A comédia adolescente ‘The DUFF’ é mais uma das provas de que não há nada de errado com clichês, desde que estes sejam utilizados corretamente.
Sim, esse filme é um mar de clichês. Todos aqueles repetidos exaustivamente em filmes do gênero estão aqui. Temos a garota mais popular da escola, que é linda e malvada e que namora o capitão do time; este é igualmente encantador e babaca, e vai precisar de ajuda para passar em alguma matéria; temos os professores que tem a impressão de que estão dizendo e/ou fazendo algo inspirador, quando na realidade nada faz sentido; temos a garota que é inteligente, mas não se encaixa nos padrões; temos suas amigas mais populares; temos a “assistente da vilã”; temos a mãe excêntrica; temos o garoto que parece ser perfeito, mas que em algum momento se mostrará um idiota. Já vimos esses conceitos uma centena de vezes.
A trama se baseia no livro de Kody Keplinger, inédito no Brasil, e segundo informações, só traz dele o escopo geral e o nome dos personagens. A trama simples e os elementos clichê que citei acima são ingredientes suficientes para o diretor Ari Sandel desenvolver o tipico ‘feel good movie’. Leve, gostoso de assistir e com uma mensagem de aceitação bem bacana, sem falar na crítica ao comportamento adolescente em épocas de redes sociais. Uma das melhores piadas do filme é feita com os “critérios” para alguém compartilhar algo no facebook.
A química do elenco é essencial para o bom desenvolvimento da história. Robbie Amell contribui sendo um rostinho bonito, mas sua canastrice também colabora com as atitudes de seu personagem, e ele e Whitman parecem se divertir muito trabalhando juntos. Ken Jeong e Allison Janney são os comediantes de maior peso no elenco, mas ambos são subaproveitados em seus papéis. Poucos de seus momentos funcionam, realmente.
Enfim, ‘The DUFF’ não é extraordinário, mas é divertido e cumpre seu papel. Tem cara de Sessão da Tarde e se junta a ‘Patricinhas de Beverly Hills’, ‘Meninas Malvadas’ e ‘A Mentira’ no rol de comédias adolescentes bobinhas, mas que todo mundo gosta.
Não há problemas na existência de filmes ruins, há problema quando uma ideia aparentemente muito boa é desperdiçada em um filme ruim. É exatamente o caso desse ‘Renascida do Inferno’.
A discussão acerca de ciência versus religião trazida pelo título original – O efeito Lázaro – e pelos minutos iniciais do filme, não se sustenta graças ao texto didático e cheio de incongruências que nos é apresentado. As implicações científicas e espirituais são passadas em diálogos rasos e bem pouco inspirados, por um elenco que aparentemente não acreditava no que estava fazendo. A maneira como a equipe reage a fantástica descoberta dá uma noção de que nem os atores estavam levando o filme a sério.
Nem mesmo os jump scares são bem feitos aqui, os poucos momentos que seriam assustadores, são telegrafados demais para funcionarem. Sem falar na repetição de seus próprios artifícios, animais aparentemente mortos que pulam de repente, três vezes pelo menos. Pessoas que chegam de mansinho para assustar a outra, pelo menos duas. Passa e muito dos limites da falta de criatividade.
Pra não dizer que o filme só tem defeitos, Olivia Wilde se salva em meio ao elenco apático. Ela convence como a jovem e apaixonada cientista religiosa, e não decepciona como a aberração psicótica que se torna no segundo ato. A sensação de confinamento escolhida para driblar a falta de orçamento também funciona em prol da narrativa, e não soa como forçação de barra.
No fim das contas, pouca coisa vale a pena em ‘Renascida do Inferno’, a inicialmente atrativa discussão ‘fé vs ciência’, se transforma em uma somatória desastrada das duas, onde o roteiro se torna incapaz de responder satisfatoriamente a principal questão do longa. Sem falar que o diretor David Gelb se rende a “espetacularização” dos vilões de filme de terror, onde o antagonista se torna praticamente um X-Men, bem ao estilo do remake de ‘Carrie, a estranha’. Dispensável.
O filme marca a estreia de Courteney Cox na direção, que faz um trabalho correto e simples. Tecnicamente o longa não possui grandes méritos, mas também não possui defeitos comprometedores. A fotografia é comum, a trilha sonora quase passa despercebida e as tomadas e ângulos escolhidos são tão padronizadas quanto é possível.
O tom do filme pode acabar confundindo algumas pessoas, pois os momentos de maior comédia trazem um humor que transita entre o escatológico e o nonsense, enquanto as faixas mais dramáticas tratam de temas mais densos como homofobia, racismo, dramas familiares de vários tipos e a questão do suicídio em si. Não é exatamente um defeito, mas as transições entre esses temas pode parecer meio abrupta para alguns.
A recepção desse filme não dependerá apenas de suas qualidades ou defeitos, mas principalmente da vivência de cada espectador. Sim, ele tem alguns vícios e clichês da maioria das dramédias de auto-ajuda, mas acredito que soará menos bobo para qualquer leitor que, em algum ponto da vida, tenha alcançado um limite, algum ponto em que o simples ato de levantar-se da cama tenha se tornado um desafio. O famoso ponto de ruptura. Tenho certeza que qualquer um que tenha chegado a isso, ou pelo menos próximo disso, terá uma compreensão maior e uma recepção mais empática com a obra.
A atuação de Sean William Scott é coerente, pois seu personagem é propositalmente apático (ou vazio, como é dito no filme), então a expressão aparentemente desinteressada e confusa dele cai bem, mas é difícil achar a linha entre o que é atuação e o que é limitação. A sempre linda Olivia Thirlby manda muito bem, assim como Kyle Gallner. Garret Dillahunt, Kate Walsh, Rob Riggle e David Arquette seguram bem os momentos mais cômicos.
Enfim, é um bom filme, com uma mensagem clichê, mas bonita e muito válida. Mostra que na maioria dos casos, nem tudo é tão ruim quanto parece, e que as vezes a melhor maneira de lidar com nossos problemas e fragilidades, seja conhecendo a dos outros.
O cinema indiano é cheio de pérolas que não chegam ao conhecimento do grande público graças ao preconceito com as produções do país, principalmente pelo histórico trash da tão produtiva Bollywood. Uma pena, mas espero que ‘N.H 10′ não sofra desse mal.
O diretor Navdeep Singh conseguiu driblar grande parte dos defeitos técnicos que geralmente são vistos nas produções indianas. É claro que algumas precariedades ainda são vistas, assim como os vícios na edição e na montagem do longa, mas nada que o torne estranho demais para aqueles que não estão habituados. A trama se desenrola de maneira ágil e nos apresenta um intenso thriller de perseguição, lembrando um pouco o clássico ‘A Morte Pede Carona’.
Mas o maior mérito aqui é o teor crítico do longa, que nos mostra a retrógrada e machista sociedade indiana, e todos os males que o sistema de castas trás para aquele povo. Nos encontramos em uma realidade desumana, onde vemos da maneira mais brutal possível o que é não ter voz pelo simples fato de ser mulher. Vemos que essa politica de detração está tão enraizada na sociedade, que as tentativas de resistir a ela não são encorajadas nem por quem sofre com a situação. Em algumas cenas é mostrado de maneira brilhante o modo como uma falsa superioridade precisa usar a força para tentar controlar algo que se recusa, por motivos óbvios, ser controlado.
Mas todo esse ódio, crueldade, desprezo e desrespeito serve para construir o satisfatório, porém levemente previsível desfecho do filme. Enfim, ‘N.H 10′ é um filme intenso, cru e brutal, parte de um plot revoltante, mas consegue ter uma conclusão catártica, para dizer o mínimo.
Logo de cara vemos de onde vem as inspirações de Mitchell, que além de escrever, também dirige o longa: John Carpenter, o mestre do terror e suspense oitentista pulsa na tela enquanto assistimos ao filme. A maneira de filmar, rodeando personagens e espiando cada canto dos cenários, além da excelente trilha sonora sintética que tem um ar psicodélico e abstrato, evocam a identidade do mestre e caem como uma luva na construção da obra. O tom abstrato, aliás, vai muito além da trilha. A natureza misteriosa da ameaça, além do clima atemporal desse filme, que possui tecnologias modernas misturadas com toda uma construção visual vintage, reforçam essa sensação e criam uma identidade própria para o projeto.
Todos esses aspectos estão aliados a um trabalho de direção excepcional, com enquadramentos perfeitos e uma fotografia inspirada, que consegue encontrar beleza nos cantos mais obscuros do subúrbio de uma lúgubre Detroit. O elenco talvez seja o ponto fraco aqui, com exceção da protagonista, que manda muito bem na hora de demonstrar o peso e o terror de ser perseguida, os outros personagens são fracos e sem carisma. Tem que se dizer que os fãs de filmes de terror mais gráficos e intensos vão se decepcionar um pouco, ‘Corrente do Mal’ trabalha com construção de clima, um suspense crescente que combina com o modus operandi da entidade perseguidora. Quase não há jump scares aqui, e apenas uma sequência é mais “sangrenta” por assim dizer.
Existe um teor metafórico na obra também, apesar de ser fácil relacionar imediatamente o tema com o sexo sem proteção e DSTs (viés que perde a força com a “necessidade” de passar adiante), podemos ter uma leitura mais social, também, como se a premissa estivesse se relacionando com a perda da virgindade na adolescência e/ou durante a escola, tratando-a (puritanamente, é verdade) como um “peso” que os jovens (principalmente as jovens) vão carregar, e alegando que serão julgados por isso.
Enfim, ‘Corrente do Mal’ é um bom filme, mais suspense do que terror, eu diria, mas competente nisso. Com uma pericia técnica invejável e uma trama intrigante. O final pode não ser o mais apropriado, mas não tira os muitos méritos da obra. Vale muito a pena.
Trabalhar com viagens ou linhas temporais sempre é um desafio para roteiristas e diretores, qualquer deslize ou incoerência na hora de lidar com as lógicas e consequências dos atos dos personagens pode arruinar os planos da obra. Bradley King e B.P. Cooper, respectivamente diretor e roteirista, entram para o seleto grupo de pessoas que conseguiram.
Time Lapse entra para o belo time de ficções cientificas de baixo orçamento que merecem ser vistas, mesmo com a temática sendo batida, a abordagem é original. A trama explora a imprevisibilidade do ser humano, seus instintos de sobrevivência, sua ganância, seus desejos e a maneira como a convergência desses fatores pode acabar tragicamente. Palmas para o roteiro que passa com simplicidade por esses temas. É verdade que o excesso de simplicidade pode ser visto como defeito aqui também, a maneira de ganhar dinheiro que os amigos escolhem parece ser a mais arriscada e menos rentável de todas. Outro ponto positivo fica com a ausência de explicações desnecessárias a respeito do funcionamento da máquina. Ela funciona e ponto, acredite em mim.
Tecnicamente o filme conhece seus limites, sabe aproveitar seus poucos cenários, mas sem tanta inventividade por parte do realizador. O elenco principal vai bem, mesmo com a presença de Danielle Panabaker, que não me convence em papel nenhum (pra mim, ela é a pior personagem/atriz de The Flash). Enfim, Time Lapse é um bom filme, tem problemas, como um pseudo-plot-twist que não convence tanto, mas termina em uma média bastante positiva. Vale a investida.
