Michael Myers vive! Enquanto Freddy Krueger e Jason Vorhees sucumbiram por conta de uma penca de filmes assustadores de tão ruins, o maníaco da franquia “Halloween” está vivinho e cada vez mais violento. “Halloween Kills: o Terror Continua” já entrega no título se tratar de uma continuação do filme de 2018. O longa anterior fez muitos esquecerem os inúmeros tropeços da saga. Estava distante de ser uma obra-prima do terror, mas agradou fãs e foi bem nas bilheterias. O suficiente para dar continuidade à trilogia pré-concebida, cujo segundo capítulo chega agora. Esta nova produção remete ao anterior e também ao original de John Carpenter no distante 1978. Ferida após mais um embate com Michael, Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) recebe no hospital os cuidados da neta e da filha, vividas por Judy Greer e Andi Matichack, respectivamente. Elas juram que o psicopata mascarado morreu num incêndio. Não demoram a descobrir que ele não apenas morreu, como trucidou os bombeiros naquela que talvez seja a melhor cena do filme. A partir daí, o longa se propõe a revisitar o passado, trazendo personagens do clássico dos anos 1970, agora mais velhos e atormentados. Primeiro problema: tais tipos estão ali apenas para servirem como vítimas do protagonista, visto que têm densidade psicológica zero. As sequências de assassinatos são brutais e muito bem filmadas, embora falte suspense. Segundo problema: “Halloween Kills” tenta explicar as motivações de Michael, algo desnecessário a esta altura do campeonato, e não soa nem um pouco convincente, ainda mais utilizando o recurso da narração. Munido de facas, picaretas e qualquer objeto cortante ou perfurante, o homicida vai deixando um rastro de sangue ao longo de pouco mais de uma hora e meia de filme. A atmosfera nostálgica que permeia a produção torna este novo “Halloween” um passatempo agradável, embora com todos os problemas de um filme do meio de uma trilogia. Agora, imperdoável mesmo é transformar Laurie Strode em coadjuvante. “Halloween Kills” se ressente da ausência de um confronto entre Michael e sua maior inimiga.
O que é real e o que é ficção? Essa é a indagação que move tanto “O Menino que Matou Meus Pais” quanto “A Menina Que Matou os Pais”, disponíveis no Amazon Prime Video. “Os filmes sobre o caso Richthofen” apresentam duas versões sobre um caso policial que movimentou a opinião pública em 2002: o brutal assassinato da psiquiatra Marísia e do engenheiro Manfred von Richthofen. A filha do casal, Suzane, o namorado, Daniel, e o irmão dele, Cristian Cravinhos, foram condenados pelo crime. Chocante é pouco para essa história. Os longas utilizam como fonte os autos do julgamento e traçam perfis distintos do par principal, vividos com desenvoltura por Carla Diaz e Leonardo Bittencourt. A ideia, um tanto óbvia, é fazer com que o público tire as suas conclusões. Ambos recriam, mesmo com recursos limitados, a vida dos personagens antes do crime e estão entrelaçados. Um não existe sem o outro. Os resultados são irregulares, embora “A Menina Que Matou os Pais” seja nitidamente superior a “O Menino Que Matou Meus Pais”. A narrativa é menos burocrática e cativa o espectador. Carla Diaz se sai bem, a despeito da peruca constrangedora nas cenas no tribunal, e de alguns exageros de interpretação reforçar uma aura perversa. Não à toa, os filmes pecam pelo tom novelesco de algumas cenas. Quem for em busca de um estudo psicológico vai dar com os burros n´água. Os roteiros fracos parecem se limitar a narrar os fatos. Temas interessantes ficam apenas na superfície. Entre altos e baixos, o espectador acompanha com interesse o desenrolar das tramas, mesmo sabendo de cor alguns detalhes da história. Ao final, fica no ar outra pergunta: não seria melhor condensar os dois filmes em um só? O público certamente sairia ganhando.
A presença luminosa de Amy Adams (“Liga da Justiça”, “A Chegada”, “Animais Noturnos”) na dianteira do elenco é um chamariz para o filme “A Mulher na Janela”, da Netflix. O elenco, por sinal, é pra lá de tarimbado. Conta ainda com Gary Oldman, Julianne Moore e Jennifer Jason Leigh. O suficiente para atiçar a curiosidade dos cinéfilos. Amy faz uma psicóloga infantil agorafóbica que combina remédios tarja preta com taças de vinho e curte espionar seus vizinhos. Não demora para ela testemunhar um assassinato. A referência do filme de Joe Wright é o manjado clássico sobre voyeurismo “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock. Se o fotógrafo vivido por James Stewart no longa do mestre do suspense estava confinado no apartamento por conta da perna quebrada, a psicóloga simplesmente não colocar os pés para fora de casa devido a um trauma pesadíssimo. A primeira parte de “A Mulher na Janela” é primorosa, com a câmera explorando a vastidão e a desordem do lar da protagonista, expressando bem a confusão mental da personagem. Os atores estão ótimos. O ponto alto do filme é o diálogo na cozinha entre as personagens de Amy e Julianne. Há uma certa estranheza nas falas e atuações que deixam o espectador com a pulga atrás da orelha. Aquilo ocorreu ou foi fruto de alucinação de alguém que vive entupida de medicamentos? O longa pouco explora essa questão e segue o caminho fácil dos suspenses mais rasos a partir de sua segunda metade. É fato que “A Mulher na Janela” prende a atenção até o final, assim como outro thriller recente da Netflix, “Fuja”, por coincidência também estrelado uma baita atriz (Sarah Paulson). Ambos partem de ótimas premissas, mas apelam para as soluções fáceis no intuito de agradar ao público.
Vencedor do Festival de Gramado do ano passado, “Pacarrete” chega ao cinemas em meio à pandemia do coronavírus, quando o público ainda hesita em retornar às salas da exibição. Teve melhor sorte que alguns exemplares do cinema brasileiro recente, lançados direto em streaming. É filme para ser visto no esplendor da tela grande. Pacarrete, o nome esquisito que batiza essa delicada produção, é uma derivação sertaneja do francês pâquirette. Aquela florzinha do campo conhecida como margarida e também o nome da protagonista. A extraordinária Marcélia Cartaxo, até hoje lembrada como a Macabéa do clássico “A Hora da Estrela” (1985), encarna a ex-bailarina e ex-professora de dança com a cabeça e os pés nas nuvens. Na pequena Russas, no sertão nordestino, Pacarrete planeja apresentar um espetáculo de dança na festa de aniversário do município. Não vai ser nada fácil quando a prefeitura programou um show de forró para o evento. Está aqui um dos temas do filme, o embate entre a cultura popular e a erudita. Pacarrete é elegante, culta e não se cansa de falar francês com o dono de uma quitanda (o ótimo João Miguel), o único da cidade que lhe dá ouvidos e parece entender a “loucura” da personagem. Mas se mostra uma mulher arretada quando provocada. E não são poucas as vezes em que ela desce do salto. O filme do estreante Allain Deberton combina momentos de doçura, agressividade e de pura fantasia. Um dos momentos de maior força dramática do longa é numa cena trágica ao som de “We Don’t Need Another Hero”, com Tina Turner, da trilha de “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão”. Marcélia brilha não apenas nessa sequência, mas o filme todo com uma atuação antinaturalista (a protagonista parece declamar os diálogos e sua fala tem um tom empostado) e trejeitos desengonçados. Méritos da direção à parte, “Pacarrete” é dessa atriz magnífica que o cinema brasileiro presenteou com mais um papel memorável.
