o prólogo desse filme é uma das melhores coisas do mundo, meticulosamente concebido e totalmente criativo. o mais incrível é que o filme que segue essa introdução não é decepcionante, é a promessa cumprida pelo início, é o pássaro voando ao som de Hey Jude, é a genialidade destruída por vinte anos de tragédia. é surpreendente como, ainda no início da carreira, o Wes Anderson já era tão brilhante e inventivo formalmente, a câmera sempre no lugar certo, uma música pop deliciosa atrás da outra, o controle total sobre todos os elementos do cinema.
esse é um filme que pode causar um pouco de estranhamento no início, porque o estilo dos Wes Anderson parece criar um distanciamento irônico entre os personagens e o público. as atuações são secas e diretas e tudo tem um tom meio distante e cômico. um bom exemplo é como o filme não deixa de fazer piada nem na parte mais triste da história, aquela tentativa de suicídio. a verdade é que esse estilo do filme, essa indiferença aparente escondendo emoções muito profundas, é bem coerente com a forma de agir e de ver o mundo desses personagens tão estranhos.
não é o que parece à primeira vista, mas esse filme exige que o público enxergue os personagens com sinceridade, compreensão e identificação. é raro encontrar um filme que se importa tanto com o próprio drama, mesmo que seja por trás dessa fachada de comédia bizarra. eu nunca pensei que o Luke Wilson e a Gwyneth Paltrow fossem capazes de emocionar tanto quanto eles fazem aqui, principalmente naquela cena linda da cabana. e a história dos dois é só mais um dos muitos conflitos complexos e profundos entre o personagens muito bem construídos dessa família. é uma história que alcança as formas mais profundas do sentimento humano, e é tudo muito divertido também.
não sei se a comédia dos Irmãos Marx envelheceu mal mesmo ou se o problema é comigo, mas a verdade é que eu não achei esse filme engraçado. mesmo assim, as tramas dos filmes deles são malucas de um jeito bem divertido, servindo como ótimas desculpas pra juntar várias cenas incríveis de tão absurdas e doidas, tipo quando todas as pessoas do mundo se juntam numa cabine minúscula de navio e quando os irmãos trocam os móveis da sala pelos móveis do quarto. esse filme também tem um elemento musical e é interessante o contraste entre a sinceridade melodramática das cenas musicais e a ironia ácida da personalidade insuportável do Groucho Marx (foi mal). aquele interlúdio musical com os dois outros irmãos é bem bonito e uma das melhores coisas do filme, apesar de eu ter achado tudo filmado de um jeito meio indiferente. eu não tenho muita vontade de ver mais filmes dos Irmãos Marx, mas a natureza anárquica e imprevisível desse filme faz com que ele seja uma experiência bem agradável.
a cidade de Zootopia é criada de um jeito muito inventivo e a trama de investigação é divertida, apesar de ser bem absurda. Zootopia é um filme engraçadinho, fofinho e bastante familiar. o que poderia tornar esse filme mais memorável são as mensagens que ele tenta passar. aquela ideia de "você pode ser o que você quiser" é bem genérica e didática, então o mais interessante é a crítica àquele racismo meio fascista à la Donald Trump que o filme faz e que é muito admirável, apesar de não acrescentar nada de novo ou complexo. em geral, é um filme um pouco boboca, tanto nos desenvolvimentos cada vez mais ridículos da trama, quanto no humor, bastante baseado em referências sem graça à cultura pop e em estereótipos, o que estraga um pouco a mensagem contra o preconceito que o filme defende. a pior parte é ter que ouvir duas vezes aquela música horrível da Shakira. no final, fica a sensação de ter visto um filme igual a todos os outros.
a Ava DuVernay conta histórias de drama humano, descobrindo beleza e poesia em sons, imagens e interações, mas esse é um talento que ela viria a refinar mais tarde. I Will Follow é o primeiro filme dela e dá pra perceber, porque é encenado de uma forma meio desajeitada e, pra um filme que fala também de música, a trilha sonora é bem ruim, melosa e excessiva. além de que o Bradford Young faz muita falta: às vezes, esse filme tem a aparência de um daqueles filmes cristãos feitos pra TV. mesmo assim, é uma história tornada melhor por ser contada a partir do ponto de vista ainda relativamente raro no cinema de uma mulher negra madura, inteligente, bem resolvida. é um filme pequeno com a narrativa intimista e uma dramaturgia boa e sincera, que carrega um monte de sentimento e emociona aos poucos.
o Miyazaki é obviamente um mestre da animação, mas eu nunca tinha visto um filme dele tão rico tematicamente e com uma narrativa tão bem executada. e é um filme muito gostoso de se assistir, em que cada momento é impressionante, cada cena é maravilhosa e essas maravilhas se sucedem sem pausa. o efeito disso é a construção de um mundo lindo, bizarro, mais próximo de um sonho do que da realidade, mas de certa forma também bem acessível e compreensível. a Chihiro personifica muito bem um processo de amadurecimento em que o mundo se torna um lugar estranho e hostil, no início dependendo da bondade de estranhos pra depois substituir aquele sentimento de ingenuidade e desespero por força. a trilha sonora do Joe Hisaishi é ótima, bem clássica e tradicional, mas nunca familiar ou genérica, e isso pode se aplicar ao filme todo também, que usa convenções de outros gêneros e emoções bem universais pra contar uma história que é sempre única e imprevisível.
muito bom como um filmão envolvente de aventura no mar. é bem longo e tem muita história pra contar, então acaba que é até estranho como o motim do título demora pra acontecer e, quando acontece, é tão rápido. é uma parte crucial do filme, mas é tratado como um detalhe. as sequências no Taiti parecem desnecessárias na hora e são racialmente insensíveis, como era de se esperar de um filme de 1935, mas funcionam como um interlúdio bonito na história de maldade e abuso incessantes que acontecia antes, são cenas que deixam a narrativa respirar um pouco. é inacreditável como a relação entre os ingleses e os taitianos é tão cordial e respeitosa, até da parte do vilão.
