A estreia de David Michôd como diretor em ‘’Reino Animal’’ resultou em um filme aclamado pela crítica, sendo premiado no festival de Sundance no ano anterior. O longa australiano envolve a história de um jovem, J, que após presenciar a morte de sua mãe por overdose de heroína é enviado à casa de sua avó e primos que pertencem ao mundo do crime. A partir daí são criados confrontos entre a família e a destruição das feitas é feita gradativamente. A incessante guerra entre crime e polícia faz com que a ‘’ovelha branca’’ da família seja o pupilo de um detetive, fazendo com que a família de sociopatas volte-se contra ele. Por mais que a premissa seja interessante, a obra desenvolve-se num ritmo desalentador e deveras maçante em que a linearidade da obra é gritante. Falava-se muito de um filme ultraviolento, contudo há poucas cenas de violência e as mesmas foram reproduzidas de maneira comum, nada impressionante. O grande trunfo da obra é, indubitavelmente, a trilha sonora consternante utilizada nos momentos de tensão e que acrescenta brilhantismo à obra. O desenvolvimento desmotivador do longa é substituído por um desfecho surpreendente que mostra que no reino animal apenas os mais fortes sobrevivem e os que estão abaixo do supremo é dependente do mesmo. Em uma obra que alterna bons e péssimos momentos, o resultado não poderia ser outro a não ser razoável.
Em seu segundo longa-metragem, ‘’Sedução e Vingança’’ o diretor Abel Ferrara expõe abertamente a insanidade e a perversão humana em uma obra aterrorizante. A tímida e muda Thana é estuprada duas vezes no mesmo dia, porém mata o segundo estuprador com requintes de crueldade. Este é o estopim para uma série de assassinatos cometidos pela bela e até então inofensiva jovem. À medida que os dias passam a protagonista muda completamente de personalidade (e também aparência) e desfaz a aparência de garota inocente que tanto seduz para uma femme fatale imperdoável que sente prazer em matar os homens que cruzam seu caminho. Os distúrbios psicológicos da protagonista são visíveis não só para o espectador, como também para os personagens da obra, e esse derradeiro declínio resulta-se em derramamento de sangue. O longa segue com mortes em série, contudo essa constante não faz com que a obra caia na mesmice, pois o diretor abusou (no bom sentido) ao criar cenas memoráveis. O desfecho de ‘’Sedução e Vingança’’ remete à clássica cena do baile de ‘’Carrie’’, do diretor Brian de Palma, contudo o destino de Thana e Carrie são completamente diferentes. Para Abel Ferrara, o prazer transforma-se em dor, o sexo em violência e o resultado disso é um ótimo filme sobre vingança.
Um homem e uma boneca inflável. Este seria o ponto de partida para uma comédia mambembe, mas não para Hirokazu Kore-eda. O diretor japonês dá vida, literalmente, a uma boneca inflável, um instrumento que em outros filmes serviria apenas para figurar. A boneca humaniza-se e vagueia Japão afora durante a ausência de seu dono, descobrindo o novo, lugares antes inexistentes, pessoas novas. Ao longo de suas frequentes saídas, a boneca também descobre o que há no ser humano: frieza, vazio, e solidão. A beleza da obra está na simplicidade com que ela é conduzida. O objeto inanimado que substitui o desejo carnal mostra-se humano e bondoso em um mundo onde as pessoas estão distantes de si, onde a razão para viver simplesmente inexistente, onde a incomunicabilidade, ironicamente, é o que fala mais alto. O longa ''Boneca Inflável'' é comovente. Uma obra que com sua ternura enche os olhos de lágrimas e também causa sorrisos e não risos. Uma visão diferente do mundo humano, bela do princípio ao fim.
O cinema como retrato de temas intimistas e com produção de baixo custo é o que denomina-se o ''Mumblecore'', movimento cinematográfico que mostrou com ''Cyrus'' a capacidade de fazer um filme de extrema qualidade sem recorrer às superproduções milionárias de Hollywood. O terceiro longa dos irmãos Duplass tem a trama focada na relação humana. Os minutos iniciais apresentam o prelúdio de uma obra aparentemente carregada de humor, entretanto o drama é marcante e ambos conciliam com maestria o enredo que envolve John, um editor divorciado e desacreditado no amor que encontra casualmente Molly, a mulher dos seus sonhos em uma festa que celebra o casamento da ex-esposa do editor. O romance entre eles mostra-se promissor até o momento em que Cyrus, filho da bela mulher, aparece na vida do casal. O elo ilusório criado entre eles é brevemente colocado em dúvida e desmascarado, pois Cyrus é o mentor de tentativas insucedidas de separar o casal. A obra desenvolve-se com o crescente conflito homem x homem, que ora traz momentos cômicos, ora reflexivos. Fragilidade e dependência são impostos e indicam a dependência do ser humano para com o outro. Por trás da aparência de cada personagem escondem-se suas fraquezas e anseios. Os irmãos Duplass conduzem a obra com magnificência e os 90 minutos do filme literalmente voam e até o criticado uso de câmera de mão e zoom não prejudicam a plenitude desta belíssima realização. O cinema independente revela-se promissor e ''Cyrus'' é prova disso e ainda mais, o longa é, indubitavelmente, um dos grandes filmes de 2010.
A estreia de Tom Ford como diretor mostrou-se promissora em sua longa-metragem de extrema sensibilidade. A trama gira em torno do professor George, que não conseguiu recuperar-se após a morte de seu namorado e encontra-se à beira do abismo. A obra tem como pano de fundo a gloriosa década de 1960, época em que o conservadorismo perdia sua força aos poucos e os ideais de liberdade surgiram. A homossexualidade é retratada de forma sutil, não apelando para vulgaridades ou algo do gênero. O mesmo é feito com o existencialismo vivido pelo protagonista, suas perturbações e desejos são desenvolvidos discretamente, sem exageros, sendo este o ponto principal que faz com que a obra mantenha sua regularidade. O longa é esteticamente perfeito. É notória a preocupação do diretor para com o visual, haja vista que as cores condizem com as emoções sentidas por George, alterando entre cores claras e escuras. Tom Ford mostrou-se competente ao realizar uma obra de beleza ímpar.
Nada como assistir a um filme no qual a inocência de uma criança é o que faz uma obra ser marcante. A apaixonante história de Nicolau é retratada com um humor leve e descontraído. Como no fundo de fantasia, a obra desenvolve-se um de maneira onírica, típico de crianças. O garoto Nicolau preocupa-se ao saber de um suposto irmão que terá e poderá tirar seu ''trono'' de filho importante. Seu pensamento foi alimentado após o seu amigo mostrar-se insatisfeito por ter um irmão e contou aos seus amigos cada detalhe que ''resultou'' na vinda do caçula. Os pais de Nicolas agem conforme o que fora dito. Este é o ponto de partida para uma jornada encabeçada por Nicolau e seus amigos rumo ao sequestro do seu provável irmão. O elenco mirim mostrou-se competente ao criar situações comômicas e inusitadas a partir da inocência e do medo que um dia assolou todas as crianças de um dia ''perder os holofotes'' e não ser mais o filho querido. Se as crianças criam confusão atrás de confusão, o mesmo é feito pelos adultos, especificamente os pais de Nicolau que fazem de tudo para serem aceitos no círculo social de pessoas influentes e principalmente uma promoção no trabalho. A leveza de ''O Pequeno Nicolau'' é cativante e não há como não gostar desta obra que exprime com simplicidade a pureza de uma criança.
Em ''A Classe'', o cinema serviu como forma de mostrar a todos o quão assustador pode ser a relação entre jovens na escola. O título simpliesta traz consigo uma obra cujo enredo é baseado no terror na vida de dois jovens em uma escola. O bullying é recorrente na vida de Joose, jovem quieto, tímido e sem amigos que sofre abusos constantemente cometidos pelos alunos de sua sala que o odeia sem motivos plausivos. Sua situação muda no dia em que Kaspar, jovem que assistia seu sofrimento, une-se a ele, contrariando os ''princípios'' de seus amigos que são baseados na humilhação e na destruição tanto física quanto psicológica de Joosep. O que parecia ruim, torna-se pior com o passar dos dias. A obra narra o laço afetivo criado entre os jovens ao longo de uma semana, tempo necessário para ambos serem motivos de zombação, violência descomunal e humilhação. O drama de Joosep ultrapassa os muros da escola, tendo em casa um exemplo de machismo, violência que encontra a solução para os problemas com os punhos: seu próprio pai. A obra impressiona pelo realismo contido nas ações descabíveis dos personagens. É deveras assustador / perturbador que que o que está sendo retratado nas telas foi baseado em uma história real, e esta história é corriqueira em escolas do mundo todo, e isto é sabível graças aos veículos de comunicação que frequentemente publicam algo relacionado à violência nas escolas. A trama desenvolve-se com o crescimento dos atos desumanos de jovens perdidos e os que sofrem com suas ações veem-se assolados na amargura da rejeição. Em um longa marcado pelo drama (sem excessos), o final não poderia ser outro não ser o funestro encerramento de uma obra amarga. Como já supracitado, o título da obra é simplosta, porém traz consigo algo nada fácil de lidar: a destruição física e psicológica de um ser. Obra-prima.