Existem filmes que ganham de cara o espectador e tornam o seu dia mais leve e alegre. “Aos Olhos de Ernesto” encanta com uma singela e delicada história sobre a velhice. Teria feito uma boa carreira nos cinemas não fosse a pandemia que nos privou das emoções na sala escura. Está agora nos cinemas e também no Now, Vivo Play e Oi. Merece (muito) ser descoberto. O protagonista é um homem uruguaio de 78 anos (o excelente Jorge Bolani) que está ficando cego. O filho (Júlio Andrade, o Dr. Evandro de “Sob Pressão”) insiste para o que o pai venda o apartamento em Porto Alegre e vá morar em ele em São Paulo. Ernesto rejeita. O local guarda muitas memórias da mulher que morreu, as quais ele não quer abandonar. Além disso, não quer ser um fardo. Eis que entra em cena Bia (Gabriela Poester), uma passeadora de cães de vinte e poucos anos. A amizade não começa lá muito bem. Mas o ex-fotógrafo não só vai contornar a enorme diferença de idade entre eles como perdoar os deslizes da garota. Bia terá mais a aprender com Ernesto do que ele com ela. O roteiro a quatro de mãos (Jorge Furtado e a diretora Ana Luiza Azevedo) é primoroso e os diálogos são deliciosos, salpicados de um humor agridoce, sobretudo aqueles que falam sobre o envelhecimento. Há uma cena memorável na qual Ernesto e o vizinho jogam xadrez e falam sobre suas taxas de colesterol, glicemia, creatinina etc. A passagem do tempo é o tema central do filme, que também fala de machismo, violência contra a mulher, confiança e amizade. Tudo tratado com muita leveza graças ao roteiro, um elenco afinadíssimo e a direção segura de Ana Luiza. A relação fraterna que se estabelece entre Ernesto e Bia fascina, diverte, comove e encanta em doses iguais. Um dos mais belos e ternos filmes de 2020.
Refilmar Alfred Hitchcock é tarefa inglória. Até mesmo o tarimbado Gus Van Sant (“Gênio Indomável”, “Elefante”, “Milk”) não foi poupado das críticas ao refazer “Psicose”. Se o original é imbatível, qual a razão de refilmar? Fisgar o público jovem? “Rebecca – A Mulher Inesquecível”, único longa do mestre do suspense a abocanhar o Oscar de Melhor Filme, ganhou uma adaptação para a geração Netflix. Nos papéis centrais estão a loirinha Lily James e o grandalhão Armie Hammer. A trama sobre a dama de companhia que se casa com um ricaço e vai morar na gigantesca propriedade da família na Inglaterra, onde passa a ser atormentada pelo “fantasma” da finada mulher dele, é bem conhecida e inspirou até novela da Globo (“A Sucessora”, com Susana Vieira). O filme baseia-se no livro da escritora Daphne Du Marier, que encontrou no cinema de Hitchcock o veículo perfeito. O romance contém boas doses de sadismo e perversidade ao gosto do cineasta britânico. Tais características foram diluídas no remake. Kristin Scott-Thomas é uma atriz e tanto, porém não transmite o temor que a devotada governanta vivida por Judith Anderson no original passava para Joan Fontaine. O erro não é de escalação do elenco, mas de direção. No cinema, Manderlay em seu gigantismo lembrava um castelo de filme de horror. O diretor Bean Wheatley não tira proveito da direção de arte caprichada e se mostra muito aquém das possibilidades deste conto gótico. Falta suspense, ambiguidade e mistério ao filme. Tampouco o mergulho na loucura da protagonista é desenvolvido de forma satisfatória. Este novo “Rebecca” consegue o improvável: desagradar tanto os fãs do filme original quanto as novas gerações. Pobre Hitchcock!
“Alice Júnior” tem cara de comédia romântica teen bobinha, mas não se deixe levar pela aparência. O filme é a mais grata surpresa do cinema nacional neste último trimestre de 2020. O estreante em longas Gil Baroni assina uma produção LGBTQI com o dom de encantar até mesmo os mais insensíveis. A tarefa de retratar uma adolescente trans e youtuber (a carismática Anne Celestino, premiada no Festival de Brasília) que se muda de Recife para o sul do País e enfrenta o preconceito poderia ser espinhosa e repleta de clichês, mas é tudo tratado com muita cor e leveza. Os clichês aparecem de vez em quando, mas servem apenas para fazer fluir a narrativa e criar empatia com o público. O tom é de fábula, escolha que se revela acertadíssima. Não bastasse a presença luminosa da atriz principal, Baroni recorre a expedientes que falam a essa geração, dos memes das redes sociais nos efeitos digitais que pipocam na tela à trilha sonora que une Chico Science e Nação Zumbi e Pablo Vittar. Na escola, a “forasteira” reivindica o direito a não usar o uniforme escolar e se vestir como um garoto ao uso do banheiro feminino enquanto sonha com o primeiro beijo. Sim, Alice é uma BV! Os diálogos soam naturais e divertidos, como se tivessem sido escritos pelos próprios adolescentes do filme. Os personagens adultos não são tão interessantes assim, mas não comprometem. Em contraponto ao conservadorismo e a homofobia reinantes na escola, tanto o pai da protagonista quanto a mãe bicho-grilo de um estudante gay se mostram livres de preconceitos. Mas é no desenvolvimento da relação de Alice com um casal que inclui seu crushzinho e ameaça formar um triângulo que o filme amarra todas as pontas do roteiro e dá um desfecho bacana à história.
Diretor dos viscerais e perturbadores “Amarelo Manga” e “Baixio das Bestas”, o pernambucano Cláudio Assis dá um salto evolutivo em “Piedade”. O filme é um passo à frente do poético “Big Jato”, drama familiar baseado no livro homônimo. Em “Piedade”, no entanto, as reminiscências biográficas são do próprio diretor. Entre os personagens estão o executivo paulista de uma petrolífera (Matheus Nachtergaele, habitual colaborador de Assis), a dona de um bar na praia da Saudade (Fernanda Montenegro), seu filho (Irandhir Santos) e o proprietário de um cinema pornô (Cauã Reymond). Nessa praia infestada de tubarões, um predador mais perigoso faz vir à tona uma revelação que irá abalar a família. Assis volta a falar de opressão social, capitalismo, tradições e relações familiares. Já o sexo como elemento libertador surge em duas cenas entre Cauã e Matheus, uma delas bastante comentada e que só causa estranheza em quem não conhece a obra do diretor. Mas o tom desta vez é bem mais suave, o que denota um trabalho primoroso de construção do roteiro e direção. Porém a maior novidade aqui é o flerte com o melodrama, algo até então impensável em um filme do cineasta. É um filme mais contido do diretor e que desperta curiosidade sobre seus próximos passos.