o Capitão Bligh é um pouco ridículo e absurdo de tão constantemente cruel, o Charles Laughton atuando como se fosse um daqueles monstros da Universal, mas é um personagem que tem alguns desenvolvimentos que tornam a personalidade dele mais complexa, apesar de passarem longe de uma redenção. o Capitão Christian é mais interessante, como um cara decente e carismático que faz algumas coisas questionáveis às vezes. esse filme é um monte de coisa ao mesmo tempo e acaba sendo um exemplo muito bom de um desses filmes de espetáculo dos estúdios antigos, mas também é uma boa crítica, didática e revoltante.
eu não tenho a menor dúvida de que a animação nesse filme é linda, o que contribui pra que o Miyazaki crie muitas sequências bonitas, tipo a abertura e aquela cena impressionante e incrível na caverna que brilha. e Laputa é uma criação ótima que combina com todo o mundo mágico sem lugar nem tempo definidos em que se passa o filme. o problema pra mim aqui é que essa trama de aventura e perseguições é tão cheia de informação e de reviravoltas desnecessárias, tão longa e complicada, que o filme fica meio bagunçado e desinteressante. a relação entre os dois personagens principais é bem legal, mas a personalidade deles é um pouco vazia demais pra sustentar esse monte de narrativa. no final, eu já não me importava com nada e queria que o filme acabasse logo.
Psicose tem esse tom de trasheira diabólica, como terror, como suspense e como noir, mas é bem inteligente como construção de um personagem também. e é um material que deixa o Hitchcock fazer coisas sensacionais como estilista, usando o Anthony Perkins, aquela trilha do Bernard Herrmann e uma fotografia preto e branco que é aterrorizante por si só. isso tudo fica bem claro naquela cena ótima de perseguição de carro no início. e a conversa entre o Norman Bates e a Marion Crane no motel é filmada de um jeito incrível, a câmera parada mudando de posição de acordo com o humor dos personagens e as viradas na conversa. esses são só alguns exemplos que não chamam tanta atenção assim em um filme que é todo consistentemente dirigido de forma brilhante. se o filme e a história perderam um pouco do impacto, é porque é um clássico tão conhecido, tão copiado e parodiado, mas isso não é culpa do filme, é culpa do resto do mundo. aquela cena do psiquiatra no final é bem ruim, porque explica as coisas muito desnecessariamente bem explicadinho. mas a cena final é uma maravilha e compensa tudo.
claro que esse filme é uma besteira, mas isso não necessariamente é uma coisa ruim. a premissa é bizarramente divertida e tem umas sequências de ação e comédia bem legais, principalmente quando o padre vai buscar o sangue de uma virgem. toda aquela parte no apartamento do apresentador de televisão é muito boa, mas o problema é que essa parte acaba. aí o filme fica sem ritmo, sem graça, vira uma bagunça. e continua sendo uma besteira.
não é nada substancial, mas as cenas na igreja são muito legais e os efeitos especiais dão um charme pra coisa toda. engraçado que o personagem título aparece por menos de um minuto só pra deixar tudo mais bizarro. eu tava torcendo pela bruxa, difícil torcer por um filósofo tão pateta com aquele cabelinho e aquela risadinha.
fica melhor quando se livra da vontade de fazer piada e abraça a melancolia silenciosa que se espera da Sofia Coppola e do Bill Murray de hoje em dia. e aí vira um retrato bem bonito de pessoas se reunindo pra fazer uma festa no meio da decepção e da solidão. a história de A Very Murray Christmas é só um desculpinha pra botar vários famosos cantando juntos. tem alguns cantores profissionais, mas o mais legal é como as pessoas cantam com a voz normal delas, a música mostrando os sentimentos que elas não sabem como expressar, tipo uma versão estendida da cena do karaokê de Lost in Translation. depois disso vira um pequeno espetáculo e perde um pouco daquela sinceridade de uma celebração meio triste, mas vale a pena por terem chamado o George Clooney só pra ficar brincando no fundo.
o melhor desse filme é como ele concilia o clima de tensão do terror com uma história que é mais um drama humano do que qualquer coisa. é até difícil respirar durante aquele último ato, porque a trilha sonora macabra e as aparições sobrenaturais servem pra intensificar aquelas confrontações humanas em tom de melodrama. o elenco é tão bom e a narrativa tão bem conduzida até então que esse jogo de culpa entre a família se torna um drama real, envolvente, assustador. é um filme que implora pra ser lido como alegoria e ter seus temas discutidos, por causa do gênero, da ambientação e daquele clímax. ele usa tudo isso em seu favor pra fazer um retrato de como essa forma de fanatismo religioso se mostra como medo de tudo e de como esse medo se converte em medo da sexualidade e do corpo da mulher. é uma discussão dessa associação histórica entre bruxaria e sexualidade feminina e como as pessoas usavam isso exatamente como forma de culpar as mulheres pelo mal e pelo desconhecido. nesse sentido, aquele final talvez seja uma confirmação, mas também é destruição disso tudo e uma forma de libertação.
tem uns desenvolvimentos na história da personagem que são absurdos e inacreditáveis. a narrativa parece predeterminada pra fazer ela sofrer e explorar a tragédia dela. mesmo assim, o Lukas Moodysson lida com isso com o mesmo humanismo e graça que ele trouxe pra uma história leve sobre meninas roqueiras (Nós Somos as Melhores!). isso faz com que o filme seja muito bonito e forte emocionalmente mesmo quando as coisas se tornam cada vez mais terríveis. é triste, desesperador de tão triste, um dos filmes mais tristes do mundo, mas ajuda muito que seja uma personagem tão boa e tão real. a verdade é que, apesar de tudo, a Lilya é forte e uma das coisas mais marcantes da personagem é a resistência dela, que é meio insuficiente, mas diz muito mais do que qualquer outra coisa nesse filme. só não diz mais do que a amizade central da história, que segura essa narrativa de virar uma tragédia completa e mostra uma empatia muito grande pelos personagens, mesmo quando o resto do mundo é um lixo. aquele menino Volodya é a esperança e a bondade na vida da protagonista, e eu acho que essas são as coisas mais relevantes pro filme. é muito difícil não se emocionar com isso tudo.
