parte considerável desse filme é uma sucessão de entrevistas, como poderia ser em um documentário qualquer, mas o Joshua Oppenheimer subverte isso pela escolha de quem conduz essas entrevistas: essas conversas se tornam embates. nesse sentido, o filme todo é um confronto sobre as diversas formas como a história de um país é contada. mas essa não é a única maneira como o Joshua Oppenheimer revitaliza a linguagem do documentário e usa essa forma a seu favor. o filme todo é dirigido e montado com precisão e estilo, e ainda sobra espaço pra imagens lindas e fortes de pessoas e de paisagens. tudo que aparece são filmagens recentes, porque isso é uma reflexão sobre as marcas que o passado deixa no presente.
o conceito aqui é menos simples e chamativo do que em The Act of Killing, mas esse filme é mais focado. é impressionante como o Oppenheimer consegue abordar um mesmo assunto de diversos ângulos sem se tornar repetitivo, se aprofundando cada vez mais. nesse filme, ele tem personagens incríveis e admiráveis pra fazer com que o material tenha ainda mais força: o Adi, com determinação e coragem incansáveis, e a mãe dele, de cujas falas o filme extrai um monte de poesia e beleza. The Look of Silence é um olhar devastador sobre uma família arrasada pela perda e um retrato sobre como as tragédias públicas se refletem em tragédias privadas.
esse filme é difícil e eu nem sei explicar por quê. não é chato, não testa a paciência, é fácil de entender. eu acho que tem a ver com o contraste entre o realismo das imagens do Tsai Ming-liang e o simbolismo que ele parece empregar em todos os momentos. cada atitude dos personagens e a trama simples do filme adquirem significados muito mais profundos aqui. a impressão que dá é que tudo nessa história tem uma dimensão simbólica muito rica, mas pouca coisa é imediatamente visível.
mas tem também algo de acessível no filme, principalmente na forma como a história surge aos poucos, a partir de pouquíssimos diálogos expositivos. é muito boa a sensação de que qualquer coisa pode acontecer, reforçada pelo tom misterioso do filme todo. a relação entre os personagens demora a ficar clara, e o estado interno deles é meio inacessível mas também bastante intrigante.
as tomadas em geral não são tão longas assim, mas às vezes elas se alongam e o Tsai usa isso em seu favor de uma forma brilhante, o que fica bem claro nas cenas de sexo, que são os momentos com mais peso emocional do filme. e o Lee Kang-sheng se entrega demais, ele é um ator muito intenso e isso fica ainda mais acentuado em contraste com a natureza quieta do filme. eu não tenho certeza não, mas acho que grande parte do que ele faz nesse filme aqui (nas cenas de dor no pescoço) é comédia física pura.
O Rio é um filme sobre falta de comunicação, sobre desejos reprimidos, que aos poucos deixa uma marca bem forte. o que sobra é um retrato pungente de pessoas solitárias nos cantos de uma cidade grande.
a Brie Larson prova de novo que é uma grande atriz em um desempenho incrível interpretando uma personagem ótima com uma história impressionante e absurda. mesmo assim, parece que ela tá sempre implorando por atenção do próprio filme, porque isso aqui não é a história dela, e talvez por isso seja um filme tão frustrante. o foco da narrativa é o Jack, então várias coisas que acontecem com a Mãe são ignoradas: parece que o que ela tem a dizer não importa e as experiências dela na segunda parte do filme só são relevantes quando presenciadas pelo filho, então várias coisas ficam mal explicadas e mal resolvidas. eu nem sei se isso é uma reclamação muito legítima, mas eu estava muito mais interessado em saber do Velho Nick: quem era ele? o que aconteceu com ele? porque ele fez aquilo? por que alguém faria aquilo? tinha tanta história pra ser contada aí e tanto potencial dramático inexplorado que deu uma sensação muito forte de oportunidade perdida. uma das poucas ocasiões em que eu me incomodei verdadeiramente com o que um filme decide mostrar e esconder.
não tem nada de objetivamente errado nessa ideia de contar tudo da perspectiva da criança, mas isso teria que ser bem feito. eu fiquei o filme inteiro me perguntando se fizeram alguma pesquisa sobre esse assunto, porque nada daquilo me pareceu autêntico: não parecia uma criança de verdade. além de ser um personagem bem irritante às vezes, todos os diálogos dele davam a impressão de querer explicar direitinho como ele via a vida de uma forma diferente das outras pessoas, não tinha nada espontâneo ali. e aquela narração era horrível porque potencializava tudo isso ao máximo, mostrando bem explicitamente como esse filme tenta achar graça e tirar poesia da ingenuidade forçada de uma criança.
é meio mal dirigido também, com uma trilha sonora melosa genérica de filme indie, umas câmeras lentas, uma fotografia tremida que às vezes fica fora de foco. eu acho que a ideia era mostrar tudo como se tivesse sendo visto pelo Jack, mas na verdade é bem feio. apesar disso tudo, o filme funciona bem na primeira metade, por causa da força dramática da situação toda, do foco maior na Mãe, e da ação centrada toda num espaço só. a narrativa flui bem porque a história é revoltante e intrigante, e porque existe a sensação de que tudo aquilo vai culminar em alguma coisa. parece outro filme: até essa coisa de o foco ser todo no Jack é bem explorada naquelas cenas dentro do armário. o problema maior mesmo é na segunda metade, e eu nem sei se é metade mesmo, porque parece ser muito mais longa que a primeira. a escala de tudo aumenta, o filme vira uma bagunça sem direção, parece que a história não vai chegar em lugar nenhum. e a Brie Larson faz muita falta.
que doideira. é basicamente uma sucessão de cenas, uma mais surreal do que a outra. e muitas delas são incríveis: é muito boa a representação que esse filme faz da morte, do sexo, dos balões e do Velozes & Furiosos. e a animação é coerentemente muito abstrata. mas a narrativa é tão estranha que fica difícil sentir qualquer conexão por essa história e por esses personagens. ninguém parece ter uma personalidade de verdade (principalmente as personagens femininas) e parece que os acontecimentos não têm nenhuma relação entre si. aquelas montagens no início e no fim sugerem que tem muito mais nessa história do que esse filme mostra, mas eu gostaria de ver isso mais bem desenvolvido.