A década de 1970 foi propíca para os chamados ''road movies''. Os Estados Unidos produziram clássicos do gênero, por exemplo, ''Corrida Contra o Destino''. A obra do diretor Richard Sarafian retrata a história de Kowalski, um entregador de carros que tem como função entregar um Dodge Challenger em outro estado americano, porém Kowalski faz do seu trabalho uma missão crucial na qual o tempo (e outros) lutarão contra tudo, principalmente contra Kowalski. A aventura encabeçada pelo destemível motorista é logo reconhecida pela polícia que logo o tem como um foragido e precisa interrompê-lo o quanto antes. A notoriedade de Kowaslki faz com que ele torne-se rapidamente ''o último herói americano'', segundo palavras de um locutor de rádio que identifica-se com o homem inexpressivo e cria em Kowalski a imagem de um mito, um semideus. A trama desenvolve-se e aos poucos a figura do simples piloto é reproduzida através de flashbacks que retratam momentos de sua vida e seus insucessos como piloto de corridas, policial e até mesmo no fatídico episódio que levou sua namorada para sempre. Esses eventos reforçam que a imagem de Kowalski não é a de um simples amante da velocidade, mas também a de um homem que, por infortúneos ao longo de sua vida, está à procura da liberdade e há de encontrá-la sem estorvos que possam impedi-lo de percorrer sua jornada. Ambientada no início dos anos 70, a obra apresenta a sociedade da época representada, sobretudo, pelos ideias de paz, amor e repulsa à guerra, haja vista que os Estados Unidos encontravam-sem em guerra contra o Vietnã. A liberdade dá-se ao longo da jornada de Kowalski na qual ele encontra remanescentes da ideologia hippie, um senhor de idade que sobrevive à custa dos animais e um casal gay. A trilha sonora é primorosa e mesmo hoje revive a nostalgia dos anos 70 com o soul, o funk e o hard rock explosivo da banda Mountain. A obra segue até o seu desfecho numa ''batalha'' memorável de um guerreiro em busca de liberdade e o ''exército do mau'' que tenta, sem êxito, interrompê-lo. O desfecho, embora trágico, apresenta o dever cumprido em cenas tocantes. A obra do diretor é um clássico que encontrou na palavra ''liberdade'' um sentido diferente de ser explicada.
O cinema é o caminho escolhido para muitos diretores que, através de sua inventividade, trazem ao espectador a história de um ser real que ao longo de sua vida contribuiu para algo que muitos desejam, mas nem todos conseguem obter: notoriedade. O diretor Nicolas Winding Refn realizou uma obra focada em um personagem não muito conhecido no Brasil, mas de renome na Europa por ser o prisioneiro mais conhecido da história da Inglaterra. Ao ler o título ''Bronson'' vem em mente o astro de filmes de ação dos anos 70 e 80, contudo a referência do ator serve apenas para o protagonista da obra. O longa retrata a vida de Michael Peterson, um homem que tem a cadeia como berço acolhedor ao longo de mais de três décadas. Seu feito deve-se pela busca incessante de popularidade e reconhecimento que o leva a cometer crimes bárbaros. Através de flashbacks são apresentados momentos da infância e da adolescência de Michael que mostram seu descontrole e temperamento explosivo. Entretanto, o que poderia ser um filme extremamente perturbador por mostrar a violência de modo explícito, torna-se cômico em diversos momentos por trazer inserções do próprio Bronson apresentando monólogos em forma de espetáculo teatral. A obra desenvolve-se na constante transição de locações de Bronson, e isso torna a obra um tanto enfadonha, até o instante que o Bronson performático retorna e abrilhanta a obra. Fala-se muito da relação da obra de Refn com o clássico ''Laranja Mecânica'', contudo a relação entre ambos é apenas pela ultraviolência (feita magistralmente), uma vez que a relação a relação de Bronson com a violência não envolve questões políticas, sua ''arte'' é cometer crimes e fazer do seu alterego uma celebridade. A relação de Refn com a violência é expôr o comportamento insano de Bronson. O longa não é uma mera cópia do clássico de Kubrick, muito pelo contrário, ambas diferem-se e devem ter seu mérito reconhecido. No mais, ''Bronson'' é uma realização interessante sobre os limites do ser humano e a obra mostra-se assustadoramente engraçada.
Um giallo quase sempre certeza de uma obra satisfatória, um giallo psicodélico tem como resultado uma obra experimental magnífica. O diretor Tinto Brass realizou ''Com O Coração na Garganta'' no ano da psicodelia, 1967, a obra segue a tradição do bom e velho giallo: assassinatos, dúvidas, mistérios e a descoberta do assassinato, contudo o longa diferenciaa-se de outros do gênero por adotar a psicodelia que tanto influenciava na época e consequentemente resultou em uma obra de deleite visual. O longa apresenta a imagem histórica da liberdade de expressão da juventude através da música (esta faz parte da trilha sonora), mas o grande trunfo da obra dá-se por conta dos efeitos visuais aplicados, cenas ora extremamente coloridas (referência à arte pop), ora em preto e branco, sem contar o splitscreen (tela dividida em três). Tinto Brass conduz a obra a um giallo despretensioso que não tem como característica o suspense, e sim o entretenimento, pois há momentos de comédia distribuídos na dose certa. No mais, ''Com O Coração na Garganta'' é uma obra que claramente tem o enredo como segundo plano, contudo é construído sublimemente e fez de um giallo uma experiência divertida.
Pouco mais de 75 minutos foram necessários para trazer ao cinema a história de Henry Lee Lucas. Por trás da aparência de um homem simplório, esconde a personalidade de um psicopata cruel e violento. A obra não segue à risca a biografia do assassino Henry, entretanto a realização cinematográfica é excelente. No início do longa são apresentados os rastros de sangue deixados por Henry. O psicopata tinha um aliado à sua altura, seu parceiro de crimes Ottis. Juntos eles cometem crimes de tamanha crueldade e muitas das vezes ambos viam o crime como passatempo. A atmosfera criada é soturna e aliada à trilha sonora torna a obra aterrorizante. A obra não trilha apenas caminhos perigosos, em contrapartida é exposta a sensibilidade de uma jovem, Becky, irmã de Ottis, que vê em Henry um homem de dignidade e de confiança. O preço da inocência é pago com sangue em um desfecho cru e incisivo. O longa é violento e atordoante e por mais que tenha distorcido e ou não supracitado certos momentos da vida de Henry, é uma exímia realização do retrato de um serial killer.
Existem inúmeros filmes sobre serial killer, a quantidade diminui significativamente quando a qualidade é questionada e, com certeza, ''Angst'' está em um dos mais altos escalões do cinema. Os personagens não têm nome, mas suas características são marcantes. O longa inicia-se com som de gotas caindo (representação do sangue?) e o protagonista é apresentado causando certo desconforto com sua aparência. O psicopata é solto após longos anos de prisão e mostra-se ciente de que sua sede por crime será impossível de ser interrompida. O psicopata encontra como vítimas uma família aparentemente distante de si: um homem cadeirante com problemas mentais, uma senhora de idade e uma bela jovem. A violência é distribuída fria e gratuitamente, ações dignas de um psicopata que proporciona momentos arrepiantes de tensão. A perturbação do psicopata é contada pelo próprio, fazendo de suas falas (ou desabafos) um complemento para a obra ao simplificar o motivo de seus crimes, o que normalmente ocorre por ter uma família desestruturada que não cuida do filho e ou acaba deixando-o ao esmo / marasmo, sem saída para sobreviver decentemente. O diretor Gerald Kargl conduz a obra com extrema competência ao retratar a insanidade do psicopata através de diversos ângulos. A influência de ''Angst'' é tamanha que o diretor Gaspar Noé assume este filme ser sua inspiração, tanto na narrativa quanto no modo de filmagem. A obra finaliza e torna justificáveis as mortes, segundo o mentor das próprias: causar medo e atenção nos outros. ''Angst'' não é apenas um filme sobre serial killer, é uma obra brilhante que mergulha profundamente na mente insana de um homem que conduz seus próprios passos.
