Um conto de fadas gay. A história se passa no início dos anos 80, na qual pais judeus aprovam e até mesmo incentivam que o filho único menor de idade foda livremente com um cara mais velho. Nada mais atípico e absurdo à qualquer moralista defensor da "família tradicional". A proposta do filme é excelente justamente por abordar a paixão e autodescoberta em um roteiro que pode tão facilmente ser reduzido a uma história de sedução e abandono. Quando pensado a partir da ótica do adolescente torna-se mais coerente, dado que é explorado o tempo restante até que as ilusões se desfaçam. Enquanto elas ainda existem pode haver envolvimento, entrega e vulnerabilidade afetiva, e isso traz beleza ao romance, que do contrário não existiria. O filme não demora a "engatar", tão apenas seu ritmo não se adequa à mentalidade dos dias de hoje, em que o apego ocorre de forma absolutamente rápida tanto quanto o desinteresse, de maneira que os vínculos não duram.
A construção de personagens complexas por si mesmo já é um fator que torna esta obra digna de mérito. Para além disso, elas estão inseridas em uma trama densa que aborda com profundidade uma relação marcada pela dependência, entrega e vulnerabilidade emocional. Diferente do que seria uma abordagem superficial de um homem enlouquecido por uma mulher, o roteiro permite a assimilação de um casal improvável e desperta o interesse de entender as determinações de seus comportamentos. Nada é simplista nem mesmo previsível, como as próprias relações humanas não o são. Excelente trabalho para se indagar sobre o mistério que faz com que corpos se liguem e o horror em torno das possibilidades de ruptura.
É tarefa inviável a tentativa de contemplar em um comentário a riqueza do roteiro bem como as sutilezas das atuações. Vale desde então destacar que a seleção de atrizes para avó, mãe e filha foi perfeita e favorece que os temas abordados sejam pensados e sentidos com certo grau de familiaridade. É um filme sobre uma tentativa de recomeço, sem dúvida magnífico por abordar feridas humanas que não se restringem a uma cultura ou a um grupo de determinado nível sócio-econômico.
O filme reitera a verdade de que as relações familiares são espinhosas e perturbadas, e que a novela familiar de cada um é atravessada por mágoas e não-ditos. É interessante notar que o relacionamento entre mãe e filha não é abordado como se representasse "o preto ou o branco", mas sim é expresso por momentos de acordos, sincronismo, boa comunicação... E outros nos quais os conflitos ressurgem. Céu e inferno estão mesclados. Assim, a tentativa de reaproximação de Catherine não se dá nos moldes de um "período problemático" que é superado após um acerto de contas dando origem a uma vida nova. O roteiro descarta estes três tempos imaginários para mostrar tanto "idas e vindas" quanto, acima de tudo, a realidade de que os mesmos conflitos reaparecem, a despeito de já terem sido verbalizados e aparentemente resolvidos.
Nunca o tema da intergeracionalidade gay foi tão bem abordado no cinema. É um filme sobre (des)encontros, que dialoga a ex-sistência do passado mediante um protagonista que tem dificuldade de se situar no momento presente. O roteiro explora a temática da morte em articulação com os efeitos do passar do tempo, que produz perdas, novas cabeças e formas diferentes de relações. Para jogar com o título de um romance de Joyce, o filme pode ser considerado um retrato do artista quando (não mais tão) jovem. Retrato este que se anuncia verdadeiro em um personagem visivelmente angustiado, alheio à sua época e ao mesmo tempo necessitado por fazer algum tipo de laço com o outro.
Sam e Braeden pintam o corpo um do outro, é curioso notar que Sam, tão apegado a sua concepção de que a atual geração gay é alienada, parecia incapaz de enxergar que esta mesma geração tinha algo a lhe ensinar, dado que é esta que se põe a questionar a feminilização do homem enquanto tabu social e a desconstruir o estigma em torno do gay passivo.