Ás vezes, ao fim de um relacionamento, fica a sensação de que a tristeza que se instaura faz o tempo andar mais devagar. Estendendo o sofrimento e a melancolia de ver os cacos daquilo que foi construído. É assim que se encontra a vida de Ben Willis (Sean Biggerstaff), um estudante de arte que acaba de sair de um longo relacionamento. Para piorar, ele foi “dominado” por uma insônia que praticamente aumentou sua vida em um terço, já que as oito horas que ele passaria dormindo, agora são dedicadas a relembrar e ruminar esse rompimento em sua mente. Para ocupar esse período, ele arruma um emprego no turno da madrugada em um supermercado, onde terá a oportunidade de encontrar novas maneiras de lidar com o tédio e com a separação.
Passeando entre gêneros, ‘Cashback’ dosa momentos do mais típico humor britânico, principalmente na cena da partida de futebol, com insights de dramas existencialistas e quantidades consideráveis de comédia romântica. E apesar da mistura não soar tão desejável, o resultado é bastante gratificante. O roteiro, apesar de simples, é muito bem escrito e utiliza dos personagens e de seus relacionamentos para explorar temas como a influência do tempo na vida das pessoas, oportunidades perdidas e é claro, o amor.
A busca pelo amor durante a juventude é um tema clichê, e sim, esse peso é sentido aqui, a trama é um apanhado de trivialidades e estereótipos, mas a maneira com que o protagonista lida com eles é que se destaca. Mesmo com algumas reflexões traduzidas em frases de efeito, a mensagem é passada de maneira leve e despretensiosa. No meio disso ainda temos um estudo sobre a visão de um artista sobre a beleza, mostrada aqui pela admiração do personagem para com o corpo feminino (o filme tem muita nudez, mas não de maneira “pornográfica”).
O elenco não conta com nenhuma atuação espetacular, mas todos os atores funcionam em prol do filme. A fotografia merece aplausos, linda, aliada a uma iluminação primorosa e a cenários muito bem escolhidos. Destaque também para a montagem fluída, que cria transições interessantes e criativas entre as cenas, principalmente as que trazem flashbacks da infância de Ben. Efeitos e invenções visuais simpáticas e úteis para a narrativa ajudam a coroar o excepcional trabalho técnico do longa.
Enfim, o diretor e roteirista Sean Ellis junta conceitos batidos, gêneros “conflitantes” e um trabalho visual característico, põe tudo na mesma panela e entrega um filme leve, carismático e muito gostoso de assistir. Surpreendente, pra dizer o mínimo.
A trama de Blackhat é um dos primeiros sinais de que algo dará muito errado. Sério, quantas vezes esse plot de chamar um bandido fodão para deter outro bandido fodão vai ser reciclado? Você pode fazer melhor, Michael.
A partir desse ponto de partida, tem início o jogo de gato e rato mais entediante que o cinema já viu. O roteiro caminha lentamente alternando momentos em que eles fazem parecer que ser um hacker é a coisa mais simples do mundo, com outros em que eles mostram que realmente houve pesquisa sobre o tema. Confuso. Enquanto os personagens viajam de um país para o outro, o interesse se perde em meio a uma narrativa truncada e um desempenho preguiçoso e apático de todo o elenco.
Hemsworth pode até ser carismático como o deus nórdico Thor, mas aqui sua inexpressividade e aparente desinteresse pesa muito. Sua colega de cena, a chinesa Wei Tang, também não fica atrás, e ambos formam um casal sem a menor química em um romance que ninguém sabe de onde veio. Sua relação e todo o “desenvolvimento” do roteiro conta com diálogos clichês entre os protagonistas e todos os outros coadjuvantes, igualmente perdidos.
É verdade que nem tudo é terrível no filme, a composição técnica, sempre bem executada pelo diretor, está impecável. A fotografia tem um quê de modernidade e algumas tomadas são realmente muito bem feitas, principalmente os takes aéreos. Mann também mostra que ainda sabe realizar boas sequências de ação, as poucas cenas de tiroteio são muito bem realizadas e viram os pontos altos do longa.
Infelizmente, é pouco para salvar o filme de seu desempenho inconstante e maçante. Blackhat é o pior filme da carreira de Michael Mann, com seríssimos problemas de ritmo e de coerência. Um desperdício de tempo e talento.
É muito comum filmes que tratam do preconceito racial em solo estadunidense ganharem bastante destaque com o público e com a crítica, mas temos que notar que a maioria trata desse assunto como se fosse algo distante, ‘Selma’, ‘Histórias Cruzadas’ e ’12 Anos de Escravidão’ mostram essa prática décadas no passado e sua recepção sempre é comovida, com relatos emocionantes e uma certa “solidarização” para com os descendentes das vitimas dessa realidade horrorosa. Emocionante, eu diria, tudo muito bonito.
Surpreendente é ver que as mesmas pessoas que se comovem e se solidarizam com os negros quando expostas a essas obras, tem virado a cara e repercutido negativamente mundo afora o lançamento de ‘Dear White People’, justamente por que essa nova comédia traz a tona uma verdade que para muitos é um tanto inconveniente, O RACISMO ESTÁ MAIS VIVO DO QUE NUNCA (e não é esse tal de reverso).
O filme é tecnicamente simples, com uma fotografia sem grande destaque e uma montagem segmentada com cortes e transições criativas, mas que por vezes soam deslocadas e confusas. O elenco tem seus momentos, apesar do desempenho quase que propositalmente caricato de alguns, isso por que os diretores Justin Simien e Adriana Serrano devem ter apostado na ideia de hiper-realidade com um pouco de exagero, para não espantar o público e tornar o filme mais denso do que o necessário para passar sua mensagem.
E sim, o foco de ‘Dear white people’ é sua mensagem, ele é crítico e usa o humor de forma correta, com um texto engenhoso e bem escrito escancara o preconceito disfarçado que rege a sociedade “pós-racial” americana (e dá pra expandir esse conceito, inclusive). Ele também mostra a dificuldade de uma juventude que tenta se adaptar em meio a esse universo de hipocrisias e meias-verdades. Seu principal mérito é responder objetivamente aqueles que insistem em pregar a existência do “racismo reverso”, que seria praticado pelos negros, contra os brancos.
“Seu programa é racista, Srta. White!” “Negros não podem ser racistas. Preconceituosos, talvez, mas não racistas. Racismo descreve um sistema de desvantagem baseado na raça. Negros não podem ser racistas, porque não somos beneficiados por esse tal sistema.”
Resposta que pode se adequar perfeitamente a certas acusações de “heterofobia” ou “cristofobia” que acontecem atualmente em nosso país. Enfim, em meio a uma série de “tapas-na-cara-da-sociedade”, ‘Dear white people’ faz muito bem seu papel e funciona em todas as instâncias que pretende atingir. Filme que vale a pena ser visto.
Uma abordagem interessante para um tema, que se não é original, pelo menos segue atual e extremamente relevante. Isso por que nós sabemos a quantidade absurda de injustiças que são cometidas pelo sistema responsável por fazer “justiça”. Em nosso país, onde a corrupção domina praticamente todos os seguimentos, esses órgãos trabalham tão lentamente e de maneira tão falha que chegamos a ouvir uma famosa jornalista dizer que “a atitude dos “vingadores” é até compreensível […] O quê que resta ao cidadão de bem que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro! O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva”. Mas a questão é, que se nem o sistema que foi feito e está munido de ferramentas para investigar e punir os criminosos, não consegue dar conta de tudo (independente dos motivos pelos quais isso acontece), como nós, simples cidadãos vamos conseguir? E até que ponto cada um de nós é suficientemente inocente para apurar, julgar e condenar aqueles que não o são. O caso do linchamento que aconteceu em São Paulo no ano passado mostra que não temos essa capacidade. Essas perguntas surgem a todo instante em que somos apresentados ás “vítimas” de John e as circunstâncias de suas execuções.
E já que eu citei nossa ‘ilustre jornalista’, vale ressaltar que a mídia tem função importante no desenvolvimento da premissa. Temos nosso repórter que não demora a bradar que: “Se você não fez nada de errado, então não tem nada a temer”. E os reflexos disso na população são imediatos, defensores e detratores das práticas do justiceiro surgem aos montes e começam, inclusive, a agir de acordo com o lado escolhido. A tensão desses momentos é notável na execução do filme e a crítica ao mercado midiático também merece elogios.
O que é questionável aqui é a parcialidade que o diretor Kelly Dolen deixa transparecer em certos momentos, como se estivesse celebrando a existência de ‘John Does’ na sociedade, posicionamento que fica assustadoramente nítido quando John tem um breve momento de Frank Underwood ao falar diretamente com o público e incitá-lo a “tomar uma atitude”. Escolha polêmica, drástica e até perigosa, pra dizer a verdade.
O filme caminhava muito bem, com seu elenco reduzido dando conta do recado e com uma produção de regular para boa, até chegarmos no terceiro ato, onde o foco se perde completamente e o diretor começa a exagerar demais nas proporções e no nível conspiratório das informações. Por muito pouco ele não joga fora todo o seu bom trabalho.
Enfim, ‘John Doe: Vigilante’ é um filme que vale ser visto pela discussão que ele, meio que aos trancos e barrancos, levanta, independente de sua posição polêmica. Mas que tem um final extremamente exagerado e que compromete a qualidade integral da obra. É bom, mas podia ser melhor.
É curioso o fascínio que a possibilidade de brincar de Deus causa nas pessoas, a quantidade de vezes e maneiras que a criação de inteligências artificiais já apareceu no cinema mostra bem isso. E esse rol de ficções com implicações filosóficas acerca de nossa humanidade acaba de ganhar mais um exemplar excepcional.
Apesar de tratar de um tema exaustivamente repetido, é notável que o roteiro escrito por Alex Garland, que faz aqui sua estreia na direção, explore tão bem ideias sobre a criação do ponto de vista religioso, daí as referências bíblicas que encontramos nos personagens, além das reflexões acerca da consciência, das emoções, e das verdades e mentiras, que são construídas de maneira extremamente competente. Enclausurando-nos em um ambiente isolado junto de seus três protagonistas, o diretor expõe o intenso suspense que gira em torno do relacionamento entre os dois homens e a máquina. O personagem de Caleb praticamente representa o espectador em meio a trama, a claustrofobia e as desconfianças que surgem nele a cada nova informação que recebe, também surgem na nossa mente. O comportamento misterioso de Nathan e seus diálogos com ele e com Ava, também reforçam o grau de estranhamento sobre o que de fato está acontecendo.
E que seleção de elenco foi essa, hein? Oscar Isaac cada vez mais se consolida como um dos nomes mais talentosos dessa geração, mostrando desenvoltura em todo e qualquer tipo de papel, logo figurará nas grandes premiações. Ele dá a Nathan uma personalidade contida, porém explosiva e ameaçadora, deixando sua interação com Caleb em uma faixa entre a admiração e o medo, que casa muito bem com as decisões de ambos. Gleeson, apesar de começar a se repetir com seu “jovem adulto ingênuo, porém astuto e cativante”, cai como uma luva no papel, mesmo que sua transformação no ato final soe um pouco deslocada. Mas o destaque principal fica com a jovem e promissora Alicia Vikander, que mesmo de maneira robótica, consegue ser fascinante e sedutora em cada diálogo e micro-expressão.
A composição técnica do filme também merece aplausos, com escolhas visuais coerentes aliadas a um trabalho de fotografia lindo e versátil, que aproveita com igual competência as deslumbrantes paisagens externas, e os corredores vazios e perturbadores das áreas internas. O jogo de cores remete á grandes clássicos, como 2001, e seu uso tem significado dentro da narrativa. Outro destaque fica com o trabalho sonoro, não só a trilha, mas cada barulhinho relacionado ao ambiente tecnológico tem peso suficiente para ficar grudado na memória.
