Faz uma semana que assisti, e as cenas ainda "fazem eco" na minha cabeça. Christian Petzold escreveu, assim como, mais uma vez, mostrou um valioso retrato da experiência humana. A personagem estava tão apegada à missão que escolheu para si, ao mesmo tempo em que distante dele mesmo e de quase tudo o que o rodeava. Isto é retratado de modo tão natural e honesto que somos levados à uma tentativa de aproximação da condição psicológica dele. Dá pra sentir a aridez do intelectualismo acadêmico, na qual não se vive nem se expressa criativamente. As atuações são memoráveis em sua simplicidade. Fica a sensação de que eles estavam interpretando eles mesmos, e o filme, se e quando revisto, certamente pode agregar uma experiência nova e significativa.
É curioso notar que o título original, se traduzido, ficaria “a audição”, mas o filme, por alguma razão (ou não), foi intitulado A Professora de Violino. Título que cai bem, dado que o roteiro é todo sobre ela: suas ações corriqueiras e as motivações por detrás das mesmas, a paixão que a impulsionava e sua constante transição entre os papeis de mãe e professora. O roteiro sugere que a busca pela perfeição e a compulsividade possam ser uma só coisa, ambas atividades de provável insucesso. É um rico estudo de personagem que se articula com a máxima freudiana segundo a qual pessoas melhores existiriam, caso não se esforçassem em ser tão boas. Assim é possível e mesmo fácil de senti-lo como um drama agridoce.
É uma história de amor perfeita por sua improbabilidade e por não oferecer a certeza da complementaridade. É dito no filme que somente a ausência é capaz de diferenciar o amor verdadeiro de uma paixão súbita. Assim, ainda que juntos, o casal-título vive separado em boa parte do roteiro. Esta separação, entrelaçada com o tema da morte, faz com que o desejo de ambos, de um pelo outro, não morra. Ademais, isto faz com que desejemos que eles fiquem juntos. É um filme belo, contemplativo e memorável.
O título do filme propositalmente esta no plural, dado que a intranquilidade era a condição de todos os envolvidos. É um retrato sincero sobre uma condição psicopatológica, cuja cura era improvável, daí o desafio de manejar o possível. A construção de personagens foi realizada com primor, o que traz a sensação de sermos testemunhas em cada situação. O desenrolar do roteiro aponta para uma possibilidade de reestabelecimento físico e mental das personagens ao mesmo tempo que invalida a esperança de uma estabilidade. O desenvolvimento da personagem Leila é tão interessante quanto o do protagonista. A bem da verdade, sequer é necessário definir qual dentre os dois protagoniza a situação. Certamente ambos são apresentados enquanto humanos e vulneráveis, cuja demanda era a de serem cuidados.
É um bom melodrama oitentista sobre uma mulher que deseja ser amada. Lianna é a personagem-título e o filme é todo sobre ela: suas emoções, incertezas e seu processo de maturação. Ao mesmo tempo em que parece pouco crível se tratar de uma mãe de dois filhos com mais de trinta anos, é compreensível que a clausura matrimonial não lhe trouxera experiência do que seria viver fora do âmbito doméstico. Daí a semelhança da personagem com uma adolescente da época. Não se trata um dramalhão nem mesmo de uma crítica social acentuada. A atmosfera do filme esta mais para wood alleniana. E nesta possível leveza reside o valor da experiência de assisti-lo.
É uma autêntica LaBruce estória e, enquanto tal, esta sujeita à incompreensão. Os elementos estilísticos do diretor encontram-se todos presentes, tais como a relação entre o sagrado e o profano, o humor sobrenatural e o homoerotismo muitíssimo bem situado. O resultado é um trabalho que não demanda definição de gênero, que se sustenta pela fotografia e se faz interessante pela despretensão em ser levado totalmente a sério. Pode-se notar referências à Derek Jarman e o louvor ao corpo masculino por aquilo que ele é, fetichizado por sua natureza. Vale o questionamento se o diretor quis se fazer compreendido num roteiro que mistura o mitológico com o trash. De todo modo, com base nas avaliações, fica a impressão de que Bruce “veio para os seus e os seus não o receberam (bem)”.
O filme é excelente e o trio de personagens foi muito bem desenvolvido. Em menos de 90 minutos é entregue um roteiro no qual temas essenciais, como o valor da vida e o significado do trabalho, são abordados densamente, com profundidade e um certo humor. O medo de fracassar bem como a coragem estão bem representados nas tentativas das personagens em “fazer a vida dar certo”. Há um inevitável embate entre vocação e o princípio da realidade. Acima de tudo, é um filme sobre sonhos e os impasses para a materialização dos mesmos.
Um roteiro no qual é feita referência à Sunday Blood Sunday (1971) certamente seria significativo, mas não necessariamente constituiria um bom filme. Ainda que a temática de
, em forma de thriller, pareça datada aos dias de hoje, esta teve seu lugar na época do lançamento. No gênero escolhido retrata-se os temas da separação, do luto e, principalmente, do direito de amar a quem se deseja. A execução da proposta, no entanto, pode decepcionar. O roteiro é enigmático em seu início, tornando-se demasiado
explicativo no final. E ainda com acentuado teor moral em seu desfecho, na decisão do personagem em não matar o assassino e doar seu casaco ao mendigo.
