'Caminho das Índias' (2009). Este final de ano teremos a chegada de mais uma de suas novelas - 'Travessia'.
Não me lembro do caso da Daniella Perez, tampouco assisti a novela 'De Corpo e Alma', na época eu tinha apenas 8 anos.
28 de Dezembro de 1992 (uma segunda feira), aconteceu um assassinato que chocou o país, parou o Brasil. A atriz Daniela Perez foi brutalmente assassinada pelo colega de elenco Guilherme de Pádua e sua esposa Paula Thomaz. Na manhã do dia seguinte (29 de Dezembro) o país amanheceu revoltado e de luto, foi um choque e uma comoção nacional que chegou a ofuscar o caso da renúncia do presidente da época - Fernando Collor de Mello.
Como disse, não acompanhei o caso na época mas ao longo dos anos eu pesquisei e li bastante relatos sobre o caso da Daniella, porém, devo confessar que era eu bastante desinformado e conhecia várias histórias diferentes da verdadeira. A série veio justamente para isso, para nos elucidar sobre os fatos verdadeiros desse caso, pois ela vai além de recontar a história que figura no imaginário popular. A série documenta e parte da premissa de eliminar aquelas versões que ficaram conhecidas pelo público, fazendo prevalecer as conclusões da justiça sobre o caso, além de esclarecer antigas questões, como o tipo de arma de fato utilizado no crime. Devo aplaudir de pé toda a produção da HBO Max, que foi muito verdadeira, consciente, fidedigna aos fatos contados pela Glória. Uma produção muito competente em seus 5 capítulos, onde cada um serviu para nos elucidar e nos contar uma parte da história. Foi como a própria Glória disse: "esse caso vai completar 30 anos este ano e vai servir para o conhecimento de uma nova geração, que não viveu naquela época ou desconhecem a história. Também vai servir para desmistificar muitas coisas errôneas do conhecimento da população sobre o caso Daniella Perez".
Daniella Perez foi a primeira filha da Glória, tinha apenas 22 anos e estava vivendo o auge da sua carreira e fama, era conhecida como a namoradinha do Brasil e estava em sua terceira novela (antes ela já tinha passado por Barriga de Aluguel em 1990 e O Dono do Mundo em 1991).
O primeiro episódio é sem dúvidas o melhor, justamente por nos pegar de surpresa em alguns fatos. Foi um episódio que eu me emocionei de verdade com o depoimento da Glória ao chegar perto do corpo da filha pela primeira vez. Senti um misto de emoção, compaixão, tristeza, revolta, repulsa, ódio, angústia. Foi um episódio que eu fiquei completamente abalado emocionalmente, em estado de choque, era como se meu sangue estivesse congelado em minhas veias, senti meu corpo frio e os pelos se arrepiarem. Ao mesmo tempo senti uma revolta, uma repulsa, um ódio gigantesco que aflorava em meu coração, era como seu eu fosse da família da Glória, era como se eu estivesse vivido todo aquele caso, um sentimento muito ruim e muito forte. A Glória sentia como se aquelas apunhaladas fosse para ela, ela sentiu a dor da filha - triste e revoltante!
Me impressionou também a forma como cada episódio ia nos contando partes da história da Dani, como o fato que desde o início a polícia trabalhou para não desvendar esse crime (bizarro). Também temos o episódio que é voltado para o casal de assassinos, nos contando partes da história do início da carreira do Guilherme de Pádua (que eu desconhecia). Completamente impressionante a coragem, a motivação e a força que a Glória Perez teve ao se tornar uma mãe detetive, uma mãe investigadora, que foi atrás das provas e dos testemunho dos frentistas do posto. Junto com familiares e amigos ela conseguiu obter 1 milhão e 300 mil assinaturas para conseguir uma emenda para mudar o código penal brasileiro, e ela levantou uma bandeira não somente em prol da sua filha, mas em forma geral para todos. Assassinato passa a ser considerado crime hediondo - segundo o código penal brasileiro.
Sobre os assassinos: Temos o episódio que nos conta sobre o julgamento do casal, além de nos elucidar como o Guilherme manipulou a esposa, estimulando ainda mais o ciúme dela, conhecida por já ser extremamente ciumenta, e com histórico de ter agredido outras mulheres, e juntos arquitetaram o assassinato. Daniella Perez tomou 18 golpes fatais, a violência dos golpes foram tanta que o coração da vítima ficou exposto - absurdo! Guilherme e Paula foram condenados por homicídio qualificado, com motivo torpe. A pena dele foi de 19 anos em regime fechado, e a dela de 15 anos. Paula hoje vive discretamente. Em 2021, voltou à evidência diante da notícia de que estaria preparando a filha mais nova para ser atriz (era como se ela quisesse que sua filha seguisse os passos da Dani). Já Guilherme, solto em 14 de outubro de 1999, após ficar preso por 6 anos e 9 meses pelo assassinato, se tornou pastor na Igreja Batista em Belo Horizonte, e criou um canal no Youtube para pregar a palavra evangélica. Fico me perguntando - que tipo de ser humano em sã consciência ainda segue um monstro desse?
Eu nunca acreditei nas leis desse país, pra mim isso nunca mudou e nunca mudará, sempre será leis frouxas e falhas. Fico me perguntando como a Glória e familiares suportaram o fato dos dois estarem soltos hoje dia e vivendo suas vidas normalmente. Como o Raul Gazolla suportou a dor e o fato de hoje os dois estarem livres. Como vimos no episódio, quando o Raul descobre quem foi o assassino de sua esposa, ele fica completamente transtornado, tenho certeza que passou pela cabeça dele a vontade de dar cabo dos dois. Eu já sou uma pessoa diferente, penso completamente diferente, nesses casos eu sou muito revoltado e tenho pensamentos muito extremos. Não acredito em reconciliação, arrependimento, absorção, perdão, reintegração na sociedade. Não acredito em arrependimento de psicopatas, você não pode aumentar o ego de um psicopata, psicopata deve ser morto e esquecido, pra mim não tem perdão. E ainda reitero: se esse caso fosse em minha família, jamais eles estariam hoje livres pelas ruas e vivendo suas vidas normalmente. Eu faria questão de passar o resto da minha vida atrás das grades, mas os dois já estariam sentados no colo do capeta há muitos anos - esse é meu desejo e minha opinião!
Vocês não tiraram só a vida da Dani, vocês arrancaram um pedaço da Glória, vocês mataram todos os sonhos de uma jovem, vocês acabaram com toda uma família, vocês comoveram todo um país. A Dani era linda, era talentosa, aquele rostinho singelo e sonhador eu nunca vou me esquecer, aquela sua imagem feliz ao lado da mãe jamais sairá da minha cabeça. Eu estou completamente revoltado, profundamente magoado e dilacerado por dentro. Vocês foram covardes, atacaram a vítima desacordada e completamente indefesa - seus monstros, eu tenho um completo ranço de vocês! Guilherme de Pádua e Paula Nogueira Peixoto (nome que ela usa atualmente), eu desejo uma morte bem dolorosa, bem sofrida e bastante agonizante para vocês dois. [13/08/2022]
"Noite Passada em Soho" é um filme britânico de 2021 dirigido por Edgar Wright e co-escrito por Wright e Krysty Wilson-Cairns (roteirista em 1917). A trama acompanha Eloise (Thomasin McKenzie), uma jovem apaixonada por design de moda que muda para Londres para estudar. No entanto, a jovem inocente apaixonada pela década de 1960 começa a ter visões com Sandie (Anya Taylor‑Joy), uma jovem que tenta ser cantora em uma Inglaterra de 60 anos atrás.
Edgar Wright, que em 2017 foi o responsável em nos trazer o excelente "Baby Driver", dessa vez nos surpreende com "Noite Passada em Soho", um longa que marca a junção de duas belíssimas atrizes - Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy, que além de lindas são muito talentosas (adoro as duas).
O longa de Wright mistura terror e drama em uma narrativa angustiante e crescente, pois realmente temos aqui um suspense, um mistério, um terror psicológico, um thriller que acompanha uma história que envolve muito glamour, sonho, alucinações, desejos e ambições. Ainda temos uma mistura de viagem no tempo que conta com elementos sobrenaturais que contrasta entre uma Londres moderna com uma Londres dos anos 60. É um drama construído aos poucos e feito para nos levar pela fantasia, pela fábula, por um conto, por um teatro e, principalmente, pelo medo.
"Noite Passada em Soho" é um drama labiríntico que confronta um diálogo entre ilusão e realidade, pois temos uma protagonista que se vê em tramas paralelas que, apesar de distintas, cada vez mais se enroscam entre o tempo, o sonho, em uma crescente desilusão a respeito da tão sonhada e almejada Londres. O mais interessante da trama é observar que as personagens se entrelaçam em um jogo de percepções, sonhos, decadência e desespero, pois a narrativa costura um enigma inteligente acerca do passado de Sandie e dos desdobramentos da vida atual da jovem Eloise.
"Noite Passada em Soho" surpreende e se sobressai por nos trazer um resgate do suspense psicológico, uma história contundente que mescla passado e presente em uma realidade insana, cuja narrativa labiríntica nos mergulha em uma confusão proposital que se mistura à uma realidade complexa. O longa de Wright vai ainda mais além ao abordar e estabelecer uma narrativa sobre a violência sistemática contra a mulher - toda aquela intimidação proposital, o bullying, os atos de violência física que causava danos emocionais e prejuízos à sua saúde psicológica. Wright ainda abre espaço para um debate sobre essas consequências dessa realidade brutal, ou a busca e a sede por vingança, a violência sendo respondida com violência.
Sem dúvida um dos pontos mais positivos do longa de Wright está em suas qualidades técnicas. Como a própria trilha sonora de Steven Price (de Baby Driver e Gravidade), que está simplesmente fenomenal, perfeita, somada em um misto de angustiante e encantador. A fotografia é totalmente deslumbrante, nos maravilha e nos encanta em praticamente 100% das cenas. Realmente impressiona o trabalho de fotografia, pois esteticamente e artisticamente é surreal, entre aquele misto de cores vibrantes e luzes. Os figurinos são completamente emblemáticos que situa o filme em uma obra pensada em totalidade, assim como a própria maquiagem e cabelos. A direção de arte é esplêndida, nos traz cenários e técnicas de filmagens (como as diversas ferramentas de perspectiva e reflexo nas cenas) que conseguem retratar com maestria o arco das duas personagens. Temos aqui uma direção de arte muito competente, muito caprichada, que soube trabalhar com soberania cada detalhe dos cenários que contrastava entre uma Londres atual e uma Londres dos anos 60 - nota 10 pra direção de arte do filme!
A bela Thomasin McKenzie (recentemente esteve em Ataque dos Cães) impressiona com sua ótima atuação. A jovem Eloise é sonhadora, é encantadora, é fascinante, é carismática e ao mesmo tempo assustada, nos passa uma singularidade, nos cativa e nos simpatiza. Este é o ponto de maior destaque na atuação da Thomasin, a sua mudança de chave e de comportamento durante o desenrolar da trama, pois incialmente ela nos passava uma jovem assustada, amedrontada e ao final ela muda totalmente a sua personalidade, se mostrando voraz, destemida, completamente alucinada em busca do seu desejo de vingança - atuação perfeita da Thomasin McKenzie! Anya Taylor‑Joy (que brilhou e me encantou em O Gambito da Rainha) está fascinante, envolvente, soberana, majestosa, triunfal, sem sobra de dúvida é mais um grande trabalho em sua bela carreira. Anya é uma atriz que sempre dá o melhor de si em todas as suas personagens e aqui não é diferente - pois temos uma Sandie que é aspirante à cantora, que se envolve em um submundo cruel e perigoso, que aflora cada vez mais o seu desejo ambicioso. Anya Taylor‑Joy está leve, está solta, está feliz, está completamente absoluta em sua atuação, nos encanta em 100% da trama, principalmente por contrastar uma face angelical ao início e uma face demoníaca ao final - pra mim completamente perfeita! E aquela cena final com aquela piscada destruidora de corações? Eu morri ali - kkkkkkkk
Matt Smith (da série The Crown) traz um personagem bastante interessante e bastante importante para o contexto da história. Jack realmente foi o contraponto inicial de Sandie, o seu verdadeiro estopim para toda explosão que viria a seguir. Diana Rigg (falecida em 2020) traz uma personagem completamente surpreendente, que me deixou bastante intrigado com o desenrolar da sua história. Assim como o próprio Terence Stamp (fenomenal em Operação Valquíria), que a princípio eu pensava uma coisa do seu personagem e depois fomos confrontados com um inverso. Completando o elenco com Rita Tushingham (My Name Is Lenny), a amável e adorável avó de Eloise, que sempre mantinha um amor e um certo cuidado com o dom herdado pela neta.
Apesar de todos os pontos positivos já destacados, o defeito maior do longa de Edgar Wright está em seu desfecho final. Se no começo tínhamos uma excelente costura entre ilusão e realidade, no final Wright perde a mão, força demais em cima do místico, nos enfiando goela abaixo um terror bem genérico. Realmente o longa começa muito bem, tem uma ótima premissa, porém, a resolução dos mistérios e enigmas do filme decepciona com elementos fantasiosos que extrapolam o cabível nos últimos minutos. Temos aqui uma clara indecisão do Wright, por viajar demais na conclusão do filme com uma atmosfera investigativa superficial e falha, o que nos dá uma certeza que ele não soube escolher bem qual caminho percorrer e acabou decidindo, de fato, o pior.
O longa foi indicado a dois BAFTA Film Awards, incluindo Melhor Filme Britânico e Melhor Som.
"Noite Passada em Soho" é um bom filme, que mescla muito bem uma mistura de ilusão e realidade com ares de noir, nos trazendo um thriller psicológico bem performado no suspense, no drama, no mistério e no terror, e que acompanha a protagonista em sua crescente desilusão a respeito do passado. Mas por outro lado o plot twist é bem mediano e o diretor perde completamente a mão em seu desfecho final, pecando exatamente em uma incongruência em relação à tudo que já havia construído desde o início do filme - uma pena! [12/08/2022]
"Iluminadas" é uma série original Apple TV+ baseada no romance de 2013, 'The Shining Girls', da escritora sul-africana Lauren Beukes. A série é estrelada por Elisabeth Moss, Wagner Moura e Jamie Bell. Leonardo DiCaprio, Jennifer Davidson e Lindsey McManus atuam como produtores executivos, assim como a própria estrela da série, Elisabeth Moss. A autora do romance, Lauren Beukes e Alan Page Arriaga também são os produtores executivos. A adaptação foi criada e escrita por Silka Luisa, que também é produtora executiva e showrunner da série.
Kirby Mazrachi (Elisabeth Moss) é arquivista do Chicago Sun-Times. Anos atrás, ela foi brutalmente atacada e deixada para morrer, mas seu agressor nunca foi encontrado. Hoje ela ainda está traumatizada pela agressão e luta para entender sua realidade que continua mudando. Determinada a encontrar seu agressor, ela descobre um assassinato que tem uma notável semelhança com seu próprio ataque. Kirby pede a ajuda do repórter Dan Velazquez (Wagner Moura) e juntos eles descobrem vários casos arquivados de assassinatos semelhantes e começam a caçar um misterioso serial killer.
Quando eu soube que o Wagner Moura iria estrelar uma série junto com a Elisabeth Moss eu fiquei bastante animado e interessado em conferir. Wagner Moura é um belíssimo ator nacional que deu muito certo em Hollywood e não estrelava uma série desde "Narcos", 2017. Por outro lado a toda poderosa Elisabeth Moss é a grande protagonista da série, uma atriz que admiro e amo em praticamente todos os seus trabalhos - como a própria série "The Handmaid's Tale", que pra mim é simplesmente uma das melhores séries que eu já assisti na vida, juntamente com a Moss, que pra mim entrega um dos seus melhores trabalhos da carreira.
"Iluminadas" é uma série diferente de todas as séries que eu já assisti, pois aqui temos um enredo que é baseado (adaptado) em um livro (que eu não li) e justamente por isso nos traz uma trama que está imersa no suspense, no drama, no mistério, no investigativo, com uma boa dose de ficção científica, com histórias envolvendo viagem no tempo e se destacando principalmente como um thriller com serial killer. A série também se destaca por ser intrigante, psicodélica, maniqueísta e principalmente complexa (no maior estilo Nolan). Somos jogados em um verdadeiro labirinto ficcional construído pelo roteiro onde temos que colocar a cabeça pra pensar e tentar desvendar os seus enigmas. A série não tenta se explicar a todo momento, o que definitivamente nos obriga a criar teorias e tentar encaixar todas as peças do quebra-cabeça envolvendo o espaço-tempo.
Não vou negar que a principio eu fiquei um pouco perdido tentando decifrar e montar todo aquele quebra-cabeça, pois aqui temos uma trama ambientada em uma Chicago dos anos 80 que nos confronta com o assassino que escolhe suas vítimas cuidadosamente e as persegue até alcançar o objetivo de matá-las (fazendo suas vítimas a cada década). Realmente temos uma trama bastante original com um roteiro muito coeso misturando suspense e ficção científica do início ao fim, e o ponto mais positivo é que os dois gêneros são perfeitamente mesclados, sem ficar forçado ou óbvio, principalmente pelo fato de acompanharmos um serial killer que viaja no tempo para fazer suas vítimas - um ótimo suspense policial fictício.
Tecnicamente a série é incrível! O roteiro é perfeito, a direção é ótima, a montagem é excelente, a edição é muito bem organizada. Temos uma bela fotografia, uma ótima trilha sonora (que se destacava justamente por soar bastante original), uma direção de arte muito competente, que soube mesclar muito bem cada cenário e objetos de cenas em suas respectivas décadas - perfeito!
Posso afirmar que Elisabeth Moss é uma das melhores atrizes dramáticas da sua geração. Aqui temos uma Moss em seu auge (mais uma vez), que nos espanta com a sua atuação de uma mulher que sobreviveu a um ataque de serial killer e que tem sequelas por causa disso. Desde o primeiro episódio a Moss já nos pega pelas mãos e nos carrega por um mundo misterioso e completamente inesperado, e junto com ela vamos desvendando cada ponto dessa curiosa trama. Sensacional, Elisabeth Moss como sempre é a escolha perfeita para protagonizar thrillers (basta lembrar de O Homem Invisível e Nós), mas se você quiser um drama ela também dá um verdadeiro show (basta lembrar da série The Handmaid's Tale).
Wagner Moura também está incrível. Como não se impressionar com a tamanha entrega de Wagner em seu personagem Dan? Dan era um personagem solitário, vazio, frio, que tinha seus problemas com a bebida e vivia em uma verdadeira luta com seus traumas. A dinâmica entre Wagner Moura e Elisabeth Moss é de encher os nossos olhos e sustenta muito bem a trama, pois ele nos entrega uma ótima atuação e só nos confirma o excelente ator que ele é. Destaque para as cenas que ele conversa com seu filho em inglês e logo em seguida em português - incrível! Wagner Moura e Elisabeth Moss viraram amigos ao contracenarem juntos (eu adorei saber disso). Jamie Bell (Rocketman) completa muito bem o trio sensacional de "Iluminadas". Jamie incorpora o serial killer Harper com uma excelência extrema - o criminoso, que a princípio, acreditava que suas ações eram impossíveis de rastrear, até Kirby sobreviver. Jamie deu vida a um personagem sádico, maquiavélico, introspectivo, misterioso, complexo, intrigante, e sua atuação condizia perfeitamente com todo esse propósito que lhe foi imposto, pois realmente o Harper era um sociopata - pra mim uma atuação perfeita, daquelas pra ser aplaudida de pé!
Como já mencionei, a princípio eu fiquei um pouco perdido com o propósito e o direcionamento da série, mas com o passar dos episódios eu fui buscando entender e decifrar com algumas interpretações...e vamos lá pra elas:
Começando com o fato da morte de Dan, que a princípio eu achei desnecessária mas logo depois compreendi. Kirby achou o endereço da casa na carteira do Dan no necrotério, que a levou até a casa para enfrentar o Harper e o destruir (se é que realmente ele foi morto, pois não tivemos esta certeza), ou seja, a morte de Dan não foi em vão.
Acredito que a casa não funcionava apenas como uma máquina do tempo mas também poderíamos considerá-la como uma espécie de entidade demoníaca (ou algo do gênero), que parecia obter o poder de se apossar do dono do momento, ou seja, a princípio o dono era o Harper e no fim a dona era a Kirby. Como vimos na luta entre Kirby e Harper, ela parecia conhecer bem a física daquele local, o que nos dá a entender que ela já estava ali por algum tempo. Também percebi que o primeiro dono da casa se matou enforcado e o segundo era totalmente transtornado.
Naquela cena (do último episódio) que a Kirby acerta um tiro no ombro do Harper, ele implora para que ela o deixasse vivo, o que pra mim já estava claro que a casa não obedecia mais o Harper e sim a Kirby, pois logo em seguida a sua realidade se altera. O que me leva a entender que a Kirby não quis matá-lo para deixá-lo vivo sofrendo com a sua realidade mudando em todo o momento, como ela ficou em todo esse tempo, uma espécie de castigo que ela impôs para ele, passar por tudo que ela passou.
Eu realmente não entendi o porque da casa escolher o Harper para ser o assassino, não sei se a casa de fato transformava todos em assassinos, ou apenas escolheu o Harper por ele ser uma pessoa medíocre e egocêntrica, que necessariamente tinha tudo para se tornar um assassino, e visto que seu passado já lhe condenava desde o flashback que vimos ele matando um aliado para sobreviver na guerra.
Harper parecia querer matar as mulheres que estavam em ascensão, como a própria Kirby, ou de fato a casa lhe obrigava a fazer isso (não sei), mas o porquê ele matava e deixava objetos dentro delas eu realmente não consegui entender este propósito. Por outro lado não consegui compreender muito bem toda aquelas mudanças de realidades que ocorria com a Kirby e o Harper, e eu sempre observava as mudanças que ocorria principalmente nos cabelos da Kirby, acho que realmente eram apenas mudanças aleatórias. Acredito que realmente existia uma forte conexão entre Harper, Kirby e a casa.
Infelizmente parece que não teremos uma 2ª temporada, pois ainda não foi nada confirmado pelo Apple TV+. Ao que tudo indica, o projeto já havia sido ocasionalmente referido como uma 'série limitada' ou 'minissérie' em entrevistas e até pelos envolvidos. Mas eu posso apostar que a série será notavelmente bem quista nos próximos festivais de premiações, principalmente em questões de elenco, pois o trio em destaque realmente deram um show.
"Iluminadas" é uma série excelente, que me fez sair da minha zona de conforto e me obrigar a desvendar vários enigmas com o passar de cada episódio. É uma série muito inteligente, muito elegante, muito dinâmica, muito sagaz, que nos entrega uma trama muito competente e nos instiga a querer ir cada vez mais além. Realmente até hoje em questões de séries eu nunca tinha assistido nada parecido. Pra mim a série não ganha a nota máxima unicamente por conter alguns pontos dentro da trama que me deixou um pouco perdido, mas que de certa forma nem é um problema da série e sim das minhas próprias interpretações. [10/08/2022]
"Psicose" foi lançado em 1960, produzido e dirigido por Alfred Hitchcock. O roteiro, escrito por Joseph Stefano, foi baseado no romance homônimo de Robert Bloch, de 1959, o qual foi vagamente inspirado no caso do assassino e ladrão de túmulos de Wisconsin, Ed Gein. No filme, Marion Crane (Janet Leigh) é uma secretária que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para se casar e começar uma nova vida com seu namorado Sam Loomis (John Gavin). Durante a fuga em seu carro, ela enfrenta uma forte tempestade, erra o caminho e chega em um velho motel dirigido por um homem perturbado, Norman Bates (Anthony Perkins), a partir daí ela sofrerá as consequências desse improvável encontro.
"Psicose" é simplesmente um dos maiores clássicos da história dos cinemas, é considerado como o primeiro exemplo do gênero de filme de terror, que foi justamente dirigido por ninguém menos que o mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Sendo considerado uma das melhores obras da carreira de Hitchcock, e é indiscutivelmente o seu trabalho mais famoso, "Psicose" é considerado até hoje como um verdadeiro marco na história da sétima arte por tudo o que o filme representou e influenciou. Hitchcock nos trouxe um clássico do cinema da década de 60 que mistura o suspense e o mistério com o investigativo, dando espaço para um terror complexo e um thriller psicológico - uma verdadeira obra-prima do gênero.
Hitchcock revolucionou o gênero thriller trazendo uma obra atemporal que desafiou a base do terror moderno, do padrão de narrativa e do padrão do cinema de estúdio, ou seja, ele fez aqui algo diferente do que vinha fazendo anteriormente em sua filmografia, que é justamente apostar em um baixo orçamento, com uma película em preto e branco, a utilização de cenários simples e sem qualquer tipo de efeito especial. Um dos principais cuidados de Hitchcock estava justamente em torno do segredo que envolve o filme, o que o levou a fazer um acordo com a editora responsável pelos direitos do livro de Robert Bloch, que originaram o roteiro do filme, e em seguida comprou todas as cópias afim de esconder o final da trama. Verdadeiramente "Psicose" desafiou a estrutura vigente de produção de conteúdo dos cinemas da época.
Com mais de 60 anos do seu lançamento é realmente impressionante como "Psicose" ainda funciona, ainda soa como atual, ainda traz aquele sentimento de medo e angústia naturalmente. Um clássico, uma obra-prima que envelheceu muito bem e não ficou datada, um Noir sobre um Serial Killer oculto e misterioso, pois o longa aborda exatamente esse transtorno mental que faz com que as pessoas percebam ou interpretem as coisas de maneira diferente das pessoas que as rodeiam. Isso pode envolver alucinações ou delírios, que são condições que afetam a mente, onde houve alguma perda de contato com a realidade, exatamente o que acontecia com o Norman Bates. Em comum, as anomalias que se caracterizam como 'psicose' têm entre seus sintomas delírios, alucinações, catatonia, desorganização do pensamento, abulia e agitações de caráter. A pessoa que sofre de delírios, por exemplo, inventa histórias que não condizem com a realidade, sem que tenha consciência disso ou até mesmo expondo uma dupla personalidade, como foi muito bem explicado ao final do filme.
O roteiro de "Psicose" é genial, adaptado com uma qualidade absurda, pois temos várias viradas no roteiro que funcionam em perfeita coesão e de forma natural. O que impressiona é o fato do filme nos direcionar entre várias narrativas que se interligam e se unem na trama, pois inicialmente somos confrontados com a história da Marion Crane que roubou 40 mil dólares e despista a polícia e vai parar em um velho motel na estrada, só que é ai que você se surpreende quando a narrativa te entrega algo ainda mais eficiente e mais grandioso - roteiro absurdamente perfeito!
Hitchcock reina atrás das câmeras ao nos trazer enquadramentos que nos causa um total desconforto, pois ele trabalha exatamente esses takes mais fechados para nos causar essas sensações, algo bem inovador na época. São inúmeras tomadas de câmeras, cortes rápidos, montagem em ritmo alucinante, edição muito funcional. A direção de arte é estupenda, principalmente pela película em preto e branco por opção do próprio Hitchcock, que considerava que a cores o filme ficaria ensanguentado demais (uma preocupação com a recepção do público da época). Falando em preto e branco, a fotografia do filme é magistral, perfeita, uníssona, uma das coisas mais maravilhosa que eu já assisti na vida.
"Psicose" é 50% do Hitchcock e 50% do compositor Bernard Herrmann, o gênio que teve as suas trilhas encaixadas em "Cidadão Kane", "Kill Bill Vol. 1" de Quentin Tarantino, "Taxi Driver" de Martin Scorsese, entre diversos filmes do Hitchcock. Aqui Bernard Herrmann traz uma obra-prima na trilha sonora, se destacando pela sua complexidade, tortura mental, desconforto, inquietação, perturbação, ou seja, a trilha sonora de "Psicose" é 100% perfeita e ainda nos causa todos esses sentimentos desconfortantes.
Pegando o gancho da trilha sonora eu preciso destacar uma das cenas mais icônica, lendária, clássica, absoluta, reverenciada, homenageada e lembrada até os dias de hoje - que é a cena do chuveiro. A cena do chuveiro em "Psicose" entrou para a história do cinema, se tornou um marco, um ícone, uma lenda, pois até quem nunca assistiu o filme e não sabe da onde saiu a cena conhece esta cena. O poder que esta cena do chuveiro tem para o cinema é algo surreal, pois é impossível você nunca ter presenciado alguém imitando esta cena como uma brincadeira levantando a faca pra cima e fazendo aquela música tenebrosa (até hoje eu imito esta cena sempre que eu pego uma faca nas mãos - rsrsrsrs). A trilha sonora dessa cena também entrou para a história, se destacando com uma musiquinha perturbadora, tenebrosa, inquietante, com um ritmo repetitivo que até hoje nos incomoda e nos causa desconforto - incrível!
O elenco de "Psicose" é absoluto e perfeito! A bela Janet Leigh dispensa comentários. Ela participa de forma decisiva na trama e é perfeita na sutileza e na construção de uma personagem tão importante - atuação completamente fantástica e uma indicação muito digna ao Oscar (além de ter ganhado Melhor Atriz Coadjuvante no Globo de Ouro). Anthony Perkins é um monstro (literalmente), pois o nível de atuação que ele entrega na pele do Norman Bates é bizarro de tamanha perfeição. Um personagem misterioso, sombrio, introspectivo, sádico, que te convence apenas com o uso das palavras e conforta sua vítima para um ataque letal. Atuação perfeita, impressionante, ele nos deixava desconfortado apenas com o uso do olhar e daquele sorriso maquiavélico. Eu indicaria o Anthony Perkins ao Oscar naquele ano facilmente. Vera Miles mantém o nível do ótimo elenco e se destaca pela ousadia do Hitchcock em criar uma segunda protagonista em sua trama, o que me deixou completamente embasbacado e impressionado. A primeira parte do filme é da Janet Leigh, mas a segunda é completamente da Vera Miles com muita dignidade. John Gavin ainda compõe com sua bela participação, se destacando muito bem ao contracenar com a Janet na primeira parte e com a Vera na segunda.
"Psicose" foi indicado a quatro Oscars, incluindo Melhor Atriz Coadjuvante para Janet Leigh e Melhor Diretor para Hitchcock, além da Fotografia e da Direção de Arte.
Após a morte de Hitchcock em 1980, a Universal Pictures produziu três sequências, um remake, um spin-off feito para a televisão e uma série prequel ambientada na década de 2010 intitulada "Bates Motel", que foi lançada em Março de 2013 e durou até Fevereiro de 2017 com um total de 5 temporadas. As sequências foram seguidas por "Psicose 2" (1983), "Psicose 3" (1986) e "Psicose 4 - A Revelação" (1990). Um remake polêmico foi refilmado em 1998 por Gus Van Sant, tendo também recebido o nome "Psicose".
Alfred Hitchcock foi o gênio por trás dessa obra-prima do cinema, desse Noir em preto e branco, dessa obra cult, dessa obra de arte do cinema, dessa pérola cinematográfica da sétima arte, dessa película completamente atemporal e influente. "Psicose" está entre os maiores filmes da história. Um dos maiores thrillers de todos os tempos. Uma obra eternizada em nossos corações cinéfilos. A verdadeira definição de uma obra-prima completamente incontestável! [07/08/2022]
"A Visita" foi lançado em 2015, escrito, co-produzido e dirigido por M. Night Shyamalan. O filme gira em torno de dois irmãos jovens, a adolescente Becca (Olivia DeJonge) e seu irmão mais novo Tyler (Ed Oxenbould), que vivem com sua mãe divorciada, que saiu de casa há 15 anos e está afastada de seus pais. Depois de encontrar os netos online e querer conhecê-los, os avós os convidam para passar uma semana na casa da fazenda, enquanto a mãe faz um cruzeiro com o namorado. Dessa forma eles começam a suspeitar que o casal de idosos está envolvido em algo assustador, percebem que as chances de voltar para a casa e à vida normal estão cada vez menores.
Em 2015, Shyamalan vinha da pior fase dentro da sua carreira cinematográfica, que era exatamente uma sequência que vinha desde "A Dama na Água" (2006), passando por "Fim dos Tempos" (2008), "O Último Mestre do Ar" (2010) e chegando em "Depois da Terra" (2013). Eu considero os 4 piores filmes de toda a carreira do Shyamalan (naquela época porque seu último filme, Tempo, também é ruim), ou seja, em 2015 eu estava sem a mínima vontade de conferir "A Visita", tanto que eu deixei o filme passar e só conferi hoje, quase 7 anos depois.
Podemos considerar que após os fiascos passados Shyamalan decidi se reinventar e apostar em uma obra com um baixo orçamento, de cunho autoral, usando uma produção de US $ 5 milhões (o menor orçamento de toda sua filmografia) para tentar se recolocar no cenário cinematográfico, colocar novamente a sua carreira nos eixos. Dessa forma Shyamalan nos traz um filme de terror e suspense mas que está diretamente inserido em um tom mais cômico, podendo até ser considerado um terrir, que é o terror temperado pelo humor, exatamente o que acontece aqui. De acordo com o próprio Shyamalan, ele preparou três versões diferentes do filme: uma que era "pura comédia", outra "puro horror" e o final que "ficou em algum lugar entre os dois". Mas o que realmente me surpreendeu foi o Shyamalan optar pelo found footage, o que funcionou perfeitamente com a premissa do filme e principalmente pela personagem da Becca, que é uma adolescente aspirante ao cinema, que decidi fazer um documentário da sua semana na casa dos avós que ela nunca conheceu, ou seja, ele decidi utilizar a sua câmera para gravar praticamente tudo.
Posso considerar que este é um dos pontos mais positivos e funcionais do longa do Shyamalan, a escolha do found footage, que além de funcionar perfeitamente pelo proposta da personagem Becca, é uma subdivisão do terror que nos imergi ainda mais na trama e em todos os seus acontecimentos. Em "A Visita", o found footage nos deixa mais sufocado, mais amedrontado, mais tenso, mais complexo, pois não temos a exata noção de tudo que está acontecendo ao redor do único foco da câmera, mexe diretamente com o nosso psicológico, com o nosso imaginário, nos levando a criar várias hipóteses e várias possibilidades - o que me remete diretamente ao ótimo filme espanhol "R.E.C" e ao ótimo game "Outlast", que são belíssimos derivados de um bom found footage.
O longa de Shyamalan ainda nos surpreende pelo seu tom de comédia imposto principalmente pelo personagem Tyler, que ora funciona ora destoa completamente da proposta do filme, ou seja, "A Visita" é um filme que não se deve levar a sério em nenhum momento e acho que essa era realmente a proposta do Shyamalan, sair da sua zona de conforto e fazer um terror comédia. Por outro lado ainda temos uma espécie de paródia (ou homenagem, você que decide) com outros filmes de terror muito conhecidos; como é o caso da cena da Vó (Deanna Dunagan) correndo com os cabelos longos e totalmente escorridos tapando seu rosto - uma alusão aos filmes "O Chamado" e "O Grito". Temos outra cena que os jovens escondem a câmera nos cantos da casa para tentar gravar os momentos obscuros da Vó - outra alusão ao filme "Atividade Paranormal". Ainda temos uma cena logo no início do filme, quando Becca e Tyler estão observando várias fotos na parede de seus avós, uma das fotografias é de Annabelle, do filme "Invocação do Mal"(2013). Pra mim o Shyamalan decidiu brincar, parodiar, ou até homenagear este gênero que ele domina, que é o suspense e o terror.