Misturando ficção cientifica com suspense psicológico, Alex Garland entrega um filme repleto de questionamentos e uma crescente tensão, e mesmo que o desfecho não agrade a todos, é inegável o valor dessa obra. Com enorme sintonia entre trabalho visual, roteiro, atuações e “relevância filosófica”, Ex Machina já figura na lista de melhores dos últimos anos.
Logo que eu vi o trailer de ‘Kidnapping Mr. Heineken’ me interessei pelo filme, que reconta a história real do sequestro do bilionário herdeiro de uma das maiores cervejarias do mundo. Devia ter entendido que a ridícula tradução do título para ‘Jogada de Mestre’ não era só mais um equivoco para a coleção das distribuidoras, mas sim um belo de um aviso. Isso porque ‘Jogada de Mestre’ é um título absolutamente genérico, tanto que uma busca superficial me mostrou outros quatro filmes com mesmo título. E essa é exatamente a questão, se tem um adjetivo que define o filme dirigido por Daniel Alfredson é: GENÉRICO.
Juntando quatro atores jovens e pouco confiáveis com o peso pesado Anthony Hopkins (afinal, alguém tem que dar credibilidade ao projeto), o diretor resolve recontar as circunstâncias, os planos, as ações e as consequências do sequestro de Freddy Heineken, ocorrido em 1983, e que resultou no maior resgate pago por uma única pessoa em toda história. Um grupo de amigos que passa por um momento delicado no negócio que tocam em conjunto, veem como única maneira de se livrar dessa difícil situação o sequestro de um homem rico. Aí está o primeiro grande problema do longa, mesmo que todos já tenham histórico de pequenos delitos, não existe peso dramático suficiente na situação que justifique a drástica decisão dos amigos.
O plano arquitetado pelo grupo envolve um assalto a banco para a confecção do cativeiro, além do sequestro em si, e tudo acontece com uma facilidade tão grande que parece que até a policia e o sequestrado tinham participado dos “ensaios”. A narrativa transcorre de maneira linear, nos mostrando o grupo interpretado de maneira preguiçosa por todo o elenco, transformando os personagens em mecanismos de roteiro monotônicos e sem nenhuma empatia. Nem Hopkins se salva, sua atuação é apática e automática e seu personagem nem parece estar se importando com o que está acontecendo.
Tudo é mediano aqui, a composição técnica, montagem, fotografia, trilha sonora, reconstrução de época, nada salta aos olhos nem convence totalmente. O que podia ser uma ação empolgante para tratar de uma história famosa, acaba deixando um ar de simulação feita para programas policiais de tv aberta. Um grande desperdício de tempo, que de tão vazio não consegue nem fazer o espectador desgostar da obra, ela simplesmente se torna indiferente e dispensável. Incompreensível que tenha sido dirigido pelo mesmo cara que fez duas partes da trilogia Millenium original. Uma pena.
Logo de cara o roteiro nos mostra um certo histórico de ocultismo na vida de Júnior, principalmente por parte de sua falecida mãe, o que inclusive se tornará parte importante no desenvolvimento da trama, já que os efeitos que isso gera são sentidos na evolução do personagem. Filmagens de seu passado vistos em uma fita VHS antiga também colaboram ao nos mostrar os hábitos curiosos aos quais Júnior foi exposto, além do contato com objetos que pertenciam a mãe e que estavam encaixotados há muito tempo. Tudo isso ajuda a a criar o clima sombrio que ronda o lugar, e gradualmente a exposição a esse passado começa a mexer com a cabeça do protagonista. O longa foge de clichês e de métodos batidos, como a reviravolta e os jump scares, mas não deixa de expor um teor referencial a obras populares do gênero. Marat Descartes homenageia claramente Jack Nicholson em ‘O Iluminado’, a presença de Sandy no elenco e de sua personagem no filme remetem ás obras mais cultuadas de Edgar Allan Poe, além do filme em si ter um ar “Shyamalanesco”.
Tecnicamente o filme também vai bem, o diretor sabe usar o cenário como componente indispensável para a narrativa e faz o ambiente familiar e iluminado de um apê no subúrbio paulistano, se transformar em um local fúnebre e denso, repleto de penduricalhos e bibelôs funestos, além de quadros de gosto duvidoso. Méritos para a direção de arte e para o ótimo trabalho de fotografia. A parte sonora também está de parabéns, o som de portas e móveis se destacam de maneira importante, e a música que tem o peso de um personagem é excepcional. A escolha de elenco tem mais valor do que as atuações em si, já que Descartes, Fagundes e principalmente Sandy, combinam com o jeito de seus personagens, mas nenhum deles se destaca muito e nem compromete.
Dutra ainda encontra tempo para brincar com a cultura de terror brasileira, como o apresentador infantil com citações demoníacas, o disco de vinil rodando ao contrário e a fenomenal presença de um boneco do Fofão em cena. Ótimos momentos. Enfim, ‘Quando eu era vivo’ é um ótimo exemplar de terror psicológico ‘made in Brasil’, mesmo com algumas falhas ele tem construção caprichada e um subtexto relevante (apesar das questões em aberto). Vale o tempo investido e a torcida para que o cinema de gênero ganhe cada vez mais espaço em terras tupiniquins.
Dentre as belas surpresas do filme está o seu curioso elenco, que conta com o saudoso Patrick Swayze, a talentosa e irregular Hilary Swank, os ainda jovens Ben Foster, Colin Hanks, Rachael Leigh Cook e Jason Segel, e o então desconhecido, Clark Gregg. Todos estão muito bem e parecem estar se divertindo enquanto atuam, sensação que fica nítida para o espectador. Seus personagens trazem um ar estereotipado do “americano médio” que habitualmente povoa as pequenas e tranquilas cidades do interior dos Estados Unidos, mas essa sensação contribui para a função de cada um na história.
Com o roteiro transcorrendo de maneira não linear, a montagem do filme ganha destaque ao não deixar o andamento confuso, e as transições feitas com estilo pelo diretor Greg Marcks dão um ar bem dinâmico ao longa, que tem um ritmo eletrizante e uma narrativa ágil cheia de elementos de efeito borboleta apresentados com altas doses de humor negro. O absurdo e o teor tragicômico de várias situações remetem ao cinema de Tarantino com uma pegada de Irmãos Coen, o que eleva ainda mais o valor da obra.
Enfim, é um pena que o diretor Greg Marcks tenha trabalhado tão pouco depois desse filme de 2003, mas mesmo assim, essa empreitada foi suficiente para demonstrar seu talento. Com roteiro redondinho e diálogos fantásticos, ’11:14′ é um filme despretensioso e extremamente divertido.
O que chama atenção de cara em Lost River, acaba por se tornar uma de suas ruínas ao analisarmos a obra como um todo. É notável que Gosling é um cinéfilo de carteirinha, e que ele realmente gosta de Nicolas Winding Refn (que o dirigiu em ‘Drive’ e ‘Only God Forgives’). Sua identidade estética não é sua, de fato. Ela é derivada de obras de Winding Refn com altas doses de David Lynch, e isso não é sentido apenas em relação a construção estética do filme, mas em seu desenvolvimento e roteiro também.
A trama, talvez por não ter muito pra onde ir, caminha lentamente enquanto conhecemos vários cantos da bizarra cidade de Lost River do título. Uma Detroit sem vida, com cara de cidade fantasma e um clima de Louisiana pós-Katrina. Atmosfera ideal para a crítica sútil que Gosling faz a um país que foi assolado por uma crise no mercado imobiliário, pena que essa nuance é quase imperceptível. A cidade em si ganha grande importância no longa, suas estradas que só levam a áreas inundadas pela construção de uma represa, postes de uma cidade submersa surgindo no meio do rio, dão ao cenário uma sensação de falsa liberdade, que se resume no questionamento: porque os personagens não saem dali?
Tecnicamente o filme é bem realizado, Gosling atinge o alvo na sua emulação de Twin Peaks misturado com Drive, usando cores vibrantes, neons e uma aura psicodélica muito bem capturada pela fotografia assimétrica do longa. Outro ponto positivo é a ótima trilha sonora, tanto instrumental quanto cantada. O elenco faz o que pode com seu limitado material, misturando interpretações contidas com surtos e um pouco de canastrice (sim Matt Smith, estou falando de você).
Enfim, Gosling estreia exercitando o estilo de outros cineastas e esquece de impor sua própria identidade. Falta foco e uma melhor construção de roteiro aqui, mas o filme tem seus momentos. Esteticamente interessante e com um pé no gnosticismo pode agradar aqueles que não se incomodam com um “Veludo Azul wannabe”.
Michael Bay nunca decepciona seus fãs, isso é inegável. Mesmo quando ele não dirige o filme, suas marcas estão ali. O diretor Dean Israelite aparentemente tentou ir por outro caminho, mas quando Bay pisa no set as coisas explodem. E é isso que mina as pretensões de ‘Projeto Almanaque’.
Junto com o começo dos deslocamentos temporais (provavelmente com Bay no set mandando acelerarem as coisas) começam os problemas. A escolha do found-footage como linguagem, que até então vinha sendo bem utilizada, começa a se perder nas lógicas do uso das câmeras. Como é habitual nas obras de Bay, as personagens femininas são risíveis, e não tem utilidades maiores do que embelezar a tela e parecer em roupas curtas. Os product placements também enchem a tela, com uma participação aleatória da banda Imagine Dragons para coroar o trabalho de marketing.
É interessante ver que o roteiro prefere focar em banalidades adolescentes para atingir seu público, ninguém quer voltar no tempo e matar Hitler, os personagens se contentam em ir ao Lolapalooza. Isso é bacana, divertido, mas as implicações que as mudanças no passado geram fogem muito da proporção, e isso atrapalha bastante o desenvolvimento da narrativa. O subtexto romântico, que surge do nada, se transforma em fio condutor das ações do protagonista, e isso não convence em momento nenhum.
No fim das contas ‘Projeto Almanaque’ se mostra um filme mediano, que opta por não ser nada de revolucionário e prefere se ater a “legalzices teen”. Em uma mistura genérica de ‘Projeto X’, com ‘Efeito Borboleta’ e ‘Poder sem Limites’, com cobertura de Michael Bay, até entretêm, mas é totalmente esquecível.
Trata-se de um drama de sobrevivência livremente baseado em fatos reais, o que desperta ainda mais a curiosidade do público. O roteiro é muito, muito simples, tanto que em alguns momentos ele parece não sair do lugar. É verdade que com exceção dos momentos de lentidão no desenvolvimento, a tensão evocada pelas situações é bastante palpável e bem realizada.
Tanto roteiro, quanto direção, são do estreante Adam MacDonald, que apesar de deixar claro a inexperiência em ambas as funções, como por exemplo, na lentidão do roteiro e em algumas experimentações visuais inapropriadas, manda muito bem em um contexto geral. Competência vista principalmente nas sequências mais tensas.
O bom desempenho do elenco é um diferencial e tanto na produção, com atuações sólidas e convincentes, principalmente da protagonista Missy Peregrym, que transmite bem o desespero de sua personagem. Eric Balfour e Jeff Roop também merecem elogios.
Enfim, ‘Backcountry’ é um filme com muitos méritos, compensa com qualidades técnicas seu roteiro bastante simplório. E pra quem quiser saber mais sobre a história real, assista o documentário ‘O Homem Urso’, do genial Werner Herzog, ou leia um pouco mais aqui.
Apesar da sinopse evocar algo diferente, trata-se sim de uma comédia, e muito boa por sinal. A maioria das piadas funciona muito bem, algumas fazem rir alto. As várias participações especiais também são impagáveis, não vou revelar todas, mas vou destacar as de Cedric The Entertainer e Whoopi Goldberg.