eu tinha ouvido falar que esse filme falava de relações de gênero, mas eu não tava vendo nada disso enquanto eu assistia, até que vieram os créditos e começou a tocar aquela música da Savages. a escolha dessa música é tão característica de um homem querendo pagar de feminista que me fez reavaliar em retrospecto todo o filme que eu tinha visto. talvez por isso aquele final tenha sido meio frustrante (apesar de bonito) pra mim: por me identificar mais com o Caleb nessa história e deixar de considerar a Ava como indivíduo, com sentimentos e desejos que existem além da relação dela com os homens. talvez tenha sido um problema meu, ou talvez o filme esteja questionando a forma como o público vê esse tipo de história. de qualquer forma, eu tenho a impressão que o filme vai muito além de ser uma simples história de Vingança Contra O Patriarcado, que é o que pareceu à primeira vista. quem sabe numa revisão?
a verdade é que isso é só um pedaço do filme, o que mostra o tanto de coisa que ele diz e que ele explora a partir desse conceito central. é bem denso nesse sentido, mas tudo flui naturalmente, porque é um roteiro bem escrito e bem estruturado pra explorar uma premissa interessante que dá espaço pra muita discussão. mesmo tirando tudo isso, o que sobra é um thriller muito envolvente e que é tão bom de assistir por causa de escolhas acertadas do roteiro e da direção. o Alex Garland estabelece um ponto de partida intrigante e mantém o controle sobre isso até o fim, evitando complicar desnecessariamente as coisas e mantendo toda a narrativa fixada num único espaço. a partir disso, ele cria muita tensão e faz maravilhas com ela. é uma experiência bem legal por ser uma narrativa original e contida, em que tudo funciona bem.
tem umas oportunidades perdidas também, como algumas cenas mais pro final em que um personagem fica explicando uns acontecimentos tudo muito bem explicadinho e seria melhor se as coisas não fossem contadas por meio do diálogo. parece uma forma barata de criar surpresas desnecessárias, ou talvez o roteirista não tivesse confiança no diretor (mesmo sendo os dois a mesma pessoa).
fora que não tem nada de surpreendente na forma como o Nathan se revela um malvadão, porque é muito previsível, mas também porque o Oscar Isaac desde o início age como um cara meio doido tentando parecer normal.
o filme tem um estilo frio, mas vai se tornando comovente com o tempo. isso porque a Ava é uma personagem tão trágica e tão bem construída aos poucos, a partir de gestos e pedaços de diálogo. a Alicia Vikander se torna Ava e dá a impressão que ela era a única escolha possível pra esse filme. dentre os muitos filmes que ela fez em 2015, esse vai ser provavelmente o único que eu vou ver, mas já deu pra entender porque as pessoas gostam tanto dela.
se isso fosse uma sátira, seria tudo absurdo demais pra ser verdade. o Joshua Oppenheimer (junto com vários anônimos) parte de um conceito talvez sem precedentes pra criar um filme moralmente complexo e politicamente inteligente. é uma história sobre pessoas horríveis, mas um dos trunfos do filme é que essas pessoas horríveis são tão carismáticas: o Anwar Congo é um assassino simpático e seus dois melhores amigos são um assassino articulado e um assassino que usa umas roupas de mulher bizarras. isso fica mais claro ainda quando aqueles membros da Juventude Pancasila abrem a boca e eles são tão repulsivos que não conseguiriam sustentar filme nenhum. o filme fica então constantemente fazendo esse jogo de atração e horror em relação aos personagens principais e seus relatos. e assim desenvolve várias ideias sobre o que leva as pessoas a cometerem os atos que cometem e o que isso tem a ver com a forma como essas pessoas se apresentam publicamente, de um jeito parecido com a performance no cinema. tudo isso no contexto de um país que se recusou a prestar contas com seu passado, onde as instituições e a política ainda são contaminadas pelas mesmas ideias e pelas mesmas pessoas que foram responsáveis por um genocídio muitos anos atrás, e nesse sentido é um filme muito importante inclusive no Brasil. a premissa do filme é moralmente questionável e chocante até o fim, mas isso faz com que o resultado seja tão relevante e necessário. por outro lado, o único relato de uma vítima que aparece no filme é incrivelmente doloroso. mas talvez isso tenha mais a ver com o próximo filme do Oppenheimer.
Tangerine é um filme que diz muito pelas suas escolhas estéticas. o fato de ter sido tudo filmado num iphone aponta pras possibilidades que o futuro do cinema apresenta: o espírito inovador de um cinema barato, pessoal, que vem da rua; a ampliação do acesso aos meios de criação, que destrói o que é velho e constrói coisas novas; a experimentação com a fotografia digital. e é tudo muito bem filmado, as cores saturadas da cidade estourando durante o dia, e as luzes da cidade sendo aproveitadas ao máximo durante a noite. os poucos ambientes fechados sem janela são feios mesmo, porque a vida aqui é na rua: o quarto de onde sai a Dinah é o pior lugar do mundo, e a casa do taxista tem um ar infernal que motiva ele a sair pela cidade procurando sua cinderela. tem um plano relativamente longo no lava-jato que parece que o filme foi parar em uma dimensão mais abstrata. o uso de música é barulhento e inconstante, a edição é rápida e caótica.
mas não é como se esse estilo histérico não combinasse com o conteúdo do filme, uma história sobre gritaria, sobre pessoas à margem da sociedade e do cinema, sobre histórias nunca contadas. não devia ser grande coisa um filme sobre mulheres trans ter um elenco composto de mulheres trans, mas isso hoje em dia ainda é revolucionário. é muito humanista também, as relações entre os personagens oscilam do ódio à amizade verdadeira em segundos, criam-se laços muito fortes, surgem momentos lindos. a câmera segue os personagens por aí, sem um olhar moralizante, só deixando eles existirem. isso tudo por meio de uma narrativa cada vez mais rápida, em que muitas cenas são o caos.
