"olhei para você hoje à noite e não vi nada. finalmente rompeu, e vou gritar isso para o mundo. dane-se o que eu fizer! será a maior explosão que já viu!"
a cena em que o james woods e a debbie harry estão na casa dele e eles se estimulam através daqueles fluídos, daquela fusão corporal que o cronenberg sempre filma tão bem, como se a carne e a mente fossem um só, me deixou num estado de êxtase que a maioria das cenas de sexo não atingem. é um filme sobre o fascínio que a imagem, aquela que podemos tocar, e não apenas ver, exerce sob nossas capacidades cognitivas, e como isso afeta e até deteriora o corpo. mas escapar do domínio que esse condicionamento exerce sobre nós mesmos acaba sendo libertador. temos a sensação de que transcendemos, não somos mais escravos da tecnologia e da manipulação midiática. passamos a ser movidos por instinto e intuição, componentes do prazer.
quando a irmã do nick diz que sabia o que ia acontecer na fatídica noite em que ele faleceu, eu vi muita sinceridade ali, e deu pra perceber na expressão dela que aquela foi a trégua que o mundo deu a ele, por isso havia a tristeza e havia o alívio: dali não sairia mais dor. acho que o ato mais altruísta que existe é você compartilhar o seu sofrimento pessoal com desconhecidos e conseguir trazer conforto e paz, uma identificação tangível, a essas vidas que agora se cruzaram com a sua. a arte possibilita isso, uma entrega que é inexorável. quando você grava um vídeo, ou uma música ou escreve um livro, você passa a comprovar sua imortalidade. sua existência ficará eternizada em mentes e corações alheios. por isso pessoas como ele, elliott smith, tim e jeff buckley estão mais vivos do que nunca. de memória em memória, eles sempre permanecem conosco, nos trazendo a sensação de pertencimento, mesmo que eles tenham ido.
a joey lauren adams disse numa entrevista de divulgação do filme que uma das coisas que ela mais ama no cinema é quando um filme é tão honesto no que se propõe que a força a olhar para si mesma. sabendo disso, fica bem mais fácil se adaptar às intenções dela e entender que é uma obra de pequenos gestos, sutilezas do dia-a-dia que vão se repetindo, se adequando à rotina, muitas vezes proporcionando um pensamento condicionado que se adquire com a experiência, e que nem sempre vai levar a uma conclusão. acho que o título em português é bem infeliz, porque "come early morning" não é sobre o acaso, muito menos sobre encontros. eu acho que muita gente pode assistir esperando essa rotação na vida da lucy, que ela seja uma heroína romântica e que acabe se firmando com alguém que apareça imprevisivelmente, mas a vida dela é cheia de frustração vinda de mágoas do passado que não foram bem cuidadas. antes de se entregar, ela precisa descobrir como pode ser amada pelo pai, como pode melhorar o rendimento no trabalho e como viver em paz. mas a vida numa cidadezinha de interior acaba gerando um conforto, um apego às circunstâncias, e torna-se bem difícil se convencer a buscar novas alternativas, se convencer do contrário. manhã após manhã é sempre a mesma calmaria por fora e a mesma melancolia por dentro. não é uma pessoa partindo de um ideal romântico que vai mudar isso.
não parece nem um filme, parece um álbum de fotografias do verão mais recente da sua vida. ele incluiria refrigerante de menta, acampamento com o namorado, sorvete na praia e recordações de uma viagem com o pai. mas esse é só um recorte. quando o verão acaba, crescer continua sendo um desafio, menos prazeroso e mais exigente, com decepções, descoberta da sexualidade e até mesmo envolvimento com a política e a busca por uma ideologia.
quatro motivos para esse filme ser irresistível: a simples presença da emmanuelle seigner, peter coyote descrevendo golden shower como se fosse poesia, o fato de ele ser a cara do leonard cohen nos anos 60/70 e o momento em que toca a música brasileira "kátia flávia, a godiva do irajá", que no youtube achei através da versão da fernanda abreu. ah, nenhum deles envolve o hugh grant, exceto a
sobre o filme eu tenho muito o que ponderar. li vários comentários aqui e tenho que refletir bastante ainda sobre o tratamento dado aos vietnamitas e como isso se encaixa na minha percepção geral do longa, mas, sobre a atuação do delroy lindo, eu só posso dizer que me deixou com os nervos à flor da pele, e são raríssimas as vezes em que isso acontece, que um ator me leva junto com seus sentimentos, com a sua entrega, me faz entender a complexidade e motivações do personagem mesmo, e principalmente, quando eu o condeno. de verdade, ele parece um vulcão em erupção, ameaçando emergir violentamente, mas sempre guardando um pouco de energia, como se ele estivesse nos dando tempo de absorver como suas ações influenciam no restante da trama e como elas nos afetam. eu já tinha visto o trabalho dele em "crooklyn" e lá tinha muita ternura, delicadeza, compaixão. aqui só tem acúmulo de sentimento, que gera ressentimento e frustração.