Mas no “intervalo” dessas piadas, Chris Rock tem seus momentos de Woody Allen, preenchendo as cenas com diálogos inteligentes e bem travados, onde trata com senso de humor temas relevantes, como alcoolismo e a indústria da fama, destilando ironia contra a industria na qual se encontra, mas também se rendendo ao mea culpa. Há algo de “existencial” aqui.
É fato que Rock não tem um grande alcance dramático como ator, mas o texto foi tão bem escrito pra si mesmo que nem se nota. E sua companheira na maioria das cenas faz muito bem esse contrapeso, Rosario Dawson vai bem nas cenas mais introspectivas e também nos momentos em que tem que se divertir.
Com Rock mandando bem também na direção, ‘Top Five’ é um dos melhores trabalhos do comediante (ao lado de ‘Everybody hates Chris’), um filme sofisticado, engraçado e muito bem vindo em meio a uma modesta safra de boas comédias.
Premissa simples, porém interessante. Mas aí começam os problemas do filme, o foco se perde em meio a uma série de escolhas erradas. O núcleo da história tinha um ponto de partida excelente, abordando as limitações de uma inteligência artificial, o que realmente a separaria de um ser humano entre outras abordagens, que se não são originais, pelo menos são promissoras. Em vez disso o diretor se envereda para um lado diferente, mostrando a influência do meio na formação do indivíduo, a corrupção do ser e a perda da inocência.
“Isso não é ruim”, você deve estar pensando. Realmente a ideia não é, mas a execução é terrível. Juntando o jovem robô a dois personagens extremamente desagradáveis, mal escritos e insuportavelmente mal interpretados (até por que não se tratam de atores profissionais), o roteiro desperdiça todo o carisma de seu protagonista em cenas que vão do humor infantiloide, até sequencias de ação bastante violentas, mas sem muito propósito.
Em outro prisma acompanhamos o duelo do personagem de Dev Patel, único ator que trabalha bem nesse filme, criador da inteligência artificial utilizada em Chappie, contra seu equivalente invejoso vivido por Hugh Jackman, no que talvez seja seu pior trabalho em muitos anos. Vincent Moore é um personagem extremamente caricato, inverossímil e a interpretação de Jackman está exageradamente afetada. Sigourney Weaver é outra que não tem o que fazer no filme, e entrega uma atuação apática e preguiçosa.
Em meio a tantas perdas de foco, quebras de ritmo e furos de roteiro, temos Neil Bloomkamp aperfeiçoando ainda mais sua ideia de futuro distópico, mas sem conseguir escapar da repetição de seus trabalhos anteriores. O ponto forte fica com o próprio Chappie, interpretado por Sharlto Copley, que vai muito bem na voz e principalmente na captura de movimentos.
Enfim, Chappie é o pior trabalho de Bloomkamp até agora, usa de reciclagem de conceitos muito melhor explorados em obras como ‘Robocop’, ‘O Incrível Robô’, ‘O Homem Bicentenário’, ‘AI’ e até mesmo, ‘Pinóquio’, mas não sabe aonde quer chegar com tudo isso. Os momentos engraçadinhos e tocantes não são o suficiente pra compensar a bagunça narrativa que o longa traz.
Toda vez que um cultuado diretor estrangeiro pisa pela primeira vez em solo americano, cresce o medo de que Hollywood pode seu estilo e sua assinatura artística a fim de pasteurizar a obra e torná-la mais palatável ao público estadunidense médio. Quando o sul-coreano Chan-Wook Park, diretor da fantástica Trilogia da Vingança, anunciou seu primeiro projeto em Hollywood logo surgiu a desconfiança. Ainda bem que as expectativas nem sempre se concretizam.
Com uma riqueza de detalhes visuais e sonoros a trama aborda uma possível hereditariedade da psicopatia, onde a mão de Chan-Wook é sentida, com uma câmera escorregadia e um cuidado extremo com cada tomada. Tecnicamente o filme é excepcional, com uma montagem fluída e bem realizada, uma fotografia belíssima e um figurino que ajuda na construção da estranheza do longa.
E por falar em estranheza, o elenco também colabora para essa sensação, apesar de não contar com nenhum desempenho espetacular, demonstra precisão na hora do casting. Nicole Kidman, Matthew Goode e Mia Wasikowska combinam perfeitamente com seus personagens, e isso deixa uma impressão fortíssima e muito positiva.
Enfim, “Segredos de Sangue” é uma obra excepcional que mostra que o talento de Chan-Wook Park não respeita fronteiras. Uma obra cheia de significados, com uma erotização quase mórbida que fala da violência inerente às pessoas, com uma narrativa precisa, que mistura fetiche e suspense e se encerra de maneira estranhamente satisfatória.
A premissa é interessante e evoca vários sub-textos, mas que nunca chegam a ser decentemente explorados, apenas pincelando a questão do preconceito e também do desespero que se instaura na sociedade nos momentos de tragédia anunciada. Trazendo uma vaga lembrança de ‘Ensaio sobre a cegueira’, o filme se mostra como um drama essencialmente humano, mas ao fazê-lo, perde a força quando percebemos que todas as escolhas da narrativa já foram usadas em outros filmes e de maneira mais eficiente.
O roteiro usa de alguns mecanismos bem questionáveis para dar sequência a trama, como a protagonista sair falando pra quem quiser ouvir, algo que certamente deveria ser mantido em sigilo. Sem falar que da metade para o fim a personagem perde qualquer noção do que está acontecendo a sua volta, de maneira que parece que todo mundo prevê o que vai acontecer, menos ela. Isso também prejudica a ideia final, que deveria ser bem mais impactante do que foi.
Com um elenco ok e uma produção, até certo ponto, caprichada, The Returned é um filme de zumbis praticamente sem zumbis, que parte de uma ideia original e bastante interessante, mas se perde na execução e falha em detalhes cruciais. Mesmo assim, pra quem gosta do gênero e está cansado da mesmice que assola a maioria dos filmes de zumbi, é uma boa pedida.
Com um roteiro muito bem trabalhado, com diálogos bem escritos e extremamente relevantes, ‘Nothing But The Truth’ nos mostra as terríveis consequências que Rachel enfrenta ao fazer valer a sua principal convicção profissional. Consequências que vão muito além das batalhas judiciais travadas entre seu advogado e o promotor, consequências que refletem física e emocionalmente nela e em todos a sua volta.
A trama intricada e bem conduzida pelo diretor ganha muito ao ser acompanhada por atuações realistas e bastante convincentes. Kate dá um senso moral impressionante a sua personagem, e transparece no olhar cada derrota que sofre no caso. Matt Dillon está implacável como o promotor, que deixa claro até em suas ações mais questionáveis que nada se colocará entre ele e seu objetivo. Entre os coadjuvantes se destacam Vera Farmiga e Alan Alda.
Tecnicamente eficiente o diretor não foge muito da normalidade, deixando o destaque da obra para seu texto politico e seu caráter de reflexão. Enfim, ‘Nothing but the Truth’ é um filme que oferece um dilema quase que inquebrável, botando em xeque as convicções tanto dos personagens quanto dos espectadores. Onde as semelhanças com a realidade são mais do que mera coincidência.
Imagine aqueles reality shows americanos bem populares, tipo ‘Keeping Up With The Kardashians’, mas substitua as socialites por um grupo de quatro vampiros que dividem uma casa em algum lugar da Nova Zelândia. Uma receita curiosa que resultou na melhor e mais original comédia dos últimos tempos.
Durante a projeção conhecemos as dificuldades que os sugadores de sangue encontram para se alimentar, mas principalmente para se manterem atualizados com a tecnologia e com as tendências de moda da atualidade. Eles são basicamente os estereótipos vampirescos já vistos no cinema, o sedutor do século 19, o almofadinha afeminado a lá ‘Entrevista com O Vampiro’, o rebelde e o vampiro monstro, ao estilo Nosferatu.
Com piadas e referências extremamente inteligentes, o roteiro brinca com os clichês tanto dos reality shows, quanto dos filmes de vampiros e criaturas em geral. Ainda sobra tempo para aquelas reflexões tipicas, como a dificuldade de lidar com a passagem do tempo e a imortalidade, o amor e os laços de amizade, tudo feito de maneira leve e bem humorada.
O elenco é afiadíssimo, todos os integrantes estão á vontade e parecem estar se divertindo horrores enquanto atuam. Tanto roteiro, quanto direção são dos mesmos responsáveis pela série ‘Flight of the Conchords’, e trazem um estilo de humor bastante peculiar.
Enfim, com um humor inteligente e algumas sequências impagáveis que ecoarão na sua memória por muito tempo, ‘What we do in the Shadows’ é uma das melhores comédias de horror dos últimos tempos, e um dos grandes filmes “perdidos” de 2014.
Keanu Reeves é um caso a ser estudado, não consigo me lembrar de outro ator que consegue compensar tão bem com carisma e presença em cena sua inexpressividade e ausência de alcance dramático. Mais uma vez se apoiando nessas qualidades do ator, alguém conseguiu realizar um belo filme de ação.
Uma sinopse simples para um filme simples. John Wick é o típico filme de vingança e o que o faz se destacar em meio a tantos filmes de vingança (os filmes de vingança americanos, pelo menos) é a sua honestidade com suas pretensões e premissa. Em nenhum momento ele tenta ser mais do que de fato é, o diretor Chad Stahelski promete um filme de ação simplista e divertido e entrega exatamente isso.
John Wick não é só um assassino profissional, ele é “O” assassino profissional, e a maneira que foi utilizada para evidenciar o quão fodão ele é foi bastante interessante. Sem diálogos expositivos falando de um provável passado na CIA, FBI, KGB ou qualquer coisa do tipo. Sua construção é digna de uma lenda urbana, com falas como: “…ouvi dizer que ele matou quatro caras com um lápis.” Ou “… você roubou o carro de quem?? Do John Wick, não acredito nisso, você o matou, não é?”. E toda essa construção funciona, antes mesmo dele começar a agir como um “badass motherfucker” o expectador compra o fato de ele ser um “badass motherfucker”.
Outra escolha acertada que evidencia os talentos de John, é o fato de ele ser preciso nos movimentos, sem desperdiçar tempo nem munição, é tiro na cabeça e que venha o próximo capanga. Existem também outros pequenos detalhes que chamam a atenção na produção, existe um submundo dos assassinos muito bem construído e com dinâmicas interessantíssimas, como o Hotel onde ninguém pode “falar de negócios”, ou a empresa de limpeza que arruma a casa depois de um serviço. Parece até que os assassinos tem sua própria moeda.
O elenco, apesar de ter alguns bons nomes pouco aproveitados, como Willem Dafoe e John Leguizamo, é competente e mantém o nível da produção alto. As cenas de ação também merecem certo destaque, apesar do modus operandi de John evocar algumas sequências meio mecânicas, o jeito de filmar, sem câmeras tremidas e cortes bruscos, contribui para o entendimento das cenas.
Enfim, John Wick é um filme de ação honesto e que cumpre exatamente o que promete, uma hora e meia de diversão descompromissada. As continuações parecem inevitáveis. Honestamente foi pra mim o que eu esperava que ‘O Protetor’ seria.
D.U.F.F. - Você Conhece, Tem ou É
3.3 578 Assista AgoraA comédia adolescente ‘The DUFF’ é mais uma das provas de que não há nada de errado com clichês, desde que estes sejam utilizados corretamente.
Sim, esse filme é um mar de clichês. Todos aqueles repetidos exaustivamente em filmes do gênero estão aqui. Temos a garota mais popular da escola, que é linda e malvada e que namora o capitão do time; este é igualmente encantador e babaca, e vai precisar de ajuda para passar em alguma matéria; temos os professores que tem a impressão de que estão dizendo e/ou fazendo algo inspirador, quando na realidade nada faz sentido; temos a garota que é inteligente, mas não se encaixa nos padrões; temos suas amigas mais populares; temos a “assistente da vilã”; temos a mãe excêntrica; temos o garoto que parece ser perfeito, mas que em algum momento se mostrará um idiota. Já vimos esses conceitos uma centena de vezes.