"A Visita" era anteriormente conhecido como "Sundowning", que é exatamente uma abordagem que o Shyamalan trouxe para o seu filme. A síndrome de Sundown é caracterizada pelo aparecimento súbito de sintomas neuropsiquiátricos como agitação, confusão e ansiedade de forma cronológica, geralmente no final da tarde ou no início da noite (exatamente como era descrito no filme, a agitação da Vó acontecia sempre após as 21:30). As pessoas com demência podem tornar-se mais confusas, inquietas ou inseguras, esta situação pode piorar após uma mudança ou alteração da rotina da pessoa (exatamente como aconteceu com a alteração da rotina da Vó após a chegada dos seus "netos").
Se por um lado eu gostei do found footage, do suspense e até do terror, por outro eu achei que esse tom cômico destoa muito, por mais que a trama gire em torno dos adolescentes que necessariamente sempre irá trazer essa veia cômica, mas aquelas piadas do nada no meio de uma cena de suspense quebra totalmente o clima sombrio, tira totalmente a imersão e o brio da obra. Eu classificaria este filme até mais como uma comédia de humor negro do que propriamente um filme de horror. Outro ponto falho: a tentativa de estabelecer um drama familiar, que consiste em nos evidenciar sobre o orgulho, o ódio, o abandono, sequelas emocionais, traumas do passado e até o perdão, porém, é mal desenvolvido, peca no melodrama, destoa totalmente da proposta do filme. Eu acho que o Shyamalan parte de uma premissa muito interessante mas peca exatamente em querer misturar e desenvolver vários gêneros no mesmo contexto, o que pra mim definitivamente não funcionou.
O Plot twist é bom, de certa forma até me surpreendeu, pois eu realmente não estava esperando esse direcionamento na história. Mais um ponto positivo no longa do Shyamalan, em questões de Plot ele realmente sabe nos surpreender, e exatamente em um momento mais capenga do roteiro ele entra com esse Plot, o que deu um fôlego a mais para todo o fechamento da história.
O elenco é outra parte que o Shyamalan acerta, pois a trama gira em torno das crianças/adolescente, pois pra eles a velhice se torna sinônimo de loucura e consequentemente do terror. Olivia DeJonge traz uma personagem interessante, pois ela expõe uma Becca adolescente que soa como prepotente, que parece entender mais das coisas por ser mais velha ou ter mais conhecimento, mas com o passar do tempo vamos descobrindo suas camadas e seus traumas. Ed Oxenbould é ainda mais funcional dentro do que o filme pede, que é exatamente a sua veia cômica composta por um sarcasmo verossímil. Típico personagem ame ou odeie, pois ele é exatamente o que mais destoa do suspense/terror e puxa a trama para a comédia, mas obviamente a culpa não é dele, ele está seguindo apenas o roteiro que lhe foi imposto, e nesse quesito ele é 100% perfeito e funcional. Deanna Dunagan está perfeita como aquela Vó inocente e acolhedora ao início, mas que esconde a sua verdadeira face sombria e obscura - atuação perfeita! Kathryn Hahn faz o papel da mãe solidária e preocupada mas que também precisa de um tempo pra si. Kathryn entrega uma boa atuação, até maior do que de fato a sua personagem precisaria. O mais mediano dentre todos do elenco é sem dúvida o Peter McRobbie, que fez o Vô. Pra mim foi um personagem mal desenvolvido, subaproveitado, sem nenhum grande destaque (tirando aquela cena bizarra da fralda).
"A Visita" é um filme bastante controverso, que ora acerta brilhantemente ora erra miseravelmente. Shyamalan acerta em trazer um found footage bastante funcional, um suspense na medida certa, um terror que nos deixa intrigado e um Plot twist que nos surpreende. Mas por outro lado ele peca exacerbadamente na comédia pastelona, que desconstrói tudo que ele já havia construído nos pontos positivos do filme. Mantendo aquela regra da sua filmografia, Shyamalan é sempre 8 ou 80, ou você ama ou você odeia, porém, aqui ele fica no meio termo (pra minha total surpresa), nos entregando um longa que não está entre as suas melhores obras, mas também não está entre as suas piores.
Coincidentemente eu assisti "A Visita" hoje, 06/08/2022, exatamente no dia do aniversário do Shyamalan. "Happy Birthday M. Night Shyamalan"
"Laranja Mecânica" foi lançado em 1971, adaptado, produzido e dirigido por Stanley Kubrick, baseado no romance de Anthony Burgess de 1962. O longa narra a vida do jovem Alex (Malcolm McDowell), que passa as noites com uma gangue de amigos briguentos e baderneiros pelas ruas de uma Grã-Bretanha distópica de um futuro próximo. Depois que é preso, Alex se submete a uma técnica de modificação de comportamento para poder ganhar sua liberdade (se é que podemos considerar assim).
Possivelmente Stanley Kubrick foi um dos maiores (se não o maior) cineasta que já passou por esta terra. "Laranja Mecânica" não é somente um dos melhores filmes da carreira do diretor, mas está entre as maiores e melhores obras já criadas na história da sétima arte.
Temos aqui um clássico dos anos 70, uma obra intrigante, perturbadora, desconcertante, que nos incomoda, nos desafia, nos dá repulsa, ao mesmo tempo que nos impacta e nos surpreende com todo o desenrolar da trama que permeia a história da vida de Alex. Kubrick emprega em sua obra atos perturbadores e violentos para nos evidenciar sobre um estudo da psiquiatria, da delinquência juvenil, dos ataques das gangues de jovens, abordando ainda assuntos sociais, políticos e econômicos. Kubrick utiliza deliberadamente em sua obra o uso da "Ultraviolência", que são atos praticados com extrema violência totalmente aleatórios e injustificáveis, ou seja, uma violência pelo único prazer da violência, uma violência que não precisa ser carregada pelo ódio ou qualquer outro sentimento, apenas demonstrada e aflorada com uma válvula de escape, um sadismo, uma delinquência, como um ato de engrandecimento do ego humano - completamente bizarro e doentio.
Kubrick era um diretor muito minimalista, meticuloso, que tinha uma verdadeira obsessão pela perfeição em sua obras, ou seja, nos entregava aqui uma das distopias mais violentas, bizarras e polêmicas da história da ficção científica. Kubrick trouxe uma verdadeira aula de psicanálise, uma investigação da mente humana e dos seus processos, que eleva a mente para além das suas relações biológicas e fisiológicas. Podemos considerar sua obra de várias formas, até mesmo como uma fábula sobre o bem e o mal, às teorias comportamentalistas, os limites entre a natureza humana e o condicionamento social, e o real significado de liberdade e do livre-arbítrio.
Kubrick declarou que sua obra é uma sátira social que reflete sobre os malefícios do condicionamento psicológico nas mãos de um governo ditador que se utiliza da oportunidade de praticamente limpar e formatar as mentes dos seus cidadãos (exatamente como fizeram com a mente do Alex). Uma critica forte a sociedade mostrando cenas de violência, estrupo, a corrupção moral das autoridades expondo todo o seu autoritarismo. É impressionante como o governo manipula os fatos ao seu favor e tudo não passa de uma jogada política, se aproveitando da sanidade humana, do desequilíbrio mental, e até mesmo transformando uma figura maquiavélica e sádica em uma vitima do sistema. Tudo isso sendo nos contado em 1971, mas que facilmente poderíamos trazer para os dias atuais, pois o roteiro de "Laranja Mecânica" é completamente à frente do seu tempo, a total definição de um filme atemporal.
Malcolm McDowell é a verdadeira cereja do bolo de Stanley Kubrick. Realmente não existiria ninguém melhor para dar vida a este personagem tão emblemático e tão icônico, pois o próprio Kubrick chegou a declarar que se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito "Laranja Mecânica". Malcolm incorporou o Alex com uma forma surreal, nos trazendo uma atuação perfeccionista e minimalista ao adentrar em um personagem que contrasta o delinquente com o carismático e o anti-social. Uma verdadeira aula de atuação e interpretação, pois Malcolm conseguia ir do doentio e inescrupuloso ao extrovertido e carismático, ou seja, a atuação de Malcolm passa por duas fases distintas, indo do agressor a vítima, do caçador a caça e do ataque a submissão. Impressionante, eu realmente fiquei completamente embasbacado com o nível de atuação e entrega no personagem imposta pelo Malcolm McDowell, pois no primeiro ato ele nos dá repulsa e pavor, ao mesmo tempo que no segundo ato em diante ele chega a nos comover, típico caso de que lado você irá ficar? Pra quem você vai torcer? Com quem você irá se identificar? Seria o Alex realmente um nítido reflexo de toda a sociedade? Podemos considerar que na obra de Kubrick em um determinado momento chegamos a torcer pelo Alex. Malcolm McDowell realmente esteve no seu auge com uma atuação completamente incrível.
A trilha sonora é praticamente o coração da obra, uma trilha única, penetrante, contundente, que apresenta em sua maioria seleções de música clássica e composições com o clássico "sintetizador Moog", feito pela compositora e musicista americana e vencedora de três Grammys, Wendy Carlos. A fotografia do britânico John Alcott é sublime e avassaladora. A direção de Stanley Kubrick é feita como uma genialidade que eu nunca vi na vida. Uma direção de arte e uma cenografia completamente fiel e perfeita. O longa apresenta uma narrativa fluida que transcorre com muita objetividade, sendo que a linguagem utilizada pelo Alex foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias. O filme apresenta um dos melhores roteiros de todos os tempos. É bem montado, bem editado, bem coreografado, bem arquitetado, com uma ótima cinematografia, ótimos figurinos, ótimo cenários, tecnicamente e artisticamente perfeito.
"Laranja Mecânica" foi muito polemizado na época, sendo considerado por muitos como uma forma de cultuar e inspirar atos de violência extrema, o que culminou com a retirada dos cinemas britânicos a pedido do próprio Kubrick, que foi alvo de uma enorme quantidade de ameaças de morte, o que o deixou muito irritado com as críticas recebidas, chegando a declarar que o filme apenas seria exibido lá após sua morte. O longa ainda foi banido em vários outros países.
Por outro lado a obra de Kubrick foi muito influente, como o fato do sucesso da seleção holandesa em 1974, que ganhou o apelido de “Laranja Mecânica”, uma clara referência ao filme icônico de Kubrick, sem dúvidas um dos maiores sucessos cinematográficos da década e da história.
Podemos considerar o título original do filme (Clockwork Orange), como um significado para “Laranja com Mecanismo de Relógio”, ou seja, o título alude a um “mecanismo de relógio” – algo que nos remonta a uma visão mecânica, artificial, robótica e programável. Verdadeiramente uma clara alusão, uma clara referência ao personagem do Alex.
O longa de Kubrick recebeu vários prêmios e indicações, incluindo quatro indicações ao 44º Oscar, sendo Edição, Roteiro Adaptado, Direção e Melhor Filme. Ainda obteve 3 indicações ao Globo de Ouro, sendo Melhor Diretor para o Kubrick, Melhor Ator Drama para o Malcolm e Melhor Filme Drama.
"Laranja Mecânica" é uma obra grandiosa, peculiar, sublime, relevante, ao mesmo tempo é demente, doentia, perturbadora, intrigante, ou seja, um verdadeiro misto de emoções afloradas com várias vertentes em várias nuances. Infelizmente eu ainda não tive o prazer de ler a obra de Anthony Burgess, mas será a minha próxima obrigação assim que comprar o livro. Com toda certeza a obra de Kubrick é um dos filmes que possui um dos roteiros mais inteligente e mais relevante da história dos cinemas. Uma obra Cult, atemporal, importante, muito influente na cultura Pop, uma verdadeira aula de psicologia e um verdadeiro confronto com uma sociedade que impera um regime totalitarista.
Stanley Kubrick é um verdadeiro mestre, um verdadeiro gênio da sétima arte. "Laranja Mecânica" é simplesmente uma obra-prima, uma obra de arte, um ícone, uma lenda, um clássico eterno dos cinemas. [30/07/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
"A Menina que Roubava Livros" foi lançado em 2013, dirigido por Brian Percival (diretor da série Downton Abbey) e roteirizado por Michael Petroni (roteirista de A Rainha dos Condenados). O filme é baseado no romance homônimo de 2005 de Markus Zusak. A história nos traz uma jovem que vive com sua família alemã adotiva durante a era nazista. Ensinada a ler por seu pai adotivo de bom coração, a menina começa a roubar (ou pegar emprestado, como ela mesmo diz) livros e compartilhá-los com o refugiado judeu que está sendo abrigado por seus pais no porão de sua casa.
Eu li o best-seller de Markus Zusak uns anos antes do lançamento do filme e posso afirmar com toda a certeza que o livro é simplesmente uma das coisas mais belas, singelas e comoventes que eu já li em toda a minha vida, ao mesmo tempo que se destaca como uma obra profunda, cruel e terminantemente emocionante. Verdadeiramente uma obra-prima da literatura.
"A Menina que Roubava Livros" é um verdadeiro drama que se passa durante a segunda guerra mundial, durante o reinado de Hitler, e nos traz uma história comovente da garota Liesel Meminger (Sophie Nélisse), que transforma a vida das pessoas ao seu redor com o poder da leitura. Um drama infantil arquitetado pra nos impactar e nos provocar lágrimas com feitos quase heroicos, quase poéticos, de uma menina que sobrevive aos escombros de uma Alemanha nazista em guerra com a Europa. O longa de Brian Percival traz uma mescla entre as descobertas da jovem Liesel, ao roubar os livros e se aventurar com seu amigo Rudy Steiner (Nico Liersch), com os riscos que a sua família assume ao esconder um judeu, que vive na clandestinidade, amigo do senhor Hans Hubermann (Geoffrey Rush), dentro da própria casa. Muito da história foi inspirada em momentos vividos pelos pais de Markus Zusak que cresceram na Alemanha durante o nazismo.
Temos aqui uma obra que nos é passada sobre a perspectiva da jovem Liesel, pois vivemos toda a sua história a partir do momento que ela perde o irmão, durante a viagem que ela fazia com sua mãe biológica, uma comunista que se viu obrigada a fugir das garras nazista, o que culminou com a decisão de entregar Liesel para a família alemã. A partir dai nos vemos em uma tocante e singela história, de uma garota que descobriu os livros, descobriu a amizade, o amor, a compaixão, o afeto, a ternura, a família, ao mesmo tempo que também descobre o medo, a angústia e o pavor. Este contraponto é muito peculiar e singelo, pois ao mesmo tempo que Liesel descobria o prazer pela leitura e um mundo de aventuras em sua frente, ela era assolada pelo pânico da guerra e toda destruição e dor que ela causava, e tudo isso sendo vivido na pele de uma criança que só queria se divertir e descobrir o mundo, junto com seu inseparável amigo. Toda essa história sendo nos passado pela visão da pequena Liesel me remete diretamente a obra-prima, "O Menino do Pijama Listrado". Outra obra que nos passa a dor e a destruição da guerra pela visão de uma criança que só queria brincar e se divertir com seu amigo.
Temos alguns pontos muito interessantes na trama: como o fato do filme ser narrado pela Morte, de forma inconstante mas curiosa, pois na obra o autor, através da Morte, tenta provar a si mesmo e ao leitor que a vida, apesar de tudo, vale a pena. Ele se confronta com os fantasmas de seu próprio passado, presentes na trajetória de sua família durante o nazismo. Outro ponto: a forma como o filme retrata a vida dos alemães durante a guerra, que não era pelo fato deles serem alemães e viverem na Alemanha durante a guerra que suas vidas eram fáceis (como muitos de fora poderiam achar). Outro ponto: o filme faz questão de mostrar que nem todos os alemães eram nazistas e um ser perverso e odioso, muito pelo contrário, temos a história do senhor Hubermann, que era contra o nazismo e até se opunha ao regime de perseguição aos Judeus.
Inevitavelmente eu tenho que levantar aquele velho debate entre o filme e a sua adaptação, ou inspiração. Entendo o fato do filme nunca seguir a risca a obra adaptada, acho isso até válido, ter uma certa liberdade criativa, mas sempre respeitando a essência dos acontecimentos da obra original. "A Menina que Roubava Livros" tem uma adaptação regular, acerta em uns pontos e peca em outros, ok, entendo que seria impossível adaptar um livro de quase 500 páginas em um filme de pouco mais de 2hs, mas considero uma adaptação mal feita em algumas partes, como no cena após a explosão, onde o roteiro do filme muda alguns pontos cruciais do livro que eu considero uma grande falha. 90% dos eventos do livro estão no filme, mas de uma forma genérica, mal executada, mal trabalhada, o que me leva a crer em um problema da direção de Brian Percival e principalmente da adaptação de Michael Petroni. Outra coisa que me incomodou bastante no filme: o fato de todos os personagens falarem em inglês mas com um sotaque alemão, ou pior, no meio de um diálogo em inglês ser constantemente enfiado uma palavra em alemão assim do nada, apenas para contextualizar que o filme se passava na Alemanha e estava sendo vivido por alemães. Um erro grotesco, o que deixou o filme com um tom genérico e reforçou ainda mais toda a sua artificialidade.
Tecnicamente e artisticamente o longa é muito bem trabalhado. Temos uma direção de arte muito rigorosa e completamente dentro dos padrões da época, o que deixou a história ainda mais verdadeira. A fotografia é excelente, dando aquele contraste entre a alegria dos descobrimentos da Liesel com os enquadramentos do pânico da guerra e dos ataques nazistas. A trilha sonora do gênio John Williams é muito peculiar, nos transmite a alegria e a dor ali lado a lado. Não é uma das suas melhores trilhas sonoras, como as obras-primas de "A Lista de Schindler" e "Cavalo de Guerra", mas compõe bem a trama.
O elenco do filme é o ponto mais positivo! Sophie Nélisse está completamente excelente na pele da jovem Liesel Meminger. Sophie consegue achar o tom exato da sua atuação, nos passando aquela jovem sonhadora, apaixonada pelos livros e assustada com tudo ao seu redor. Nico Liersch também tem uma grande presença em cena, seu personagem Rudy Steiner tem um grande impacto na trama e principalmente na história da vida de Liesel. Era muito gostoso de acompanhar o nascimento daquela amizade verdadeira entre os dois, mas também foi completamente doloroso acompanhar o seu desfecho final. O grande ator Geoffrey Rush deu um show em cena, me deixando completamente maravilhado com a sua grandiosa atuação. Era muito gostoso de acompanhar o nascimento daquele amor de pai para filha e vice e versa, onde Geoffrey atuou com excelência ao lado de Sophie Nélisse. Emily Watson foi a Rosa Hubermann, a mãe adotiva de Liesel. Emily trouxe a figura daquela mãe severa, rígida, que sempre estava de mau humor, mas que no fundo guardava um amor verdadeiro pela Liesel - outra atuação perfeita! Ben Schnetzer era o Judeu fugitivo Max Vandenburg, que desenvolveu uma linda amizade com a Liesel. Um dos pontos alto do filme é sem dúvida a cena que Liesel ler para ele no porão de sua casa enquanto ele estava desacordado. Adorei esta cena, retratou muito bem esta parte do livro.
Na temporada de premiações de 2014, "A Menina que Roubava Livros" recebeu indicações ao Oscar, Globo de Ouro e BAFTA por sua trilha sonora. Sophie Nélisse ganhou o Hollywood Film Festival Spotlight Award, o Satellite Newcomer Award e o Phoenix Film Critics Society Award de Melhor Performance de um Jovem em um Papel Principal ou Coadjuvante - Feminino. Concordo plenamente, Sophie Nélisse representou muito bem a figura da Liesel Meminger e foi merecidamente premiada.
"A Menina que Roubava Livros" é um bom filme, retrata bem esta parte dolorosa da história durante a segunda guerra mundial e do regime nazista, e principalmente por nos ser passado sobre a perspectiva de uma criança, o que deixa a obra com um tom mais verídico. Porém, este filme definitivamente funcionará muito melhor para as pessoas que não leram o livro, pois elas não se importarão com as incongruências referentes à obra que foi adaptada, e que eu considero como erros primordiais e até grotescos. [28/07/2022]
Doutor Sono
3.7 1,0K Assista AgoraTEM SPOILERS!
Doutor Sono (Doctor Sleep)
"Doutor Sono" foi lançado em 2019, escrito e dirigido por Mike Flanagan. É baseado no romance homônimo de mesmo nome de Stephen King de 2013, é uma sequência do romance de 1977 de King, "O Iluminado", e é uma sequência de "O Iluminado" (1980), de Stanley Kubrick. Situado várias décadas após os eventos de "O Iluminado", "Doutor Sono" é estrelado por Ewan McGregor como Danny Torrance, que na infância conseguiu sobreviver a uma tentativa de homicídio por parte do pai, um escritor perturbado por espíritos malignos do Hotel Overlook. Danny cresceu e agora trava uma luta contra o alcoolismo. Um homem com habilidades psíquicas que luta com traumas de sua infância.
Devo começar mencionando que li o livro de Stephen King - "Doutor Sono". O livro em si é bom, tem uma história relativamente boa, tem personagens cativantes e funcionais com a história. Porém, tem certas partes que a leitura soa um tanto quanto confusa, tem certas partes que a história se perde um pouco e se embaralha na cabeça do leitor. A própria apresentação e desenvolvimento do grupo "O Verdadeiro Nó" é um tanto quanto confusa, melhorando bastante nos últimos 5 capítulos do livro.
"O Iluminado" de Stanley Kubrick é simplesmente um dos maiores filmes de suspense/terror já feito na história do cinema. Assim como o próprio livro de Stephen King, que pra mim entra na lista das suas melhores obras literárias da carreira. Então, como seria a vida e a cabeça de Mike Flanagan ao aceitar o maior desafio da sua carreira cinematográfica, que era justamente dirigir e roteirizar a continuação de uma das maiores obras de todos os tempos, tanto pelos olhares de Kubrick quanto pelos olhares de King. Mike Flanagan tem uma certa experiência dentro do gênero de suspense e terror, já dirigiu e roteirizou algumas obras que tratava exatamente dessa temática, como "O Espelho" (2013), "O Sono da Morte" (2016) e "A Maldição da Residência Hill" (2018). Portanto, devo dizer que Flanagan fez um trabalho muito competente, jogou na segurança, ao entregar uma obra fiel ao livro de King e homenageando o icônico filme de Kubrick.
Devo dizer que em nenhum momento o filme de Flanagan faz uma disputa com o filme de Kubrick, pra vê quem é melhor ou quem chega aos pés de quem. Muito pelo contrário, a obra de Flanagan (assim como o livro de King) exerce o seu universo, funciona como uma continuação direta (30 anos após os eventos em Overlook), conta a sua história. De fato tanto o livro do King quanto o filme do Kubrick tem mais suspense e terror, aborda mais esse lado do suspense psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e da psicopatia. Já o livro "Doutor Sono" sai um pouco dessa temática, aborda outras histórias, outros acontecimentos, outras nuances, principalmente sobre a vida adulta do Danny Torrance. Danny é um adulto traumatizado e alcoólatra que vive de cidade em cidade, até que se estabelece em uma onde consegue um emprego no hospital. Porém, ele começa a ter contatos e cria um vínculo telepático com Abra Stone (Kyliegh Curran), uma garota com um dom espetacular, a iluminação mais forte que já se viu. Ela desperta os demônios de seu passado, e Danny se vê envolvido em uma batalha pela alma e pela sobrevivência dela. Sendo assim, consequentemente o filme "Doutor Sono" vai navegar dentro desse contexto, dentro desse universo, obviamente sendo menos terror e menos suspense (somente na parte final que o filme mergulha mais nesse gênero).
"Doutor Sono" já começa na nostalgia ao iniciar com a mesma música de "O Iluminado". Temos um começo que retrata muito bem o filme icônico de Kubrick, iniciando com Danny andando em seu triciclo pelos corredores do Overlook e se deparando com o quarto 237 e com a banheira. Achei muito interessante o Danny Torrance de Roger Dale Floyd (Stranger Things) e a Wendy Torrance de Alex Essoe (House of Lies). Tanto o Danny quanto a Wendy me lembrou bastante as versões icônicas e lendárias de Danny Lloyd e Shelley Duvall - achei muito bom mesmo. Inicialmente o longa ainda nos exibe uma certa ligação entre Rose, a Cartola (Rebecca Ferguson) e os membros do Verdadeiro Nó, com o Hotel Overlook e a família Torrance. Era como se na mesma época em que Jack, Wendy e Danny estavam no Hotel, Rose e seu grupo já existiam e já estavam ao seu redor.
Quando eu disse que Mike Flanagan jogou na segurança, eu estava me referindo exatamente ao roteiro de "Doutor Sono", que segue com uma adaptação completamente fiel ao livro de King. Devo afirmar que aqui temos umas das adaptações mais fiéis em relação à uma obra literária. Na verdade Flanagan decidiu seguir em duas vertentes, uma seguindo fielmente a obra de Stephen King e a outra usando a parte final para prestar uma verdadeira homenagem a obra de Stanley Kubrick. Era como se ele quisesse agradar à todos os lados, tanto os leitores do livro, quanto o próprio King e os fãs mais saudosos e nostálgicos da obra de Kubrick. E devo afirmar que Mike Flanagan conseguiu executar muito bem esse desafio!
Mike Flanagan adapta muito bem a obra de Stephen King, pois praticamente todas as cenas do livro estão no filme (tirando somente a parte final no Hotel). Inicialmente temos a cena com Danny conversando no banco de frente pro mar com Dick Hallorann (Carl Lumbly), quando ele o ensina a aprisionar todos os seus medos e monstros em uma espécie de cofre em sua mente. É uma cena que começa exatamente como no livro, ainda no passado com Danny ainda uma criança. Esta parte já concerta um pouco o final do filme "O Iluminado" pela visão e opinião de Stephen King, pois no longa de Kubrick Hallorann foi morto por Jack dentro do Overlook. Sendo assim, se Flanagan decidisse seguir nos moldes do filme do Kubrick esta cena jamais existiria. A cena das colheres no teto com Abra com apenas 5 anos. Rose recrutando a Andi Cascavel (Emily Alyn Lind). Quando o Nó rapta o garoto do Beisebol e retiram todo o seu vapor. A primeira vez que Rose tem contato com Abra e tenta entrar em sua mente, Abra simplesmente a expulsa de sua mente com muita violência. Tudo acontece no supermercado, exatamente como no livro. A cena que Rose vai até o quarto de Abra e ela a ataca dilacerando sua mão na gaveta, e a expulsando de volta até o grupo do Nó. É uma parte que não existe no livro, foi uma criação do roteirista, mas ficou uma cena muito boa, encaixou perfeitamente na história.
Mesmo com o claro desejo de Mike Flanagan em seguir uma linha que não desapontasse o King, como aconteceu na época de "O Iluminado". Porém, ele mudou alguns pontos da história: quando o Corvo (Zahn McClarnon) vai até a casa da Abra e mata o pai dela com uma facada no peito e a leva embora com ele - no livro não é assim que acontece, primeiro porque o pai da Abra não morre e segundo porque na verdade o Corvo também é morto no ataque da floresta junto com os outros do grupo do Nó. No filme o Corvo é morto ao tentar levar Abra até Rose, ela o faz bater o carro em uma árvore. Quando Andi Cascavel está morrendo ela entra na mente de Billy Freeman (Cliff Curtis) o fazendo se suicidar com um tiro no queixo, isso também não acontece, no livro o Billy não morre. Ou seja, duas mortes que acontecem no filme e que não acontecem no livro.
Já na parte final, onde claramente Mike Flanagan deixa de lado a adaptação da obra de Stephen King para nos levar de volta até a obra de Stanley Kubrick, temos a parte do Hotel Overlook. Devo lembrar que está parte não existe no livro. No livro a luta final contra Rose, a Cartola acontece no mirante do 'Teto do Mundo', o local onde ficava o Overlook antes da explosão da caldeira. Já no filme Flanagan nos leva novamente para dentro do lendário Hotel, onde a luta final contra Rose acontece. Eu achei uma ideia muito boa, pois como o próprio Danny disse para Abra, o Hotel tinha um forte poder sobre as pessoas que o adentrava, então poderia ser perigoso contra eles dois, mas também poderia ser perigoso contra Rose. É nessa hora que temos uma verdadeira viagem no tempo de volta aos corredores do icônico Overlook.
Danny adentra ao Hotel ainda intacto, ainda da forma que ele deixou quando fugiu com sua mãe na infância, sendo que até a porta do banheiro ainda permanece com a parte quebrada com o machado pelo seu pai (JackTorrance). É nessa hora que o diretor presta uma verdadeira homenagem ao filme do Kubrick, ao colocar o rosto de Danny no mesmo local onde Jack havia colocado o seu rosto e proferido a icônica frase - "Heeeere's Johnny!". E ainda tem um flashback dessa cena - sensacional e memorável! Juro que nessa hora eu queria que o saudoso Stanley Kubrick ainda estivesse vivo, só pra saber qual seria a sua opinião em relação ao filme e especificamente esta cena. Temos uma espécie de remake do filme do Kubrick daquela cena icônica em que Jack Torrance bebe no bar do Hotel sendo servido pelo fantasma do Lloyd. Aqui é Danny que está sentado no lugar do pai e sendo servido pelo próprio pai, onde temos uma incrível cena de diálogos, onde Jack tenta obrigar o filho a beber novamente - mais uma cena fantástica.
Nessa hora Flanagan despeja uma cena icônica atrás da outra: às cenas dentro do Overlook, com Danny empunhando um machado igual seu pai. Rose perseguindo Abra no Labirinto de neve, igual Jack fez com Danny. A cena que Danny corre atrás da Abra pelos corredores do Hotel gritando o seu nome e com o machado na mão, como aconteceu no filme do Kubrick com Jack com o machado gritando o nome do Danny. E o que aconteceu no final do livro "O Iluminado", com a caldeira do Hotel explodindo e matando Jack Torrance (e que não acontece no final do filme do Kubrick), aconteceu aqui e matando o Danny (antes, ele teve uma visão de sua versão criança abraçando Wendy). Nos momentos finais do filme, Abra é vista conversando com o fantasma de Dan e ele diz que agora, está em paz. No entanto, a garota começou a ser atormentada pelo fantasma da mulher do quarto 237 do Hotel Overlook, exatamente como acontecia com Danny quando era criança. Era como se Abra Stone de fato estivesse revivendo os passos de Danny Torrance.
Mesmo com toda adaptação fiel e toda liberdade criativa ao final, Flanagan deixou a desejar em alguns pontos. Faltou retratar mais o poder e a capacidade de Abra. No livro ela é muito mais poderosa, mais forte, mais ameaçadora, até para a própria Rose. A mãe de Abra, Lucy Stone (Jocelin Donahue), também ficou muito escanteada no filme, no livro ela é mais importante e tem muito mais relevância dentro da história. Ficou devendo uma abordagem maior aos integrantes do Verdadeiro Nó, como a própria Andi Cascavel e o Corvo. Fora outros personagens muito importantes na história do livro que sequer apareceram no filme, como a personagem Sarey Shhh, que no livro é peça-chave na parte final do embate, ajudando diretamente Rose, a Cartola. Temos também a parte do Dr. John Dalton (Bruce Greenwood), o líder do grupo AA de Danny e seu chefe no hospício. Ele aparece no início, quando Danny lhe fala sobre seu relógio perdido, sendo que depois ele é simplesmente abandonado pelo roteiro, e olha que no livro ele é uma figura muito importante para Abra e para os pais dela entenderem melhor todo o seu processo de iluminação. Pontos negativos do roteiro.
Ewan McGregor (Star Wars: A Ascensão Skywalker) traz a personificação do Danny Torrance adulto, agora conhecido somente por Dan. Uma escolha muito acertada, pois McGregor é um ótimo ator e esteve muito bem em todas as cenas, representou muito bem o Dan do livro. Kyliegh Curran (Segredos Em Sulphur Springs) dá vida a Abra Stone, que no filme é negra mas no livro Dan a descreve como: "tinha pernas longas para a sua idade (12 anos) e tinha mechas de cabelos louros cacheados. Ela era bonita mas não linda e tinha belos olhos azuis." Kyliegh faz muito bem o seu papel de protagonista, acerta em praticamente todas as cenas, está em uma boa sintonia com Ewan McGregor. Só acho que ela poderia ter sido um pouco mais ambiciosa nas cenas finais, poderia ter sido um pouco mais incisiva no embate final contra Rose. Rebecca Ferguson (Duna) pra mim é dona da melhor atuação do filme, ela é de longe a que mais representa a Rose, a Cartola do livro. Com toda certeza Rebecca deve ter estudado profundamente a personagem, pois ela traz a personificação mais fiel, se destacando como fria, perversa, maldosa, ambiciosa, prepotente, exatamente com a Rose do livro. Este é o típico filme que podemos dizer que temos 3 protagonistas na história - Danny Torrance, Abra Stone e Rose, a Cartola - mesmo que uma seja a vilã.
Ainda tivemos a presença ilustre de Danny Lloyd, o Danny Torrance na versão da obra de Kubrick. Ele tem uma breve aparição no jogo de Beisebol.
Mike Flanagan ainda ganhou a aprovação do mestre Stephen King por tentar "reparar" as falhas que Stanley Kubrick havia cometido. King sempre reclamou abertamente sobre sua antipatia ao modo como Kubrick adaptou seu icônico romance de terror, "O Iluminado". O próprio King admitiu que o livro havia sido inspirado na própria batalha dele contra o vício, ou seja, era extremamente importante que Jack capturasse a simpatia do público. No entanto, Kubrick transformou Jack em um monstro, onde o filme é radicalmente diferente do livro em alguns aspectos. Felizmente, Flanagan superou as disparidades entre o livro de King e o filme de Kubrick ao adotar elementos presentes no final de "O Iluminado" para abordar as nuances da dependência química. Em "Doutor Sono", Danny luta contra o alcoolismo, assim como seu pai, mas consegue mudar sua vida para melhor. No discurso que ele dá para celebrar oito anos de sobriedade, Danny fala sobre o vício de seu pai, mas também relembra os momentos genuínos de amor e compaixão que ele experimentou, mostrando ao público que Jack nem sempre era um monstro (diferente da forma como Kubrick o retratou, ao evidenciar para o público que Jack era realmente um monstro).
Stephen King ainda deu a sua opinião na obra de Mike Flanagan. O autor influenciou o cineasta a mudar uma cena que estaria "muito brutal". Flanagan explicou que na cena em que o personagem de Bradley Trevor, interpretado por Jacob Tremblay (O Quarto de Jack), é assassinado pelo Verdadeiro Nó ficou extremamente violenta, a ponto de incomodar King.
"Doutor Sono" foi muito bem elogiado pelo roteiro de Flanagan, pela adaptação da obra de Stephen King e as atuações do elenco (especialmente os três protagonistas), mas recebeu fortes críticas em relação a duração do filme (e olha que a versão estendida ainda tem mais 30 min). O longa arrecadou US $ 72,3 milhões em todo o mundo, seu desempenho nas bilheterias foi considerado uma decepção em comparação com as outras adaptações de King lançadas em 2019, como "It – Capítulo Dois" e "Cemitério Maldito".
No mais, "Doutor Sono" é um filme muito bom, funciona muito bem como uma sequência de "O Iluminado". Na verdade o longa funciona tanto como continuação da história original, quanto como um filme isolado, com um universo próprio e personagens que envolvem o espectador através de uma nova história e nova revelações. Mesmo que o filme não nos envolva com o mesmo suspense e o mesmo terror de "O Iluminado", mas ainda assim podemos considerá-lo como uma obra que está inserida diretamente na fantasia, no mistério, no suspense psicológico e no terror sobrenatural.