Atualmente espera-se assistir casais gays sendo retratados em outros contextos, de forma que este filme pode se tornar desinteressante para ser revisto bem como enfadonho.
A construção de personagens é muito boa e por se tratar de um roteiro pautado em diálogos, torna-se mais interessante descobrir quem são eles. Os temas da separação e perda norteiam o roteiro e podem causar certo dissabor já que a atmosfera do filme é melancólica. É um retrato bom da solidão de homens gays após os 30 anos e da busca por uma complementaridade. Quanto a Jeff, que já encontrava-se em luto pela perda do amigo,
por fim, viu-se mais uma vez sozinho e possivelmente apaixonado. Não houve intenção alguma em se produzir um final feliz e irreal. Ainda assim, um desfecho talvez otimista, dada a possibilidade de reencontro.
Ao revê-lo mais de 10 anos depois, percebo que assisti-lo é uma experiência válida não exatamente por seu roteiro, atuações ou a produção em si mesma, mas por aquilo que ele pode despertar enquanto reflexão ou emoção. Ele é todo sobre memórias, daí que se coloca a possibilidade de que há aquelas que possam estar ou não associadas ao afeto correspondente ao que foi vivido. E nisso as pessoas se perdem. O filme então retrata essa possibilidade de se achar e se perder, mas sobretudo de não se desinteressar de descobrir a pessoa que se é. Neste contexto, aborda temas relevantes como a intolerância à homossexualidade expressa pela violência social bem como religiosa. A personagem sem memória era produto de um meio hostil e seu percurso era de autoconhecimento, tarefa que à cada um cabe a seu modo.
Dona von Trotta é uma visionária que desde seus primeiros filmes revelava um olhar sobre as relações humanas para além da condição limítrofe de um tempo. Sua abordagem sobre o feminismo é realista, nada piegas e ultrapassa barreiras culturais. Em Heller Wahn ela denuncia uma condição socialmente firmada de “mulher para um homem”, de forma que suas personagens transcendem essa condição. A recusa de um papel convencional e aprisionante as leva ao encontro de outras possibilidades para o feminino. Há lugar para o ensino, a literatura, a amizade e a loucura, em síntese, para o discurso de mulheres plurais. Obra memorável em sua direção segura num roteiro que convoca à reflexão e a atenção às sutilezas dos olhares e do não-dito.
O título do filme no Brasil é ingrato, pois sugere um conto de fadas ou mesmo um romance comercial. Não é nada disso. Trata-se de uma abordagem madura sobre as diferenças de classes e do desafio de transposição de uma posição à outra. Ainda que piegas, o título traduzido pode deter certa ironia já que a personagem estava, em partes, tolhida de costurar seus próprios sonhos. É nítido que o desejo individual de ascensão esta condicionado a variáveis sociais. É curioso notar como a lei que determina lugares não é apenas externa, mas encontra-se introjetada no sujeito. Logo, na condição de empregada, à personagem cabia não apenas obedecer e servir mas também dirigir-se ao patrão como “sir”. Para ela, neste lugar, nenhum outro significante era concebível.
Trata-se de uma perspectiva redentora, idílica e emocionante feito o homem aos pés da cruz. Faltou pouco para que fosse dito literalmente: “ainda acredito muito no ser humano”. É curioso notar como no cinema escandinavo algumas vezes se repetem temas das produções americanas, tais como a tentativa de resolução da vida de pessoas mentalmente perturbadas. Ora, não há dúvida de que as quatro personagens não batiam bem da cabeça. Assim beira o assustador estes seres colocados nas posições de pai e mãe. Seria um ótimo roteiro, se mais cru, com ênfase nas questões psicológicas dos protagonistas sem torná-los pessoas irreais. É dinamarquês, mas é novelão.
Não há dúvida de que a abordagem do filme é pertinente e atual, causa desconforto e, consequentemente, deve ser debatida. Ainda assim, um dos problemas das produções estado-unidenses é que tudo é filmado dentro de um “filtro hollywoodiano”. Assim, invariavelmente algumas situações são exacerbadas enquanto outras amenizadas para culminar em um final digerível com música solene. É curioso que isso aconteça quando a proposta é apresentar um retrato minimamente fiel da realidade.
O roteiro se apoia na temática de uma conversão. Seja uma “cura gay” seja transcendê-la e tornar-se livre. Embora baseado em fatos reais, é pouco crível o amadurecimento do personagem principal assim como sua ruptura com uma herança familiar. No geral, embora irrealista, o filme tem o seu lugar para talvez inspirar todo aquele (ou aquela) que vivencia um ambiente hostil e opressor quanto o retratado. Diferente do “novelão” apresentado, todos sabem que a luta diária de lgbts transcende a atmosfera quase idílica e com direito a uma mãe perua e purpurinizada conforme se vê no filme. Em síntese, trata-se de uma narrativa rasa sobre o sofrimento humano. Este mesmo tema encontra melhor desenvolvimento no filme “Salvem-me” (2003).
Xavier Dolan seria a promessa de salvação do roteiro, o que não aconteceu.
Este filme é uma oportunidade ímpar para reflexão e análise do que aconteceu com o mundo dezoito anos após o ano 2000. Pode parecer profético ou mesmo pessimista, mas não, o roteiro é reflexo de uma visão pessoal acerca de possíveis caminhos que as relações humanas teriam. As referências literárias são sublimes. O relacionamento do casal é apreciável. Acima de tudo é um filme sobre paixões: pelo cinema, pela literatura, pelos encontros, pelo sexo, pelo corpo do outro, entre outras.