Os filmes do cineasta franco-argentino Gaspar Noé são do tipo “ame ou odeie”. Não há meio termo. Noé é um provocador, porém muito talentoso. Pode-se reclamar da abordagem dos temas e da violência excessiva em seus trabalhos, mas o sujeito filma como poucos. “Clímax” é quase um terror musical. O enredo é bem simples: numa escola de dança isolada nas montanhas nevadas da França, um grupo de alunos comemora a conclusão de uma coreografia com uma balada movida à música e bebida. A situação fica tensa e foge do controle após alguém “batizar” a sangria com LSD. Os estudantes passam a enfrentar a pior bad trip de suas vidas. Noé se baseou numa história real ocorrida em 2006. É notável a forma como ele registra os corpos. A câmera paira sobre a pista e mostra os movimentos dos alunos. Às vezes sensuais, em outras apenas desajeitados, como se fossem mortos-vivos. O filme de zumbi é uma das referências cinematográficas do diretor, explicitadas no desnecessário prólogo. Noé quis expor a fragilidade humana com o filme. A droga é o detonador de preconceitos e, claro, da violência. Os gritos e uma câmera que ou está “voando” ou de ponta-cabeça fornecem a aura de pesadelo almejada pelo cineasta. Mas assim como em “Irreversível”, seu longa mais famoso, os maneirismos visuais e as deficiências do roteiro (os diálogos são embaraçosos) impedem um resultado satisfatório.
Diretores de "Rosetta" e "A Criança", ambos premiados com a Palma de Ouro, os irmãos belgas Jean Pierre e Luc Dardenne saíram de Cannes 2019 com o prêmio de direção por "O Jovem Ahmed". O novo filme dos cineastas toca em temas como o fundamentalismo religioso e o radicalismo decorrente da fé muçulmana. O protagonista é um adolescente manipulado pelo imã de sua mesquita. Por conta disso, Ahmed segue ao pé da letra os ensinamentos do alcorão. Vive em conflito com a mãe, pelo fato de ela beber de vez em quando, e a professora, por conta de atitudes que não condizem com as de uma mulher em sua visão torta de mundo. A birra com a professora é tamanha que ele decide esfaqueá-la. Em "O Jovem Ahmed", os Dardenne seguem com seu estilo seco e quase documental, sem trilha sonora e enquadramentos na altura dos ombros dos personagens. Mas o tom é menos pessimista do que em outros de seus trabalhos, abrindo espaço para o afeto e a tolerância, o que levou muita gente a classificar erroneamente o filme como inverossímil e uma obra menor em sua bem-sucedida carreira.
O clássico da ficção científica do escritor H.G. Wells ganha uma releitura em sintonia com os tempos atuais. A ótima Elizabeth Moss (da série "O Conto da Aia") é a mulher subjugada pelo marido violento e possessivo, um bambambã da ótica. O início eletrizante mostra a personagem fugindo das garras do cônjuge. A partir daí esse thriller de viés feminista bebe na fonte de Hitchcock, cineasta que é sinônimo de suspense, para seduzir o espectador. As poucos mais de duas horas de filme nem são sentidas tamanho o poder narrativo do diretor. De nada adiantaria o pulso firme do diretor se a protagonista não fosse uma atriz do calibre de Elizabeth Moss. Ela vai da fragilidade ao sangue frio sem resvalar em exageros comuns em longas de terror e suspense e nos brinda com uma atuação memorável. É um dos maiores acertos deste "O Homem Invisível".
A grande surpresa deste começo de ano nos cinemas. O filme do estreante Ladj Ly é um retrato duro e realista da vida do bairro Montfermeil, na periferia de Paris. O local é o cenário do romance clássico que batiza o filme, de incontáveis versões para o cinema, aqui citado numa das cenas e na frase que encerra o longa. O cotidiano é barra pesada no local habitado por imigrantes muçulmanos, ciganos e africanos. Uma equipe da polícia faz a ronda no local e seus três agentes por vezes abusam da truculência para lidar com delitos do cotidiano. O roubo de um filhote de leão de um circo desencadeia um conflito. A câmera na mão transmite o clima de urgência do longa, que mal deixa o espectador piscar. O cineasta não toma partido nem de moradores nem dos policiais. Uma escolha das mais acertadas. Limita-se a registrar os arroubos de intolerância de ambos. Esse sentimento de revolta e frustração que busca na violência bruta a solução para os problemas tornam o filme atualíssimo e obrigatório.
"1917" tem sido destacado e ofuscado na mesma intensidade pela proeza técnica do plano-sequência que faz o espectador vivenciar a brutalidade da guerra como se estivesse dentro de um trincheira. Muitos diretores já desafiaram as limitações do cinema, de Hitchcock a Sokúrov, com "Festim Diabólico" e "Arca Russa", respectivamente. Recentemente, o mexicano Alejandro González Inárritu faturou o Oscar com "Birdman", que se passava quase todo dentro de um teatro na Broadway com a câmera colada ao personagem de Michael Keaton. Em todos os casos é apenas possível disfarçar o corte, sendo que em "1917" o diretor Sam Mendes ("Beleza Americana") contou com a ajudinha da tecnologia. Por coincidência, o longa desponta como favorito ao Oscar. Será difícil não levar a estatueta. Por mais irônico que possa parecer, aqui o plano-sequência reforça o tom intimista do enredo focado em dois soldados em uma missão de suicida durante a Primeira Guerra. Como todo espetáculo cinematográfico, "1917" traz um punhado de cenas antológicas. A mais notável se passa fora de quadro. O horror e a loucura da guerra já foram abordados à exaustão no cinema. "1917" não reinventa este subgênero cinematográfico, apesar do feito técnico, mas encanta e comove com uma história que transpira humanismo e esperança.
