É sempre problemático quando comparamos uma adaptação cinematográfica ao livro que lhe deu origem. Há uma tendência a dizermos "mas o livro é melhor", esquecendo que duas linguagens estão em jogo com suas características peculiares. Mesmo assim eu senti falta de algo da obra de Anne Rice: uma angústia tendente ao desespero que permeia toda a história, descrita longamente em ações que entrevemos como se estivéssemos tentando enxergar através de uma névoa. Certos trechos do livro são impressionantes
, exatamente porque a descrição é um tanto "nebulosa", um mostrar e esconder que inquieta bastante o leitor e o faz compartilhar do estado incomum dos personagens. Neil Jordan fez um trabalho considerável, eliminou algumas passagens sem prejudicar a essência da história, criou algumas "soluções" bem interessantes. Mas adaptar certas obras é tarefa espinhosa.
Tom Cruise mostrou-se uma surpresa bastante positiva, não tendo receio em se entregar a um personagem que pode ser tudo menos convencional. Sua composição de Lestat de Lioncourt recebeu aplausos merecidos. Antonio Banderas é um ator que admiro porém tenho dúvidas se foi uma boa escolha para o papel que desempenhou. Mas o que mais me deixou impressionado no filme foi KIRSTEN DUNST com sua vampira-mirim Claudia,
encarnando perfeitamente a inocência que se transforma gradativamente em um ser capaz de qualquer coisa para satisfazer seus desejos.
Para mim foi o personagem mais marcante da história.
Sim, "Entrevista com o vampiro" é um filme bom de se assistir, com bela reconstrução de época e que merece ser visto por quem aprecia uma boa história, mesmo que não seja fã de sugadores de sangue. Se lamentei algo é por causa de uma visão pessoal, e não por querer desmerecer esse interessante filme.
É um filme sobre o qual várias coisas poderiam ser ditas: a loucura da personagem que em alguns momentos capta o absurdo melhor do que os "sãos", a loucura a dois, a loucura de todos, a paixão que precisa da loucura para sobreviver, a impossibilidade de se por coerência nas relações humanas, etc. São personagens cativantes, com reações inesperadas e esquisitas e, talvez por isso mesmo, os sintamos tão próximos de nós.
Entendo que é um filme que conta uma história sem nenhuma pressa (como certas doenças que não tem pressa para matar) mas também achei que poderia ter se estendido menos. Apesar disso penso que "Betty Blue" é uma obra admirável, daquelas que nos dão a deixa para discussões intermináveis. E isso é bom.
O que me fez gostar bastante desse filme é a contraposição entre os hábitos que as pessoas acumulam durante a vida e a perspectiva de se fazer algo extraordinário nos últimos momentos da existência. As pessoas não realizam necessariamente ações fantásticas diante de uma constatação definitiva, não se tornam obrigatoriamente seres com lampejos de sabedoria. Cada personagem agiu conforme seus limites e possibilidades, e a alternância entre desespero, conformação, ansiedade, aceitação e até euforia me pareceu bem abordada. Um filme não badalado, algumas vezes, pode nos fornecer mais material para reflexões e discussões do que um clássico.
... e Susan Hayward deixou sua marca inconfundível nesta perturbadora obra. É um daqueles casos em que a atriz certa aproveitou o momento certo. E (por incrível que pareça) algumas vezes o Oscar faz justiça.
Este é o tipo de filme não indicado quando a pessoa está impaciente, ansiosa pra ver o desfecho da situação.
Pelo contrário, este é um filme pra quando se está disposto a se deixar envolver numa história que vai se desenrolando "como quem não quer querendo". E funcionou comigo: deixei o filme "ser do jeito que ele é" e isso me fez compartilhar das angústias de cada personagem, eu me senti como testemunha de um cotidiano que aparenta ser banal mas contém disfarçadamente a dramaticidade dos grandes momentos. Os personagens são muito ricos, os atores extrairam de si as nuances que precisavam ser mostradas.
Um pai precisando de um filho. Um filho precisando de um pai. Carências que surgem dos escombros e resistem a dores e mágoas, insistindo em estabelecer novos vínculos humanos.