Em sua abordagem sobre o tempo, fomenta um questionamento quanto ao que tem sido perdido com o desenrolar de um novo milênio. A tecnologia sendo colocada de forma paradoxal. Ao mesmo tempo em que uma câmera de mão acompanha o percurso de um jovem cineasta, tão logo um celular seria fixado às bundas dos futuros escravos. Entre ganhos e perdas, o filme aponta algo de essencial que diz respeito às trocas interpessoais, ao envolvimento, ao diálogo, àquilo que deveria continuar a existir a despeito de transformações já previstas.
Nas duas primeiras partes do filme, fica difícil decidir dentre qual dos dois protagonistas, boys versáteis discretos, é o mais boring. Tem-se uma acirrada disputa para a conquista do troféu "picolé de chuchu". Já na terceira parte, com a entrada da personagem de Jesuíta Barbosa, o roteiro indica tornar-se promissor. Ainda assim, fica apenas a promessa. Poderia ser uma abordagem pertinente e realista sobre a separação e os efeitos do tempo nos relacionamentos humanos. Mas não, nota-se apenas o apego ao modelo europeu de fazer cinema com o uso do silêncio e uma boa fotografia que, nesta produção, dizem tão pouco.
O filme é pretencioso e tão somente consegue ser "raso no profundo". Por se tratar da relação de irmãos brasilidades é ainda mais fácil identificar o quanto o reencontro de ambos não é nada crível, seja pela forma como este se deu, seja por nada desenvolverem desde então. Faltou construção de personagens e diálogos bem escritos. Acima de tudo, faltou decidir entre produzir um trabalho para concorrer a premiações ou a criação de uma abordagem aprofundada que viesse agregar ao cinema gay brasileiro.
Um exemplo de que é possível produzir um trabalho simples com profundidade. O roteiro faz uso da metáfora do peixe fora d'água para abordar a realidade daqueles que são jogados para fora do aquário, ao qual lhes é atribuído um não-lugar, designando-os a uma posição de assujeitamento. Obra que pode ser designada como "ousada" justamente por não se deter em modelos de filmes gays tampouco a esteriótipos cosmopolitas de LGBTs. Causa estranhamento a "ausência de purpurina" como um todo: homossexuais despidos das referências hegemônicas de moda; música sertaneja na trilha e a simplicidade na decoração dos ambientes. Esta estética somada ao fato das atuações parecerem espontâneas indica a possível intenção exitosa dos diretores de mostrar uma realidade como ela é.
Enquanto em algumas cidades do mundo fala-se hoje em agênero, vê-se, pelo filme, que outras estão absolutamente distantes desta compreensão, de forma que o afeto entre dois homens continua sendo concebido como total disparate. Os três protagonistas, cada um a seu modo, são guerreiros. Eles refletem garra, resistência e autenticidade. Certamente representam a realidade daqueles que vivem em cidades interioranas, bem como os que se (re)afirmam em pequenos núcleos familiares, que pagam o preço por não atenderem a uma expectativa familiar heteronormativa.
É certo que um filme com esta abordagem precisava ser produzido nos moldes em que foi feito. Realista e de algum modo poético. Fica o inquérito se o futuro reserva cidades assim, áridas, excludentes e ignorantes, ou se uma perspectiva nova poderá nascer a partir destes que ousam construir um outro tipo de laço.
Espera-se uma abordagem coerente sobre psicopatologia e o que se encontra é o retrato de um marido desorientado, ciumento e machista. O tema do transtorno mental se desfoca num roteiro bastante episódico, fragmentado e sem profundidade alguma no que diz respeito ao cotidiano de uma pessoa com sintomas de depressão. O filme tão apenas se detém em apresentar a realidade conturbada de uma família de classe média e imiscuir certa poesia no caos. Até aí, nada agrega.
Tanto a doença mental da protagonista quanto ela em si ficam em segundo plano num roteiro onde prevalece a posição do marido e seu desafio de lidar com a falta de controle da dinâmica familiar. Isto não apenas anula o tema principal como sugere a repetição de uma visão datada e paternalista do homem como o eixo do lar e responsável por sua estrutura.
O empoderamento de uma mulher. Filme esplêndido cujo título não poderia ser mais apropriado. Este sintetiza a atitude de uma mulher transsexual frente não apenas a uma realidade hostil, mas a uma sociedade intolerante a tudo aquilo que diverge de suas rasas concepções de masculino e feminino. É possível que não mais se precise de produções sobre "autoaceitação gay" e "saída do armário", mas sim roteiros como este, que retratem o cotidiano daqueles que escolheram vivenciar uma sexualidade livre. Marina Vidal reflete a condição de "dar a cara a bater" e expressa força, resiliência e autenticidade. Certamente representa a realidade de LGBTs em suas lutas diárias, a despeito de diferenças econômicas e sociais.
Obra mais que pertinente para a reflexão sobre a pluralidade de gêneros. O espelho colocado no lugar do sexo é uma excelente metáfora para anunciar que ser uma mulher não diz respeito à presença ou ausência de um pênis, mas sim a uma construção pessoal, à busca por uma singularidade, por um modo de se fazer presente no mundo.