p.s.: quando o personagem dele conversa com a câmera, se vê totalmente sozinho na mata e dá aquele riso cínico do tipo "fodeu, olha onde minha cobiça me levou", eu lembrei MUITO do humphrey bogart em "o tesouro de sierra madre".
em nenhum filme de mike leigh você vai encontrar o que o título desse filme propõe, e sim a ironia que ele sugere. seu retrato de relações familiares e as descrições de personalidade de cada personagem sempre pressupõem pequenas idiossincrasias que particularizam muito a dinâmica da interação. nicola, por exemplo, não é apenas uma garota retraída que tem bulimia e dificuldade de conviver socialmente. na verdade, sua principal característica é mais contida do que exposta: tem muita raiva e energia acumulada pra dentro que ela não expõe. por isso a cena em que mãe e filha têm a oportunidade de conversar e esclarecer o porquê de haver tanta incoerência e ressentimento entre elas, funciona tão bem. o filme todo segue uma linha naturalista, mas, assim como nicola, guarda pro final o que desde o começo tá tentando aparecer: a catarse emocional, a expurgação desses sentimentos tão mal trabalhados. não é um filme doce, mas também definitivamente não é arisco. tem a dose certa de sentimentalismo quando preciso.
a memória afetiva pode te levar a lugares muito confortáveis de um minuto para outro. quase como um déjà vu programado, eu me vi sentado na poltrona da sala, estirado entre as almofadas como na manhã de domingo em que peguei o filme dando sopa na tnt. quando chegou a cena do encontro entre o senhor que morava próximo aos mcallister e o kevin, o menininho assustado mas esperto que foi esquecido em casa pela família, eu apenas reafirmei o que senti da primeira vez, nesse exato instante: esse é um filme especial. é um filme de desencontros que proporcionam encontros, e é incrivelmente carinhoso e acolhedor. o menininho se perde da família para encontrar o velho que não vê mais o filho. um dá esperança ao outro. o primeiro de que nunca é tarde para ter coragem e o segundo de que gentileza gera gentileza, e as aparências muitas vezes enganam. geralmente eu não sou a favor de lições de moral, mas filmes de natal como esse e "a felicidade não se compra" possuem a dose certa pra me fazerem rir e chorar, às vezes ao mesmo tempo!
p.s.: a imaginação de uma criança de 8 anos não tem limites. esse é o verdadeiro milagre de natal. de todas as épocas.
me chama a atenção que chabrol consiga mostrar a violência explícita, mas também a implícita, nas relações heteronormativas, e nos chocar da mesma forma, pelo seu domínio da linguagem. sua câmera é capaz de testemunhar uma mulher sendo afogada, seu corpo sendo tocado brutalmente e a impedindo de respirar, e uma outra cena que na teoria é tão assustadora quanto, mas representada como um gesto silencioso e sigiloso. uma outra mulher é enforcada, mas agora só vemos as reações, e os sons humanos são substituídos por barulhos de pássaro. às vezes a câmera se inclina como se quisesse nos poupar de passar por isso de novo, e então surgem crianças presenciando o instante que sucede a ação e o infrator sai correndo em sua moto. pra cada cena sufocante, há um momento de ternura enigmática.
quem é a mulher sonhadora, dançando no fim do filme, como se tivesse encontrado o amor? seria um novo rosto a resposta para o não-conformismo masculino, a procura insaciável por uma próxima vítima? nessa visão de masculinade, parceiras são substituíveis quando o desejo é saciado, e nem sempre é agradável ver o idealismo romântico virando pesadelo realista.
o registro documental nos obriga a ver a história sendo demarcada nos confins do tempo, se materializando e ganhando forma física através da presença da câmera, que aqui pressupõe imparcialidade, um olhar que será corrigido e revisado na sala de edição, onde as imagens que antes estavam a serviço da verdade, passam a ser olhadas com desconfiança. só não dá pra prever quando o sonho vira pesadelo, ou quando o documentário vira filme de horror. mas as imagens estão ali, de uma forma ou de outra, e se você rebobinar a fita e olhá-las atentamente, verá o instante em que o simples registro vira um ponto de vista, uma visão que pode fazer o líder de uma das maiores bandas do mundo se arrepender não só da execução, mas de toda a ideia por trás de um show. gimme shelter não é só a expressão de uma era, é também a transmutação dela em uma nova. se woodstock foi a celebração do auge, essa foi a realidade dando um fim à festa.