não é o melhor roteiro, mas funciona como um thriller totalmente envolvente e absurdo. e o estilo do Soderbergh traz um ritmo muito rápido que potencializa tudo isso, uma cena transbordando na outra. a primeira parte é um bom estudo de personagem em que o Soderbergh cria imagens muito bonitas da Rooney Mara deprimida, e a atuação dela é sensacional em duas personalidades diferentes. tem uma montagem lá pro final que parece uma coisa desnecessária, explicando muito didaticamente as reviravoltas da história, mas é tudo tão bem feito e lindo que vale a pena. e isso serve pro filme inteiro.
achei meio difícil me importar com os personagens. um exemplo é aquela cunhada, que é uma criação até misógina e risível de tão irritante. mas o pior problema é o personagem do Paul Newman, que é insuportável e interpretado de um jeito meio caricato. só depois que eu vi o filme eu descobri que ele era gay na peça original, e isso é só sugerido pelo filme e até negado por aquele final. esse detalhe omitido explicaria bem porque o conflito dele no filme todo é tão inconvincente, o sofrimento dele meio inexplicado e injustificado. além disso, é uma peça filmada meio no piloto automático com alguns bons atores, principalmente a Elizabeth Taylor, que é meio esquecida pela narrativa a partir de certo ponto da história. acaba que fica uma gritaria exagerada, com um roteiro que é uma sucessão de personagens dando grandes lições de vida e fazendo piadinhas supostamente inteligentes. não tem vida, tudo parece forçado. e esse filme é só texto: toda emoção e história são contadas por diálogos, a trama só avança a partir daquilo que os personagens expõem, então sobra pouco pra uma encenação competente.
eu acho que esse filme é muito mais cinema de tese do que qualquer outra coisa. é um filme de ideias apresentadas por meio de simbolismos, um enigma pedindo pra ser desvendado. as interpretações podem variar, porque é tudo bem confuso mesmo e chega a ser frustrante a forma como algumas partes não são claras e parecem não fazer sentido com o resto da história. o que dá pra tirar daqui principalmente é a crônica de uma família tradicional sendo abalada à medida em que seus membros encontram uma paixão ou interesse. é uma crítica do Pasolini à burguesia, principalmente a partir do momento em que essa paixão comum desaparece e as pessoas da família são forçadas a confrontarem o estilo de vida vazio e artificial de cada uma delas. os personagens refletem sobre as coisas que faltam na vida deles e o filme faz essa reflexão junto, mostrando as formas diferentes que cada um escolhe pra fugir do vazio da vida burguesa.
Baraka é um retrato lindo do planeta. não existe dúvida que esse é um dos filmes mais esteticamente bonitos que existem, mas também existe espaço aqui pra coisas feias e tristes. é impressionante também por mostrar tantas coisas de tantas partes do mundo, apresentando imagens que com certeza muita gente nunca viu antes. achei a trilha sonora exagerada no esforço em ser épica e grandiosa. as imagens falam por si mesmas e são editadas de um jeito bem inteligente, tem uns cortes desorientadores que deixam bem claros os contrastes e semelhanças entre as várias partes do mundo.
por um bom tempo, esse filme é um drama com pouco conflito e uma escala pequena, centrado nas duas personagens principais e a forma como elas se conhecem e desenvolvem uma relação. mesmo assim, paira no ar um clima de mistério, principalmente por causa do estranho destaque que ganham as estranhas pinturas de uma estranha mulher e da trilha sonora de filme de terror. todo esse tom esquisito tem a ver com a relação meio incomum dessas duas mulheres e dá uma sensação de que alguma coisa tá errada nessa história que poderia parecer banal. além de combinar bem com o fato de as duas atrizes principais serem muito lembradas hoje em dia como protagonistas de dois dos maiores filmes de terror da época. fica uma sensação de imprevisibilidade, de que vem à frente algo desconhecido.
então não é tão surpreendente que o filme se transforma completamente, mudando seu ponto de vista e abraçando uma lógica de sonho que leva a desenvolvimentos na história totalmente doidos e meio incompreensíveis também. e o estilo do Altman vai junto, cada vez mais surrealista e incrivelmente bonito. o que é mais surpreendente é como essa história consegue ser trágica, com ajuda de um elenco sensacional. as duas Mildreds são constantemente ignoradas e humilhadas e fica cada vez mais claro que o mundo nunca vai corresponder às expectativas de nenhuma das duas. é muito triste mesmo a forma como elas não conseguem nem encontrar compreensão e amizade uma na outra, principalmente porque existe uma relação de poder entre as duas.
a Sissy Spacek é muito boa, mas a atuação da Shelley Duvall aqui é uma das melhores que eu já vi: ela dá vida perfeitamente a essa personagem que é uma pessoa legal, mas também uma iludida que faz coisas erradas e que não consegue entender direito a devoção da amiga. a beleza e a atmosfera dessa história de duas personagens tão bem construídas fazem com que o filme seja impressionante do início ao fim e envolvente mesmo nos seus acontecimentos mais absurdos. é daquelas experiências que eu queria que não acabassem nunca.
parece que os filmes do Noah Baumbach foram feitos pra mim. com certeza essa história é muito autobiográfica, porque tudo que acontece é bem autêntico e pessoal. a impressão que dá é que todas essas situações estranhas e específicas são fundadas na realidade. a narrativa flui naturalmente, a história cria vida. dá pra se identificar com muita coisa de um jeito não óbvio. em tão pouco tempo, o filme desenvolve cada personagem profundamente e revela várias dimensões de cada um deles.