A trama se baseia no livro de Kody Keplinger, inédito no Brasil, e segundo informações, só traz dele o escopo geral e o nome dos personagens. A trama simples e os elementos clichê que citei acima são ingredientes suficientes para o diretor Ari Sandel desenvolver o tipico ‘feel good movie’. Leve, gostoso de assistir e com uma mensagem de aceitação bem bacana, sem falar na crítica ao comportamento adolescente em épocas de redes sociais. Uma das melhores piadas do filme é feita com os “critérios” para alguém compartilhar algo no facebook.
A química do elenco é essencial para o bom desenvolvimento da história. Robbie Amell contribui sendo um rostinho bonito, mas sua canastrice também colabora com as atitudes de seu personagem, e ele e Whitman parecem se divertir muito trabalhando juntos. Ken Jeong e Allison Janney são os comediantes de maior peso no elenco, mas ambos são subaproveitados em seus papéis. Poucos de seus momentos funcionam, realmente.
Enfim, ‘The DUFF’ não é extraordinário, mas é divertido e cumpre seu papel. Tem cara de Sessão da Tarde e se junta a ‘Patricinhas de Beverly Hills’, ‘Meninas Malvadas’ e ‘A Mentira’ no rol de comédias adolescentes bobinhas, mas que todo mundo gosta.
Renascida do Inferno
2.2 577 Assista AgoraNão há problemas na existência de filmes ruins, há problema quando uma ideia aparentemente muito boa é desperdiçada em um filme ruim. É exatamente o caso desse ‘Renascida do Inferno’.
A discussão acerca de ciência versus religião trazida pelo título original – O efeito Lázaro – e pelos minutos iniciais do filme, não se sustenta graças ao texto didático e cheio de incongruências que nos é apresentado. As implicações científicas e espirituais são passadas em diálogos rasos e bem pouco inspirados, por um elenco que aparentemente não acreditava no que estava fazendo. A maneira como a equipe reage a fantástica descoberta dá uma noção de que nem os atores estavam levando o filme a sério.
Nem mesmo os jump scares são bem feitos aqui, os poucos momentos que seriam assustadores, são telegrafados demais para funcionarem. Sem falar na repetição de seus próprios artifícios, animais aparentemente mortos que pulam de repente, três vezes pelo menos. Pessoas que chegam de mansinho para assustar a outra, pelo menos duas. Passa e muito dos limites da falta de criatividade.
Pra não dizer que o filme só tem defeitos, Olivia Wilde se salva em meio ao elenco apático. Ela convence como a jovem e apaixonada cientista religiosa, e não decepciona como a aberração psicótica que se torna no segundo ato. A sensação de confinamento escolhida para driblar a falta de orçamento também funciona em prol da narrativa, e não soa como forçação de barra.
No fim das contas, pouca coisa vale a pena em ‘Renascida do Inferno’, a inicialmente atrativa discussão ‘fé vs ciência’, se transforma em uma somatória desastrada das duas, onde o roteiro se torna incapaz de responder satisfatoriamente a principal questão do longa. Sem falar que o diretor David Gelb se rende a “espetacularização” dos vilões de filme de terror, onde o antagonista se torna praticamente um X-Men, bem ao estilo do remake de ‘Carrie, a estranha’. Dispensável.
Just Before I Go
3.4 74O filme marca a estreia de Courteney Cox na direção, que faz um trabalho correto e simples. Tecnicamente o longa não possui grandes méritos, mas também não possui defeitos comprometedores. A fotografia é comum, a trilha sonora quase passa despercebida e as tomadas e ângulos escolhidos são tão padronizadas quanto é possível.
O tom do filme pode acabar confundindo algumas pessoas, pois os momentos de maior comédia trazem um humor que transita entre o escatológico e o nonsense, enquanto as faixas mais dramáticas tratam de temas mais densos como homofobia, racismo, dramas familiares de vários tipos e a questão do suicídio em si. Não é exatamente um defeito, mas as transições entre esses temas pode parecer meio abrupta para alguns.
A recepção desse filme não dependerá apenas de suas qualidades ou defeitos, mas principalmente da vivência de cada espectador. Sim, ele tem alguns vícios e clichês da maioria das dramédias de auto-ajuda, mas acredito que soará menos bobo para qualquer leitor que, em algum ponto da vida, tenha alcançado um limite, algum ponto em que o simples ato de levantar-se da cama tenha se tornado um desafio. O famoso ponto de ruptura. Tenho certeza que qualquer um que tenha chegado a isso, ou pelo menos próximo disso, terá uma compreensão maior e uma recepção mais empática com a obra.
A atuação de Sean William Scott é coerente, pois seu personagem é propositalmente apático (ou vazio, como é dito no filme), então a expressão aparentemente desinteressada e confusa dele cai bem, mas é difícil achar a linha entre o que é atuação e o que é limitação. A sempre linda Olivia Thirlby manda muito bem, assim como Kyle Gallner. Garret Dillahunt, Kate Walsh, Rob Riggle e David Arquette seguram bem os momentos mais cômicos.
Enfim, é um bom filme, com uma mensagem clichê, mas bonita e muito válida. Mostra que na maioria dos casos, nem tudo é tão ruim quanto parece, e que as vezes a melhor maneira de lidar com nossos problemas e fragilidades, seja conhecendo a dos outros.
NH10
3.1 11O cinema indiano é cheio de pérolas que não chegam ao conhecimento do grande público graças ao preconceito com as produções do país, principalmente pelo histórico trash da tão produtiva Bollywood. Uma pena, mas espero que ‘N.H 10′ não sofra desse mal.
O diretor Navdeep Singh conseguiu driblar grande parte dos defeitos técnicos que geralmente são vistos nas produções indianas. É claro que algumas precariedades ainda são vistas, assim como os vícios na edição e na montagem do longa, mas nada que o torne estranho demais para aqueles que não estão habituados. A trama se desenrola de maneira ágil e nos apresenta um intenso thriller de perseguição, lembrando um pouco o clássico ‘A Morte Pede Carona’.
Mas o maior mérito aqui é o teor crítico do longa, que nos mostra a retrógrada e machista sociedade indiana, e todos os males que o sistema de castas trás para aquele povo. Nos encontramos em uma realidade desumana, onde vemos da maneira mais brutal possível o que é não ter voz pelo simples fato de ser mulher. Vemos que essa politica de detração está tão enraizada na sociedade, que as tentativas de resistir a ela não são encorajadas nem por quem sofre com a situação. Em algumas cenas é mostrado de maneira brilhante o modo como uma falsa superioridade precisa usar a força para tentar controlar algo que se recusa, por motivos óbvios, ser controlado.
Mas todo esse ódio, crueldade, desprezo e desrespeito serve para construir o satisfatório, porém levemente previsível desfecho do filme. Enfim, ‘N.H 10′ é um filme intenso, cru e brutal, parte de um plot revoltante, mas consegue ter uma conclusão catártica, para dizer o mínimo.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraLogo de cara vemos de onde vem as inspirações de Mitchell, que além de escrever, também dirige o longa: John Carpenter, o mestre do terror e suspense oitentista pulsa na tela enquanto assistimos ao filme. A maneira de filmar, rodeando personagens e espiando cada canto dos cenários, além da excelente trilha sonora sintética que tem um ar psicodélico e abstrato, evocam a identidade do mestre e caem como uma luva na construção da obra. O tom abstrato, aliás, vai muito além da trilha. A natureza misteriosa da ameaça, além do clima atemporal desse filme, que possui tecnologias modernas misturadas com toda uma construção visual vintage, reforçam essa sensação e criam uma identidade própria para o projeto.
Todos esses aspectos estão aliados a um trabalho de direção excepcional, com enquadramentos perfeitos e uma fotografia inspirada, que consegue encontrar beleza nos cantos mais obscuros do subúrbio de uma lúgubre Detroit. O elenco talvez seja o ponto fraco aqui, com exceção da protagonista, que manda muito bem na hora de demonstrar o peso e o terror de ser perseguida, os outros personagens são fracos e sem carisma. Tem que se dizer que os fãs de filmes de terror mais gráficos e intensos vão se decepcionar um pouco, ‘Corrente do Mal’ trabalha com construção de clima, um suspense crescente que combina com o modus operandi da entidade perseguidora. Quase não há jump scares aqui, e apenas uma sequência é mais “sangrenta” por assim dizer.
Existe um teor metafórico na obra também, apesar de ser fácil relacionar imediatamente o tema com o sexo sem proteção e DSTs (viés que perde a força com a “necessidade” de passar adiante), podemos ter uma leitura mais social, também, como se a premissa estivesse se relacionando com a perda da virgindade na adolescência e/ou durante a escola, tratando-a (puritanamente, é verdade) como um “peso” que os jovens (principalmente as jovens) vão carregar, e alegando que serão julgados por isso.
Enfim, ‘Corrente do Mal’ é um bom filme, mais suspense do que terror, eu diria, mas competente nisso. Com uma pericia técnica invejável e uma trama intrigante. O final pode não ser o mais apropriado, mas não tira os muitos méritos da obra. Vale muito a pena.
Lapso Temporal
3.2 397 Assista AgoraTrabalhar com viagens ou linhas temporais sempre é um desafio para roteiristas e diretores, qualquer deslize ou incoerência na hora de lidar com as lógicas e consequências dos atos dos personagens pode arruinar os planos da obra. Bradley King e B.P. Cooper, respectivamente diretor e roteirista, entram para o seleto grupo de pessoas que conseguiram.
Time Lapse entra para o belo time de ficções cientificas de baixo orçamento que merecem ser vistas, mesmo com a temática sendo batida, a abordagem é original. A trama explora a imprevisibilidade do ser humano, seus instintos de sobrevivência, sua ganância, seus desejos e a maneira como a convergência desses fatores pode acabar tragicamente. Palmas para o roteiro que passa com simplicidade por esses temas. É verdade que o excesso de simplicidade pode ser visto como defeito aqui também, a maneira de ganhar dinheiro que os amigos escolhem parece ser a mais arriscada e menos rentável de todas. Outro ponto positivo fica com a ausência de explicações desnecessárias a respeito do funcionamento da máquina. Ela funciona e ponto, acredite em mim.
Tecnicamente o filme conhece seus limites, sabe aproveitar seus poucos cenários, mas sem tanta inventividade por parte do realizador. O elenco principal vai bem, mesmo com a presença de Danielle Panabaker, que não me convence em papel nenhum (pra mim, ela é a pior personagem/atriz de The Flash). Enfim, Time Lapse é um bom filme, tem problemas, como um pseudo-plot-twist que não convence tanto, mas termina em uma média bastante positiva. Vale a investida.
Cashback, Bem-vindo ao Turno da Noite
3.7 523Ás vezes, ao fim de um relacionamento, fica a sensação de que a tristeza que se instaura faz o tempo andar mais devagar. Estendendo o sofrimento e a melancolia de ver os cacos daquilo que foi construído. É assim que se encontra a vida de Ben Willis (Sean Biggerstaff), um estudante de arte que acaba de sair de um longo relacionamento. Para piorar, ele foi “dominado” por uma insônia que praticamente aumentou sua vida em um terço, já que as oito horas que ele passaria dormindo, agora são dedicadas a relembrar e ruminar esse rompimento em sua mente. Para ocupar esse período, ele arruma um emprego no turno da madrugada em um supermercado, onde terá a oportunidade de encontrar novas maneiras de lidar com o tédio e com a separação.