Um encontro fictício entre os papas Bento XVI e seu sucessor, Francisco, é o engenhoso mote do novo filme do brasileiro Fernando Meirelles. O diretor de "Cidade de Deus" e "O "Jardineiro Fiel" exibe o habitual talento para lidar com estrelas e grandes orçamentos nesta produção da Netflix. Para começar temos um filme visualmente atraente e com ótimas interpretações. Com locações no Vaticano e protagonizado por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, o longa é entretenimento de alta qualidade. O roteiro de Anthony McCarten (de "Bohemian Rhapsody") trata com um viés pop do conflito entre uma igreja conservadora e ultrapassada, personificada pelo Bento de Hopkins, e a progressista e contemporânea de Francisco. Os diálogos afiados entre os dois são saborosos, com citações que incluem de Abba ao futebol, e os atores estão excelentes. Até mesmo as crises de consciência dos pontífices e a crise na Igreja Católica por conta dos escândalos de abusos sexuais envolvendo padres são abordados, porém com a seriedade devida e alguma leveza e sem quebrar o ritmo da narrativa. Um dos melhores filmes da dita "safra do Oscar", ao qual concorre em três categorias.
Ninguém parece tirar de Renée Zellweger o Oscar de Melhor Atriz por "Judy - Muito Além do Arco-Íris". Para quem se impressiona por caracterizações à custa de maquiagens e próteses e atuações exageradas, o chamado over acting, pode parecer grande coisa. Não é. Essa cinebiografia soa ao menos digna por optar por um recorte da trajetória da ex-menininha de "O Mágico de Oz" em seus últimos dias, às voltas com o vício em álcool e remédios e lutando para recuperar a guarda dos filhos. Há muito pouco de bastidores de Hollywood e muito mais do drama de Judy no filme. Renée se esforça bastante, mesmo que abusando de cacoetes (apertar os olhinhos é só um deles) para dar algum estofo à estrela do cinema. Não alça voos maiores, assim como o filme.
Os heróis comuns têm sido vistos com frequência nos filmes de Clint Eastwood. O protagonista de "O Caso Richard Jewell" remete tanto quanto ao piloto de "Sully - O Herói do Rio Hudson" como os jovens de "15h17 - Trem para Paris". O diretor conta a história do segurança que evitou uma dezena de mortes na Olimpíada de Atlanta em 1996 ao desconfiar da existência de explosivos no local de um show. O herói de Eastwood é um sujeito bobalhão (o ótimo Paul Walter Hauser) que mora com a mãe (Kathu Bates) e não deu certo na polícia. Quando o jogo vira e Jewell passa de herói nacional a terrorista, Eastwood volta a um de seus temas preferidos: a desconfiança nas instituições, o que inclui a imprensa, a polícia e a justiça. O veterano cineasta não abre mão de seu estilo clássico e filma com elegância ímpar. A representação estereotipada da repórter carreirista provocou gritaria entre as mulheres e prejudicou a trajetória do longa nos EUA. É um deslize que não tira o brilho e a força do filme.
Chato é a definição mais recorrente pelos espectadores para definirem "O Farol". O termo, no entanto, é vago para classificar qualquer obra de arte. Mas vamos combinar que o filme do diretor Robert Eggers (de "A Bruxa") não facilita nem um pouco a vida do espectador, que embarca ou não nessa experiência sensorial. Além da janela no formato retangular e da fotografia em preto e branco, o ritmo é beem lento e a trama enfileira um punhado de simbolismos e citações que vão do expressionismo alemão à mitologia grega. Ao contrário do intrigante e assustador "A Bruxa", o excesso de pretensão artística mina a intenção de fazer um bom filme de terror/suspense. O destaque recai sobre os atores: um inspirado Willem Dafoe e um surpreendente Robert Pattinson. É pouco.
O filme pode ser o testamento do gigante do thrash metal Slayer, que ao que tudo indica encerrou atividades. O projeto une três clipes do álbum "Repentless", o último de inéditas, e um show em Los Angeles em 2017. Para dar liga aos vídeos salpicados de violência explícita e encharcados de sangue foi construído um arremedo de roteiro em uma produção que beira o trash (sic). Tem a ver com a banda que berrou sobre homicidas, carrascos e serial killers. Mas a história que une vinganca, neonazistas e atuações canhestra não convence e soa repetitiva. O bicho pega quando começa o show. É o deleite para os fãs, com o Slayer fazendo a sua habitual carnificina sonora.
As pouco mais de três horas de filme podem assustar, mas ninguém as sente passar graças ao domínio narrativo de Scorsese. O diretor volta em grande estilo ao terreno dos filmes de gângsters, com o qual realizou os geniais "Os Bons Companheiros" e "Cassino". A trama sobre o ultrapoderoso sindicalista James Hoffa envolve negociatas entre criminosos e políticos em uma história da qual os americanos contemporâneos do diretor conhecem bem. Um dos temas do filme é justamente a memória, além da velhice e da sensação de tornar-se ultrapassado, algo que o persomagem de Robert De Niro vai sentir na pele. O ator entrega uma atuação como há muito não se via. E olha que o elenco ainda traz Al Pacino e Joe Pesci, este último excelente. Poucos filmes recentes são capazes de fazer o espectador se sentir tão recompensado ao final.
Retomar "O Iluminado" é uma tarefa inglória por ter a responsabilidade de agradar fãs de Kubrick, King e não desonrar o original. O filme não tem o ritmo nervoso das produções de horror atuais e tampouco é refém do desenho de som para fazer o espectador pular da cadeira. Terror à antiga, o filme se impõe pela construção dos personagens e do suspense. Traz boas atuações e não faz feio diante de sua matriz. Mas superar Kubrick seria exigir demais.
Bong Jong ho, dos admiráveis "O Hospedeiro" e "Mother", tece uma engenhosa trama que funde comédia social e drama. São muitas (boas) surpresas neste filme envolvente que não se esvai da memória após o fim da projeção. Um dos melhores do ano.
O iraniano Farhadi é um adorável manipulador, mas aqui as coisas não funcionam direito, ao contrário de A Separação e Procurando Ely, talvez seu melhor filme. A despeito do ótimo elenco e do cenário, o filme é frouxo e arrastado. E as tais revelações que virão à tona com o incidente que desencadeia a ação não são nada surpreendentes. Um desperdício!
Reverente em excesso aos filmes da franquia e com personagens mal construídos e uma direção que nada acrescenta. Nem Jamie Lee Curtis salva. Melhor rever o original de John Carpenter.
O prólogo (precisava?) para estabelecer conexão com "Invocação do Mal" não é um bom prenúncio. Mas a ambientação que nos faz lembrar os melhores filmes de vampiro nos enche de esperanças. Mas tudo vai por água abaixo graças a um roteiro ruim e lotado de clichês. Difícil suportar até o fim.