é uma bagunça e é hilário, mas no meio dessa insanidade surge uma melancolia profunda. o elenco todo é muito bom e eu não sei onde eles acharam essas pessoas todas, mas a Mya Taylor é o coração do filme. ela carrega no olhar toda uma vida muito difícil, de sofrimento e luta. ela parte o coração do público desde a trama da apresentação no bar, e tudo isso culmina no final. aquela última cena traz toda a humanidade do filme à tona e é uma representação incrível do bem que as pessoas podem fazer umas às outras, só por estarem juntas.
Tangerine é uma sinfonia do submundo da metrópole, um manifesto por representação autêntica e por vitalidade no cinema independente.
eu tava achando tudo tradicional e antiquado demais até que a Saoirse Ronan cagou num balde, mas logo em seguida tudo voltou a ser tradicional e antiquado demais. é uma história contada de um jeito pouco notável e um filme que nunca se arrisca, mas esse tom de filme de vó até que é adequado nesse caso. funciona melhor enquanto estudo de personagem e como romance, em que todo mundo é muito legal e do bem. até esse ponto, não existe muita complicação na trama: o conflito é todo interno, e isso é uma abordagem até surpreendente pra esse tipo de filme. tudo é bem agradável e cativante. até que entra em cena o Domhnall Gleeson e surge um conflito, mas o interesse diminui. é interessante como aquele problema do final demora pra surgir no filme e se resolve tão rápido. a protagonista entra num dilema que podia basear um filme inteiro, mas aqui é bem mal desenvolvido. é um filme bonito, mas bem esquecível. e aquela criança é chata demais.
uma boa premissa muito bem desenvolvida. o filme todo é dirigido e fotografado de um jeito lindo e sem muitas firulas. a narrativa é elegante, concisa e direta. e tem aquela trilha sonora. ainda não sei o que esse filme quer dizer sobre sexualidade e sobre jovens.
eu não esperava muita coisa desse filme, mas me surpreendi positivamente. não importa que o Iñárritu tenha dito que esse filme não tem gênero, porque a melhor leitura pra esse filme é como um bom e velho faroeste.
o personagem do Leonardo DiCaprio é meio mal desenvolvido e as participações metafísicas da esposa dele não são convicentes, então fica difícil sentir alguma coisa por ele. a única coisa que guia o personagem é a vingança e o filme parece que só quer chocar com todo aquele sofrimento. na minha sessão as pessoas riam bastante do absurdo da situação, mas não existe senso de humor no filme pra deixar claro que é essa a intenção - o filme se apresenta como uma experiência séria e profunda. isso não funciona, mas não importa muito, porque essa parte da história é bem divertida, principalmente pra quem gosta de ver o Leonardo DiCaprio se fodendo muito. aliás, todas as cenas que envolvem qualquer outra coisa que não seja a sobrevivência e a vingança do protagonista são bem chatas e não acrescentam nada. talvez isso explica porque esse filme seja tão desnecessariamente longo.
uma das coisas mais fascinantes é o contraste entre a simplicidade da trama principal e a escala e a ambição do filme todo: todo mundo dá o seu máximo pra contar uma historinha bem legal do bem contra o mal. a fotografia do Lubezki é previsivelmente muito linda e bastante amostrada e isso talvez seja o maior prazer do filme, principalmente nas cenas de ação. toda a técnica envolvida é impressionante e uma história desse tipo contada dessa forma faz com que o filme tenha uns momentos muito bons em que a narrativa avança sem diálogo nenhum. o filme como um todo podia ter até menos diálogos, mas esse roteiro é bem funcional. isso é uma das maiores virtudes do filme e esconde o problema do Iñárritu quando ele tenta impressionar por meio do roteiro, que é ser tão arrogante e não ter nada interessante a dizer. seria melhor pra todo mundo se o Iñárritu e o Lubezki seguissem carreira nos filmes de ação.
com esse título, dava pra esperar um daqueles filmes indie americanos bem genéricos e bobocas. tem um pouco disso aqui, principalmente na trilha sonora e na resolução meio familiar demais da história da protagonista. mas para por aí. é tudo muito bem executado: a Bel Powley é sensacional e tá pronta pra qualquer parada, as sequências de animação parecem desnecessárias no início, mas com o tempo começam a fazer sentido na narrativa e são responsáveis por uns momentos lindos e abstratos.
é um filme que tem muito mais a dizer sobre sexo do que qualquer um desses filmes de sexo recentes, e tudo é representado de um jeito muito novo e inteligente. é impressionante como não existe nenhum tipo de julgamento em relação à sexualidade e aos relacionamentos da personagem principal. é transgressor por ser tão honesto e tão explícito sem querer chocar.
no final ela dedica o filme pras garotas e isso faz muito sentido com todo o filme que veio antes, que é uma discussão da experiência feminina voltada pras mulheres. isso dificultou a minha identificação com o filme e imagino que seja o mesmo pros homens em geral, o que mostra como esse tipo de coisa é rara, como essas histórias são geralmente esquecidas pelo cinema. nesse sentido, o que a Marielle Heller faz aqui me lembra o trabalho da Céline Sciamma em Bande de Filles e da Demzi Gamze Ergüven em Mustang. fica muito clara a importância do surgimento recente dessas vozes femininas no cinema, dispostas a contar histórias que os homens nunca tiveram interesse em contar. eu acho que esse filme vai ser muito importante pra muita gente.
se me dissessem que o Aleksei German filmou isso muitos anos atrás, guardou em algum lugar e lançaram só depois da morte dele, eu ia acreditar. é totalmente atemporal, parece um clássico perdido no tempo. é tudo bem hermético - eu não entendi nem metade do que aconteceu, o que talvez tenha atrapalhado bastante uma percepção melhor dos temas que o filme explora -, mas também é bem brincalhão. e tecnicamente é impressionante demais: um mundo de merda, sangue e vísceras surge na tela. tudo isso com ajuda da fotografia que junta as imagens mais lindas de destruição e horror que eu já vi e os movimentos de câmera, sempre próximos da ação tipo chafurdando na lama. o filme e os personagens não param nunca, sempre andando e se mexendo por esse planeta estranho, mas parece que as coisas nunca evoluem na narrativa. tudo isso junto com a duração interminável fazem com que o filme tenha um ritmo hipnótico, repetitivo e cansativo também.
nenhum filme que usa a forma do cinema mudo de um jeito assim novo e interessante sem cair no pastiche deve ser tão ruim, mas fica difícil de aguentar quando o filme mistura isso com esse estilo filme de festival austero sem música. os planos aqui são geralmente abertos, de um jeito que os personagens são vistos de longe. parece que existe um desinteresse total nas interações em linguagem de sinais e em desenvolver essas pessoas. talvez por isso falte especificidade à história, o que faz com que tudo seja uma experiência muito tediosa. esse filme deve ter feito sentido pra alguém, mas pra mim não passou de uma sucessão de tomadas bem longas de Jovens Fazendo Coisas Escrotas.