O diretor Michael Haneke finaliza brilhantemente a trilogia da incomunicabilidade com o formidável ''71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso''. O longa é o mais instigante da trilogia, nos primeiros minutos é apresentado o prenúncio, ou melhor, o enceramento da obra que resumidamente diz: ''Em 23 de dezembro de 1993, um jovem entrou armado em um banco, atirou e matou 3 pessoas e logo depois suicidou-se''. Após o prólogo que noticia algo corriqueiro nos dias atuais, a obra segue, como o título sugere, apresentando fragmentos de vidas de pessoas distintas que têm algo em comum: apesar de suas discrepâncias gritantes, todos apresentam uma fragilidade carregada consigo. Haneke apresenta o quebra-cabeça e aos poucos completa as peças com o desenvolvimento da obra que é lento (típico do diretor), porém envolvente. Os fragmentos trazem à tona a grande deficiência do ser humano: a falta de comunicação. Aliado às cenas desconexas do cotidiano de cada personagem também é apresentado o crescimento da violência no mundo, o que seria explicaria a explosão da mente humana para cometer atos de intensa crueldade. O desfecho da obra é de uma magnitude ímpar, pois Haneke une os personagens envolvidos e faz da união um encontro trágico que reflete a desgraça ocorrida não como um ato de demência, e sim como a assolada falta de comunicação entre os seres humano. O encerramento desta bela trilogia não só provou que a maestria de Michael Haneke não veio do acaso, como também provou que a tão temível incomunicabilidade é assustadora e real.
O diretor Michael Haneke deu continuidade à trilogia da incomunicabilidade com ''O Vídeo de Benny'', uma de suas obras mais aclamadas. O diretor austríaco expõe seu ponto de vista do ser humano de maneira sórdida (e por que não?) receosa. A trama envolve Benny, um jovem recluso que vive isolado em seu quarto tendo como companhia a televisão e o seu vídeo cassete, este último considerado o ápice da tecnologia no início dos anos 90. A distância de seus pais, tanto física quanto emocional, dá para Benny liberdade total para fazer o que bem entender, contudo ele aproveita erroneamente matando cruelmente uma jovem dentro de seu quarto e, ainda por cima, grava os últimos momentos de sua vida. É clarividente a crítica feita por Haneke quanto ao isolamento dos pais para com os filhos, assim como a televisão aliena o espectador com seu extenso conteúdo de violência. A primeira metade da obra é simplesmente brilhante, pois Haneke conduz com extrema frieza a perversidade humana e logo no início é apresentada a perturbadora violência que desmorona a mente do espectador. Entretanto, a obra segue num ritmo maçante no qual as alões demoram a acontecer e perdem o impacto estarrecedor do começo, contudo é impressionante como o diretor retrata a falta de amabilidade do ser humano para com o outro, fazendo crer que o descaso entre os alheios torne-se pleno e a vida perde seu valor. Por mais que o longa decepcione em alguns momentos, os pontos positivos sobressaem-se a obra que encerra de modo inusitado. Michael Haneke novamente mostra ser o diretor que desacredita no ser humano e transmite isso fria e dolorosamente.
Michael Haneke é um diretor cruel. A violência explorada em seus filmes não é gratuita, apelativa ou sanguinolenta. O diretor retrata de modo crudelíssimo explorando o psicológico. Em ''O Sétimo Continente'', seu primeiro filme e também o iniciador da trilogia da incomunicabilidade seguida por ''O Vídeo de Benny'' (1992) e ''71 Fragmentos de Uma Cronologia do Acaso'' (1994), é representada a história de uma família bem sucedida que aparentemente não possuiu algum empecilho em sua vida, entretanto há um problema e este deve-se pelo vazio que convive com cada membro da família. A atmosfera da obra é deveras sufocante ao mostrar a vida rotineira de cada ser da família, a ausência de comunicação entre eles, o pavor social e o insaciável desejo de morte. Não há prazer na vida quando tudo desmotiva. Michael Haneke acompanha o passado a passo da perda de sanidade que cresce constantemente de maneira descomunal que impressiona pela frieza do ser humano. Os minutos finais são atordoantes e o desfecho da obra é assaz assustador. No mais, ''O Sétimo Continente'' é uma obra de qualidade indiscutível que aplica um golpe fatal na mente de quem assiste.
O diretor Craig Gillespie realizou em ''A Garota Ideal'' o que se pode chamar de um estudo psicológico em forma de arte. A trama envolve Lars, um rapaz instropectivo e de poucos amigos que leva uma vida pacata e não muito animadora no interior dos Estados Unidos. Sua situação reverte-se com a chegada de uma boneca quase humana comprada por ele na internet, fazendo dela sua namorada. O que de início parecia ser descabível, tornou-se uma história de compaixão e compreensão alheia. Com doses de comédia e drama distribuídas na medida certa, ''A Garota Ideal'' é um filme envolvente que provoca risos e choros sem a necessidade do apelo emocional. O protagonista, brilhantemente interpretado por Ryan Gosling serve como referência para muitos dos seres humanos: solitário, tímido, teme o contato com outros, enfim, o verdadeiro retrato de tempos em que as pessoas se afastam de si, de tudo e de todos. A obra explora com sutileza os distúrbios de um homem que encontra conforto em um ser inanimado. Não há como não se apaixonar por esse filme e a complacência que carrega consigo mostra que por mais perdidos que uma pessoa esteja de si, haverá um ombro amigo para reerguê-lo e apoiá-lo. Uma bela lição.
Se antes restava alguma dúvida quanto à grandeza de David Fincher na atual Hollywood, qualquer incerteza foi retirada com a realização de ‘’A Rede Social’’. A recente obra do diretor é a definição do cinema na primeira década, pois retrata o fascínio do ser humano pela tecnologia que é mostrada com a criação do Facebook. O longa-metragem traz a história de Mark Zuckerberg e suas conquistas e derrotas ao longo de pouco mais de cinco anos. A perspicácia de um jovem pródigo que se torna influente no mundo todo é tida como um grande empecilho para pessoas que o vê como rival e decidem tirar proveito da situação. Por trás do tema proposto, a obra explora a personalidade da juventude hoje em dia (solitários, dependentes, problemáticos) e o retrato da mocidade é feito com realismo assustador. O diretor conduz a obra com maestria, diálogos envolventes e rapidamente replicados (a dinamicidade da obra deve-se a isso) o elenco como um todo funcionou com êxito, a fotografia do filme é belíssima e a direção mais que segura. Em suma, David Fincher consolidou sua carreira como cineasta com este filme que indubitavelmente será considerado clássico da nossa era.
Marina de Van em seu longa-metragem de estreia traz às telas uma obra extremamente perturbadora e atordoante ‘’Dans Ma Peau’’. O enredo envolve Esther, uma funcionária em ascensão de uma importante empresa e tem uma vida estável ao lado de seu namorado atencioso, Vincent. Sua vida é deveras digna, até que um acidente tolo transforma sua vida de cabeça pra baixo. O longa, dirigido e protagonizado pela própria Marina de Van, explora a obsessão de uma mulher para com o seu próprio corpo. Um acontecimento fortuito ocasionou em sua própria autodestruição, ou melhor dizendo, o autocanibalismo. A dor, ou a ausência dela é retratada através de takes longos que trazem a depreciação/deformação de uma mulher. A dor, ou a ausência dela é intensa e perturbadora, não deixando de lado a leveza com que é conduzida, contudo a obra limita-se muito a mostrar o grau de desejo pela própria carne, o que é uma pena, pois a atmosfera da obra poderia ser mais desenvolvida, o desfecho que é deveras desanimador. Outro ponto a ser supracitado é o porquê de tamanha obsessão: se era pelo trabalho, pela vida conjugal, descontentamento pela aparência, ou simplesmente aconteceu por acontecer. No mais, ‘’Dans Ma Peau’’ é uma obra perturbadora, não recomendável para os mais sensíveis, e não deixa de ser um tanto rasa por prolongar exaustivamente e ter um desfecho desalentador.
Nada como assistir a um Woody Allen em plena forma. O diretor que tantas vezes protagonizou suas obras teve em ‘’Tudo Pode dar Certo’’ um substituto a altura que muito lembra o personagem pessimista, crítico, existencial e, sobretudo, hilário. De volta à velha e querida Nova York, Woody Allen exibe a história de um senhor nada simpático chamado Boris Yellnikoff que enxerga o mundo como nenhum outro o faz. Resumidamente, Boris acredita que o mundo não é bom para se viver graças às pessoas que o tornam deplorável com o passar do tempo. Seu sentimento de superioridade faz com que Boris seja ranzinza com crianças, adolescentes, amigos e confabule com o espectador de maneira espetacular. A vida do protagonista muda completamente quando aparece uma jovem que traçará rumos diferentes ao lado do ‘’alter ego’’ de Woody Allen. Boris pode parecer uma péssima pessoa para conviver, entretanto seu mau humor é cativante e seus conceitos sobre o amor são, no mínimo, cabíveis. O humor contido no filme é aplicado em doses cavalares em diálogos marcantes e cômicos feitos de modo ligeiro. A ousadia de Allen dá-se por conta de reproduzir em sua obra temas como: homossexualismo, adultério, relação entre seres de idades de dispersas aliado ao sempre hilário jeito do diretor lidar com religião e as desgraças que assolam o mundo perdido. Entre situações desesperadoras (e não menos engraçadas), a obra encerra com final feliz (o que não é notório no cinema do diretor), contudo foi o mais viável em uma obra que escancara a dualidade do ser humano e faz refletir na longevidade do amor entre os seres é verdadeira ou não Woody Allen repete a fórmula e o resultado final é sempre satisfatório, o que faz com que ele sempre seja aclamado como um dos grandes diretores não só da atualidade, mas de todos os tempos.