Passeando entre gêneros, ‘Cashback’ dosa momentos do mais típico humor britânico, principalmente na cena da partida de futebol, com insights de dramas existencialistas e quantidades consideráveis de comédia romântica. E apesar da mistura não soar tão desejável, o resultado é bastante gratificante. O roteiro, apesar de simples, é muito bem escrito e utiliza dos personagens e de seus relacionamentos para explorar temas como a influência do tempo na vida das pessoas, oportunidades perdidas e é claro, o amor.
A busca pelo amor durante a juventude é um tema clichê, e sim, esse peso é sentido aqui, a trama é um apanhado de trivialidades e estereótipos, mas a maneira com que o protagonista lida com eles é que se destaca. Mesmo com algumas reflexões traduzidas em frases de efeito, a mensagem é passada de maneira leve e despretensiosa. No meio disso ainda temos um estudo sobre a visão de um artista sobre a beleza, mostrada aqui pela admiração do personagem para com o corpo feminino (o filme tem muita nudez, mas não de maneira “pornográfica”).
O elenco não conta com nenhuma atuação espetacular, mas todos os atores funcionam em prol do filme. A fotografia merece aplausos, linda, aliada a uma iluminação primorosa e a cenários muito bem escolhidos. Destaque também para a montagem fluída, que cria transições interessantes e criativas entre as cenas, principalmente as que trazem flashbacks da infância de Ben. Efeitos e invenções visuais simpáticas e úteis para a narrativa ajudam a coroar o excepcional trabalho técnico do longa.
Enfim, o diretor e roteirista Sean Ellis junta conceitos batidos, gêneros “conflitantes” e um trabalho visual característico, põe tudo na mesma panela e entrega um filme leve, carismático e muito gostoso de assistir. Surpreendente, pra dizer o mínimo.
Hacker
2.5 283 Assista AgoraA trama de Blackhat é um dos primeiros sinais de que algo dará muito errado. Sério, quantas vezes esse plot de chamar um bandido fodão para deter outro bandido fodão vai ser reciclado? Você pode fazer melhor, Michael.
A partir desse ponto de partida, tem início o jogo de gato e rato mais entediante que o cinema já viu. O roteiro caminha lentamente alternando momentos em que eles fazem parecer que ser um hacker é a coisa mais simples do mundo, com outros em que eles mostram que realmente houve pesquisa sobre o tema. Confuso. Enquanto os personagens viajam de um país para o outro, o interesse se perde em meio a uma narrativa truncada e um desempenho preguiçoso e apático de todo o elenco.
Hemsworth pode até ser carismático como o deus nórdico Thor, mas aqui sua inexpressividade e aparente desinteresse pesa muito. Sua colega de cena, a chinesa Wei Tang, também não fica atrás, e ambos formam um casal sem a menor química em um romance que ninguém sabe de onde veio. Sua relação e todo o “desenvolvimento” do roteiro conta com diálogos clichês entre os protagonistas e todos os outros coadjuvantes, igualmente perdidos.
É verdade que nem tudo é terrível no filme, a composição técnica, sempre bem executada pelo diretor, está impecável. A fotografia tem um quê de modernidade e algumas tomadas são realmente muito bem feitas, principalmente os takes aéreos. Mann também mostra que ainda sabe realizar boas sequências de ação, as poucas cenas de tiroteio são muito bem realizadas e viram os pontos altos do longa.
Infelizmente, é pouco para salvar o filme de seu desempenho inconstante e maçante. Blackhat é o pior filme da carreira de Michael Mann, com seríssimos problemas de ritmo e de coerência. Um desperdício de tempo e talento.
Cara Gente Branca
3.8 175 Assista AgoraÉ muito comum filmes que tratam do preconceito racial em solo estadunidense ganharem bastante destaque com o público e com a crítica, mas temos que notar que a maioria trata desse assunto como se fosse algo distante, ‘Selma’, ‘Histórias Cruzadas’ e ’12 Anos de Escravidão’ mostram essa prática décadas no passado e sua recepção sempre é comovida, com relatos emocionantes e uma certa “solidarização” para com os descendentes das vitimas dessa realidade horrorosa. Emocionante, eu diria, tudo muito bonito.
Surpreendente é ver que as mesmas pessoas que se comovem e se solidarizam com os negros quando expostas a essas obras, tem virado a cara e repercutido negativamente mundo afora o lançamento de ‘Dear White People’, justamente por que essa nova comédia traz a tona uma verdade que para muitos é um tanto inconveniente, O RACISMO ESTÁ MAIS VIVO DO QUE NUNCA (e não é esse tal de reverso).
O filme é tecnicamente simples, com uma fotografia sem grande destaque e uma montagem segmentada com cortes e transições criativas, mas que por vezes soam deslocadas e confusas. O elenco tem seus momentos, apesar do desempenho quase que propositalmente caricato de alguns, isso por que os diretores Justin Simien e Adriana Serrano devem ter apostado na ideia de hiper-realidade com um pouco de exagero, para não espantar o público e tornar o filme mais denso do que o necessário para passar sua mensagem.
E sim, o foco de ‘Dear white people’ é sua mensagem, ele é crítico e usa o humor de forma correta, com um texto engenhoso e bem escrito escancara o preconceito disfarçado que rege a sociedade “pós-racial” americana (e dá pra expandir esse conceito, inclusive). Ele também mostra a dificuldade de uma juventude que tenta se adaptar em meio a esse universo de hipocrisias e meias-verdades. Seu principal mérito é responder objetivamente aqueles que insistem em pregar a existência do “racismo reverso”, que seria praticado pelos negros, contra os brancos.
“Seu programa é racista, Srta. White!”
“Negros não podem ser racistas. Preconceituosos, talvez, mas não racistas. Racismo descreve um sistema de desvantagem baseado na raça. Negros não podem ser racistas, porque não somos beneficiados por esse tal sistema.”
Resposta que pode se adequar perfeitamente a certas acusações de “heterofobia” ou “cristofobia” que acontecem atualmente em nosso país. Enfim, em meio a uma série de “tapas-na-cara-da-sociedade”, ‘Dear white people’ faz muito bem seu papel e funciona em todas as instâncias que pretende atingir. Filme que vale a pena ser visto.
John Doe: Vigilante
3.4 65Uma abordagem interessante para um tema, que se não é original, pelo menos segue atual e extremamente relevante. Isso por que nós sabemos a quantidade absurda de injustiças que são cometidas pelo sistema responsável por fazer “justiça”. Em nosso país, onde a corrupção domina praticamente todos os seguimentos, esses órgãos trabalham tão lentamente e de maneira tão falha que chegamos a ouvir uma famosa jornalista dizer que “a atitude dos “vingadores” é até compreensível […] O quê que resta ao cidadão de bem que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro! O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva”. Mas a questão é, que se nem o sistema que foi feito e está munido de ferramentas para investigar e punir os criminosos, não consegue dar conta de tudo (independente dos motivos pelos quais isso acontece), como nós, simples cidadãos vamos conseguir? E até que ponto cada um de nós é suficientemente inocente para apurar, julgar e condenar aqueles que não o são. O caso do linchamento que aconteceu em São Paulo no ano passado mostra que não temos essa capacidade. Essas perguntas surgem a todo instante em que somos apresentados ás “vítimas” de John e as circunstâncias de suas execuções.
E já que eu citei nossa ‘ilustre jornalista’, vale ressaltar que a mídia tem função importante no desenvolvimento da premissa. Temos nosso repórter que não demora a bradar que: “Se você não fez nada de errado, então não tem nada a temer”. E os reflexos disso na população são imediatos, defensores e detratores das práticas do justiceiro surgem aos montes e começam, inclusive, a agir de acordo com o lado escolhido. A tensão desses momentos é notável na execução do filme e a crítica ao mercado midiático também merece elogios.
O que é questionável aqui é a parcialidade que o diretor Kelly Dolen deixa transparecer em certos momentos, como se estivesse celebrando a existência de ‘John Does’ na sociedade, posicionamento que fica assustadoramente nítido quando John tem um breve momento de Frank Underwood ao falar diretamente com o público e incitá-lo a “tomar uma atitude”. Escolha polêmica, drástica e até perigosa, pra dizer a verdade.
O filme caminhava muito bem, com seu elenco reduzido dando conta do recado e com uma produção de regular para boa, até chegarmos no terceiro ato, onde o foco se perde completamente e o diretor começa a exagerar demais nas proporções e no nível conspiratório das informações. Por muito pouco ele não joga fora todo o seu bom trabalho.
Enfim, ‘John Doe: Vigilante’ é um filme que vale ser visto pela discussão que ele, meio que aos trancos e barrancos, levanta, independente de sua posição polêmica. Mas que tem um final extremamente exagerado e que compromete a qualidade integral da obra. É bom, mas podia ser melhor.
Ex Machina: Instinto Artificial
3.9 2,0K Assista AgoraÉ curioso o fascínio que a possibilidade de brincar de Deus causa nas pessoas, a quantidade de vezes e maneiras que a criação de inteligências artificiais já apareceu no cinema mostra bem isso. E esse rol de ficções com implicações filosóficas acerca de nossa humanidade acaba de ganhar mais um exemplar excepcional.
Apesar de tratar de um tema exaustivamente repetido, é notável que o roteiro escrito por Alex Garland, que faz aqui sua estreia na direção, explore tão bem ideias sobre a criação do ponto de vista religioso, daí as referências bíblicas que encontramos nos personagens, além das reflexões acerca da consciência, das emoções, e das verdades e mentiras, que são construídas de maneira extremamente competente. Enclausurando-nos em um ambiente isolado junto de seus três protagonistas, o diretor expõe o intenso suspense que gira em torno do relacionamento entre os dois homens e a máquina. O personagem de Caleb praticamente representa o espectador em meio a trama, a claustrofobia e as desconfianças que surgem nele a cada nova informação que recebe, também surgem na nossa mente. O comportamento misterioso de Nathan e seus diálogos com ele e com Ava, também reforçam o grau de estranhamento sobre o que de fato está acontecendo.
E que seleção de elenco foi essa, hein? Oscar Isaac cada vez mais se consolida como um dos nomes mais talentosos dessa geração, mostrando desenvoltura em todo e qualquer tipo de papel, logo figurará nas grandes premiações. Ele dá a Nathan uma personalidade contida, porém explosiva e ameaçadora, deixando sua interação com Caleb em uma faixa entre a admiração e o medo, que casa muito bem com as decisões de ambos. Gleeson, apesar de começar a se repetir com seu “jovem adulto ingênuo, porém astuto e cativante”, cai como uma luva no papel, mesmo que sua transformação no ato final soe um pouco deslocada. Mas o destaque principal fica com a jovem e promissora Alicia Vikander, que mesmo de maneira robótica, consegue ser fascinante e sedutora em cada diálogo e micro-expressão.
A composição técnica do filme também merece aplausos, com escolhas visuais coerentes aliadas a um trabalho de fotografia lindo e versátil, que aproveita com igual competência as deslumbrantes paisagens externas, e os corredores vazios e perturbadores das áreas internas. O jogo de cores remete á grandes clássicos, como 2001, e seu uso tem significado dentro da narrativa. Outro destaque fica com o trabalho sonoro, não só a trilha, mas cada barulhinho relacionado ao ambiente tecnológico tem peso suficiente para ficar grudado na memória.
Misturando ficção cientifica com suspense psicológico, Alex Garland entrega um filme repleto de questionamentos e uma crescente tensão, e mesmo que o desfecho não agrade a todos, é inegável o valor dessa obra. Com enorme sintonia entre trabalho visual, roteiro, atuações e “relevância filosófica”, Ex Machina já figura na lista de melhores dos últimos anos.