Certamente é um filme que complexifica o relacionamento gay intergeracional. Obra memorável por sua construção de personagens bem como pela exploração concisa da singularidade das etapas da vida.
Escrever um comentário a respeito é, de algum modo, reagir ao efeito de emudecimento que o filme provoca. Não ter exatamente o que falar e ao mesmo tempo querer ter as palavras certas para compartilhar a experiência é o resultado deste que pode ser descrito como "um filme para vida". Não há dúvidas de que ele precisava ser feito, que seus diálogos tinham que ser filmados e que, acima de tudo, é uma abordagem honesta sobre as relações humanas. Não se trata da homoafetividade sendo mostrada como um tipo de relação interpessoal em oposição ao interesse/desejo pelo outro sexo, mas sim o afeto pelo igual/mesmo como inerente às relações humanas, e o corpo do outro como imprescindível no caminho da autodescoberta. A identificação com as personagens Thor e Kristján acontece tão naturalmente que parece ser possível se esquecer de sofrimentos passados para então se conectar a dor do outro que se articula ao vazio... E desejar que eles vençam, que o discernimento, o diálogo e a amizade vençam a ignorância e o ódio.
Obra essencial na filmografia do Christian Petzold. É um equívoco pensar que por se tratar de uma produção para TV, este filme é um ítem menor dentre seus trabalhos. De modo algum. Elementos frequentes em seus filmes também encontram-se aqui: a abordagem existencial sobre as personagens, a fuga, o crime, o passado, o não-lugar. Ele problematiza questões sociais e as insere num contexto policial, e o faz com maestria, de modo a conferir densidade a uma trama com menos de uma hora e meia. Interessante notar como a exploração do tema da dificuldade de inserção profissional de diplomados parece ter um cunho profético, dado que o filme foi produzido no final dos anos 90 e tão bem reflete a realidade atual.
, o que me provocou sentimentos ambivalentes. É apreciável a abordagem sobre o aborto explorada no início do filme, a forma realista como o sofrimento e a solidão da personagem são mostrados, bem como a ignorância da família. Ao invés de expôr o encontro e a relação inicial do casal, é o resultado deste (des)encontro que ganha destaque. A narrativa realista inicial se estende
por quase todo o filme e não perde seu teor dramático mesmo com a inclusão de elementos de humor — o pretendente desastrado, a cena de perseguição, o olho inchado, entre outros.
Ademais, o não-lugar em que a personagem se encontra bem como seu desejo por emancipar-se de uma realidade familiar sufocante são temas cruciais para se refletir sobre o feminismo.
A partir da conquista da personagem por um lugar próprio, o apartamento, e sua iniciativa em mostrar-se autoconfiante e independente, é como se o filme revelasse uma segunda abordagem dentro dele mesmo, com humor tacanho, melodramático e deslocado do que fora mostrado até então. Não por menos, culminou em um final absolutamente desconexo e lugar-comum.
Fico pensando até que ponto as regras da indústria hollywoodiana daquela época tiveram influência direta sobre isso.
Como mencionado, causa certo espanto senão desconforto constatar que somente 100 pessoas tem aqui marcado este filme como "visto". É uma obra impecável e atemporal que a faz ser imprescindível à experiência fílmica de qualquer um. Certamente um filme que faz pensar no processo de produção de certezas, na maneira como os ditos são reconhecidos e legitimados enquanto verdades.
Há um momento do filme em que pode-se questionar a própria identificação com a personagem, de forma a cogitar a possibilidade de que o relacionamento dela com Ludwig
. É possível que a crença no discurso midiático ali expresso produza esta incerteza, que posteriormente é desfeita.
É válido o paralelo com o cinema estado-unidense, de modo a pensar como esta mesma abordagem teria outros desdobramentos se realizada pela indústria hollywoodiana, mesmo nos anos 70. Vale a reflexão de que o poder midiático não só estabelece ditos de verdade como regula aquilo que será do conhecimento do grande público. Ademais, a narrativa deste filme tem um fio condutor subversivo que o torna memorável e valioso para ser revisto.