Gaspar Noé é referência quando se fala do cinema contemporâneo. Seus filmes contêm uma atmosfera única que deixa o espectador aturdido, aditado com seus enredos perturbadores. Em seus longas-metragens anteriores ‘’Sozinho Contra Todos’’ (1998) e ‘’Irreversível’’ (2002), o diretor franco-argentino mostrou à sétima arte o seu cartão de visitas. E com o tão esperado ‘’Enter the Void’’, o diretor confirmou sua importância em um dos escalões mais altos do cinema. A obra ‘’Enter the Void’’ retrata, sobretudo, a morte e suas consequências. Há quem acredite que simplesmente deixamos de existir, entretanto na obra de Noé a morte é tida como um passo a mais no processo da vida, sendo assim a reencarnação o processo que retorna ao início da existência humana. O enredo focaliza a vida de dois irmãos que sobrevivem de modo nada convencional, Oscar é traficante de drogas e Linda dançarina de boate. Logo no início a morte é mencionada e suas crenças e descrenças são expostas tendo como base o ‘’O livro tibetano dos mortos’’ até no momento em que Oscar é brutalmente assassinado pela polícia japonesa. Desde então o diretor apresenta seu talento único ao desdobrar a história, dando sentido à vida e os fatos que tragicamente foram ocorridos com os inseparáveis irmãos. Os flashbacks mesclam passado com presente e trazem certa semelhança entre ambos. Noé conduz a história com magnitude ao explorar passado, presente e futuro de maneira ímpar e a câmera do diretor é simplesmente brilhante ao filmar de diversos ângulos, seja em ‘’primeira pessoa’’, seja a câmera praticamente voando ao conectar pontos importantes da trama entre si. Quem já assistiu a alguma outra obra do diretor, sabe o quão importante é o visual em seus filmes, e em ‘’Enter the Void’’ ele o executou novamente com maestria. A beleza das imagens captadas por Noé é tamanha que chega a perturbar, devido à tamanha intensidade e quantidade de cores. Indubitavelmente, a arte visual desta obra é uma das mais belas já feitas. As características notórias de Gaspar Noé estão presentes na obra: sexo e violência explícitos, abrilhantando (se pode dizer) a beleza estética da obra. Os minutos finais revelam o verdadeiro conceito do livro dos tibetanos e fecha com brilhantismo uma obra de 155 minutos que pareceu ter menos da metade. Este é o cinema de Noé: questionador, intrínseco, inovador, psicodélico, violento e belo.
A recente comédia do diretor Gregg Araki desvirtua-se dos milhões de filmes do gênero produzidos nos Estados Unidos por percorrer rumos ousados e não repetir a fórmula da comédia-romântica com final feliz. O roteiro audacioso conta a história de Jane, uma atriz viciada em maconha considerada ‘’loser’’, que acaba por comer bolinhos com maconha. A trama desenvolve-se a partir do exato momento em que a má sorte dá as caras e faz do azar da atriz para proporcionar situações que beiram o ridículo, contudo é como dizem que a desgraça alheia faz as pessoas rirem. O fato de a história ser toda baseada no estado psicodélico (para não dizer outra coisa) que a personagem se encontra torna o longa-metragem agradável para uns e estapafúrdia para outros. Há referências de clássicos do cinema na obra de Araki como ‘’Depois da Noite’’, de Martin Scorsese e ‘’Corra, Lola, Corra’ ‘, de Tom Tykwer, contudo não há o mesmo humor refinado como no clássico do humor negro de Scorsese ou a mesma intensidade ambientada no clássico alemão. Referências à parte, ‘’Smiley Face’’ (a tradução para o Português é uma das piores já feitas) é um longa de extrema criatividade. Em suma, esta comédia explora o quão desastroso pode ser o dia de uma pessoa e a situação pode ser pior se esta estiver completamente drogada. O desfecho tragicômico encerra uma obra na qual o humor foi positivamente explorado.
Ao longo da vida existem filmes que tornam-se inesquecíveis, mas raramente há um filme magnífico, porém preferível não assisti-lo com certa frequência. É o caso da produção sul-coreana ''Cega Obsessão''. A obra retrata abertamente a obsessão e o desejo carnal e as consequências funestras que podem trazer. A trama envolve um escultor cego que, junto de sua mãe, sequestra uma bela modelo com o intuito de criar uma escultura da jovem a partir da nova arte do toque. A narrativa em primeira pessoa releva o passo a passo de sua torturante jornada. A obra ganha força no ambiente claustrofóbico e assustador que é o ateliê do escultor. O enorme galpão é compostor por diversas partes do corpo humano modeladas e implantadas na parede (seios, orelhas, olhos, bocas), revelando a obsessão pelo corpo feminino. O comportamento doentio doentio do escultor acaba por afetar sua mãe, pois ele é falsamente seduzido pela modelo e sua mãe o alerta do perigo que ele está sujeito. Contudo, o pior acontece e futuramente retornará de modo avassalador. O desenvolvimento da obra é deveras lento, mas envolvente por apresentar diálogos primorosos. Os 40 minutos restantes trazem momentos que são, no mínimo, perturbadores. O desejo carnal é expressamente amplo, porém não é o bastante para satisfazer a libído dos protagonistas, pois a obsessão pela carne dá lugar ao sadomasoquismo dilacerado. O recinto fechado e agoniante acaba por afetar a visão da modelo, que encontra-se semelhante ao seu escravo sexual. A incessante situação vivenciada não tem outro caminho a não ser a morte, a morte acompanhada pelo prazer. A obra ''Cega Obsessão'' apresenta dois fatores: é de uma maestria ímpar ao retratar a obsessão humana e carrega consigo a violência psicológica em demasia, gerando uma obra perturbadora e inesquecível.
O diretor Mario Bava realizou em ''Banho de Sangue'' uma obra que vai contra e a obviedade e tem a farsa como predominante em sua construção. Com um roteiro simples que envolve mortes misterioas em uma baía cuja beleza natural está ameaçada bela ambição exacerbada de transformá-la em um centro de poder ecônomico construído pelo home. A obra desdobra-se ao apresentar caminhos inimagináveis até então. Mario Bava usa e abusa da mente do espectador ao apresentar o assassino logo no início, e este acaba por ser brutalmente assassinado. As mortes são recorrentes na obra e são realizadas de maneira sádica, impressionando com sua extrema violência, o que veio a influenciar futuramentes obras ''slashers''. Origina-se um quebra-cabeça no qual cada personagem envolvido na trama é suspeito dos crimes, entretanto cada peça é eliminada, transformando o jogo em um grande mistério repleto de terror a ser resolvido. O desfecho da obra é deveras acelerado, pois a inserção de flashbacks acaba prejudicando o andamento e deixa um buraco no roteiro que poderia ser facilmente coberto na metade do filme. A cena final é de uma poeticidade e ironia extrema, na qual Mario Bava contradiz o pressuposto e surpreende com uma bela comicidade. No geral ''Banho de Sangue'' é satisfatório, tendo por trás das câmeras um diretor que desgarrou-se do óbvio e fez do espectador mais um participante do jogo em que o prêmio é a sobrevivência.
Mario Bava, junto com Dario Argento e Lucio Fulci formam a tríade do horror italiano. Diretores que, sem dúvida, sabem lidar com a morte causando espanto a quem assiste devido ao tamanho realismo e brutalidade com que é retratado seu cinema. Bava realizou em 1964 um giallo atemporal que tem como pano de fundo o mundo da moda. Assassinatos sucedem misteriosamente em um casarão habitado por belas e formosas modelos. É dado o ponto de partida para inúmeras suspeitas serem criadas, porém o que realmente ocasionou a onda fria de mortes foi o desejo de ambição e do mundo das drogas que esconde por trás do mundo das jovens esguias. O diretor sabe lidar com o macabro ao criar uma atmosfera extremamente soturna e obscura contendo elementos como iluminação (que em certos momentos remetem ao expressionismo alemão), a ambientação criada é sufocante, assim como a sucessão dos crimes friamente conduzida. Assim como em outros filmes do gênero, cria-se a expectativa para encontrar o verdadeiro mentor e Bava constrói de maneira ímpar o espaço de dúvida. A obra do diretor é um clássico do cinema e referência no gênero, com uma trama envolvente até o último segundo.
Reino Animal
3.6 172 Assista AgoraA estreia de David Michôd como diretor em ‘’Reino Animal’’ resultou em um filme aclamado pela crítica, sendo premiado no festival de Sundance no ano anterior.
