Sempre fui fã de filmes épicos que retratam acontecimentos históricos mas que também não descuidam dos dramas pessoais dos principais personagens. E "A Rainha Margot" nos deixa ligados em sua história de alegrias e infelicidades. Sou suspeito pra falar de Isabelle Adjani com sua beleza incomum e suas habilidades dramáticas (quem a viu em "Possessão" sabe do que estou falando). A nobreza, com seus casamentos arranjados por conveniência, podia cair em desgraça mais do que a plebe. E a veterana Virna Lisi encarna uma Catarina de Médicis saborosamente ardilosa e traiçoeira.
E "A Noite de São Bartolomeu" ? Um dos episódios que mais envergonham a humanidade ? Neste filme é mostrada em todo o seu horror, estupidez e consequências. Um momento negro para a França e para o mundo em que as divergências religiosas foram mais uma vez invocadas para servirem de "respaldo" para a antiga e constante sede de poder humana. E um dos momentos que achei mais significativos do filme foi
quando um católico e um protestante se hospedam no mesmo quarto e tem que dormir na mesma cama.
Naquele momento eles eram iguais, poderiam muito bem se tornarem grandes amigos, mas seriam vítimas de uma das centenas de absurdos sádicos dos quais o ser humano sempre foi mestre.
Um filme sobre juventude e paixão, e sobre a paixão em seus requintes de absolutismo e perversidade (caso sempre fosse transformada em atos) numa Alemanha pré-castração (e imbecilização) nazista. Personagens que mal conseguem conter sua própria energia e, talvez por isso mesmo, transbordam de "fazer tudo e não mais saber o que fazer". Naturalmente a tragédia é anunciada, as frustrações são inevitáveis, e aqui elas são vividas de "modo hemorrágico". Afinal os sentimentos apaixonados elaboram uma luta vã contra os limites da realidade (e a incoerência que nos caracteriza). Se após a fúria apaixonada não surgir um amor sereno, só restarão churrascos humanos.
As imagens são muito bonitas e algumas paisagens chamam mesmo a atenção. Achei que os atores procuraram cumprir seus papéis na pele de personagens não necessariamente simpáticos. Entretanto, no meu modo de ver, faltou um maior "encorpamento" (no momento é a palavra que me vem à mente) de parte da trama.
Como tudo vai se desenrolando em direção ao sangue
, senti falta de uma maior densidade na caracterização dos tipos mostrados, um foco mais arguto nas individualidades. Mas um filme pode ser percebido de modo bem diferente da segunda vez que se assiste. De qualquer modo, um contexto foi retratado em sua beleza, dor e desespero. E isso sempre terá méritos.
Bom à beça. O filme consegue manter o clima de suspense até seus instantes finais. Mas vai bem além disso: é apresentado todo um drama íntimo de um homem que tinha passado a vida de forma moralmente íntegra mas que é pego de surpresa tendo que fazer sua pior escolha. O dilema moral do principal personagem nos atinge em cheio, assistimos ao filme nos indagando se faríamos o mesmo. E o desespero (às vezes mudo, às vezes explícito) é mostrado em minúcias numa história contada sem pressa, sem correrias o tempo inteiro, bem diferente (e muito melhor) do que muitas produções norte-americanas vazias. E é insinuado o tempo inteiro o que já é óbvio mas nem por isso deixa de nos surpreender e atordoar: um mundo em que as vidas humanas são ridicularizadas, destituídas de seu valor existencial e reduzidas a um punhado de moedas.
De confissão em confissão, as máscaras vão caindo e as pessoas vão mostrando o abismo entre o que realmente são e o personagem que as "incorruptíveis" instituições criam para elas. Acredito que "Svećenikova Djeca" foi minha primeira experiência com um filme croata, e um filme que critica sem pena certa postura religiosa sobre a evitação de filhos. Assunto difícil de ser abordado, cercado por hipocrisia, uma questão sempre indigesta, aqui tratada tanto com comicidade ferina quanto com um necessário drama. Eu, particularmente, aprecio bastante filmes que "nos desarmam" fazendo-nos rir para em seguida nos jogar em momentos incomodamente dramáticos. E o filme desempenha bem essa transição.
Lembrou-me várias vezes uma boa comédia italiana, daquelas que provocam risadas sem esquecer o aspecto provocativo. Mas o filme é da Croácia e é bom ver que este país tenta realizar produções que fogem de esquemas hollywoodianos maniqueistas infantilizados. A história é bem amarrada, não poupa ninguém e não faltam surpresas. Só achei que funcionaria ainda melhor com alguns minutos a menos, apesar de o filme nem ser muito longo. Mas vale a pena, uma boa pedida.
Suponho que, com a inclusão de notícias veiculadas na mídia, Haneke pretendeu amalgamar os dissabores dos personagens de seu filme às desgraças que possuem maior repercussão. Essa ideia é muito boa porém, devido à quantidade de notícias mostradas, produziu-se em mim um efeito diferente. Depois de certo tempo me parecia que eu estava assistindo notícias durante os intervalos de um filme. Não senti o corte para a inserção dessas notícias como senti (e gostei bastante) dos cortes abruptos entre os dramas dos "personagens da tragédia anunciada". Aliás, eu poderia continuar assistindo às desventuras dos personagens que achei carismáticos durante mais tempo. Quanto a esses personagens aconteceu o que eu imaginava: pudemos vê-los e adivinhar mais sobre sua dor, tal como podemos fazer quando estamos sentados num banco de praça e eles desfilam diante de nós. Haneke nos concede observar um pouco de suas intimidades para rapidamente fechar a porta em nossa cara. Como geralmente ocorre no dia-a-dia... Quanto às mortes... gostei da opção de Haneke. Um filme bem interessante.
Um drama/suspense japonês bastante interessante em que lutas (surdas ou explícitas) estão sempre presentes, desde os centenários embates entre classes sociais
proporcionando um filme com um pé na fantasia macabra e que se distingue da média. Há alguns pontos do roteiro que podiam ser melhor explicados, mas isso até constitui um atrativo a mais quando se trata de uma história que avança rumo ao pesadelo.
Sensacional, na minha opinião. Filme que nunca perde o prumo e consegue um ótimo equilíbrio em todo o seu percurso. História bastante comovente apresentada "de cara limpa", onde os sentimentos fluem com naturalidade, bem longe das forçações de barra vistas em tantas produções hollywoodianas cretinas (e não só hollywoodianas). O drama do pai assustado, incrédulo, indeciso e também completamente envolvido emocionalmente com o filho deficiente é mostrado em suas diversas facetas, desde o enorme desgaste e responsabilidade de um adulto que tenta cuidar de um filho especial até o não mais saber viver sem aquele filho. Não nos cabe julgar, apenas observar e compartilhar.