é bom, porque é uma das histórias mais interessantes e tristes da música recente sendo muito bem contada, principalmente por causa do acesso a um monte de material impressionante que ninguém tinha visto e do trabalho de edição desse material todo. é sempre estranho como esse tipo de filme foca mais na vida pessoal do que na música do artista retratado. faltou falar um pouco mais de música mesmo, mas nesse caso talvez essa abordagem tenha sido mais interessante. e a música da Amy Winehouse é tão pessoal que faz sentido, porque a linha entre as duas coisas é mais tênue: a vida pessoal influenciava a música e vice-versa. é bom, porque é tão envolvente, tão recente e tão completo, mas não é incrível como filme. e parece que não tem muito a acrescentar à história.
é muito divertido mesmo, o tempo voa. funciona por causa do roteiro muito bom e do elenco - o Seth Rogen é incrível, a Kate Winslet traz toda a empatia que o filme precisa, e o Michael Fassbender tá bem menos chato e exagerado do que eu esperava: ele não tenta tanto imitar o Steve Jobs e acaba criando um personagem bem interessante. a estrutura em três grandes cenas é bem legal também como uma forma de contar a história, e isso cria várias inverossimilhanças, por causa de personagens e situações repetidas, mas funciona, porque é tão bem escrito e tão envolvente. pena que o filme trai essa estrutura, com uns flashbacks desnecessários e umas revelações baratas. seria bem melhor se fosse mais radical e menos interessado em criar drama onde não existe. o Danny Boyle tenta não atrapalhar também, mas ele podia ter se esforçado melhor nisso. e aquela música que toca na cena final é horrível. de repente todo mundo tá batendo palma não-ironicamente pro cara que foi um escroto por duas horas e toca a pior música do mundo, é um horror.
eu acho que já chega de filmes europeus "artísticos" com a fotografia linda e sem nada a dizer. aliás, já chega de holocausto também. esse filme juntou as duas coisas e foi muito difícil aguentar. é um filme deliberadamente confuso, chato, escroto, que sacrifica qualquer humanidade e sentimento por uma virtuosidade técnica que impressiona no início mas deixa de ser surpreendente bem rápido. credo.
eu não tava preparado para o quão bizarro é esse filme. o tom e o conceito fazem um contraste muito forte com o conteúdo e as locações, que teoricamente combinariam com uma abordagem mais realista. acaba que fica um tom de estranheza o filme inteiro. não sei se é proposital, mas funciona: a tragédia grega e o hip hop são uma combinação perfeita, e como ninguém pensou nisso antes? é um filme com um ritmo doido, uma cadência musical e é uma delícia de assistir - é muito difícil escolher a melhor cena no meio de tantos momentos absurdos e incríveis. a Jennifer Hudson e a Teyonah Parris parece que estão em filmes completamente diferentes, mas faz parte do estilo do Spike Lee: ele vai do céu pro inferno em menos de um minuto, ele brinca com os gêneros, pra criar um panorama do problema composto de diversas perspectivas conflitantes. é interessante como o Spike evita qualquer sutileza e passa a mensagem dele de maneira completamente didática, mas pra mim essa é a melhor forma de contar essa história, porque ele tem muitas coisas relevantes e complexas a dizer, porque é feito com tanta paixão, e porque é um assunto tão atual e urgente. é uma emergência mesmo. não é o tipo de filme que tenta ser impecável, parece ser bagunçado de propósito, então citar as imperfeições talvez seja desnecessário. mesmo assim, eu achei meio questionável escolher o John Cusack, um dos atores mais brancos do mundo, pra fazer um personagem que basicamente representa a voz da razão em meio ao caos. o Nick Cannon é um vazio, ainda mais que o resto do elenco todo tá na intensidade máxima, e fica difícil se importar com o personagem dele naquele final, que talvez tenha ultrapassado o limite do melodrama histérico demais pro meu gosto. e seria bom se a trilha sonora tivesse umas músicas melhores (parece que o Kanye West recusou uma participação no filme, e por isso o mundo virou um lugar muito pior). no final das contas, é um filme que explode na tela de musicalidade, de sensualidade e de raiva. tantos anos depois, o Spike Lee ainda tem muito a dizer.
muito bonito, tanto na estética quanto na narrativa. a animação é sensacional e tem uns momentos lindos de interação entre os personagens (girls just wanna have fun). o conceito central em relação às vozes é ótimo e os três atores são muito bons, trazendo toda humanidade que poderia faltar em um filme feito só com bonecos - aliás, a Jennifer Jason Leigh mandou muito bem em 2015 fazendo duas personagens totalmente opostas. o problema é que parece que o filme não vai muito além disso, o que é meio atípico pro Charlie Kaufman. isso talvez não atrapalharia muito se fosse mais efetivo emocionalmente, mas parece que muita coisa, principalmente mais pro final, só funciona se existe empatia com o protagonista, e é meio difícil se importar muito com um homem tão insuportável.