Mike Flanagan consegue entregar uma ótima adaptação para agradar Stephen King e ainda consegue fazer uma bela homenagem para a obra icônica de Stanley Kubrick.
[16/10/200]
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraO Farol (The Lighthouse)
"O Farol" foi lançado em 2019, dirigido e produzido por Robert Eggers, a partir de um roteiro que ele co-escreveu com seu irmão Max Eggers. O longa-Metragem é uma produção da A24 Films, sendo diretamente influenciado pelo terror cósmico do escritor americano H.P. Lovecraft, autor que chocou o mundo com suas obras literárias nefastas, repletas de criaturas marítimas, espaciais e demoníacas. "O Farol" surgiu pela primeira vez da releitura de Max Eggers do conto inacabado de Edgar Allan Poe com o mesmo nome. Robert Eggers ajudou no desenvolvimento quando Max não conseguiu completar a adaptação de "The Light-House", originando o enredo de um mito do século XIX de um assassinato em um farol galês. "O Farol" se baseia visualmente na fotografia da Nova Inglaterra da década de 1890, no cinema francês com tema marítimo da década de 1930 e na arte simbolista.
O longa é estrelado por Willem Dafoe e Robert Pattinson como wickies do século XIX (faróis) envolvidos em turbulência psicológica depois de serem abandonados em um remoto posto avançado da Nova Inglaterra por uma tempestade destrutiva.
Robert Eggers hoje é um dos principais nomes dentro da indústria hollywoodiana, é uma das grandes revelações do cinema de horror nos últimos anos. É considerado como um diretor muito promissor e com bastante potencial, e que já demonstrou todo o seu talento em seus três ótimos filmes. Em seu primeiro longa - "A Bruxa" - ele impactou à todos com uma obra imersa no terror psicológico, uma fábula imaginária, mística, sombria, que desafiava a sanidade de todos. Já este ano ele nos trouxe o seu terceiro filme - "O Homem do Norte" - um longa que desafiou Eggers a sair da sua zona de conforto (o suspense e o terror) e trilhar os caminhos de um épico viking.
"O Farol" é um filme diferente de tudo que eu já assisti. Uma obra que desafiou a categorização nas mídias digitais, muito pela sua variação entre um filme de terror, um thriller psicológico, um filme de sobrevivência e um estudo de personagem. Na verdade estamos diante de uma obra que nos traz um estudo aprofundado sobre psicologia, psicanálise, nos confrontando com as mais variadas camadas do ser humano. O longa está imerso no drama, na fantasia, no suspense, no terror, sempre buscando o imaginário, o mistério, o místico, o lúdico, nos entregando uma obra que fala diretamente sobre o isolamento, sobre a descaracterização do ser humano, sobre a destrutividade da solidão. "O Farol" também traz uma abordagem sobre a solidão em seu aspecto mais destrutivo, pois estar sozinho na história representa o distanciamento de si mesmo, e portanto, a ascensão de um estado psicótico e puramente instintivo - exatamente como observamos nos personagens com o passar do tempo.
O longa de Robert Eggers faz uma verdadeira homenagem ao cinema antigo, das décadas de 40 e 50, principalmente por ser em uma película em preto e branco e ter sido filmado com uma proporção quase quadrada com um formato 1.19:1. Ou seja, técnicas fora do comum e que hoje em dia estão praticamente extintas. A filmagem em preto e branco funciona como uma obra estilizada, arcaica, que faz uma referência ao terror de contos antigos sobre embarcações, marinheiros, criaturas marítimas, além de nos explicitar sobre a perda de sanidade em locais isolados e inóspitos como uma ilha deserta ou até mesmo um farol. Já esse formato mais próximo de um quadrado (como as antigas TV’s de tubo) nos imerge diretamente ao enclausuramento, ao isolamento, a sensação de claustrofobia, que acredito ter sido uma clara decisão do Eggers. Também podemos considerar que este formato de filmagem pode agregar ainda mais na situação desconfortável, limitada, sufocante, na exigência da aproximação dos personagens com a câmera para nos evidenciar sobre suas histórias - decisão incrível e completamente acertada do diretor.
Sobre a filmagem em preto e branco e um formato de tela um tanto quando inusitado e ousado, eu posso afirmar que Robert Eggers faz um trabalho de direção incrível e impecável. Eggers consegue tirar o melhor de cada personagem com seus takes em locais apertados, sufocantes, onde sua câmera sempre buscava o foco no rosto de cada um. A fotografia por sua vez é magnífica, delicada, ao mesmo tempo é tensa, pesada, incômoda, principalmente por se tratar de uma fotografia em preto e branco, onde realça ainda mais a qualidade de cada cena. A trilha sonora é sufocante, inquietante, horripilante, onde tínhamos aquela sirene estridente do farol, que nos sufocava e nos incomodava ainda mais. O longa tem uma bela direção de arte, pois tudo que estava em cena condizia perfeitamente para a montagem e a estruturação dos cenários. Além de contar com uma bela montagem e uma ótima edição, onde tínhamos cenas quase que em sequências e quase sem cortes. A ambientação também se destaca notavelmente, principalmente por ser fiel com o lugar, a época, o contexto onde a história se passa. A ambientação do longa contextualiza muito bem as cenas com a relação entre as personagens e o cenário - como podemos observar na primeira cena do filme.
"O Farol" é uma obra complexa, intrigante, desconcertante, ambígua, que exige diferentes interpretações, com diferentes menções, alusões e alegorias.
Podemos associar que a obra está inserida em simbologias e referências mitológicas, como a própria mitologia grega - pois nela o jovem Thomas Howard/Ephraim Winslow (Robert Pattinson) é a personificação de Prometeu, que no mito foi um titã que roubou o fogo dos deuses para dividir com a humanidade - como vimos na cena em que o Thomas Wake (Willem Dafoe) faz uma alusão personificando uma figura egocêntrica. Também temos a cena quando Thomas amaldiçoa Winslow por ofendê-lo, e ele invoca os sete mares e até Poseidon.
Temos outra cena onde aparece Thomas com tentáculos, algas marinhas espalhadas pelo corpo, e até um chifre de coral saindo de sua testa. Para muitos, o personagem está caracterizado como Proteu, filho de Poseidon. Na mitologia, um dos principais traços da entidade é a violência e a imprevisibilidade - algo que foi muito bem destacado no personagem durante a trama. Sendo assim podemos dizer que "O Farol" faz uma alegoria à perda do controle e a degradação do ser humano através da mitologia grega.
Também podemos fazer uma alusão ao que significa o símbolo do farol para a história: como algo que lida de uma maneira muito forte com a masculinidade velada, o machismo em um alto nível, principalmente com o comportamento masculino, seja ele afetivo ou sexual. Exatamente como vimos ao longo da trama entre os dois personagens, que ora pareciam amigos ora pareciam inimigos. Tinham partes que eles pareciam despertar um interesse mútuo, onde tem uma cena que os dois estão embriagados e seus rostos se aproximam quase que se tocando em um improvável beijo.
Também podemos associar o farol com uma fonte de vida daquela ilha, onde o próprio Thomas Wake o protege para manter o equilíbrio das criaturas. Talvez isso explique o motivo de Winslow sempre estar proibido de se aproximar do local.
Também é possível associar aquele farol como um estudo da psicanálise, onde o próprio pode representar como estado de consciência absoluta. Acredito que Thomas e Winslow sejam a mesma pessoa, até por isso aquele farol pode significar a quebra das ilusões para ambos. Também acredito que até por isso quando Winslow consegue finalmente acessar o farol ele é morto por sua luz intensa. O estado mental que o local oferece é mais do que ele poderia suportar, pois ele já está entregue a uma profunda perda de si.
Duas curiosidades bastante interessantes que o próprio diretor Robert Eggers confirmou:
A cena que o Thomas Howard acaba matando o Thomas Wake com o machado é inspirado na obra-prima do Stanley Kubrick, "O Iluminado". Assim como a última cena do filme, aquela cena bizarra das gaivotas bicando os restos mortais do cadáver, também é uma homenagem ao filme "Os Pássaros", do mestre Alfred Hitchcock.
Willem Dafoe e Robert Pattinson é o coração da obra de Robert Eggers!
Ouso afirmar que aqui temos a melhor atuação de toda a carreira do Robert Pattinson. Pattinson se destaca ao incorporar um personagem inexperiente ao início, mas com o passar do tempo ele vai criando uma casca, uma ambição, uma projeção muito grande, sempre almejando ir mais além em busca do que estar por trás daquele farol e principalmente do Thomas Wake. Pattinson está em uma perfeita química, uma perfeita sintonia com Dafoe, algo que engrandeceu ainda mais a sua atuação. Robert Pattinson é um belíssimo ator e não é de hoje que ele vem demonstrando todo o seu talento na arte de atuar, como constatamos recentemente com seu excelente Batman.
Willem Dafoe é, provavelmente, um dos maiores atores da sua geração, e um dos maiores da história do cinema. É completamente incrível o poder de atuação de Dafoe, pois tudo que ele faz fica perfeito, com uma atuação perfeita, com uma interpretação perfeita. Aqui Dafoe dá mais um show, mais uma aula de interpretação cinematográfica, seu personagem é o ponto alto de toda história. Dafoe dá vida ao velho Thomas Wake, um homem já muito cansado, muito estagnado da vida, que está se definhando por tudo que a vida lhe impôs ao longo dos anos solitários naquele farol. Dafoe nos impõe uma personalidade fria, sombria, misteriosa, ao mesmo tempo que nos impressiona com uma postura enérgica, rústica, aguerrida, principalmente entre os diálogos e as discursões com Winslow. Por falar em diálogos, este é um dos pontos alto da atuação de Dafoe - sua forma de conversar, de discutir, de resmungar, sempre carregado com um sotaque britânico pesado. Temos cenas entre Dafoe e Pattinson que soava com um mestre e seu aluno, por outro lado também soava como uma verdadeira disputa pelo poder - atuação completamente absurda do sempre impecável Willem Dafoe.
Verdadeiramente uma disputa entre o novo Batman e o Duende Verde!
"O Farol" arrecadou mais de US $ 18 milhões contra um orçamento de US $ 11 milhões. O filme foi indicado para Melhor Fotografia no 92º Oscar e 73º British Academy Film Awards, além de inúmeras indicações e vitórias em outras cerimônias de premiação. Muitos dizem que é um dos melhores filmes de 2019 e um dos melhores da década.
É completamente incrível como Robert Eggers criou um longa que nos confronta com loucura, insanidade, demência, paranoia, ainda sendo muito bem contextualizado com ótimos diálogos, monólogos e um vocabulário antiquado entre a figura dos dois personagens. Uma obra visceral, grandiosa, enérgica, que nos explicita sobre uma monstruosidade real ou imaginária, pois de fato jamais saberemos se as visões de Thomas e Winslow são alucinações. Porém, posso afirmar que o isolamento e a solidão intensifica o surgimento de conflitos e a ruptura com a realidade.
O longa de Robert Eggers é difícil, é complexo, é intrigante, requer muita atenção e muita interpretação. Mas sem dúvida este é o maior acerto de Eggers - a sua ambiguidade, ousadia e ambição. De fato esta é uma obra que precisa ser assistida mais de uma vez, para ser melhor analisada e interpretada. Pois independente das suas conclusões, não há uma explicação definitiva para o filme, o que deixa "O Farol" como uma obra completamente ressignificada.
[14/10/2022]
O Sexto Sentido
4.2 2,4K Assista AgoraO Sexto Sentido (The Sixth Sense)
"O Sexto Sentido" foi lançado em 1999, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan.
Um garoto vê o espírito de pessoas mortas à sua volta. Um dia, ele conta o segredo ao psicólogo Malcolm Crowe (Bruce Willis), que tenta ajudá-lo a descobrir o que está por trás dos distúrbios. A pesquisa de Malcolm sobre os poderes do garoto causa consequências inesperadas para ambos.
O ano de 1999 foi marcado pelo lançamento de algumas pérolas da sétima arte como: "Matrix", "Clube da Luta", "À Espera de um Milagre" e "Beleza Americana". Também ficou marcado por algumas produções de terror que impactou o espectador, produções essas como o clássico "A Bruxa de Blair", que se destacou como um fenômeno de bilheterias naquela época. Nesse mesmo ano surge "O Sexto Sentido", sendo o filme responsável por estabelecer M. Night Shyamalan como roteirista e diretor, e introduzir o seu trabalho ao grande público do cinema. Shyamalan até então era um diretor desconhecido e foi exatamente aqui que ele alavancou a sua carreira dentro do cenário hollywoodiano. Quando "O Sexto Sentido" foi lançado muitos colocaram o Shyamalan como o novo Hitchcock, muitos o compararam com o mestre do suspense, principalmente pela sua afinidade para o final surpreendente - realmente ele foi um verdadeiro fenômeno.
"O Sexto Sentido" é uma verdadeira obra-prima do horror psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e do suspense. Um drama envolto em uma atmosfera sombria, espantosa, inquietante, intrigante, complexa, que tem o dom e o poder de mexer com o nosso imaginário e despertar a nossa curiosidade. O longa trouxe ao cinema uma inovação na forma de mesclar suspense e drama, com uma história totalmente incomum em ambos os gêneros, pois aqui temos o caso do psicólogo infantil que abraça com dedicação o caso do garoto de 8 anos. Cole (Haley Joel Osment) tem dificuldades de entrosamento no colégio, sofre bullying por ser considerado como um anormal e vive paralisado pelo medo que o persegue incessantemente. Malcolm, por sua vez, busca se recuperar de um trauma sofrido anos antes, quando um de seus pacientes se suicidou na sua frente.
Este é o ponto-chave desse brilhante roteiro, a forma como ele nos conduz em diferentes vertentes até o resultado final de toda história. Shyamalan cria uma atmosfera de suspense funcional durante toda história e, o mais importante, sabe desenvolver muito bem os seus personagens, pois cada um tem um sofrimento diferente, que é explorado e que ajuda a trama a fluir. O pequeno Cole sofre de alucinações visuais, paranoia e algum tipo de esquizofrenia infantil. Malcolm sofre com seus traumas do passado e com o fato de se dedicar a ajudar o pequeno Cole enquanto observa o seu casamento ruir. A mãe (Lynn, interpretada por Toni Collette) é uma mulher forte, batalhadora, mas não sabe como ajudar seu filho, o que a deixa profundamente frustrada.
'Sexto sentido' pode referir-se a percepção extrassensorial - chamada popularmente de intuição, conhecimento hipotético ou teórico alicerçado no pressentimento - exatamente a forma comportamental do pequeno Cole.
E agora eu preciso destacar uma das cenas mais icônicas da história do cinema, que é a cena do Cole contando para o Malcolm sobre o seu segredo:
- Eu vejo gente morta.
- Com que frequência você as vê?
- O tempo todo.
Temos aqui uma cena apoteótica, emblemática, épica, clássica, marcante. "I See Dead People" virou um marco no cinema, na cultura Pop, na década, no milênio, uma frase imortalizada e eternizada nos mesmos padrões da mundialmente famosa "Hasta la vista, baby". Esta cena é tão icônica em "O Sexto Sentido" quanto a cena lendária do chuveiro em "Psicose".
Agora preciso mencionar o melhor Plot twist da década de 1990 e um dos melhores de todos os tempos!
"O Sexto Sentido" ficou marcado pela forma visionária como o Shyamalan idealizou a reviravolta da sua história, a forma como ele trabalhou cada detalhe muito bem amarrado ao final da trama. Realmente o final do longa-metragem deixou a audiência espantada e completamente boquiaberta, fato que ajudou na ótima bilheteria da produção. Muitas pessoas voltavam aos cinemas para assisti-lo novamente na tentativa de confirmar o que haviam visto. E essa era exatamente uma das preocupações do próprio Shyamalan, o fato do público não ser enganado, ou seja, os que assistem pela segunda vez poderiam tirar a prova real de que tudo o que foi apresentado estava na frente dos seus olhos o tempo todo - sensacional!
O Plot twist de "O Sexto Sentido" foi tão criativo, tão perspicaz, tão inovador, tão original, ao ponto de até hoje ser comparado com um dos melhores Plots da história, simplesmente a obra-prima do mestre Hitchcock - "Psicose". O Plot de "O Sexto Sentido" é tão marcante para o cinema, tão influente, ao ponto de ter inspirado várias outras obras ao longo dos anos - como o clássico "Os Outros" (2001). Além de ter ficado marcado como um dos Plots mais copiados da história do cinema, pois até hoje tem vários filmes que tentam copiar o Plot de "O Sexto Sentido" mas falham miseravelmente.
E vamos para ele...
Malcolm esteve morto o filme inteiro, ele morreu na primeira cena em que Vincent Gray (Donnie Wahlberg, irmão do Mark Wahlberg) atirou nele, e apenas Cole podia vê-lo ou ouvi-lo. Malcolm relembra tudo o que Cole lhe disse sobre pessoas mortas e Shyamalan habilmente conecta tudo e tudo começa a fazer sentido - maravilhoso!
Shyamalan apostou no Bruce Willis, pois na época ele estava fazendo filmes que não estavam chamando a atenção da audiência. Por outro lado o Bruce Willis também apostou no Shyamalan, ao encabeçar o filme de um diretor até então desconhecido. Porém, devo afirmar que aqui temos uma das melhores atuações da magnífica carreira do Bruce Willis. Realmente foi uma grande pena quando ele anunciou afastamento da carreira por questões de saúde. Haley Joel Osment virou um verdadeiro ícone ao dar vida ao pequeno Cole. Haley já havia ganhado um prêmio por sua interpretação do filho de Tom Hanks em "Forrest Gump" (1994), mas sua consagração veio com este thriller sobrenatural e sua poderosa interpretação, que lhe permitiu obter inúmeros prêmios, além de citações no Oscar, no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild Award. Realmente Haley Joel Osment teve uma atuação esplendorosa naquela cena icônica, conseguindo nos deixar assustados e incomodados somente pela suas expressões enquanto dialogava com o Bruce Willis. Haley foi impedido por sua mãe de assistir ao filme por um motivo simples, a censura era 14 anos. Poderia ser que as cenas impressionassem o garoto, que na época tinha 11 anos de idade, por isso Haley não teve a oportunidade de se ver nas telas.
Toni Collette já havia se destacado na comédia dramática "O Casamento de Muriel" (1994), conquistando inclusive uma indicação ao Globo de Ouro como Melhor Atriz em Comédia. Mas todas as atenções se voltaram para ela ao dar vida a mãe do pequeno Cole - Lynn Sear. Uma atuação muito forte em um papel muito importante dentro da trama do Shyamalan, conseguindo puxar todo o protagonismo para si em todas às suas cenas. Por sua atuação, ela foi aclamada pelos críticos e recebeu a primeira indicação ao Oscar. Olivia Williams ("Meu Pai", de 2020) completou o elenco ao dar vida a Anna Crowe, mulher do Dr. Malcolm. Olivia conseguiu se destacar muito bem ao contracenar com o Bruce Willis.
A trilha sonora do mestre James Newton Howard (parceiro de longa data nas produções do Shyamalan) é excelente e nos imergi com grandiosidade dentro da história. A fotografia de Tak Fujimoto (responsável pela fotografia da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é clássica, é contemporânea, casa perfeitamente com a obra. A direção de arte é muito bem executada e administrada em cada cena. A Direção do Shyamalan é rica em detalhes, pois ele trabalha com muita maestria cada cena, cada tomada de câmera, cada take, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar (merecidamente).
O longa de Shyamalan recebeu 6 indicações ao Oscar 2000: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Haley Joel Osment), Melhor Atriz Coadjuvante (Toni Collette), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem. Ganhou 2 indicações ao Globo de Ouro: Melhor Ator Coadjuvante (Haley) e Melhor Roteiro.
Nos Estados Unidos, o filme liderou o ranking semanal de público durante 6 semanas, sendo ainda a 2ª maior bilheteria de 1999 nos EUA, perdendo apenas para "Star Wars: Episódio 1 - A Ameaça-fantasma". No Brasil, o filme foi líder absoluto de público, tendo liderado o ranking semanal por mais de 2 meses e levando aos cinemas mais de 4 milhões de pessoas, tornando-se o filme que mais expectadores teve em 1999. Foi o segundo filme de maior bilheteria de 1999, arrecadando cerca de US$ 293 milhões nos EUA e US$ 379 milhões em outros mercados.
Shyamalan conseguiu criar um clássico até hoje lembrado e presente em listas de filmes obrigatórios. "O Sexto Sentido" até hoje é considerado como um dos filmes que mudaram o terror para sempre, e uma das maiores histórias de fantasmas já filmadas.
Um clássico, uma obra Cult, uma obra influente na cultura Pop, uma obra de arte cultuada e respeitada mundialmente.
Temos aqui o melhor roteiro do Shyamalan e, consequentemente, o seu melhor filme de toda a carreira. Uma verdadeira obra-prima do final dos anos 90 e um dos melhores suspenses de todos os tempos.
[06/10/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraCoringa (Joker)
Lançado em 2019, "Coringa" foi dirigido e produzido por Todd Phillips (diretor e roteirista da trilogia "Se Beber, Não Case!"), que co-escreveu o roteiro com Scott Silver (roteirista da obra-prima "O Vencedor", de 2010). O filme é baseado no personagem da DC Comics, sendo estrelado por Joaquin Phoenix como o Coringa e fornece uma possível história de origem para o personagem. O longa é situado em 1981 e segue a trama de Arthur Fleck (Phoenix), um palhaço fracassado e aspirante a comediante cuja queda na insanidade e no niilismo inspira uma violenta revolução contracultural contra os ricos em uma Gotham City decadente.
Temos aqui uma verdadeira revolução dentro do universo cinematográfico do Coringa que já conhecemos, pois de fato este filme não tem ligações com as outras versões do personagem vistas anteriormente no cinema. O maior trunfo do longa é sem dúvidas o roteiro, pois Todd Phillips e Scott Silver tiveram uma licença poética, uma liberdade criativa, uma nova maneira de contar as origens do personagem. Por outro lado o roteiro também aborda uma nova forma em nos ambientar sobre uma Gotham City menos dark, menos obscura, menos sombria (como vimos recentemente em "The Batman"), mas totalmente desiquilibrada e decadente.
Outro grande acerto de Phillips e Silver foi todo o estudo de personagens dos anos 70, o que também levou às suas inspirações em obras daquela década como o clássico "Taxi Driver" de Martin Scorsese (que estava inicialmente ligado ao projeto como produtor), que também abordava uma cidade decadente em um filme urbano - além de mais inspirações em obras do Scorsese como "O Rei da Comédia" (1982). Por outro lado o filme adapta vagamente elementos da trama de "Batman: The Killing Joke" (1988), mas Phillips e Silver não buscaram inspiração em quadrinhos específicos.
O longa de Todd Phillips traz um estudo aprofundado no suspense psicológico, no drama, nas variadas vertentes do ser humano, em suas camadas, suas facetas, tudo que lhe é composto e definido diariamente em sua vida. Aqui temos a abordagem da vida de Arthur Fleck desde o isolado, o intimidado e desconsiderado pela sociedade, o fracassado comediante que inicia seu caminho com uma mente perturbada e criminosa, cuja sua ação inicia um movimento popular contra a elite de Gotham City. Toda trama é relatada sob o ponto de vista de uma personalidade que sofre de problemas mentais, desprovido de habilidades sociais e que não faz questão alguma de nos apresentar a verdade dos fatos.
O longa aborda exatamente esta "síndrome pseudobulbar" desenvolvida pelo Arthur - uma doença caracterizada por riso ou choro descontrolado e que surge por diferentes razões. Dois principais fatores que provavelmente contribuíram para sua condição foram a falta de afeto pela ausência do pai e os maus tratos na infância. Pois ao longo da trama descobrimos que muito do que o Arthur desenvolveu foi pelo fato de todo abuso e violência sofrido pelo pai e muitas coisas herdada da própria mãe, que foi diagnosticada com psicose delirante e distúrbio de personalidade narcisista, onde colocou a vida do próprio filho em perigo. O que também está ligado diretamente como o fato dos ataques de riso incontroláveis e sem motivo aparente, que de fato é o sintoma de uma série de condições médicas e, no caso do Arthur, pode ser uma "crise de epilepsia gelástica".
"Coringa" ainda abre espaço para uma crítica ácida e pertinente sobre a sociedade atual em que vivemos, onde só os ricos são notado por um sistema totalitarista e autoritário. Além da crítica de forma enfática a ausência do Estado nas periferias, a negligência e descaso com pessoas com transtornos mentais (como vimos no filme com o corte da verba do tratamento do Arthur), a facilidade do porte de armas, e um empoderamento perigoso que é, sim, capaz de corromper muita gente (como corrompeu o próprio Arthur). O longa traz uma efervescência política, uma anarquia, toda uma abordagem daquela decadente Gotham City que explicitava toda aquela aversão dos pobres com os ricos ao ponto da população apoiar um palhaço (que foi o assassino) para prefeito ao invés de Thomas Wayne (Brett Cullen).
Toda essa abordagem corrobora com um subtexto político em torno da transformação de Arthur Fleck no Coringa. Era como se morresse o Arthur e nascesse o Coringa, pois de fato temos a construção de um psicopata que é feita por sintomas que não coexistem num transtorno real. Ele pode ser pueril, como alguém com retardo, mas é capaz de insights poderosos sobre sua condição individual e social. O Coringa não se encaixa na sociedade, ele é corrompido por ela, ele vive em um nível de loucura que não serve como catarse, onde ele é doentio e não vê problema algum em ser extremamente violento. Além da situação de pobreza, que piora quando ele é demitido, ele também é obrigado a encarar a discriminação diária, o que atinge cada vez mais os seus distúrbios mentais, provocando toda onda de violência e caos. Posso afirmar que a própria sociedade transformou o Arthur Fleck em o Palhaço do Crime muito por falta de oportunidades, empatia, atenção, compaixão, pois ele mesmo afirma que a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse.
O Coringa já foi interpretado por vários atores em diferentes ocasiões ao longo de sua vasta história. Nomes como Cesar Romero, Jack Nicholson, Mark Hamill, Cameron Monaghan e Jared Leto já viveram o clássico personagem da DC. Além do mais icônico até hoje, vivido por ninguém menos que o eterno Heath Ledger. O Coringa de Ledger era mais visceral, mais anárquico, mais apoteótico, mais insano, mais Palhaço do Crime, já o Coringa de Phoenix é mais obscuro, mais sombrio, mais sofrido, mais injustiçado, mais vítima da sociedade, uma coisa mais escultural, mais artesanal. E era exatamente esse o maior desafio que Joaquin Phoenix iria enfrentar ao decidir reviver um personagem que foi imortalizado e eternizado pela interpretação estupenda de Heath Ledger.
Porém, devo dizer que Joaquin Phoenix ("Gladiador" e "Sinais") conseguiu marcar o seu nome na história do Coringa com muita dignidade e muita mestria. Pois aqui temos uma interpretação do Coringa diferente de tudo que conhecemos e tudo que já vimos do personagem. Phoenix fez um trabalho grandioso, monumental, conseguindo empregar a sua forma única e autêntica no personagem, com um trabalho primoroso, peculiar, multifacetado, nos elevando para um tom mais cômico onde a comédia era subjetiva, pertence ao domínio de sua consciência - fantástico!
Além de tudo, Joaquin Phoenix se entregou de corpo e alma para viver o personagem, pois o próprio revelou que achar a risada do personagem foi a parte mais difícil de sua performance, e que para aperfeiçoá-la, se baseou em "pessoas que sofrem de risadas patológicas". Outra grande entrega se deu ao fato de Phoenix se submeter a perder cerca 23,5 quilos, indo de 81kg para 56,5kg em quatro meses. Phoenix contou com ajuda médica para emagrecer e fez uma dieta rigorosa - realmente era muito nítido o quanto ele estava magro em cena. Joaquin Phoenix ganhou tudo que foi indicado naquele ano, incluindo merecidamente o Oscar de Melhor Ator.
No elenco ainda tivemos o grande Robert De Niro ("O Irlandês"), que deu vida ao Murray Franklin. Um apresentador de talk show que desempenha o papel principal na queda de Arthur, sendo o verdadeiro estopim, a verdadeira faísca para transcender toda fúria que estava guardada dentro dele (onde temos uma das cenas mais antológicas que eu já presenciei nos últimos anos). Frances Conroy ("American Horror Story") como Penny Fleck, a mãe de Arthur. Uma figura extremamente importante para todo o processo pelo qual o Arthur foi submetido a passar em sua vida. Zazie Beetz ("Deadpool 2") como Sophie Dumond. Uma mãe solteira e o interesse amoroso de Arthur (que me deixou bastante intrigado com o seu desfecho final).
Tecnicamente e artisticamente "Coringa" é uma obra-prima!
A direção de Todd Phillips é impecável. A trilha sonora de Hildur Guðnadóttir ("Sicario: Dia do Soldado") é sublime e peculiar, principalmente por dar ênfase na maior parte do tempo na decadência de Arthur Fleck. A fotografia é avassaladora, conseguia transcender com muita propriedade cada acontecimento da trama unicamente pelos ângulos fotográficos - mais uma vez eu cito "Taxi Driver", por sua fotografia urbana. A direção de arte é absurda, e muito pelo fato do filme ter sido ambientado no fim da década de 70 e início dos anos 80, que deu um vislumbre para cada detalhe em cena, como os próprios cenários, que trouxe uma riqueza incrível para a obra. Além, é claro, o filme é muito bem montado, muito bem estruturado, muito bem editado, tudo muito bem arquitetado.
"Coringa" ganhou o Leão de Ouro no 76º Festival Internacional de Cinema de Veneza. No Oscar 2020, "Coringa" liderou com 11 indicações - sendo Melhor Filme, Ator, Fotografia, Figurino, Direção, Edição, Cabelo e Maquiagem, Trilha Sonora Original, Edição de Som, Mixagem de Som e Roteiro Adaptado, vencendo em Melhor Ator para Joaquin Phoenix e Melhor Trilha Sonora para Hildur Guðnadóttir. Além de ter sido o segundo filme de HQ indicado na categoria de Melhor Filme, depois de "Pantera Negra" ter recebido indicação no ano anterior. Uma sequência intitulada "Joker: Folie À Deux" ("Coringa 2") será lançada em 4 de outubro de 2024, com Todd Phillips retornando para a direção e estrelado por Joaquin Phoenix e Lady Gaga.
"Coringa" é um filme cru, seco, niilista, intrínseco, tendencioso, individual, peculiar, pertinente, que nos relata como uma sociedade decadente tem o poder de causar distúrbios mentais em uma pessoa e transformá-la em um vilão, ou em uma vítima.
O longa de Todd Phillips entra no hall das melhores adaptações de HQ's de todos os tempos, juntamente com obras como "Homem Aranha 2", "Batman: O Cavaleiro das Trevas" e "Vingadores: Ultimato". Também ficará marcado pela interpretação majestosa de Joaquin Phoenix como Coringa, que pra mim está em pé de igualdade com a versão lendária de Heath Ledger.
"Coringa" é o melhor filme da DC/Warner. A sua verdadeira obra-prima incontestável!
"Só espero que minha morte faça mais sentido do que minha vida"
[01/10/2022]
Órfã 2: A Origem
2.7 772 Assista AgoraÓrfã 2: A Origem (Orphan: First Kill) - TEM SPOILERS -
"Órfã 2" é dirigido por William Brent Bell (do péssimo "Filha do Mal", de 2012), foi escrito por David Coggeshall (roteirista do bom "Evocando Espíritos 2", de 2013), baseado em uma história de David Leslie Johnson-McGoldrick (autor de "Invocação do Mal 3", de 2021) e Alex Mace (que escreveu o roteiro e a história do primeiro filme). O longa serve como uma prequela do filme de 2009 - "A Órfã".
Depois de planejar uma fuga de um hospital psiquiátrico na Estónia, Esther (Isabelle Fuhrman) viaja até os EUA passando-se pela filha desaparecida de uma família milionária. No entanto, após uma inesperada reviravolta, a mãe começa a desconfiar da criança e faz de tudo para proteger a sua família.
Temos aqui mais um caso de uma continuação (ou prequência) completamente desnecessária. Quando ouvi os rumores que estavam produzindo uma continuação do filme de 2009, o primeiro pensamento que veio em minha cabeça foi - qual a necessidade? Qual a finalidade? Obviamente o motivo é sempre o mesmo, lucrar em cima de um filme que ficou eternizado lá atrás, utilizando a força do seu nome, o amor dos fãs e a volta de Isabelle Fuhrman no papel que a consagrou. "A Órfã" é simplesmente um dos melhores filmes de terror/suspense da década de 2000, e conta um Plot twist excelente e inédito. Particularmente eu estava satisfeito com o que foi entregue no primeiro filme, teve um fechamento perfeito da história, que o deixou completamente imortalizado. Dessa forma eu não vejo a menor necessidade em nos trazer uma história que aconteceu antes do primeiro filme, até porque nem tudo na vida necessariamente precisa de uma explicação detalhada, ainda mais quando estamos nos referindo à um filme que já foi estabelecido em seu universo.
Parece uma regra, você lança um filme que dá certo e faz um enorme sucesso, e depois de alguns anos você decide lançar um segundo que contará a origem do primeiro. Realmente nos últimos anos Hollywood tem optado pelas prequelas e não por histórias originais e inéditas (está faltando ambição e inteligência por lá), ou seja, vamos continuar no campo do famoso "ambientado antes dos eventos de". Temos vários casos que nem sempre uma pré-sequência deu certo: como o exemplo do excelente "Um Lugar Silencioso" (2018) e sua continuação mediana "Um Lugar Silencioso - Parte II" (2020).
Um dos objetivos de "Órfã 2" como uma prequela era cobrir um buraco no enredo do primeiro filme, que era exatamente como Esther foi da Estônia para um orfanato americano sem ter sido deixada por ninguém, ou seja, mesmo com toda papelada forjada, Esther não poderia simplesmente aparecer com ela do nada. Até acho uma premissa válida, mas que não clamava por urgência, onde necessariamente precisamos cobrir este buraco deixado no enredo do primeiro filme. Se fosse tão urgente assim, porque esperaram 13 anos para cobrir o tal buraco nos entregando uma produção tardia e subaproveitada?
Se no primeiro filme tínhamos algumas partes inverossímeis, onde tínhamos que aplicar uma certa suspensão de descrença, nesse aqui você tem que desligar o cérebro e aplicar a famosa suspensão de descrença em 100% do filme. Tudo bem que estamos falando de uma produção fictícia, que necessariamente não podemos exigir uma coerência em tudo, mas o problema está justamente nesse ponto, quando temos o primeiro filme inspirado em uma história real, que ainda estava no terreno do aceitável.
"Órfã 2" é uma produção catastrófica, com um roteiro subaproveitado, histórias pífias e situações inverossímeis que beiram o ridículo. Partindo da premissa do subtítulo - 'A Origem' em português, ou 'First Kill' (primeira morte) no original, poderíamos imaginar que o roteiro fosse contar uma história de origem da Esther, algo como sua frustração em ter aquela doença rara e não ter crescido, e como isso a levou a se tornar uma psicopata. Porém, o subtítulo é usado apenas para chamar atenção do espectador, porque de fato o roteiro não narra as suas origens, pois já iniciamos o filme com Esther/Leena com 30 anos e já detida em um manicômio, ou seja, não temos as suas origens e não temos a sua primeira morte - bola fora.