E Charlotte Rampling "invade" a história com um dos personagens mais sofridos, elegantes, amorosos e belos que já vi no cinema. Fantástico.
Esse filme é um daqueles casos em que comecei a assistir sem muitas expectativas e que, após os primeiros minutos, eu já estava tomado pela ansiedade de conhecer o desfecho. Até certo ponto, achei-o excelente, principalmente quando trata do antes e do imediatamente depois ao desaparecimento do garoto. Os familiares são expostos em seus tormentos, confusões e alegrias de forma tão crua (e ao mesmo tempo lírica) que eu não conseguia vê-los apenas como personagens de cinema. A partir do reaparecimento de Olivier, penso que o roteiro se prolongou um pouco mais do que deveria, como se precisasse dar novos mergulhos como reforço para a história. E, no meu entendimento, isso não elevou necessariamente a qualidade do trabalho.
Quanto ao final, optou-se por uma reviravolta mais ao estilo de um thriller convencional .
E essas minhas observações não tem por objetivo desmerecer o conjunto da obra. Muito pelo contrário, pois "Olivier, Olivier" é um filme que muito dificilmente deixaria os espectadores indiferentes, pelo menos em certas passagens do mesmo. Há momentos em que vemos a mão de uma mestra a orquestrar essa crônica agridoce. Os pontos que não me deixaram totalmente satisfeito devem-se certamente à questão de gosto pessoal.
O mote mais óbvio de "A Prisioneira" (envolvendo voyeurismo e submissão sexual feminina) pode ter sido impactante na época de seu lançamento porém, nos dias atuais saturados de referências sexuais, recai num lugar-comum exibido centenas de vezes. Contudo o filme vai mais além, a começar das imagens que remetem à arte dos anos 60, aquelas cores e formas distorcidas, exóticas e hipnóticas, como também aos discursos de liberalidade nas relações amorosas que se entremeavam às posturas políticas. A efervescência do final da década de 60 é delineada.
Além do mais, apesar de não se aprofundar em análises de personalidades e alterações, o filme toca na questão da infantilidade de certos tipos que elegeram "perversões" como principal fonte de realização. E também contrapõe o aprisionamento do sexo perverso à forma mais plena de amar. E é justamente nisso que, no meu entender, a personagem Josée merecia uma composição mais cuidadosa.
O primeiro contato que tive com o cinema de Resnais foi com "Providence", e fico feliz por ter enfrentado os momentos iniciais de confusão e impaciência, pois assim pude contemplar esta bela obra como um todo e, por conseguinte, melhor retomar e apreciar seus detalhes. Ao final só pude ficar (muito) positivamente admirado com as peculiaridades de um cinema autoral em que o tanto de estranheza que me causou foi superado pelo tanto de familiaridade. Trama genial com os pés nas fantasias/desejos/medos de um escritor moribundo que, talvez por isso mesmo, não teve receios de amalgamar referências de uma vida em personagens que escorregam das mãos. Excelente retrato, excelentes confrontações de existências e valores,
e um final que (felizmente) fugiu do melodrama lacrimejante.
Apresentação de vidas e suas sinuosidades, sem abdicação do cinismo e das contradições, um filme de primeira linha. Dirk Bogarde em mais um grande trabalho e John Gielgud agarrando nossa garganta. Fantástico.
“Porque eu sonho, eu não o sou”. E, para não se deixar dúvidas sobre a variação sutil da ideia, repete-se.
"Léolo" é mais um daqueles filmes sobre o mundo infantil envolto em clima melancólico, e esta desolação "não desgruda" até quando uma ou outra cena de peraltice ou audácia são mostradas. E nesse aspecto, o filme não poupa o espectador de momentos de ousadia bem criativa, que provocariam maior comicidade se o contexto tristonho não permanecesse. Se tivesse sido produzido nos EUA em tempos recentes, com certeza teriam mutilado irremediavelmente a história.
Considerei um ponto forte do filme a não abdicação dessa tristeza e crueldade, mantendo firme seu propósito durante seu transcorrer. Achei incrível a boa amarração na tônica da história, por mais que escorregasse para instantes risíveis ou caricaturais. E isso, na minha visão, foi tão bem conduzido que me fez sentir ainda mais aquilo que considero como ponto fraco: a variabilidade de situações exibidas em tempo desproporcional, ou seja, alguns fatos mereciam maior tempo de exposição, outros nem tanto. E, mesmo o que foi mais exposto, poderia ter sido destrinchado mais calmamente. Assim, o filme ganharia em profundidade. Essa foi a impressão que eu tive, se assisti-lo de novo talvez enxergue o trabalho com outros olhos.
Mesmo assim, "Léolo" fica bem acima da média das produções com proposta semelhante. É um filme corajoso, sem pena do espectador, sem concessões ao sofrimento infantil, sem apelo ao sentimentalismo barato. Além de ter um elenco bem empenhado e alguns momentos inesquecíveis. Um filme para se assistir pensando nas próprias feridas psíquicas.
Como comédia consegue divertir com cenas estranhas e inesperadas, principalmente em sua primeira hora. Mas esse filme é bem mais que isso e, como muito cinema autoral, seu "artesão" seria o mais indicado para indicar a maior amplitude de suas significações. A visão pessoal que eu tive foi a de uma acidez irrefreável ao ironizar a vocação humana para a tragédia e o ridículo (até combinados), o desejo de conceder a alguém (um louco, por que não?) as próprias aspirações, semeando-se renascimentos messiânicos... e sei que um conhecedor da obra de Fassbinder teria muito mais alcance para analisar esse trabalho. Achei o empenho dos atores um show à parte, e Kurt Raab (a la Hitler) deita e rola com sua performance.
A saga do garoto Edmund em uma Berlim devastada ao final da Segunda Guerra, uma cidade tão mal da saúde quanto o pai do menino. E assim podemos testemunhar uma história fictícia (embora tão realista) se desenrolando no próprio ambiente da época. Uma história atemporal pois, enquanto houver guerras oficialmente declaradas "e "guerras nossas de cada dia") a miséria, a desolação e a brutalização de pessoas estará presente. Muito presente, gritando bem ao nosso lado. E Rossellini rege sua orquestra macabra com os sons do desespero e, mesmo nisso, ainda há fascínio.