tem aquela misantropia característica dos filmes do Noah Baumbach sem Greta Gerwig. os personagens muitas vezes são egoístas e imbecis, mas as atitudes que eles tomam são sempre coerentes com a situação em que eles se encontram e justificadas pelo contexto familiar. isso é mais claro no caso do personagem do Jesse Eisenberg, que é um escroto na maior parte do tempo, mas se transforma muito mais do que os pais e o irmão. a história dele é uma história de reconciliação com a importância da mãe na própria vida, de reavaliação da própria história em relação à família. isso tudo se conclui inconclusivamente naquela cena final ambígua e simbólica. é uma história muito bem contada mesmo, com um elenco sensacional e um roteiro melhor ainda. é um pequeno grande filme, que dialoga diretamente comigo.
à primeira vista, o estilo do filme é realista, mas tem várias coisas estranhas inexplicadas acontecendo: dois personagens começam a imitar tigres e tiram a roupa no chão de um bar (mas será que isso aconteceu mesmo?), a imagem às vezes fica preto e branco sem razão aparente, uma mulher nua anda por aí e, claro, o padre que sai da gaveta. isso tudo aproxima o filme do surrealismo e dá uma sensação de que tem algo de errado nesse lugar. também quebra um pouco esse verniz de filme sério pra uma história sobre rebeldia violenta contra o passado. se bem que as ideias desse filme combinam com essa aparência velha e antiquada dos cenários e das pessoas, como se o século XIX ainda não tivesse acabado em 1968.
na verdade tudo isso demora muito a fazer sentido e por muito tempo o filme segue em frente sem direção e sem propósito, que nem os personagens. o que coloca tudo no lugar é a cena ótima das chicotadas, intercalando com as imagens do quarto dos alunos menores, guiada só pelo som do chicote. é o oposto da cena da moto que veio um pouco antes, o oposto da liberdade, sem música nenhuma. o final joga tudo na cara do público, mas não deixa de ser ótimo:
por um lado, é uma biografia normal, dessas que vão do nascimento à morte do personagem e são uma praga, com estrutura bem episódica e passando rapidão pelas partes mais importantes da vida do biografado. a filosofia do Wittgenstein com certeza não cabe em algumas cenas de um filme tão curto, mas eu achei bem representada de uma forma caótica, porque as cenas em que ele discute com os outros personagens são as melhores. por outro lado, é bem legal formalmente, com esse estilo bem teatral, brincalhão e engraçado até. tem umas bizarrices bem-vindas, tipo o Bertrand Russell (que anda sempre de capa), o Marciano (que é verde mas às vezes não é) e tudo na Tilda Swinton (que parece ter a mesma idade há mais de vinte anos).
é o primeiro filme do Dogma 95 que eu vejo, mas duvido que Lars von Trier, Thomas Vinterberg & Outros Doidos tenham feito alguma coisa tão leve e agradável. muita gente morre, mas o filme tem aquele charme de uma comédia romântica que até combina bem com o estilo mais austero de filmagem. a história é meio que fundada em clichês, mas as coisas acontecem tão naturalmente e o elenco é tão legal que não importa. me identifiquei muito com a mulher que fica triste porque derruba coisas no chão.
não faz muito meu estilo de filme essa junção de vários curtas, porque geralmente a qualidade dos pedaços é irregular e nenhuma história dura o tempo suficiente pra gerar uma conexão forte comigo. Kwaidan é bem melhor e mais coerente que a maioria desses filmes, mas tem um pouco desses problemas também: a segunda e a terceira histórias são ótimas e as outras duas também são boas, mas sofrem um pouco em comparação. a duração do filme também pesa um pouco, por causa da quebra de ritmo que acontece toda vez que um segmento termina e outro entra no lugar. mesmo assim, não dá pra negar a escala e a beleza infinitas do filme inteiro. isso é mais claro na terceira história, que demora um pouco pra engrenar, mas é a melhor e mais bonita de todas, com sequências musicais, cenários artificiais e uma digressão absurdamente bonita. tem coisas assim doidas, ambiciosas no filme inteiro, parece que o Kobayashi usou todos os recursos que ele conhecia e deu muito certo.
esse filme deve ter sido muito barato mesmo e dá pra ver, mas a Lizzie Borden supera essas limitações empregando um estilo que é quase uma colagem, com cenas de jornal, narrações, montagens, muitas músicas. isso tudo faz com que o filme seja uma crítica mais profunda e inteligente do papel da mídia em qualquer processo de mudança social. mais do que isso, é uma condenação bem raivosa de uma esquerda masculina e excludente, disposta a manter desigualdades em nome de uma ideologia. a revolução em Born In Flames só pode ser feminista. além de ser um retrato de uma contracultura quase nunca vista no cinema, é um filme impressionante por por ter sido feito nos anos 80, mas ser tão relevante ainda hoje. os problemas que aparecem nessa realidade alternativa são problemas muito contemporâneos e o filme dialoga diretamente com a realidade atual, dizendo coisas ainda novas e importantes.