Outro ponto: o roteiro quer nos vender a qualquer custo que Leena Klammer aparenta ser uma doce menina inocente a primeira vista, mas o fato de estar internada em uma clínica psiquiátrica a intitula como a paciente mais perigosa do local. Uma forma ridícula que encontraram de nos vender a ameaça e o perigo que está em volta de Leena, o que soou com uma artificialidade absurda. Outro furo: Leena não é a paciente mais perigosa do local, uma vez que no local existem pacientes extremamente mais perigosa que ela, como é o caso paciente que tem o gatilho dos doces. Leena pode até ser considerada a mais maquiavélica, a mais ardilosa e a mais inteligente daquele local.
O diretor e os roteiristas pouco se preocuparam com o tanto de situações ridículas e inverossímeis que o filme nos passa, realmente nos obrigando a aceitar tudo que eles quisessem nos enfiar goela abaixo. Vamos desligar o nosso cérebro, ativar o modo suspensão de descrença e mergulhar de cabeça no tanto de imbecilidade que o roteiro nos entrega - e vamos lá!
A cena inicial com Leena fugindo do manicômio é extremamente ridícula, ela encontra uma facilidade tão absurda que seria mais difícil fugir de uma tartaruga. A forma como Leena consegue encontrar uma criança americana desaparecida na internet (que se parece com ela), consegue despistar a polícia e ir para os EUA, é vexatória de horrível. A família americana aceitando a Leena como sua filha desaparecida é extremamente superficial, e digo mais - eles desconheciam a existência do exame de DNA.
Um dos principais pontos de discursão está em torno da atriz Isabelle Fuhrman, que antes tinha 12 ano e interpretava uma criança com 9, agora tem 23 (pois o filme foi filmado em 2020) e interpreta uma criança com 7, ainda mais nova que no primeiro filme. De fato a Isabelle é digitalmente rejuvenescida para fazê-la parecer semelhante com ela própria no filme original. Utilizaram de bastante maquiagem, alguns truques de filmagens, como o fato das cenas de costas ser utilizado o uso de um dublê de corpo. Alguns atores do elenco que eram da mesma altura que Isabelle enquanto estavam em cena tiveram que usar sapatos altos de plataforma ao lado dela para fazê-la parecer mais baixa. Acho até válido toda essa tentativa em querer força a atriz a se parecer com uma criança utilizando apenas truques e maquiagem, e sem utilizar efeitos digitais extremamente caros. Mas por outro lado não me convenceu, não achei plausível, não achei aceitável, tudo não passou de uma tentativa em vão, agindo como uma perspectiva forçada e totalmente falha. Típico caso da continuação tardia. Se queriam desenvolver uma prequela porque não fizeram com a atriz mais nova, e não esperar 13 anos, onde fatalmente a atriz estaria mais velha.
Isabelle Fuhrman é a única atriz do elenco do filme original a retornar nessa prequela. Isabelle é a única que se salva do elenco, pois mesmo com todas as dificuldades e todos os incômodos causados pelo fato de ser obrigada a se parecer muito mais jovem, ela entrega o que sabe fazer de melhor na pele da icônica Esther. Seus trejeitos, suas expressões, seu comportamento, sua interpretação, seu sadismo, tudo condiz com sua personagem imortalizada lá em 2009 - apesar que lá ela estava ainda melhor.
O restante do elenco é deplorável, é superficial, é genérico. Como é o caso da Julia Stiles ("O Lado Bom da Vida", de 2012) que deu vida a Tricia Albright. A princípio ela tem um papel de mãe de uma filha teoricamente desconhecida até aceitável, mas depois ela se transforma em uma personagem fútil, rasa, muito canastrona, muito caricata, que exibe o tempo todo o seu ar de perigosa e letal - achei uma interpretação péssima. O resto do elenco de apoio não vale nem a pena citar, de tão ruins que são.
O roteiro até tenta estabelecer um Plot twist inovador e surpreendente, para nos impactar com a mesma proporção do excelente Plot do filme de 2009. Porém, pra mim ficou apenas na tentativa mesmo, pois o Plot que temos aqui é mediano e não convence no nível que foi esperado. No longa de 2009 tínhamos uma violência explícita muito bem pontuada nos momentos mais oportunos da trama, o que soava como uma necessidade do roteiro. Aqui temos violência gráfica, cenas sangrentas e gore, porém, me soou como uma tentativa desesperada do roteiro em tentar nos impactar pelas cenas sem pudor, algo como uma cortina de fumaça para mascarar toda falta de preparo e de inteligência.
O diretor William Brent Bell, recentemente revelou ao podcast Bloody Disgusting The Boo Crew a probabilidade de ter um terceiro filme, comentando que só produzirá a sequência para a trilogia se Isabelle Fuhrman quiser e se houver um roteiro muito legal. O que definitivamente torço fervorosamente para que não aconteça, ainda mais se tratando de um roteiro legal, sendo que nem aqui tivemos um roteiro decente, imagina em um terceiro filme. Nesse caso eu realmente espero que a Isabelle Fuhrman desista do projeto enquanto ainda há tempo, pois aqui definitivamente "menos é mais".
"Órfã 2" é um filme falho, deprimente, vexatório, uma pré-sequência infundada, desorganizada, inverossímil e completamente desnecessária. Para quem assistiu só o primeiro filme e esteja cogitando a ideia de assistir este, eu sinceramente não recomendo, pois não agregará em nada na ótima história que você já conhece, na verdade manchará tudo que você tem guardado do belíssimo filme de 2009.
"A Órfã" é um filme simplesmente memorável, icônico e inesquecível, já esse aqui é uma perda de tempo completamente passável e totalmente esquecível. [24/09/2022]
A Órfã
3.6 3,4K Assista AgoraA Órfã (Orphan)
"A Órfã" foi lançado em 2009, dirigido por Jaume Collet-Serra (estreante como diretor no filme "A Casa de Cera", de 2005), escrito por David Leslie Johnson (roteirista da série "The Walking Dead"), a partir de uma história de Alex Mace (Coprodutor do filme "A Garota da Capa Vermelha", de 2011). O filme é uma coprodução internacional entre Estados Unidos, Canadá, Alemanha e França. Foi produzido por Joel Silver e Susan Downey da Dark Castle Entertainment, e Leonardo DiCaprio e Jennifer Davisson Killoran da Appian Way Productions.
O longa nos traz a história da pequena Esther (Isabelle Fuhrman), uma garota de origem russa com apenas 9 anos que ficou órfã após a família que a adotou morrer em um incêndio que também quase a matou. Por outro lado temos a família Coleman, que vive em um luto recente devido a um trágico aborto. Kate (Vera Farmiga) e John (Peter Sarsgaard) estão arrasados, estão vulneráveis, e mesmo já tendo dois filhos decidem adotar uma criança para ocupar o lugar da filha perdida. Dentro desse contexto temos a entrada da misteriosa Esther na família Coleman, que logo desencadeia uma série de eventos alarmantes que faz com que Kate acredite que algum mal esteja por trás do rosto angelical da filha recentemente adotada.
Quando "A Órfã" chegou aos cinemas, público e crítica foram surpreendidos por um filme muito bem realizado, muito bem idealizado, que entrou para a história do cinema como uma das produções mais criativas e instigantes dos últimos anos. Quando eu assisti o filme no cinema lá em 2009, eu sai da sala completamente atônito com o que eu tinha acabado de presenciar em tela. Simplesmente um dos melhores suspense/terror daquela década, com um Plot twist excelente e inédito.
"A Órfã" nos imergi em um terror psicológico com um suspense funcional que permeia todo drama, todo mistério que está por trás de Esther. A garotinha tem um rosto angelical, tem um comportamento muito educado, entretanto, a menina não é tão inocente quanto parece e inicia um reinado de terror na residência da família, principalmente contra os outros dois filhos do casal, Max e Daniel (Jimmy Bennett e Aryana Engineer). Com a chegada de Esther logo é despertado o ciúme por parte do irmão, e logo é despertado um encanto e uma curiosidade por parte da irmã que é surda e muda. Esther é uma garota diferente, que se veste diferente, e inevitavelmente ela começa a sofrer bullying na escola (o que me remete diretamente ao clássico "Carrie, a Estranha").
Esther tem uma passado misterioso, sombrio e macabro. Ela possui problemas psicológicos e foi criada em um manicômio e não em um orfanato como todos inicialmente pensava. Esther possui um transtorno de personalidade antissocial, que é caracterizado como um distúrbio mental pelo desprezo por outras pessoas. Exatamente como constatamos ao longo da trama, pois ela costumava mentir, infringir leis, agir impulsivamente e desconsiderar sua própria segurança ou a segurança dos outros (no caso dos próprios irmãos). Esther tinha distúrbios de caráter, encanto superficial, dificuldade para fazer e manter amigos, mas por outro lado ela era hábil, manipuladora, maquiavélica (como constatamos na cena com a Psiquiatra), e agia ardilosamente ao jogar as pessoas umas contra as outras para conseguir o que queria - como também constatamos na cena bizarra e doentia em que ela quebra o próprio braço na morsa para incriminar a mãe e jogá-la contra o pai.
Aqui temos simplesmente um dos melhores Plot twist da década de 2000 e um dos melhores que eu já assisti baseado em um filme de suspense/terror:
No Plot descobrimos que Esther não é uma criança, mas sim uma mulher de 33 anos com hipopituitarismo (nanismo), uma doença rara que causa a diminuição da atividade da hipófise e resulta em baixa estatura, infertilidade e outros sintomas. Realmente um Plot muito inteligente, inédito, diferente, intrigante, que me deixou boquiaberto na sala de cinema, e muito pelo fato de nunca ter assistido nada parecido com o que foi entregue aqui.
O roteiro de "A Órfã" consegue ser ainda mais genial pelo fato de ter se inspirado na história real de Barbora Skrlová, uma mulher que nasceu com uma condição hormonal que a fazia parecer uma criança (exatamente como Esther). Em 2007, Skrlová foi morar com as irmãs Katerina e Klara Mauerova na cidade de Kuřim, na República Tcheca. Usando o nome Anna, ela contou a história de que havia sofrido abusos de sua família. Após se mudar para a residência, Barbora/Anna cometeu vários atos de tortura e crueldade contra as crianças Mauerova e ainda convenceu as irmãs a participarem dos atos brutais. Após as denúncias de vizinhos, as autoridades chegaram ao local e Barbora fingiu ser uma menina de 12 anos que havia sido sequestrada pelas irmãs. Ela conseguiu fugir, sendo encontrada anos depois na Noruega, onde se passou por um menino de 13 anos e conseguiu ser adotada por um casal que não fazia ideia de sua verdadeira identidade. História completamente bizarra e doentia, o que elevou ainda mais a qualidade do longa-metragem de Jaume Collet-Serra.
Isabelle Fuhrman é alma e o coração do filme, e ela está completamente genial na pele da misteriosa Esther. Isabelle teve uma atuação grandiosa, impecável, tenebrosa, onde nos passou uma personalidade fria, cruel, perversa, sádica e doentia - como na icônica cena das marteladas a sangue frio na freira, ou na cena bizarra em que ela quebra o próprio braço. E olha que ela ainda era uma crianças na época das filmagens do longa, pois ela tinha apenas 11 anos. Durante as filmagens, o diretor Jaume Collet-Serra permitiu que Isabelle fizesse as cenas com palavrões em apenas uma ou duas tomadas para que não ficasse xingando repetidamente. Quando o filme finalmente chegou nos cinemas, a atriz teve permissão para participar da estreia com a condição de que sua irmã mais velha se sentasse ao seu lado e cobrisse seus olhos nas cenas mais violentas. Certamente "A Órfã" é o melhor filme de Isabelle Fuhrman e também é o mais conhecido, pois sinceramente eu acreditava que sua carreira fosse decolar após este sucesso estrondoso, mas não foi bem assim que aconteceu. Após "A Órfã" Isabelle Fuhrman teve personagens pouco expressivos em filmes como "Jogos Vorazes" e "Depois da Terra".
Vera Farmiga ("Invocação do Mal" e "Annabelle 3") está excelente no filme, chegando a dividir o protagonismo com Isabelle Fuhrman com muita maestria. Farmiga dá vida a Kate Coleman, uma mulher que carrega um grande trauma envolvendo sua filha, que tem sérios problemas com bebidas e está completamente vulnerável pelo seu recente aborto. Uma atuação divina, excelente, perfeita, uma das melhores interpretações de Vera Farmiga em toda a sua carreira. Sem falar que apenas 2 anos antes Farmiga interpretou Abby (no filme "Joshua, o Filho do Mal"), a mãe de um menino prodígio extremamente manipulador e sádico que não consegue lidar com o nascimento da irmã mais nova e começa a aterrorizar a família - uma grande semelhança com a sua personagem em "A Órfã".
Peter Sarsgaard ("A Chave Mestra" e "A Filha Perdida") completa muito bem com seu papel do pai de família. Peter dá vida ao John Coleman, um homem que também sofre com os problemas de sua mulher e também está vulnerável por todos os acontecimentos recentes. John nos passa a figura do pai amável, preocupado, que quer sempre estar presente protegendo sua família, porém, com a chegada de Esther ele passa a ser extremamente manipulável. Grande trabalho de Peter Sarsgaard. A pequenina Aryana Engineer (a Becky de "Resident Evil: Retribution") com apenas 8 anos deu um show de fofura ao interpretar a irmãzinha Max Coleman - Aryana é deficiente auditiva, e usa um aparelho auditivo. E completando com Jimmy Bennett ("Horror em Amityville", de 2005), que fez o irmão mais velho Danny Coleman. Ele começa bem morno, mas depois sua relevância cresce dentro da trama e consequentemente a sua atuação também.
Tenho que elogiar a grande direção de Jaume Collet-Serra, que usou com muita competência aqueles takes em que a câmera se aproximava pelas costas do personagem nos induzindo que algo (ou a Esther) estivesse atrás para atacar, quando na verdade era apenas um foco da câmera que se aproximava para justamente nos levar a tensão - excelente trabalho de câmeras. A edição de som é excelente - como vimos na cena que a Max retira o aparelho auditivo e somos confrontados com uma perda de som ambiente, o que nos insere diretamente sobre o mundo pela perspectiva da criança - Perfeito. A fotografia principal ocorreu no Canadá, nas cidades de St. Thomas, Toronto, Port Hope e Montreal. Um excelente trabalho da direção de fotografia, que me remeteu diretamente para o filme "Os Outros", um clássico dos anos 2000 que também era envolto no suspense e nos apresentava uma fotografia de cenários carregados de neve.
A trilha sonora de John Ottman (compositor da trilha sonora de "Bohemian Rhapsody") é impecável e se sobressai perfeitamente nas mais variadas cenas do filme, contrastando entre os momentos mais leves e mais tensos. Outro ponto muito interessante é o fato de talvez imaginarmos que esse rejuvenescimento da Esther fosse ser feito em CGI. Mas para a surpresa de todos, a própria Isabelle Fuhrman revelou que foram utilizados efeitos de maquiagem e técnicas de filmagem de perspectiva forçada - incrível!
Por outro lado nem tudo são flores em "A Órfã". Temos que concordar que o longa está repleto de inúmeros clichês do gênero - como a cena do acidente no parque, a cena bem inverossímil da Esther atacando o Danny no CTI. Realmente temos que usar uma suspensão de descrença em troca da premissa de entretenimento.
Na época, "A Órfã" enfrentou algumas polêmicas por causar controvérsia com instituições de adoção. O filme recebeu inúmeras reclamações de agências de adoção e lares temporários, que incentivaram o boicote ao filme por sua representação negativa da adoção e de crianças do leste europeu. Isso levou a Warner Brothers a retirar a frase "deve ser difícil amar uma criança adotada como se fosse sua" do trailer. Após essas polêmicas, no DVD lançado nos Estados Unidos foi inserida uma mensagem que promovia e incentivava a adoção, avisando que o filme não passava de ficção e não deveria atrapalhar um processo tão bonito e tão humano.
Em 15 de Setembro de 2022 foi lançado uma prequela, intitulada "Orphan: First Kill" (Órfã 2: A Origem), com Isabelle Fuhrman reprisando o seu icônico papel.
No YouTube e no Blu-ray tem um final alternativo, intitulado "Orphan alternate ending", que faz uma enorme mudança no final da trama. Eu particularmente sempre vou preferir o final original, acho mais convincente e muito melhor. Mas não podemos descartar este final alternativo que nos soa como ambíguo, afinal de contas ele abre margens para inúmeras interpretações.
"A Órfã" foi uma febre em sua época de lançamento, conquistando um público que se tornou fã e que ama o filme até hoje (e eu estou incluso), o que já o tornou um clássico e um suspense Cult. [23/09/2022]
Resident Evil: A Série (1ª Temporada)
2.0 217 Assista AgoraResident Evil - 1ª Temporada (TEM SPOILERS)
"Resident Evil" é uma série original Netflix desenvolvida por Andrew Dabb (roteirista de praticamente toda a série "Supernatural"). Teve seu lançamento em 14 de Julho de 2022. A série se alterna entre duas linhas do tempo anos depois do surto viral que provocou o apocalipse mundial. Em uma parte temos Jade e Billie Wesker (Tamara Smart e Siena Agudong) durante seus dias em New Raccoon City, onde descobrem os segredos obscuros de seu pai e da Umbrella Corporation. E a outra se passa 14 anos no futuro, onde Jade, agora com 30 anos, luta para sobreviver nesse novo mundo enquanto é assombrada por segredos do passado que envolvem sua irmã desaparecida, seu pai e a Umbrella.
Quando a Netflix estava produzindo a série sobre Resident Evil, os rumores apontavam que a série se passaria em seu próprio universo, mas que iria apresentar um enredo da saga dos videogames como sua história de fundo e base - ok. Como um verdadeiro fã da franquia desde 1996 e já tendo terminado todos os jogos existentes da saga até hoje, posso afirmar que Resident Evil nunca ganhou uma adaptação à sua altura, que condissesse com todo o universo da icônica franquia da Capcom.
Por mais que isso me doa profundamente, mas eu tenho que admitir que esta série é pior que todos os filmes da Alice (Milla Jovovich). Por mais que eu não goste da franquia do Paul W. S. Anderson, mas pelo menos ele não modificou um personagem já existente dentro da saga, ele criou outro. O mesmo vale para o filme "Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City", que de fato é horrível, mas ainda assim me agradou nos Fan service. Já esta série da Netflix é simplesmente a pior adaptação sobre a saga Resident Evil já existente na face da Terra.
Este ano eu já defendi a Netflix nas séries "O Gambito da Rainha" e "Inventando Anna", que de fato são excelentes produções. Porém, dessa vez eu tenho que ser justo, dessa vez eu tenho que bater em quem merece apanhar, e esse alguém é você Netflix.
Primeiro ponto:
Tantas história para vocês contarem e vocês simplesmente decidem inventar uma nova história sobre duas filhas do Albert Wesker em uma nova Raccoon City - é sério mesmo? O universo de Resident Evil é tão extenso, é tão vasto, é tão rico, que daria pra compor uma série com umas 10 temporadas (no mínimo), sem a menor necessidade de inventarem uma história completamente estapafúrdia e descabida como esta. Parece que a ideia dos roteiristas era exatamente ir na contramão do que fazer o simples, do que entregar o que todo mundo quer, pois muita das vezes o simples bem feito é muito melhor do que uma invenção contestável.
Segundo ponto:
Eu juro que eu nunca vou entender esta geração, pois parece que você não pode mais sentar no sofá da sua casa unicamente para assistir um filme, uma série, pelo puro prazer da diversão e do entretenimento. Tem horas que você quer apenas se entreter com o que você está assistindo e não quer ser representado o tempo todo, em todas às mídias (como a própria Netflix acha). Hoje em dia tudo é representatividade, tudo é inclusão, tudo é lacração, tudo é empoderamento, tudo é militância, tudo é banalizado, tudo sendo enfiado goela abaixo em uma simples série que almejaria o entretenimento como seu principal objetivo. Está muito claro que a Netflix quis se aparecer, quis lacrar, teve a real intenção de fazer às pessoas se sentirem representadas ao assistirem a série, e este caminho seguido tirou todo o foco do que realmente importava, que era justamente a qualidade do roteiro, dos personagens e, principalmente, o respeito pela obra original. É óbvio que você não precisa ser 100% fiel à franquia dos videogames, você tem o direito de mudar, de reinventar, de usar uma certa liberdade criativa, mas desde que você respeite a obra que já está eternizada há anos, desde que você mantenha a essência da saga e dos personagens de Resident Evil.
O fato do Albert Wesker ser negro não tem nada a ver com o ator (até porque não foi ele que se escalou para a série), a decisão de mudança de etnia é totalmente da produtora. O que eles queriam era justamente mostrar que estavam engajados com o movimento anti-racismo, com a representatividade, com a diversidade e principalmente com a inclusão. Porém, quando a produtora decidi fazer isso, eles já sabiam que poderiam causar uma extrema revolta, poderiam até atrapalhar o movimento racial ao invés de ajudarem, como de fato queriam. Você não está derrubando barreiras, você está apenas causando mais ódio no público quando decidi mudar um universo que já existe, que já está estabelecido há décadas pelo único propósito de lacrar, de engajar uma causa em prol da representatividade e da inclusão social.
O problema não está em mudar a cor da pele de um personagem que foi adaptado de um livro, de um jogo de videogame, de um conto, de uma passagem, o problema está justamente quando você faz isso unicamente com a intenção de lacração, de militância, exibindo um falso moralismo em relação a diversidade, a representatividade e a inclusão.
A série é incrivelmente ruim em tudo que se propõe a fazer.
Aqui temos uma série totalmente fora do contexto de Resident Evil, ou seja, uma série adolescente, com um drama adolescente, com uma crise adolescente, que aborda o velho clichê da adolescente revoltada com a família e com a irmã, e que briga na escola. Temos mais forçação de barra em volta da representatividade da classe Vegana, da classe LGBTQIA+ e da típica mulher empoderada. Em um universo onde o principal inimigo é um vírus que adultera os genes humanos e animais, ou seja, um lugar perfeito para a produtora exibir o seu discurso em prol do uso de animais como cobaias em laboratórios, no caso, o laboratório fictício da Umbrella Corporation (acho um discurso muito válido mas que não cabe aqui).
O roteiro da série é ridículo, é vexatório, é risonho, é completamente vergonhoso e deplorável.
Temos situações completamente incabíveis dentro do universo de Residente Evil - como o fato de duas garotas adolescentes e totalmente desinformadas sobre aquele universo conseguirem simplesmente invadir a base laboratorial da Umbrela. Uma das maiores e mais bem protegida indústria farmacêutica do universo (segundo a história, é claro). Um laboratório da importância e do nível da Umbrella Corporation e não existe um simples segurança noturno.
Além do roteiro ser péssimo, o enredo é muito ruim, o desenvolvimento e apresentação dos personagens são horríveis. Por falar em personagens: vexatório e vergonhoso resume completamente o elenco dessa série. O Wesker é totalmente perdido e deslocado em cena, e nem é uma culpa do ator Lance Reddick (John Wick), que até considero um bom ator. A Evelyn (interpretada pela mexicana Paola Núñez) é completamente patética, uma personagem pífia, ridícula, desprovida de talento e imaginação. As adolescentes Tamara Smart e Siena Agudong não fazem a menor diferença, na verdade estão ali unicamente para compor o núcleo adolescente que a Netflix queria nos enfiar goela abaixo. Ella Balinska (As Panteras / 2019) é a única personagem que se aproxima um pouco do universo Resident Evil. Na verdade tem partes que ela até funciona como uma espécie de nova Alice, aquele estilo Bad Ass. Realmente ela poderia ter sido melhor aproveitada.
A série por completa já é horrível, mas os 2 últimos episódios conseguem ser ainda pior. Toda aquela tosquice dos clones do Wesker (que me lembrou exatamente a franquia da Alice). Toda essa ideia ficou péssima, principalmente quando o Wesker é clonado no Blade - ridículo! Aquela dancinha do TikTok é a coisa mais vergonhosa que eu já vi em toda a minha vida, simplesmente por se tratar de uma série sobre fucking Resident Evil. O CGI é muito fraco, parece que excedeu o orçamento e usaram o que sobrou para aplicarem uns efeitos bisonhos. Os Zumbis são bem medianos, não chegam nem perto dos Zumbis da série "The Walking Dead" (onde eu acho um dos melhores Zumbis já feitos). Aqui temo uns Zumbis rápidos e violentos, que me remete aos Zumbis do "Resident Evil 6" (2012) e do Survival Horror "Cold Fear" (2005). O CGI da "Grave Digger" e do "Alligator" também são ruins.
Por outro lado temos algumas partes que até se esforçam em algo levemente plausível.
Por exemplo: tem partes da Jade adulta que até soa como um universo de Resident Evil. Partes essas que contém uma ambientação que até condiz com um universo envolto em Resident Evil - até por contar com mais ação, tiroteios, bastante sangue e muito gore (como na cena que a Jade arranca a cabeça do Zumbi com a motosserra) - pois vale lembrar que a própria franquia chegou a abandonar o Survival Horror para mergulhar de cabeça na ação desenfreada em "Resident Evil 5" (2009). O "Zombie Dog" do primeiro episódio e o "Link" do episódio 3 ficaram até bem representados (apesar do fraco CGI). Assim como a própria "Black Tiger" e o Zumbi da motosserra (que lembra o "Dr. Salvador" da versão do "Resident Evil 4"). Também pude pegar aquela menção ao Zumbi "Shrieker", um inimigo que emite um forte som (um grito ensurdecedor) que abala o sistema nervoso dos infectados que reage ao som e isso faz com que fiquem mais violentos - sua aparição foi em "Resident Evil 6".
Curiosidades bizarras:
Eu vivi para escutar Dua Lipa com "Don't Start Now" em uma série sobre a saga Resident Evil. Eu vivi para ler a matéria que o ator Lance Reddick afirma que a culpa da série falhar foram dos "Haters" e dos "Trolls" que não entenderam a série. E por incrível que pareça eu ainda continuo vivo.
Felizmente a Netflix falha miseravelmente com esta série por querer aplicar um conteúdo ativista ideológico. Acredito que toda ideologia que ela aplicou na série sobre representatividade, inclusão e empoderamento serviu unicamente para mascarar toda falta de inteligência ao entregar uma história pífia, com personagens execráveis e um roteiro detestável.
Eu como um fã da saga não me senti representado com esta série patética, muito pelo contrário, me senti envergonhado, achincalhado, banalizado e enganado. Considero esta série vergonhosa, vexatória, deplorável, péssima e horrível. Um desrespeito ao verdadeiro fã da franquia Resident Evil. Um desserviço a velha guarda da saga. Uma afronta para a franquia dos games que se imortalizou e se eternizou com os verdadeiros fãs, e não com essa geração que só se preocupam com a representatividade, a militância e a famosa lacração.
Um mês e meio após o lançamento de Resident Evil, a Netflix optou por não continuar a produzir a série. Segundo o Deadline, o streaming optou por tomar essa decisão devido aos baixos índices de exibição.
Eu louvo de pé esta notícia! Pois de fato isso daqui não pode ser chamado de Resident Evil. Isso aqui não pode carregar o nome de Resident Evil. Isso aqui não representa Resident Evil nem aqui e nem na Bósnia Herzegovina da Malásia do Norte. [20/09/2022]
Samaritano
2.8 223 Assista AgoraSamaritano (Samaritan)
"Samaritano" é o novo filme da Amazon Prime Video dirigido por Julius Avery (estreante como diretor em 2014 no filme "Sangue Jovem", que contou com a presença de Ewan McGregor e Alicia Vikander) e escrito por Bragi F. Schut (roteirista de "Caça às Bruxas", de 2011, com o Nicolas Cage). O longa foi descrito como uma nova visão sombria dos filmes de Super-heróis, cuja a história foi previamente adaptada para as histórias em quadrinhos da Mythos Comics por Schut, Marc Olivent e Renzo Podesta. É uma co-produção da Metro-Goldwyn-Mayer e da Balboa Productions (a produtora de cinema e televisão americana liderada pelo próprio Sylvester Stallone).
Na história, temos a lenda viva Sylvester Stallone como Joe Smith, um super-herói aposentado que vive em Granite City e trabalha como lixeiro, recolhendo alguns objetos especiais e valiosos para restaurá-los como um hobby. No entanto, tudo muda quando Smith tem sua vida monótona interrompida ao salvar Sam (Javon Walton) de alguns valentões, até que o jovem percebe que ele é, na verdade, o Samaritano, um super-herói que todos achavam ter morrido em Granite City há 20 anos atrás.
Nos últimos anos o cinema foi dominado pelas produções de Super-heróis (tanto pela DC quanto pela a Marvel), onde até o M. Night Shyamalan resolveu compor o seu universo de heróis e vilões com produções como "Fragmentado" e "Vidro" (e fazendo ligações com "Corpo Fechado"). Pegando exatamente essa onda, temos aqui uma nova versão de um filme de Super-herói.
"Samaritano" é um filme de herói diferente, com um Super-herói diferente, um herói velho, um Super-humano aposentado (eu vi um estilo meio Hancock). O longa veio com uma proposta de entregar uma história que possui algumas camadas, com as quais o espectador poderá se identificar. É uma espécie de conto de moralidade, onde o próprio herói nos passa essa visão e esses argumentos em cena, sendo uma espécie de mestre e seu aprendiz, o mentor e seu pupilo, ou até mesmo o grande fã descobrindo e conhecendo o seu grande herói. Por outro lado temos um filme de herói, mas poderia ser facilmente interpretado como uma história de um ex-lutador ou um ex-soldado do Vietnã, ou seja, é um filme como tantos outros já feitos inclusive pelo próprio Stallone, que foi eternizado e imortalizado justamente pelos seus personagens John Rambo e Rocky Balboa.
Eu sou um superfã do Sylvester Stallone desde os seus tempos áureos, praticamente cresci assistindo na TV lendas como Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Chuck Norris, entre outros. O tio Stallone foi o verdadeiro herói da minha infância com o lendário Rock e o icônico Rambo. Portanto, poder assistir hoje em dia uma produção que conta com o tio Stallone no alto dos seus 76 anos e ainda interpretando um Super-herói, definitivamente não tem preço.
E foi exatamente este o principal (e único) motivo que eu decidi assistir "Samaritano". Porque de fato o filme é ruim, todo bagunçado, todo perdido tentando se achar a qualquer custo. O roteiro é raso, é falho, é preguiçoso, é batido, falta desenvolvimento, principalmente um desenvolvimento de personagens, que ficou muito aquém do que poderia ser entregue. O filme é repleto dos maiores clichês que já conhecemos - como o fato de nos trazer o velho aposentado, cansado, que por conta de uma história que ficou mal resolvida no passado tem que voltar para resolver tudo. Aquele velho clichê do herói/mentor que conhece o seu pupilo ao defendê-lo de uma gangue em um beco da cidade. Acredito que uma das principais falhas do longa é justamente não ter brilho próprio, não ter um algo a mais, em um mercado já supersaturado pela mídia de Super-heróis. O filme não se destaca pelo seu conto de moralidade, não se destaca por suas cenas de ação e não tem nada de novo a dizer sobre o velho conflito do bem contra o mal no centro de qualquer história de Super-herói - é apenas o mais do mesmo.
Por outro lado, eu estava justamente procurando uma produção para me entreter, para passar o meu tempo, aquela típica Sessão da Tarde despretensiosa, descompromissada, onde o meu único intuito era exatamente a diversão. E nesse quesito "Samaritano" funciona direitinho, pois o centro das minhas atenções estavam justamente em poder acompanhar um novo filme do tio Stallone e, definitivamente, vê-lo em cena trocando socos e pontapés com toda a sua idade, me fez esquecer (ou pouco se importar) com toda falha do filme.
Mesmo com todas as falhas, eu gostei da introdução do filme, ao começar com a história sendo narrada e nos apresentada em forma de HQ, o que já nos introduz diretamente em um universo de Super-heróis - uma grande sacada. Gostei da ambientação do filme, e principalmente pela Granite City me remeter diretamente para Gotham City, expondo aquele estilo mais dark, mais chuvoso, mais gótico - outro acerto.
O elenco é muito fraco, bem genérico, salva-se o Stallone (é óbvio). Tio Stallone faz o que sabe de melhor, e em questões de ação ele sempre reinou e sempre reinará - o último grande ator em filmes de ação. Obviamente, ao assistir "Samaritano" você não vai esperar uma obra-prima ou um clássico do tio Stallone no estilo do que ele já entregou lá atrás. Vale mencionar o jovem ator Javon Walton (da série "Euphoria"). Um jovem com apenas 16 anos que com certeza deve ter tido uma imensa honra ao contracenar com um dos monstros da história do cinema - verdadeiramente um grande aprendizado.
Portanto, "Samaritano" funciona apenas como fonte de saudosismo, por conter uma grande dose de nostalgia ao rever um ícone, uma lenda viva do cinema de volta ao posto que o consagrou. [17/09/2022]
Taxi Driver
4.2 2,6K Assista AgoraTaxi Driver
Lançado em 1976, "Taxi Driver" foi dirigido por Martin Scorsese, escrito por Paul Schrader (roteirista em Touro Indomável) e estrelado por Robert De Niro, Jodie Foster, Cybill Shepherd, Harvey Keitel, Peter Boyle, Leonard Harris e Albert Brooks. Situado em uma Nova York decadente e moralmente falida após a Guerra do Vietnã, o filme segue Travis Bickle (De Niro), um veterano que trabalha como motorista de táxi à noite pela cidade.
O gênio da sétima arte (Martin Scorsese) se estabeleceu como um dos grandes diretores de cinema dos Estados Unidos ao longo dos anos 70, justamente por entregar obras de grande profundidade nos temas, com histórias bastante interessantes e abrangentes sobre a violência urbana, e seus personagens carregado com bastante complexidade e perturbações diversas. Exatamente o que encontramos em sua obra-prima - "Taxi Driver". O longa de Scorsese ficou marcado como um dos seus primeiros trabalhos a ser notavelmente bem reconhecido, alcançando um grande sucesso tanto comercial quanto crítico.
Temos aqui uma verdadeira aula de abordagem sobre as várias camadas de um ser humano, ou da vida desse ser humano. O longa de Scorsese é seco, é cru, é cinza, é pesado, é intragável, nos dá a nítida impressão que o ser humano é movido pela emoção, pelas circunstâncias e pelas pessoas em sua volta. Scorsese nos mergulha em uma Nova York corroída pelo o crime, pela insegurança e principalmente pela violência ao final dos anos 70. Este é o cenário completamente decadente em que conhecemos Travis Bickle. Um jovem de 26 anos que recentemente foi dispensado do Corpo de Fuzileiros Navais após a Guerra do Vietnã. Travis é um desajustado social, um taxista solitário que vive em um estado mental deteriorado, que vive cercado pela alienação, solidão, raiva e violência urbana. Travis passa a se incomodar com a violência, com o declínio moral ao seu redor, com toda a escória que contamina aquela cidade. Esta é toda a magia da obra de Scorsese, a forma como vamos observando a mudança comportamental de Travis, que passa de um mero taxista que sofre de insônia para uma espécie de justiceiro, de herói, na verdade um anti-herói.
O roteiro de "Taxi Driver" é completamente impecável, pois o roteirista Paul Schrader teve a grande sacada em se basear em suas experiências pessoais, numa época em que ele andava insone pelas ruas de Nova York, frequentando cinemas pornôs e andando de táxi - e olha que esse roteiro foi escrito em apenas dez dias. O longa ainda traz uma narrativa clássica, uma forma de desenvolver toda a história em uma trama linear, que nos é mostrada sobre a perspectiva de um conto urbano sobre decadência e insanidade, ou seja, toda a história é mostrada a partir do olhar solitário do taxista, que é centrada em seus embates e seus conflitos, que reside o impacto dramático da narrativa - sensacional!