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Halloween Kills: O Terror Continua
3.0 683 Assista AgoraMichael Myers vive! Enquanto Freddy Krueger e Jason Vorhees sucumbiram por conta de uma penca de filmes assustadores de tão ruins, o maníaco da franquia “Halloween” está vivinho e cada vez mais violento. “Halloween Kills: o Terror Continua” já entrega no título se tratar de uma continuação do filme de 2018. O longa anterior fez muitos esquecerem os inúmeros tropeços da saga. Estava distante de ser uma obra-prima do terror, mas agradou fãs e foi bem nas bilheterias. O suficiente para dar continuidade à trilogia pré-concebida, cujo segundo capítulo chega agora. Esta nova produção remete ao anterior e também ao original de John Carpenter no distante 1978. Ferida após mais um embate com Michael, Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) recebe no hospital os cuidados da neta e da filha, vividas por Judy Greer e Andi Matichack, respectivamente. Elas juram que o psicopata mascarado morreu num incêndio. Não demoram a descobrir que ele não apenas morreu, como trucidou os bombeiros naquela que talvez seja a melhor cena do filme. A partir daí, o longa se propõe a revisitar o passado, trazendo personagens do clássico dos anos 1970, agora mais velhos e atormentados. Primeiro problema: tais tipos estão ali apenas para servirem como vítimas do protagonista, visto que têm densidade psicológica zero. As sequências de assassinatos são brutais e muito bem filmadas, embora falte suspense. Segundo problema: “Halloween Kills” tenta explicar as motivações de Michael, algo desnecessário a esta altura do campeonato, e não soa nem um pouco convincente, ainda mais utilizando o recurso da narração. Munido de facas, picaretas e qualquer objeto cortante ou perfurante, o homicida vai deixando um rastro de sangue ao longo de pouco mais de uma hora e meia de filme. A atmosfera nostálgica que permeia a produção torna este novo “Halloween” um passatempo agradável, embora com todos os problemas de um filme do meio de uma trilogia. Agora, imperdoável mesmo é transformar Laurie Strode em coadjuvante. “Halloween Kills” se ressente da ausência de um confronto entre Michael e sua maior inimiga.
A Menina que Matou os Pais
3.1 678 Assista AgoraO que é real e o que é ficção? Essa é a indagação que move tanto “O Menino que Matou Meus Pais” quanto “A Menina Que Matou os Pais”, disponíveis no Amazon Prime Video. “Os filmes sobre o caso Richthofen” apresentam duas versões sobre um caso policial que movimentou a opinião pública em 2002: o brutal assassinato da psiquiatra Marísia e do engenheiro Manfred von Richthofen. A filha do casal, Suzane, o namorado, Daniel, e o irmão dele, Cristian Cravinhos, foram condenados pelo crime. Chocante é pouco para essa história. Os longas utilizam como fonte os autos do julgamento e traçam perfis distintos do par principal, vividos com desenvoltura por Carla Diaz e Leonardo Bittencourt. A ideia, um tanto óbvia, é fazer com que o público tire as suas conclusões. Ambos recriam, mesmo com recursos limitados, a vida dos personagens antes do crime e estão entrelaçados. Um não existe sem o outro. Os resultados são irregulares, embora “A Menina Que Matou os Pais” seja nitidamente superior a “O Menino Que Matou Meus Pais”. A narrativa é menos burocrática e cativa o espectador. Carla Diaz se sai bem, a despeito da peruca constrangedora nas cenas no tribunal, e de alguns exageros de interpretação reforçar uma aura perversa. Não à toa, os filmes pecam pelo tom novelesco de algumas cenas. Quem for em busca de um estudo psicológico vai dar com os burros n´água. Os roteiros fracos parecem se limitar a narrar os fatos. Temas interessantes ficam apenas na superfície. Entre altos e baixos, o espectador acompanha com interesse o desenrolar das tramas, mesmo sabendo de cor alguns detalhes da história. Ao final, fica no ar outra pergunta: não seria melhor condensar os dois filmes em um só? O público certamente sairia ganhando.
A Mulher na Janela
3.0 1,1K Assista AgoraA presença luminosa de Amy Adams (“Liga da Justiça”, “A Chegada”, “Animais Noturnos”) na dianteira do elenco é um chamariz para o filme “A Mulher na Janela”, da Netflix. O elenco, por sinal, é pra lá de tarimbado. Conta ainda com Gary Oldman, Julianne Moore e Jennifer Jason Leigh. O suficiente para atiçar a curiosidade dos cinéfilos. Amy faz uma psicóloga infantil agorafóbica que combina remédios tarja preta com taças de vinho e curte espionar seus vizinhos. Não demora para ela testemunhar um assassinato. A referência do filme de Joe Wright é o manjado clássico sobre voyeurismo “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock. Se o fotógrafo vivido por James Stewart no longa do mestre do suspense estava confinado no apartamento por conta da perna quebrada, a psicóloga simplesmente não colocar os pés para fora de casa devido a um trauma pesadíssimo. A primeira parte de “A Mulher na Janela” é primorosa, com a câmera explorando a vastidão e a desordem do lar da protagonista, expressando bem a confusão mental da personagem. Os atores estão ótimos. O ponto alto do filme é o diálogo na cozinha entre as personagens de Amy e Julianne. Há uma certa estranheza nas falas e atuações que deixam o espectador com a pulga atrás da orelha. Aquilo ocorreu ou foi fruto de alucinação de alguém que vive entupida de medicamentos? O longa pouco explora essa questão e segue o caminho fácil dos suspenses mais rasos a partir de sua segunda metade. É fato que “A Mulher na Janela” prende a atenção até o final, assim como outro thriller recente da Netflix, “Fuja”, por coincidência também estrelado uma baita atriz (Sarah Paulson). Ambos partem de ótimas premissas, mas apelam para as soluções fáceis no intuito de agradar ao público.
Pacarrete
4.1 105 Assista AgoraVencedor do Festival de Gramado do ano passado, “Pacarrete” chega ao cinemas em meio à pandemia do coronavírus, quando o público ainda hesita em retornar às salas da exibição. Teve melhor sorte que alguns exemplares do cinema brasileiro recente, lançados direto em streaming. É filme para ser visto no esplendor da tela grande. Pacarrete, o nome esquisito que batiza essa delicada produção, é uma derivação sertaneja do francês pâquirette. Aquela florzinha do campo conhecida como margarida e também o nome da protagonista. A extraordinária Marcélia Cartaxo, até hoje lembrada como a Macabéa do clássico “A Hora da Estrela” (1985), encarna a ex-bailarina e ex-professora de dança com a cabeça e os pés nas nuvens. Na pequena Russas, no sertão nordestino, Pacarrete planeja apresentar um espetáculo de dança na festa de aniversário do município. Não vai ser nada fácil quando a prefeitura programou um show de forró para o evento. Está aqui um dos temas do filme, o embate entre a cultura popular e a erudita. Pacarrete é elegante, culta e não se cansa de falar francês com o dono de uma quitanda (o ótimo João Miguel), o único da cidade que lhe dá ouvidos e parece entender a “loucura” da personagem. Mas se mostra uma mulher arretada quando provocada. E não são poucas as vezes em que ela desce do salto. O filme do estreante Allain Deberton combina momentos de doçura, agressividade e de pura fantasia. Um dos momentos de maior força dramática do longa é numa cena trágica ao som de “We Don’t Need Another Hero”, com Tina Turner, da trilha de “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão”. Marcélia brilha não apenas nessa sequência, mas o filme todo com uma atuação antinaturalista (a protagonista parece declamar os diálogos e sua fala tem um tom empostado) e trejeitos desengonçados. Méritos da direção à parte, “Pacarrete” é dessa atriz magnífica que o cinema brasileiro presenteou com mais um papel memorável.