o sistema está presente em todas as partes, oprimindo, impedindo que qualquer idealização surja, atacando o romantismo do homem e impondo a ganância e a cobiça da vida em sociedade. tente viver civilizadamente, e você será derrubado pelo capital. tente viver em ressonância com os deuses e você será derrubado pela religião e pela crença. a maior das tragédias é tentar escapar ileso.
seria mais uma comédia romântica explorando todo o grande leque de estereótipos datados e ofensivos que o cinema adolescente americano retratou nos anos 80 se não fosse tão descaradamente lelé da cuca, um filme com um parafuso a menos mesmo. acho que aquele garotinho pedindo seus dois dólares pro john cusack o filme todo é a criança mais insuportavelmente insistente da história, ainda que consiga ser irresistivelmente engraçada justamente por ser tão irritante do modo mais exagerado possível. aliás, uma das proezas de "better off dead" é saturar seus tópicos, abusar tanto do limite entre o escatológico e o absurdo que torna-se aceitável depois de um tempo, quando você pisca o olho e abre de novo nem está mais estranhando cenas como a mãe do lane cozinhando um molusco vivo, ou o melhor amigo dele colocando neve no nariz.
fui pesquisar mais sobre a carreira do jackie chan, especialmente a fase chinesa, inclusive como diretor, e uma frase que ele disse em uma entrevista me chamou a atenção: "faça o seu melhor, seja o que for, porque o filme vive para sempre". vendo "police story", fica bem claro que ele se coloca à disposição do quadro mesmo, literalmente sacrifica o corpo por um frame. acho que boa parte do apelo dele enquanto figura de ação é que ele não desiste, e ao não desistir, também resiste. essas duas características acabam servindo tanto para que se crie um efeito cômico nas cenas mais chamativas como também para que se crie a ideia de movimento constante, como um balé meticulosamente coreografado, à mercê de puro exibicionismo e flexibilidade. essa linguagem que ele transmite com os movimentos corporais é uma linguagem universal do entretenimento, presente desde os tempos de chaplin e keaton, e é a base desse cinema acessível, que sabe atingir o povo ao alinhar câmera e corpo, como se um não existisse sem o outro.
acho que eu gostei tanto porque é um filme essencialmente sobre estar vivo, sentir a atmosfera de um ambiente específico e o peso de uma era, no caso os anos 60 e o impacto sociocultural da década na vida de um grupo de jovens. acompanhamos pessoas dirigindo à noite, disputando rachas de carro, andando por aí com o rádio ligado discutindo sobre a relevância dos beach boys... e o tempo todo esses personagens fazem questão de nos lembrar que só querem se divertir, por isso a carga emocional do filme é tão desapegada de grandes curvas, grandes alterações na dinâmica que se estabelece desde o princípio. alguns anos depois "picardias estudantis" tentou fazer a mesma coisa, mas acho que o único filme adolescente que foi realmente um bom discípulo da obra do george lucas foi "dazed and confused", outro grande tratado sobre ser jovem e ter um coração pulsando.
o nome desse filme faz sentido, porque ele exala tanta libido que parece que as imagens vão explodir em mil pedacinhos. os créditos com "bitter end" do placebo tocando de fundo e a homenagem ao john waters são os resultados finais desse acúmulo de energia e adrenalina em 82 minutos. é satisfatório ver um trabalho tão criativo de um diretor autoral que se importa tão pouco com as regras convencionais do "bom gosto cinematográfico".
no começo do filme, parece que o maurice tem muito a aprender com o clive, que soa bem resolvido e esclarecido a ponto de contestar os valores morais de seu companheiro, mas aos poucos a verdade vai aparecendo, e a gente percebe que desde o início o clive queria ser feliz com uma ilusão, enquanto maurice, sozinho a maior parte do tempo, não reclinou em nenhum momento na sua busca por auto-descoberta e aceitação. quando ele finalmente se encontra, percebemos que quem não tem ninguém mesmo é clive. o olhar da mulher dele no final, quando ele a abraça, é bem simbólico. ele dorme acompanhado, mas conversa consigo mesmo à beira da janela. no fim do dia, não tem ninguém com quem possa ser quem ele é de verdade, mas não porque não foi lhe dada a oportunidade, e sim porque ele não teve coragem de contestar nenhuma regra imposta pela sociedade.