Ainda que o comentário pareça inadequado, se faz válido para a reflexão de que não é a super potência do outro ou mesmo a via do excesso que se faz resposta a uma demanda física ou afetiva. "Romance X" é um título curioso justamente porque "x" diz alguma coisa, mas não se sabe o que. Aquilo que a personagem queria, o que seria uma possível resposta à sua condição de falta enquanto mulher é justamente o que não se sabe, o roteiro tão somente traz indícios de que demanda poderia ser esta. Vale também notar que há uma cisão marcada entre sexo e amor, de maneira que junto ao namorado ela anunciava querer ser amada, enquanto com os demais homens, a ligação era propriamente física. Isso é ilustrado na cena
em ambiente onírico na qual ela esta deitada em uma cama "cortada" por uma parede, e do outro lado se encontra seu corpo da cintura para baixo junto a possíveis homens "fodedores"
. Logo, por um objeto é possível ser amada, enquanto o desejo deve vir de outro. Esta abordagem é contrária à noção popular de que mulheres não são capazes de dividir sexo e amor de modo a canalizar estes intentos em pessoas distintas. Ademais, não é o encontro com um homem capaz de amá-la, desejá-la bem como
Um excelente estudo sobre a agressividade da natureza humana. Este filme pode despertar uma sensação de dissabor difícil de ser explicada, reforçada pela fotografia intimista e até mesmo pela ambientação claustrofóbica própria de internatos. Curioso notar como a narrativa evidencia que o jovem vítima não protagoniza a história, mas sim os demais alunos bem como as autoridades, é como se toda aquela instituição estivesse organizada para fazer imperar não somente a força e o abuso mas também o silêncio. Ainda assim, acredito que o maior desgosto no que diz respeito a expressão da insensibilidade humana é decorrente
do discurso final de Törless, de seu modo propriamente intelectual e frio de perceber e analisar todo aquele sistema. A libertação final deste personagem reforça ainda mais o mal-estar evocado durante todo o filme por meio da não-reação dos envolvidos.
Há dois interessantes paradoxos no filme que não precisam ser resolvidos: se trata de amor ou de fetiche? Afetividade ou patologia? É um trabalho que pode ser assimilado como mero romance, mas em cuja abordagem, Bruce teve a ousadia de desconstruir tanto um ideal de beleza quanto uma concepção socialmente firmada de que não há sexualidade na velhice. A obra é válida não apenas pela inovação, mas por servir de oportunidade para se debater sobre a atração sexual no meio gay, universo em que envelhecer é praticamente um "crime". Com um homossexual idoso à margem do que seria um "sugar daddy", o filme fomenta uma curiosa reflexão sobre a necessidade de manter-se "em forma" para ser objeto de desejo após os 50 anos.
Filme oitentista essencial. Raro de ser encontrado e valioso não apenas por representar um fiel retrato da época, mas pela interessante abordagem de um triângulo amoroso. Os despropósitos da vida são apresentados mediante a forma como os personagens buscam e se retraem de viver uma vida socialmente normalizada.
Um trabalho memorável do Verhoeven. Ótimo exemplo de que 60 minutos é tempo suficiente para se realizar um filme com bom argumento e interessante, sem necessidade de se estender sobre detalhes. A temática da guerra é o contexto para discussão de questões próprias à existência humana, tais como a fidelidade, a perda e a amizade. Acima de tudo, a relação de um homem com a passagem do tempo é mostrada de forma realista. A exposição de um protagonista e quatro companheiros permite que o problema em questão - a vingança de um inocente - seja refletido a partir da forma como cada um lida com a oportunidade de uma revanche.
A aparente simplicidade do roteiro de "Spokój" não anula aquilo que Kieslowski pretendia filmar: uma experiência de liberdade. Pretensão realizada. Não é difícil assimilar o conceito de liberdade presente no filme dado que ele é mostrado a partir de um protagonista para o qual ela fora negada por três anos. Ser liberto da prisão representava a oportunidade por excelência que lhe trazia a perspectiva de mudanças bem como o sentimento de estar vivo. Todo este contexto inicial fora apropriado para que o diretor filmasse tanto uma realidade objetiva, as relações de trabalho, quanto uma condição interna, o sofrimento humano.