Os Excêntricos Tenenbaums
4.1 856 Assista Agorao prólogo desse filme é uma das melhores coisas do mundo, meticulosamente concebido e totalmente criativo. o mais incrível é que o filme que segue essa introdução não é decepcionante, é a promessa cumprida pelo início, é o pássaro voando ao som de Hey Jude, é a genialidade destruída por vinte anos de tragédia. é surpreendente como, ainda no início da carreira, o Wes Anderson já era tão brilhante e inventivo formalmente, a câmera sempre no lugar certo, uma música pop deliciosa atrás da outra, o controle total sobre todos os elementos do cinema.
esse é um filme que pode causar um pouco de estranhamento no início, porque o estilo dos Wes Anderson parece criar um distanciamento irônico entre os personagens e o público. as atuações são secas e diretas e tudo tem um tom meio distante e cômico. um bom exemplo é como o filme não deixa de fazer piada nem na parte mais triste da história, aquela tentativa de suicídio. a verdade é que esse estilo do filme, essa indiferença aparente escondendo emoções muito profundas, é bem coerente com a forma de agir e de ver o mundo desses personagens tão estranhos.
não é o que parece à primeira vista, mas esse filme exige que o público enxergue os personagens com sinceridade, compreensão e identificação. é raro encontrar um filme que se importa tanto com o próprio drama, mesmo que seja por trás dessa fachada de comédia bizarra. eu nunca pensei que o Luke Wilson e a Gwyneth Paltrow fossem capazes de emocionar tanto quanto eles fazem aqui, principalmente naquela cena linda da cabana. e a história dos dois é só mais um dos muitos conflitos complexos e profundos entre o personagens muito bem construídos dessa família. é uma história que alcança as formas mais profundas do sentimento humano, e é tudo muito divertido também.
Uma Noite na Ópera
3.9 61 Assista Agoranão sei se a comédia dos Irmãos Marx envelheceu mal mesmo ou se o problema é comigo, mas a verdade é que eu não achei esse filme engraçado. mesmo assim, as tramas dos filmes deles são malucas de um jeito bem divertido, servindo como ótimas desculpas pra juntar várias cenas incríveis de tão absurdas e doidas, tipo quando todas as pessoas do mundo se juntam numa cabine minúscula de navio e quando os irmãos trocam os móveis da sala pelos móveis do quarto. esse filme também tem um elemento musical e é interessante o contraste entre a sinceridade melodramática das cenas musicais e a ironia ácida da personalidade insuportável do Groucho Marx (foi mal). aquele interlúdio musical com os dois outros irmãos é bem bonito e uma das melhores coisas do filme, apesar de eu ter achado tudo filmado de um jeito meio indiferente. eu não tenho muita vontade de ver mais filmes dos Irmãos Marx, mas a natureza anárquica e imprevisível desse filme faz com que ele seja uma experiência bem agradável.
Zootopia: Essa Cidade é o Bicho
4.2 1,5K Assista Agoraa cidade de Zootopia é criada de um jeito muito inventivo e a trama de investigação é divertida, apesar de ser bem absurda. Zootopia é um filme engraçadinho, fofinho e bastante familiar. o que poderia tornar esse filme mais memorável são as mensagens que ele tenta passar. aquela ideia de "você pode ser o que você quiser" é bem genérica e didática, então o mais interessante é a crítica àquele racismo meio fascista à la Donald Trump que o filme faz e que é muito admirável, apesar de não acrescentar nada de novo ou complexo. em geral, é um filme um pouco boboca, tanto nos desenvolvimentos cada vez mais ridículos da trama, quanto no humor, bastante baseado em referências sem graça à cultura pop e em estereótipos, o que estraga um pouco a mensagem contra o preconceito que o filme defende. a pior parte é ter que ouvir duas vezes aquela música horrível da Shakira. no final, fica a sensação de ter visto um filme igual a todos os outros.
I Will Follow
3.5 5a Ava DuVernay conta histórias de drama humano, descobrindo beleza e poesia em sons, imagens e interações, mas esse é um talento que ela viria a refinar mais tarde. I Will Follow é o primeiro filme dela e dá pra perceber, porque é encenado de uma forma meio desajeitada e, pra um filme que fala também de música, a trilha sonora é bem ruim, melosa e excessiva. além de que o Bradford Young faz muita falta: às vezes, esse filme tem a aparência de um daqueles filmes cristãos feitos pra TV. mesmo assim, é uma história tornada melhor por ser contada a partir do ponto de vista ainda relativamente raro no cinema de uma mulher negra madura, inteligente, bem resolvida. é um filme pequeno com a narrativa intimista e uma dramaturgia boa e sincera, que carrega um monte de sentimento e emociona aos poucos.
A Viagem de Chihiro
4.5 2,3K Assista Agorao Miyazaki é obviamente um mestre da animação, mas eu nunca tinha visto um filme dele tão rico tematicamente e com uma narrativa tão bem executada. e é um filme muito gostoso de se assistir, em que cada momento é impressionante, cada cena é maravilhosa e essas maravilhas se sucedem sem pausa. o efeito disso é a construção de um mundo lindo, bizarro, mais próximo de um sonho do que da realidade, mas de certa forma também bem acessível e compreensível. a Chihiro personifica muito bem um processo de amadurecimento em que o mundo se torna um lugar estranho e hostil, no início dependendo da bondade de estranhos pra depois substituir aquele sentimento de ingenuidade e desespero por força. a trilha sonora do Joe Hisaishi é ótima, bem clássica e tradicional, mas nunca familiar ou genérica, e isso pode se aplicar ao filme todo também, que usa convenções de outros gêneros e emoções bem universais pra contar uma história que é sempre única e imprevisível.
O Grande Motim
3.9 53 Assista Agoramuito bom como um filmão envolvente de aventura no mar. é bem longo e tem muita história pra contar, então acaba que é até estranho como o motim do título demora pra acontecer e, quando acontece, é tão rápido. é uma parte crucial do filme, mas é tratado como um detalhe. as sequências no Taiti parecem desnecessárias na hora e são racialmente insensíveis, como era de se esperar de um filme de 1935, mas funcionam como um interlúdio bonito na história de maldade e abuso incessantes que acontecia antes, são cenas que deixam a narrativa respirar um pouco. é inacreditável como a relação entre os ingleses e os taitianos é tão cordial e respeitosa, até da parte do vilão.
o Capitão Bligh é um pouco ridículo e absurdo de tão constantemente cruel, o Charles Laughton atuando como se fosse um daqueles monstros da Universal, mas é um personagem que tem alguns desenvolvimentos que tornam a personalidade dele mais complexa, apesar de passarem longe de uma redenção. o Capitão Christian é mais interessante, como um cara decente e carismático que faz algumas coisas questionáveis às vezes. esse filme é um monte de coisa ao mesmo tempo e acaba sendo um exemplo muito bom de um desses filmes de espetáculo dos estúdios antigos, mas também é uma boa crítica, didática e revoltante.