Uma joia do cinema italiano! Um ensaio concluído com maestria para se dialogar sobre o obscuro, o buraco e o silêncio. Muito além de um filme sobre julgamento, o roteiro aponta questões cruciais que envolvem os encontros humanos em sua dimensão propriamente física. Não por menos um personagem tão racional quanto o promotor é colocado a ser julgado por si mesmo e por todos num caminho à descoberta de que o sexo se situa muito além da racionalidade. Implica entrega, abandono, disparate. Existe beleza a ser contemplada em cada detalhe deste filme.
Essencial. É um filme que precisava ser produzido. Tem-se mediante um olhar para o outro a oportunidade de reavaliar a própria história, as escolhas e a visão de mundo... E também de ampliar a cabeça, já que a educação escolar recebida sobre comportamento sexual não foi (nem ao menos tem sido) de significativa ajuda.
Trata-se de uma narrativa situada nos anos 90, mas que retrata a condição atual no que diz respeito a ignorância em torno das soropositividades bem como o caminho solitário trilhado por aqueles em tratamento. Diferente de "The Normal Heart" cuja temática é similar, porém comercial e que não avança para além de um entretenimento dramático, eis aqui um filme que explora situações reais. A fatalidade do corpo doente bem como a proximidade da morte são mostrados de forma realista. Tem-se a impressão de que o desafio de manter-se soronegativo é menor se comparado a necessidade de enfrentar uma sociedade ainda ignorante ao assunto que, em muitos casos, se mantém apegada à própria condição de ignorância.
Vale notar que a abordagem não se limita a uma visão europeia do problema, mas abarca outras realidades. Acima de tudo, contempla os dias de hoje, seja pelo insuficiente conhecimento difundido sobre o HIV+, seja pela segregação daqueles que lutam pela vida. Enquanto aqui no Brasil, por exemplo, ainda se presencia a discussão em torno da homossexualidade enquanto patológica ou não, fomenta-se no filme uma questão absolutamente mais ampla. Nesta, a ideia de desvio esta fora de cena, para então mostrar uma luta por sobrevivência, por acesso à saúde e para se existir da forma como se é.
Em 84 minutos, Vecchiali aborda com profundidade as emoções das personagens e cria uma trama humanista sem recorrer a um "dramalhão emocional exagerado". Muito longe disso. Ele também não se limita à noção de que "uma puta também ama". O filme, com efeito, retrata a perspectiva mais ampla de que a possibilidade de "cair" em um encontro amoroso esta colocada para todos. Cair no sentido de tornar-se vítima de uma situação inesperada e ter que lidar com um sentimento forte e imprevisto.
Por se tratar de uma prostituta, tem-se a impressão de que o roteiro corresponda a um ensaio sobre o sexualidade, quando, na realidade, o sexo é a coisa mais simples projetada em tela, por ser um elemento de rotina. O filme é um anúncio sobre a liberdade e suas (im)possibilidades, seja no sexo ou fora dele. Nota-se que o momento
em que a personagem se vê cativa a um sentimento, até então desconhecido, é um ponto de virada no roteiro. Seu desafio é saber o que fazer com isso. Ela não sabia. Foi iniciada na questão do amor e sua inexperiência traz beleza e vivacidade ao filme.
Vale destacar que a resolução do roteiro não descarta a tarefa de se tentar atribuir um desfecho à história do casal, de acordo com a percepção gerada pelo magnetismo do encontro deles. Além disso, é tentador não estabelecer uma correlação entre o nome da protagonista, Rosa, e seu próprio florescer, sendo este um processo que implica dor, sangue e vulnerabilidade, numa abordagem nada "Disney".
O filho não estava giving a shit for her (pouco se importando com a mãe), tanto quando criança como na vida adulta, já como piloto. O comportamento dele evidenciava a passagem do tempo, o fato de que seus únicos reais pais eram aqueles associados ao vínculo. Acima de tudo, isso evidencia que algumas relações não são recuperáveis.
O roteiro funcionaria melhor caso tivesse se encerrado no momento em que Lord Desham chega para o encontro. Decepcionada com a falta de tempo e indiferença do filho, seria a oportunidade para que Jody realizasse a tão necessária metáfora, de substituir o amor pelo filho adulto por o de um outro homem. Seria um desfecho coerente e possível solução à sua condição de faltante enquanto mulher.
Ademais, o uso do mesmo ator para o pai/filho apenas reforça a interpretação de que uma mãe, muitas vezes, busca no filho homem tudo aquilo que na relação com o marido não foi possível alcançar. No caso da personagem, o bloqueio da vida afetiva e sexual para investimento total no filho é indicativo da busca pelo homem perdido, que nunca a amou. Se não fosse a "solução mágica" inventada, Lord Dresdam poderia ser uma saída possível a ela, ainda que não a mais interessante, ainda assim, realista e condizente a uma mulher madura.
Ao chamá-la de "mãe" tem-se mais um exemplo de quando a indústria optou por uma resolução milagrosa e nada crível.
Afire
3.8 45Faz uma semana que assisti, e as cenas ainda "fazem eco" na minha cabeça. Christian Petzold escreveu, assim como, mais uma vez, mostrou um valioso retrato da experiência humana. A personagem estava tão apegada à missão que escolheu para si, ao mesmo tempo em que distante dele mesmo e de quase tudo o que o rodeava. Isto é retratado de modo tão natural e honesto que somos levados à uma tentativa de aproximação da condição psicológica dele. Dá pra sentir a aridez do intelectualismo acadêmico, na qual não se vive nem se expressa criativamente.