"quando olho para o mar, não consigo deixar de pensar na terra"
a giuliana é uma das personagens mais fascinantes que o cinema já me apresentou. ela sente cheiros, ouve sons e vê as cores antes das outras pessoas, e às vezes as informações se misturam, e a forma como ela processa um acontecimento pode suscitar uma sensação ou vontade adormecida, quase impulsiva, que causa reações adversas nas outras pessoas e a faz agir instintivamente, como quando ninguém entende que ela realmente queria transar com o marido após comer um ovo. sempre que ela tá entre quatro paredes, precisa se apoiar em alguma estrutura sólida, literalmente. percebe muito a espacialidade à sua volta, e como a realidade é vaga, e as palavras que criam o contexto dessa realidade mais ainda, ela se espreme no canto da parede, onde é quase invisível, porque as pessoas estão sempre olhando pra frente ou umas pras outras, então é como se ela se dissolvesse na textura desses muros que usa de abrigo, como se, quando olhasse pra fumaça, tentasse se misturar ao ar e evaporar. esse senso de desconexão a torna sensível ao ambiente externo, o que se soma à confusão mental, ao desequilíbrio natural que toma conta dela. só consegue se libertar com o filho, porque, ao contar uma história pra ele, tem uma chance de respirar e ver o que queria ver: mar limpo, o som presente no silêncio e cores vivas, não-opressoras.
esse é um filme muito gentil, dócil e melancólico na mesma medida, sem tender para sentimentalismo barato ou doses de moralismo. a experiência de vê-lo foi equivalente à de woody olhando a paisagem com o vidro aberto: você sente aquela brisa gostosa, o ar puro batendo no rosto, uma sensação boa e familiar de que está gastando bem o seu tempo e andando pelo caminho correto, não importa o que digam. não importou para woody. no fim, o dinheiro que ele queria deixar para os filhos não era nada perto do que realmente ficou com eles: respeito. ao darem atenção ao pai, descobriram mais sobre ele e também sobre si mesmos. a história da nossa família também é a nossa, e quando conseguimos olhar pra ela e abraçá-la sem constrangimentos, nos sentimos mais conectados com nossas escolhas e nossos ideais.
eu fui ver esse filme achando que poderia encontrar algo datado ou ofensivo, mas só dá pra adjetivar assim a maquiagem que escolheram pra versão vampira do edward herrman. jesus, conseguiram deixar o homem calvo!
p.s.: corey feldman super criança fazendo voz de um adulto de 30 anos é impagável.
coutinho, mais do que um diretor com uma câmera, era um legítimo condutor de estórias. conseguia entender as motivações de seus entrevistados e deixá-los serem os protagonistas de suas narrativas, com interferências sutis, mas pontuais, seja no modo como enquadra um rosto ou como conduz a conversa. uma coisa que eu notei é que, quando o entrevistado era mais tímido ou tinha alguma dificuldade para se comunicar, ele primeiro afastava a câmera para depois aproximá-la no momento do clímax do depoimento, como quando filma a moradora daniele, jovem introspectiva com problemas de auto-confiança. começa com um plano-médio e depois parte para o extremo close-up. é impressionante como um prédio com apartamentos claustrofóbicos, com tanta gente se sentindo sozinha entre quatro paredes, proporciona trajetórias tão poderosas de vida. toda vida é interessante, basta não julgar e saber ouvir quem fala.
com certeza esse é o filme mais terno que eu vi do spike lee, é um "slice of life" daqueles que eu gosto de ver antes de dormir, como os filmes do studio ghibli. não existe personagem bom ou personagem mau, os conflitos derivam de motivações internas e o filme só acompanha o fluxo do rito de passagem que é a vida. consegue ser singelo até ao retratar a morte, nada mais que a celebração de uma vida em forma de despedida.
O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel
4.4 1,9K Assista Agoraa amizade do sam e do frodo, pelo menos nesse primeiro filme, é tão bonita...
Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
4.3 498 Assista Agora"olhei para você hoje à noite e não vi nada. finalmente rompeu, e vou gritar isso para o mundo. dane-se o que eu fizer! será a maior explosão que já viu!"
Videodrome: A Síndrome do Vídeo
3.7 547 Assista Agoraa cena em que o james woods e a debbie harry estão na casa dele e eles se estimulam através daqueles fluídos, daquela fusão corporal que o cronenberg sempre filma tão bem, como se a carne e a mente fossem um só, me deixou num estado de êxtase que a maioria das cenas de sexo não atingem. é um filme sobre o fascínio que a imagem, aquela que podemos tocar, e não apenas ver, exerce sob nossas capacidades cognitivas, e como isso afeta e até deteriora o corpo. mas escapar do domínio que esse condicionamento exerce sobre nós mesmos acaba sendo libertador. temos a sensação de que transcendemos, não somos mais escravos da tecnologia e da manipulação midiática. passamos a ser movidos por instinto e intuição, componentes do prazer.