O longa australiano envolve a história de um jovem, J, que após presenciar a morte de sua mãe por overdose de heroína é enviado à casa de sua avó e primos que pertencem ao mundo do crime. A partir daí são criados confrontos entre a família e a destruição das feitas é feita gradativamente. A incessante guerra entre crime e polícia faz com que a ‘’ovelha branca’’ da família seja o pupilo de um detetive, fazendo com que a família de sociopatas volte-se contra ele. Por mais que a premissa seja interessante, a obra desenvolve-se num ritmo desalentador e deveras maçante em que a linearidade da obra é gritante. Falava-se muito de um filme ultraviolento, contudo há poucas cenas de violência e as mesmas foram reproduzidas de maneira comum, nada impressionante. O grande trunfo da obra é, indubitavelmente, a trilha sonora consternante utilizada nos momentos de tensão e que acrescenta brilhantismo à obra. O desenvolvimento desmotivador do longa é substituído por um desfecho surpreendente que mostra que no reino animal apenas os mais fortes sobrevivem e os que estão abaixo do supremo é dependente do mesmo.
Em uma obra que alterna bons e péssimos momentos, o resultado não poderia ser outro a não ser razoável.
Sedução e Vingança
3.7 151 Assista AgoraEm seu segundo longa-metragem, ‘’Sedução e Vingança’’ o diretor Abel Ferrara expõe abertamente a insanidade e a perversão humana em uma obra aterrorizante.
A tímida e muda Thana é estuprada duas vezes no mesmo dia, porém mata o segundo estuprador com requintes de crueldade. Este é o estopim para uma série de assassinatos cometidos pela bela e até então inofensiva jovem. À medida que os dias passam a protagonista muda completamente de personalidade (e também aparência) e desfaz a aparência de garota inocente que tanto seduz para uma femme fatale imperdoável que sente prazer em matar os homens que cruzam seu caminho. Os distúrbios psicológicos da protagonista são visíveis não só para o espectador, como também para os personagens da obra, e esse derradeiro declínio resulta-se em derramamento de sangue. O longa segue com mortes em série, contudo essa constante não faz com que a obra caia na mesmice, pois o diretor abusou (no bom sentido) ao criar cenas memoráveis. O desfecho de ‘’Sedução e Vingança’’ remete à clássica cena do baile de ‘’Carrie’’, do diretor Brian de Palma, contudo o destino de Thana e Carrie são completamente diferentes.
Para Abel Ferrara, o prazer transforma-se em dor, o sexo em violência e o resultado disso é um ótimo filme sobre vingança.
Boneca Inflável
3.9 192 Assista AgoraUm homem e uma boneca inflável. Este seria o ponto de partida para uma comédia mambembe, mas não para Hirokazu Kore-eda.
O diretor japonês dá vida, literalmente, a uma boneca inflável, um instrumento que em outros filmes serviria apenas para figurar. A boneca humaniza-se e vagueia Japão afora durante a ausência de seu dono, descobrindo o novo, lugares antes inexistentes, pessoas novas. Ao longo de suas frequentes saídas, a boneca também descobre o que há no ser humano: frieza, vazio, e solidão.
A beleza da obra está na simplicidade com que ela é conduzida. O objeto inanimado que substitui o desejo carnal mostra-se humano e bondoso em um mundo onde as pessoas estão distantes de si, onde a razão para viver simplesmente inexistente, onde a incomunicabilidade, ironicamente, é o que fala mais alto.
O longa ''Boneca Inflável'' é comovente. Uma obra que com sua ternura enche os olhos de lágrimas e também causa sorrisos e não risos. Uma visão diferente do mundo humano, bela do princípio ao fim.
Cyrus
2.9 173 Assista AgoraO cinema como retrato de temas intimistas e com produção de baixo custo é o que denomina-se o ''Mumblecore'', movimento cinematográfico que mostrou com ''Cyrus'' a capacidade de fazer um filme de extrema qualidade sem recorrer às superproduções milionárias de Hollywood.
O terceiro longa dos irmãos Duplass tem a trama focada na relação humana. Os minutos iniciais apresentam o prelúdio de uma obra aparentemente carregada de humor, entretanto o drama é marcante e ambos conciliam com maestria o enredo que envolve John, um editor divorciado e desacreditado no amor que encontra casualmente Molly, a mulher dos seus sonhos em uma festa que celebra o casamento da ex-esposa do editor. O romance entre eles mostra-se promissor até o momento em que Cyrus, filho da bela mulher, aparece na vida do casal. O elo ilusório criado entre eles é brevemente colocado em dúvida e desmascarado, pois Cyrus é o mentor de tentativas insucedidas de separar o casal.
A obra desenvolve-se com o crescente conflito homem x homem, que ora traz momentos cômicos, ora reflexivos. Fragilidade e dependência são impostos e indicam a dependência do ser humano para com o outro. Por trás da aparência de cada personagem escondem-se suas fraquezas e anseios.
Os irmãos Duplass conduzem a obra com magnificência e os 90 minutos do filme literalmente voam e até o criticado uso de câmera de mão e zoom não prejudicam a plenitude desta belíssima realização.
O cinema independente revela-se promissor e ''Cyrus'' é prova disso e ainda mais, o longa é, indubitavelmente, um dos grandes filmes de 2010.
Direito de Amar
4.0 1,1K Assista AgoraA estreia de Tom Ford como diretor mostrou-se promissora em sua longa-metragem de extrema sensibilidade.
A trama gira em torno do professor George, que não conseguiu recuperar-se após a morte de seu namorado e encontra-se à beira do abismo. A obra tem como pano de fundo a gloriosa década de 1960, época em que o conservadorismo perdia sua força aos poucos e os ideais de liberdade surgiram. A homossexualidade é retratada de forma sutil, não apelando para vulgaridades ou algo do gênero. O mesmo é feito com o existencialismo vivido pelo protagonista, suas perturbações e desejos são desenvolvidos discretamente, sem exageros, sendo este o ponto principal que faz com que a obra mantenha sua regularidade. O longa é esteticamente perfeito. É notória a preocupação do diretor para com o visual, haja vista que as cores condizem com as emoções sentidas por George, alterando entre cores claras e escuras.
Tom Ford mostrou-se competente ao realizar uma obra de beleza ímpar.
O Pequeno Nicolau
4.1 965Nada como assistir a um filme no qual a inocência de uma criança é o que faz uma obra ser marcante.
A apaixonante história de Nicolau é retratada com um humor leve e descontraído. Como no fundo de fantasia, a obra desenvolve-se um de maneira onírica, típico de crianças. O garoto Nicolau preocupa-se ao saber de um suposto irmão que terá e poderá tirar seu ''trono'' de filho importante. Seu pensamento foi alimentado após o seu amigo mostrar-se insatisfeito por ter um irmão e contou aos seus amigos cada detalhe que ''resultou'' na vinda do caçula. Os pais de Nicolas agem conforme o que fora dito. Este é o ponto de partida para uma jornada encabeçada por Nicolau e seus amigos rumo ao sequestro do seu provável irmão.
O elenco mirim mostrou-se competente ao criar situações comômicas e inusitadas a partir da inocência e do medo que um dia assolou todas as crianças de um dia ''perder os holofotes'' e não ser mais o filho querido. Se as crianças criam confusão atrás de confusão, o mesmo é feito pelos adultos, especificamente os pais de Nicolau que fazem de tudo para serem aceitos no círculo social de pessoas influentes e principalmente uma promoção no trabalho.
A leveza de ''O Pequeno Nicolau'' é cativante e não há como não gostar desta obra que exprime com simplicidade a pureza de uma criança.
The Class
4.1 177Em ''A Classe'', o cinema serviu como forma de mostrar a todos o quão assustador pode ser a relação entre jovens na escola.
O título simpliesta traz consigo uma obra cujo enredo é baseado no terror na vida de dois jovens em uma escola. O bullying é recorrente na vida de Joose, jovem quieto, tímido e sem amigos que sofre abusos constantemente cometidos pelos alunos de sua sala que o odeia sem motivos plausivos. Sua situação muda no dia em que Kaspar, jovem que assistia seu sofrimento, une-se a ele, contrariando os ''princípios'' de seus amigos que são baseados na humilhação e na destruição tanto física quanto psicológica de Joosep.
O que parecia ruim, torna-se pior com o passar dos dias. A obra narra o laço afetivo criado entre os jovens ao longo de uma semana, tempo necessário para ambos serem motivos de zombação, violência descomunal e humilhação. O drama de Joosep ultrapassa os muros da escola, tendo em casa um exemplo de machismo, violência que encontra a solução para os problemas com os punhos: seu próprio pai.
A obra impressiona pelo realismo contido nas ações descabíveis dos personagens. É deveras assustador / perturbador que que o que está sendo retratado nas telas foi baseado em uma história real, e esta história é corriqueira em escolas do mundo todo, e isto é sabível graças aos veículos de comunicação que frequentemente publicam algo relacionado à violência nas escolas. A trama desenvolve-se com o crescimento dos atos desumanos de jovens perdidos e os que sofrem com suas ações veem-se assolados na amargura da rejeição. Em um longa marcado pelo drama (sem excessos), o final não poderia ser outro não ser o funestro encerramento de uma obra amarga.
Como já supracitado, o título da obra é simplosta, porém traz consigo algo nada fácil de lidar: a destruição física e psicológica de um ser. Obra-prima.