"O Filho" é um filme marcante. Bem melhor do que tantos com os quais se gasta grandes somas de dinheiro pra disfarçar a ausência de um cérebro.
Se eu tivesse assistido a um filme com reviravoltas mirabolantes, assassinatos escabrosos, perseguições automobilísticas incríveis, bombas explodindo, etc, etc, poderia até apreciar bastante. Porém são filmes como "O Porco Espinho" que deixam sua marca em minha pessoa, pois é o tipo de filme que retira as camadas de nossas defesas e nos mostra o que nem sempre gostamos de ver.
É um filme que daria margem a discussões variadas.
Filme extremamente lento, do tipo que facilmente deixamos pela metade SE não nos envolvermos com a dor dos personagens, com toda aquela fria amargura, com o desespero contido por um silêncio tristemente profético, com aquelas imagens belíssimas. Porém, quando mergulhamos naquela situação, vemos como o filme é extraordinariamente aterrador, brilhantemente orquestrado.
"As horas" retrata a valorização da vida naquilo que é possível, que é viável, naquilo que algumas vezes já possuimos e nem damos a devida atenção. Gostei bastante desse filme principalmente porque não mostra "triunfos retumbantes" ou superações de situações difíceis "do jeito americano". Ou seja, ele não alimenta nossas fantasias infantis de que "algum dia tudo dará certo". Ao contrário, "As Horas" nos dá puxões de orelha para percebermos aquilo que já está dando certo e nem damos o devido valor, nem desfrutamos inteiramente.
(como, por exemplo, a personagem da Meryl Streep que desvaloriza o que tem em nome de uma fantasia adolescente).
É um filme triste, lento, em alguns momentos parece que rouba o nosso chão e nos deixa despencar. Não poderia ser de outra forma, pois fala da vida e de nós, estúpidos terráqueos que a rejeitam continuamente.
Se eu já gostava da Julianne Moore, depois de "As Horas" virei fã.
Há vários anos eu li o romance "A comédia humana" de William Saroyan, e lembro que a história me comoveu muito ao ponto de se tornar um de meus livros preferidos. Só espero um dia ter a oportunidade de assistir a versão cinematográfica.
Quando penso em "Quem tem medo de Virginia Woolf ?" sempre lembro do excelente "Uma rua chamada pecado". Não pela história, e sim por causa da química estupenda entre o quarteto central. Filmes de atores em momento privilegiado.
É possível que hoje em dia a "revelação final" da trama já não cause tanto impacto como pode ter ocorrido na época da exibição.
Mas isso não importa quando se tem ótimos e afiados diálogos que funcionam como setas venenosas, proferidos por uma Elizabeth e um Burton que se atiram um ao outro como feras ensandecidas para, em seguida, estancarem e começarem tudo outra vez. Afinal, o que eles fariam um sem o outro, já que a dupla precisa de alguém para amar e envenenar reiteradamente ? Nem os filmes sobre a Segunda Guerra possuem tantos bombardeios como as batalhas incessantes desse casal que sente o gozo da autodestruição.
YES. E será que algum dia deixarão de fazer isso ? Divertir-se com a miséria, angústia, desespero dos outros. Transformar sangue humano em champanhe e beber até a embriaguez. O homem lobo do homem. Basta ligar a TV pra ver pessoas expostas ao ridículo e à crueldade. E sempre fabricarão "justificativas" pra isso pois o ser humano é hábil em disfarçar o próprio cinismo.
Jane Fonda no auge de seu talento pinta um dos melhores retratos da descrença e amargura de quem já está farto de tantos engodos. Cenas memoráveis: dificilmente alguém não se impressionará com as "corridas", o desespero dos perdedores e a miséria enfeitada.
Quando assiti “Saló” há vários anos atrás, meu pensamento foi “provavelmente nunca verei um filme tão bizarro quanto este”. Porém eu também percebia que estava diante de um trabalho incomum, com a coragem dos loucos, com uma dureza sem concessões ao cutucar as feridas humanas. Anos depois fui revê-lo em uma sessão de arte. O público lotou a sala mas, perto do final do filme, apenas uns dez por cento das pessoas ainda permanecia.