O Peso do Silêncio
4.2 57parte considerável desse filme é uma sucessão de entrevistas, como poderia ser em um documentário qualquer, mas o Joshua Oppenheimer subverte isso pela escolha de quem conduz essas entrevistas: essas conversas se tornam embates. nesse sentido, o filme todo é um confronto sobre as diversas formas como a história de um país é contada. mas essa não é a única maneira como o Joshua Oppenheimer revitaliza a linguagem do documentário e usa essa forma a seu favor. o filme todo é dirigido e montado com precisão e estilo, e ainda sobra espaço pra imagens lindas e fortes de pessoas e de paisagens. tudo que aparece são filmagens recentes, porque isso é uma reflexão sobre as marcas que o passado deixa no presente.
o conceito aqui é menos simples e chamativo do que em The Act of Killing, mas esse filme é mais focado. é impressionante como o Oppenheimer consegue abordar um mesmo assunto de diversos ângulos sem se tornar repetitivo, se aprofundando cada vez mais. nesse filme, ele tem personagens incríveis e admiráveis pra fazer com que o material tenha ainda mais força: o Adi, com determinação e coragem incansáveis, e a mãe dele, de cujas falas o filme extrai um monte de poesia e beleza. The Look of Silence é um olhar devastador sobre uma família arrasada pela perda e um retrato sobre como as tragédias públicas se refletem em tragédias privadas.
O Rio
3.9 26 Assista Agoraesse filme é difícil e eu nem sei explicar por quê. não é chato, não testa a paciência, é fácil de entender. eu acho que tem a ver com o contraste entre o realismo das imagens do Tsai Ming-liang e o simbolismo que ele parece empregar em todos os momentos. cada atitude dos personagens e a trama simples do filme adquirem significados muito mais profundos aqui. a impressão que dá é que tudo nessa história tem uma dimensão simbólica muito rica, mas pouca coisa é imediatamente visível.
mas tem também algo de acessível no filme, principalmente na forma como a história surge aos poucos, a partir de pouquíssimos diálogos expositivos. é muito boa a sensação de que qualquer coisa pode acontecer, reforçada pelo tom misterioso do filme todo. a relação entre os personagens demora a ficar clara, e o estado interno deles é meio inacessível mas também bastante intrigante.
as tomadas em geral não são tão longas assim, mas às vezes elas se alongam e o Tsai usa isso em seu favor de uma forma brilhante, o que fica bem claro nas cenas de sexo, que são os momentos com mais peso emocional do filme. e o Lee Kang-sheng se entrega demais, ele é um ator muito intenso e isso fica ainda mais acentuado em contraste com a natureza quieta do filme. eu não tenho certeza não, mas acho que grande parte do que ele faz nesse filme aqui (nas cenas de dor no pescoço) é comédia física pura.
O Rio é um filme sobre falta de comunicação, sobre desejos reprimidos, que aos poucos deixa uma marca bem forte. o que sobra é um retrato pungente de pessoas solitárias nos cantos de uma cidade grande.
O Quarto de Jack
4.4 3,3K Assista Agoraa Brie Larson prova de novo que é uma grande atriz em um desempenho incrível interpretando uma personagem ótima com uma história impressionante e absurda. mesmo assim, parece que ela tá sempre implorando por atenção do próprio filme, porque isso aqui não é a história dela, e talvez por isso seja um filme tão frustrante. o foco da narrativa é o Jack, então várias coisas que acontecem com a Mãe são ignoradas: parece que o que ela tem a dizer não importa e as experiências dela na segunda parte do filme só são relevantes quando presenciadas pelo filho, então várias coisas ficam mal explicadas e mal resolvidas. eu nem sei se isso é uma reclamação muito legítima, mas eu estava muito mais interessado em saber do Velho Nick: quem era ele? o que aconteceu com ele? porque ele fez aquilo? por que alguém faria aquilo? tinha tanta história pra ser contada aí e tanto potencial dramático inexplorado que deu uma sensação muito forte de oportunidade perdida. uma das poucas ocasiões em que eu me incomodei verdadeiramente com o que um filme decide mostrar e esconder.
não tem nada de objetivamente errado nessa ideia de contar tudo da perspectiva da criança, mas isso teria que ser bem feito. eu fiquei o filme inteiro me perguntando se fizeram alguma pesquisa sobre esse assunto, porque nada daquilo me pareceu autêntico: não parecia uma criança de verdade. além de ser um personagem bem irritante às vezes, todos os diálogos dele davam a impressão de querer explicar direitinho como ele via a vida de uma forma diferente das outras pessoas, não tinha nada espontâneo ali. e aquela narração era horrível porque potencializava tudo isso ao máximo, mostrando bem explicitamente como esse filme tenta achar graça e tirar poesia da ingenuidade forçada de uma criança.
é meio mal dirigido também, com uma trilha sonora melosa genérica de filme indie, umas câmeras lentas, uma fotografia tremida que às vezes fica fora de foco. eu acho que a ideia era mostrar tudo como se tivesse sendo visto pelo Jack, mas na verdade é bem feio. apesar disso tudo, o filme funciona bem na primeira metade, por causa da força dramática da situação toda, do foco maior na Mãe, e da ação centrada toda num espaço só. a narrativa flui bem porque a história é revoltante e intrigante, e porque existe a sensação de que tudo aquilo vai culminar em alguma coisa. parece outro filme: até essa coisa de o foco ser todo no Jack é bem explorada naquelas cenas dentro do armário. o problema maior mesmo é na segunda metade, e eu nem sei se é metade mesmo, porque parece ser muito mais longa que a primeira. a escala de tudo aumenta, o filme vira uma bagunça sem direção, parece que a história não vai chegar em lugar nenhum. e a Brie Larson faz muita falta.
Mind Game
4.2 46 Assista Agoraque doideira. é basicamente uma sucessão de cenas, uma mais surreal do que a outra. e muitas delas são incríveis: é muito boa a representação que esse filme faz da morte, do sexo, dos balões e do Velozes & Furiosos. e a animação é coerentemente muito abstrata.
mas a narrativa é tão estranha que fica difícil sentir qualquer conexão por essa história e por esses personagens. ninguém parece ter uma personalidade de verdade (principalmente as personagens femininas) e parece que os acontecimentos não têm nenhuma relação entre si. aquelas montagens no início e no fim sugerem que tem muito mais nessa história do que esse filme mostra, mas eu gostaria de ver isso mais bem desenvolvido.