Aos Olhos de Ernesto
4.0 20Existem filmes que ganham de cara o espectador e tornam o seu dia mais leve e alegre. “Aos Olhos de Ernesto” encanta com uma singela e delicada história sobre a velhice. Teria feito uma boa carreira nos cinemas não fosse a pandemia que nos privou das emoções na sala escura. Está agora nos cinemas e também no Now, Vivo Play e Oi. Merece (muito) ser descoberto. O protagonista é um homem uruguaio de 78 anos (o excelente Jorge Bolani) que está ficando cego. O filho (Júlio Andrade, o Dr. Evandro de “Sob Pressão”) insiste para o que o pai venda o apartamento em Porto Alegre e vá morar em ele em São Paulo. Ernesto rejeita. O local guarda muitas memórias da mulher que morreu, as quais ele não quer abandonar. Além disso, não quer ser um fardo. Eis que entra em cena Bia (Gabriela Poester), uma passeadora de cães de vinte e poucos anos. A amizade não começa lá muito bem. Mas o ex-fotógrafo não só vai contornar a enorme diferença de idade entre eles como perdoar os deslizes da garota. Bia terá mais a aprender com Ernesto do que ele com ela. O roteiro a quatro de mãos (Jorge Furtado e a diretora Ana Luiza Azevedo) é primoroso e os diálogos são deliciosos, salpicados de um humor agridoce, sobretudo aqueles que falam sobre o envelhecimento. Há uma cena memorável na qual Ernesto e o vizinho jogam xadrez e falam sobre suas taxas de colesterol, glicemia, creatinina etc. A passagem do tempo é o tema central do filme, que também fala de machismo, violência contra a mulher, confiança e amizade. Tudo tratado com muita leveza graças ao roteiro, um elenco afinadíssimo e a direção segura de Ana Luiza. A relação fraterna que se estabelece entre Ernesto e Bia fascina, diverte, comove e encanta em doses iguais. Um dos mais belos e ternos filmes de 2020.
Rebecca: A Mulher Inesquecível
2.9 333 Assista AgoraRefilmar Alfred Hitchcock é tarefa inglória. Até mesmo o tarimbado Gus Van Sant (“Gênio Indomável”, “Elefante”, “Milk”) não foi poupado das críticas ao refazer “Psicose”. Se o original é imbatível, qual a razão de refilmar? Fisgar o público jovem? “Rebecca – A Mulher Inesquecível”, único longa do mestre do suspense a abocanhar o Oscar de Melhor Filme, ganhou uma adaptação para a geração Netflix. Nos papéis centrais estão a loirinha Lily James e o grandalhão Armie Hammer. A trama sobre a dama de companhia que se casa com um ricaço e vai morar na gigantesca propriedade da família na Inglaterra, onde passa a ser atormentada pelo “fantasma” da finada mulher dele, é bem conhecida e inspirou até novela da Globo (“A Sucessora”, com Susana Vieira). O filme baseia-se no livro da escritora Daphne Du Marier, que encontrou no cinema de Hitchcock o veículo perfeito. O romance contém boas doses de sadismo e perversidade ao gosto do cineasta britânico. Tais características foram diluídas no remake. Kristin Scott-Thomas é uma atriz e tanto, porém não transmite o temor que a devotada governanta vivida por Judith Anderson no original passava para Joan Fontaine. O erro não é de escalação do elenco, mas de direção. No cinema, Manderlay em seu gigantismo lembrava um castelo de filme de horror. O diretor Bean Wheatley não tira proveito da direção de arte caprichada e se mostra muito aquém das possibilidades deste conto gótico. Falta suspense, ambiguidade e mistério ao filme. Tampouco o mergulho na loucura da protagonista é desenvolvido de forma satisfatória. Este novo “Rebecca” consegue o improvável: desagradar tanto os fãs do filme original quanto as novas gerações. Pobre Hitchcock!
Alice Júnior
3.8 144“Alice Júnior” tem cara de comédia romântica teen bobinha, mas não se deixe levar pela aparência. O filme é a mais grata surpresa do cinema nacional neste último trimestre de 2020. O estreante em longas Gil Baroni assina uma produção LGBTQI com o dom de encantar até mesmo os mais insensíveis. A tarefa de retratar uma adolescente trans e youtuber (a carismática Anne Celestino, premiada no Festival de Brasília) que se muda de Recife para o sul do País e enfrenta o preconceito poderia ser espinhosa e repleta de clichês, mas é tudo tratado com muita cor e leveza. Os clichês aparecem de vez em quando, mas servem apenas para fazer fluir a narrativa e criar empatia com o público. O tom é de fábula, escolha que se revela acertadíssima. Não bastasse a presença luminosa da atriz principal, Baroni recorre a expedientes que falam a essa geração, dos memes das redes sociais nos efeitos digitais que pipocam na tela à trilha sonora que une Chico Science e Nação Zumbi e Pablo Vittar. Na escola, a “forasteira” reivindica o direito a não usar o uniforme escolar e se vestir como um garoto ao uso do banheiro feminino enquanto sonha com o primeiro beijo. Sim, Alice é uma BV! Os diálogos soam naturais e divertidos, como se tivessem sido escritos pelos próprios adolescentes do filme. Os personagens adultos não são tão interessantes assim, mas não comprometem. Em contraponto ao conservadorismo e a homofobia reinantes na escola, tanto o pai da protagonista quanto a mãe bicho-grilo de um estudante gay se mostram livres de preconceitos. Mas é no desenvolvimento da relação de Alice com um casal que inclui seu crushzinho e ameaça formar um triângulo que o filme amarra todas as pontas do roteiro e dá um desfecho bacana à história.
Piedade
3.2 78 Assista AgoraDiretor dos viscerais e perturbadores “Amarelo Manga” e “Baixio das Bestas”, o pernambucano Cláudio Assis dá um salto evolutivo em “Piedade”. O filme é um passo à frente do poético “Big Jato”, drama familiar baseado no livro homônimo. Em “Piedade”, no entanto, as reminiscências biográficas são do próprio diretor. Entre os personagens estão o executivo paulista de uma petrolífera (Matheus Nachtergaele, habitual colaborador de Assis), a dona de um bar na praia da Saudade (Fernanda Montenegro), seu filho (Irandhir Santos) e o proprietário de um cinema pornô (Cauã Reymond). Nessa praia infestada de tubarões, um predador mais perigoso faz vir à tona uma revelação que irá abalar a família. Assis volta a falar de opressão social, capitalismo, tradições e relações familiares. Já o sexo como elemento libertador surge em duas cenas entre Cauã e Matheus, uma delas bastante comentada e que só causa estranheza em quem não conhece a obra do diretor. Mas o tom desta vez é bem mais suave, o que denota um trabalho primoroso de construção do roteiro e direção. Porém a maior novidade aqui é o flerte com o melodrama, algo até então impensável em um filme do cineasta. É um filme mais contido do diretor e que desperta curiosidade sobre seus próximos passos.