O Castelo no Céu
4.2 326 Assista Agoraeu não tenho a menor dúvida de que a animação nesse filme é linda, o que contribui pra que o Miyazaki crie muitas sequências bonitas, tipo a abertura e aquela cena impressionante e incrível na caverna que brilha. e Laputa é uma criação ótima que combina com todo o mundo mágico sem lugar nem tempo definidos em que se passa o filme. o problema pra mim aqui é que essa trama de aventura e perseguições é tão cheia de informação e de reviravoltas desnecessárias, tão longa e complicada, que o filme fica meio bagunçado e desinteressante. a relação entre os dois personagens principais é bem legal, mas a personalidade deles é um pouco vazia demais pra sustentar esse monte de narrativa. no final, eu já não me importava com nada e queria que o filme acabasse logo.
Psicose
4.4 2,5K Assista AgoraPsicose tem esse tom de trasheira diabólica, como terror, como suspense e como noir, mas é bem inteligente como construção de um personagem também. e é um material que deixa o Hitchcock fazer coisas sensacionais como estilista, usando o Anthony Perkins, aquela trilha do Bernard Herrmann e uma fotografia preto e branco que é aterrorizante por si só. isso tudo fica bem claro naquela cena ótima de perseguição de carro no início. e a conversa entre o Norman Bates e a Marion Crane no motel é filmada de um jeito incrível, a câmera parada mudando de posição de acordo com o humor dos personagens e as viradas na conversa. esses são só alguns exemplos que não chamam tanta atenção assim em um filme que é todo consistentemente dirigido de forma brilhante. se o filme e a história perderam um pouco do impacto, é porque é um clássico tão conhecido, tão copiado e parodiado, mas isso não é culpa do filme, é culpa do resto do mundo. aquela cena do psiquiatra no final é bem ruim, porque explica as coisas muito desnecessariamente bem explicadinho. mas a cena final é uma maravilha e compensa tudo.
O Dia da Besta
3.8 189claro que esse filme é uma besteira, mas isso não necessariamente é uma coisa ruim. a premissa é bizarramente divertida e tem umas sequências de ação e comédia bem legais, principalmente quando o padre vai buscar o sangue de uma virgem. toda aquela parte no apartamento do apresentador de televisão é muito boa, mas o problema é que essa parte acaba. aí o filme fica sem ritmo, sem graça, vira uma bagunça. e continua sendo uma besteira.
Viy: A Lenda do Monstro
3.8 81não é nada substancial, mas as cenas na igreja são muito legais e os efeitos especiais dão um charme pra coisa toda. engraçado que o personagem título aparece por menos de um minuto só pra deixar tudo mais bizarro. eu tava torcendo pela bruxa, difícil torcer por um filósofo tão pateta com aquele cabelinho e aquela risadinha.
A Very Murray Christmas
2.9 74 Assista Agorafica melhor quando se livra da vontade de fazer piada e abraça a melancolia silenciosa que se espera da Sofia Coppola e do Bill Murray de hoje em dia. e aí vira um retrato bem bonito de pessoas se reunindo pra fazer uma festa no meio da decepção e da solidão. a história de A Very Murray Christmas é só um desculpinha pra botar vários famosos cantando juntos. tem alguns cantores profissionais, mas o mais legal é como as pessoas cantam com a voz normal delas, a música mostrando os sentimentos que elas não sabem como expressar, tipo uma versão estendida da cena do karaokê de Lost in Translation. depois disso vira um pequeno espetáculo e perde um pouco daquela sinceridade de uma celebração meio triste, mas vale a pena por terem chamado o George Clooney só pra ficar brincando no fundo.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista Agorao melhor desse filme é como ele concilia o clima de tensão do terror com uma história que é mais um drama humano do que qualquer coisa. é até difícil respirar durante aquele último ato, porque a trilha sonora macabra e as aparições sobrenaturais servem pra intensificar aquelas confrontações humanas em tom de melodrama. o elenco é tão bom e a narrativa tão bem conduzida até então que esse jogo de culpa entre a família se torna um drama real, envolvente, assustador. é um filme que implora pra ser lido como alegoria e ter seus temas discutidos, por causa do gênero, da ambientação e daquele clímax. ele usa tudo isso em seu favor pra fazer um retrato de como essa forma de fanatismo religioso se mostra como medo de tudo e de como esse medo se converte em medo da sexualidade e do corpo da mulher. é uma discussão dessa associação histórica entre bruxaria e sexualidade feminina e como as pessoas usavam isso exatamente como forma de culpar as mulheres pelo mal e pelo desconhecido. nesse sentido, aquele final talvez seja uma confirmação, mas também é destruição disso tudo e uma forma de libertação.
Para Sempre Lilya
4.2 869tem uns desenvolvimentos na história da personagem que são absurdos e inacreditáveis. a narrativa parece predeterminada pra fazer ela sofrer e explorar a tragédia dela. mesmo assim, o Lukas Moodysson lida com isso com o mesmo humanismo e graça que ele trouxe pra uma história leve sobre meninas roqueiras (Nós Somos as Melhores!). isso faz com que o filme seja muito bonito e forte emocionalmente mesmo quando as coisas se tornam cada vez mais terríveis. é triste, desesperador de tão triste, um dos filmes mais tristes do mundo, mas ajuda muito que seja uma personagem tão boa e tão real. a verdade é que, apesar de tudo, a Lilya é forte e uma das coisas mais marcantes da personagem é a resistência dela, que é meio insuficiente, mas diz muito mais do que qualquer outra coisa nesse filme. só não diz mais do que a amizade central da história, que segura essa narrativa de virar uma tragédia completa e mostra uma empatia muito grande pelos personagens, mesmo quando o resto do mundo é um lixo. aquele menino Volodya é a esperança e a bondade na vida da protagonista, e eu acho que essas são as coisas mais relevantes pro filme. é muito difícil não se emocionar com isso tudo.