Quanto ao desenrolar da história fiquei intrigado com o modo pelo qual Edmund passou da "sugestão" do assassinato à prática. É certo que certo número de crianças/adolescentes são voltados para a emergência da ação, e não para autoindagações sobre a mesma, principalmente em um contexto tão áspero e urgente como o do filme. Mesmo assim, achei que não ficou tão convincente a elaboração do desejo do garoto. Além disso a relação filho-pai, se tinha tropeços (e há alguma que não tenha?), também não me pareceu ser das piores pois havia afeto e preocupação entre ambos.
Rossellini preferiu deter-se mais (e retratou isso muitíssimo bem) no sentimento de culpa do garoto após o ato, seu desejo de ser apenas uma criança e se enturmar e, por fim, seu autodesprezo e autocondenação.
Apesar de se passar na Inglaterra de 1971, este bom filme praticamente não perdeu o seu viço e seriedade. É muito interessante como mostra o atordoamento de uma jovem diante de um mundo que ela sente estar errado mas não encontra forças para reagir de modo mais eficaz. De um lado, uma família "tradicional" (e não uso a palavra no bom sentido), pais que "sabem exatamente o que é melhor para sua filha" embora eles mesmos levem uma existência desprazerosa. Do outro lado, uma instituição médica portadora de um discurso que, em nossos dias, elege-se como "a sabedoria", em parte por sua incompreensibilidade pelos que possuem outra formação. E, acima de tudo, o ideal social de confundir normalidade com produtividade, ou seja, o normal é aquele que se encaixa numa engrenagem como uma peça (e Chaplin fez uma das mais contundentes críticas sobre isso no inesquecível "Tempos Modernos").
O primeiro psiquiatra que trata de Janice é provavelmente o personagem do filme com maior lucidez, assumindo mais a função de psicólogo do que de "médico curador". Ele foi retratado não como um mau caráter insensível nem tampouco como um gênio, e sim como um profissional interessado em conhecer sua paciente e confrontá-la consigo mesma, e também "emprestando-lhe" seu senso crítico (e também aos pais de Janice). Já a mãe de Janice foi exibida, ao meu ver, um tanto estereotipada porém essa quase caricatura teve um bom efeito, condensando aquilo que em muitos casos se apresenta mais diluído e, talvez por isso, mais perigoso.
em que a irmã mais velha de Janice despeja queixas e agressões contra os pais (e as filhas presenciando tudo), entretanto é apenas mais uma que finge estar bem e sabe o que é melhor para sua irmã.
E ninguém duvida que cenas como essa façam parte do cotidiano de muitas famílias brasileiras hoje em dia. Outro personagem curioso é o "namorado" da protagonista que tenta ajudá-la mas não sabe exatamente como. Mais um que se debate contra um sistema enrijecido.
Vida em família" não é um daqueles filmes em que o protagonista amadurece e encontra uma saída. Aliás, o filme fala mais de "entradas" e atordoamentos.
Uma série de personagens interessantíssimos e que mereciam maior tempo de exposição no filme. Essa é minha única ressalva e por isso concordo com quem preferia uma minissérie. De resto achei o filme muito bom e as imagens são uma bela atração à parte. Sem falar nas ótimas falas recheadas de amargura, loucura, soberba e grande sarcasmo. A segunda metade do século XIX europeia, com seus embates ideológicos e existenciais, a impregnação de pensamentos díspares na juventude da época, a exaltação, o conservadorismo, o desencanto ou o simples desejo destrutivo como meta, tudo muito bem representado em uma localidade russa. É o genial Dostoiévski nas mãos de Andrzej Wajda. E com a expressividade sempre marcante do eterno "Omar Sharif Jivago". Boa pedida.
Não conheço o conto no qual o filme se baseia, por isso só posso me referir ao que vi na tela. O enredo é desenvolvido de forma simples, até um tanto previsível e boba, lembrando muito filmes do gênero anteriores a este. Não achei o trabalho dos atores algo notável. Não sou muito fã de filmes que tem por maior trunfo os efeitos especiais e/ou a maquiagem. Porém poderiam ter dado mais atenção a esses quesitos, a história precisava disso. Mesmo assim "Dagon" é bom de se assistir, provavelmente por méritos de seu diretor e determinadas imagens mostradas na primeira metade do filme. Além disso, apesar de ter o "inevitável" maniqueísmo e esquematização dos personagens,
"Dragon" surpreende por contrapor o cristianismo (vertente religiosa tradicional) ao paganismo, inicialmente pintando um quadro muito benévolo da vertente cristã para, no final das contas, descê-la alguns degraus do pedestal. E isso não é comum em filmes dessa natureza.
Em suma, o filme focaliza mais de um ponto, mas sua proposta não foi de aprofundamento, e sim de envolver o espectador com sua história macabra. E isso ele consegue, sem perder o bom ritmo.
Um filme com vários jovens compartilhando o mesmo ambiente, e não vemos nenhum psicopata matador de jovens, não vemos romances bobinhos, nem supervalorização de corpos juvenis... ou seja, "Albergue Espanhol" segue outra linha de roteiro. Por isso é um filme muito bom. Trata da "abertura para a vida", representada por um babel de culturas e idiomas "forçados" a conviverem. Trata do esforço para entender e aceitar as diferenças. Trata do que há em comum entre pessoas vindas de lugares diferentes. Trata de paixão, camaradagem, solidão, desapontamentos e de laços de amizade mais fortes do que se imaginava. Tudo isso sem dramalhões desnecessários, porradas ou mistérios embasbacantes. Afinal a vida consiste, em sua maior parte, de momentos aparentemente banais que trazem, mais ou menos disfarçadamente, as dores e alegrias da existência humana. E os jovens não são imunes à suave melancolia que banha suas ilhas de humor e brincadeiras. E o protagonista redescobre o que trazia de melhor e estava enclausurado.
Bom demais. Cinema de primeira, muito superior ao terror medíocre de tantos filmes descerebrados. O único episódio que não achei assim tão bom (embora esteja longe de ser ruim) foi "Dumplings". Um tema mais do que chocante, algumas cenas excelentes, uma boa atriz, porém eu acredito que seria bem mais incômodo se fosse um pouco mais curto. Questão de gosto.
"Cut" é uma das melhores histórias do gênero que tive o prazer de assistir. Um suspense conduzido com inteligência (isso não é comum) e entrega por parte do elenco. E os momentos finais coroaram essa ótima obra. Imperdível para os amantes de terror e suspense.