Ex Machina: Instinto Artificial
3.9 2,0K Assista Agoraeu tinha ouvido falar que esse filme falava de relações de gênero, mas eu não tava vendo nada disso enquanto eu assistia, até que vieram os créditos e começou a tocar aquela música da Savages. a escolha dessa música é tão característica de um homem querendo pagar de feminista que me fez reavaliar em retrospecto todo o filme que eu tinha visto. talvez por isso aquele final tenha sido meio frustrante (apesar de bonito) pra mim: por me identificar mais com o Caleb nessa história e deixar de considerar a Ava como indivíduo, com sentimentos e desejos que existem além da relação dela com os homens. talvez tenha sido um problema meu, ou talvez o filme esteja questionando a forma como o público vê esse tipo de história. de qualquer forma, eu tenho a impressão que o filme vai muito além de ser uma simples história de Vingança Contra O Patriarcado, que é o que pareceu à primeira vista. quem sabe numa revisão?
a verdade é que isso é só um pedaço do filme, o que mostra o tanto de coisa que ele diz e que ele explora a partir desse conceito central. é bem denso nesse sentido, mas tudo flui naturalmente, porque é um roteiro bem escrito e bem estruturado pra explorar uma premissa interessante que dá espaço pra muita discussão. mesmo tirando tudo isso, o que sobra é um thriller muito envolvente e que é tão bom de assistir por causa de escolhas acertadas do roteiro e da direção. o Alex Garland estabelece um ponto de partida intrigante e mantém o controle sobre isso até o fim, evitando complicar desnecessariamente as coisas e mantendo toda a narrativa fixada num único espaço. a partir disso, ele cria muita tensão e faz maravilhas com ela. é uma experiência bem legal por ser uma narrativa original e contida, em que tudo funciona bem.
tem umas oportunidades perdidas também, como algumas cenas mais pro final em que um personagem fica explicando uns acontecimentos tudo muito bem explicadinho e seria melhor se as coisas não fossem contadas por meio do diálogo. parece uma forma barata de criar surpresas desnecessárias, ou talvez o roteirista não tivesse confiança no diretor (mesmo sendo os dois a mesma pessoa).
fora que não tem nada de surpreendente na forma como o Nathan se revela um malvadão, porque é muito previsível, mas também porque o Oscar Isaac desde o início age como um cara meio doido tentando parecer normal.
o filme tem um estilo frio, mas vai se tornando comovente com o tempo. isso porque a Ava é uma personagem tão trágica e tão bem construída aos poucos, a partir de gestos e pedaços de diálogo. a Alicia Vikander se torna Ava e dá a impressão que ela era a única escolha possível pra esse filme. dentre os muitos filmes que ela fez em 2015, esse vai ser provavelmente o único que eu vou ver, mas já deu pra entender porque as pessoas gostam tanto dela.
O Ato de Matar
4.3 135se isso fosse uma sátira, seria tudo absurdo demais pra ser verdade.
o Joshua Oppenheimer (junto com vários anônimos) parte de um conceito talvez sem precedentes pra criar um filme moralmente complexo e politicamente inteligente. é uma história sobre pessoas horríveis, mas um dos trunfos do filme é que essas pessoas horríveis são tão carismáticas: o Anwar Congo é um assassino simpático e seus dois melhores amigos são um assassino articulado e um assassino que usa umas roupas de mulher bizarras. isso fica mais claro ainda quando aqueles membros da Juventude Pancasila abrem a boca e eles são tão repulsivos que não conseguiriam sustentar filme nenhum. o filme fica então constantemente fazendo esse jogo de atração e horror em relação aos personagens principais e seus relatos. e assim desenvolve várias ideias sobre o que leva as pessoas a cometerem os atos que cometem e o que isso tem a ver com a forma como essas pessoas se apresentam publicamente, de um jeito parecido com a performance no cinema. tudo isso no contexto de um país que se recusou a prestar contas com seu passado, onde as instituições e a política ainda são contaminadas pelas mesmas ideias e pelas mesmas pessoas que foram responsáveis por um genocídio muitos anos atrás, e nesse sentido é um filme muito importante inclusive no Brasil.
a premissa do filme é moralmente questionável e chocante até o fim, mas isso faz com que o resultado seja tão relevante e necessário. por outro lado, o único relato de uma vítima que aparece no filme é incrivelmente doloroso. mas talvez isso tenha mais a ver com o próximo filme do Oppenheimer.
Tangerina
4.0 278 Assista AgoraTangerine é um filme que diz muito pelas suas escolhas estéticas. o fato de ter sido tudo filmado num iphone aponta pras possibilidades que o futuro do cinema apresenta: o espírito inovador de um cinema barato, pessoal, que vem da rua; a ampliação do acesso aos meios de criação, que destrói o que é velho e constrói coisas novas; a experimentação com a fotografia digital. e é tudo muito bem filmado, as cores saturadas da cidade estourando durante o dia, e as luzes da cidade sendo aproveitadas ao máximo durante a noite. os poucos ambientes fechados sem janela são feios mesmo, porque a vida aqui é na rua: o quarto de onde sai a Dinah é o pior lugar do mundo, e a casa do taxista tem um ar infernal que motiva ele a sair pela cidade procurando sua cinderela. tem um plano relativamente longo no lava-jato que parece que o filme foi parar em uma dimensão mais abstrata. o uso de música é barulhento e inconstante, a edição é rápida e caótica.
mas não é como se esse estilo histérico não combinasse com o conteúdo do filme, uma história sobre gritaria, sobre pessoas à margem da sociedade e do cinema, sobre histórias nunca contadas. não devia ser grande coisa um filme sobre mulheres trans ter um elenco composto de mulheres trans, mas isso hoje em dia ainda é revolucionário. é muito humanista também, as relações entre os personagens oscilam do ódio à amizade verdadeira em segundos, criam-se laços muito fortes, surgem momentos lindos. a câmera segue os personagens por aí, sem um olhar moralizante, só deixando eles existirem. isso tudo por meio de uma narrativa cada vez mais rápida, em que muitas cenas são o caos.