Jogada de Mestre
3.0 147 Assista AgoraLogo que eu vi o trailer de ‘Kidnapping Mr. Heineken’ me interessei pelo filme, que reconta a história real do sequestro do bilionário herdeiro de uma das maiores cervejarias do mundo. Devia ter entendido que a ridícula tradução do título para ‘Jogada de Mestre’ não era só mais um equivoco para a coleção das distribuidoras, mas sim um belo de um aviso. Isso porque ‘Jogada de Mestre’ é um título absolutamente genérico, tanto que uma busca superficial me mostrou outros quatro filmes com mesmo título. E essa é exatamente a questão, se tem um adjetivo que define o filme dirigido por Daniel Alfredson é: GENÉRICO.
Juntando quatro atores jovens e pouco confiáveis com o peso pesado Anthony Hopkins (afinal, alguém tem que dar credibilidade ao projeto), o diretor resolve recontar as circunstâncias, os planos, as ações e as consequências do sequestro de Freddy Heineken, ocorrido em 1983, e que resultou no maior resgate pago por uma única pessoa em toda história. Um grupo de amigos que passa por um momento delicado no negócio que tocam em conjunto, veem como única maneira de se livrar dessa difícil situação o sequestro de um homem rico. Aí está o primeiro grande problema do longa, mesmo que todos já tenham histórico de pequenos delitos, não existe peso dramático suficiente na situação que justifique a drástica decisão dos amigos.
O plano arquitetado pelo grupo envolve um assalto a banco para a confecção do cativeiro, além do sequestro em si, e tudo acontece com uma facilidade tão grande que parece que até a policia e o sequestrado tinham participado dos “ensaios”. A narrativa transcorre de maneira linear, nos mostrando o grupo interpretado de maneira preguiçosa por todo o elenco, transformando os personagens em mecanismos de roteiro monotônicos e sem nenhuma empatia. Nem Hopkins se salva, sua atuação é apática e automática e seu personagem nem parece estar se importando com o que está acontecendo.
Tudo é mediano aqui, a composição técnica, montagem, fotografia, trilha sonora, reconstrução de época, nada salta aos olhos nem convence totalmente. O que podia ser uma ação empolgante para tratar de uma história famosa, acaba deixando um ar de simulação feita para programas policiais de tv aberta. Um grande desperdício de tempo, que de tão vazio não consegue nem fazer o espectador desgostar da obra, ela simplesmente se torna indiferente e dispensável. Incompreensível que tenha sido dirigido pelo mesmo cara que fez duas partes da trilogia Millenium original. Uma pena.
Quando Eu Era Vivo
2.9 323Logo de cara o roteiro nos mostra um certo histórico de ocultismo na vida de Júnior, principalmente por parte de sua falecida mãe, o que inclusive se tornará parte importante no desenvolvimento da trama, já que os efeitos que isso gera são sentidos na evolução do personagem. Filmagens de seu passado vistos em uma fita VHS antiga também colaboram ao nos mostrar os hábitos curiosos aos quais Júnior foi exposto, além do contato com objetos que pertenciam a mãe e que estavam encaixotados há muito tempo. Tudo isso ajuda a a criar o clima sombrio que ronda o lugar, e gradualmente a exposição a esse passado começa a mexer com a cabeça do protagonista. O longa foge de clichês e de métodos batidos, como a reviravolta e os jump scares, mas não deixa de expor um teor referencial a obras populares do gênero. Marat Descartes homenageia claramente Jack Nicholson em ‘O Iluminado’, a presença de Sandy no elenco e de sua personagem no filme remetem ás obras mais cultuadas de Edgar Allan Poe, além do filme em si ter um ar “Shyamalanesco”.
Tecnicamente o filme também vai bem, o diretor sabe usar o cenário como componente indispensável para a narrativa e faz o ambiente familiar e iluminado de um apê no subúrbio paulistano, se transformar em um local fúnebre e denso, repleto de penduricalhos e bibelôs funestos, além de quadros de gosto duvidoso. Méritos para a direção de arte e para o ótimo trabalho de fotografia. A parte sonora também está de parabéns, o som de portas e móveis se destacam de maneira importante, e a música que tem o peso de um personagem é excepcional. A escolha de elenco tem mais valor do que as atuações em si, já que Descartes, Fagundes e principalmente Sandy, combinam com o jeito de seus personagens, mas nenhum deles se destaca muito e nem compromete.
Dutra ainda encontra tempo para brincar com a cultura de terror brasileira, como o apresentador infantil com citações demoníacas, o disco de vinil rodando ao contrário e a fenomenal presença de um boneco do Fofão em cena. Ótimos momentos. Enfim, ‘Quando eu era vivo’ é um ótimo exemplar de terror psicológico ‘made in Brasil’, mesmo com algumas falhas ele tem construção caprichada e um subtexto relevante (apesar das questões em aberto). Vale o tempo investido e a torcida para que o cinema de gênero ganhe cada vez mais espaço em terras tupiniquins.
11:14
3.6 199Dentre as belas surpresas do filme está o seu curioso elenco, que conta com o saudoso Patrick Swayze, a talentosa e irregular Hilary Swank, os ainda jovens Ben Foster, Colin Hanks, Rachael Leigh Cook e Jason Segel, e o então desconhecido, Clark Gregg. Todos estão muito bem e parecem estar se divertindo enquanto atuam, sensação que fica nítida para o espectador. Seus personagens trazem um ar estereotipado do “americano médio” que habitualmente povoa as pequenas e tranquilas cidades do interior dos Estados Unidos, mas essa sensação contribui para a função de cada um na história.
Com o roteiro transcorrendo de maneira não linear, a montagem do filme ganha destaque ao não deixar o andamento confuso, e as transições feitas com estilo pelo diretor Greg Marcks dão um ar bem dinâmico ao longa, que tem um ritmo eletrizante e uma narrativa ágil cheia de elementos de efeito borboleta apresentados com altas doses de humor negro. O absurdo e o teor tragicômico de várias situações remetem ao cinema de Tarantino com uma pegada de Irmãos Coen, o que eleva ainda mais o valor da obra.
Enfim, é um pena que o diretor Greg Marcks tenha trabalhado tão pouco depois desse filme de 2003, mas mesmo assim, essa empreitada foi suficiente para demonstrar seu talento. Com roteiro redondinho e diálogos fantásticos, ’11:14′ é um filme despretensioso e extremamente divertido.
Rio Perdido
3.0 199 Assista AgoraO que chama atenção de cara em Lost River, acaba por se tornar uma de suas ruínas ao analisarmos a obra como um todo. É notável que Gosling é um cinéfilo de carteirinha, e que ele realmente gosta de Nicolas Winding Refn (que o dirigiu em ‘Drive’ e ‘Only God Forgives’). Sua identidade estética não é sua, de fato. Ela é derivada de obras de Winding Refn com altas doses de David Lynch, e isso não é sentido apenas em relação a construção estética do filme, mas em seu desenvolvimento e roteiro também.
A trama, talvez por não ter muito pra onde ir, caminha lentamente enquanto conhecemos vários cantos da bizarra cidade de Lost River do título. Uma Detroit sem vida, com cara de cidade fantasma e um clima de Louisiana pós-Katrina. Atmosfera ideal para a crítica sútil que Gosling faz a um país que foi assolado por uma crise no mercado imobiliário, pena que essa nuance é quase imperceptível. A cidade em si ganha grande importância no longa, suas estradas que só levam a áreas inundadas pela construção de uma represa, postes de uma cidade submersa surgindo no meio do rio, dão ao cenário uma sensação de falsa liberdade, que se resume no questionamento: porque os personagens não saem dali?
Tecnicamente o filme é bem realizado, Gosling atinge o alvo na sua emulação de Twin Peaks misturado com Drive, usando cores vibrantes, neons e uma aura psicodélica muito bem capturada pela fotografia assimétrica do longa. Outro ponto positivo é a ótima trilha sonora, tanto instrumental quanto cantada. O elenco faz o que pode com seu limitado material, misturando interpretações contidas com surtos e um pouco de canastrice (sim Matt Smith, estou falando de você).
Enfim, Gosling estreia exercitando o estilo de outros cineastas e esquece de impor sua própria identidade. Falta foco e uma melhor construção de roteiro aqui, mas o filme tem seus momentos. Esteticamente interessante e com um pé no gnosticismo pode agradar aqueles que não se incomodam com um “Veludo Azul wannabe”.
Projeto Almanaque
3.4 550 Assista AgoraMichael Bay nunca decepciona seus fãs, isso é inegável. Mesmo quando ele não dirige o filme, suas marcas estão ali. O diretor Dean Israelite aparentemente tentou ir por outro caminho, mas quando Bay pisa no set as coisas explodem. E é isso que mina as pretensões de ‘Projeto Almanaque’.
Junto com o começo dos deslocamentos temporais (provavelmente com Bay no set mandando acelerarem as coisas) começam os problemas. A escolha do found-footage como linguagem, que até então vinha sendo bem utilizada, começa a se perder nas lógicas do uso das câmeras. Como é habitual nas obras de Bay, as personagens femininas são risíveis, e não tem utilidades maiores do que embelezar a tela e parecer em roupas curtas. Os product placements também enchem a tela, com uma participação aleatória da banda Imagine Dragons para coroar o trabalho de marketing.
É interessante ver que o roteiro prefere focar em banalidades adolescentes para atingir seu público, ninguém quer voltar no tempo e matar Hitler, os personagens se contentam em ir ao Lolapalooza. Isso é bacana, divertido, mas as implicações que as mudanças no passado geram fogem muito da proporção, e isso atrapalha bastante o desenvolvimento da narrativa. O subtexto romântico, que surge do nada, se transforma em fio condutor das ações do protagonista, e isso não convence em momento nenhum.
No fim das contas ‘Projeto Almanaque’ se mostra um filme mediano, que opta por não ser nada de revolucionário e prefere se ater a “legalzices teen”. Em uma mistura genérica de ‘Projeto X’, com ‘Efeito Borboleta’ e ‘Poder sem Limites’, com cobertura de Michael Bay, até entretêm, mas é totalmente esquecível.
Sobreviventes
2.6 203Trata-se de um drama de sobrevivência livremente baseado em fatos reais, o que desperta ainda mais a curiosidade do público. O roteiro é muito, muito simples, tanto que em alguns momentos ele parece não sair do lugar. É verdade que com exceção dos momentos de lentidão no desenvolvimento, a tensão evocada pelas situações é bastante palpável e bem realizada.
Tanto roteiro, quanto direção, são do estreante Adam MacDonald, que apesar de deixar claro a inexperiência em ambas as funções, como por exemplo, na lentidão do roteiro e em algumas experimentações visuais inapropriadas, manda muito bem em um contexto geral. Competência vista principalmente nas sequências mais tensas.
O bom desempenho do elenco é um diferencial e tanto na produção, com atuações sólidas e convincentes, principalmente da protagonista Missy Peregrym, que transmite bem o desespero de sua personagem. Eric Balfour e Jeff Roop também merecem elogios.
Enfim, ‘Backcountry’ é um filme com muitos méritos, compensa com qualidades técnicas seu roteiro bastante simplório. E pra quem quiser saber mais sobre a história real, assista o documentário ‘O Homem Urso’, do genial Werner Herzog, ou leia um pouco mais aqui.
No Auge da Fama
3.2 63 Assista AgoraApesar da sinopse evocar algo diferente, trata-se sim de uma comédia, e muito boa por sinal. A maioria das piadas funciona muito bem, algumas fazem rir alto. As várias participações especiais também são impagáveis, não vou revelar todas, mas vou destacar as de Cedric The Entertainer e Whoopi Goldberg.