Um dos grandes pontos bem desenvolvidos pelo Scorsese está exatamente na forma em que observamos a postura de Travis em seu dia a dia, pois ele era uma pessoa extremamente silenciosa e monossilábica na presença dos colegas de trabalho ou estranhos. O que só corrobora com a sua postura antissocial ao explicitar um discurso bastante ácido, verborrágico, preconceituoso, moralista e cheio de desprezo pelas pessoas que ele se depara nas ruas. Como na cena em que nos deparamos com o seu discurso: "Todos os animais saem à noite - prostitutas, depravados, pederastas, drag queens, michês, drogados, viciados, doentes e mercenários. Um dia uma chuva de verdade virá e lavará toda essa escória para fora da rua." Logo de cara já compreendemos o porque da condição solitária em que vive Travis Bickle.
Em "Taxi Driver", Scorsese faz uma releitura da sociedade americana dos anos 70, e não somente a sociedade, mas também o cinema norte-americano, que por sua vez havia abandonado de vez a leveza das décadas anteriores e passou a abordar temas mais sérios do cotidiano americano - como violência, drogas, sexo, caos urbano, solidão e política. A obra de Scorsese ilustrou com muita veracidade todo movimento vivido pela sociedade americana nos anos 70, ou seja explicitando os problemas que era enfrentado, a dificuldade de inserção na sociedade, mostrando as partes da periferia de Manhattan, que corroborava diretamente para as regiões mais pobres de Nova York, que eram marcadas pelo desemprego, violência urbana, prostituição infantil e drogas. Definitivamente o cinema dos anos 70 passou a ser mais sombrio e mais pesado.
O elenco de "Taxi Driver" é absurdamente genial em todos os quesitos!
Temos aqui o segundo filme daquela que viria a se tornar uma das maiores parcerias da história dos cinema - Robert De Niro e Martin Scorsese. De Niro (adoro ele em O Lado Bom da Vida) está incrível, está impecável, ele trabalhou durante 12 horas como motorista de Táxi ao longo de um mês, como preparação para seu personagem, além de ter estudado sobre doenças mentais. Uma escolha mais do que perfeita para viver um dos seus personagens mais marcantes de sua carreira. E olha que inicialmente o personagem de Travis Bickle foi oferecido ao Dustin Hoffman, porém o ator recusou a proposta porque achou que Scorsese "estava maluco". E não é que o Scorsese estava mesmo, e ainda teve a contribuição do De Niro, que estava ainda mais maluco. E toda essa maluquice resultou nessa obra de arte e na indicação de De Niro ao Oscar.
A jovem Jodie Foster (a lendária Clarice Starling de O Silêncio dos Inocentes) estava com apenas 13 anos durante as filmagens, por isso ela não podia participar de cenas muito fortes. Sua irmã, Connie Foster, na época com 19 anos de idade, foi contratada para trabalhar como dublê de corpo. Fico pensando em como o cinema naquela época era realmente em outros tempos, pois imagina como seria hoje em dia a escalação da Jodie Foster, entre 12 e 13 anos, no papel de um prostituta infantil. Ou seja, escalar praticamente uma criança para fazer o papel de uma prostituta. Me lembra o caso da Kirsten Dunst com apenas 12 anos na época do "Entrevista com o Vampiro", onde ela tem aquela cena icônica do beijo. Porém, a jovem Jodie Foster deu um show, um espetáculo, uma atuação muito segura, verossímil, com uma performance que parecia que ela já tinha uma vasta experiência na arte de atuar, o que só comprovou com a belíssima atriz que ela se tornou. Muito bem reconhecida com a nomeação á Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar de 1977.
Harvey Keitel (O Irlandês, também do Scorsese ) também foi outro parceiro de longa data de Scorsese. Keitel traz a personificação do cafetão ambicioso, inescrupuloso, doentio, que fazia juras de amor para Iris (Jodie Foster), quando tudo não passava de uma farsa só para tê-la junto de si lhe servindo. Bela atuação de Harvey Keitel. Completando o elenco com Cybill Shepherd (Simplesmente Alice, de 1990, de Woody Allen). Betsy era a crush (kkk) de Travis, que logo em seu primeiro encontro passou por uma situação bastante constrangedora (e hilária, eu diria). Uma atuação ok de Cybill Shepherd, nada memorável, mas ok, compôs bem a sua personagem (destaque para a sua última cena com Travis no Táxi).
Scorsese emprega uma habilidade gigantesca por trás das câmeras, cuja maestria estava justamente em nos aproximar de cada personagem com o poder de cada foco, de cada take. E não é somente por trás das câmeras, mas também atuando como o passageiro do Táxi de Travis que flagra a esposa na janela - aquela cena icônica. A fotografia do longa é bem diversificada, o que nos dava a exata dimensão do que estava sendo proposto em cada cena unicamente pela fotografia. A direção de arte é absurdamente perfeita com a época em que o longa foi rodado, pois éramos confrontados com cenários, carros, roupas, iluminações, tudo rigorosamente bem arquitetado no padrão dos anos 70.
A trilha sonora é completamente estupenda! Uma trilha sonora forte, potente, que se alternava entre a melancolia do jazz e a força dos sons mais fortes e mais avassaladores para nos sugerir a potência de toda aquela violência urbana, que se escondia por trás da solidão e das fantasias. A trilha sonora foi criada pelo gênio Bernard Herrmann (compositor em obras como Cidadão Kane de 1941, Um Corpo que Cai de 1958, e foi o eterno criador da marcante trilha sonora de Psicose – 1960). O lendário compositor Bernard Herrmann morreu na véspera do Natal de 1975, poucas horas após concluir a trilha sonora de "Taxi Driver". Trilha essa que ficou marcada e eternizada como a sua partitura final e sua última obra-prima, e que foi dignamente reconhecida com a nomeação ao Oscar.
Uma curiosidade insana: Travis Bickle estava tramando contra um candidato à presidência dos EUA, que afirmava ser uma nova representação do povo americano. Enquanto também tramava a vingança e a salvação da pequena Iris, que pra isso teria que limpar toda aquela sujeira e toda aquela escória que se alastrava na cidade. Partindo desse mesmo estado de espírito apresentado no filme que, infelizmente, inspirou a tentativa de assassinato na vida real de John Hinckley Jr. contra o presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 30 de março de 1981. Na verdade, Hinckley realizou o atentado com o objetivo de impressionar a atriz Jodie Foster - bizarro e doentio!
Scorsese ficou marcado por sempre nos entregar finais ambíguos em suas obras, que nos obrigava a tirar às nossas próprias conclusões, fazer às nossas próprias interpretações, e aqui não é diferente em relação ao final da história de Travis Bickle.
Existe uma eterna discursão em torno do final de Travis. Acredito que ele conseguiu todo o seu heroísmo ao libertar a pequena Iris, ou seja, ele realmente acreditava que suas ações serviriam para um propósito maior. E a cena final é exatamente o Travis se reencontrando com a Betsy em seu Táxi. Cena essa que ficou marcada pela notícia do heroísmo de Travis chegando até Betsy, onde ela mesmo expressa uma admiração por ele (ao invés de repudia, como ela sempre fazia). Porém, dessa vez é ele que a deixa sozinha e vai embora com seu Táxi.
É exatamente nesse ponto da trama que se estabelece a eterna discursão do final de "Taxi Driver". Esta cena do Táxi ao final seria apenas imaginária? Seria apenas uma ilusão? Seria apenas uma fantasia? Realmente Travis sobreviveu ao tiroteio? Além de ter levado um tiro no pescoço. Ou seria algo da sua imaginação em estado de agonia antes de morrer? Eu realmente acredito que Scorsese quis dar um final ambíguo para a sua obra, para levantar mesmo várias discursões. De fato, Travis pode ser visto como uma espécie de figura sagrada por tudo que fez e ainda vive, ou pode ser visto como um assassino profano que realmente morreu e está preso no inferno. Já eu realmente acredito que de fato o Travis morreu no sofá logo após a cena do tiroteio, e que toda aquela cena do Táxi existiu apenas em seu imaginário (ou no nosso), como uma ilusão, algo fantasioso de sua mente corrompida e já danificada.
"Taxi Driver" permaneceu extremamente popular; um dos mais culturalmente significativos e inspiradores de seu tempo. Em 2012, a Sight & Sound (uma revista de cinema britânica de publicação mensal) o nomeou o 31º melhor filme de todos os tempos em sua pesquisa decenal de críticos, o classificando como uma espécie de "O Poderoso Chefão Parte II", e o quinto maior filme de todos os tempos na pesquisa de seus diretores.
O longa de Scorsese ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1976, e quatro indicações ao Oscar de 1977, incluindo Melhor Filme (perdendo para o eterno Rocky), Melhor Ator (para Robert De Niro) e Melhor Atriz Coadjuvante (para Jodie Foster).
"Taxi Driver" realmente é um marco no cinema e na carreira cinematográfica de Scorsese, que queria que seu filme parecesse um sonho para o público. A obra de Scorsese é bastante influente e traz uma grande representatividade de sua época e de como as histórias eram feitas.
"Taxi Driver" é aquela obra de arte categórica que expõe todos os limites alcançados pela uma mente humana doentia e deturpada. Uma excelente obra-prima marcante, influente, icônica, lendária e clássica. [15/09/2022]
Loki (1ª Temporada)
4.0 490 Assista AgoraLoki (1ª Temporada)
"Loki" é uma série criada por Michael Waldron (roteirista de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura) diretamente para a plataforma de streaming Disney+, e teve a sua estreia em 09 de Junho de 2021. Michael Waldron é o roteirista principal e Kate Herron (diretora da série Daybreak) é a diretora responsável pela primeira temporada.
A série se passa após os eventos de "Vingadores: Ultimato" (2019), em que uma versão alternativa de Loki (Tom Hiddleston) criou uma nova linha do tempo para conseguir roubar o Tesseract dos Vingadores durante a missão de recuperar as Joias do Infinito.
Realmente a Marvel tem o dom de sempre nos surpreender. Digo isso pelo fato de pensar que talvez o personagem Loki nunca ganhasse o seu filme solo, e não é por falta de potencial, pois isso o personagem tem de sobra, mas acredito que a Marvel de fato não investiria em um projeto desse personagem. Com a nova ideia do MCU em apostar nas séries, Loki foi um dos personagens que ganhou a sua própria série, para nos contar um outro lado da sua história.
Confesso que às vezes eu me perco nas linhas de raciocínio de cada história do Loki, pois aqui a série começa com a versão do Loki que foi derrotado e capturado ao final de "Os Vingadores"(2012), e não aquela versão que morreu com o Thanos quebrando o seu pescoço em "Guerra Infinita" (2018). Embora seja conhecido por "morrer e voltar", a versão do personagem que enfrentou Thanos continua morta, ao que tudo indica, pois o próprio Thanos ironiza nessa cena dizendo que não haverão ressurreições dessa vez. De fato essa realmente foi uma morte real, mas felizmente, não significou o fim do personagem.
Loki sempre foi considerado um dos melhores vilões no Universo Cinematográfico do MCU, principalmente por sempre se exibir como um personagem arrogante, pretensioso e ambicioso. Loki é um Anti-herói, o Príncipe da Maldade, o Deus da Mentira e que possui um grande poder. Ele sempre funcionou sendo uma força caótica, que não precisa ser humanizado nem muito menos ter suas ações justificadas - exatamente o Loki que conhecemos em "Vingadores 1". Aqui a série traz um possível arco de redenção do personagem, que abre espaço justamente para falar sobre identidade, pertencimento e expandir o Universo Cinematográfico Marvel - que eu achei uma boa sacada.
De fato, "Loki" me agradou bastante, pois aqui temos a presença de personagens que eu desconhecia e que ficou muito bem inserido na série. Como no caso da variante (ou versão feminina) do Loki, a Sylvie, muito bem interpretada pela ótima atriz Sophia Di Martino (da série Flowers). Sylvie é uma variante do Loki que está atacando a "Linha do Tempo Sagrada" e tem poderes de encantamento. Ela própria não se considera uma Loki, usando o nome "Sylvie" apenas como pseudônimo. Sophia Di Martino me surpreendeu em todas as cenas, pois ela se destacou e se desenvolveu de uma forma tão avassaladora dentro da série, ao ponto de em certos momentos dividir ou até tomar o protagonismo de Tom Hiddleston. Uma ótima atriz que teve bastante liberdade para criar e desenvolver a sua personagem - torço muito para que ela retorne na série.
Outro personagem muito bom foi o Mobius - interpretado pelo também ótimo Owen Wilson (eternizado nos filmes Bater ou Correr e Marley & Eu). Mobius é um agente da AVT (Autoridade de Variância Temporal) que se especializou na investigação de criminosos do tempo particularmente perigosos. Mobius é uma espécie de detetive durão que nem sequer identificou o próprio Loki como uma variante. A ideia de Mobius era recrutar (a princípio) o Loki para o ajudar a encontrar uma outra variante Loki que estava escondida para eliminá-la. Essa variante obviamente acabou sendo a Sylvie, porém, Loki e Mobius acabaram criando uma espécie de elo de amizade. Owen Wilson está muito bem na série, entrega um personagem bastante importante e muito funcional, principalmente naquele embate de ideias e diálogos entre Mobius e Loki.
Gugu Mbatha-Raw (A Bela e a Fera versão 2017) é a personagem Ravonna Renslayer. Uma ex-caçadora da AVT que subiu na hierarquia para se tornar uma espécie de juíza (ou algo do tipo); ela supervisiona a investigação da variante do Loki. Gugu Mbatha-Raw faz uma personagem muito interessante, principalmente depois que ela ganha mais relevância na série.
Tom Hiddleston e Loki já é um casamento que deu certo há muitos anos, e aqui isso só se comprova cada vez mais. Aqui temos uma versão alternativa, a "variante do tempo" de Loki, que criou uma nova linha do tempo em "Vingadores: Ultimato" começando em "Vingadores 1". Dessa vez eu vejo um Tom Hiddleston mais solto, mais leve no personagem, com uma liberdade para criar e desenvolver o seu personagem ainda maior.
Diferentemente de "WandaVision" e "Falcão e o Soldado Invernal", que são minisséries, onde obviamente tem um começo um meio e um fim. "Loki" é uma série, onde tem um começo, um desenvolvimento, mas necessariamente não tem um fim nessa temporada. Dessa forma eu vejo que a série tem um baita potencial para uma segunda temporada, pois temos muitas coisas em aberto, temos certos desenvolvimentos de personagens que ficaram em aberto (ou foi interrompido). E a série acaba de anunciar a janela de lançamento da sua 2ª temporada durante a San Diego Comic-Con 2022. Segundo o presidente do estúdio, Kevin Feige, a série deve retornar no verão de 2023 nos Estados Unidos, o que significa segundo semestre aqui no Brasil.
"Loki" tem uma ótima direção da Kate Herron, onde ela utiliza muito bem os seus takes mais abertos nas cenas de lutas. A série tem uma fotografia muito bela e se destaca muito bem em diversas localidades. A computação gráfica (CGI) é bastante competente e se sobressai nas cenas de ação, principalmente naquela cena do embate com o monstro de nuvens. As cenas de lutas são boas e estão em um bom nível de coreografia, apesar de não ter nenhuma cena de luta primorosa, de grande destaque, ou épica. A trilha sonora também ganha um grande destaque, principalmente nas aberturas de cada episódio, onde eu acho que a trilha se sobressaia ainda mais.
No mais, "Loki" é mais uma ótima série dentro do Universo do MCU, que se destaca pelas qualidades técnicas e principalmente pela apresentação de novos personagens, que poderão ser muito úteis na segunda temporada da série, e nas produções futuras do Marvel Studios. [11/09/2022]
Cidade de Deus
4.2 1,8K Assista AgoraCidade de Deus
"Cidade de Deus" foi criado a partir de uma adaptação do livro homônimo de Paulo Lins (1997). Com roteiro de Bráulio Mantovani (Tropa de Elite) e direção de Fernando Meirelles (Dois Papas) e Kátia Lund (Central do Brasil), o filme foi lançado no Brasil em 30 de agosto de 2002.
O longa de Fernando Meireles e Katia Lund, conta a história de 30 anos de império do tráfico de drogas na comunidade localizada na zona oeste do Rio de Janeiro. O filme retrata uma comunidade na qual a violência massacra o dia a dia das famílias e atravessa as relações sociais e familiares.
No último dia 30/08, "Cidade de Deus" completou exatos 20 anos de seu lançamento. Para comemorar esta data tão histórica, decidi assistir (mais uma vez) este que é considerado por muitos (incluindo eu) como o melhor filme da história do cinema nacional.
A 'Cidade de Deus' é o nome de uma favela localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro surgida na década de 1960 para abrigar moradores de favelas removidas da Zona Sul. O então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, transferiu pessoas que viviam às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas para Jacarepaguá.
"Cidade de Deus" já é considerado um clássico do cinema nacional por toda a sua história e toda a sua influência. Um filme cru, seco, pesado, incômodo, verdadeiro, que traz uma representação muito fiel e realista da realidade das comunidades brasileiras que são dominadas pelo tráfico. A trama é construída com base no crime organizado no subúrbio do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1960 e de 1980, e traz uma abordagem da desigualdade social, da violência policial, da repressão e do descaso das autoridades, possibilitando a visibilidade da miséria presente naquele ambiente. Também temos uma releitura do "crime organizado" e a "carreira do tráfico", cuja narrativa acompanha exatamente as mudanças que acontecem na 'Cidade de Deus' e a chegada do crime organizado, especialmente o tráfico de drogas. O filme mostra como o tráfico funcionava, explicando que se tratava de um "negócio" extremamente rentável e aliciante para aqueles indivíduos, e principalmente para as crianças e adolescentes, que eram mais ambiciosos quanto ao crescimento no mundo do tráfico.
O roteiro de "Cidade de Deus" é sem dúvida um dos principais acertos do filme. O enredo cinematográfico também é perfeito, onde temos o desenvolvimento e a apresentação dos personagens que foram estabelecidos na história. Histórias essas que foram narradas pelo aspecto do Buscapé (Alexandre Rodrigues), que vai nos contando as histórias trágicas de vários habitantes da comunidade, seguindo também os seus esforços pessoais para realizar seu sonho: ser fotógrafo. Também temos a história de José Eduardo Barreto Conceição, ou Zé Pequeno (Leandro Firmino), antes conhecido como "Dadinho" (Douglas Silva). O bandido mais perigoso, mais desumano e mais temido do local. Um criminoso carioca da 'Cidade de Deus' entre os anos 70 e 80 que teve a sua história retratada de forma semificcional.
Todo o sucesso estratosférico de "Cidade de Deus" não reside unicamente nos seus aspetos visuais, técnicos e estéticos, mas também na mensagem social que o filme nos transmite, e principalmente por ser tratar de uma produção levado a sério, que exibe uma realidade intrínseca sobre uma violência extrema e sem nenhum pudor nas comunidades brasileiras. O longa remonta uma visão que mostra um Brasil que nem todos conhecem e poucos querem enxergar, literalmente dando a cara a tapa, colocando o dedo na ferida, exibindo a realidade podre dos nossos governantes e principalmente da polícia (como na cena que o Buscapé tira fotos do Zé Pequeno negociando com os policiais).
Toda narrativa de "Cidade de Deus" me remeteu ao clássico do Tarantino - "Pulp Fiction". Exatamente por ter uma essência, uma aura, uma montagem, uma estrutura, uma forma de contar sobre as histórias e os personagens, que por sua vez também tem uma violência extrema e explícita. Há quem diga que tanto o Meirelles quanto a Kátia podem sim terem sido influenciados (ou se inspirado) nessa obra-prima dos anos 90.
Em questões de elenco "Cidade de Deus" é completamente impecável!
Pra mim as duas melhores atuações são sem dúvidas de Douglas Silva e Leandro Firmino. Douglas traz a versão ainda criança de Zé Pequeno - o Dadinho. Uma atuação monumental, gigantesca, bárbara, bizarra, que me faltam palavras para descrever o tamanho da interpretação de Douglas Silva (com uma idade entre 12 e 13 anos). Dadinho era uma criança perturbada mentalmente, que já exibia uma psicopatia e um sadismo (vide aquela cena bizarra que ele mata todo mundo no motel a sangue frio e exibe um sorriso de engrandecimento). Leandro Firmino é o Dadinho - ops - Dadinho é o caralho! Meu nome é Zé Pequeno porra! Uma fala que virou vírgula, virou gíria, influenciou toda uma geração, pois na época todo mundo usava essa fala em todos os grupos de conversas. Leandro Firmino tem uma entrega monumental ao incorporar um dos bandidos mais histórico do Rio de Janeiro, e ele dá um verdadeiro show de atuação do início ao fim da história - um rosto que ficou marcado para sempre na história de "Cidade de Deus".
Alexandre Rodrigues, que deu vida ao sonhador Buscapé, se destaca pela leveza e simplicidade em buscar o seu objetivo, o seu sonho, mesmo que pra isso ele tenha que arriscar diariamente a sua própria vida. Uma grande atuação de Alexandre Rodrigues. Alice Braga (Angélica) está irreconhecível com apenas 18 aninhos. Alice ainda jovem já nos mostrava todo o seu talento na arte de atuar, o que explica totalmente a grande atriz que ela se tornou hoje em dia. Seu Jorge (Mané Galinha) sempre se destacou nas produções nacionais e aqui não seria diferente. Seu Jorge entrega mais uma grande atuação, mais uma interpretação completamente impecável (baita ator). Matheus Nachtergaele (Cenoura) é mais um nome importante dentro do elenco, e ele entrega tudo e mais um pouco, principalmente nos embates com Zé Pequeno.
Ainda tivemos vários nomes do nosso cinema nacional que integraram o elenco de "Cidade de Deus" - como Phellipe Haagensen como Bené. Jonathan Haagensen como Cabeleira. Roberta Rodrigues como Berenice. Darlan Cunha como Filé com Fritas (já matei, já roubei, já cheirei, sou sujeito homem). Babu Santana como o Grande. Mumuzinho como Palito e Gero Camilo como Paraíba.
Tem uma cena que o Zé Pequeno encurrala as crianças e depois usa de uma violência extrema (uma cena pesada e doentia) que nos mostra a força de um elenco desconhecido. Pois grande parte do elenco de "Cidade de Deus" foi escolhido entre garotos que viviam em diversas comunidades e favelas do Rio de Janeiro e que não tinham tido até aquele momento nenhum contato com a arte de atuar.
Meirelles e Kátia trazem um poderoso trabalho de câmeras, nos evidenciando o tamanho das dificuldades que eles enfrentaram ao longo das gravações. Pois a gravação do longa se deu em três fases, a primeira parte do filme - a 'Cidade de Deus' nos anos 60 - foi filmada no conjunto habitacional de Nova Sepetiba, Rio de Janeiro. Embora o tráfico já tivesse chegado ao local, não tinha nenhum traficante tomando conta do lugar, o que possibilitou filmar com facilidade. A fotografia é crua, é seca, é morta, é desconcertante, acredito que essa era a principal finalidade da fotografia, nos elucidar sobre a realidade que estava sendo mostrada. Uma trilha sonora comunicativa, abrangente, contundente, que exemplificava todas as cenas do filme com uma qualidade absurda. O longa possui uma direção de arte inquestionável. Uma ótima cenografia. Uma ótima ambientação. Uma ótima montagem. Uma ótima edição. Tudo feito com muito cuidado, com muito detalhe, que só engrandecia a qualidade técnica da obra.
"Cidade de Deus" é um filme atemporal, influente, um marco na história do cinema nacional. O filme brasileiro que tem o maior impacto internacional - o mais conhecido, o mais lembrado e o mais respeitado mundialmente. Com todo o impacto e o reconhecimento que o longa obteve, seria óbvio que ele recebesse inúmeros prêmios e indicações nos festivais de premiações. O filme teve indicações no Prêmio ABC, no Grande Prêmio do Cinema Brasil, no Festival de Santo Domingo, no Festival do Uruguai, no Festival de Cartagena, no Festival de Marrakech, no Festival de Guadalajara, no Festival de Toronto, no Festival de Havana, no Prêmio Independent Spirit Awards, no BAFTA e no Globo de Ouro. Além, é claro, o Oscar - que nomeou o longa nas categorias Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia.
Apesar do longa não ter recebido a indicação do Oscar para Melhor Filme estrangeiro (que todos esperavam), Meirelles disse: "Ter recebido tamanho reconhecimento da Academia mostrou que o cinema brasileiro não se limita apenas a disputa de Melhor Filme estrangeiro".
"Cidade de Deus" é o segundo filme estrangeiro mais assistido no mundo. De acordo com estudo realizado pela plataforma online Preply, o filme brasileiro está em segundo lugar na lista de filmes estrangeiros mais vistos no mundo, ficando atrás apenas de "Os Intocáveis" (produção francesa de 2011). Em terceiro lugar está o filme francês "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" (2011), seguido pelo japonês "A Viagem de Chihiro" (2001) e o coreano "Parasita" (2019). O longa foi eleito o oitavo melhor filme nacional de todos os tempos segundo a Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Também é o filme mais bem colocado na lista que foi produzido neste milênio. Está classificado em 5.º lugar na lista do Top 10 Melhores Filmes da década de 2000, segundo a lista baseada nas melhores notas do IMDB (que também o classifica como o melhor filme Latino-americano).
Apesar de já ser reconhecido como um dos grandes longas do país, o filme ganhou ainda mais reconhecimento este ano, após a participação do ator Douglas Silva no Big Brother Brasil. Afinal, o filme revelou o artista como o personagem Dadinho.
"Cidade de Deus" é, sem sombra de dúvidas, um marco da indústria audiovisual nacional. Uma verdadeira obra de arte do nosso cinema que fez e faz história mundialmente até hoje. Uma verdadeira obra-prima nacional e internacional. [09/09/2022]
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista AgoraNão! Não Olhe! (Nope)
"Nope" é uma produção neo-ocidental americano escrito, dirigido e co-produzido por Jordan Peele em sua própria produtora - a Monkeypaw Productions, fundada em 2012. O longa é estrelado por Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Michael Wincott e Brandon Perea. No filme, os irmãos cuidadores de cavalos tentam capturar evidências em vídeo de um objeto voador não identificado com a ajuda de um vendedor de tecnologia e um renomado diretor de fotografia.
É inegável que Jordan Peele hoje é considerado um dos diretores roteiristas mais promissores da atual Hollywood. Peele surpreendeu a todos em 2017 com seu filme de estreia - o badalado e impactante "Corra" (que lhe rendeu o Oscar de Roteiro Original). "Corra" é um terror psicológico que aborda diretamente questões como relações inter-raciais, masculinidade negra e racismo velado. Temas esses que atravessam nossas vivências cotidianamente, e nos levam a repensar nossas identidades e subjetividades. Em 2019 o diretor trouxe "Nós", um filme de terror e suspense que nos faz uma reflexão profunda sobre o medo. "Nós" nos surpreende com a impressão de ameaça constante, a certeza de que chegará alguma coisa que não sabemos de onde vem, ou seja, um apelo ao nosso instinto de proteger aquilo que é nosso e ao medo do desconhecido ou daquilo que não compreendemos.
Depois de alguns adiamentos, finalmente "Nope" está entre nós (um triste trocadilho - rsrs).
Jordan Peele é um diretor autêntico, 100% original, que sempre nos impacta com suas obras que visam o ineditismo, o ambíguo, o complexo, e dessa vez ele consegue entregar um longa-metragem que até surpreende em alguns quesitos. "Nope" é um filme especificamente de terror e ficção científica, mas que está completamente inserido no mistério, no horror, pois o longa navega no lúdico, no místico, no imaginário, com uma ambientação sombria, macabra e soturna. Peele traz um thriller oculto, psicodélico, um suspense hitchcockiano que na primeira parte do filme funciona perfeitamente. Realmente a primeira parte do longa é de fato a melhor, pois é nessa hora que Peele emprega um suspense extremamente funcional, nos deixando completamente intrigado com cada acontecimento que ia se desenvolvendo. É nessa parte que Peele brinca com o nosso imaginário, mexe com o nosso psicológico, pois nada está sendo revelado, tudo está oculto, sombrio, misterioso, uma sacada genial.
Em "Nope" temos um Jordan Peele ainda mais engenhoso e mais audacioso referente à tudo que ele quer nos passar. Peele dosa muito bem o suspense, o terror, o mistério e o cômico. Temos um terror engenhoso, com uma construção complexa dos mistérios do início ao fim, no caso, objetos misteriosos no céu e a ameaça de animais na terra. Temos um Peele sempre autêntico e com um universo visual original, que se revela de uma forma inesperada e abrupta ao longo da história, pois aqui somos apresentados para uma criatura grotesca. Eu diria que Peele utiliza um "vilão" mais estranho que eu já vi no cinema nos últimos anos.
Como Jordan Peele veio do humor, seria óbvio que em sua nova obra também estivesse inserido o alívio cômico. E aqui o filme pede um certo alívio cômico, que por sua vez é bem feito, bem dosado, bem interpretado, entrando sempre nas horas certas e não soando como forçado ou fora de timing. Peele também ficou marcado por sempre trazer referências e alusões à crítica social e metáfora social em seus filmes anteriores. Em "Corra" às críticas sociais referente ao racismo estão muito mais afloradas e contundentes. Em "Nós" o diretor não mergulha diretamente no tema mas a abordagem sempre está presente. Já em "Nope", a metáfora social existe, principalmente sobre o racismo, sobre a existência e a abordagem em relação ao caubói negro (como vimos na cena que OJ está nos bastidores da gravação com seu cavalo). Porém, aqui não há paralelos tão óbvios e tão explícitos - o que não é um defeito do filme, mas uma diferença em relação aos anteriores.
Peele não deixa de lado às críticas ácidas e satíricas em relação ao imperialismo velado americano (como ele sempre fez em seus filmes anteriores), principalmente sobre a influência no âmbito cultural, econômico, do entretenimento e político que esse país exerce no mundo hoje em dia. Temos menções sobre o programa da Oprah (que é citado diversas vezes ao longo da trama). O longa ainda exemplifica uma crítica ácida e contundente sobre o TMZ (Thirty-mile zone), que é um dos maiores sites americanos de entretenimento, e claro, também é um dos maiores programas de fofocas dos EUA - como vimos na cena do motoqueiro, que aconteça o que acontecer, o seu maior objetivo será sempre o entretimento a qualquer custo, mesmo que pra isso ele tenha que por em risco a própria vida em prol de uma foto do acontecimento.
Como já destaquei anteriormente, a primeira hora do filme é muito boa (antes da revelação fictícia), justamente por mexer diretamente com o nosso imaginário e o nosso psicológico, pois o mistério e o desconhecido nos fascina facilmente. Porém, a segunda hora é exatamente aonde o longa de Jordan Peele cai de produção, dar uma escorregada, peca por deixar de lado o lúdico, o místico, o suspense, e mergulhar de cabeça no espalhafatoso, no extravagante, no excêntrico, mesmo sendo essa a proposta ficcional desde o início. Peele também ficou marcado por sempre nos trazer uma trama inteligente, instigante, complexa, que te faz pensar naquela sacada por meses (exatamente a minha sensação ao término do filme). Porém, aqui ele constrói tantas tantas ligações, ele amarra tantas ideias que, depois da resolução final, o apelo fica perdido, fica pouco conclusivo.
Astro e protagonista do primeiro filme de Jordan Peele, Daniel Kaluuya (ganhador do Oscar por "Judas e o Messias Negro") está de volta. Aqui Daniel traz uma interpretação moldada no introspectivo, no misterioso, pois o OJ tinha um semblante misterioso, fechado, pensativo, sisudo, daqueles que sempre pensava muito antes de agir. Ótima atuação de Daniel Kaluuya, pois ele entrega um personagem na medida propícia que o roteiro precisa.
Keke Palmer (As Golpistas) é a melhor escolha de Jordan Peele, pois ela é uma atriz incrível, tem um timing para o humor incrível, consegue navegar do suspense para a comédia em questões de segundos. Palmer incorpora a melhor personagem de todo o filme, a cowgirl que anda de moto e não a cavalo, sendo a principal responsável em suavizar a trama nos momentos mais tensos. Inquestionável, impecável, perfeita do início ao fim. Realmente o Jordan Peele trouxe uma direção afiada e vibrante de atores, pois os protagonistas Daniel Kaluuya e Keke Palmer têm uma química e uma empatia imediata, e compartilham com os espectadores os sustos e risadas com as cenas absurdas (uma verdadeira diversão em um filme de suspense e terror).
Temos Steven Yeun (indicado ao Oscar por Minari). Um ex-ator mirim que passou pelo trauma do ataque de um macaco assassino em um set de filmagem e depois virou dono de um parque de diversões vizinho ao rancho dos Haywood, que também foi afetado pelo mistério no céu. Acredito que o roteiro de Jordan Peele não favoreceu o desenvolvimento do personagem Ricky Park, pois fica claro que ele sofre da falta de dinamismo, de desenvolvimento e de aprofundamento, sendo que a sua história em especial fica sobrando, fica devendo. Ainda tivemos o vendedor de eletrônicos Angel Torres (Brandon Perea, da série The OA), que se junta aos irmãos na busca incansável pelas explicações. Brandon traz um bom alívio cômico, se tornando funcional em algumas partes. E completando com o fotógrafo de cinema Antlers Holst (Michael Winicott, de O Escafandro e a Borboleta), uma espécie de representação da parte mais séria do filme de autor, que reflete e conversa diretamente sobre o próprio audiovisual e a cultura pop (mais um acerto do Peele).
Jordan Peele nos entrega um terror engenhoso, com um suspense ambicioso e uma trama conclusiva com uma ficção mirabolante e excêntrica. Se nos trabalhos anteriores Peele trouxe um mistério que era era escondido e subterrâneo, em "Nope" ele exibe um medo que está aberto e visível no céu. Definitivamente Jordan Peele é um megalomaníaco, que exibe uma valorização excessiva em suas obras, que expressa um excesso de ambição em seus roteiros, mas por outro lado ele também soa como intimista, que prioriza a expressão dos seus sentimentos mais íntimos, que age de maneira natural e espontânea (no final eu acho que ele é louco mesmo - rsrs).
"Nope" é uma verdadeira mistura de terror com ficção científica, mas com um boa pitada de western, aquele estilo mais faroeste com uma fotografia dos anos 70 (assistindo no cinema o filme fica muito mais imersivo). O que não deixa de ser vendido como um produto pop e em até certo ponto sendo encarado como um blockbuster moderno, pois os filmes do Jordan Peele já atingiram uma exposição cultural que atinge diretamente uma grande popularidade atual.
O mais novo trabalho do Jordan Peele é um bom filme, acerta na primeira hora e peca na segunda. Porém, eu ainda vou na contramão do seu público alvo, ainda prefiro "Nós", que pra mim é o melhor filme do Jordan Peele. [03/09/2022]
O Iluminado
4.3 4,0K Assista AgoraO Iluminado (The Shining)
"O Iluminado" foi lançado em 1980, produzido e dirigido por Stanley Kubrick e co-escrito com a romancista americana Diane Johnson. O longa é baseado na obra de arte literária de Stephen King de 1977.