Uma Pele a Menos: Os Dias de Nick Drake
4.5 26quando a irmã do nick diz que sabia o que ia acontecer na fatídica noite em que ele faleceu, eu vi muita sinceridade ali, e deu pra perceber na expressão dela que aquela foi a trégua que o mundo deu a ele, por isso havia a tristeza e havia o alívio: dali não sairia mais dor. acho que o ato mais altruísta que existe é você compartilhar o seu sofrimento pessoal com desconhecidos e conseguir trazer conforto e paz, uma identificação tangível, a essas vidas que agora se cruzaram com a sua. a arte possibilita isso, uma entrega que é inexorável. quando você grava um vídeo, ou uma música ou escreve um livro, você passa a comprovar sua imortalidade. sua existência ficará eternizada em mentes e corações alheios. por isso pessoas como ele, elliott smith, tim e jeff buckley estão mais vivos do que nunca. de memória em memória, eles sempre permanecem conosco, nos trazendo a sensação de pertencimento, mesmo que eles tenham ido.
Encontros ao Acaso
2.8 49 Assista Agoraa joey lauren adams disse numa entrevista de divulgação do filme que uma das coisas que ela mais ama no cinema é quando um filme é tão honesto no que se propõe que a força a olhar para si mesma. sabendo disso, fica bem mais fácil se adaptar às intenções dela e entender que é uma obra de pequenos gestos, sutilezas do dia-a-dia que vão se repetindo, se adequando à rotina, muitas vezes proporcionando um pensamento condicionado que se adquire com a experiência, e que nem sempre vai levar a uma conclusão. acho que o título em português é bem infeliz, porque "come early morning" não é sobre o acaso, muito menos sobre encontros. eu acho que muita gente pode assistir esperando essa rotação na vida da lucy, que ela seja uma heroína romântica e que acabe se firmando com alguém que apareça imprevisivelmente, mas a vida dela é cheia de frustração vinda de mágoas do passado que não foram bem cuidadas. antes de se entregar, ela precisa descobrir como pode ser amada pelo pai, como pode melhorar o rendimento no trabalho e como viver em paz. mas a vida numa cidadezinha de interior acaba gerando um conforto, um apego às circunstâncias, e torna-se bem difícil se convencer a buscar novas alternativas, se convencer do contrário. manhã após manhã é sempre a mesma calmaria por fora e a mesma melancolia por dentro. não é uma pessoa partindo de um ideal romântico que vai mudar isso.
Refrigerante de Menta
3.6 9 Assista Agoranão parece nem um filme, parece um álbum de fotografias do verão mais recente da sua vida. ele incluiria refrigerante de menta, acampamento com o namorado, sorvete na praia e recordações de uma viagem com o pai. mas esse é só um recorte. quando o verão acaba, crescer continua sendo um desafio, menos prazeroso e mais exigente, com decepções, descoberta da sexualidade e até mesmo envolvimento com a política e a busca por uma ideologia.
Lua de Fel
3.9 377quatro motivos para esse filme ser irresistível: a simples presença da emmanuelle seigner, peter coyote descrevendo golden shower como se fosse poesia, o fato de ele ser a cara do leonard cohen nos anos 60/70 e o momento em que toca a música brasileira "kátia flávia, a godiva do irajá", que no youtube achei através da versão da fernanda abreu. ah, nenhum deles envolve o hugh grant, exceto a
cara de cu dele no final.
Destacamento Blood
3.8 448 Assista Agorasobre o filme eu tenho muito o que ponderar. li vários comentários aqui e tenho que refletir bastante ainda sobre o tratamento dado aos vietnamitas e como isso se encaixa na minha percepção geral do longa, mas, sobre a atuação do delroy lindo, eu só posso dizer que me deixou com os nervos à flor da pele, e são raríssimas as vezes em que isso acontece, que um ator me leva junto com seus sentimentos, com a sua entrega, me faz entender a complexidade e motivações do personagem mesmo, e principalmente, quando eu o condeno. de verdade, ele parece um vulcão em erupção, ameaçando emergir violentamente, mas sempre guardando um pouco de energia, como se ele estivesse nos dando tempo de absorver como suas ações influenciam no restante da trama e como elas nos afetam. eu já tinha visto o trabalho dele em "crooklyn" e lá tinha muita ternura, delicadeza, compaixão. aqui só tem acúmulo de sentimento, que gera ressentimento e frustração.
p.s.: quando o personagem dele conversa com a câmera, se vê totalmente sozinho na mata e dá aquele riso cínico do tipo "fodeu, olha onde minha cobiça me levou", eu lembrei MUITO do humphrey bogart em "o tesouro de sierra madre".