Corrida Contra o Destino
4.0 109A década de 1970 foi propíca para os chamados ''road movies''. Os Estados Unidos produziram clássicos do gênero, por exemplo, ''Corrida Contra o Destino''.
A obra do diretor Richard Sarafian retrata a história de Kowalski, um entregador de carros que tem como função entregar um Dodge Challenger em outro estado americano, porém Kowalski faz do seu trabalho uma missão crucial na qual o tempo (e outros) lutarão contra tudo, principalmente contra Kowalski.
A aventura encabeçada pelo destemível motorista é logo reconhecida pela polícia que logo o tem como um foragido e precisa interrompê-lo o quanto antes.
A notoriedade de Kowaslki faz com que ele torne-se rapidamente ''o último herói americano'', segundo palavras de um locutor de rádio que identifica-se com o homem inexpressivo e cria em Kowalski a imagem de um mito, um semideus.
A trama desenvolve-se e aos poucos a figura do simples piloto é reproduzida através de flashbacks que retratam momentos de sua vida e seus insucessos como piloto de corridas, policial e até mesmo no fatídico episódio que levou sua namorada para sempre. Esses eventos reforçam que a imagem de Kowalski não é a de um simples amante da velocidade, mas também a de um homem que, por infortúneos ao longo de sua vida, está à procura da liberdade e há de encontrá-la sem estorvos que possam impedi-lo de percorrer sua jornada.
Ambientada no início dos anos 70, a obra apresenta a sociedade da época representada, sobretudo, pelos ideias de paz, amor e repulsa à guerra, haja vista que os Estados Unidos encontravam-sem em guerra contra o Vietnã. A liberdade dá-se ao longo da jornada de Kowalski na qual ele encontra remanescentes da ideologia hippie, um senhor de idade que sobrevive à custa dos animais e um casal gay.
A trilha sonora é primorosa e mesmo hoje revive a nostalgia dos anos 70 com o soul, o funk e o hard rock explosivo da banda Mountain.
A obra segue até o seu desfecho numa ''batalha'' memorável de um guerreiro em busca de liberdade e o ''exército do mau'' que tenta, sem êxito, interrompê-lo. O desfecho, embora trágico, apresenta o dever cumprido em cenas tocantes.
A obra do diretor é um clássico que encontrou na palavra ''liberdade'' um sentido diferente de ser explicada.
Bronson
3.8 426O cinema é o caminho escolhido para muitos diretores que, através de sua inventividade, trazem ao espectador a história de um ser real que ao longo de sua vida contribuiu para algo que muitos desejam, mas nem todos conseguem obter: notoriedade.
O diretor Nicolas Winding Refn realizou uma obra focada em um personagem não muito conhecido no Brasil, mas de renome na Europa por ser o prisioneiro mais conhecido da história da Inglaterra. Ao ler o título ''Bronson'' vem em mente o astro de filmes de ação dos anos 70 e 80, contudo a referência do ator serve apenas para o protagonista da obra.
O longa retrata a vida de Michael Peterson, um homem que tem a cadeia como berço acolhedor ao longo de mais de três décadas. Seu feito deve-se pela busca incessante de popularidade e reconhecimento que o leva a cometer crimes bárbaros. Através de flashbacks são apresentados momentos da infância e da adolescência de Michael que mostram seu descontrole e temperamento explosivo.
Entretanto, o que poderia ser um filme extremamente perturbador por mostrar a violência de modo explícito, torna-se cômico em diversos momentos por trazer inserções do próprio Bronson apresentando monólogos em forma de espetáculo teatral. A obra desenvolve-se na constante transição de locações de Bronson, e isso torna a obra um tanto enfadonha, até o instante que o Bronson performático retorna e abrilhanta a obra.
Fala-se muito da relação da obra de Refn com o clássico ''Laranja Mecânica'', contudo a relação entre ambos é apenas pela ultraviolência (feita magistralmente), uma vez que a relação a relação de Bronson com a violência não envolve questões políticas, sua ''arte'' é cometer crimes e fazer do seu alterego uma celebridade. A relação de Refn com a violência é expôr o comportamento insano de Bronson. O longa não é uma mera cópia do clássico de Kubrick, muito pelo contrário, ambas diferem-se e devem ter seu mérito reconhecido.
No mais, ''Bronson'' é uma realização interessante sobre os limites do ser humano e a obra mostra-se assustadoramente engraçada.
Eliminação
3.6 10Um giallo quase sempre certeza de uma obra satisfatória, um giallo psicodélico tem como resultado uma obra experimental magnífica.
O diretor Tinto Brass realizou ''Com O Coração na Garganta'' no ano da psicodelia, 1967, a obra segue a tradição do bom e velho giallo: assassinatos, dúvidas, mistérios e a descoberta do assassinato, contudo o longa diferenciaa-se de outros do gênero por adotar a psicodelia que tanto influenciava na época e consequentemente resultou em uma obra de deleite visual. O longa apresenta a imagem histórica da liberdade de expressão da juventude através da música (esta faz parte da trilha sonora), mas o grande trunfo da obra dá-se por conta dos efeitos visuais aplicados, cenas ora extremamente coloridas (referência à arte pop), ora em preto e branco, sem contar o splitscreen (tela dividida em três). Tinto Brass conduz a obra a um giallo despretensioso que não tem como característica o suspense, e sim o entretenimento, pois há momentos de comédia distribuídos na dose certa.
No mais, ''Com O Coração na Garganta'' é uma obra que claramente tem o enredo como segundo plano, contudo é construído sublimemente e fez de um giallo uma experiência divertida.
Retrato de um Assassino
3.5 187Pouco mais de 75 minutos foram necessários para trazer ao cinema a história de Henry Lee Lucas.
Por trás da aparência de um homem simplório, esconde a personalidade de um psicopata cruel e violento. A obra não segue à risca a biografia do assassino Henry, entretanto a realização cinematográfica é excelente.
No início do longa são apresentados os rastros de sangue deixados por Henry. O psicopata tinha um aliado à sua altura, seu parceiro de crimes Ottis. Juntos eles cometem crimes de tamanha crueldade e muitas das vezes ambos viam o crime como passatempo. A atmosfera criada é soturna e aliada à trilha sonora torna a obra aterrorizante.
A obra não trilha apenas caminhos perigosos, em contrapartida é exposta a sensibilidade de uma jovem, Becky, irmã de Ottis, que vê em Henry um homem de dignidade e de confiança. O preço da inocência é pago com sangue em um desfecho cru e incisivo.
O longa é violento e atordoante e por mais que tenha distorcido e ou não supracitado certos momentos da vida de Henry, é uma exímia realização do retrato de um serial killer.
Medo
3.6 158Existem inúmeros filmes sobre serial killer, a quantidade diminui significativamente quando a qualidade é questionada e, com certeza, ''Angst'' está em um dos mais altos escalões do cinema.
Os personagens não têm nome, mas suas características são marcantes. O longa inicia-se com som de gotas caindo (representação do sangue?) e o protagonista é apresentado causando certo desconforto com sua aparência. O psicopata é solto após longos anos de prisão e mostra-se ciente de que sua sede por crime será impossível de ser interrompida. O psicopata encontra como vítimas uma família aparentemente distante de si: um homem cadeirante com problemas mentais, uma senhora de idade e uma bela jovem.
A violência é distribuída fria e gratuitamente, ações dignas de um psicopata que proporciona momentos arrepiantes de tensão. A perturbação do psicopata é contada pelo próprio, fazendo de suas falas (ou desabafos) um complemento para a obra ao simplificar o motivo de seus crimes, o que normalmente ocorre por ter uma família desestruturada que não cuida do filho e ou acaba deixando-o ao esmo / marasmo, sem saída para sobreviver decentemente.
O diretor Gerald Kargl conduz a obra com extrema competência ao retratar a insanidade do psicopata através de diversos ângulos. A influência de ''Angst'' é tamanha que o diretor Gaspar Noé assume este filme ser sua inspiração, tanto na narrativa quanto no modo de filmagem. A obra finaliza e torna justificáveis as mortes, segundo o mentor das próprias: causar medo e atenção nos outros.
''Angst'' não é apenas um filme sobre serial killer, é uma obra brilhante que mergulha profundamente na mente insana de um homem que conduz seus próprios passos.
71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso
3.7 73O diretor Michael Haneke finaliza brilhantemente a trilogia da incomunicabilidade com o formidável ''71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso''.
O longa é o mais instigante da trilogia, nos primeiros minutos é apresentado o prenúncio, ou melhor, o enceramento da obra que resumidamente diz: ''Em 23 de dezembro de 1993, um jovem entrou armado em um banco, atirou e matou 3 pessoas e logo depois suicidou-se''. Após o prólogo que noticia algo corriqueiro nos dias atuais, a obra segue, como o título sugere, apresentando fragmentos de vidas de pessoas distintas que têm algo em comum: apesar de suas discrepâncias gritantes, todos apresentam uma fragilidade carregada consigo. Haneke apresenta o quebra-cabeça e aos poucos completa as peças com o desenvolvimento da obra que é lento (típico do diretor), porém envolvente. Os fragmentos trazem à tona a grande deficiência do ser humano: a falta de comunicação. Aliado às cenas desconexas do cotidiano de cada personagem também é apresentado o crescimento da violência no mundo, o que seria explicaria a explosão da mente humana para cometer atos de intensa crueldade.