Mas foi em "Box" que eu enxerguei pura arte, beleza das imagens e nuances que pouco se vê em filmes semelhantes. A história exibe uma dor visceral, fruto de paixão, sexualidade insólita, medo, dependência e culpa, muita culpa. O clima é onírico e faz a excelente opção de "brincar" com o ocorrido/não ocorrido, mostra a realidade psíquica como mais poderosa do que a realidade "concreta", introduz personagem que remete a outro, traz um final que nos faz repensar toda a trama. E tudo envolvido por imagens de sonho.
Há uma música com o título "O Haiti é aqui". Ao assistir "O linchamento" posso dizer "A Polônia é aqui". Um ótimo filme que, mesmo sabendo de início quem iria ser linchado, prendeu minha atenção a cada imagem. E os temas tratados não poderiam ser mais pertinentes para o tempo em que vivemos: violência descontrolada, medo, pânico, desespero, sensação de impotência, apelos vãos ao poder instituído, descaso, descuido, deboche, "justiça" feita com as próprias mãos, pessoas que se sentem compelidas a agir contra sua natureza, a decadência das instituições, tantos assuntos com os quais nos debatemos mesmo estando bem longe da Polônia. A questão "há casos em que a violência se justifica" permanece como fonte de discussões e controvérsias...
O filme opta pela exposição das ações direta ou indiretamente ligadas ao ato principal (e, ao meu ver, faz isso muito bem). O elenco diz muito dos personagens, mesmo com poucas palavras. Um ótimo filme.
Algumas pessoas nascem na família errada. Outras nascem na família certa mas no momento errado. Etc, etc. O difícil é ter recebido o certo no momento certo.
Achei "Tetro" um filme fantástico. Às vezes em passos amargurados de bolero (dois pra lá, dois pra cá), outras vezes em ritmo sangrento de tango. Um filme que fala de dor, de desespero mal contido, renúncia, rejeição, egocentrismo sádico, laços e espinhos de família e, principalmente, do desejo humano de amar, de se ligar a alguém, de ser aceito e aconchegado.
Amor de irmãos que, mesmo que não soubessem que são pai e filho, já o eram, já tinham construido uma base que vai além da irmandade.
"Tetro" fala de vida e arte se misturando, se confundido, se partindo em pedaços para se unirem outra vez. É comovente o incansável desejo do irmão mais novo para ter de volta aquele que lhe ensinou a viver.
O roteiro é simples? Melhor ainda porque é muito difícil ser simples. Tem momentos brega? Ótimo porque o indivíduo mais intelectualizado nunca perderá seu quinhão de breguice. Almodovar nunca teve receio de usar o brega em sua notável arte.
Uma crítica ácida a uma pseudopsicologia rasa, tola e banal que mais parece um livreco de auto-ajuda dos mais superficiais. A líder do Grupo de Pensamento Positivo é mostrada de modo caricatural, e isso até me fez lembrar certos grupos religiosos que repetem frases feitas como papagaios e no fundo negam ou menosprezam a complexidade e contradições de nossas existências. É certo que qualquer trabalho a nível psicoterapêutico que se preze não se reduziria à tentativas ridículas de introduzir à força nas pessoas um "otimismo de Pollyanna", afinal a dor humana é para ser sentida, expressa e respeitada, pois nunca deixará de ser uma peça constituinte de nossas personalidades.
E o filme tenta mostrar isso, e é nesse aspecto que, na minha opinião, poderia ter transitado melhor. Em certos momentos me pareceu que algumas cenas foram inseridas apenas para aumentar o recheio da torta. O incentivo à expressão da agressividade (que também pode ser tão alienante quanto o oba oba do pensamento positivo) merecia um aprofundamento maior em suas próprias contradições. Fiquei com a sensação de que as duas "soluções" apresentadas teriam muitos problemas para lidar com a existência.
(E aquele final me remeteu à idealização do início)
O filme tem méritos, é claro. A intenção de desmascarar hipocrisias é sempre meritória. E talvez eu tenha uma visão mais entusiasta do filme se assisti-lo outra vez daqui a algum tempo. Por enquanto eu só desejaria que a história tivesse dissecado com mais rigor as motivações (e autopiedade) dos personagens e as alternativas para o inconformismo diante das perdas.
Excelente. Uma ideia simples originou um dos filmes mais interessantes que já assisti. Thomas é atemporal, esse personagem existe desde sempre até os dias de hoje (estando ou não trancafiado em casa), e se multiplicará no futuro. Expressão radical da solidão e incomunicabilidade, das selvas ao mundo virtual, Thomas sofre e finge não sofrer, também finge contentar-se com prazeres fugazes e tenta amar, amplificando detalhes do objeto do desejo, esperançoso por pontos de contato mais autênticos. Thomas não é "aquele outro" e sim uma das facetas humanas mais dolorosas. Conseguirá o que deseja? Ficará satisfeito com o que conseguir? Não dá pra responder pois "o Thomas nosso de cada dia", apesar de universal, é único para cada pessoa.
Não é preciso chutes, socos, carros explodindo ou heróis imbatíveis (e ridículos) pra se fazer um ótimo filme. "Apaixonado Thomas" tem ótimo roteiro e ótimos diálogos. E isso já basta.
Dirk Bogarde, um excelente ator que mereceu ter um maior reconhecimento. Em "O Criado" ele interpretou magistralmente um papel bastante difícil, dizendo muito mesmo (e principalmente) quando as palavras eram poucas. As imagens exibem um "brilho quebradiço" (é essa a ideia que me ocorre), fugaz e enganador. Mais de uma vez lembrei dos enfeites de uma árvore de Natal. Os personagens sofisticados (ou que, pelo menos, deveriam ser) rendem-se sem muito esforço ao nada que construiram em volta de si. E tudo se entrelaça quando a carne trai, quando a sujeira (da casa e do coração) aparece, quando não mais se sabe a diferença entre o desespero sem saída dos "bem nascidos" e dos servos, quando as relações de poder alternam-se e se divertem na sombra da cortina do banheiro.
"O Criado" é filme para ser apreciado lentamente, para se dar tanta (ou mais) importância às imagens quanto à história. À certa altura a trama parece mudar bruscamente só para descobrirmos que tudo já se desenhava desde o início. Muito bom.