A Vida É Doce
3.8 19em nenhum filme de mike leigh você vai encontrar o que o título desse filme propõe, e sim a ironia que ele sugere. seu retrato de relações familiares e as descrições de personalidade de cada personagem sempre pressupõem pequenas idiossincrasias que particularizam muito a dinâmica da interação. nicola, por exemplo, não é apenas uma garota retraída que tem bulimia e dificuldade de conviver socialmente. na verdade, sua principal característica é mais contida do que exposta: tem muita raiva e energia acumulada pra dentro que ela não expõe. por isso a cena em que mãe e filha têm a oportunidade de conversar e esclarecer o porquê de haver tanta incoerência e ressentimento entre elas, funciona tão bem. o filme todo segue uma linha naturalista, mas, assim como nicola, guarda pro final o que desde o começo tá tentando aparecer: a catarse emocional, a expurgação desses sentimentos tão mal trabalhados. não é um filme doce, mas também definitivamente não é arisco. tem a dose certa de sentimentalismo quando preciso.
Esqueceram de Mim
3.5 1,3K Assista Agoraa memória afetiva pode te levar a lugares muito confortáveis de um minuto para outro. quase como um déjà vu programado, eu me vi sentado na poltrona da sala, estirado entre as almofadas como na manhã de domingo em que peguei o filme dando sopa na tnt. quando chegou a cena do encontro entre o senhor que morava próximo aos mcallister e o kevin, o menininho assustado mas esperto que foi esquecido em casa pela família, eu apenas reafirmei o que senti da primeira vez, nesse exato instante: esse é um filme especial. é um filme de desencontros que proporcionam encontros, e é incrivelmente carinhoso e acolhedor. o menininho se perde da família para encontrar o velho que não vê mais o filho. um dá esperança ao outro. o primeiro de que nunca é tarde para ter coragem e o segundo de que gentileza gera gentileza, e as aparências muitas vezes enganam. geralmente eu não sou a favor de lições de moral, mas filmes de natal como esse e "a felicidade não se compra" possuem a dose certa pra me fazerem rir e chorar, às vezes ao mesmo tempo!
p.s.: a imaginação de uma criança de 8 anos não tem limites. esse é o verdadeiro milagre de natal. de todas as épocas.
Mulheres Fáceis/Entre Amigas
3.7 9me chama a atenção que chabrol consiga mostrar a violência explícita, mas também a implícita, nas relações heteronormativas, e nos chocar da mesma forma, pelo seu domínio da linguagem. sua câmera é capaz de testemunhar uma mulher sendo afogada, seu corpo sendo tocado brutalmente e a impedindo de respirar, e uma outra cena que na teoria é tão assustadora quanto, mas representada como um gesto silencioso e sigiloso. uma outra mulher é enforcada, mas agora só vemos as reações, e os sons humanos são substituídos por barulhos de pássaro. às vezes a câmera se inclina como se quisesse nos poupar de passar por isso de novo, e então surgem crianças presenciando o instante que sucede a ação e o infrator sai correndo em sua moto. pra cada cena sufocante, há um momento de ternura enigmática.
quem é a mulher sonhadora, dançando no fim do filme, como se tivesse encontrado o amor? seria um novo rosto a resposta para o não-conformismo masculino, a procura insaciável por uma próxima vítima? nessa visão de masculinade, parceiras são substituíveis quando o desejo é saciado, e nem sempre é agradável ver o idealismo romântico virando pesadelo realista.
Gimme Shelter
4.2 38 Assista Agorao registro documental nos obriga a ver a história sendo demarcada nos confins do tempo, se materializando e ganhando forma física através da presença da câmera, que aqui pressupõe imparcialidade, um olhar que será corrigido e revisado na sala de edição, onde as imagens que antes estavam a serviço da verdade, passam a ser olhadas com desconfiança. só não dá pra prever quando o sonho vira pesadelo, ou quando o documentário vira filme de horror. mas as imagens estão ali, de uma forma ou de outra, e se você rebobinar a fita e olhá-las atentamente, verá o instante em que o simples registro vira um ponto de vista, uma visão que pode fazer o líder de uma das maiores bandas do mundo se arrepender não só da execução, mas de toda a ideia por trás de um show. gimme shelter não é só a expressão de uma era, é também a transmutação dela em uma nova. se woodstock foi a celebração do auge, essa foi a realidade dando um fim à festa.