O desfecho da obra é de uma magnitude ímpar, pois Haneke une os personagens envolvidos e faz da união um encontro trágico que reflete a desgraça ocorrida não como um ato de demência, e sim como a assolada falta de comunicação entre os seres humano.
O encerramento desta bela trilogia não só provou que a maestria de Michael Haneke não veio do acaso, como também provou que a tão temível incomunicabilidade é assustadora e real.
O Vídeo de Benny
3.6 231O diretor Michael Haneke deu continuidade à trilogia da incomunicabilidade com ''O Vídeo de Benny'', uma de suas obras mais aclamadas.
O diretor austríaco expõe seu ponto de vista do ser humano de maneira sórdida (e por que não?) receosa. A trama envolve Benny, um jovem recluso que vive isolado em seu quarto tendo como companhia a televisão e o seu vídeo cassete, este último considerado o ápice da tecnologia no início dos anos 90. A distância de seus pais, tanto física quanto emocional, dá para Benny liberdade total para fazer o que bem entender, contudo ele aproveita erroneamente matando cruelmente uma jovem dentro de seu quarto e, ainda por cima, grava os últimos momentos de sua vida.
É clarividente a crítica feita por Haneke quanto ao isolamento dos pais para com os filhos, assim como a televisão aliena o espectador com seu extenso conteúdo de violência.
A primeira metade da obra é simplesmente brilhante, pois Haneke conduz com extrema frieza a perversidade humana e logo no início é apresentada a perturbadora violência que desmorona a mente do espectador. Entretanto, a obra segue num ritmo maçante no qual as alões demoram a acontecer e perdem o impacto estarrecedor do começo, contudo é impressionante como o diretor retrata a falta de amabilidade do ser humano para com o outro, fazendo crer que o descaso entre os alheios torne-se pleno e a vida perde seu valor.
Por mais que o longa decepcione em alguns momentos, os pontos positivos sobressaem-se a obra que encerra de modo inusitado. Michael Haneke novamente mostra ser o diretor que desacredita no ser humano e transmite isso fria e dolorosamente.
O Sétimo Continente
4.0 174 Assista AgoraMichael Haneke é um diretor cruel. A violência explorada em seus filmes não é gratuita, apelativa ou sanguinolenta. O diretor retrata de modo crudelíssimo explorando o psicológico.
Em ''O Sétimo Continente'', seu primeiro filme e também o iniciador da trilogia da incomunicabilidade seguida por ''O Vídeo de Benny'' (1992) e ''71 Fragmentos de Uma Cronologia do Acaso'' (1994), é representada a história de uma família bem sucedida que aparentemente não possuiu algum empecilho em sua vida, entretanto há um problema e este deve-se pelo vazio que convive com cada membro da família.
A atmosfera da obra é deveras sufocante ao mostrar a vida rotineira de cada ser da família, a ausência de comunicação entre eles, o pavor social e o insaciável desejo de morte. Não há prazer na vida quando tudo desmotiva. Michael Haneke acompanha o passado a passo da perda de sanidade que cresce constantemente de maneira descomunal que impressiona pela frieza do ser humano. Os minutos finais são atordoantes e o desfecho da obra é assaz assustador.
No mais, ''O Sétimo Continente'' é uma obra de qualidade indiscutível que aplica um golpe fatal na mente de quem assiste.
A Garota Ideal
3.8 1,2K Assista AgoraO diretor Craig Gillespie realizou em ''A Garota Ideal'' o que se pode chamar de um estudo psicológico em forma de arte.
A trama envolve Lars, um rapaz instropectivo e de poucos amigos que leva uma vida pacata e não muito animadora no interior dos Estados Unidos. Sua situação reverte-se com a chegada de uma boneca quase humana comprada por ele na internet, fazendo dela sua namorada. O que de início parecia ser descabível, tornou-se uma história de compaixão e compreensão alheia. Com doses de comédia e drama distribuídas na medida certa, ''A Garota Ideal'' é um filme envolvente que provoca risos e choros sem a necessidade do apelo emocional.
O protagonista, brilhantemente interpretado por Ryan Gosling serve como referência para muitos dos seres humanos: solitário, tímido, teme o contato com outros, enfim, o verdadeiro retrato de tempos em que as pessoas se afastam de si, de tudo e de todos. A obra explora com sutileza os distúrbios de um homem que encontra conforto em um ser inanimado.
Não há como não se apaixonar por esse filme e a complacência que carrega consigo mostra que por mais perdidos que uma pessoa esteja de si, haverá um ombro amigo para reerguê-lo e apoiá-lo. Uma bela lição.
A Rede Social
3.6 3,1K Assista AgoraSe antes restava alguma dúvida quanto à grandeza de David Fincher na atual Hollywood, qualquer incerteza foi retirada com a realização de ‘’A Rede Social’’.
A recente obra do diretor é a definição do cinema na primeira década, pois retrata o fascínio do ser humano pela tecnologia que é mostrada com a criação do Facebook. O longa-metragem traz a história de Mark Zuckerberg e suas conquistas e derrotas ao longo de pouco mais de cinco anos. A perspicácia de um jovem pródigo que se torna influente no mundo todo é tida como um grande empecilho para pessoas que o vê como rival e decidem tirar proveito da situação.
Por trás do tema proposto, a obra explora a personalidade da juventude hoje em dia (solitários, dependentes, problemáticos) e o retrato da mocidade é feito com realismo assustador.
O diretor conduz a obra com maestria, diálogos envolventes e rapidamente replicados (a dinamicidade da obra deve-se a isso) o elenco como um todo funcionou com êxito, a fotografia do filme é belíssima e a direção mais que segura.
Em suma, David Fincher consolidou sua carreira como cineasta com este filme que indubitavelmente será considerado clássico da nossa era.
Em Minha Pele
3.3 87Marina de Van em seu longa-metragem de estreia traz às telas uma obra extremamente perturbadora e atordoante ‘’Dans Ma Peau’’.
O enredo envolve Esther, uma funcionária em ascensão de uma importante empresa e tem uma vida estável ao lado de seu namorado atencioso, Vincent. Sua vida é deveras digna, até que um acidente tolo transforma sua vida de cabeça pra baixo. O longa, dirigido e protagonizado pela própria Marina de Van, explora a obsessão de uma mulher para com o seu próprio corpo. Um acontecimento fortuito ocasionou em sua própria autodestruição, ou melhor dizendo, o autocanibalismo. A dor, ou a ausência dela é retratada através de takes longos que trazem a depreciação/deformação de uma mulher. A dor, ou a ausência dela é intensa e perturbadora, não deixando de lado a leveza com que é conduzida, contudo a obra limita-se muito a mostrar o grau de desejo pela própria carne, o que é uma pena, pois a atmosfera da obra poderia ser mais desenvolvida, o desfecho que é deveras desanimador. Outro ponto a ser supracitado é o porquê de tamanha obsessão: se era pelo trabalho, pela vida conjugal, descontentamento pela aparência, ou simplesmente aconteceu por acontecer.
No mais, ‘’Dans Ma Peau’’ é uma obra perturbadora, não recomendável para os mais sensíveis, e não deixa de ser um tanto rasa por prolongar exaustivamente e ter um desfecho desalentador.
Tudo Pode Dar Certo
4.0 1,1KNada como assistir a um Woody Allen em plena forma. O diretor que tantas vezes protagonizou suas obras teve em ‘’Tudo Pode dar Certo’’ um substituto a altura que muito lembra o personagem pessimista, crítico, existencial e, sobretudo, hilário.
De volta à velha e querida Nova York, Woody Allen exibe a história de um senhor nada simpático chamado Boris Yellnikoff que enxerga o mundo como nenhum outro o faz. Resumidamente, Boris acredita que o mundo não é bom para se viver graças às pessoas que o tornam deplorável com o passar do tempo. Seu sentimento de superioridade faz com que Boris seja ranzinza com crianças, adolescentes, amigos e confabule com o espectador de maneira espetacular. A vida do protagonista muda completamente quando aparece uma jovem que traçará rumos diferentes ao lado do ‘’alter ego’’ de Woody Allen. Boris pode parecer uma péssima pessoa para conviver, entretanto seu mau humor é cativante e seus conceitos sobre o amor são, no mínimo, cabíveis. O humor contido no filme é aplicado em doses cavalares em diálogos marcantes e cômicos feitos de modo ligeiro. A ousadia de Allen dá-se por conta de reproduzir em sua obra temas como: homossexualismo, adultério, relação entre seres de idades de dispersas aliado ao sempre hilário jeito do diretor lidar com religião e as desgraças que assolam o mundo perdido. Entre situações desesperadoras (e não menos engraçadas), a obra encerra com final feliz (o que não é notório no cinema do diretor), contudo foi o mais viável em uma obra que escancara a dualidade do ser humano e faz refletir na longevidade do amor entre os seres é verdadeira ou não
Woody Allen repete a fórmula e o resultado final é sempre satisfatório, o que faz com que ele sempre seja aclamado como um dos grandes diretores não só da atualidade, mas de todos os tempos.