A Rainha Margot
3.9 110Sempre fui fã de filmes épicos que retratam acontecimentos históricos mas que também não descuidam dos dramas pessoais dos principais personagens. E "A Rainha Margot" nos deixa ligados em sua história de alegrias e infelicidades. Sou suspeito pra falar de
Isabelle Adjani com sua beleza incomum e suas habilidades dramáticas (quem a viu em "Possessão" sabe do que estou falando). A nobreza, com seus casamentos arranjados por conveniência, podia cair em desgraça mais do que a plebe. E a veterana Virna Lisi encarna uma Catarina de Médicis saborosamente ardilosa e traiçoeira.
E "A Noite de São Bartolomeu" ? Um dos episódios que mais envergonham a humanidade ? Neste filme é mostrada em todo o seu horror, estupidez e consequências. Um momento negro para a França e para o mundo em que as divergências religiosas foram mais uma vez invocadas para servirem de "respaldo" para a antiga e constante sede de poder humana. E um dos momentos que achei mais significativos do filme foi
quando um católico e um protestante se hospedam no mesmo quarto e tem que dormir na mesma cama.
Ótimo filme. Luminosa Isabelle Adjani.
Pra Que Serve o Amor Só em Pensamentos?
3.8 75Um filme sobre juventude e paixão, e sobre a paixão em seus requintes de absolutismo e perversidade (caso sempre fosse transformada em atos) numa Alemanha pré-castração (e imbecilização) nazista. Personagens que mal conseguem conter sua própria energia e, talvez por isso mesmo, transbordam de "fazer tudo e não mais saber o que fazer". Naturalmente a tragédia é anunciada, as frustrações são inevitáveis, e aqui elas são vividas de "modo hemorrágico". Afinal os sentimentos apaixonados elaboram uma luta vã contra os limites da realidade (e a incoerência que nos caracteriza). Se após a fúria apaixonada não surgir um amor sereno, só restarão churrascos humanos.
As imagens são muito bonitas e algumas paisagens chamam mesmo a atenção. Achei que os atores procuraram cumprir seus papéis na pele de personagens não necessariamente simpáticos. Entretanto, no meu modo de ver, faltou um maior "encorpamento" (no momento é a palavra que me vem à mente) de parte da trama.
Como tudo vai se desenrolando em direção ao sangue
A Armadilha
4.0 15Bom à beça. O filme consegue manter o clima de suspense até seus instantes finais. Mas vai bem além disso: é apresentado todo um drama íntimo de um homem que tinha passado a vida de forma moralmente íntegra mas que é pego de surpresa tendo que fazer sua pior escolha. O dilema moral do principal personagem nos atinge em cheio, assistimos ao filme nos indagando se faríamos o mesmo. E o desespero (às vezes mudo, às vezes explícito) é mostrado em minúcias numa história contada sem pressa, sem correrias o tempo inteiro, bem diferente (e muito melhor) do que muitas produções norte-americanas vazias. E é insinuado o tempo inteiro o que já é óbvio mas nem por isso deixa de nos surpreender e atordoar: um mundo em que as vidas humanas são ridicularizadas, destituídas de seu valor existencial e reduzidas a um punhado de moedas.
Fiquei curioso em saber qual seria a atitude da esposa se soubesse da proposta macabra desde o início.
Um bom filme é aquele que vale a pena ser assistido mesmo quando podemos prever parte de seu desfecho. E "A Armadilha" não decepciona.
Os Filhos do Padre
3.6 77De confissão em confissão, as máscaras vão caindo e as pessoas vão mostrando o abismo entre o que realmente são e o personagem que as "incorruptíveis" instituições criam para elas. Acredito que "Svećenikova Djeca" foi minha primeira experiência com um filme croata, e um filme que critica sem pena certa postura religiosa sobre a evitação de filhos. Assunto difícil de ser abordado, cercado por hipocrisia, uma questão sempre indigesta, aqui tratada tanto com comicidade ferina quanto com um necessário drama. Eu, particularmente, aprecio bastante filmes que "nos desarmam" fazendo-nos rir para em seguida nos jogar em momentos incomodamente dramáticos. E o filme desempenha bem essa transição.
Lembrou-me várias vezes uma boa comédia italiana, daquelas que provocam risadas sem esquecer o aspecto provocativo. Mas o filme é da Croácia e é bom ver que este país tenta realizar produções que fogem de esquemas hollywoodianos maniqueistas infantilizados. A história é bem amarrada, não poupa ninguém e não faltam surpresas. Só achei que funcionaria ainda melhor com alguns minutos a menos, apesar de o filme nem ser muito longo. Mas vale a pena, uma boa pedida.
71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso
3.7 74Suponho que, com a inclusão de notícias veiculadas na mídia, Haneke pretendeu amalgamar os dissabores dos personagens de seu filme às desgraças que possuem maior repercussão. Essa ideia é muito boa porém, devido à quantidade de notícias mostradas, produziu-se em mim um efeito diferente. Depois de certo tempo me parecia que eu estava assistindo notícias durante os intervalos de um filme. Não senti o corte para a inserção dessas notícias como senti (e gostei bastante) dos cortes abruptos entre os dramas dos "personagens da tragédia anunciada". Aliás, eu poderia continuar assistindo às desventuras dos personagens que achei carismáticos durante mais tempo. Quanto a esses personagens aconteceu o que eu imaginava: pudemos vê-los e adivinhar mais sobre sua dor, tal como podemos fazer quando estamos sentados num banco de praça e eles desfilam diante de nós. Haneke nos concede observar um pouco de suas intimidades para rapidamente fechar a porta em nossa cara. Como geralmente ocorre no dia-a-dia... Quanto às mortes... gostei da opção de Haneke. Um filme bem interessante.
Gemini
3.5 14Um drama/suspense japonês bastante interessante em que lutas (surdas ou explícitas) estão sempre presentes, desde os centenários embates entre classes sociais
às rivalidades entre irmãos, entremeadas por confusões de individualidades.
Aqui "Caim e Abel" inevitavelmente se misturam,
As Chaves de Casa
3.9 29Sensacional, na minha opinião. Filme que nunca perde o prumo e consegue um ótimo equilíbrio em todo o seu percurso. História bastante comovente apresentada "de cara limpa", onde os sentimentos fluem com naturalidade, bem longe das forçações de barra vistas em tantas produções hollywoodianas cretinas (e não só hollywoodianas). O drama do pai assustado, incrédulo, indeciso e também completamente envolvido emocionalmente com o filho deficiente é mostrado em suas diversas facetas, desde o enorme desgaste e responsabilidade de um adulto que tenta cuidar de um filho especial até o não mais saber viver sem aquele filho. Não nos cabe julgar, apenas observar e compartilhar.