O roteiro se sustenta em um humor excelente conforme apresenta as investidas do protagonista na busca por um recomeço. Há situações em que ele até mesmo parece ingênuo, o que desconstrói o esteriótipo de um criminoso - ótima "jogada" de Kieslowski que revela sua abordagem não-moralista sobre o sujeito. Em momento algum se tem a impressão de que seus personagens são julgados ou mesmo rotulados, pelo contrário, a ênfase é dada naquilo que é realmente pertinente à reflexão: as relações trabalhistas bem como a demarcada cisão entre o trabalho prescrito e o executado. É uma obra ímpar acerca das identidades que se constroem a partir das vivências profissionais bem como das dificuldades de comunicação entre camadas hierárquicas opostas. Ademais, muito pode ser dito sobre a sensibilidade do diretor, mas há uma cena que, se interpretada, muito bem a retrata:
Quando Gralak, eufórico ante o casamento com data marcada, anuncia a notícia aos companheiros de trabalho, a câmera acompanha sua subida e declínio em uma plataforma. Para o protagonista, até então, os dois grupos de trabalho eram uma unidade. É uma imagem que revela a cisão do ambiente corporativo, bem como a diferença de posições. O protagonista, que transita entre elas, toma consciência desta realidade com o conflito relativo ao desaparecimento de materiais. Logo, este fator demarcaria um fim à sua ilusão de um meio trabalhista pautado na justiça e valorização do empregado. Só então pode-se considerar se a perspectiva inicial de mudança fora-lhe ou não totalmente desconstruída.
Para aqueles que tem o cinema do Kieslowski em elevada estima, a experiência de assistir "Amator" vem amplificar esta consideração. Mas vale a pergunta: consideração, mais ainda, pelo diretor e sua técnica ou pela reflexão e a abordagem existencial desvelada no roteiro? Não é contraditório louvá-lo pelos dois motivos.
Ao assisti-lo, tem-se a forte impressão de que Filip é um alter ego do diretor, que desta vez, utiliza-se de uma ficção que alude a seu percurso profissional que começou com a realização de documentários. São trabalhos que revelavam não apenas entrevistados, mas pessoas reais cuja história de vida é atribuída de significado ("Fotografia" e "Raio-x" são dois bons exemplos). Neste raciocínio, assim como o personagem vê sua vida mudada, é possível que Kieslowski, a despeito de ter ou não vivenciado algo similar, anuncie a realidade de que o cinema pode alterar a trajetória de um realizador. Logo, os valores iniciais, aquilo que se considera o alicerce de um artista e sua essência devem ser trazidos à razão.
Trata-se de uma obra que discute o papel do artista, mas não se limita ao mesmo justamente porque serve de oportunidade para se repensar nos valores da vida de cada um no que tange às pessoas e prioridades que são deixadas quando uma nova posição social é alcançada. Ainda que as palavras não descrevam, é certo que este filme, com sua densidade e riqueza, aponta a existência de algo relativo às relações humanas cujo valor é vital, que esta para além do cinema e de qualquer instrumento de genialidade possível.
Eis a primeira obra-prima do Kieslowski, seguida por várias outras. Muitos anos antes de expôr o azul enquanto liberdade, já se nota neste trabalho uma abordagem profícua sobre o tema, sendo ambientado numa instituição em que a liberdade é tolida. O filme é composto, em sua maior parte, pela exibição de uma claustrofóbica realidade institucionalizada, que não poderia ser mais agridoce e cindida.