As atuações são memoráveis em sua simplicidade. Fica a sensação de que eles estavam interpretando eles mesmos, e o filme, se e quando revisto, certamente pode agregar uma experiência nova e significativa.
A Professora de Violino
3.5 8 Assista AgoraÉ curioso notar que o título original, se traduzido, ficaria “a audição”, mas o filme, por alguma razão (ou não), foi intitulado A Professora de Violino. Título que cai bem, dado que o roteiro é todo sobre ela: suas ações corriqueiras e as motivações por detrás das mesmas, a paixão que a impulsionava e sua constante transição entre os papeis de mãe e professora. O roteiro sugere que a busca pela perfeição e a compulsividade possam ser uma só coisa, ambas atividades de provável insucesso. É um rico estudo de personagem que se articula com a máxima freudiana segundo a qual pessoas melhores existiriam, caso não se esforçassem em ser tão boas. Assim é possível e mesmo fácil de senti-lo como um drama agridoce.
Alice e Martin
3.3 6É uma história de amor perfeita por sua improbabilidade e por não oferecer a certeza da complementaridade. É dito no filme que somente a ausência é capaz de diferenciar o amor verdadeiro de uma paixão súbita. Assim, ainda que juntos, o casal-título vive separado em boa parte do roteiro. Esta separação, entrelaçada com o tema da morte, faz com que o desejo de ambos, de um pelo outro, não morra. Ademais, isto faz com que desejemos que eles fiquem juntos. É um filme belo, contemplativo e memorável.
Os Intranquilos
3.3 6O título do filme propositalmente esta no plural, dado que a intranquilidade era a condição de todos os envolvidos. É um retrato sincero sobre uma condição psicopatológica, cuja cura era improvável, daí o desafio de manejar o possível. A construção de personagens foi realizada com primor, o que traz a sensação de sermos testemunhas em cada situação. O desenrolar do roteiro aponta para uma possibilidade de reestabelecimento físico e mental das personagens ao mesmo tempo que invalida a esperança de uma estabilidade. O desenvolvimento da personagem Leila é tão interessante quanto o do protagonista. A bem da verdade, sequer é necessário definir qual dentre os dois protagoniza a situação. Certamente ambos são apresentados enquanto humanos e vulneráveis, cuja demanda era a de serem cuidados.
Lianna
3.0 13É um bom melodrama oitentista sobre uma mulher que deseja ser amada. Lianna é a personagem-título e o filme é todo sobre ela: suas emoções, incertezas e seu processo de maturação. Ao mesmo tempo em que parece pouco crível se tratar de uma mãe de dois filhos com mais de trinta anos, é compreensível que a clausura matrimonial não lhe trouxera experiência do que seria viver fora do âmbito doméstico. Daí a semelhança da personagem com uma adolescente da época. Não se trata um dramalhão nem mesmo de uma crítica social acentuada. A atmosfera do filme esta mais para wood alleniana. E nesta possível leveza reside o valor da experiência de assisti-lo.
Saint-Narcisse
2.9 11É uma autêntica LaBruce estória e, enquanto tal, esta sujeita à incompreensão. Os elementos estilísticos do diretor encontram-se todos presentes, tais como a relação entre o sagrado e o profano, o humor sobrenatural e o homoerotismo muitíssimo bem situado. O resultado é um trabalho que não demanda definição de gênero, que se sustenta pela fotografia e se faz interessante pela despretensão em ser levado totalmente a sério.
Pode-se notar referências à Derek Jarman e o louvor ao corpo masculino por aquilo que ele é, fetichizado por sua natureza. Vale o questionamento se o diretor quis se fazer compreendido num roteiro que mistura o mitológico com o trash. De todo modo, com base nas avaliações, fica a impressão de que Bruce “veio para os seus e os seus não o receberam (bem)”.
Vivre me tue
3.0 2O filme é excelente e o trio de personagens foi muito bem desenvolvido. Em menos de 90 minutos é entregue um roteiro no qual temas essenciais, como o valor da vida e o significado do trabalho, são abordados densamente, com profundidade e um certo humor. O medo de fracassar bem como a coragem estão bem representados nas tentativas das personagens em “fazer a vida dar certo”. Há um inevitável embate entre vocação e o princípio da realidade. Acima de tudo, é um filme sobre sonhos e os impasses para a materialização dos mesmos.
”This is your dreams”, contudo “nós não somos um sonho”.
Urbania
2.9 15Um roteiro no qual é feita referência à Sunday Blood Sunday (1971) certamente seria significativo, mas não necessariamente constituiria um bom filme. Ainda que a temática de
assassinato gay
explicativo no final. E ainda com acentuado teor moral em seu desfecho, na decisão do personagem em não matar o assassino e doar seu casaco ao mendigo.
Ciao
3.5 53A construção de personagens é muito boa e por se tratar de um roteiro pautado em diálogos, torna-se mais interessante descobrir quem são eles. Os temas da separação e perda norteiam o roteiro e podem causar certo dissabor já que a atmosfera do filme é melancólica. É um retrato bom da solidão de homens gays após os 30 anos e da busca por uma complementaridade.