Jack Torrance (Jack Nicholson) é um aspirante a escritor e alcoólatra em recuperação, que se torna caseiro de inverno do isolado Hotel Overlook, nas Montanhas Rochosas do Colorado, na esperança de curar seu bloqueio de escritor. Ele se instala com a esposa Wendy (Shelley Duvall) e o filho Danny (Danny Lloyd), que é dotado de habilidades psíquicas e atormentado por premonições. Jack não consegue escrever e as visões de Danny se tornam mais perturbadoras. O escritor descobre os segredos sombrios do hotel e começa a se transformar em um maníaco homicida, aterrorizando sua família.
Acabo de ler uma das maiores obras literárias da história, a obra-prima de Stephen King - 'O Iluminado'. Nunca tinha lido nada com essa proporção, com uma história tão avassaladora e tão perturbadora. 'O Iluminado' é simplesmente uma viagem ao subconsciente, uma viagem para uma outra dimensão, você sai fora de órbita ao ler cada capítulo da história criada pelo mestre King. Verdadeiramente uma obra-prima da literatura, e uma das melhores obras de arte de Stephen King.
O início dos anos 80 no cinema foi marcado pela obra que trouxe três monstros, três lendas, três personalidades completamente geniais e influentes em suas respectivas áreas - Stephen King, Jack Nicholson e Stanley Kubrick. King é simplesmente o gênio da literatura, o autor de mais de 50 livros best-sellers no mundo, o Grão-Mestre dos escritores de mistério dos EUA. Nicholson é verdadeiramente um ícone da sétima arte e um dos maiores atores de todos os tempos. O mestre Kubrick facilmente é um dos maiores cineastas que já passou por esta terra.
Certamente "O Iluminado" é um dos maiores suspense/terror de todos os tempos. Um thriller misterioso, emblemático, contundente, soturno, intrigante, niilista, que nos conquista pelo seu charme trashístico oitentista e nos imergi em um horror sobrenatural e maquiavélico. Kubrick emprega um um terror psicológico que carrega algumas teorias, algumas alegorias, algumas metáforas sobre o problema psicológico de Jack, que tendo que lidar com o alcoolismo e o isolamento, não consegue se aproximar da família e tampouco realizar o sonho de ser escritor, sendo assim, sucumbe a um estado mental e espiritual atormentado, chegando à uma completa loucura. Kubrick traz uma verdadeira aula de psicanálise, um estudo da mente humana, uma análise do surto psicótico, nos exemplificando sobre a confusão mental, a perda da sanidade, a perda do equilíbrio emocional, delírios, alucinações, catatonia, alteração de humor, perda da noção de tempo. Realmente o Jack não conseguia escapar do labirinto psicológico que se tornou a sua mente perturbada.
Temos aqui uma releitura aprofundada sobre a 'febre de cabine' (Cabin Fever). Jack estava completamente mergulhado em um estado de irritabilidade, tédio, inquietação, perturbação, confusão, por passar muito tempo isolado (confinado) dentro do hotel. Jack estava sofrendo uma reação claustrofóbica, caracterizada por anormalidades comportamentais, exatamente como aconteceu com o zelador da outra família no verão passado.
Acredito que Kubrick quis dar uma cutucada no Stephen King ao abordar uma cena em que Jack aparece no bar do hotel bebendo na presença de um fantasma (ou algo sobrenatural do seu subconsciente), pois os primeiros anos da carreira de King foram turbulentos, marcados por vício em álcool, cocaína e tragédias. Podemos considerar que toda a premissa é uma alegoria ao momento que King passava: o autor temia o descontrole quando estivesse bêbado ou drogado, acreditando que podia acabar machucando sua esposa ou filho (exatamente como foi abordado com os personagens no filme e no livro). Definitivamente 'O Iluminado' é uma história muito pessoal para Stephen King.
Dentro desse contexto temos o eterno descontentamento de Stephen King em relação à adaptação feita por Kubrick. King não gostou da obra do Kubrick, foi contra a escalação de Jack Nicholson, e nunca escondeu o seu desgosto com o filme. King afirmou que o cineasta modificou a história para criar uma aura de suspense muito eficiente, mas que o desagradou profundamente. Dentre os maiores incômodos estão a figura de Jack Torrance que, segundo o autor, é visivelmente insano desde o início, e a mudança na conclusão da trama. King descreve a versão de Kubrick como um “carro de luxo sem motor”, com muita estética e pouco conteúdo. Na visão de King, "O Iluminado" sofre com a ausência do dinamismo e humanidade presentes no livro, sendo que o filme é, em comparação, bastante cínico e niilista, pois o longa de Kubrick não tem compaixão por seus personagens, o que é comprovado pelo final diferente de Jack.
A resposta de King veio em 1997, quando fez questão de assinar o roteiro da minissérie para a TV baseada no livro. Em 2013, o autor lançou 'Doutor Sono', que continua a história de Danny Torrance e também possui uma adaptação cinematográfica lançada em 2019.
Eu entendo perfeitamente o descontentamento do Stephen King em relação ao longa do Kubrick. Realmente a figura do Jack no livro inicialmente não passa essa visão de perturbado e insano, ele vai desenvolvendo e adquirindo com o passar do tempo e do isolamento no hotel. Sobre a conclusão da trama: realmente é a parte que é totalmente modificada em relação ao livro, pois aqui Kubrick imprimiu a sua visão, a sua forma de pensar um novo final para a história. Na minha opinião: o filme inteiro é baseado/inspirado na obra do King, ok, mas não é 100% fiel ao livro, e nem poderia, pois facilmente identificamos uma liberdade criativa e poética por parte do Kubrick. Pra mim, "O Iluminado" tem muitas coisas que se adéquam ao livro mas também tem muitas coisas que diferem do livro (este é o ponto alto da discursão), a maior delas é sem dúvida o final. Portanto, "O Iluminado" é uma obra-prima pela visão do Kubrick, impondo a sua liberdade criativa e a sua peculiaridade em relação à obra de Stephen King. No final o que temos são duas belíssimas obras-primas - uma pela versão imposta pelo Kubrick, e a outra pela genialidade criada por King. São mídias diferentemente grandiosas e expressivas, que marcaram uma época e uma geração, e que são lembradas, cultuadas e respeitadas até hoje.
Aqui eu trago um comparativo em relação à obra do Kubrick e à obra do King.
No livro o Dick Hallorann não morre, ele é apenas atacado por Jack quando chega no hotel mas consegue sobreviver, tanto que o final do livro é uma cena emblemática com Hallorann, Wendy e Danny sentados na ponta do ancoradouro sob o sol da tarde (uma espécie de uma nova família para Danny, talvez até com um padrasto também Iluminado). No livro Jack não usa um machado e sim o taco que no filme a Wendy o ataca (Kubrick quis dar um ar mais possuído e demoníaco com o uso de um machado). No livro Jack quase mata a Wendy de pancadas com o taco, enquanto na luta ela consegue cravar a faca em suas costelas e fugir. No filme o Jack nunca encostou na Wendy. No final do livro o Jack morre na explosão do hotel causado pela caldeira, e não congelado como no filme. Acredito que se deva a isso às principais revoltas de King em relação ao longa de Kubrick.
Eu adoro a versão do final do Kubrick, acho que encaixou perfeitamente com toda a proposta que ele criou com seu filme desde o início, que era justamente um thriller mais assustador, mais perturbador e, consequentemente, com mais suspense. Mas vou confessar que ainda prefiro o final do livro, por ser mais abrangente, mais detalhado e mais imersivo com o leitor (principalmente em relação à morte do Jack, que é muito melhor que no filme).
O elenco de "O Iluminado" é monstruosamente perfeito!
Temos um Jack Nicholson completamente no auge da sua carreira e aqui ele entrega um dos seus maiores personagens, uma de suas maiores atuações na vida. O psicopata mais louco e mais demente da história do cinema. Conforme o filme vai decorrendo, a personalidade de Jack cada vez mais vai sendo levada ao limite, vai ficando cada vez mais errática e descontrolada, a sua insanidade e seu alter ego culmina no pai de família tentando matar sua própria esposa e filho. Uma atuação impecável, ímpar, perfeita de Jack Nicholson, mas que exigiu um preparo não muito tradicional. Para entrar no clima certo de frustração e raiva que o personagem pedia, Nicholson se alimentou apenas de sanduíches de queijo por duas semanas, algo que ele sempre odiou desde criança.
Shelley Duvall (a Wendy, que no livro era loira e no filme é morena) está perfeita, magnânima, com uma interpretação muito segura, muito arrojada, muito convincente, muito gostosa, que nos confrontava com uma atuação poética, teatral, singela, primorosa, que me encantou em 100% das suas cenas. Shelley Duvall sofreu muito nas gravações do longa, onde incluíram ataques de fúria de Kubrick e inúmeros takes da mesma cena com ela até que se aplacasse o desejo pela perfeição do diretor (Kubrick chegou a rodar uma mesma cena com a atriz 127 vezes). Como resultado dos constantes maus tratos do diretor, a atriz teve várias crises nervosas, que resultaram em exaustão física e mental, doenças e até em perda de cabelo. A atriz disse que ficou muito feliz com o seu resultado final na obra de Kubrick, mas que jamais voltaria a fazer algo parecido. Realmente Stanley Kubrick era um aficionado pela perfeição em suas obras.
Absurdamente incrível a atuação do pequenino Danny Lloyd! O Danny do filme alterava o seu comportamento entre o Danny e o Tony em milésimos de segundos. Quando ele falava sendo a personalidade do Tony ele sequer mexia a boca para sair as palavras - completamente incrível para um garoto com apenas 5 anos. Temos aquela cena emblemática que ele imita uma voz diabólica (no maior estilo O Exorcista) ao proferir constantemente a palavra "REDRUM" - que é a mensagem subliminar mais marcante no filme (e no livro), principalmente quando ele escreve na porta do quarto, que seria "Murder" (assassinato) ao contrário. Kubrick foi extremamente cauteloso sempre que o ator mirim Danny Lloyd entrava em cena. Por ser muito novo, o diretor queria poupar a criança de testemunhar as cenas mais assustadoras sendo feitas, tanto que o pequeno sequer sabia que estava num filme de terror. Danny Lloyd só foi descobrir sobre o que "O Iluminado" se tratava muitos anos depois, e só viu a versão sem cortes do filme aos 17 anos.
Scatman Crothers como o icônico Dick Hallorann está bem, consegue se destacar bem em suas cenas, apesar de ser pouco aproveitado e ter pouco tempo de tela, principalmente pelo seu final, que eu diria ser um tanto quanto curioso e questionável.
A direção do mestre Kubrick é genial, pois realmente ele era um perfeccionista em cena, e sempre nos entregava takes completamente perfeitos e engenhosos. A trilha sonora é completamente estridente, inquietante, perturbadora, tenebrosa, literalmente nos incomodava sempre que ela entrava em um tom mais médio e ia se elevando com os acontecimentos que estavam por vir - a trilha sonora é o coração da obra! A fotografia é outra obra de arte poética, pois era impossível não se impressionar com uma fotografia que contrastava entre às maravilhas luxuosas do Overlook com um ambiente sombrio, soturno e macabro. A direção de arte é impecável, com cenários belíssimos e totalmente inserido dentro dos padrões da época. Por falar em padrões da época, temos figurinos perfeitos e harmoniosos.
Kubrick entregou uma obra completamente influente: pois tenho certeza que o Danny foi uma base de inspiração para vários outros filmes que contava com uma criança que tinha contatos com o sobrenatural, pra citar um - "O Sexto Sentido". A cena em que Danny anda em seu triciclo pelos corredores do hotel claramente me remeteu ao desenho clássico - "O Fantástico Mundo de Bobby" - de 1990.
King se inspirou em sua própria experiência no Stanley Hotel para criar o Overlook. Em 1974, King e sua esposa se hospedaram no local, que fica no meio das Montanhas Rochosas (assim como o Overlook). O Stanley Hotel - localizado em uma propriedade de 1909, na cidade de Estes Park, no Colorado, EUA - conta com 140 quartos, e hoje é ponto turístico para fãs de "O Iluminado", que viajam de lugares do mundo inteiro para ter uma experiência 'real' do filme e do livro (um dia ainda viajarei para lá).
No livro 'O Iluminado' o apartamento onde aconteceu o contato com a mulher na banheira era o de número 217. Atendendo a um pedido do dono do hotel onde "O Iluminado" foi filmado, que temia que as pessoas não alugassem o quarto 217 por causa do filme, o número do apartamento foi alterado para 237, inexistente no hotel em que o filme fora rodado.
Ainda temos aquela cena emblemática e completamente icônica, quando Jack quebra a porta do banheiro com o machado para pegar a Wendy e profere a frase - "Heeeere's Johnny!"
Esta fala foi um total improviso de Jack Nicholson, e trata-se da chamada do programa de auditório 'The Tonight Show Starring Johnny Carson', cuja a famosa fala era de Ed McMahon, que fez muito sucesso em solo americano nos anos 60. Por ser inglês e nunca ter visto o programa, Kubrick por pouco não usou a cena, mas Nicholson o convenceu a deixá-la na versão final. Um slogan macabro que funcionou muito bem.
E como um filme da estrutura, da magnitude e da proporção de "O Iluminado" pode ter sido completamente esnobado pela academia na época? Esta é uma pergunta que nunca existirá respostas, pois se Kubrick não venceu o Oscar por "Dr. Fantástico", "2001: Uma Odisseia no Espaço" e "Laranja Mecânica", não seria por um filme de horror que ele levaria a estatueta, pois a academia sempre teve um total desprezo e preconceito com esta categoria - revoltante!
Sem dúvidas "O Iluminado" é um dois maiores e melhores filmes do gênero de todos os tempos. Certamente é uma das obras mais importante, mais influente e mais respeitada da filmografia do Kubrick. Pra mim entra no top 3 do diretor.
"O Iluminado" é a obra-prima do terror, o épico do suspense e a obra de arte do horror. Ler o livro e assistir ao filme foi uma das melhores coisas que eu já fiz em toda a minha vida.
Dedico essa parte final para a minha amiga de Filmow - Karolinne - que foi a grande responsável em me influenciar a ler o livro. Certamente se não fosse pelo seu belo comentário, eu não teria despertado a vontade de conferir esta obra-prima do Stephen King. Obrigado Karol! Obrigado Stanley Kubrick! Obrigado Stephen King! [01/09/2022]
⭐⭐⭐⭐⭐
Inventando Anna
3.4 174 Assista AgoraInventando Anna (Inventing Anna)
"Inventando Anna" é uma minissérie criada e produzida por Shonda Rhimes (criadora da série Grey's Anatomy), inspirada na história real de Anna Sorokin e no artigo em Nova York intitulado "How Anna Delvey Tricked New York's Party People" de Jessica Pressler (uma jornalista americana e editora colaboradora da revista New York Magazine). A série foi lançada na Netflix em 11 de fevereiro de 2022.
O roteiro segue a jornalista Vivian Kent (Anna Chlumsky) enquanto ela entrevista Anna Delvey (Julia Garner), durante suas idas e vindas ao presídio onde ela estava aguardando julgamento.
A Netflix vive a pior crise da sua história, diariamente vem perdendo milhões de assinantes. Eu vejo muitas pessoas reclamarem que a plataforma não tem nenhuma produção boa, que tudo que a Netflix faz fica ruim, que a plataforma é sinônimo de fracasso. Bem, cada um tem a sua opinião e eu entendo as diversas reclamações, realmente a Netflix tem deixado a desejar e tem pisado feio na bola (posso citar a série Resident Evil como um ótimo exemplo). Porém, a Netflix tem sim produções excelentes, tanto em filmes como em séries. Este ano eu assisti duas excelentes séries originais Netflix - "O Gambito da Rainha" (com a bela e talentosa Anya Taylor-Joy) e "Inventando Anna".
Anna Vadimovna Sorokina, nascida em Domodedovo (uma cidade da Rússia) em 23 de janeiro de 1991.
A história da vida de Anna Sorokina é absurdamente louca!
Anna Sorokina ficou mundialmente conhecida como a impostora russa. Ela mudou-se para Nova York em 2013 e criou a identidade de Anna Delvey, fingindo ser uma rica herdeira alemã. Anna usou um nome fictício, aplicou inúmeros golpes na alta cúpula americana, foi capaz de enganar os membros da classe alta de Nova York a acreditar que ela era uma herdeira alemã com acesso a uma fortuna substancial. Anna foi praticamente uma atriz ao se utilizar de uma faceta fictícia para receber centenas de milhares de dólares em dinheiro, além de bens e serviços enquanto trabalhava para seu objetivo de abrir um clube exclusivo com tema de arte - a sua tão sonhada Fundação Anna Delvey.
Realmente a Netflix fez um trabalho incrível, trouxe uma produção fantástica ao nos mergulhar na história da Anna Delvey. O roteiro da série opta por nos contar a história da Anna em diferentes vertentes, com diferentes pontos de vista. Pois a série já começa nos apresentando as suas duas personagens principais - a jornalista Vivian, que precisa se reafirmar em sua carreira e decide investigar o caso da Anna - e a protagonista da história, Anna Delvey, que está presa aguardando o seu julgamento.
A produção da Netflix foi totalmente assertiva ao nos elucidar sobre o caráter de Anna Delvey. Anna era bizarra, completamente sem noção, uma jovem ambiciosa, inapta, impostora, fraudadora. Uma sociopata, uma narcisista manipuladora, uma jovem totalmente inexperiente de 25 anos que enganou várias pessoas importantes, vários bancos e hotéis luxuosos, roubou o coração do cenário social de Nova York, fez apropriações indébita, tudo isso sem um diploma de faculdade, sem credenciais e sem experiência no ramo além de um estágio.
Como deve ser VIP na vida? De que adianta ter dinheiro se não for pra gastar?
Uma coisa é certa: eu admirei a coragem da Anna, a sua cara de pau, a sua lábia, pois temos que concordar que ela era muito inteligente, persuasiva, conquistadora, convincente, habilidosa, visionária, idealista, astuta, sagaz. Ela tinha uma memória eidética e muita cabeça para os negócios, tinha muita percepção, sabedoria e inteligência para identificar oportunidades e atacar às suas vítimas. Anna era VIP na vida, em todos os locais que ela passava ela era VIP, ela ostentava a sua vida de extremo glamour, ela não tinha dinheiro e mesmo assim gastava horrores, mas como? O último episódio é o ápice da sua loucura, quando ela simplesmente decidi que quer ostentar belas roupas para o julgamento, praticamente uma celebridade. Anna adentra ao tribunal como se estivesse entrando no tapete vermelho do Oscar - bizarro! Ainda temos o Instagram que foi criado para os modelos utilizados por ela em cada sessão do seu julgamento - Incrível, praticamente uma Rihanna!
Outra coisa é certa: Anna era extremamente corajosa, pois uma estrangeira dando golpes nos EUA e na época do Governo Trump (o que era ainda pior).
Julia Garner (das séries Maniac e Ozark) me deixou completamente embasbacado com a sua encarnação de Anna Delvey. Julia foi uma grata surpresa (visto que eu não conhecia os trabalhos da atriz), mas adorei a sua interpretação e sua atuação. Acredito que Julia fez um estudo aprofundado na Anna Delvey, buscando se inteirar dos seus trejeitos, suas expressões, seus gestos, seu modo de agir, falar, andar, se portar, pois é muito perceptível como ela se empenhou e se doou para viver a personagem. Eu vi algumas matérias de TV, fotos, artigos, pesquisas, vídeos jornalísticos, e posso afirmar com convicção que a Julia Garner personificou perfeitamente a verdadeira Anna Delvey, principalmente pela sua aparência e seu rosto, que estava verdadeiramente idêntico. Virei fã dessa atriz!
Anna Chlumsky (da série Veep da HBO) também se destaca positivamente em cena dando vida a jornalista Vivian Kent (personagem que foi inspirado na repórter Jessica Pressler). Anna Chlumsky está bem na personagem, consegue compor todo o seu papel e entrega uma atuação bastante convincente.
Em 2019, Anna Delvey foi condenada entre 4 e 12 anos de prisão por fraude, por várias acusações de tentativa de roubo qualificado, roubo de serviços e furto de propriedade. Após ser encarcerada, Anna conseguiu liberdade condicional em fevereiro de 2021 por apresentar um bom comportamento, o que fez com que a sua pena fosse reduzida.
Toda essa história da Anna Delvey me remete à belíssima série da Hulu/Star Plus - "The Dropout" - protagonizada pela talentosíssima Amanda Seyfried. Uma série que também trata de uma personalidade real que aplicou vários golpes e várias fraudes nos EUA. Porém, apesar de achar as histórias semelhantes, de duas mulheres que fraudaram os EUA só com o poder da palavra e o poder da persuasão, ambas se diferem justamente no quesito da mentira e suas consequências; Anna Delvey aplicou vários golpes e extorquiu pessoas ricas, sem machucar ninguém, já Elizabeth Holmes além das fraudes e mentiras, ela envolveu um caso mais delicado e mais sério, que era justamente a medicina e a saúde da população norte-americana.
Assim como fiz minhas apostas que a série "The Dropout" ganharia indicações nos próximos festivais de premiações, também aposto na série "Inventando Anna". Assim como indicações para a própria Amanda Seyfried e para a Julia Garner.
Agora deixo umas perguntas em aberto:
Há um pouco de Anna Delvey em todos nós? Pois todos nós sempre mentimos um pouco na vida para conseguirmos algo. Anna realmente nunca teve nenhuma fortuna, ou nunca foi uma herdeira rica? Anna foi apenas uma trapaceira em Nova York, ou ela estava apenas tentando o famoso Sonho Americano?
Portanto, eu afirmo com total convicção que "Inventando Anna" é uma das melhores séries da Netflix, e também é uma das melhores séries desse ano (juntamente com "The Dropout" e "Iluminadas"). Volto a afirmar que a Netflix tem sim os seus problemas e está enfrentando uma grande crise, mas isso não quer dizer que todas as suas produções são horríveis, basta ser um pouco inteligente e saber procurar corretamente - fica a dica!
Esta é uma análise totalmente verídica. Exceto pelas partes que foram completamente inventadas.
[27/08/2022]
Dança com Lobos
4.0 495Dança com Lobos (Dances with Wolves)
"Dança com Lobos" foi lançado em1990, estrelado, dirigido e produzido por Kevin Costner (juntamente com Jim Wilson na produção). O longa é uma adaptação cinematográfica do romance de 1988, 'Dances with Wolves', de Michael Blake. Durante a Guerra Civil, o tenente do Exército da União John J. Dunbar (Kevin Costner) pratica uma ato ousado, é considerado herói e viaja para a fronteira americana por sua livre escolha. Lá ele vai servir em um posto militar em um lugar com uma forte predominância do povo Sioux.
"Dança com Lobos" marca a estreia de Kevin Costner na direção. Eu tenho um carinho muito especial por este filme, pois foi com ele que eu aprendi muitas coisas da vida, muitos valores em minha infância/adolescência, foi o primeiro filme que eu assisti para fazer um trabalho escolar. Pra mim é uma obra muito intimista, muito pessoal, que sempre me chamou a atenção pelos ensinamentos que nos transmite a respeito de liderança, de amizade, de compaixão e de reconhecimento. Realmente foi uma obra que me ensinou muito, teve uma participação direta na formação do meu caráter.
Em todas as vezes que assisti o longa-metragem eu vi a versão normal, de 3h, dessa vez eu pude acompanhar a versão estendida de 3h 54min. É incrível como um filme de quase 4 horas não cansa, não é maçante, não é monótono, não é enfadonho, o ritmo é perfeito e acertado, tem uma história muito envolvente que nos prende gradativamente em cada cena. Os 54 minutos a mais foram cruciais para o desenrolar de toda história, para a construção de toda a trama, onde o longa conseguiu se desenvolver ainda mais. Assisti poucos filmes que chegassem a quase 4 horas de duração, posso afirmar que um tempo muito extenso fatalmente cansaria o espectador, o que incrivelmente não acontece aqui, pois eu assisti o filme de forma ininterrupta.
Eu tenho uma amor e um carinho muito especial pelo cinema da década de 1990, sempre afirmei que os anos 90 foram os anos de ouro para o cinema. De fato os anos 90 foi uma década cuja às grandes obras cinematográficas nos retratava grandes histórias, grandes contos, grandes passagens, era uma época totalmente diferente de se fazer cinema. E aqui temos um longa que revolucionou o faroeste, pois "Dança com Lobos" foi lançado exatamente em 1990, uma época que o gênero estava defasado e totalmente em crise em Hollywood, pois todo mundo já estava saturado dos westerns americanos. Dessa forma o longa de Kevin Costner encontrou bastante rejeição e dificuldade para ser produzido e consequentemente financiado.
"Dança com Lobos" novamente abre as portas para o gênero em Hollywood e mostra que ainda temos muitas coisas para falar a respeito de um tema tão consagrado e cultuado nas décadas passadas. O longa ficou marcado como o responsável pela renovação dos westerns americanos e marcou o início do faroeste moderno nos cinemas. Aqui temos uma aventura épica, um drama envolvente, um romance singelo e um humor leve e passivo. Kevin Costner traz simplesmente o melhor e mais notável trabalho de toda a sua carreira, com uma direção maestral, com muita segurança em cada cena, com uma narrativa muito bem amarrada onde era mesclado momentos de tranquilidade e tensão.
O roteiro de "Dança com Lobos" é incrivelmente perfeito e feito com uma coesão incrível. Pois temos o início da história do tenente John Dunbar, que se inicia durante a Guerra Civil americana (por volta da década de 1860) em uma luta travada pelo fim da escravidão. Somos confrontados com um personagem que sofre com traumas pelos horrores da guerra, que é totalmente perturbado, que já tentou suicídio, mas que ao partir para um local para viver sozinho, ele vai se reencontrando, se desenvolvendo, se achando, sua vida vai tomando um outro rumo e uma outra forma. Temos aqui um verdadeiro estudo do ser humano e suas culturas - como o desenvolvimento e a construção do respeito, do reconhecimento, dos ensinamentos, da admiração, da confiança. Também temos o choque e o confronto de cultura entre o homem branco americano e os índios Sioux, que aparentemente poderia difundir a sua cultura entre os índios, mas somos confrontados com uma assimilação dos costumes dos nativos, acontecendo uma verdadeira aculturação às avessas.
É muito interessante notar que com o tempo o John Dunbar vai se moldando com às culturas indígenas, vai adquirindo respeito e construindo uma amizade singela e verdadeira. Por outro lado o personagem vai cada vez mais se distanciando da sua civilização e se aproximando dos índios e das suas culturas e ensinamentos. Podemos claramente notar uma certa distância de personalidade e caráter do personagem John Dunbar (o tenente americano) como novo personagem 'Dança com Lobos' (nome que ele ganhou dos indígenas). Assim como também está muito claro que a medida que seu relacionamento vai se aprofundando com os índios, a sua aproximação com o lobo também vai aumentando, até ele finalmente conseguir fazer com que o lobo pegue a comida em suas mãos - incrível!
Kevin Costner foi magnífico ao conseguir sincronizar inúmeros momentos durante toda a trama, momentos esses que vão desde o épico ao faroeste, que apesar do filme não ser predominantemente um faroeste por completo, mas ele possui muitas nuances do gênero. O mais notável em toda a história é a quebra dos estereótipos indígenas, pois sempre houve uma mística que os índios eram seres brutais, violentos, que só matavam, roubavam e causavam destruições por onde passavam. Porém, aqui o longa nos mostra uma outra vertente, uma outra faceta dos povos indígenas, que são realmente pessoas muito incompreendidas, que são vítimas dos povos brancos, que vão colonizando e tomando tudo pela frente, sempre com muita violência e com intenções inteiramente mercantilistas. O longa também faz questão de nos elucidar em como o homem branco praticamente exterminou os povos indígenas e suas culturas, que eles também eram vítimas de uma sociedade totalitarista e facínora (como ainda vemos hoje em dia).
Além de produzir e dirigir magistralmente, Kevin Costner (que atualmente está na série Yellowstone) também atua com a alma e o coração. Posso afirmar que "Dança com Lobos" é o projeto mais grandioso e mais certeiro de toda a carreira do Costner, assim como a sua atuação, que certamente é a melhor de toda uma vida cinematográfica. Aqui temos Costner personificando um personagem que possui várias camadas, várias nuances, ele é extremamente reflexivo e traumatizado pela guerra, mas que se reencontra com o seu "EU" interior ao adentrar na cultura daqueles povos, e ao se apaixonar verdadeiramente. Nota 10 para a atuação de Kevin Costner, melhor impossível, totalmente memorável (muito bem indicado ao Oscar por esse trabalho).
Mary McDonnell (da série Major Crimes) também está incrível, traz uma atuação muito bem acertada com sua personagem 'De Pé com Punho'. Mary se destacou como a princesa de toda história, o par romântico do personagem 'Dança com Lobos', alcançando uma química muito funcional e muito condizente com toda a trama que ia se desenvolvendo - outra atuação completamente perfeita, que foi justamente indicada ao Oscar.
Graham Greene (da obra-prima À Espera de um Milagre) completa com muita dignidade o trio de ouro do filme. Seu personagem 'Pássaro Esperneante' é muito autêntico, inteligente, confiante, é dele os confrontos iniciais com o personagem John Dunbar, também parte dele a intenção de depositar uma certa confiança em John e vê até que ponto essa confiança pode resultar para seus povos e suas culturas. Por outro lado a confiança, a admiração, o reconhecimento e a amizade que nasce entre eles são verdadeiras e sinceras. Graham Greene também está impecável, tem uma grande atuação, o que condiz plenamente com a sua indicação ao Oscar.
Um destaque para Annie Costner, a filha de Kevin Costner, de apenas 6 anos, onde ela tem uma breve participação como a pequenina Christine (um flashback do passado da personagem da Mary McDonnell), cuja cena ela escapa do ataque correndo para as montanhas.
"Dança com Lobos" é um filme que acerta em tudo, e nas qualidades técnicas não seria diferente, estão completamente absurdas.
Quero destacar a assombrosa, a monumental, a estratosférica trilha sonora de John Barry (compositor de longa data da icônica franquia 007 nos anos 80). Vou ser bem sincero: não me lembro de outro filme que tivesse uma trilha sonora tão impactante, tão memorável, tão esplêndida como aqui. Uma trilha completamente envolvente, com lindíssimas melodias tiradas com genuinidade de pianos, violinos, violoncelos e flautas. Uma coisa magnífica, que me emocionou verdadeiramente, pois quando terminou o filme a primeira coisa que eu fui fazer foi procurar a trilha sonora para guardar em meu computador. Oscar mais justo da história das trilhas sonoras dos cinemas.
Uma fotografia deslumbrante, com enquadramentos perfeitos, que potencializava ainda mais a qualidade estética de cada cena. Os cenários são de uma beleza sem igual, os figurinos estão homogêneo. A direção de arte é absurdamente perfeita. A cenografia é gloriosa. Muito bem montado, muito bem editado, muito bem mixado, muito bem arquitetado, e uma ideia muito abrangente e muito bem transplantada para a tela.
O longa foi um verdadeiro sucesso de bilheteria, com um orçamento de US$ 19 milhões, sendo que apenas nos Estados Unidos o filme arrecadou mais de US$ 180 milhões, arrecadando US$ 424,2 milhões em todo o mundo, tornando-se o quarto filme de maior bilheteria de 1990, e é o filme de maior bilheteria da Orion Pictures.
O filme foi indicado a 12 Oscars no Oscar de 1991 e ganhou sete, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor para Costner, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Mixagem de Som. O filme também ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama. O longa de Costner ainda integra a seleta lista dos únicos três westerns a ganhar o Oscar de Melhor Filme na história, sendo acompanhado por "Cimarron" (1931) e "Os Imperdoáveis" (1992).
"Dança com Lobos" é um marco na indústria hollywoodiana, é muito importante para um fator social, por praticamente ter assumido a culpa de ter dizimado uma cultura inteira (a cultura indígena). Após 32 anos de lançamento, o longa não ficou datado, não ficou ultrapassado, envelheceu muito bem, o tempo fez muito bem para à obra. Além, é claro, o filme é creditado como uma das principais influências para a revitalização do gênero de cinema ocidental em Hollywood.
"Dança com Lobos" e "Os Imperdoáveis" são as duas melhores obras-primas do faroeste dos anos 90 que eu já assisti na vida.
Uma verdadeira obra-prima, obra épica, obra histórica, obra memorável, obra influente, obra revolucionária, obra visionária, obra icônica, obra de arte, pérola da sétima arte, aula de cinema, um verdadeiro estudo histórico e contemporâneo. Simplesmente o ganhador do Oscar de Melhor filme em 1991 e um dos principais filmes da minha vida. [26/08/2022]
⭐⭐⭐⭐⭐
O Homem Invisível
3.8 2,0K Assista AgoraO Homem Invisível (The Invisible Man)
"O Homem Invisível" foi lançado em 2020, escrito e dirigido por Leigh Whannell (cocriador e roteirista da franquia Jogos Mortais). O longa foi inspirado no romance de mesmo nome de H. G. Wells, de 1987, já adaptado pela Universal Studios em 1933. É estrelado por Elisabeth Moss como uma mulher cuja rotina é atormentada por um namorado bastante abusivo, um cientista rico especializado em óptica. Para se libertar dele, a personagem utiliza uma droga para fazê-lo dormir e assim fugir com sua irmã. Porém, ela acredita estar sendo perseguida por seu ex-namorado aparentemente falecido depois que ele adquire a capacidade de se tornar invisível.
O desenvolvimento de uma nova adaptação cinematográfica contemporânea do romance começou em 2006, mas foi interrompido em 2011, quando o roteirista David S. Goyer (diretor de Blade Trinity, de 2004) foi contratado pela Universal Studios para trabalhar em uma nova perspectiva da história clássica. No entanto, o profissional se desligou da obra deixando o projeto engavetado por alguns anos, até o ator Johnny Depp se interessar pelo andamento da produção em 2016, pois o projeto foi revivido como parte do universo cinematográfico compartilhado dos monstros clássicos da Universal - Dark Universe. Apesar disso, o estúdio assumiu o controle do filme e Depp foi descartado após o fracasso crítico e financeiro de "A Múmia", em 2017 (realmente esta versão é horrível), pois a Universal se afastou de um universo serializado para filmes independentes. O projeto voltou a ser desenvolvido em 2019 junto com outros clássicos de terror.
Sobre o clássico: durante a ascensão de Hollywood nos anos 30, a Universal Classic Monsters chamou a atenção do público com diversas obras envolventes, que incluíam filmes como "Drácula" (1930), "Frankenstein" (1931) e "O Homem Invisível" (1933). Depois que o clássico de 1933 chegou aos cinemas, o sucesso foi praticamente imediato, dessa forma o estúdio pensou em desenvolver outras produções ligadas à obra de H. G. Wells. Nesse sentido, em 1940, os espectadores puderam conferir "A Volta do Homem Invisível", e em 1942, "A Mulher Invisível" se tornou uma comédia de sucesso emprestando alguns elementos do longa original para conquistar o público. O clássico de 1933 faz parte de uma série de clássicos de terror que os estúdios Universal decidiram refilmar no século 21 - os outros títulos incluem "A Múmia", "O Lobisomem", "A Noiva de Frankenstein" e "O Monstro da Lagoa Negra", além de "A Liga Extraordinária" (2003), que também foi baseada em um quadrinho homônimo, em que um dos personagens centrais era o Homem Invisível. O longa-metragem ainda me remete ao clássico do SBT, "O Homem sem Sombra" (2000), que também é inspirado na obra do escritor britânico H. G. Wells.