é uma bagunça e é hilário, mas no meio dessa insanidade surge uma melancolia profunda. o elenco todo é muito bom e eu não sei onde eles acharam essas pessoas todas, mas a Mya Taylor é o coração do filme. ela carrega no olhar toda uma vida muito difícil, de sofrimento e luta. ela parte o coração do público desde a trama da apresentação no bar, e tudo isso culmina no final. aquela última cena traz toda a humanidade do filme à tona e é uma representação incrível do bem que as pessoas podem fazer umas às outras, só por estarem juntas.
Tangerine é uma sinfonia do submundo da metrópole, um manifesto por representação autêntica e por vitalidade no cinema independente.
Brooklin
3.8 1,1Keu tava achando tudo tradicional e antiquado demais até que a Saoirse Ronan cagou num balde, mas logo em seguida tudo voltou a ser tradicional e antiquado demais.
é uma história contada de um jeito pouco notável e um filme que nunca se arrisca, mas esse tom de filme de vó até que é adequado nesse caso. funciona melhor enquanto estudo de personagem e como romance, em que todo mundo é muito legal e do bem. até esse ponto, não existe muita complicação na trama: o conflito é todo interno, e isso é uma abordagem até surpreendente pra esse tipo de filme. tudo é bem agradável e cativante. até que entra em cena o Domhnall Gleeson e surge um conflito, mas o interesse diminui. é interessante como aquele problema do final demora pra surgir no filme e se resolve tão rápido. a protagonista entra num dilema que podia basear um filme inteiro, mas aqui é bem mal desenvolvido.
é um filme bonito, mas bem esquecível. e aquela criança é chata demais.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista Agorauma boa premissa muito bem desenvolvida. o filme todo é dirigido e fotografado de um jeito lindo e sem muitas firulas. a narrativa é elegante, concisa e direta. e tem aquela trilha sonora. ainda não sei o que esse filme quer dizer sobre sexualidade e sobre jovens.
O Regresso
4.0 3,5K Assista Agoraeu não esperava muita coisa desse filme, mas me surpreendi positivamente. não importa que o Iñárritu tenha dito que esse filme não tem gênero, porque a melhor leitura pra esse filme é como um bom e velho faroeste.
o personagem do Leonardo DiCaprio é meio mal desenvolvido e as participações metafísicas da esposa dele não são convicentes, então fica difícil sentir alguma coisa por ele. a única coisa que guia o personagem é a vingança e o filme parece que só quer chocar com todo aquele sofrimento. na minha sessão as pessoas riam bastante do absurdo da situação, mas não existe senso de humor no filme pra deixar claro que é essa a intenção - o filme se apresenta como uma experiência séria e profunda. isso não funciona, mas não importa muito, porque essa parte da história é bem divertida, principalmente pra quem gosta de ver o Leonardo DiCaprio se fodendo muito. aliás, todas as cenas que envolvem qualquer outra coisa que não seja a sobrevivência e a vingança do protagonista são bem chatas e não acrescentam nada. talvez isso explica porque esse filme seja tão desnecessariamente longo.
uma das coisas mais fascinantes é o contraste entre a simplicidade da trama principal e a escala e a ambição do filme todo: todo mundo dá o seu máximo pra contar uma historinha bem legal do bem contra o mal. a fotografia do Lubezki é previsivelmente muito linda e bastante amostrada e isso talvez seja o maior prazer do filme, principalmente nas cenas de ação. toda a técnica envolvida é impressionante e uma história desse tipo contada dessa forma faz com que o filme tenha uns momentos muito bons em que a narrativa avança sem diálogo nenhum. o filme como um todo podia ter até menos diálogos, mas esse roteiro é bem funcional. isso é uma das maiores virtudes do filme e esconde o problema do Iñárritu quando ele tenta impressionar por meio do roteiro, que é ser tão arrogante e não ter nada interessante a dizer. seria melhor pra todo mundo se o Iñárritu e o Lubezki seguissem carreira nos filmes de ação.
O Diário de uma Adolescente
3.6 151 Assista Agoracom esse título, dava pra esperar um daqueles filmes indie americanos bem genéricos e bobocas. tem um pouco disso aqui, principalmente na trilha sonora e na resolução meio familiar demais da história da protagonista. mas para por aí. é tudo muito bem executado: a Bel Powley é sensacional e tá pronta pra qualquer parada, as sequências de animação parecem desnecessárias no início, mas com o tempo começam a fazer sentido na narrativa e são responsáveis por uns momentos lindos e abstratos.
é um filme que tem muito mais a dizer sobre sexo do que qualquer um desses filmes de sexo recentes, e tudo é representado de um jeito muito novo e inteligente. é impressionante como não existe nenhum tipo de julgamento em relação à sexualidade e aos relacionamentos da personagem principal. é transgressor por ser tão honesto e tão explícito sem querer chocar.
no final ela dedica o filme pras garotas e isso faz muito sentido com todo o filme que veio antes, que é uma discussão da experiência feminina voltada pras mulheres. isso dificultou a minha identificação com o filme e imagino que seja o mesmo pros homens em geral, o que mostra como esse tipo de coisa é rara, como essas histórias são geralmente esquecidas pelo cinema. nesse sentido, o que a Marielle Heller faz aqui me lembra o trabalho da Céline Sciamma em Bande de Filles e da Demzi Gamze Ergüven em Mustang. fica muito clara a importância do surgimento recente dessas vozes femininas no cinema, dispostas a contar histórias que os homens nunca tiveram interesse em contar. eu acho que esse filme vai ser muito importante pra muita gente.
É Difícil Ser Um Deus
3.8 24se me dissessem que o Aleksei German filmou isso muitos anos atrás, guardou em algum lugar e lançaram só depois da morte dele, eu ia acreditar. é totalmente atemporal, parece um clássico perdido no tempo. é tudo bem hermético - eu não entendi nem metade do que aconteceu, o que talvez tenha atrapalhado bastante uma percepção melhor dos temas que o filme explora -, mas também é bem brincalhão. e tecnicamente é impressionante demais: um mundo de merda, sangue e vísceras surge na tela. tudo isso com ajuda da fotografia que junta as imagens mais lindas de destruição e horror que eu já vi e os movimentos de câmera, sempre próximos da ação tipo chafurdando na lama. o filme e os personagens não param nunca, sempre andando e se mexendo por esse planeta estranho, mas parece que as coisas nunca evoluem na narrativa. tudo isso junto com a duração interminável fazem com que o filme tenha um ritmo hipnótico, repetitivo e cansativo também.