Tabu
4.0 32o sistema está presente em todas as partes, oprimindo, impedindo que qualquer idealização surja, atacando o romantismo do homem e impondo a ganância e a cobiça da vida em sociedade. tente viver civilizadamente, e você será derrubado pelo capital. tente viver em ressonância com os deuses e você será derrubado pela religião e pela crença. a maior das tragédias é tentar escapar ileso.
Minha Vida é um Desastre
3.2 24seria mais uma comédia romântica explorando todo o grande leque de estereótipos datados e ofensivos que o cinema adolescente americano retratou nos anos 80 se não fosse tão descaradamente lelé da cuca, um filme com um parafuso a menos mesmo. acho que aquele garotinho pedindo seus dois dólares pro john cusack o filme todo é a criança mais insuportavelmente insistente da história, ainda que consiga ser irresistivelmente engraçada justamente por ser tão irritante do modo mais exagerado possível. aliás, uma das proezas de "better off dead" é saturar seus tópicos, abusar tanto do limite entre o escatológico e o absurdo que torna-se aceitável depois de um tempo, quando você pisca o olho e abre de novo nem está mais estranhando cenas como a mãe do lane cozinhando um molusco vivo, ou o melhor amigo dele colocando neve no nariz.
Police Story: A Guerra das Drogas
3.8 130 Assista Agorafui pesquisar mais sobre a carreira do jackie chan, especialmente a fase chinesa, inclusive como diretor, e uma frase que ele disse em uma entrevista me chamou a atenção: "faça o seu melhor, seja o que for, porque o filme vive para sempre". vendo "police story", fica bem claro que ele se coloca à disposição do quadro mesmo, literalmente sacrifica o corpo por um frame. acho que boa parte do apelo dele enquanto figura de ação é que ele não desiste, e ao não desistir, também resiste. essas duas características acabam servindo tanto para que se crie um efeito cômico nas cenas mais chamativas como também para que se crie a ideia de movimento constante, como um balé meticulosamente coreografado, à mercê de puro exibicionismo e flexibilidade. essa linguagem que ele transmite com os movimentos corporais é uma linguagem universal do entretenimento, presente desde os tempos de chaplin e keaton, e é a base desse cinema acessível, que sabe atingir o povo ao alinhar câmera e corpo, como se um não existisse sem o outro.
Loucuras de Verão
3.5 160 Assista Agoraacho que eu gostei tanto porque é um filme essencialmente sobre estar vivo, sentir a atmosfera de um ambiente específico e o peso de uma era, no caso os anos 60 e o impacto sociocultural da década na vida de um grupo de jovens. acompanhamos pessoas dirigindo à noite, disputando rachas de carro, andando por aí com o rádio ligado discutindo sobre a relevância dos beach boys... e o tempo todo esses personagens fazem questão de nos lembrar que só querem se divertir, por isso a carga emocional do filme é tão desapegada de grandes curvas, grandes alterações na dinâmica que se estabelece desde o princípio. alguns anos depois "picardias estudantis" tentou fazer a mesma coisa, mas acho que o único filme adolescente que foi realmente um bom discípulo da obra do george lucas foi "dazed and confused", outro grande tratado sobre ser jovem e ter um coração pulsando.
Palm Springs
3.7 469 Assista Agoraaos que só conhecem a cristin milioti como mother, vejam o episódio de modern love em que ela aparece. tem um futuro bem promissor.
Kaboom
2.8 386 Assista Agorao nome desse filme faz sentido, porque ele exala tanta libido que parece que as imagens vão explodir em mil pedacinhos. os créditos com "bitter end" do placebo tocando de fundo e a homenagem ao john waters são os resultados finais desse acúmulo de energia e adrenalina em 82 minutos. é satisfatório ver um trabalho tão criativo de um diretor autoral que se importa tão pouco com as regras convencionais do "bom gosto cinematográfico".