Clímax
3.6 1,1K Assista AgoraOs filmes do cineasta franco-argentino Gaspar Noé são do tipo “ame ou odeie”. Não há meio termo. Noé é um provocador, porém muito talentoso. Pode-se reclamar da abordagem dos temas e da violência excessiva em seus trabalhos, mas o sujeito filma como poucos. “Clímax” é quase um terror musical. O enredo é bem simples: numa escola de dança isolada nas montanhas nevadas da França, um grupo de alunos comemora a conclusão de uma coreografia com uma balada movida à música e bebida. A situação fica tensa e foge do controle após alguém “batizar” a sangria com LSD. Os estudantes passam a enfrentar a pior bad trip de suas vidas. Noé se baseou numa história real ocorrida em 2006. É notável a forma como ele registra os corpos. A câmera paira sobre a pista e mostra os movimentos dos alunos. Às vezes sensuais, em outras apenas desajeitados, como se fossem mortos-vivos. O filme de zumbi é uma das referências cinematográficas do diretor, explicitadas no desnecessário prólogo. Noé quis expor a fragilidade humana com o filme. A droga é o detonador de preconceitos e, claro, da violência. Os gritos e uma câmera que ou está “voando” ou de ponta-cabeça fornecem a aura de pesadelo almejada pelo cineasta. Mas assim como em “Irreversível”, seu longa mais famoso, os maneirismos visuais e as deficiências do roteiro (os diálogos são embaraçosos) impedem um resultado satisfatório.
O Jovem Ahmed
3.5 33 Assista AgoraDiretores de "Rosetta" e "A Criança", ambos premiados com a Palma de Ouro, os irmãos belgas Jean Pierre e Luc Dardenne saíram de Cannes 2019 com o prêmio de direção por "O Jovem Ahmed". O novo filme dos cineastas toca em temas como o fundamentalismo religioso e o radicalismo decorrente da fé muçulmana. O protagonista é um adolescente manipulado pelo imã de sua mesquita. Por conta disso, Ahmed segue ao pé da letra os ensinamentos do alcorão. Vive em conflito com a mãe, pelo fato de ela beber de vez em quando, e a professora, por conta de atitudes que não condizem com as de uma mulher em sua visão torta de mundo. A birra com a professora é tamanha que ele decide esfaqueá-la. Em "O Jovem Ahmed", os Dardenne seguem com seu estilo seco e quase documental, sem trilha sonora e enquadramentos na altura dos ombros dos personagens. Mas o tom é menos pessimista do que em outros de seus trabalhos, abrindo espaço para o afeto e a tolerância, o que levou muita gente a classificar erroneamente o filme como inverossímil e uma obra menor em sua bem-sucedida carreira.
O Homem Invisível
3.8 2,0K Assista AgoraO clássico da ficção científica do escritor H.G. Wells ganha uma releitura em sintonia com os tempos atuais. A ótima Elizabeth Moss (da série "O Conto da Aia") é a mulher subjugada pelo marido violento e possessivo, um bambambã da ótica. O início eletrizante mostra a personagem fugindo das garras do cônjuge. A partir daí esse thriller de viés feminista bebe na fonte de Hitchcock, cineasta que é sinônimo de suspense, para seduzir o espectador. As poucos mais de duas horas de filme nem são sentidas tamanho o poder narrativo do diretor. De nada adiantaria o pulso firme do diretor se a protagonista não fosse uma atriz do calibre de Elizabeth Moss. Ela vai da fragilidade ao sangue frio sem resvalar em exageros comuns em longas de terror e suspense e nos brinda com uma atuação memorável. É um dos maiores acertos deste "O Homem Invisível".
Os Miseráveis
4.0 161A grande surpresa deste começo de ano nos cinemas. O filme do estreante Ladj Ly é um retrato duro e realista da vida do bairro Montfermeil, na periferia de Paris. O local é o cenário do romance clássico que batiza o filme, de incontáveis versões para o cinema, aqui citado numa das cenas e na frase que encerra o longa. O cotidiano é barra pesada no local habitado por imigrantes muçulmanos, ciganos e africanos. Uma equipe da polícia faz a ronda no local e seus três agentes por vezes abusam da truculência para lidar com delitos do cotidiano. O roubo de um filhote de leão de um circo desencadeia um conflito. A câmera na mão transmite o clima de urgência do longa, que mal deixa o espectador piscar. O cineasta não toma partido nem de moradores nem dos policiais. Uma escolha das mais acertadas. Limita-se a registrar os arroubos de intolerância de ambos. Esse sentimento de revolta e frustração que busca na violência bruta a solução para os problemas tornam o filme atualíssimo e obrigatório.
1917
4.2 1,8K Assista Agora"1917" tem sido destacado e ofuscado na mesma intensidade pela proeza técnica do plano-sequência que faz o espectador vivenciar a brutalidade da guerra como se estivesse dentro de um trincheira. Muitos diretores já desafiaram as limitações do cinema, de Hitchcock a Sokúrov, com "Festim Diabólico" e "Arca Russa", respectivamente. Recentemente, o mexicano Alejandro González Inárritu faturou o Oscar com "Birdman", que se passava quase todo dentro de um teatro na Broadway com a câmera colada ao personagem de Michael Keaton. Em todos os casos é apenas possível disfarçar o corte, sendo que em "1917" o diretor Sam Mendes ("Beleza Americana") contou com a ajudinha da tecnologia. Por coincidência, o longa desponta como favorito ao Oscar. Será difícil não levar a estatueta. Por mais irônico que possa parecer, aqui o plano-sequência reforça o tom intimista do enredo focado em dois soldados em uma missão de suicida durante a Primeira Guerra. Como todo espetáculo cinematográfico, "1917" traz um punhado de cenas antológicas. A mais notável se passa fora de quadro. O horror e a loucura da guerra já foram abordados à exaustão no cinema. "1917" não reinventa este subgênero cinematográfico, apesar do feito técnico, mas encanta e comove com uma história que transpira humanismo e esperança.