Terapia de Risco
3.6 1,0K Assista Agoranão é o melhor roteiro, mas funciona como um thriller totalmente envolvente e absurdo. e o estilo do Soderbergh traz um ritmo muito rápido que potencializa tudo isso, uma cena transbordando na outra. a primeira parte é um bom estudo de personagem em que o Soderbergh cria imagens muito bonitas da Rooney Mara deprimida, e a atuação dela é sensacional em duas personalidades diferentes. tem uma montagem lá pro final que parece uma coisa desnecessária, explicando muito didaticamente as reviravoltas da história, mas é tudo tão bem feito e lindo que vale a pena. e isso serve pro filme inteiro.
Gata em Teto de Zinco Quente
4.1 207 Assista Agoraachei meio difícil me importar com os personagens. um exemplo é aquela cunhada, que é uma criação até misógina e risível de tão irritante. mas o pior problema é o personagem do Paul Newman, que é insuportável e interpretado de um jeito meio caricato. só depois que eu vi o filme eu descobri que ele era gay na peça original, e isso é só sugerido pelo filme e até negado por aquele final. esse detalhe omitido explicaria bem porque o conflito dele no filme todo é tão inconvincente, o sofrimento dele meio inexplicado e injustificado. além disso, é uma peça filmada meio no piloto automático com alguns bons atores, principalmente a Elizabeth Taylor, que é meio esquecida pela narrativa a partir de certo ponto da história. acaba que fica uma gritaria exagerada, com um roteiro que é uma sucessão de personagens dando grandes lições de vida e fazendo piadinhas supostamente inteligentes. não tem vida, tudo parece forçado. e esse filme é só texto: toda emoção e história são contadas por diálogos, a trama só avança a partir daquilo que os personagens expõem, então sobra pouco pra uma encenação competente.
Teorema
4.0 198eu acho que esse filme é muito mais cinema de tese do que qualquer outra coisa. é um filme de ideias apresentadas por meio de simbolismos, um enigma pedindo pra ser desvendado. as interpretações podem variar, porque é tudo bem confuso mesmo e chega a ser frustrante a forma como algumas partes não são claras e parecem não fazer sentido com o resto da história. o que dá pra tirar daqui principalmente é a crônica de uma família tradicional sendo abalada à medida em que seus membros encontram uma paixão ou interesse. é uma crítica do Pasolini à burguesia, principalmente a partir do momento em que essa paixão comum desaparece e as pessoas da família são forçadas a confrontarem o estilo de vida vazio e artificial de cada uma delas. os personagens refletem sobre as coisas que faltam na vida deles e o filme faz essa reflexão junto, mostrando as formas diferentes que cada um escolhe pra fugir do vazio da vida burguesa.
Baraka - Um Mundo Além das Palavras
4.5 136Baraka é um retrato lindo do planeta. não existe dúvida que esse é um dos filmes mais esteticamente bonitos que existem, mas também existe espaço aqui pra coisas feias e tristes. é impressionante também por mostrar tantas coisas de tantas partes do mundo, apresentando imagens que com certeza muita gente nunca viu antes. achei a trilha sonora exagerada no esforço em ser épica e grandiosa. as imagens falam por si mesmas e são editadas de um jeito bem inteligente, tem uns cortes desorientadores que deixam bem claros os contrastes e semelhanças entre as várias partes do mundo.
Três Mulheres
4.1 57 Assista Agorapor um bom tempo, esse filme é um drama com pouco conflito e uma escala pequena, centrado nas duas personagens principais e a forma como elas se conhecem e desenvolvem uma relação. mesmo assim, paira no ar um clima de mistério, principalmente por causa do estranho destaque que ganham as estranhas pinturas de uma estranha mulher e da trilha sonora de filme de terror. todo esse tom esquisito tem a ver com a relação meio incomum dessas duas mulheres e dá uma sensação de que alguma coisa tá errada nessa história que poderia parecer banal. além de combinar bem com o fato de as duas atrizes principais serem muito lembradas hoje em dia como protagonistas de dois dos maiores filmes de terror da época. fica uma sensação de imprevisibilidade, de que vem à frente algo desconhecido.
então não é tão surpreendente que o filme se transforma completamente, mudando seu ponto de vista e abraçando uma lógica de sonho que leva a desenvolvimentos na história totalmente doidos e meio incompreensíveis também. e o estilo do Altman vai junto, cada vez mais surrealista e incrivelmente bonito. o que é mais surpreendente é como essa história consegue ser trágica, com ajuda de um elenco sensacional. as duas Mildreds são constantemente ignoradas e humilhadas e fica cada vez mais claro que o mundo nunca vai corresponder às expectativas de nenhuma das duas. é muito triste mesmo a forma como elas não conseguem nem encontrar compreensão e amizade uma na outra, principalmente porque existe uma relação de poder entre as duas.
a Sissy Spacek é muito boa, mas a atuação da Shelley Duvall aqui é uma das melhores que eu já vi: ela dá vida perfeitamente a essa personagem que é uma pessoa legal, mas também uma iludida que faz coisas erradas e que não consegue entender direito a devoção da amiga. a beleza e a atmosfera dessa história de duas personagens tão bem construídas fazem com que o filme seja impressionante do início ao fim e envolvente mesmo nos seus acontecimentos mais absurdos. é daquelas experiências que eu queria que não acabassem nunca.