Maurice
4.0 192no começo do filme, parece que o maurice tem muito a aprender com o clive, que soa bem resolvido e esclarecido a ponto de contestar os valores morais de seu companheiro, mas aos poucos a verdade vai aparecendo, e a gente percebe que desde o início o clive queria ser feliz com uma ilusão, enquanto maurice, sozinho a maior parte do tempo, não reclinou em nenhum momento na sua busca por auto-descoberta e aceitação. quando ele finalmente se encontra, percebemos que quem não tem ninguém mesmo é clive. o olhar da mulher dele no final, quando ele a abraça, é bem simbólico. ele dorme acompanhado, mas conversa consigo mesmo à beira da janela. no fim do dia, não tem ninguém com quem possa ser quem ele é de verdade, mas não porque não foi lhe dada a oportunidade, e sim porque ele não teve coragem de contestar nenhuma regra imposta pela sociedade.
O Deserto Vermelho
4.0 97"quando olho para o mar, não consigo deixar de pensar na terra"
a giuliana é uma das personagens mais fascinantes que o cinema já me apresentou. ela sente cheiros, ouve sons e vê as cores antes das outras pessoas, e às vezes as informações se misturam, e a forma como ela processa um acontecimento pode suscitar uma sensação ou vontade adormecida, quase impulsiva, que causa reações adversas nas outras pessoas e a faz agir instintivamente, como quando ninguém entende que ela realmente queria transar com o marido após comer um ovo. sempre que ela tá entre quatro paredes, precisa se apoiar em alguma estrutura sólida, literalmente. percebe muito a espacialidade à sua volta, e como a realidade é vaga, e as palavras que criam o contexto dessa realidade mais ainda, ela se espreme no canto da parede, onde é quase invisível, porque as pessoas estão sempre olhando pra frente ou umas pras outras, então é como se ela se dissolvesse na textura desses muros que usa de abrigo, como se, quando olhasse pra fumaça, tentasse se misturar ao ar e evaporar. esse senso de desconexão a torna sensível ao ambiente externo, o que se soma à confusão mental, ao desequilíbrio natural que toma conta dela. só consegue se libertar com o filho, porque, ao contar uma história pra ele, tem uma chance de respirar e ver o que queria ver: mar limpo, o som presente no silêncio e cores vivas, não-opressoras.
Nebraska
4.1 1,0K Assista Agoraesse é um filme muito gentil, dócil e melancólico na mesma medida, sem tender para sentimentalismo barato ou doses de moralismo. a experiência de vê-lo foi equivalente à de woody olhando a paisagem com o vidro aberto: você sente aquela brisa gostosa, o ar puro batendo no rosto, uma sensação boa e familiar de que está gastando bem o seu tempo e andando pelo caminho correto, não importa o que digam. não importou para woody. no fim, o dinheiro que ele queria deixar para os filhos não era nada perto do que realmente ficou com eles: respeito. ao darem atenção ao pai, descobriram mais sobre ele e também sobre si mesmos. a história da nossa família também é a nossa, e quando conseguimos olhar pra ela e abraçá-la sem constrangimentos, nos sentimos mais conectados com nossas escolhas e nossos ideais.
Os Garotos Perdidos
3.8 708 Assista Agoraeu fui ver esse filme achando que poderia encontrar algo datado ou ofensivo, mas só dá pra adjetivar assim a maquiagem que escolheram pra versão vampira do edward herrman. jesus, conseguiram deixar o homem calvo!
p.s.: corey feldman super criança fazendo voz de um adulto de 30 anos é impagável.
Edifício Master
4.3 372 Assista Agoracoutinho, mais do que um diretor com uma câmera, era um legítimo condutor de estórias. conseguia entender as motivações de seus entrevistados e deixá-los serem os protagonistas de suas narrativas, com interferências sutis, mas pontuais, seja no modo como enquadra um rosto ou como conduz a conversa. uma coisa que eu notei é que, quando o entrevistado era mais tímido ou tinha alguma dificuldade para se comunicar, ele primeiro afastava a câmera para depois aproximá-la no momento do clímax do depoimento, como quando filma a moradora daniele, jovem introspectiva com problemas de auto-confiança. começa com um plano-médio e depois parte para o extremo close-up. é impressionante como um prédio com apartamentos claustrofóbicos, com tanta gente se sentindo sozinha entre quatro paredes, proporciona trajetórias tão poderosas de vida. toda vida é interessante, basta não julgar e saber ouvir quem fala.
Crooklyn - Uma Família de Pernas pro Ar
3.8 36 Assista Agoracom certeza esse é o filme mais terno que eu vi do spike lee, é um "slice of life" daqueles que eu gosto de ver antes de dormir, como os filmes do studio ghibli. não existe personagem bom ou personagem mau, os conflitos derivam de motivações internas e o filme só acompanha o fluxo do rito de passagem que é a vida. consegue ser singelo até ao retratar a morte, nada mais que a celebração de uma vida em forma de despedida.