A Gangue
3.8 134nenhum filme que usa a forma do cinema mudo de um jeito assim novo e interessante sem cair no pastiche deve ser tão ruim, mas fica difícil de aguentar quando o filme mistura isso com esse estilo filme de festival austero sem música.
os planos aqui são geralmente abertos, de um jeito que os personagens são vistos de longe. parece que existe um desinteresse total nas interações em linguagem de sinais e em desenvolver essas pessoas. talvez por isso falte especificidade à história, o que faz com que tudo seja uma experiência muito tediosa.
esse filme deve ter feito sentido pra alguém, mas pra mim não passou de uma sucessão de tomadas bem longas de Jovens Fazendo Coisas Escrotas.
Amy
4.4 1,0K Assista Agoraé bom, porque é uma das histórias mais interessantes e tristes da música recente sendo muito bem contada, principalmente por causa do acesso a um monte de material impressionante que ninguém tinha visto e do trabalho de edição desse material todo.
é sempre estranho como esse tipo de filme foca mais na vida pessoal do que na música do artista retratado. faltou falar um pouco mais de música mesmo, mas nesse caso talvez essa abordagem tenha sido mais interessante. e a música da Amy Winehouse é tão pessoal que faz sentido, porque a linha entre as duas coisas é mais tênue: a vida pessoal influenciava a música e vice-versa.
é bom, porque é tão envolvente, tão recente e tão completo, mas não é incrível como filme. e parece que não tem muito a acrescentar à história.
Steve Jobs
3.5 591 Assista Agoraé muito divertido mesmo, o tempo voa. funciona por causa do roteiro muito bom e do elenco - o Seth Rogen é incrível, a Kate Winslet traz toda a empatia que o filme precisa, e o Michael Fassbender tá bem menos chato e exagerado do que eu esperava: ele não tenta tanto imitar o Steve Jobs e acaba criando um personagem bem interessante.
a estrutura em três grandes cenas é bem legal também como uma forma de contar a história, e isso cria várias inverossimilhanças, por causa de personagens e situações repetidas, mas funciona, porque é tão bem escrito e tão envolvente. pena que o filme trai essa estrutura, com uns flashbacks desnecessários e umas revelações baratas. seria bem melhor se fosse mais radical e menos interessado em criar drama onde não existe. o Danny Boyle tenta não atrapalhar também, mas ele podia ter se esforçado melhor nisso.
e aquela música que toca na cena final é horrível. de repente todo mundo tá batendo palma não-ironicamente pro cara que foi um escroto por duas horas e toca a pior música do mundo, é um horror.
O Filho de Saul
3.7 254 Assista Agoraeu acho que já chega de filmes europeus "artísticos" com a fotografia linda e sem nada a dizer. aliás, já chega de holocausto também. esse filme juntou as duas coisas e foi muito difícil aguentar.
é um filme deliberadamente confuso, chato, escroto, que sacrifica qualquer humanidade e sentimento por uma virtuosidade técnica que impressiona no início mas deixa de ser surpreendente bem rápido. credo.
Chi-Raq
3.5 45 Assista Agoraeu não tava preparado para o quão bizarro é esse filme. o tom e o conceito fazem um contraste muito forte com o conteúdo e as locações, que teoricamente combinariam com uma abordagem mais realista. acaba que fica um tom de estranheza o filme inteiro. não sei se é proposital, mas funciona: a tragédia grega e o hip hop são uma combinação perfeita, e como ninguém pensou nisso antes? é um filme com um ritmo doido, uma cadência musical e é uma delícia de assistir - é muito difícil escolher a melhor cena no meio de tantos momentos absurdos e incríveis.
a Jennifer Hudson e a Teyonah Parris parece que estão em filmes completamente diferentes, mas faz parte do estilo do Spike Lee: ele vai do céu pro inferno em menos de um minuto, ele brinca com os gêneros, pra criar um panorama do problema composto de diversas perspectivas conflitantes.
é interessante como o Spike evita qualquer sutileza e passa a mensagem dele de maneira completamente didática, mas pra mim essa é a melhor forma de contar essa história, porque ele tem muitas coisas relevantes e complexas a dizer, porque é feito com tanta paixão, e porque é um assunto tão atual e urgente. é uma emergência mesmo.
não é o tipo de filme que tenta ser impecável, parece ser bagunçado de propósito, então citar as imperfeições talvez seja desnecessário. mesmo assim, eu achei meio questionável escolher o John Cusack, um dos atores mais brancos do mundo, pra fazer um personagem que basicamente representa a voz da razão em meio ao caos. o Nick Cannon é um vazio, ainda mais que o resto do elenco todo tá na intensidade máxima, e fica difícil se importar com o personagem dele naquele final, que talvez tenha ultrapassado o limite do melodrama histérico demais pro meu gosto. e seria bom se a trilha sonora tivesse umas músicas melhores (parece que o Kanye West recusou uma participação no filme, e por isso o mundo virou um lugar muito pior).
no final das contas, é um filme que explode na tela de musicalidade, de sensualidade e de raiva. tantos anos depois, o Spike Lee ainda tem muito a dizer.
Anomalisa
3.8 497 Assista Agoramuito bonito, tanto na estética quanto na narrativa. a animação é sensacional e tem uns momentos lindos de interação entre os personagens (girls just wanna have fun). o conceito central em relação às vozes é ótimo e os três atores são muito bons, trazendo toda humanidade que poderia faltar em um filme feito só com bonecos - aliás, a Jennifer Jason Leigh mandou muito bem em 2015 fazendo duas personagens totalmente opostas.
o problema é que parece que o filme não vai muito além disso, o que é meio atípico pro Charlie Kaufman. isso talvez não atrapalharia muito se fosse mais efetivo emocionalmente, mas parece que muita coisa, principalmente mais pro final, só funciona se existe empatia com o protagonista, e é meio difícil se importar muito com um homem tão insuportável.