Não é pra menos. Pasolini, por assim dizer, retira as cascas da cebola humana, ávido por atingir o seu núcleo. E o que surge ? Um monstro narcisista, egoísta, tirânico, inconsequente, voltado exclusivamente para seu próprio prazer, brincando grotescamente com os outros como marionetes, ignorando os direitos alheios e agredindo ferozmente a quem não satisfaz seus caprichos. Um bebê amoral antes de ser “domesticado” por uma sociedade (ela própria porcamente domesticada), antes de incorporar certos valores e adquirir certas repugnâncias.
(Talvez seja por isso que a “cena do banquete” seja uma das mais incômodas e nos provoque uma reação do tipo “eu não preciso ver isso”. É uma regressão ao que atualmente nos horroriza. Freud tentou explicar.)
Para quem procura em “Saló” uma violência já batida e rebatida em filmes como “Jogos Mortais”, certamente haverá decepção. Pasolini não exibe a violência humana como um espetáculo divertido para adolescentes, glamourizada (e, por isso mesmo inócua, pois a vemos com distanciamento). Ao contrário, em “Saló” a violência nunca foi tão humana, tão suja e por isso tão revoltante. Lembra a crueza tão próxima de produções como “Não matarás” (guardadas as devidas proporções).
É um filme que expõe as mazelas de regimes autoritários e sanguinolentos, uma história macabra sem “superheróis salvadores das pobres vítimas”. Por extensão expõe as mazelas individuais, a estupidez predatória do coração humano, protótipo dos regimes totalitários.
Vivien Leigh e Marlon Brando em estado de graça, sem desprezar o ótimo desempenho dos coadjuvantes. Brando como um furacão em contraste com Vivien (que parece estar fisicamente se quebrando) é um dos melhores momentos do cinema.
Entrevista Com o Vampiro
4.1 2,2K Assista AgoraÉ sempre problemático quando comparamos uma adaptação cinematográfica ao livro que lhe deu origem. Há uma tendência a dizermos "mas o livro é melhor", esquecendo que duas linguagens estão em jogo com suas características peculiares. Mesmo assim eu senti falta de
algo da obra de Anne Rice: uma angústia tendente ao desespero que permeia toda a história, descrita longamente em ações que entrevemos como se estivéssemos tentando enxergar através de uma névoa. Certos trechos do livro são impressionantes
(por exemplo, a morte de Cláudia)
Tom Cruise mostrou-se uma surpresa bastante positiva, não tendo receio em se entregar a um personagem que pode ser tudo menos convencional. Sua composição de Lestat de Lioncourt recebeu aplausos merecidos. Antonio Banderas é um ator que admiro porém tenho dúvidas se foi uma boa escolha para o papel que desempenhou. Mas o que mais me deixou impressionado no filme foi KIRSTEN DUNST com sua vampira-mirim Claudia,
encarnando perfeitamente a inocência que se transforma gradativamente em um ser capaz de qualquer coisa para satisfazer seus desejos.
Sim, "Entrevista com o vampiro" é um filme bom de se assistir, com bela reconstrução de época e que merece ser visto por quem aprecia uma boa história, mesmo que não seja fã de sugadores de sangue. Se lamentei algo é por causa de uma visão pessoal, e não por querer desmerecer esse interessante filme.
Betty Blue
4.1 81É um filme sobre o qual várias coisas poderiam ser ditas: a loucura da personagem que em alguns momentos capta o absurdo melhor do que os "sãos", a loucura a dois, a loucura de todos, a paixão que precisa da loucura para sobreviver, a impossibilidade de se por coerência nas relações humanas, etc. São personagens cativantes, com reações inesperadas e esquisitas e, talvez por isso mesmo, os sintamos tão próximos de nós.
Entendo que é um filme que conta uma história sem nenhuma pressa (como certas doenças que não tem pressa para matar) mas também achei que poderia ter se estendido menos. Apesar disso penso que "Betty Blue" é uma obra admirável, daquelas que nos dão a deixa para discussões intermináveis. E isso é bom.
"Angústia e absurdo são os mamilos do mundo".
E a Betty é dona da autenticidade que liberta mas carrega uma vocação trágica.