E Charlotte Rampling "invade" a história com um dos personagens mais sofridos, elegantes, amorosos e belos que já vi no cinema. Fantástico.
Olivier, Olivier
4.0 16Esse filme é um daqueles casos em que comecei a assistir sem muitas expectativas e que, após os primeiros minutos, eu já estava tomado pela ansiedade de conhecer o desfecho. Até certo ponto, achei-o excelente, principalmente quando trata do antes e do imediatamente depois ao desaparecimento do garoto. Os familiares são expostos em seus tormentos, confusões e alegrias de forma tão crua (e ao mesmo tempo lírica) que eu não conseguia vê-los apenas como personagens de cinema. A partir do reaparecimento de Olivier, penso que o roteiro se prolongou um pouco mais do que deveria, como se precisasse dar novos mergulhos como reforço para a história. E, no meu entendimento, isso não elevou necessariamente a qualidade do trabalho.
Quanto ao final, optou-se por uma reviravolta mais ao estilo de um thriller convencional .
E essas minhas observações não tem por objetivo desmerecer o conjunto da obra. Muito pelo contrário, pois "Olivier, Olivier" é um filme que muito dificilmente deixaria os espectadores indiferentes, pelo menos em certas passagens do mesmo. Há momentos em que vemos a mão de uma mestra a orquestrar essa crônica agridoce. Os pontos que não me deixaram totalmente satisfeito devem-se certamente à questão de gosto pessoal.
A Prisioneira
3.8 12O mote mais óbvio de "A Prisioneira" (envolvendo voyeurismo e submissão sexual feminina) pode ter sido impactante na época de seu lançamento porém, nos dias atuais saturados de referências sexuais, recai num lugar-comum exibido centenas de vezes. Contudo o filme vai mais além, a começar das imagens que remetem à arte dos anos 60, aquelas cores e formas distorcidas, exóticas e hipnóticas, como também aos discursos de liberalidade nas relações amorosas que se entremeavam às posturas políticas. A efervescência do final da década de 60 é delineada.
Além do mais, apesar de não se aprofundar em análises de personalidades e alterações, o filme toca na questão da infantilidade de certos tipos que elegeram "perversões" como principal fonte de realização. E também contrapõe o aprisionamento do sexo perverso à forma mais plena de amar. E é justamente nisso que, no meu entender, a personagem Josée merecia uma composição mais cuidadosa.
Um filme com alguns bons momentos.
Providence
4.2 24O primeiro contato que tive com o cinema de Resnais foi com "Providence", e fico feliz por ter enfrentado os momentos iniciais de confusão e impaciência, pois assim pude contemplar esta bela obra como um todo e, por conseguinte, melhor retomar e apreciar seus detalhes. Ao final só pude ficar (muito) positivamente admirado com as peculiaridades de um cinema autoral em que o tanto de estranheza que me causou foi superado pelo tanto de familiaridade. Trama genial com os pés nas fantasias/desejos/medos de um escritor moribundo que, talvez por isso mesmo, não teve receios de amalgamar referências de uma vida em personagens que escorregam das mãos. Excelente retrato, excelentes confrontações de existências e valores,
e um final que (felizmente) fugiu do melodrama lacrimejante.
Leolo
4.1 53“Porque eu sonho, eu não o sou”. E, para não se deixar dúvidas sobre a variação sutil da ideia, repete-se.
"Léolo" é mais um daqueles filmes sobre o mundo infantil envolto em clima melancólico, e esta desolação "não desgruda" até quando uma ou outra cena de peraltice ou audácia são mostradas. E nesse aspecto, o filme não poupa o espectador de momentos de ousadia bem criativa, que provocariam maior comicidade se o contexto tristonho não permanecesse. Se tivesse sido produzido nos EUA em tempos recentes, com certeza teriam mutilado irremediavelmente a história.
Considerei um ponto forte do filme a não abdicação dessa tristeza e crueldade, mantendo firme seu propósito durante seu transcorrer. Achei incrível a boa amarração na tônica da história, por mais que escorregasse para instantes risíveis ou caricaturais. E isso, na minha visão, foi tão bem conduzido que me fez sentir ainda mais aquilo que considero como ponto fraco: a variabilidade de situações exibidas em tempo desproporcional, ou seja, alguns fatos mereciam maior tempo de exposição, outros nem tanto. E, mesmo o que foi mais exposto, poderia ter sido destrinchado mais calmamente. Assim, o filme ganharia em profundidade. Essa foi a impressão que eu tive, se assisti-lo de novo talvez enxergue o trabalho com outros olhos.
Mesmo assim, "Léolo" fica bem acima da média das produções com proposta semelhante. É um filme corajoso, sem pena do espectador, sem concessões ao sofrimento infantil, sem apelo ao sentimentalismo barato. Além de ter um elenco bem empenhado e alguns momentos inesquecíveis. Um filme para se assistir pensando nas próprias feridas psíquicas.
O Assado de Satã
3.7 11Como comédia consegue divertir com cenas estranhas e inesperadas, principalmente em sua primeira hora. Mas esse filme é bem mais que isso e, como muito cinema autoral, seu "artesão" seria o mais indicado para indicar a maior amplitude de suas significações. A visão pessoal que eu tive foi a de uma acidez irrefreável ao ironizar a vocação humana para a tragédia e o ridículo (até combinados), o desejo de conceder a alguém (um louco, por que não?) as próprias aspirações, semeando-se renascimentos messiânicos... e sei que um conhecedor da obra de Fassbinder teria muito mais alcance para analisar esse trabalho. Achei o empenho dos atores um show à parte, e Kurt Raab (a la Hitler) deita e rola com sua performance.
Alemanha, Ano Zero
4.3 92A saga do garoto Edmund em uma Berlim devastada ao final da Segunda Guerra, uma cidade tão mal da saúde quanto o pai do menino. E assim podemos testemunhar uma história fictícia (embora tão realista) se desenrolando no próprio ambiente da época. Uma história atemporal pois, enquanto houver guerras oficialmente declaradas "e "guerras nossas de cada dia") a miséria, a desolação e a brutalização de pessoas estará presente. Muito presente, gritando bem ao nosso lado. E Rossellini rege sua orquestra macabra com os sons do desespero e, mesmo nisso, ainda há fascínio.