Quanto a Jeff, que já encontrava-se em luto pela perda do amigo,
por fim, viu-se mais uma vez sozinho e possivelmente apaixonado. Não houve intenção alguma em se produzir um final feliz e irreal. Ainda assim, um desfecho talvez otimista, dada a possibilidade de reencontro.
Amnésia - O Enigma de James Brighton
3.1 20Ao revê-lo mais de 10 anos depois, percebo que assisti-lo é uma experiência válida não exatamente por seu roteiro, atuações ou a produção em si mesma, mas por aquilo que ele pode despertar enquanto reflexão ou emoção. Ele é todo sobre memórias, daí que se coloca a possibilidade de que há aquelas que possam estar ou não associadas ao afeto correspondente ao que foi vivido. E nisso as pessoas se perdem. O filme então retrata essa possibilidade de se achar e se perder, mas sobretudo de não se desinteressar de descobrir a pessoa que se é. Neste contexto, aborda temas relevantes como a intolerância à homossexualidade expressa pela violência social bem como religiosa. A personagem sem memória era produto de um meio hostil e seu percurso era de autoconhecimento, tarefa que à cada um cabe a seu modo.
A Caminho da Loucura
3.7 1Dona von Trotta é uma visionária que desde seus primeiros filmes revelava um olhar sobre as relações humanas para além da condição limítrofe de um tempo. Sua abordagem sobre o feminismo é realista, nada piegas e ultrapassa barreiras culturais. Em Heller Wahn ela denuncia uma condição socialmente firmada de “mulher para um homem”, de forma que suas personagens transcendem essa condição. A recusa de um papel convencional e aprisionante as leva ao encontro de outras possibilidades para o feminino. Há lugar para o ensino, a literatura, a amizade e a loucura, em síntese, para o discurso de mulheres plurais. Obra memorável em sua direção segura num roteiro que convoca à reflexão e a atenção às sutilezas dos olhares e do não-dito.
A Costureira de Sonhos
3.6 16 Assista AgoraO título do filme no Brasil é ingrato, pois sugere um conto de fadas ou mesmo um romance comercial. Não é nada disso. Trata-se de uma abordagem madura sobre as diferenças de classes e do desafio de transposição de uma posição à outra. Ainda que piegas, o título traduzido pode deter certa ironia já que a personagem estava, em partes, tolhida de costurar seus próprios sonhos. É nítido que o desejo individual de ascensão esta condicionado a variáveis sociais. É curioso notar como a lei que determina lugares não é apenas externa, mas encontra-se introjetada no sujeito. Logo, na condição de empregada, à personagem cabia não apenas obedecer e servir mas também dirigir-se ao patrão como “sir”. Para ela, neste lugar, nenhum outro significante era concebível.
Segunda Chance
3.5 75Trata-se de uma perspectiva redentora, idílica e emocionante feito o homem aos pés da cruz. Faltou pouco para que fosse dito literalmente: “ainda acredito muito no ser humano”. É curioso notar como no cinema escandinavo algumas vezes se repetem temas das produções americanas, tais como a tentativa de resolução da vida de pessoas mentalmente perturbadas. Ora, não há dúvida de que as quatro personagens não batiam bem da cabeça. Assim beira o assustador estes seres colocados nas posições de pai e mãe.
Seria um ótimo roteiro, se mais cru, com ênfase nas questões psicológicas dos protagonistas sem torná-los pessoas irreais. É dinamarquês, mas é novelão.
Boy Erased: Uma Verdade Anulada
3.6 404 Assista AgoraNão há dúvida de que a abordagem do filme é pertinente e atual, causa desconforto e, consequentemente, deve ser debatida. Ainda assim, um dos problemas das produções estado-unidenses é que tudo é filmado dentro de um “filtro hollywoodiano”. Assim, invariavelmente algumas situações são exacerbadas enquanto outras amenizadas para culminar em um final digerível com música solene. É curioso que isso aconteça quando a proposta é apresentar um retrato minimamente fiel da realidade.
O roteiro se apoia na temática de uma conversão. Seja uma “cura gay” seja transcendê-la e tornar-se livre. Embora baseado em fatos reais, é pouco crível o amadurecimento do personagem principal assim como sua ruptura com uma herança familiar. No geral, embora irrealista, o filme tem o seu lugar para talvez inspirar todo aquele (ou aquela) que vivencia um ambiente hostil e opressor quanto o retratado. Diferente do “novelão” apresentado, todos sabem que a luta diária de lgbts transcende a atmosfera quase idílica e com direito a uma mãe perua e purpurinizada conforme se vê no filme. Em síntese, trata-se de uma narrativa rasa sobre o sofrimento humano. Este mesmo tema encontra melhor desenvolvimento no filme “Salvem-me” (2003).
Xavier Dolan seria a promessa de salvação do roteiro, o que não aconteceu.
Caminhos Perigosos
3.6 253 Assista AgoraO melhor do filme é o Harvey Keitel sem camisa.
Jonas e Lila, Até Amanhã
3.7 1Este filme é uma oportunidade ímpar para reflexão e análise do que aconteceu com o mundo dezoito anos após o ano 2000. Pode parecer profético ou mesmo pessimista, mas não, o roteiro é reflexo de uma visão pessoal acerca de possíveis caminhos que as relações humanas teriam. As referências literárias são sublimes. O relacionamento do casal é apreciável. Acima de tudo é um filme sobre paixões: pelo cinema, pela literatura, pelos encontros, pelo sexo, pelo corpo do outro, entre outras.