A Última Noite
3.5 11O que me fez gostar bastante desse filme é a contraposição entre os hábitos que as pessoas acumulam durante a vida e a perspectiva de se fazer algo extraordinário nos últimos momentos da existência. As pessoas não realizam necessariamente ações fantásticas diante de uma constatação definitiva, não se tornam obrigatoriamente seres com lampejos de sabedoria. Cada personagem agiu conforme seus limites e possibilidades, e a alternância entre desespero, conformação, ansiedade, aceitação e até euforia me pareceu bem abordada. Um filme não badalado, algumas vezes, pode nos fornecer mais material para reflexões e discussões do que um clássico.
Quero Viver!
4.0 43Jazz, sensualidade, jazz, desespero, jazz...
... e Susan Hayward deixou sua marca inconfundível nesta perturbadora obra. É um daqueles casos em que a atriz certa aproveitou o momento certo. E (por incrível que pareça) algumas vezes o Oscar faz justiça.
O Filho
3.9 45Este é o tipo de filme não indicado quando a pessoa está impaciente, ansiosa pra ver o desfecho da situação.
Pelo contrário, este é um filme pra quando se está disposto a se deixar envolver numa história que vai se desenrolando "como quem não quer querendo". E funcionou comigo: deixei o filme "ser do jeito que ele é" e isso me fez compartilhar das angústias de cada personagem, eu me senti como testemunha de um cotidiano que aparenta ser banal mas contém disfarçadamente a dramaticidade dos grandes momentos. Os personagens são muito ricos, os atores extrairam de si as nuances que precisavam ser mostradas.
Um pai precisando de um filho. Um filho precisando de um pai. Carências que surgem dos escombros e resistem a dores e mágoas, insistindo em estabelecer novos vínculos humanos.
"O Filho" é um filme marcante. Bem melhor do que tantos com os quais se gasta grandes somas de dinheiro pra disfarçar a ausência de um cérebro.
O Porco Espinho
4.3 366Se eu tivesse assistido a um filme com reviravoltas mirabolantes, assassinatos escabrosos, perseguições automobilísticas incríveis, bombas explodindo, etc, etc, poderia até apreciar bastante. Porém são filmes como "O Porco Espinho" que deixam sua marca em minha pessoa, pois é o tipo de filme que retira as camadas de nossas defesas e nos mostra o que nem sempre gostamos de ver.
É um filme que daria margem a discussões variadas.
E o peixe dourado "convidou" os demais personagens para a festa (rsrs).
O Estranho Visitante
3.9 7Filme extremamente lento, do tipo que facilmente deixamos pela metade SE não nos envolvermos com a dor dos personagens, com toda aquela fria amargura, com o desespero contido por um silêncio tristemente profético, com aquelas imagens belíssimas. Porém, quando mergulhamos naquela situação, vemos como o filme é extraordinariamente aterrador, brilhantemente orquestrado.
A promessa de vida... o "algo novo" que chega pra derreter a neve... e novamente o mergulho na solidão.
Fantástico.
Veludo Azul
3.9 776 Assista Agora"She wore blue velvet
Bluer than velvet was the night"
Como se não bastasse ainda há essa bela canção.
As Horas
4.2 1,4K"As horas" retrata a valorização da vida naquilo que é possível, que é viável, naquilo que algumas vezes já possuimos e nem damos a devida atenção. Gostei bastante desse filme principalmente porque não mostra "triunfos retumbantes" ou superações de situações difíceis "do jeito americano". Ou seja, ele não alimenta nossas fantasias infantis de que "algum dia tudo dará certo". Ao contrário, "As Horas" nos dá puxões de orelha para percebermos aquilo que já está dando certo e nem damos o devido valor, nem desfrutamos inteiramente.
(como, por exemplo, a personagem da Meryl Streep que desvaloriza o que tem em nome de uma fantasia adolescente).
É um filme triste, lento, em alguns momentos parece que rouba o nosso chão e nos deixa despencar. Não poderia ser de outra forma, pois fala da vida e de nós, estúpidos terráqueos que a rejeitam continuamente.
Se eu já gostava da Julianne Moore, depois de "As Horas" virei fã.
A Comédia Humana
3.6 4Há vários anos eu li o romance "A comédia humana" de William Saroyan, e lembro que a história me comoveu muito ao ponto de se tornar um de meus livros preferidos. Só espero um dia ter a oportunidade de assistir a versão cinematográfica.
Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
4.3 497 Assista AgoraQuando penso em "Quem tem medo de Virginia Woolf ?" sempre lembro do excelente "Uma rua chamada pecado". Não pela história, e sim por causa da química estupenda entre o quarteto central. Filmes de atores em momento privilegiado.
É possível que hoje em dia a "revelação final" da trama já não cause tanto impacto como pode ter ocorrido na época da exibição.
Sandy Dennis está ótima como a garota aparentemente frágil e, por isso, inesperadamente perigosa ("Violence ! Violence !").
A Noite dos Desesperados
4.2 112 Assista Agora"They Shoot Horses, Don't They?"
YES. E será que algum dia deixarão de fazer isso ? Divertir-se com a miséria, angústia, desespero dos outros. Transformar sangue humano em champanhe e beber até a embriaguez. O homem lobo do homem. Basta ligar a TV pra ver pessoas expostas ao ridículo e à crueldade. E sempre fabricarão "justificativas" pra isso pois o ser humano é hábil em disfarçar o próprio cinismo.
Jane Fonda no auge de seu talento pinta um dos melhores retratos da descrença e amargura de quem já está farto de tantos engodos. Cenas memoráveis: dificilmente alguém não se impressionará com as "corridas", o desespero dos perdedores e a miséria enfeitada.
Cinema Paradiso
4.5 1,4K Assista AgoraUma ode de amor ao cinema para ser assistida nesses tempos em que os efeitos especiais tem mais destaque do que a interação emocional entre os atores.
Cada cena por si só já nos atinge em cheio, deixando aquela sensação agridoce nostálgica da inocência e sua inevitável perda.
Chamar esse filme de "espetacular" ainda é pouco.
Salò, ou os 120 Dias de Sodoma
3.2 1,0KQuando assiti “Saló” há vários anos atrás, meu pensamento foi “provavelmente nunca verei um filme tão bizarro quanto este”. Porém eu também percebia que estava diante de um trabalho incomum, com a coragem dos loucos, com uma dureza sem concessões ao cutucar as feridas humanas. Anos depois fui revê-lo em uma sessão de arte. O público lotou a sala mas, perto do final do filme, apenas uns dez por cento das pessoas ainda permanecia.
Não é pra menos. Pasolini, por assim dizer, retira as cascas da cebola humana, ávido por atingir o seu núcleo. E o que surge ? Um monstro narcisista, egoísta, tirânico, inconsequente, voltado exclusivamente para seu próprio prazer, brincando grotescamente com os outros como marionetes, ignorando os direitos alheios e agredindo ferozmente a quem não satisfaz seus caprichos. Um bebê amoral antes de ser “domesticado” por uma sociedade (ela própria porcamente domesticada), antes de incorporar certos valores e adquirir certas repugnâncias.
(Talvez seja por isso que a “cena do banquete” seja uma das mais incômodas e nos provoque uma reação do tipo “eu não preciso ver isso”. É uma regressão ao que atualmente nos horroriza. Freud tentou explicar.)
Para quem procura em “Saló” uma violência já batida e rebatida em filmes como “Jogos Mortais”, certamente haverá decepção. Pasolini não exibe a violência humana como um espetáculo divertido para adolescentes, glamourizada (e, por isso mesmo inócua, pois a vemos com distanciamento). Ao contrário, em “Saló” a violência nunca foi tão humana, tão suja e por isso tão revoltante. Lembra a crueza tão próxima de produções como “Não matarás” (guardadas as devidas proporções).
É um filme que expõe as mazelas de regimes autoritários e sanguinolentos, uma história macabra sem “superheróis salvadores das pobres vítimas”. Por extensão expõe as mazelas individuais, a estupidez predatória do coração humano, protótipo dos regimes totalitários.
Uma Rua Chamada Pecado
4.3 454 Assista AgoraVivien Leigh e Marlon Brando em estado de graça, sem desprezar o ótimo desempenho dos coadjuvantes. Brando como um furacão em contraste com Vivien (que parece estar fisicamente se quebrando) é um dos melhores momentos do cinema.