Enter The Void: Viagem Alucinante
4.0 871 Assista AgoraGaspar Noé é referência quando se fala do cinema contemporâneo. Seus filmes contêm uma atmosfera única que deixa o espectador aturdido, aditado com seus enredos perturbadores. Em seus longas-metragens anteriores ‘’Sozinho Contra Todos’’ (1998) e ‘’Irreversível’’ (2002), o diretor franco-argentino mostrou à sétima arte o seu cartão de visitas. E com o tão esperado ‘’Enter the Void’’, o diretor confirmou sua importância em um dos escalões mais altos do cinema.
A obra ‘’Enter the Void’’ retrata, sobretudo, a morte e suas consequências. Há quem acredite que simplesmente deixamos de existir, entretanto na obra de Noé a morte é tida como um passo a mais no processo da vida, sendo assim a reencarnação o processo que retorna ao início da existência humana.
O enredo focaliza a vida de dois irmãos que sobrevivem de modo nada convencional, Oscar é traficante de drogas e Linda dançarina de boate. Logo no início a morte é mencionada e suas crenças e descrenças são expostas tendo como base o ‘’O livro tibetano dos mortos’’ até no momento em que Oscar é brutalmente assassinado pela polícia japonesa. Desde então o diretor apresenta seu talento único ao desdobrar a história, dando sentido à vida e os fatos que tragicamente foram ocorridos com os inseparáveis irmãos. Os flashbacks mesclam passado com presente e trazem certa semelhança entre ambos. Noé conduz a história com magnitude ao explorar passado, presente e futuro de maneira ímpar e a câmera do diretor é simplesmente brilhante ao filmar de diversos ângulos, seja em ‘’primeira pessoa’’, seja a câmera praticamente voando ao conectar pontos importantes da trama entre si. Quem já assistiu a alguma outra obra do diretor, sabe o quão importante é o visual em seus filmes, e em ‘’Enter the Void’’ ele o executou novamente com maestria. A beleza das imagens captadas por Noé é tamanha que chega a perturbar, devido à tamanha intensidade e quantidade de cores. Indubitavelmente, a arte visual desta obra é uma das mais belas já feitas. As características notórias de Gaspar Noé estão presentes na obra: sexo e violência explícitos, abrilhantando (se pode dizer) a beleza estética da obra. Os minutos finais revelam o verdadeiro conceito do livro dos tibetanos e fecha com brilhantismo uma obra de 155 minutos que pareceu ter menos da metade.
Este é o cinema de Noé: questionador, intrínseco, inovador, psicodélico, violento e belo.
Smiley Face: Louca de Dar Nó
3.3 216A recente comédia do diretor Gregg Araki desvirtua-se dos milhões de filmes do gênero produzidos nos Estados Unidos por percorrer rumos ousados e não repetir a fórmula da comédia-romântica com final feliz.
O roteiro audacioso conta a história de Jane, uma atriz viciada em maconha considerada ‘’loser’’, que acaba por comer bolinhos com maconha. A trama desenvolve-se a partir do exato momento em que a má sorte dá as caras e faz do azar da atriz para proporcionar situações que beiram o ridículo, contudo é como dizem que a desgraça alheia faz as pessoas rirem. O fato de a história ser toda baseada no estado psicodélico (para não dizer outra coisa) que a personagem se encontra torna o longa-metragem agradável para uns e estapafúrdia para outros. Há referências de clássicos do cinema na obra de Araki como ‘’Depois da Noite’’, de Martin Scorsese e ‘’Corra, Lola, Corra’ ‘, de Tom Tykwer, contudo não há o mesmo humor refinado como no clássico do humor negro de Scorsese ou a mesma intensidade ambientada no clássico alemão. Referências à parte, ‘’Smiley Face’’ (a tradução para o Português é uma das piores já feitas) é um longa de extrema criatividade.
Em suma, esta comédia explora o quão desastroso pode ser o dia de uma pessoa e a situação pode ser pior se esta estiver completamente drogada. O desfecho tragicômico encerra uma obra na qual o humor foi positivamente explorado.
Cega Obsessão
4.0 44Ao longo da vida existem filmes que tornam-se inesquecíveis, mas raramente há um filme magnífico, porém preferível não assisti-lo com certa frequência. É o caso da produção sul-coreana ''Cega Obsessão''.
A obra retrata abertamente a obsessão e o desejo carnal e as consequências funestras que podem trazer. A trama envolve um escultor cego que, junto de sua mãe, sequestra uma bela modelo com o intuito de criar uma escultura da jovem a partir da nova arte do toque. A narrativa em primeira pessoa releva o passo a passo de sua torturante jornada.
A obra ganha força no ambiente claustrofóbico e assustador que é o ateliê do escultor. O enorme galpão é compostor por diversas partes do corpo humano modeladas e implantadas na parede (seios, orelhas, olhos, bocas), revelando a obsessão pelo corpo feminino.
O comportamento doentio doentio do escultor acaba por afetar sua mãe, pois ele é falsamente seduzido pela modelo e sua mãe o alerta do perigo que ele está sujeito. Contudo, o pior acontece e futuramente retornará de modo avassalador.
O desenvolvimento da obra é deveras lento, mas envolvente por apresentar diálogos primorosos. Os 40 minutos restantes trazem momentos que são, no mínimo, perturbadores. O desejo carnal é expressamente amplo, porém não é o bastante para satisfazer a libído dos protagonistas, pois a obsessão pela carne dá lugar ao sadomasoquismo dilacerado. O recinto fechado e agoniante acaba por afetar a visão da modelo, que encontra-se semelhante ao seu escravo sexual. A incessante situação vivenciada não tem outro caminho a não ser a morte, a morte acompanhada pelo prazer.
A obra ''Cega Obsessão'' apresenta dois fatores: é de uma maestria ímpar ao retratar a obsessão humana e carrega consigo a violência psicológica em demasia, gerando uma obra perturbadora e inesquecível.
Banho de Sangue
3.5 124O diretor Mario Bava realizou em ''Banho de Sangue'' uma obra que vai contra e a obviedade e tem a farsa como predominante em sua construção.
Com um roteiro simples que envolve mortes misterioas em uma baía cuja beleza natural está ameaçada bela ambição exacerbada de transformá-la em um centro de poder ecônomico construído pelo home. A obra desdobra-se ao apresentar caminhos inimagináveis até então. Mario Bava usa e abusa da mente do espectador ao apresentar o assassino logo no início, e este acaba por ser brutalmente assassinado. As mortes são recorrentes na obra e são realizadas de maneira sádica, impressionando com sua extrema violência, o que veio a influenciar futuramentes obras ''slashers''.
Origina-se um quebra-cabeça no qual cada personagem envolvido na trama é suspeito dos crimes, entretanto cada peça é eliminada, transformando o jogo em um grande mistério repleto de terror a ser resolvido.
O desfecho da obra é deveras acelerado, pois a inserção de flashbacks acaba prejudicando o andamento e deixa um buraco no roteiro que poderia ser facilmente coberto na metade do filme. A cena final é de uma poeticidade e ironia extrema, na qual Mario Bava contradiz o pressuposto e surpreende com uma bela comicidade.
No geral ''Banho de Sangue'' é satisfatório, tendo por trás das câmeras um diretor que desgarrou-se do óbvio e fez do espectador mais um participante do jogo em que o prêmio é a sobrevivência.
Seis Mulheres Para o Assassino
3.9 89Mario Bava, junto com Dario Argento e Lucio Fulci formam a tríade do horror italiano. Diretores que, sem dúvida, sabem lidar com a morte causando espanto a quem assiste devido ao tamanho realismo e brutalidade com que é retratado seu cinema.
Bava realizou em 1964 um giallo atemporal que tem como pano de fundo o mundo da moda. Assassinatos sucedem misteriosamente em um casarão habitado por belas e formosas modelos. É dado o ponto de partida para inúmeras suspeitas serem criadas, porém o que realmente ocasionou a onda fria de mortes foi o desejo de ambição e do mundo das drogas que esconde por trás do mundo das jovens esguias. O diretor sabe lidar com o macabro ao criar uma atmosfera extremamente soturna e obscura contendo elementos como iluminação (que em certos momentos remetem ao expressionismo alemão), a ambientação criada é sufocante, assim como a sucessão dos crimes friamente conduzida. Assim como em outros filmes do gênero, cria-se a expectativa para encontrar o verdadeiro mentor e Bava constrói de maneira ímpar o espaço de dúvida.
A obra do diretor é um clássico do cinema e referência no gênero, com uma trama envolvente até o último segundo.