Realmente o ano de 2020 foi o ano dos reboots, e aqui temos mais um.
O longa nos confronta um drama familiar abordando casos de terror mesclados à ficção científica de um jeito inovador e cheio de tensão. É incrível como temos várias abordagens ao longo da trama de um cientista que descobriu a fórmula da invisibilidade e testa essa condição específica em si mesmo. O longa navega no drama, no mistério, no terror, no suspense, além de nos trazer uma relação abusiva através do olhar da vítima, que é uma mulher angustiada pela obsessão do marido e, dentre as variadas leituras, nos faz refletir sobre o percurso doloroso que uma vítima oprimida pelo medo percorre.
Este é o maior trunfo do filme, a forma como ele aborda uma relação violenta, controladora, abusiva, com maus-tratos que causa pressão psicológica e mexe com a sanidade da vítima. De fato a Cecilia (Elisabeth Moss) era extremamente traumatizada e fortemente alucinada pela opressão, pelas agressões físicas e psicológicas. O longa ainda exemplifica como a vítima sofre o 'Gaslighting' - que é uma forma de violência psicológica nos relacionamentos afetivos. Sorrateiramente, o parceiro abusivo fere o emocional da vítima através de manipulações e mentiras para se engrandecer ou se safar de situações desfavoráveis para ele - muito bem abordado e concretizado na trama! Temos aqui uma espécie de denúncia em forma de suspense.
Como acreditar em uma pessoa que afirma que um morto voltou e agora está invisível? O roteiro lida muito bem com essa vertente e toda essa construção do místico, do imperceptível, do oculto, do sombrio, além de claramente trabalhar o clima soturno da personagem ao nos explicitar a sua insanidade mental, e como ela perdeu a razão em pensamentos e ações sem sentido, apresentando comportamentos distorcidos que fogem à regra. Por outro lado o longa aborda o comportamento do namorado (ou marido) da vítima - um sociopata narcisista. Claramente o Adrian (Oliver Jackson-Cohen) tinha dificuldade para ter empatia, a sua sociopatia lhe incapacitava de ter empatia. Ele ainda apresentava mentiras compulsivas, manipulação, impulsividade, arrogância, comportamento hostil, impaciência e a incapacidade de sentir culpa.
A vencedora do Emmy Awards, Elisabeth Moss (recentemente esteve impecável na série Iluminadas), está completamente incrível e absoluta na personagem. Se o filme consegue nos imergir e nos prender em um suspense muito funcional mesclado com o terror, grande parte desse acerto se deve a Moss. De fato ela conseguia nos passar a sua angústia, a sua aflição e o seu medo unicamente pelo olhar e pelas suas expressões. Posso afirmar que não seria qualquer atriz que conseguiria nos prender e nos paralisar em uma cena de suspense praticamente sozinha, como a Moss fez várias vezes (como na cena que ela contracena com o oculto). Tem que ter uma bagagem, muita experiência e todo um preparo para nos entregar uma excelência como ela nos entregou. Eu nunca me canso de elogiar a Elisabeth Moss, pois ela é uma atriz fenomenal que funciona no drama, funciona no suspense, funciona na ficção, funciona em tudo que você quiser. Ela é uma das melhores atrizes da sua geração e da atualidade - a rainha da porra toda!
Oliver Jackson-Cohen (recentemente esteve em A Filha Perdida) é muito bom no que ele faz, e aqui ele impressiona com um personagem frio, compulsivo, introspectivo, sádico e totalmente letal - gostei da sua atuação. Michael Dorman (da série For All Mankind) foi uma grata surpresa na trama, visto que seu personagem Tom Griffin (irmão do Adrian) inicialmente estava escanteado, onde eu achava que ele estava ali unicamente para compor o elenco, porém, no último ato do filme ele ganha uma relevância e o roteiro até tenta nos surpreender o envolvendo em um plot. Aldis Hodge (da série City on a Hill), um amigo de infância da Cecilia e hoje é o Detetive James Lanier. Aldis entrega um personagem um pouco perdido em cena, que não mostrou a que veio e tem situações inverossímeis. Harriet Dyer (da série American Auto) faz a Emily Kass, a irmã que ajuda a Cecilia a fugir dos abusos do marido sociopata. Harriet faz aquela típica personagem que nem cheira e nem fede, praticamente um desperdício de tempo e talento.
O longa de Leigh Whannell se sobressai muito bem ao abordar um drama familiar com casos de uma relação doentia e abusiva, onde ele mescla muito bem o suspense com o terror e a ficção científica. Porém, o filme está recheado com vários furos e inconsistências de roteiro totalmente incabíveis, onde eu nem vou me dar ao trabalho de pontuar aqui, pois é só descer às páginas abaixo que encontrará vários comentários que pontuam muito bem cada uma (quem quiser saber mais é só procurar os comentários dos usuários Goremaster e Fabio Kowalski). O australiano Leigh Whannell foi o cocriador e roteirista da franquia Jogos Mortais, o que me leva a crer que no último ato ele descamba para a violência explícita por vontade própria, como algo para impressionar o espectador (eu não me impressionei), ao apostar no sangue jorrando sem pudor, quase um gore. Por outro lado o roteiro tenta estabelecer um plot twist que beira o ridículo - eu não comprei essa ideia, não achei aceitável, de certa forma achei até absurdo. Também achei inverossímil a última cena com a Cecilia expondo aquele ar de soberana e poderosa.
"O Homem Invisível" é um bom filme, acerta muito bem no suspense, na ficção e na abordagem de um relacionamento tóxico, mas por outro lado erra descaradamente ao desafiar a nossa inteligência com situações que beiram o ridículo - inaceitável! [20/08/2022]
O Último Samurai
3.9 940 Assista AgoraO Último Samurai (The Last Samurai)
"O Último Samurai" foi lançado em 2003, dirigido e co-produzido por Edward Zwick, que também co-escreveu o roteiro com John Logan (roteirista do épico Gladiador) e Marshall Herskovitz (criador da série Once and Again). O longa parte da premissa de uma história criada por John Logan, que foi inspirado por um projeto de Vincent Ward (trabalhou no roteiro de Alien 3, de 1992), com Ward mais tarde servindo como produtor executivo, juntamente com a estrela do filme, Tom Cruise, que também co-produziu.
O soldado Nathan Algren (Tom Cruise) deixa os Estados Unidos rumo ao Japão feudal. Na tentativa de derrotar o comandante Katsumoto (Ken Watanabe), ele é capturado. Algren sabe o destino de prisioneiros inimigos, mas fica surpreso ao ser poupado e se sente atraído pelo estilo de vida dos Samurais, entre outras coisas que ele vai descobrindo com o passar do tempo.
O roteiro de "O Último Samurai" é completamente esplêndido e instigador, pois de fato temos a abordagem em torno do capitão americano, Nathan Algren, um veterano de guerra que ganhou bastante fama ao combater os indígenas no Oeste do seu país. Porém, o que observamos é um capitão extremamente traumatizado e transtornado com o seu passado (onde ele tinha constantes visões dessa batalha), cujos conflitos pessoais e emocionais o colocaram em contato com guerreiros Samurais. A partir do momento que Nathan é rendido e levado como prisioneiro pelo líder dos Samurais, Katsumoto, o roteiro fica ainda mais interessante, pois temos uma abordagem de um prisioneiro nada convencional, que passa a admirar o estilo de vida e da cultura daquelas pessoas. Temos aqui o apreço de Nathan pela tradição, pela honra, pelo perfeccionismo da cultura japonesa, o que o leva diretamente a um estado emocional e uma crise de consciência, pois ele estava se identificando mais com os japoneses do que a sua própria nação.
Edward Zwick (Diamante de Sangue) nos premia com este belíssimo épico que aborda a dor da guerra com a serenidade e a calma próprias dos orientais, pois de fato o longa está inserido na ocidentalização do Japão por potências estrangeiras (como o próprio EUA), cujo enredo foi inspirado na Rebelião de Satsuma de 1877 liderada por Saigō Takamori. "O Último Samurai" é um drama que nos retrata de forma poética um tema tão doloroso, tão cruel, tão profundo, tão importante para a história da cultura japonesa. O longa aborda principalmente a guerra e os confrontos, mas nos traz o valor da disciplina, da compaixão, da honra, da tradição, da amizade, nos desperta o interesse de conhecer um pouco mais a história do Japão e principalmente às histórias por trás da cultura dos Samurais.
"O Último Samurai" nos confronta em diferentes aspectos, tanto da cultura japonesa quanto da história do Japão do século 19, pois de fato o longa nos traz os conflitos entre os Samurais e o governo imperial japoneses na era da revolução Meiji, o que é exatamente o foco do filme, soando como um estudo completamente aprofundado na história do Japão feudal. Por outro lado o longa nos traz um profundo estudo do poder da amizade, da benevolência, da compaixão, que é exatamente como somos confrontados com a relação que vai se criando entre o Nathan e o Katsumoto. Passamos a acompanhar todos os conceitos de valores, como a justiça e a bravura, que é exatamente bem abordado nos mais variados diálogos entre os dois personagens, que vai nos retratando sobre o respeito, a honra, a lealdade, a honestidade, nos mostrando todo o caminho que é trilhado em busca da glória e da ascensão eterna.
A forma como o longa nos retrata a cultura dos Samurais é completamente incrível - como o fato de pouparem a vida do Nathan unicamente porque ele era o último do seu exército e a derrota o desonra, e de fato os americanos não tinham a cultura de se matar por desonra, como os Japoneses faziam, e um Samurai não suporta a vergonha da derrota. Por outro lado o Katsumoto queria conhecer melhor o seu novo inimigo. O que mais impressiona é a busca incessante de Nathan sobre a cultura e os treinamentos, onde o próprio descobriu o significado da palavra Samurai - que significa servir. Ser um Samurai significa dedicar-se completamente a uma série de princípios morais, buscar a inércia da mente e dominar o manejo da espada.
Tom Cruise (recentemente esteve em Top Gun: Maverick) vinha de projetos variados na época, sendo que em "O Último Samurai" ele entrega uma de suas melhores atuações de toda uma carreira (contando até hoje). Tom sempre foi um ator versátil, inteligente, completo, o que nos deixou ainda mais impactados com esta produção na época. Realmente aqui temos um Tom Cruise mais enérgico, mais centrado, motivado, destemido, que sobressaiu em todas as cenas. Por falar em sobressair nas cenas, temos o maravilhoso Ken Watanabe (o inesquecível Saito de A Origem), que assim como o Tom Cruise também se sobressaiu em suas cenas. Foi completamente incrível acompanhar o nascimento daquela amizade sincera e verdadeira, onde podíamos notar todos os seus princípios e seus valores sendo expostos entre ambos. Ken Watanabe trouxe um personagem triunfal e grandioso, onde sua atuação se tornou perfeita, verdadeira e completamente eterna - muito bem coroado com a indicação ao Oscar em 2004. Ainda tivemos uma participação fundamental do grande Timothy Spall (recentemente esteve no maravilhoso Spencer), que deu vida ao Simon Graham, sendo muito objetivo em todo o contexto final. Não posso deixar de mencionar a atriz japonesa Katô Koyuki (do filme japonês Caçadores de Vampiros), que foi a Taka, uma das grandes responsável pela recuperação de Nathan, sendo determinante para alcançar todo o seu objetivo com bastante empenho. Katô Koyuki é uma atriz doce, singela, meiga, que se destacou e esteve muito bem em cena contracenando principalmente com o Tom Cruise.
A trilha sonora foi completamente determinante para todo o sucesso do filme. Temos aqui a 100ª trilha sonora composta pelo gênio Hans Zimmer, que foi completamente absoluta e profunda em 100% das cenas. Um destaque maior para a trilha sonora da batalha final, que me remeteu diretamente para as composições sinfônicas da banda de metal melódico Nightwish (uma de minhas bandas preferidas). A fotografia de John Toll (diretor de fotografia em Coração Valente) está completamente perfeita, se destacando entre os contrastes dos vilarejos e os grandes campos de batalhas. A direção de arte de Steven Rosenblum (também de Coração Valente) é impecável. Os figurinos estão muito fiéis e completamente dentro do padrão da época.
O longa de Edward Zwick foi indicado a vários prêmios: quatro Oscars - sendo Mixagem de Som, Figurino, Direção de Arte e Ator Coadjuvante para o Ken Watanabe. Três Globos de Ouro - sendo Trilha Sonora para o Hans Zimmer, Ator Coadjuvante para o Watanabe e Ator Drama para o Tom Cruise. Além de dois National Board of Review Awards.
Apesar de todo o sucesso, "O Último Samurai" foi duramente criticado no Japão, por eles afirmarem que o filme passa um retrato muito romantizado de "livro de histórias" dos Samurais, que são considerados mais corruptos.
"O Último Samurai" é um belíssimo filme sobre a cultura japonesa e principalmente sobre a cultura dos Samurais, além de abordar o verdadeiro valor e o poder de uma amizade sincera e verdadeira.
A batalha final é tão apoteótica quanto a batalha final do épico "Coração Valente", que serviu de base de inspiração pro longa. Sem falar que após a batalha final ainda temos uma cena emblemática - nos mostrando que o sacrifício de Katsumoto serviu para despertar o Imperador e subtrair o Japão da órbita do imperialismo americano.
Eu assisti "O Último Samurai" no cinema em Março de 2004 (me lembro como se fosse hoje), naquela época os filmes ficavam vários meses em cartaz. Posso afirmar que se naquela época o Oscar pudesse nomear 10 indicados a Melhor Filme (como pode hoje), com toda certeza "O Último Samurai" estaria entre eles.
De fato, "O Último Samurai" é uma obra primorosa, grandiosa, sagaz, contundente, verdadeira, importante, profunda, com um grande valor histórico, e que nos cativa e nos emociona verdadeiramente (principalmente na última parte da batalha final). Um verdadeiro épico, uma verdadeira pérola, uma verdadeira obra-prima - que não está somente entre os melhores filmes da carreira do Tom Cruise, mas integra na lista dos melhores filmes da década de 2000. [18/08/2022]
Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez
4.4 416Pacto Brutal - O Assassinato de Daniella Perez
"Pacto Brutal - O Assassinato de Daniella Perez" é uma minissérie que nos relata um documentário sobre o assassinato da atriz e bailarina Daniella Perez, filha da escritora Glória Perez. Foi produzida pela HBO Max.
Glória Perez é uma escritora que admiro muito e respeito demais. Gosto muito de assistir novelas (hoje em dia não assisto mais) e me lembro que a primeira novela que eu assisti na vida foi 'Explode Coração' (1995), justamente uma novela de sua autoria e também foi a primeira novela após o caso da Daniella. A Glória é um verdadeiro ícone da teledramaturgia brasileira, ao longo dos anos acompanhei todas as suas novelas e as minhas preferidas (além de Explode Coração) foram 'O Clone' (2002), 'América' (2005) e 'Caminho das Índias' (2009). Este final de ano teremos a chegada de mais uma de suas novelas - 'Travessia'.
Não me lembro do caso da Daniella Perez, tampouco assisti a novela 'De Corpo e Alma', na época eu tinha apenas 8 anos.
28 de Dezembro de 1992 (uma segunda feira), aconteceu um assassinato que chocou o país, parou o Brasil. A atriz Daniela Perez foi brutalmente assassinada pelo colega de elenco Guilherme de Pádua e sua esposa Paula Thomaz. Na manhã do dia seguinte (29 de Dezembro) o país amanheceu revoltado e de luto, foi um choque e uma comoção nacional que chegou a ofuscar o caso da renúncia do presidente da época - Fernando Collor de Mello.
Como disse, não acompanhei o caso na época mas ao longo dos anos eu pesquisei e li bastante relatos sobre o caso da Daniella, porém, devo confessar que era eu bastante desinformado e conhecia várias histórias diferentes da verdadeira. A série veio justamente para isso, para nos elucidar sobre os fatos verdadeiros desse caso, pois ela vai além de recontar a história que figura no imaginário popular. A série documenta e parte da premissa de eliminar aquelas versões que ficaram conhecidas pelo público, fazendo prevalecer as conclusões da justiça sobre o caso, além de esclarecer antigas questões, como o tipo de arma de fato utilizado no crime. Devo aplaudir de pé toda a produção da HBO Max, que foi muito verdadeira, consciente, fidedigna aos fatos contados pela Glória. Uma produção muito competente em seus 5 capítulos, onde cada um serviu para nos elucidar e nos contar uma parte da história. Foi como a própria Glória disse: "esse caso vai completar 30 anos este ano e vai servir para o conhecimento de uma nova geração, que não viveu naquela época ou desconhecem a história. Também vai servir para desmistificar muitas coisas errôneas do conhecimento da população sobre o caso Daniella Perez".
Daniella Perez foi a primeira filha da Glória, tinha apenas 22 anos e estava vivendo o auge da sua carreira e fama, era conhecida como a namoradinha do Brasil e estava em sua terceira novela (antes ela já tinha passado por Barriga de Aluguel em 1990 e O Dono do Mundo em 1991).
O primeiro episódio é sem dúvidas o melhor, justamente por nos pegar de surpresa em alguns fatos. Foi um episódio que eu me emocionei de verdade com o depoimento da Glória ao chegar perto do corpo da filha pela primeira vez. Senti um misto de emoção, compaixão, tristeza, revolta, repulsa, ódio, angústia. Foi um episódio que eu fiquei completamente abalado emocionalmente, em estado de choque, era como se meu sangue estivesse congelado em minhas veias, senti meu corpo frio e os pelos se arrepiarem. Ao mesmo tempo senti uma revolta, uma repulsa, um ódio gigantesco que aflorava em meu coração, era como seu eu fosse da família da Glória, era como se eu estivesse vivido todo aquele caso, um sentimento muito ruim e muito forte. A Glória sentia como se aquelas apunhaladas fosse para ela, ela sentiu a dor da filha - triste e revoltante!
Me impressionou também a forma como cada episódio ia nos contando partes da história da Dani, como o fato que desde o início a polícia trabalhou para não desvendar esse crime (bizarro). Também temos o episódio que é voltado para o casal de assassinos, nos contando partes da história do início da carreira do Guilherme de Pádua (que eu desconhecia). Completamente impressionante a coragem, a motivação e a força que a Glória Perez teve ao se tornar uma mãe detetive, uma mãe investigadora, que foi atrás das provas e dos testemunho dos frentistas do posto. Junto com familiares e amigos ela conseguiu obter 1 milhão e 300 mil assinaturas para conseguir uma emenda para mudar o código penal brasileiro, e ela levantou uma bandeira não somente em prol da sua filha, mas em forma geral para todos. Assassinato passa a ser considerado crime hediondo - segundo o código penal brasileiro.
Sobre os assassinos:
Temos o episódio que nos conta sobre o julgamento do casal, além de nos elucidar como o Guilherme manipulou a esposa, estimulando ainda mais o ciúme dela, conhecida por já ser extremamente ciumenta, e com histórico de ter agredido outras mulheres, e juntos arquitetaram o assassinato. Daniella Perez tomou 18 golpes fatais, a violência dos golpes foram tanta que o coração da vítima ficou exposto - absurdo!
Guilherme e Paula foram condenados por homicídio qualificado, com motivo torpe. A pena dele foi de 19 anos em regime fechado, e a dela de 15 anos.
Paula hoje vive discretamente. Em 2021, voltou à evidência diante da notícia de que estaria preparando a filha mais nova para ser atriz (era como se ela quisesse que sua filha seguisse os passos da Dani). Já Guilherme, solto em 14 de outubro de 1999, após ficar preso por 6 anos e 9 meses pelo assassinato, se tornou pastor na Igreja Batista em Belo Horizonte, e criou um canal no Youtube para pregar a palavra evangélica. Fico me perguntando - que tipo de ser humano em sã consciência ainda segue um monstro desse?
Eu nunca acreditei nas leis desse país, pra mim isso nunca mudou e nunca mudará, sempre será leis frouxas e falhas. Fico me perguntando como a Glória e familiares suportaram o fato dos dois estarem soltos hoje dia e vivendo suas vidas normalmente. Como o Raul Gazolla suportou a dor e o fato de hoje os dois estarem livres. Como vimos no episódio, quando o Raul descobre quem foi o assassino de sua esposa, ele fica completamente transtornado, tenho certeza que passou pela cabeça dele a vontade de dar cabo dos dois.
Eu já sou uma pessoa diferente, penso completamente diferente, nesses casos eu sou muito revoltado e tenho pensamentos muito extremos. Não acredito em reconciliação, arrependimento, absorção, perdão, reintegração na sociedade. Não acredito em arrependimento de psicopatas, você não pode aumentar o ego de um psicopata, psicopata deve ser morto e esquecido, pra mim não tem perdão. E ainda reitero: se esse caso fosse em minha família, jamais eles estariam hoje livres pelas ruas e vivendo suas vidas normalmente. Eu faria questão de passar o resto da minha vida atrás das grades, mas os dois já estariam sentados no colo do capeta há muitos anos - esse é meu desejo e minha opinião!
Vocês não tiraram só a vida da Dani, vocês arrancaram um pedaço da Glória, vocês mataram todos os sonhos de uma jovem, vocês acabaram com toda uma família, vocês comoveram todo um país. A Dani era linda, era talentosa, aquele rostinho singelo e sonhador eu nunca vou me esquecer, aquela sua imagem feliz ao lado da mãe jamais sairá da minha cabeça. Eu estou completamente revoltado, profundamente magoado e dilacerado por dentro. Vocês foram covardes, atacaram a vítima desacordada e completamente indefesa - seus monstros, eu tenho um completo ranço de vocês!
Guilherme de Pádua e Paula Nogueira Peixoto (nome que ela usa atualmente), eu desejo uma morte bem dolorosa, bem sofrida e bastante agonizante para vocês dois. [13/08/2022]
Noite Passada em Soho
3.5 754 Assista AgoraNoite Passada em Soho (Last Night in Soho)
"Noite Passada em Soho" é um filme britânico de 2021 dirigido por Edgar Wright e co-escrito por Wright e Krysty Wilson-Cairns (roteirista em 1917). A trama acompanha Eloise (Thomasin McKenzie), uma jovem apaixonada por design de moda que muda para Londres para estudar. No entanto, a jovem inocente apaixonada pela década de 1960 começa a ter visões com Sandie (Anya Taylor‑Joy), uma jovem que tenta ser cantora em uma Inglaterra de 60 anos atrás.
Edgar Wright, que em 2017 foi o responsável em nos trazer o excelente "Baby Driver", dessa vez nos surpreende com "Noite Passada em Soho", um longa que marca a junção de duas belíssimas atrizes - Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy, que além de lindas são muito talentosas (adoro as duas).
O longa de Wright mistura terror e drama em uma narrativa angustiante e crescente, pois realmente temos aqui um suspense, um mistério, um terror psicológico, um thriller que acompanha uma história que envolve muito glamour, sonho, alucinações, desejos e ambições. Ainda temos uma mistura de viagem no tempo que conta com elementos sobrenaturais que contrasta entre uma Londres moderna com uma Londres dos anos 60. É um drama construído aos poucos e feito para nos levar pela fantasia, pela fábula, por um conto, por um teatro e, principalmente, pelo medo.
"Noite Passada em Soho" é um drama labiríntico que confronta um diálogo entre ilusão e realidade, pois temos uma protagonista que se vê em tramas paralelas que, apesar de distintas, cada vez mais se enroscam entre o tempo, o sonho, em uma crescente desilusão a respeito da tão sonhada e almejada Londres. O mais interessante da trama é observar que as personagens se entrelaçam em um jogo de percepções, sonhos, decadência e desespero, pois a narrativa costura um enigma inteligente acerca do passado de Sandie e dos desdobramentos da vida atual da jovem Eloise.
"Noite Passada em Soho" surpreende e se sobressai por nos trazer um resgate do suspense psicológico, uma história contundente que mescla passado e presente em uma realidade insana, cuja narrativa labiríntica nos mergulha em uma confusão proposital que se mistura à uma realidade complexa. O longa de Wright vai ainda mais além ao abordar e estabelecer uma narrativa sobre a violência sistemática contra a mulher - toda aquela intimidação proposital, o bullying, os atos de violência física que causava danos emocionais e prejuízos à sua saúde psicológica. Wright ainda abre espaço para um debate sobre essas consequências dessa realidade brutal, ou a busca e a sede por vingança, a violência sendo respondida com violência.
Sem dúvida um dos pontos mais positivos do longa de Wright está em suas qualidades técnicas.
Como a própria trilha sonora de Steven Price (de Baby Driver e Gravidade), que está simplesmente fenomenal, perfeita, somada em um misto de angustiante e encantador. A fotografia é totalmente deslumbrante, nos maravilha e nos encanta em praticamente 100% das cenas. Realmente impressiona o trabalho de fotografia, pois esteticamente e artisticamente é surreal, entre aquele misto de cores vibrantes e luzes. Os figurinos são completamente emblemáticos que situa o filme em uma obra pensada em totalidade, assim como a própria maquiagem e cabelos. A direção de arte é esplêndida, nos traz cenários e técnicas de filmagens (como as diversas ferramentas de perspectiva e reflexo nas cenas) que conseguem retratar com maestria o arco das duas personagens. Temos aqui uma direção de arte muito competente, muito caprichada, que soube trabalhar com soberania cada detalhe dos cenários que contrastava entre uma Londres atual e uma Londres dos anos 60 - nota 10 pra direção de arte do filme!
A bela Thomasin McKenzie (recentemente esteve em Ataque dos Cães) impressiona com sua ótima atuação. A jovem Eloise é sonhadora, é encantadora, é fascinante, é carismática e ao mesmo tempo assustada, nos passa uma singularidade, nos cativa e nos simpatiza. Este é o ponto de maior destaque na atuação da Thomasin, a sua mudança de chave e de comportamento durante o desenrolar da trama, pois incialmente ela nos passava uma jovem assustada, amedrontada e ao final ela muda totalmente a sua personalidade, se mostrando voraz, destemida, completamente alucinada em busca do seu desejo de vingança - atuação perfeita da Thomasin McKenzie!
Anya Taylor‑Joy (que brilhou e me encantou em O Gambito da Rainha) está fascinante, envolvente, soberana, majestosa, triunfal, sem sobra de dúvida é mais um grande trabalho em sua bela carreira. Anya é uma atriz que sempre dá o melhor de si em todas as suas personagens e aqui não é diferente - pois temos uma Sandie que é aspirante à cantora, que se envolve em um submundo cruel e perigoso, que aflora cada vez mais o seu desejo ambicioso. Anya Taylor‑Joy está leve, está solta, está feliz, está completamente absoluta em sua atuação, nos encanta em 100% da trama, principalmente por contrastar uma face angelical ao início e uma face demoníaca ao final - pra mim completamente perfeita!
E aquela cena final com aquela piscada destruidora de corações? Eu morri ali - kkkkkkkk
Matt Smith (da série The Crown) traz um personagem bastante interessante e bastante importante para o contexto da história. Jack realmente foi o contraponto inicial de Sandie, o seu verdadeiro estopim para toda explosão que viria a seguir. Diana Rigg (falecida em 2020) traz uma personagem completamente surpreendente, que me deixou bastante intrigado com o desenrolar da sua história. Assim como o próprio Terence Stamp (fenomenal em Operação Valquíria), que a princípio eu pensava uma coisa do seu personagem e depois fomos confrontados com um inverso. Completando o elenco com Rita Tushingham (My Name Is Lenny), a amável e adorável avó de Eloise, que sempre mantinha um amor e um certo cuidado com o dom herdado pela neta.
Apesar de todos os pontos positivos já destacados, o defeito maior do longa de Edgar Wright está em seu desfecho final. Se no começo tínhamos uma excelente costura entre ilusão e realidade, no final Wright perde a mão, força demais em cima do místico, nos enfiando goela abaixo um terror bem genérico. Realmente o longa começa muito bem, tem uma ótima premissa, porém, a resolução dos mistérios e enigmas do filme decepciona com elementos fantasiosos que extrapolam o cabível nos últimos minutos. Temos aqui uma clara indecisão do Wright, por viajar demais na conclusão do filme com uma atmosfera investigativa superficial e falha, o que nos dá uma certeza que ele não soube escolher bem qual caminho percorrer e acabou decidindo, de fato, o pior.
O longa foi indicado a dois BAFTA Film Awards, incluindo Melhor Filme Britânico e Melhor Som.
"Noite Passada em Soho" é um bom filme, que mescla muito bem uma mistura de ilusão e realidade com ares de noir, nos trazendo um thriller psicológico bem performado no suspense, no drama, no mistério e no terror, e que acompanha a protagonista em sua crescente desilusão a respeito do passado. Mas por outro lado o plot twist é bem mediano e o diretor perde completamente a mão em seu desfecho final, pecando exatamente em uma incongruência em relação à tudo que já havia construído desde o início do filme - uma pena! [12/08/2022]
Iluminadas (1ª Temporada)
4.0 130Iluminadas (Shining Girls)
"Iluminadas" é uma série original Apple TV+ baseada no romance de 2013, 'The Shining Girls', da escritora sul-africana Lauren Beukes. A série é estrelada por Elisabeth Moss, Wagner Moura e Jamie Bell. Leonardo DiCaprio, Jennifer Davidson e Lindsey McManus atuam como produtores executivos, assim como a própria estrela da série, Elisabeth Moss. A autora do romance, Lauren Beukes e Alan Page Arriaga também são os produtores executivos. A adaptação foi criada e escrita por Silka Luisa, que também é produtora executiva e showrunner da série.
Kirby Mazrachi (Elisabeth Moss) é arquivista do Chicago Sun-Times. Anos atrás, ela foi brutalmente atacada e deixada para morrer, mas seu agressor nunca foi encontrado. Hoje ela ainda está traumatizada pela agressão e luta para entender sua realidade que continua mudando. Determinada a encontrar seu agressor, ela descobre um assassinato que tem uma notável semelhança com seu próprio ataque. Kirby pede a ajuda do repórter Dan Velazquez (Wagner Moura) e juntos eles descobrem vários casos arquivados de assassinatos semelhantes e começam a caçar um misterioso serial killer.
Quando eu soube que o Wagner Moura iria estrelar uma série junto com a Elisabeth Moss eu fiquei bastante animado e interessado em conferir. Wagner Moura é um belíssimo ator nacional que deu muito certo em Hollywood e não estrelava uma série desde "Narcos", 2017. Por outro lado a toda poderosa Elisabeth Moss é a grande protagonista da série, uma atriz que admiro e amo em praticamente todos os seus trabalhos - como a própria série "The Handmaid's Tale", que pra mim é simplesmente uma das melhores séries que eu já assisti na vida, juntamente com a Moss, que pra mim entrega um dos seus melhores trabalhos da carreira.
"Iluminadas" é uma série diferente de todas as séries que eu já assisti, pois aqui temos um enredo que é baseado (adaptado) em um livro (que eu não li) e justamente por isso nos traz uma trama que está imersa no suspense, no drama, no mistério, no investigativo, com uma boa dose de ficção científica, com histórias envolvendo viagem no tempo e se destacando principalmente como um thriller com serial killer. A série também se destaca por ser intrigante, psicodélica, maniqueísta e principalmente complexa (no maior estilo Nolan). Somos jogados em um verdadeiro labirinto ficcional construído pelo roteiro onde temos que colocar a cabeça pra pensar e tentar desvendar os seus enigmas. A série não tenta se explicar a todo momento, o que definitivamente nos obriga a criar teorias e tentar encaixar todas as peças do quebra-cabeça envolvendo o espaço-tempo.
Não vou negar que a principio eu fiquei um pouco perdido tentando decifrar e montar todo aquele quebra-cabeça, pois aqui temos uma trama ambientada em uma Chicago dos anos 80 que nos confronta com o assassino que escolhe suas vítimas cuidadosamente e as persegue até alcançar o objetivo de matá-las (fazendo suas vítimas a cada década). Realmente temos uma trama bastante original com um roteiro muito coeso misturando suspense e ficção científica do início ao fim, e o ponto mais positivo é que os dois gêneros são perfeitamente mesclados, sem ficar forçado ou óbvio, principalmente pelo fato de acompanharmos um serial killer que viaja no tempo para fazer suas vítimas - um ótimo suspense policial fictício.
Tecnicamente a série é incrível!
O roteiro é perfeito, a direção é ótima, a montagem é excelente, a edição é muito bem organizada. Temos uma bela fotografia, uma ótima trilha sonora (que se destacava justamente por soar bastante original), uma direção de arte muito competente, que soube mesclar muito bem cada cenário e objetos de cenas em suas respectivas décadas - perfeito!
Posso afirmar que Elisabeth Moss é uma das melhores atrizes dramáticas da sua geração.
Aqui temos uma Moss em seu auge (mais uma vez), que nos espanta com a sua atuação de uma mulher que sobreviveu a um ataque de serial killer e que tem sequelas por causa disso. Desde o primeiro episódio a Moss já nos pega pelas mãos e nos carrega por um mundo misterioso e completamente inesperado, e junto com ela vamos desvendando cada ponto dessa curiosa trama. Sensacional, Elisabeth Moss como sempre é a escolha perfeita para protagonizar thrillers (basta lembrar de O Homem Invisível e Nós), mas se você quiser um drama ela também dá um verdadeiro show (basta lembrar da série The Handmaid's Tale).
Wagner Moura também está incrível. Como não se impressionar com a tamanha entrega de Wagner em seu personagem Dan? Dan era um personagem solitário, vazio, frio, que tinha seus problemas com a bebida e vivia em uma verdadeira luta com seus traumas. A dinâmica entre Wagner Moura e Elisabeth Moss é de encher os nossos olhos e sustenta muito bem a trama, pois ele nos entrega uma ótima atuação e só nos confirma o excelente ator que ele é. Destaque para as cenas que ele conversa com seu filho em inglês e logo em seguida em português - incrível!
Wagner Moura e Elisabeth Moss viraram amigos ao contracenarem juntos (eu adorei saber disso).
Jamie Bell (Rocketman) completa muito bem o trio sensacional de "Iluminadas". Jamie incorpora o serial killer Harper com uma excelência extrema - o criminoso, que a princípio, acreditava que suas ações eram impossíveis de rastrear, até Kirby sobreviver. Jamie deu vida a um personagem sádico, maquiavélico, introspectivo, misterioso, complexo, intrigante, e sua atuação condizia perfeitamente com todo esse propósito que lhe foi imposto, pois realmente o Harper era um sociopata - pra mim uma atuação perfeita, daquelas pra ser aplaudida de pé!
Como já mencionei, a princípio eu fiquei um pouco perdido com o propósito e o direcionamento da série, mas com o passar dos episódios eu fui buscando entender e decifrar com algumas interpretações...e vamos lá pra elas:
Começando com o fato da morte de Dan, que a princípio eu achei desnecessária mas logo depois compreendi. Kirby achou o endereço da casa na carteira do Dan no necrotério, que a levou até a casa para enfrentar o Harper e o destruir (se é que realmente ele foi morto, pois não tivemos esta certeza), ou seja, a morte de Dan não foi em vão.
Acredito que a casa não funcionava apenas como uma máquina do tempo mas também poderíamos considerá-la como uma espécie de entidade demoníaca (ou algo do gênero), que parecia obter o poder de se apossar do dono do momento, ou seja, a princípio o dono era o Harper e no fim a dona era a Kirby. Como vimos na luta entre Kirby e Harper, ela parecia conhecer bem a física daquele local, o que nos dá a entender que ela já estava ali por algum tempo. Também percebi que o primeiro dono da casa se matou enforcado e o segundo era totalmente transtornado.