Dois Papas
4.1 962 Assista AgoraUm encontro fictício entre os papas Bento XVI e seu sucessor, Francisco, é o engenhoso mote do novo filme do brasileiro Fernando Meirelles. O diretor de "Cidade de Deus" e "O "Jardineiro Fiel" exibe o habitual talento para lidar com estrelas e grandes orçamentos nesta produção da Netflix. Para começar temos um filme visualmente atraente e com ótimas interpretações. Com locações no Vaticano e protagonizado por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, o longa é entretenimento de alta qualidade. O roteiro de Anthony McCarten (de "Bohemian Rhapsody") trata com um viés pop do conflito entre uma igreja conservadora e ultrapassada, personificada pelo Bento de Hopkins, e a progressista e contemporânea de Francisco. Os diálogos afiados entre os dois são saborosos, com citações que incluem de Abba ao futebol, e os atores estão excelentes. Até mesmo as crises de consciência dos pontífices e a crise na Igreja Católica por conta dos escândalos de abusos sexuais envolvendo padres são abordados, porém com a seriedade devida e alguma leveza e sem quebrar o ritmo da narrativa. Um dos melhores filmes da dita "safra do Oscar", ao qual concorre em três categorias.
Judy: Muito Além do Arco-Íris
3.4 356Ninguém parece tirar de Renée Zellweger o Oscar de Melhor Atriz por "Judy - Muito Além do Arco-Íris". Para quem se impressiona por caracterizações à custa de maquiagens e próteses e atuações exageradas, o chamado over acting, pode parecer grande coisa. Não é. Essa cinebiografia soa ao menos digna por optar por um recorte da trajetória da ex-menininha de "O Mágico de Oz" em seus últimos dias, às voltas com o vício em álcool e remédios e lutando para recuperar a guarda dos filhos. Há muito pouco de bastidores de Hollywood e muito mais do drama de Judy no filme. Renée se esforça bastante, mesmo que abusando de cacoetes (apertar os olhinhos é só um deles) para dar algum estofo à estrela do cinema. Não alça voos maiores, assim como o filme.
O Caso Richard Jewell
3.7 244 Assista AgoraOs heróis comuns têm sido vistos com frequência nos filmes de Clint Eastwood. O protagonista de "O Caso Richard Jewell" remete tanto quanto ao piloto de "Sully - O Herói do Rio Hudson" como os jovens de "15h17 - Trem para Paris". O diretor conta a história do segurança que evitou uma dezena de mortes na Olimpíada de Atlanta em 1996 ao desconfiar da existência de explosivos no local de um show. O herói de Eastwood é um sujeito bobalhão (o ótimo Paul Walter Hauser) que mora com a mãe (Kathu Bates) e não deu certo na polícia. Quando o jogo vira e Jewell passa de herói nacional a terrorista, Eastwood volta a um de seus temas preferidos: a desconfiança nas instituições, o que inclui a imprensa, a polícia e a justiça. O veterano cineasta não abre mão de seu estilo clássico e filma com elegância ímpar. A representação estereotipada da repórter carreirista provocou gritaria entre as mulheres e prejudicou a trajetória do longa nos EUA. É um deslize que não tira o brilho e a força do filme.
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraChato é a definição mais recorrente pelos espectadores para definirem "O Farol". O termo, no entanto, é vago para classificar qualquer obra de arte. Mas vamos combinar que o filme do diretor Robert Eggers (de "A Bruxa") não facilita nem um pouco a vida do espectador, que embarca ou não nessa experiência sensorial. Além da janela no formato retangular e da fotografia em preto e branco, o ritmo é beem lento e a trama enfileira um punhado de simbolismos e citações que vão do expressionismo alemão à mitologia grega. Ao contrário do intrigante e assustador "A Bruxa", o excesso de pretensão artística mina a intenção de fazer um bom filme de terror/suspense. O destaque recai sobre os atores: um inspirado Willem Dafoe e um surpreendente Robert Pattinson. É pouco.
Slayer: The Repentless Killogy
4.4 4O filme pode ser o testamento do gigante do thrash metal Slayer, que ao que tudo indica encerrou atividades. O projeto une três clipes do álbum "Repentless", o último de inéditas, e um show em Los Angeles em 2017. Para dar liga aos vídeos salpicados de violência explícita e encharcados de sangue foi construído um arremedo de roteiro em uma produção que beira o trash (sic). Tem a ver com a banda que berrou sobre homicidas, carrascos e serial killers. Mas a história que une vinganca, neonazistas e atuações canhestra não convence e soa repetitiva. O bicho pega quando começa o show. É o deleite para os fãs, com o Slayer fazendo a sua habitual carnificina sonora.
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraAs pouco mais de três horas de filme podem assustar, mas ninguém as sente passar graças ao domínio narrativo de Scorsese. O diretor volta em grande estilo ao terreno dos filmes de gângsters, com o qual realizou os geniais "Os Bons Companheiros" e "Cassino". A trama sobre o ultrapoderoso sindicalista James Hoffa envolve negociatas entre criminosos e políticos em uma história da qual os americanos contemporâneos do diretor conhecem bem. Um dos temas do filme é justamente a memória, além da velhice e da sensação de tornar-se ultrapassado, algo que o persomagem de Robert De Niro vai sentir na pele. O ator entrega uma atuação como há muito não se via. E olha que o elenco ainda traz Al Pacino e Joe Pesci, este último excelente. Poucos filmes recentes são capazes de fazer o espectador se sentir tão recompensado ao final.
Doutor Sono
3.7 1,0K Assista AgoraRetomar "O Iluminado" é uma tarefa inglória por ter a responsabilidade de agradar fãs de Kubrick, King e não desonrar o original. O filme não tem o ritmo nervoso das produções de horror atuais e tampouco é refém do desenho de som para fazer o espectador pular da cadeira. Terror à antiga, o filme se impõe pela construção dos personagens e do suspense. Traz boas atuações e não faz feio diante de sua matriz. Mas superar Kubrick seria exigir demais.
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraBong Jong ho, dos admiráveis "O Hospedeiro" e "Mother", tece uma engenhosa trama que funde comédia social e drama. São muitas (boas) surpresas neste filme envolvente que não se esvai da memória após o fim da projeção. Um dos melhores do ano.
Todos Já Sabem
3.4 215 Assista AgoraO iraniano Farhadi é um adorável manipulador, mas aqui as coisas não funcionam direito, ao contrário de A Separação e Procurando Ely, talvez seu melhor filme. A despeito do ótimo elenco e do cenário, o filme é frouxo e arrastado. E as tais revelações que virão à tona com o incidente que desencadeia a ação não são nada surpreendentes. Um desperdício!
Halloween
3.4 1,1KReverente em excesso aos filmes da franquia e com personagens mal construídos e uma direção que nada acrescenta. Nem Jamie Lee Curtis salva. Melhor rever o original de John Carpenter.
A Freira
2.5 1,5K Assista AgoraO prólogo (precisava?) para estabelecer conexão com "Invocação do Mal" não é um bom prenúncio. Mas a ambientação que nos faz lembrar os melhores filmes de vampiro nos enche de esperanças. Mas tudo vai por água abaixo graças a um roteiro ruim e lotado de clichês. Difícil suportar até o fim.