Em sua abordagem sobre o tempo, fomenta um questionamento quanto ao que tem sido perdido com o desenrolar de um novo milênio. A tecnologia sendo colocada de forma paradoxal. Ao mesmo tempo em que uma câmera de mão acompanha o percurso de um jovem cineasta, tão logo um celular seria fixado às bundas dos futuros escravos. Entre ganhos e perdas, o filme aponta algo de essencial que diz respeito às trocas interpessoais, ao envolvimento, ao diálogo, àquilo que deveria continuar a existir a despeito de transformações já previstas.
Praia do Futuro
3.4 932 Assista AgoraNas duas primeiras partes do filme, fica difícil decidir dentre qual dos dois protagonistas, boys versáteis discretos, é o mais boring. Tem-se uma acirrada disputa para a conquista do troféu "picolé de chuchu". Já na terceira parte, com a entrada da personagem de Jesuíta Barbosa, o roteiro indica tornar-se promissor. Ainda assim, fica apenas a promessa. Poderia ser uma abordagem pertinente e realista sobre a separação e os efeitos do tempo nos relacionamentos humanos. Mas não, nota-se apenas o apego ao modelo europeu de fazer cinema com o uso do silêncio e uma boa fotografia que, nesta produção, dizem tão pouco.
O filme é pretencioso e tão somente consegue ser "raso no profundo". Por se tratar da relação de irmãos brasilidades é ainda mais fácil identificar o quanto o reencontro de ambos não é nada crível, seja pela forma como este se deu, seja por nada desenvolverem desde então. Faltou construção de personagens e diálogos bem escritos. Acima de tudo, faltou decidir entre produzir um trabalho para concorrer a premiações ou a criação de uma abordagem aprofundada que viesse agregar ao cinema gay brasileiro.
A Cidade do Futuro
3.0 52Um exemplo de que é possível produzir um trabalho simples com profundidade.
O roteiro faz uso da metáfora do peixe fora d'água para abordar a realidade daqueles que são jogados para fora do aquário, ao qual lhes é atribuído um não-lugar, designando-os a uma posição de assujeitamento. Obra que pode ser designada como "ousada" justamente por não se deter em modelos de filmes gays tampouco a esteriótipos cosmopolitas de LGBTs. Causa estranhamento a "ausência de purpurina" como um todo: homossexuais despidos das referências hegemônicas de moda; música sertaneja na trilha e a simplicidade na decoração dos ambientes. Esta estética somada ao fato das atuações parecerem espontâneas indica a possível intenção exitosa dos diretores de mostrar uma realidade como ela é.
Enquanto em algumas cidades do mundo fala-se hoje em agênero, vê-se, pelo filme, que outras estão absolutamente distantes desta compreensão, de forma que o afeto entre dois homens continua sendo concebido como total disparate. Os três protagonistas, cada um a seu modo, são guerreiros. Eles refletem garra, resistência e autenticidade. Certamente representam a realidade daqueles que vivem em cidades interioranas, bem como os que se (re)afirmam em pequenos núcleos familiares, que pagam o preço por não atenderem a uma expectativa familiar heteronormativa.
É certo que um filme com esta abordagem precisava ser produzido nos moldes em que foi feito. Realista e de algum modo poético. Fica o inquérito se o futuro reserva cidades assim, áridas, excludentes e ignorantes, ou se uma perspectiva nova poderá nascer a partir destes que ousam construir um outro tipo de laço.
Canção da Volta
3.3 29Espera-se uma abordagem coerente sobre psicopatologia e o que se encontra é o retrato de um marido desorientado, ciumento e machista. O tema do transtorno mental se desfoca num roteiro bastante episódico, fragmentado e sem profundidade alguma no que diz respeito ao cotidiano de uma pessoa com sintomas de depressão. O filme tão apenas se detém em apresentar a realidade conturbada de uma família de classe média e imiscuir certa poesia no caos. Até aí, nada agrega.
Tanto a doença mental da protagonista quanto ela em si ficam em segundo plano num roteiro onde prevalece a posição do marido e seu desafio de lidar com a falta de controle da dinâmica familiar. Isto não apenas anula o tema principal como sugere a repetição de uma visão datada e paternalista do homem como o eixo do lar e responsável por sua estrutura.
Uma Mulher Fantástica
4.1 420 Assista AgoraO empoderamento de uma mulher. Filme esplêndido cujo título não poderia ser mais apropriado. Este sintetiza a atitude de uma mulher transsexual frente não apenas a uma realidade hostil, mas a uma sociedade intolerante a tudo aquilo que diverge de suas rasas concepções de masculino e feminino. É possível que não mais se precise de produções sobre "autoaceitação gay" e "saída do armário", mas sim roteiros como este, que retratem o cotidiano daqueles que escolheram vivenciar uma sexualidade livre. Marina Vidal reflete a condição de "dar a cara a bater" e expressa força, resiliência e autenticidade. Certamente representa a realidade de LGBTs em suas lutas diárias, a despeito de diferenças econômicas e sociais.
Obra mais que pertinente para a reflexão sobre a pluralidade de gêneros. O espelho colocado no lugar do sexo é uma excelente metáfora para anunciar que ser uma mulher não diz respeito à presença ou ausência de um pênis, mas sim a uma construção pessoal, à busca por uma singularidade, por um modo de se fazer presente no mundo.