A Lula e a Baleia
3.7 317 Assista Agoraparece que os filmes do Noah Baumbach foram feitos pra mim.
com certeza essa história é muito autobiográfica, porque tudo que acontece é bem autêntico e pessoal. a impressão que dá é que todas essas situações estranhas e específicas são fundadas na realidade. a narrativa flui naturalmente, a história cria vida. dá pra se identificar com muita coisa de um jeito não óbvio. em tão pouco tempo, o filme desenvolve cada personagem profundamente e revela várias dimensões de cada um deles.
tem aquela misantropia característica dos filmes do Noah Baumbach sem Greta Gerwig. os personagens muitas vezes são egoístas e imbecis, mas as atitudes que eles tomam são sempre coerentes com a situação em que eles se encontram e justificadas pelo contexto familiar. isso é mais claro no caso do personagem do Jesse Eisenberg, que é um escroto na maior parte do tempo, mas se transforma muito mais do que os pais e o irmão. a história dele é uma história de reconciliação com a importância da mãe na própria vida, de reavaliação da própria história em relação à família. isso tudo se conclui inconclusivamente naquela cena final ambígua e simbólica.
é uma história muito bem contada mesmo, com um elenco sensacional e um roteiro melhor ainda. é um pequeno grande filme, que dialoga diretamente comigo.
Se...
3.9 170à primeira vista, o estilo do filme é realista, mas tem várias coisas estranhas inexplicadas acontecendo: dois personagens começam a imitar tigres e tiram a roupa no chão de um bar (mas será que isso aconteceu mesmo?), a imagem às vezes fica preto e branco sem razão aparente, uma mulher nua anda por aí e, claro, o padre que sai da gaveta. isso tudo aproxima o filme do surrealismo e dá uma sensação de que tem algo de errado nesse lugar. também quebra um pouco esse verniz de filme sério pra uma história sobre rebeldia violenta contra o passado. se bem que as ideias desse filme combinam com essa aparência velha e antiquada dos cenários e das pessoas, como se o século XIX ainda não tivesse acabado em 1968.
na verdade tudo isso demora muito a fazer sentido e por muito tempo o filme segue em frente sem direção e sem propósito, que nem os personagens. o que coloca tudo no lugar é a cena ótima das chicotadas, intercalando com as imagens do quarto dos alunos menores, guiada só pelo som do chicote. é o oposto da cena da moto que veio um pouco antes, o oposto da liberdade, sem música nenhuma. o final joga tudo na cara do público, mas não deixa de ser ótimo:
um militar defendendo a tradição e o patriotismo, sem perceber que tudo ao seu redor queima, que o novo destrói tudo o que é velho.
Wittgenstein
4.1 39por um lado, é uma biografia normal, dessas que vão do nascimento à morte do personagem e são uma praga, com estrutura bem episódica e passando rapidão pelas partes mais importantes da vida do biografado. a filosofia do Wittgenstein com certeza não cabe em algumas cenas de um filme tão curto, mas eu achei bem representada de uma forma caótica, porque as cenas em que ele discute com os outros personagens são as melhores. por outro lado, é bem legal formalmente, com esse estilo bem teatral, brincalhão e engraçado até. tem umas bizarrices bem-vindas, tipo o Bertrand Russell (que anda sempre de capa), o Marciano (que é verde mas às vezes não é) e tudo na Tilda Swinton (que parece ter a mesma idade há mais de vinte anos).
Italiano para Principiantes
3.7 25é o primeiro filme do Dogma 95 que eu vejo, mas duvido que Lars von Trier, Thomas Vinterberg & Outros Doidos tenham feito alguma coisa tão leve e agradável. muita gente morre, mas o filme tem aquele charme de uma comédia romântica que até combina bem com o estilo mais austero de filmagem. a história é meio que fundada em clichês, mas as coisas acontecem tão naturalmente e o elenco é tão legal que não importa. me identifiquei muito com a mulher que fica triste porque derruba coisas no chão.
Kwaidan: As Quatro Faces do Medo
4.2 74não faz muito meu estilo de filme essa junção de vários curtas, porque geralmente a qualidade dos pedaços é irregular e nenhuma história dura o tempo suficiente pra gerar uma conexão forte comigo. Kwaidan é bem melhor e mais coerente que a maioria desses filmes, mas tem um pouco desses problemas também: a segunda e a terceira histórias são ótimas e as outras duas também são boas, mas sofrem um pouco em comparação. a duração do filme também pesa um pouco, por causa da quebra de ritmo que acontece toda vez que um segmento termina e outro entra no lugar. mesmo assim, não dá pra negar a escala e a beleza infinitas do filme inteiro. isso é mais claro na terceira história, que demora um pouco pra engrenar, mas é a melhor e mais bonita de todas, com sequências musicais, cenários artificiais e uma digressão absurdamente bonita. tem coisas assim doidas, ambiciosas no filme inteiro, parece que o Kobayashi usou todos os recursos que ele conhecia e deu muito certo.
Nascidas em Chamas
4.1 15 Assista Agoraesse filme deve ter sido muito barato mesmo e dá pra ver, mas a Lizzie Borden supera essas limitações empregando um estilo que é quase uma colagem, com cenas de jornal, narrações, montagens, muitas músicas. isso tudo faz com que o filme seja uma crítica mais profunda e inteligente do papel da mídia em qualquer processo de mudança social. mais do que isso, é uma condenação bem raivosa de uma esquerda masculina e excludente, disposta a manter desigualdades em nome de uma ideologia. a revolução em Born In Flames só pode ser feminista. além de ser um retrato de uma contracultura quase nunca vista no cinema, é um filme impressionante por por ter sido feito nos anos 80, mas ser tão relevante ainda hoje. os problemas que aparecem nessa realidade alternativa são problemas muito contemporâneos e o filme dialoga diretamente com a realidade atual, dizendo coisas ainda novas e importantes.