Naquela cena (do último episódio) que a Kirby acerta um tiro no ombro do Harper, ele implora para que ela o deixasse vivo, o que pra mim já estava claro que a casa não obedecia mais o Harper e sim a Kirby, pois logo em seguida a sua realidade se altera. O que me leva a entender que a Kirby não quis matá-lo para deixá-lo vivo sofrendo com a sua realidade mudando em todo o momento, como ela ficou em todo esse tempo, uma espécie de castigo que ela impôs para ele, passar por tudo que ela passou.
Eu realmente não entendi o porque da casa escolher o Harper para ser o assassino, não sei se a casa de fato transformava todos em assassinos, ou apenas escolheu o Harper por ele ser uma pessoa medíocre e egocêntrica, que necessariamente tinha tudo para se tornar um assassino, e visto que seu passado já lhe condenava desde o flashback que vimos ele matando um aliado para sobreviver na guerra.
Harper parecia querer matar as mulheres que estavam em ascensão, como a própria Kirby, ou de fato a casa lhe obrigava a fazer isso (não sei), mas o porquê ele matava e deixava objetos dentro delas eu realmente não consegui entender este propósito.
Por outro lado não consegui compreender muito bem toda aquelas mudanças de realidades que ocorria com a Kirby e o Harper, e eu sempre observava as mudanças que ocorria principalmente nos cabelos da Kirby, acho que realmente eram apenas mudanças aleatórias.
Acredito que realmente existia uma forte conexão entre Harper, Kirby e a casa.
Infelizmente parece que não teremos uma 2ª temporada, pois ainda não foi nada confirmado pelo Apple TV+. Ao que tudo indica, o projeto já havia sido ocasionalmente referido como uma 'série limitada' ou 'minissérie' em entrevistas e até pelos envolvidos. Mas eu posso apostar que a série será notavelmente bem quista nos próximos festivais de premiações, principalmente em questões de elenco, pois o trio em destaque realmente deram um show.
"Iluminadas" é uma série excelente, que me fez sair da minha zona de conforto e me obrigar a desvendar vários enigmas com o passar de cada episódio. É uma série muito inteligente, muito elegante, muito dinâmica, muito sagaz, que nos entrega uma trama muito competente e nos instiga a querer ir cada vez mais além. Realmente até hoje em questões de séries eu nunca tinha assistido nada parecido. Pra mim a série não ganha a nota máxima unicamente por conter alguns pontos dentro da trama que me deixou um pouco perdido, mas que de certa forma nem é um problema da série e sim das minhas próprias interpretações. [10/08/2022]
Psicose
4.4 2,5K Assista AgoraPsicose (Psycho)
"Psicose" foi lançado em 1960, produzido e dirigido por Alfred Hitchcock. O roteiro, escrito por Joseph Stefano, foi baseado no romance homônimo de Robert Bloch, de 1959, o qual foi vagamente inspirado no caso do assassino e ladrão de túmulos de Wisconsin, Ed Gein. No filme, Marion Crane (Janet Leigh) é uma secretária que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para se casar e começar uma nova vida com seu namorado Sam Loomis (John Gavin). Durante a fuga em seu carro, ela enfrenta uma forte tempestade, erra o caminho e chega em um velho motel dirigido por um homem perturbado, Norman Bates (Anthony Perkins), a partir daí ela sofrerá as consequências desse improvável encontro.
"Psicose" é simplesmente um dos maiores clássicos da história dos cinemas, é considerado como o primeiro exemplo do gênero de filme de terror, que foi justamente dirigido por ninguém menos que o mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Sendo considerado uma das melhores obras da carreira de Hitchcock, e é indiscutivelmente o seu trabalho mais famoso, "Psicose" é considerado até hoje como um verdadeiro marco na história da sétima arte por tudo o que o filme representou e influenciou. Hitchcock nos trouxe um clássico do cinema da década de 60 que mistura o suspense e o mistério com o investigativo, dando espaço para um terror complexo e um thriller psicológico - uma verdadeira obra-prima do gênero.
Hitchcock revolucionou o gênero thriller trazendo uma obra atemporal que desafiou a base do terror moderno, do padrão de narrativa e do padrão do cinema de estúdio, ou seja, ele fez aqui algo diferente do que vinha fazendo anteriormente em sua filmografia, que é justamente apostar em um baixo orçamento, com uma película em preto e branco, a utilização de cenários simples e sem qualquer tipo de efeito especial. Um dos principais cuidados de Hitchcock estava justamente em torno do segredo que envolve o filme, o que o levou a fazer um acordo com a editora responsável pelos direitos do livro de Robert Bloch, que originaram o roteiro do filme, e em seguida comprou todas as cópias afim de esconder o final da trama. Verdadeiramente "Psicose" desafiou a estrutura vigente de produção de conteúdo dos cinemas da época.
Com mais de 60 anos do seu lançamento é realmente impressionante como "Psicose" ainda funciona, ainda soa como atual, ainda traz aquele sentimento de medo e angústia naturalmente. Um clássico, uma obra-prima que envelheceu muito bem e não ficou datada, um Noir sobre um Serial Killer oculto e misterioso, pois o longa aborda exatamente esse transtorno mental que faz com que as pessoas percebam ou interpretem as coisas de maneira diferente das pessoas que as rodeiam. Isso pode envolver alucinações ou delírios, que são condições que afetam a mente, onde houve alguma perda de contato com a realidade, exatamente o que acontecia com o Norman Bates. Em comum, as anomalias que se caracterizam como 'psicose' têm entre seus sintomas delírios, alucinações, catatonia, desorganização do pensamento, abulia e agitações de caráter. A pessoa que sofre de delírios, por exemplo, inventa histórias que não condizem com a realidade, sem que tenha consciência disso ou até mesmo expondo uma dupla personalidade, como foi muito bem explicado ao final do filme.
O roteiro de "Psicose" é genial, adaptado com uma qualidade absurda, pois temos várias viradas no roteiro que funcionam em perfeita coesão e de forma natural. O que impressiona é o fato do filme nos direcionar entre várias narrativas que se interligam e se unem na trama, pois inicialmente somos confrontados com a história da Marion Crane que roubou 40 mil dólares e despista a polícia e vai parar em um velho motel na estrada, só que é ai que você se surpreende quando a narrativa te entrega algo ainda mais eficiente e mais grandioso - roteiro absurdamente perfeito!
Hitchcock reina atrás das câmeras ao nos trazer enquadramentos que nos causa um total desconforto, pois ele trabalha exatamente esses takes mais fechados para nos causar essas sensações, algo bem inovador na época. São inúmeras tomadas de câmeras, cortes rápidos, montagem em ritmo alucinante, edição muito funcional. A direção de arte é estupenda, principalmente pela película em preto e branco por opção do próprio Hitchcock, que considerava que a cores o filme ficaria ensanguentado demais (uma preocupação com a recepção do público da época). Falando em preto e branco, a fotografia do filme é magistral, perfeita, uníssona, uma das coisas mais maravilhosa que eu já assisti na vida.
"Psicose" é 50% do Hitchcock e 50% do compositor Bernard Herrmann, o gênio que teve as suas trilhas encaixadas em "Cidadão Kane", "Kill Bill Vol. 1" de Quentin Tarantino, "Taxi Driver" de Martin Scorsese, entre diversos filmes do Hitchcock. Aqui Bernard Herrmann traz uma obra-prima na trilha sonora, se destacando pela sua complexidade, tortura mental, desconforto, inquietação, perturbação, ou seja, a trilha sonora de "Psicose" é 100% perfeita e ainda nos causa todos esses sentimentos desconfortantes.
Pegando o gancho da trilha sonora eu preciso destacar uma das cenas mais icônica, lendária, clássica, absoluta, reverenciada, homenageada e lembrada até os dias de hoje - que é a cena do chuveiro. A cena do chuveiro em "Psicose" entrou para a história do cinema, se tornou um marco, um ícone, uma lenda, pois até quem nunca assistiu o filme e não sabe da onde saiu a cena conhece esta cena. O poder que esta cena do chuveiro tem para o cinema é algo surreal, pois é impossível você nunca ter presenciado alguém imitando esta cena como uma brincadeira levantando a faca pra cima e fazendo aquela música tenebrosa (até hoje eu imito esta cena sempre que eu pego uma faca nas mãos - rsrsrsrs). A trilha sonora dessa cena também entrou para a história, se destacando com uma musiquinha perturbadora, tenebrosa, inquietante, com um ritmo repetitivo que até hoje nos incomoda e nos causa desconforto - incrível!
O elenco de "Psicose" é absoluto e perfeito!
A bela Janet Leigh dispensa comentários. Ela participa de forma decisiva na trama e é perfeita na sutileza e na construção de uma personagem tão importante - atuação completamente fantástica e uma indicação muito digna ao Oscar (além de ter ganhado Melhor Atriz Coadjuvante no Globo de Ouro). Anthony Perkins é um monstro (literalmente), pois o nível de atuação que ele entrega na pele do Norman Bates é bizarro de tamanha perfeição. Um personagem misterioso, sombrio, introspectivo, sádico, que te convence apenas com o uso das palavras e conforta sua vítima para um ataque letal. Atuação perfeita, impressionante, ele nos deixava desconfortado apenas com o uso do olhar e daquele sorriso maquiavélico. Eu indicaria o Anthony Perkins ao Oscar naquele ano facilmente.
Vera Miles mantém o nível do ótimo elenco e se destaca pela ousadia do Hitchcock em criar uma segunda protagonista em sua trama, o que me deixou completamente embasbacado e impressionado. A primeira parte do filme é da Janet Leigh, mas a segunda é completamente da Vera Miles com muita dignidade. John Gavin ainda compõe com sua bela participação, se destacando muito bem ao contracenar com a Janet na primeira parte e com a Vera na segunda.
"Psicose" foi indicado a quatro Oscars, incluindo Melhor Atriz Coadjuvante para Janet Leigh e Melhor Diretor para Hitchcock, além da Fotografia e da Direção de Arte.
Após a morte de Hitchcock em 1980, a Universal Pictures produziu três sequências, um remake, um spin-off feito para a televisão e uma série prequel ambientada na década de 2010 intitulada "Bates Motel", que foi lançada em Março de 2013 e durou até Fevereiro de 2017 com um total de 5 temporadas. As sequências foram seguidas por "Psicose 2" (1983), "Psicose 3" (1986) e "Psicose 4 - A Revelação" (1990). Um remake polêmico foi refilmado em 1998 por Gus Van Sant, tendo também recebido o nome "Psicose".
Alfred Hitchcock foi o gênio por trás dessa obra-prima do cinema, desse Noir em preto e branco, dessa obra cult, dessa obra de arte do cinema, dessa pérola cinematográfica da sétima arte, dessa película completamente atemporal e influente. "Psicose" está entre os maiores filmes da história. Um dos maiores thrillers de todos os tempos. Uma obra eternizada em nossos corações cinéfilos. A verdadeira definição de uma obra-prima completamente incontestável! [07/08/2022]
"Thank You Alfred Hitchcock"
⭐⭐⭐⭐⭐ 👏👏👏👏👏👏
A Visita
3.3 1,6K Assista AgoraA Visita (The Visit)
"A Visita" foi lançado em 2015, escrito, co-produzido e dirigido por M. Night Shyamalan. O filme gira em torno de dois irmãos jovens, a adolescente Becca (Olivia DeJonge) e seu irmão mais novo Tyler (Ed Oxenbould), que vivem com sua mãe divorciada, que saiu de casa há 15 anos e está afastada de seus pais. Depois de encontrar os netos online e querer conhecê-los, os avós os convidam para passar uma semana na casa da fazenda, enquanto a mãe faz um cruzeiro com o namorado. Dessa forma eles começam a suspeitar que o casal de idosos está envolvido em algo assustador, percebem que as chances de voltar para a casa e à vida normal estão cada vez menores.
Em 2015, Shyamalan vinha da pior fase dentro da sua carreira cinematográfica, que era exatamente uma sequência que vinha desde "A Dama na Água" (2006), passando por "Fim dos Tempos" (2008), "O Último Mestre do Ar" (2010) e chegando em "Depois da Terra" (2013). Eu considero os 4 piores filmes de toda a carreira do Shyamalan (naquela época porque seu último filme, Tempo, também é ruim), ou seja, em 2015 eu estava sem a mínima vontade de conferir "A Visita", tanto que eu deixei o filme passar e só conferi hoje, quase 7 anos depois.
Podemos considerar que após os fiascos passados Shyamalan decidi se reinventar e apostar em uma obra com um baixo orçamento, de cunho autoral, usando uma produção de US $ 5 milhões (o menor orçamento de toda sua filmografia) para tentar se recolocar no cenário cinematográfico, colocar novamente a sua carreira nos eixos. Dessa forma Shyamalan nos traz um filme de terror e suspense mas que está diretamente inserido em um tom mais cômico, podendo até ser considerado um terrir, que é o terror temperado pelo humor, exatamente o que acontece aqui. De acordo com o próprio Shyamalan, ele preparou três versões diferentes do filme: uma que era "pura comédia", outra "puro horror" e o final que "ficou em algum lugar entre os dois". Mas o que realmente me surpreendeu foi o Shyamalan optar pelo found footage, o que funcionou perfeitamente com a premissa do filme e principalmente pela personagem da Becca, que é uma adolescente aspirante ao cinema, que decidi fazer um documentário da sua semana na casa dos avós que ela nunca conheceu, ou seja, ele decidi utilizar a sua câmera para gravar praticamente tudo.
Posso considerar que este é um dos pontos mais positivos e funcionais do longa do Shyamalan, a escolha do found footage, que além de funcionar perfeitamente pelo proposta da personagem Becca, é uma subdivisão do terror que nos imergi ainda mais na trama e em todos os seus acontecimentos. Em "A Visita", o found footage nos deixa mais sufocado, mais amedrontado, mais tenso, mais complexo, pois não temos a exata noção de tudo que está acontecendo ao redor do único foco da câmera, mexe diretamente com o nosso psicológico, com o nosso imaginário, nos levando a criar várias hipóteses e várias possibilidades - o que me remete diretamente ao ótimo filme espanhol "R.E.C" e ao ótimo game "Outlast", que são belíssimos derivados de um bom found footage.
O longa de Shyamalan ainda nos surpreende pelo seu tom de comédia imposto principalmente pelo personagem Tyler, que ora funciona ora destoa completamente da proposta do filme, ou seja, "A Visita" é um filme que não se deve levar a sério em nenhum momento e acho que essa era realmente a proposta do Shyamalan, sair da sua zona de conforto e fazer um terror comédia. Por outro lado ainda temos uma espécie de paródia (ou homenagem, você que decide) com outros filmes de terror muito conhecidos; como é o caso da cena da Vó (Deanna Dunagan) correndo com os cabelos longos e totalmente escorridos tapando seu rosto - uma alusão aos filmes "O Chamado" e "O Grito". Temos outra cena que os jovens escondem a câmera nos cantos da casa para tentar gravar os momentos obscuros da Vó - outra alusão ao filme "Atividade Paranormal". Ainda temos uma cena logo no início do filme, quando Becca e Tyler estão observando várias fotos na parede de seus avós, uma das fotografias é de Annabelle, do filme "Invocação do Mal"(2013). Pra mim o Shyamalan decidiu brincar, parodiar, ou até homenagear este gênero que ele domina, que é o suspense e o terror.
"A Visita" era anteriormente conhecido como "Sundowning", que é exatamente uma abordagem que o Shyamalan trouxe para o seu filme. A síndrome de Sundown é caracterizada pelo aparecimento súbito de sintomas neuropsiquiátricos como agitação, confusão e ansiedade de forma cronológica, geralmente no final da tarde ou no início da noite (exatamente como era descrito no filme, a agitação da Vó acontecia sempre após as 21:30). As pessoas com demência podem tornar-se mais confusas, inquietas ou inseguras, esta situação pode piorar após uma mudança ou alteração da rotina da pessoa (exatamente como aconteceu com a alteração da rotina da Vó após a chegada dos seus "netos").
Se por um lado eu gostei do found footage, do suspense e até do terror, por outro eu achei que esse tom cômico destoa muito, por mais que a trama gire em torno dos adolescentes que necessariamente sempre irá trazer essa veia cômica, mas aquelas piadas do nada no meio de uma cena de suspense quebra totalmente o clima sombrio, tira totalmente a imersão e o brio da obra. Eu classificaria este filme até mais como uma comédia de humor negro do que propriamente um filme de horror. Outro ponto falho: a tentativa de estabelecer um drama familiar, que consiste em nos evidenciar sobre o orgulho, o ódio, o abandono, sequelas emocionais, traumas do passado e até o perdão, porém, é mal desenvolvido, peca no melodrama, destoa totalmente da proposta do filme. Eu acho que o Shyamalan parte de uma premissa muito interessante mas peca exatamente em querer misturar e desenvolver vários gêneros no mesmo contexto, o que pra mim definitivamente não funcionou.
O Plot twist é bom, de certa forma até me surpreendeu, pois eu realmente não estava esperando esse direcionamento na história. Mais um ponto positivo no longa do Shyamalan, em questões de Plot ele realmente sabe nos surpreender, e exatamente em um momento mais capenga do roteiro ele entra com esse Plot, o que deu um fôlego a mais para todo o fechamento da história.
O elenco é outra parte que o Shyamalan acerta, pois a trama gira em torno das crianças/adolescente, pois pra eles a velhice se torna sinônimo de loucura e consequentemente do terror.
Olivia DeJonge traz uma personagem interessante, pois ela expõe uma Becca adolescente que soa como prepotente, que parece entender mais das coisas por ser mais velha ou ter mais conhecimento, mas com o passar do tempo vamos descobrindo suas camadas e seus traumas. Ed Oxenbould é ainda mais funcional dentro do que o filme pede, que é exatamente a sua veia cômica composta por um sarcasmo verossímil. Típico personagem ame ou odeie, pois ele é exatamente o que mais destoa do suspense/terror e puxa a trama para a comédia, mas obviamente a culpa não é dele, ele está seguindo apenas o roteiro que lhe foi imposto, e nesse quesito ele é 100% perfeito e funcional.
Deanna Dunagan está perfeita como aquela Vó inocente e acolhedora ao início, mas que esconde a sua verdadeira face sombria e obscura - atuação perfeita! Kathryn Hahn faz o papel da mãe solidária e preocupada mas que também precisa de um tempo pra si. Kathryn entrega uma boa atuação, até maior do que de fato a sua personagem precisaria. O mais mediano dentre todos do elenco é sem dúvida o Peter McRobbie, que fez o Vô. Pra mim foi um personagem mal desenvolvido, subaproveitado, sem nenhum grande destaque (tirando aquela cena bizarra da fralda).
"A Visita" é um filme bastante controverso, que ora acerta brilhantemente ora erra miseravelmente. Shyamalan acerta em trazer um found footage bastante funcional, um suspense na medida certa, um terror que nos deixa intrigado e um Plot twist que nos surpreende. Mas por outro lado ele peca exacerbadamente na comédia pastelona, que desconstrói tudo que ele já havia construído nos pontos positivos do filme. Mantendo aquela regra da sua filmografia, Shyamalan é sempre 8 ou 80, ou você ama ou você odeia, porém, aqui ele fica no meio termo (pra minha total surpresa), nos entregando um longa que não está entre as suas melhores obras, mas também não está entre as suas piores.
Coincidentemente eu assisti "A Visita" hoje, 06/08/2022, exatamente no dia do aniversário do Shyamalan.
"Happy Birthday M. Night Shyamalan"
Laranja Mecânica
4.3 3,8K Assista AgoraLaranja Mecânica (A Clockwork Orange)
"Laranja Mecânica" foi lançado em 1971, adaptado, produzido e dirigido por Stanley Kubrick, baseado no romance de Anthony Burgess de 1962. O longa narra a vida do jovem Alex (Malcolm McDowell), que passa as noites com uma gangue de amigos briguentos e baderneiros pelas ruas de uma Grã-Bretanha distópica de um futuro próximo. Depois que é preso, Alex se submete a uma técnica de modificação de comportamento para poder ganhar sua liberdade (se é que podemos considerar assim).
Possivelmente Stanley Kubrick foi um dos maiores (se não o maior) cineasta que já passou por esta terra. "Laranja Mecânica" não é somente um dos melhores filmes da carreira do diretor, mas está entre as maiores e melhores obras já criadas na história da sétima arte.
Temos aqui um clássico dos anos 70, uma obra intrigante, perturbadora, desconcertante, que nos incomoda, nos desafia, nos dá repulsa, ao mesmo tempo que nos impacta e nos surpreende com todo o desenrolar da trama que permeia a história da vida de Alex. Kubrick emprega em sua obra atos perturbadores e violentos para nos evidenciar sobre um estudo da psiquiatria, da delinquência juvenil, dos ataques das gangues de jovens, abordando ainda assuntos sociais, políticos e econômicos. Kubrick utiliza deliberadamente em sua obra o uso da "Ultraviolência", que são atos praticados com extrema violência totalmente aleatórios e injustificáveis, ou seja, uma violência pelo único prazer da violência, uma violência que não precisa ser carregada pelo ódio ou qualquer outro sentimento, apenas demonstrada e aflorada com uma válvula de escape, um sadismo, uma delinquência, como um ato de engrandecimento do ego humano - completamente bizarro e doentio.
Kubrick era um diretor muito minimalista, meticuloso, que tinha uma verdadeira obsessão pela perfeição em sua obras, ou seja, nos entregava aqui uma das distopias mais violentas, bizarras e polêmicas da história da ficção científica. Kubrick trouxe uma verdadeira aula de psicanálise, uma investigação da mente humana e dos seus processos, que eleva a mente para além das suas relações biológicas e fisiológicas. Podemos considerar sua obra de várias formas, até mesmo como uma fábula sobre o bem e o mal, às teorias comportamentalistas, os limites entre a natureza humana e o condicionamento social, e o real significado de liberdade e do livre-arbítrio.
Kubrick declarou que sua obra é uma sátira social que reflete sobre os malefícios do condicionamento psicológico nas mãos de um governo ditador que se utiliza da oportunidade de praticamente limpar e formatar as mentes dos seus cidadãos (exatamente como fizeram com a mente do Alex). Uma critica forte a sociedade mostrando cenas de violência, estrupo, a corrupção moral das autoridades expondo todo o seu autoritarismo. É impressionante como o governo manipula os fatos ao seu favor e tudo não passa de uma jogada política, se aproveitando da sanidade humana, do desequilíbrio mental, e até mesmo transformando uma figura maquiavélica e sádica em uma vitima do sistema. Tudo isso sendo nos contado em 1971, mas que facilmente poderíamos trazer para os dias atuais, pois o roteiro de "Laranja Mecânica" é completamente à frente do seu tempo, a total definição de um filme atemporal.
Malcolm McDowell é a verdadeira cereja do bolo de Stanley Kubrick. Realmente não existiria ninguém melhor para dar vida a este personagem tão emblemático e tão icônico, pois o próprio Kubrick chegou a declarar que se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito "Laranja Mecânica". Malcolm incorporou o Alex com uma forma surreal, nos trazendo uma atuação perfeccionista e minimalista ao adentrar em um personagem que contrasta o delinquente com o carismático e o anti-social. Uma verdadeira aula de atuação e interpretação, pois Malcolm conseguia ir do doentio e inescrupuloso ao extrovertido e carismático, ou seja, a atuação de Malcolm passa por duas fases distintas, indo do agressor a vítima, do caçador a caça e do ataque a submissão. Impressionante, eu realmente fiquei completamente embasbacado com o nível de atuação e entrega no personagem imposta pelo Malcolm McDowell, pois no primeiro ato ele nos dá repulsa e pavor, ao mesmo tempo que no segundo ato em diante ele chega a nos comover, típico caso de que lado você irá ficar? Pra quem você vai torcer? Com quem você irá se identificar? Seria o Alex realmente um nítido reflexo de toda a sociedade? Podemos considerar que na obra de Kubrick em um determinado momento chegamos a torcer pelo Alex. Malcolm McDowell realmente esteve no seu auge com uma atuação completamente incrível.
A trilha sonora é praticamente o coração da obra, uma trilha única, penetrante, contundente, que apresenta em sua maioria seleções de música clássica e composições com o clássico "sintetizador Moog", feito pela compositora e musicista americana e vencedora de três Grammys, Wendy Carlos. A fotografia do britânico John Alcott é sublime e avassaladora. A direção de Stanley Kubrick é feita como uma genialidade que eu nunca vi na vida. Uma direção de arte e uma cenografia completamente fiel e perfeita. O longa apresenta uma narrativa fluida que transcorre com muita objetividade, sendo que a linguagem utilizada pelo Alex foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias. O filme apresenta um dos melhores roteiros de todos os tempos. É bem montado, bem editado, bem coreografado, bem arquitetado, com uma ótima cinematografia, ótimos figurinos, ótimo cenários, tecnicamente e artisticamente perfeito.
"Laranja Mecânica" foi muito polemizado na época, sendo considerado por muitos como uma forma de cultuar e inspirar atos de violência extrema, o que culminou com a retirada dos cinemas britânicos a pedido do próprio Kubrick, que foi alvo de uma enorme quantidade de ameaças de morte, o que o deixou muito irritado com as críticas recebidas, chegando a declarar que o filme apenas seria exibido lá após sua morte. O longa ainda foi banido em vários outros países.
Por outro lado a obra de Kubrick foi muito influente, como o fato do sucesso da seleção holandesa em 1974, que ganhou o apelido de “Laranja Mecânica”, uma clara referência ao filme icônico de Kubrick, sem dúvidas um dos maiores sucessos cinematográficos da década e da história.
Podemos considerar o título original do filme (Clockwork Orange), como um significado para “Laranja com Mecanismo de Relógio”, ou seja, o título alude a um “mecanismo de relógio” – algo que nos remonta a uma visão mecânica, artificial, robótica e programável. Verdadeiramente uma clara alusão, uma clara referência ao personagem do Alex.
O longa de Kubrick recebeu vários prêmios e indicações, incluindo quatro indicações ao 44º Oscar, sendo Edição, Roteiro Adaptado, Direção e Melhor Filme. Ainda obteve 3 indicações ao Globo de Ouro, sendo Melhor Diretor para o Kubrick, Melhor Ator Drama para o Malcolm e Melhor Filme Drama.
"Laranja Mecânica" é uma obra grandiosa, peculiar, sublime, relevante, ao mesmo tempo é demente, doentia, perturbadora, intrigante, ou seja, um verdadeiro misto de emoções afloradas com várias vertentes em várias nuances. Infelizmente eu ainda não tive o prazer de ler a obra de Anthony Burgess, mas será a minha próxima obrigação assim que comprar o livro.
Com toda certeza a obra de Kubrick é um dos filmes que possui um dos roteiros mais inteligente e mais relevante da história dos cinemas. Uma obra Cult, atemporal, importante, muito influente na cultura Pop, uma verdadeira aula de psicologia e um verdadeiro confronto com uma sociedade que impera um regime totalitarista.
Stanley Kubrick é um verdadeiro mestre, um verdadeiro gênio da sétima arte. "Laranja Mecânica" é simplesmente uma obra-prima, uma obra de arte, um ícone, uma lenda, um clássico eterno dos cinemas. [30/07/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
A Menina que Roubava Livros
4.0 3,4K Assista AgoraA Menina que Roubava Livros (The Book Thief)
"A Menina que Roubava Livros" foi lançado em 2013, dirigido por Brian Percival (diretor da série Downton Abbey) e roteirizado por Michael Petroni (roteirista de A Rainha dos Condenados). O filme é baseado no romance homônimo de 2005 de Markus Zusak. A história nos traz uma jovem que vive com sua família alemã adotiva durante a era nazista. Ensinada a ler por seu pai adotivo de bom coração, a menina começa a roubar (ou pegar emprestado, como ela mesmo diz) livros e compartilhá-los com o refugiado judeu que está sendo abrigado por seus pais no porão de sua casa.
Eu li o best-seller de Markus Zusak uns anos antes do lançamento do filme e posso afirmar com toda a certeza que o livro é simplesmente uma das coisas mais belas, singelas e comoventes que eu já li em toda a minha vida, ao mesmo tempo que se destaca como uma obra profunda, cruel e terminantemente emocionante. Verdadeiramente uma obra-prima da literatura.
"A Menina que Roubava Livros" é um verdadeiro drama que se passa durante a segunda guerra mundial, durante o reinado de Hitler, e nos traz uma história comovente da garota Liesel Meminger (Sophie Nélisse), que transforma a vida das pessoas ao seu redor com o poder da leitura. Um drama infantil arquitetado pra nos impactar e nos provocar lágrimas com feitos quase heroicos, quase poéticos, de uma menina que sobrevive aos escombros de uma Alemanha nazista em guerra com a Europa. O longa de Brian Percival traz uma mescla entre as descobertas da jovem Liesel, ao roubar os livros e se aventurar com seu amigo Rudy Steiner (Nico Liersch), com os riscos que a sua família assume ao esconder um judeu, que vive na clandestinidade, amigo do senhor Hans Hubermann (Geoffrey Rush), dentro da própria casa.
Muito da história foi inspirada em momentos vividos pelos pais de Markus Zusak que cresceram na Alemanha durante o nazismo.
Temos aqui uma obra que nos é passada sobre a perspectiva da jovem Liesel, pois vivemos toda a sua história a partir do momento que ela perde o irmão, durante a viagem que ela fazia com sua mãe biológica, uma comunista que se viu obrigada a fugir das garras nazista, o que culminou com a decisão de entregar Liesel para a família alemã. A partir dai nos vemos em uma tocante e singela história, de uma garota que descobriu os livros, descobriu a amizade, o amor, a compaixão, o afeto, a ternura, a família, ao mesmo tempo que também descobre o medo, a angústia e o pavor. Este contraponto é muito peculiar e singelo, pois ao mesmo tempo que Liesel descobria o prazer pela leitura e um mundo de aventuras em sua frente, ela era assolada pelo pânico da guerra e toda destruição e dor que ela causava, e tudo isso sendo vivido na pele de uma criança que só queria se divertir e descobrir o mundo, junto com seu inseparável amigo. Toda essa história sendo nos passado pela visão da pequena Liesel me remete diretamente a obra-prima, "O Menino do Pijama Listrado". Outra obra que nos passa a dor e a destruição da guerra pela visão de uma criança que só queria brincar e se divertir com seu amigo.
Temos alguns pontos muito interessantes na trama: como o fato do filme ser narrado pela Morte, de forma inconstante mas curiosa, pois na obra o autor, através da Morte, tenta provar a si mesmo e ao leitor que a vida, apesar de tudo, vale a pena. Ele se confronta com os fantasmas de seu próprio passado, presentes na trajetória de sua família durante o nazismo. Outro ponto: a forma como o filme retrata a vida dos alemães durante a guerra, que não era pelo fato deles serem alemães e viverem na Alemanha durante a guerra que suas vidas eram fáceis (como muitos de fora poderiam achar). Outro ponto: o filme faz questão de mostrar que nem todos os alemães eram nazistas e um ser perverso e odioso, muito pelo contrário, temos a história do senhor Hubermann, que era contra o nazismo e até se opunha ao regime de perseguição aos Judeus.
Inevitavelmente eu tenho que levantar aquele velho debate entre o filme e a sua adaptação, ou inspiração. Entendo o fato do filme nunca seguir a risca a obra adaptada, acho isso até válido, ter uma certa liberdade criativa, mas sempre respeitando a essência dos acontecimentos da obra original. "A Menina que Roubava Livros" tem uma adaptação regular, acerta em uns pontos e peca em outros, ok, entendo que seria impossível adaptar um livro de quase 500 páginas em um filme de pouco mais de 2hs, mas considero uma adaptação mal feita em algumas partes, como no cena após a explosão, onde o roteiro do filme muda alguns pontos cruciais do livro que eu considero uma grande falha. 90% dos eventos do livro estão no filme, mas de uma forma genérica, mal executada, mal trabalhada, o que me leva a crer em um problema da direção de Brian Percival e principalmente da adaptação de Michael Petroni.
Outra coisa que me incomodou bastante no filme: o fato de todos os personagens falarem em inglês mas com um sotaque alemão, ou pior, no meio de um diálogo em inglês ser constantemente enfiado uma palavra em alemão assim do nada, apenas para contextualizar que o filme se passava na Alemanha e estava sendo vivido por alemães. Um erro grotesco, o que deixou o filme com um tom genérico e reforçou ainda mais toda a sua artificialidade.
Tecnicamente e artisticamente o longa é muito bem trabalhado. Temos uma direção de arte muito rigorosa e completamente dentro dos padrões da época, o que deixou a história ainda mais verdadeira. A fotografia é excelente, dando aquele contraste entre a alegria dos descobrimentos da Liesel com os enquadramentos do pânico da guerra e dos ataques nazistas. A trilha sonora do gênio John Williams é muito peculiar, nos transmite a alegria e a dor ali lado a lado. Não é uma das suas melhores trilhas sonoras, como as obras-primas de "A Lista de Schindler" e "Cavalo de Guerra", mas compõe bem a trama.
O elenco do filme é o ponto mais positivo!
Sophie Nélisse está completamente excelente na pele da jovem Liesel Meminger. Sophie consegue achar o tom exato da sua atuação, nos passando aquela jovem sonhadora, apaixonada pelos livros e assustada com tudo ao seu redor. Nico Liersch também tem uma grande presença em cena, seu personagem Rudy Steiner tem um grande impacto na trama e principalmente na história da vida de Liesel. Era muito gostoso de acompanhar o nascimento daquela amizade verdadeira entre os dois, mas também foi completamente doloroso acompanhar o seu desfecho final. O grande ator Geoffrey Rush deu um show em cena, me deixando completamente maravilhado com a sua grandiosa atuação. Era muito gostoso de acompanhar o nascimento daquele amor de pai para filha e vice e versa, onde Geoffrey atuou com excelência ao lado de Sophie Nélisse. Emily Watson foi a Rosa Hubermann, a mãe adotiva de Liesel. Emily trouxe a figura daquela mãe severa, rígida, que sempre estava de mau humor, mas que no fundo guardava um amor verdadeiro pela Liesel - outra atuação perfeita! Ben Schnetzer era o Judeu fugitivo Max Vandenburg, que desenvolveu uma linda amizade com a Liesel. Um dos pontos alto do filme é sem dúvida a cena que Liesel ler para ele no porão de sua casa enquanto ele estava desacordado. Adorei esta cena, retratou muito bem esta parte do livro.
Na temporada de premiações de 2014, "A Menina que Roubava Livros" recebeu indicações ao Oscar, Globo de Ouro e BAFTA por sua trilha sonora. Sophie Nélisse ganhou o Hollywood Film Festival Spotlight Award, o Satellite Newcomer Award e o Phoenix Film Critics Society Award de Melhor Performance de um Jovem em um Papel Principal ou Coadjuvante - Feminino. Concordo plenamente, Sophie Nélisse representou muito bem a figura da Liesel Meminger e foi merecidamente premiada.
"A Menina que Roubava Livros" é um bom filme, retrata bem esta parte dolorosa da história durante a segunda guerra mundial e do regime nazista, e principalmente por nos ser passado sobre a perspectiva de uma criança, o que deixa a obra com um tom mais verídico. Porém, este filme definitivamente funcionará muito melhor para as pessoas que não leram o livro, pois elas não se importarão com as incongruências referentes à obra que foi adaptada, e que eu considero como erros primordiais e até grotescos. [28/07/2022]
"A memória é a escrita da alma - Aristóteles"