O Processo do Desejo
3.7 7"Peço-te que não me dês aquilo que te peço".
Uma joia do cinema italiano! Um ensaio concluído com maestria para se dialogar sobre o obscuro, o buraco e o silêncio. Muito além de um filme sobre julgamento, o roteiro aponta questões cruciais que envolvem os encontros humanos em sua dimensão propriamente física. Não por menos um personagem tão racional quanto o promotor é colocado a ser julgado por si mesmo e por todos num caminho à descoberta de que o sexo se situa muito além da racionalidade. Implica entrega, abandono, disparate. Existe beleza a ser contemplada em cada detalhe deste filme.
120 Batimentos por Minuto
4.0 190 Assista AgoraEssencial. É um filme que precisava ser produzido. Tem-se mediante um olhar para o outro a oportunidade de reavaliar a própria história, as escolhas e a visão de mundo... E também de ampliar a cabeça, já que a educação escolar recebida sobre comportamento sexual não foi (nem ao menos tem sido) de significativa ajuda.
Trata-se de uma narrativa situada nos anos 90, mas que retrata a condição atual no que diz respeito a ignorância em torno das soropositividades bem como o caminho solitário trilhado por aqueles em tratamento. Diferente de "The Normal Heart" cuja temática é similar, porém comercial e que não avança para além de um entretenimento dramático, eis aqui um filme que explora situações reais. A fatalidade do corpo doente bem como a proximidade da morte são mostrados de forma realista. Tem-se a impressão de que o desafio de manter-se soronegativo é menor se comparado a necessidade de enfrentar uma sociedade ainda ignorante ao assunto que, em muitos casos, se mantém apegada à própria condição de ignorância.
Vale notar que a abordagem não se limita a uma visão europeia do problema, mas abarca outras realidades. Acima de tudo, contempla os dias de hoje, seja pelo insuficiente conhecimento difundido sobre o HIV+, seja pela segregação daqueles que lutam pela vida. Enquanto aqui no Brasil, por exemplo, ainda se presencia a discussão em torno da homossexualidade enquanto patológica ou não, fomenta-se no filme uma questão absolutamente mais ampla. Nesta, a ideia de desvio esta fora de cena, para então mostrar uma luta por sobrevivência, por acesso à saúde e para se existir da forma como se é.
Rosa la Rose, Garota de Programa
3.6 3Em 84 minutos, Vecchiali aborda com profundidade as emoções das personagens e cria uma trama humanista sem recorrer a um "dramalhão emocional exagerado". Muito longe disso. Ele também não se limita à noção de que "uma puta também ama". O filme, com efeito, retrata a perspectiva mais ampla de que a possibilidade de "cair" em um encontro amoroso esta colocada para todos. Cair no sentido de tornar-se vítima de uma situação inesperada e ter que lidar com um sentimento forte e imprevisto.
Por se tratar de uma prostituta, tem-se a impressão de que o roteiro corresponda a um ensaio sobre o sexualidade, quando, na realidade, o sexo é a coisa mais simples projetada em tela, por ser um elemento de rotina. O filme é um anúncio sobre a liberdade e suas (im)possibilidades, seja no sexo ou fora dele. Nota-se que o momento
em que a personagem se vê cativa a um sentimento, até então desconhecido, é um ponto de virada no roteiro. Seu desafio é saber o que fazer com isso. Ela não sabia. Foi iniciada na questão do amor e sua inexperiência traz beleza e vivacidade ao filme.
Vale destacar que a resolução do roteiro não descarta a tarefa de se tentar atribuir um desfecho à história do casal, de acordo com a percepção gerada pelo magnetismo do encontro deles. Além disso, é tentador não estabelecer uma correlação entre o nome da protagonista, Rosa, e seu próprio florescer, sendo este um processo que implica dor, sangue e vulnerabilidade, numa abordagem nada "Disney".
Só Resta Uma Lágrima
4.0 24Há fenômenos de ilusão que "não colam".
O filho não estava giving a shit for her (pouco se importando com a mãe), tanto quando criança como na vida adulta, já como piloto. O comportamento dele evidenciava a passagem do tempo, o fato de que seus únicos reais pais eram aqueles associados ao vínculo. Acima de tudo, isso evidencia que algumas relações não são recuperáveis.
O roteiro funcionaria melhor caso tivesse se encerrado no momento em que Lord Desham chega para o encontro. Decepcionada com a falta de tempo e indiferença do filho, seria a oportunidade para que Jody realizasse a tão necessária metáfora, de substituir o amor pelo filho adulto por o de um outro homem. Seria um desfecho coerente e possível solução à sua condição de faltante enquanto mulher.
Ademais, o uso do mesmo ator para o pai/filho apenas reforça a interpretação de que uma mãe, muitas vezes, busca no filho homem tudo aquilo que na relação com o marido não foi possível alcançar. No caso da personagem, o bloqueio da vida afetiva e sexual para investimento total no filho é indicativo da busca pelo homem perdido, que nunca a amou. Se não fosse a "solução mágica" inventada, Lord Dresdam poderia ser uma saída possível a ela, ainda que não a mais interessante, ainda assim, realista e condizente a uma mulher madura.
Ao chamá-la de "mãe" tem-se mais um exemplo de quando a indústria optou por uma resolução milagrosa e nada crível.