A oposição entre equipe técnica e equipe de arte é um possível equivalente da área operacional e da administrativa. As oficinas de costura e cenografia, enquanto "lugares do fazer" são mostradas enquanto destituídas de sua importância pela gerência. Por se tratar de um teatro, pode-se inferir que os costureiros são, em grande parte, os responsáveis por produzir o espetáculo e revestir o corpo dos atores de um imaginário. O conflito central do filme revela exatamente a desigualdade hierárquica, na qual atores são as estrelas por si mesmas, e a equipe operacional é reduzida a um nada além de uma força-de-trabalho, sem liberdade de expressão. Se em nossa atual realidade, é notório o interesse em transpôr do operacional ao administrativo, no filme também há este desejo de transposição (o de ascender ao palco) no costureiro Soaw - que um dia "iludiu-se" e já não mais crê - bem como em Romek, sensível à linguagem da Arte, seja a uma peça de teatro, seja à música de um violino.
Magnífica realização do polaco, que resultou em obra de curta duração, porém densa, com rico material para análise. Acima de tudo, reveladora das relações de trabalho enquanto possíveis produtoras de uma identidade humana.
Após assisti-lo, pode-se chegar à conclusão de que o título "life as art" (a vida como arte, numa tradução literal) não poderia ser mais apropriado. Ao conhecer alguns detalhes da biografia do Derek, se tem a confirmação do quanto as linguagens da arte eram presentes na sua vida desde sempre, o que, por sua vez, culminaram num cinema autoral, de alguém disposto a expôr suas verdades. Não por menos que ao ver seus trabalhos, é notório estar frente a algo realmente genuíno.
Como mencionado, ele tinha uma vida interna absolutamente rica e à isso se somava seu desejo de autoexpressão. Um cara "do underground", pode ser que sim, mas que queria ser conhecido não por razões meramente egóticas, mas tornar-se conhecido àqueles que fariam algum uso de seu legado. Numa época em que pessoas ainda lutam pelo poder de expressão e para serem elas próprias, seu cinema se torna ainda mais importante. Este doc. tem apenas 60 minutos de duração, um registro curto e essencial, que desperta o desejo de que se prolongasse por mais uma hora. Pareceu-me curto, singular e substancial, assim como foi a vida do artista.
À princípio, parece inevitável dizer que este documentário é essencial à estudantes e profissionais da área da saúde. Mas vai além disso, pois a pertinência do tema abordado torna-o fundamental à todo tipo de público. A doença mental é exposta de maneira realista e contextualizada, o que permite uma experiência de aproximação do sofrimento psíquico dos principais entrevistados, em especial, de Elisângela e Leonor. É um ensaio atual sobre a realidade da internação, mas o que se destaca, mais ainda, foi a iniciativa em mostrar situações do cotidiano dessas duas mulheres quando retornam para suas casas. Pode-se testemunhar o desejo delas por uma perspectiva de superação. Acima de tudo, é uma excelente exposição daquilo que parece abstrato: a singularidade da loucura.
Dentre os filmes do Derek, tenho um apreço especial por "The Garden". Seja porque foi o primeiro que assisti, seja por ser aquele em que o tema do ódio à homossexualidade é exposto com maior ênfase. Ainda que a ausência de diálogos seja uma forma de sobressaltar a imagem e o som, criando um ambiente sensitivo, como em vários outros trabalhos dele, creio que neste há um declarado convite à interpretação.
As belíssimas imagens de seu jardim pessoal bem como a inocência e júbilo nas cenas em que crianças são mostradas pareceram-me uma espécie de celebração da vida. Não importa se orgânica ou humana, a vida é mostrada como um precioso dom. Assim, a violência enquanto destruição gratuita é o que há de mais anti-natural ali representado. Enquanto a religião cristã baseada na história de um "mártir por amor" promoveu (e ainda o faz) intolerância, ódio e ataque aos homossexuais, Derek reconstrói a naturalidade do vínculo homoafetivo, na qual a união gay é dignificada. Logo, há verdadeira beleza no amor como parte integrante da natureza.