Mas no “intervalo” dessas piadas, Chris Rock tem seus momentos de Woody Allen, preenchendo as cenas com diálogos inteligentes e bem travados, onde trata com senso de humor temas relevantes, como alcoolismo e a indústria da fama, destilando ironia contra a industria na qual se encontra, mas também se rendendo ao mea culpa. Há algo de “existencial” aqui.
É fato que Rock não tem um grande alcance dramático como ator, mas o texto foi tão bem escrito pra si mesmo que nem se nota. E sua companheira na maioria das cenas faz muito bem esse contrapeso, Rosario Dawson vai bem nas cenas mais introspectivas e também nos momentos em que tem que se divertir.
Com Rock mandando bem também na direção, ‘Top Five’ é um dos melhores trabalhos do comediante (ao lado de ‘Everybody hates Chris’), um filme sofisticado, engraçado e muito bem vindo em meio a uma modesta safra de boas comédias.
Chappie
3.6 1,1K Assista AgoraPremissa simples, porém interessante. Mas aí começam os problemas do filme, o foco se perde em meio a uma série de escolhas erradas. O núcleo da história tinha um ponto de partida excelente, abordando as limitações de uma inteligência artificial, o que realmente a separaria de um ser humano entre outras abordagens, que se não são originais, pelo menos são promissoras. Em vez disso o diretor se envereda para um lado diferente, mostrando a influência do meio na formação do indivíduo, a corrupção do ser e a perda da inocência.
“Isso não é ruim”, você deve estar pensando. Realmente a ideia não é, mas a execução é terrível. Juntando o jovem robô a dois personagens extremamente desagradáveis, mal escritos e insuportavelmente mal interpretados (até por que não se tratam de atores profissionais), o roteiro desperdiça todo o carisma de seu protagonista em cenas que vão do humor infantiloide, até sequencias de ação bastante violentas, mas sem muito propósito.
Em outro prisma acompanhamos o duelo do personagem de Dev Patel, único ator que trabalha bem nesse filme, criador da inteligência artificial utilizada em Chappie, contra seu equivalente invejoso vivido por Hugh Jackman, no que talvez seja seu pior trabalho em muitos anos. Vincent Moore é um personagem extremamente caricato, inverossímil e a interpretação de Jackman está exageradamente afetada. Sigourney Weaver é outra que não tem o que fazer no filme, e entrega uma atuação apática e preguiçosa.
Em meio a tantas perdas de foco, quebras de ritmo e furos de roteiro, temos Neil Bloomkamp aperfeiçoando ainda mais sua ideia de futuro distópico, mas sem conseguir escapar da repetição de seus trabalhos anteriores. O ponto forte fica com o próprio Chappie, interpretado por Sharlto Copley, que vai muito bem na voz e principalmente na captura de movimentos.
Enfim, Chappie é o pior trabalho de Bloomkamp até agora, usa de reciclagem de conceitos muito melhor explorados em obras como ‘Robocop’, ‘O Incrível Robô’, ‘O Homem Bicentenário’, ‘AI’ e até mesmo, ‘Pinóquio’, mas não sabe aonde quer chegar com tudo isso. Os momentos engraçadinhos e tocantes não são o suficiente pra compensar a bagunça narrativa que o longa traz.
Segredos de Sangue
3.5 1,2K Assista AgoraToda vez que um cultuado diretor estrangeiro pisa pela primeira vez em solo americano, cresce o medo de que Hollywood pode seu estilo e sua assinatura artística a fim de pasteurizar a obra e torná-la mais palatável ao público estadunidense médio. Quando o sul-coreano Chan-Wook Park, diretor da fantástica Trilogia da Vingança, anunciou seu primeiro projeto em Hollywood logo surgiu a desconfiança. Ainda bem que as expectativas nem sempre se concretizam.
Com uma riqueza de detalhes visuais e sonoros a trama aborda uma possível hereditariedade da psicopatia, onde a mão de Chan-Wook é sentida, com uma câmera escorregadia e um cuidado extremo com cada tomada. Tecnicamente o filme é excepcional, com uma montagem fluída e bem realizada, uma fotografia belíssima e um figurino que ajuda na construção da estranheza do longa.
E por falar em estranheza, o elenco também colabora para essa sensação, apesar de não contar com nenhum desempenho espetacular, demonstra precisão na hora do casting. Nicole Kidman, Matthew Goode e Mia Wasikowska combinam perfeitamente com seus personagens, e isso deixa uma impressão fortíssima e muito positiva.
Enfim, “Segredos de Sangue” é uma obra excepcional que mostra que o talento de Chan-Wook Park não respeita fronteiras. Uma obra cheia de significados, com uma erotização quase mórbida que fala da violência inerente às pessoas, com uma narrativa precisa, que mistura fetiche e suspense e se encerra de maneira estranhamente satisfatória.
Retornados
3.2 86 Assista AgoraA premissa é interessante e evoca vários sub-textos, mas que nunca chegam a ser decentemente explorados, apenas pincelando a questão do preconceito e também do desespero que se instaura na sociedade nos momentos de tragédia anunciada. Trazendo uma vaga lembrança de ‘Ensaio sobre a cegueira’, o filme se mostra como um drama essencialmente humano, mas ao fazê-lo, perde a força quando percebemos que todas as escolhas da narrativa já foram usadas em outros filmes e de maneira mais eficiente.
O roteiro usa de alguns mecanismos bem questionáveis para dar sequência a trama, como a protagonista sair falando pra quem quiser ouvir, algo que certamente deveria ser mantido em sigilo. Sem falar que da metade para o fim a personagem perde qualquer noção do que está acontecendo a sua volta, de maneira que parece que todo mundo prevê o que vai acontecer, menos ela. Isso também prejudica a ideia final, que deveria ser bem mais impactante do que foi.
Com um elenco ok e uma produção, até certo ponto, caprichada, The Returned é um filme de zumbis praticamente sem zumbis, que parte de uma ideia original e bastante interessante, mas se perde na execução e falha em detalhes cruciais. Mesmo assim, pra quem gosta do gênero e está cansado da mesmice que assola a maioria dos filmes de zumbi, é uma boa pedida.
Faces da Verdade
3.7 187Com um roteiro muito bem trabalhado, com diálogos bem escritos e extremamente relevantes, ‘Nothing But The Truth’ nos mostra as terríveis consequências que Rachel enfrenta ao fazer valer a sua principal convicção profissional. Consequências que vão muito além das batalhas judiciais travadas entre seu advogado e o promotor, consequências que refletem física e emocionalmente nela e em todos a sua volta.
A trama intricada e bem conduzida pelo diretor ganha muito ao ser acompanhada por atuações realistas e bastante convincentes. Kate dá um senso moral impressionante a sua personagem, e transparece no olhar cada derrota que sofre no caso. Matt Dillon está implacável como o promotor, que deixa claro até em suas ações mais questionáveis que nada se colocará entre ele e seu objetivo. Entre os coadjuvantes se destacam Vera Farmiga e Alan Alda.
Tecnicamente eficiente o diretor não foge muito da normalidade, deixando o destaque da obra para seu texto politico e seu caráter de reflexão. Enfim, ‘Nothing but the Truth’ é um filme que oferece um dilema quase que inquebrável, botando em xeque as convicções tanto dos personagens quanto dos espectadores. Onde as semelhanças com a realidade são mais do que mera coincidência.
O Que Fazemos nas Sombras
4.0 662 Assista AgoraImagine aqueles reality shows americanos bem populares, tipo ‘Keeping Up With The Kardashians’, mas substitua as socialites por um grupo de quatro vampiros que dividem uma casa em algum lugar da Nova Zelândia. Uma receita curiosa que resultou na melhor e mais original comédia dos últimos tempos.
Durante a projeção conhecemos as dificuldades que os sugadores de sangue encontram para se alimentar, mas principalmente para se manterem atualizados com a tecnologia e com as tendências de moda da atualidade. Eles são basicamente os estereótipos vampirescos já vistos no cinema, o sedutor do século 19, o almofadinha afeminado a lá ‘Entrevista com O Vampiro’, o rebelde e o vampiro monstro, ao estilo Nosferatu.
Com piadas e referências extremamente inteligentes, o roteiro brinca com os clichês tanto dos reality shows, quanto dos filmes de vampiros e criaturas em geral. Ainda sobra tempo para aquelas reflexões tipicas, como a dificuldade de lidar com a passagem do tempo e a imortalidade, o amor e os laços de amizade, tudo feito de maneira leve e bem humorada.
O elenco é afiadíssimo, todos os integrantes estão á vontade e parecem estar se divertindo horrores enquanto atuam. Tanto roteiro, quanto direção são dos mesmos responsáveis pela série ‘Flight of the Conchords’, e trazem um estilo de humor bastante peculiar.
Enfim, com um humor inteligente e algumas sequências impagáveis que ecoarão na sua memória por muito tempo, ‘What we do in the Shadows’ é uma das melhores comédias de horror dos últimos tempos, e um dos grandes filmes “perdidos” de 2014.
John Wick: De Volta ao Jogo
3.8 1,8K Assista AgoraKeanu Reeves é um caso a ser estudado, não consigo me lembrar de outro ator que consegue compensar tão bem com carisma e presença em cena sua inexpressividade e ausência de alcance dramático. Mais uma vez se apoiando nessas qualidades do ator, alguém conseguiu realizar um belo filme de ação.
Uma sinopse simples para um filme simples. John Wick é o típico filme de vingança e o que o faz se destacar em meio a tantos filmes de vingança (os filmes de vingança americanos, pelo menos) é a sua honestidade com suas pretensões e premissa. Em nenhum momento ele tenta ser mais do que de fato é, o diretor Chad Stahelski promete um filme de ação simplista e divertido e entrega exatamente isso.
John Wick não é só um assassino profissional, ele é “O” assassino profissional, e a maneira que foi utilizada para evidenciar o quão fodão ele é foi bastante interessante. Sem diálogos expositivos falando de um provável passado na CIA, FBI, KGB ou qualquer coisa do tipo. Sua construção é digna de uma lenda urbana, com falas como: “…ouvi dizer que ele matou quatro caras com um lápis.” Ou “… você roubou o carro de quem?? Do John Wick, não acredito nisso, você o matou, não é?”. E toda essa construção funciona, antes mesmo dele começar a agir como um “badass motherfucker” o expectador compra o fato de ele ser um “badass motherfucker”.
Outra escolha acertada que evidencia os talentos de John, é o fato de ele ser preciso nos movimentos, sem desperdiçar tempo nem munição, é tiro na cabeça e que venha o próximo capanga. Existem também outros pequenos detalhes que chamam a atenção na produção, existe um submundo dos assassinos muito bem construído e com dinâmicas interessantíssimas, como o Hotel onde ninguém pode “falar de negócios”, ou a empresa de limpeza que arruma a casa depois de um serviço. Parece até que os assassinos tem sua própria moeda.
O elenco, apesar de ter alguns bons nomes pouco aproveitados, como Willem Dafoe e John Leguizamo, é competente e mantém o nível da produção alto. As cenas de ação também merecem certo destaque, apesar do modus operandi de John evocar algumas sequências meio mecânicas, o jeito de filmar, sem câmeras tremidas e cortes bruscos, contribui para o entendimento das cenas.
Enfim, John Wick é um filme de ação honesto e que cumpre exatamente o que promete, uma hora e meia de diversão descompromissada. As continuações parecem inevitáveis. Honestamente foi pra mim o que eu esperava que ‘O Protetor’ seria.