Quanto ao desenrolar da história fiquei intrigado com o modo pelo qual Edmund passou da "sugestão" do assassinato à prática. É certo que certo número de crianças/adolescentes são voltados para a emergência da ação, e não para autoindagações sobre a mesma, principalmente em um contexto tão áspero e urgente como o do filme. Mesmo assim, achei que não ficou tão convincente a elaboração do desejo do garoto. Além disso a relação filho-pai, se tinha tropeços (e há alguma que não tenha?), também não me pareceu ser das piores pois havia afeto e preocupação entre ambos.
Rossellini preferiu deter-se mais (e retratou isso muitíssimo bem) no sentimento de culpa do garoto após o ato, seu desejo de ser apenas uma criança e se enturmar e, por fim, seu autodesprezo e autocondenação.
A cena final só vendo.
O olho do menino e tudo àquilo a que remete.
Vida em Família
3.9 24Apesar de se passar na Inglaterra de 1971, este bom filme praticamente não perdeu o seu viço e seriedade. É muito interessante como mostra o atordoamento de uma jovem diante de um mundo que ela sente estar errado mas não encontra forças para reagir de modo mais eficaz. De um lado, uma família "tradicional" (e não uso a palavra no bom sentido), pais que "sabem exatamente o que é melhor para sua filha" embora eles mesmos levem uma existência desprazerosa. Do outro lado, uma instituição médica portadora de um discurso que, em nossos dias, elege-se como "a sabedoria", em parte por sua incompreensibilidade pelos que possuem outra formação. E, acima de tudo, o ideal social de confundir normalidade com produtividade, ou seja, o normal é aquele que se encaixa numa engrenagem como uma peça (e Chaplin fez uma das mais contundentes críticas sobre isso no inesquecível "Tempos Modernos").
O primeiro psiquiatra que trata de Janice é provavelmente o personagem do filme com maior lucidez, assumindo mais a função de psicólogo do que de "médico curador". Ele foi retratado não como um mau caráter insensível nem tampouco como um gênio, e sim como um profissional interessado em conhecer sua paciente e confrontá-la consigo mesma, e também "emprestando-lhe" seu senso crítico (e também aos pais de Janice). Já a mãe de Janice foi exibida, ao meu ver, um tanto estereotipada porém essa quase caricatura teve um bom efeito, condensando aquilo que em muitos casos se apresenta mais diluído e, talvez por isso, mais perigoso.
A cena durante uma refeição é uma das melhores,
em que a irmã mais velha de Janice despeja queixas e agressões contra os pais (e as filhas presenciando tudo), entretanto é apenas mais uma que finge estar bem e sabe o que é melhor para sua irmã.
"
Vida em família" não é um daqueles filmes em que o protagonista amadurece e encontra uma saída. Aliás, o filme fala mais de "entradas" e atordoamentos.
Os Possessos
3.8 7Uma série de personagens interessantíssimos e que mereciam maior tempo de exposição no filme. Essa é minha única ressalva e por isso concordo com quem preferia uma minissérie. De resto achei o filme muito bom e as imagens são uma bela atração à parte. Sem falar nas ótimas falas recheadas de amargura, loucura, soberba e grande sarcasmo. A segunda metade do século XIX europeia, com seus embates ideológicos e existenciais, a impregnação de pensamentos díspares na juventude da época, a exaltação, o conservadorismo, o desencanto ou o simples desejo destrutivo como meta, tudo muito bem representado em uma localidade russa. É o genial Dostoiévski nas mãos de Andrzej Wajda. E com a expressividade sempre marcante do eterno "Omar Sharif Jivago". Boa pedida.
Dagon
3.3 114Não conheço o conto no qual o filme se baseia, por isso só posso me referir ao que vi na tela. O enredo é desenvolvido de forma simples, até um tanto previsível e boba, lembrando muito filmes do gênero anteriores a este. Não achei o trabalho dos atores algo notável. Não sou muito fã de filmes que tem por maior trunfo os efeitos especiais e/ou a maquiagem. Porém poderiam ter dado mais atenção a esses quesitos, a história precisava disso. Mesmo assim "Dagon" é bom de se assistir, provavelmente por méritos de seu diretor e determinadas imagens mostradas na primeira metade do filme. Além disso, apesar de ter o "inevitável" maniqueísmo e esquematização dos personagens,
"Dragon" surpreende por contrapor o cristianismo (vertente religiosa tradicional) ao paganismo, inicialmente pintando um quadro muito benévolo da vertente cristã para, no final das contas, descê-la alguns degraus do pedestal. E isso não é comum em filmes dessa natureza.
Albergue Espanhol
3.9 313Um filme com vários jovens compartilhando o mesmo ambiente, e não vemos nenhum psicopata matador de jovens, não vemos romances bobinhos, nem supervalorização de corpos juvenis... ou seja, "Albergue Espanhol" segue outra linha de roteiro. Por isso é um filme muito bom. Trata da "abertura para a vida", representada por um babel de culturas e idiomas "forçados" a conviverem. Trata do esforço para entender e aceitar as diferenças. Trata do que há em comum entre pessoas vindas de lugares diferentes. Trata de paixão, camaradagem, solidão, desapontamentos e de laços de amizade mais fortes do que se imaginava. Tudo isso sem dramalhões desnecessários, porradas ou mistérios embasbacantes. Afinal a vida consiste, em sua maior parte, de momentos aparentemente banais que trazem, mais ou menos disfarçadamente, as dores e alegrias da existência humana. E os jovens não são imunes à suave melancolia que banha suas ilhas de humor e brincadeiras. E o protagonista redescobre o que trazia de melhor e estava enclausurado.
Gostei muito de "Albergue espanhol".
Três... Extremos
3.7 99Bom demais. Cinema de primeira, muito superior ao terror medíocre de tantos filmes descerebrados. O único episódio que não achei assim tão bom (embora esteja longe de ser ruim) foi "Dumplings". Um tema mais do que chocante, algumas cenas excelentes, uma boa atriz, porém eu acredito que seria bem mais incômodo se fosse um pouco mais curto. Questão de gosto.
"Cut" é uma das melhores histórias do gênero que tive o prazer de assistir. Um suspense conduzido com inteligência (isso não é comum) e entrega por parte do elenco. E os momentos finais coroaram essa ótima obra. Imperdível para os amantes de terror e suspense.
Mas foi em "Box" que eu enxerguei pura arte, beleza das imagens e nuances que pouco se vê em filmes semelhantes. A história exibe uma dor visceral, fruto de paixão, sexualidade insólita, medo, dependência e culpa, muita culpa. O clima é onírico e faz a excelente opção de "brincar" com o ocorrido/não ocorrido, mostra a realidade psíquica como mais poderosa do que a realidade "concreta", introduz personagem que remete a outro, traz um final que nos faz repensar toda a trama. E tudo envolvido por imagens de sonho.
Vale muito a pena assistir.
O Linchamento
3.1 5Há uma música com o título "O Haiti é aqui". Ao assistir "O linchamento" posso dizer "A Polônia é aqui". Um ótimo filme que, mesmo sabendo de início quem iria ser linchado, prendeu minha atenção a cada imagem. E os temas tratados não poderiam ser mais pertinentes para o tempo em que vivemos: violência descontrolada, medo, pânico, desespero, sensação de impotência, apelos vãos ao poder instituído, descaso, descuido, deboche, "justiça" feita com as próprias mãos, pessoas que se sentem compelidas a agir contra sua natureza, a decadência das instituições, tantos assuntos com os quais nos debatemos mesmo estando bem longe da Polônia. A questão "há casos em que a violência se justifica" permanece como fonte de discussões e controvérsias...
O filme opta pela exposição das ações direta ou indiretamente ligadas ao ato principal (e, ao meu ver, faz isso muito bem). O elenco diz muito dos personagens, mesmo com poucas palavras. Um ótimo filme.
Tetro
4.0 209Algumas pessoas nascem na família errada. Outras nascem na família certa mas no momento errado. Etc, etc. O difícil é ter recebido o certo no momento certo.
Achei "Tetro" um filme fantástico. Às vezes em passos amargurados de bolero (dois pra lá, dois pra cá), outras vezes em ritmo sangrento de tango. Um filme que fala de dor, de desespero mal contido, renúncia, rejeição, egocentrismo sádico, laços e espinhos de família e, principalmente, do desejo humano de amar, de se ligar a alguém, de ser aceito e aconchegado.
Amor de irmãos que, mesmo que não soubessem que são pai e filho, já o eram, já tinham construido uma base que vai além da irmandade.
O roteiro é simples? Melhor ainda porque é muito difícil ser simples. Tem momentos brega? Ótimo porque o indivíduo mais intelectualizado nunca perderá seu quinhão de breguice. Almodovar nunca teve receio de usar o brega em sua notável arte.
Tem um final feliz forçado? E qual é o "desenganado de mal com a vida" que não sonha secretamente com finais felizes?
Ótimo filme para ser assistido por quem já sentiu os perfumes e os espinhos familiares.
A Arte do Pensamento Negativo
3.8 67Uma crítica ácida a uma pseudopsicologia rasa, tola e banal que mais parece um livreco de auto-ajuda dos mais superficiais. A líder do Grupo de Pensamento Positivo é mostrada de modo caricatural, e isso até me fez lembrar certos grupos religiosos que repetem frases feitas como papagaios e no fundo negam ou menosprezam a complexidade e contradições de nossas existências. É certo que qualquer trabalho a nível psicoterapêutico que se preze não se reduziria à tentativas ridículas de introduzir à força nas pessoas um "otimismo de Pollyanna", afinal a dor humana é para ser sentida, expressa e respeitada, pois nunca deixará de ser uma peça constituinte de nossas personalidades.
E o filme tenta mostrar isso, e é nesse aspecto que, na minha opinião, poderia ter transitado melhor. Em certos momentos me pareceu que algumas cenas foram inseridas apenas para aumentar o recheio da torta. O incentivo à expressão da agressividade (que também pode ser tão alienante quanto o oba oba do pensamento positivo) merecia um aprofundamento maior em suas próprias contradições. Fiquei com a sensação de que as duas "soluções" apresentadas teriam muitos problemas para lidar com a existência.
(E aquele final me remeteu à idealização do início)
O filme tem méritos, é claro. A intenção de desmascarar hipocrisias é sempre meritória. E talvez eu tenha uma visão mais entusiasta do filme se assisti-lo outra vez daqui a algum tempo. Por enquanto eu só desejaria que a história tivesse dissecado com mais rigor as motivações (e autopiedade) dos personagens e as alternativas para o inconformismo diante das perdas.
Ao Anoitecer
3.8 7Excelente estudo sobre o sentimento de culpa feito pelo mestre Chabrol. Alguns diálogos são surpreendentes. Michel Bouquet numa performance inspirada.
Apaixonado Thomas
3.6 13Excelente. Uma ideia simples originou um dos filmes mais interessantes que já assisti. Thomas é atemporal, esse personagem existe desde sempre até os dias de hoje (estando ou não trancafiado em casa), e se multiplicará no futuro. Expressão radical da solidão e incomunicabilidade, das selvas ao mundo virtual, Thomas sofre e finge não sofrer, também finge contentar-se com prazeres fugazes e tenta amar, amplificando detalhes do objeto do desejo, esperançoso por pontos de contato mais autênticos. Thomas não é "aquele outro" e sim uma das facetas humanas mais dolorosas. Conseguirá o que deseja? Ficará satisfeito com o que conseguir? Não dá pra responder pois "o Thomas nosso de cada dia", apesar de universal, é único para cada pessoa.
Não é preciso chutes, socos, carros explodindo ou heróis imbatíveis (e ridículos) pra se fazer um ótimo filme. "Apaixonado Thomas" tem ótimo roteiro e ótimos diálogos. E isso já basta.
O Criado
4.1 54Dirk Bogarde, um excelente ator que mereceu ter um maior reconhecimento. Em "O Criado" ele interpretou magistralmente um papel bastante difícil, dizendo muito mesmo (e principalmente) quando as palavras eram poucas. As imagens exibem um "brilho quebradiço" (é essa a ideia que me ocorre), fugaz e enganador. Mais de uma vez lembrei dos enfeites de uma árvore de Natal. Os personagens sofisticados (ou que, pelo menos, deveriam ser) rendem-se sem muito esforço ao nada que construiram em volta de si. E tudo se entrelaça quando a carne trai, quando a sujeira (da casa e do coração) aparece, quando não mais se sabe a diferença entre o desespero sem saída dos "bem nascidos" e dos servos, quando as relações de poder alternam-se e se divertem na sombra da cortina do banheiro.
"O Criado" é filme para ser apreciado lentamente, para se dar tanta (ou mais) importância às imagens quanto à história. À certa altura a trama parece mudar bruscamente só para descobrirmos que tudo já se desenhava desde o início. Muito bom.