Para além da poesia e do valor estético do filme, o principal efeito que ele me provoca é o de indignação. Baseado nos dogmas cristãos, quanto sofrimento se produziu e quantas merdas que acontecem diariamente!
Uma das obras mais impressivas do Derek. Ao mesmo tempo em que a sucessão de cenas nos permite criar uma ligação entre os fatos expostos, o filme é um convite à reflexão sobre possíveis efeitos de guerra. Aborda sobre a dor física, a perda, o desespero, sobre a irreversibilidade de algumas situações. Somente um artista plástico para criar um trabalho assim! A ausência de diálogos é um elemento chave aqui, como em outros filmes dele, pois o que se sobressai é o efeito que as imagens e o som nos causam e não necessariamente o raciocínio que temos a partir de uma situação mostrada. Um imaginário inesgotável.
Foi um grande equívoco pensar que seria apenas um filme de entretenimento. Acredito que poucas vezes no cinema se produziu uma linguagem como esta, que permite "pegar" uma situação bizarra com a qual é possível analisar questões realistas da sociedade. Por vários momentos do filme, pensava na loucura das relações de trabalho, que - como ali representada - o homem vale o quanto ele consegue suportar. Força de trabalho como capacidade de resistência. Em nome da sobrevivência e, especificamente, pela sobrevivência dentro do sistema/grupo, resta às pessoas negarem à elas próprias, "engolirem seus sapos" e continuarem dançando. Legal é quando alguém para e questiona: de que vale tudo isso?
Uma oportunidade ímpar de conhecer o artista da arte. O que não significa que seja o único dentre seus filmes em que Derek revela-se enquanto sujeito, mas é um dos trabalhos principais em que a personalidade do autor é mostrada bem como suas percepções. O filme desperta ainda mais a vontade de conhecê-lo e faz um contraponto excelente com "Glitterbug", lançado um ano depois.
Estou certo de que, Ingmar Bergman, se estivesse vivo, assistiria esse filme com um discreto, porém significativo, sorriso de satisfação, bem como o teria em elevada estima.
Me Chame Pelo Seu Nome
4.1 2,6K Assista AgoraUm conto de fadas gay. A história se passa no início dos anos 80, na qual pais judeus aprovam e até mesmo incentivam que o filho único menor de idade foda livremente com um cara mais velho. Nada mais atípico e absurdo à qualquer moralista defensor da "família tradicional". A proposta do filme é excelente justamente por abordar a paixão e autodescoberta em um roteiro que pode tão facilmente ser reduzido a uma história de sedução e abandono. Quando pensado a partir da ótica do adolescente torna-se mais coerente, dado que é explorado o tempo restante até que as ilusões se desfaçam. Enquanto elas ainda existem pode haver envolvimento, entrega e vulnerabilidade afetiva, e isso traz beleza ao romance, que do contrário não existiria. O filme não demora a "engatar", tão apenas seu ritmo não se adequa à mentalidade dos dias de hoje, em que o apego ocorre de forma absolutamente rápida tanto quanto o desinteresse, de maneira que os vínculos não duram.
Requiem para Uma Mulher
3.9 3A construção de personagens complexas por si mesmo já é um fator que torna esta obra digna de mérito. Para além disso, elas estão inseridas em uma trama densa que aborda com profundidade uma relação marcada pela dependência, entrega e vulnerabilidade emocional. Diferente do que seria uma abordagem superficial de um homem enlouquecido por uma mulher, o roteiro permite a assimilação de um casal improvável e desperta o interesse de entender as determinações de seus comportamentos. Nada é simplista nem mesmo previsível, como as próprias relações humanas não o são. Excelente trabalho para se indagar sobre o mistério que faz com que corpos se liguem e o horror em torno das possibilidades de ruptura.
Barreiras
3.2 8 Assista AgoraÉ tarefa inviável a tentativa de contemplar em um comentário a riqueza do roteiro bem como as sutilezas das atuações. Vale desde então destacar que a seleção de atrizes para avó, mãe e filha foi perfeita e favorece que os temas abordados sejam pensados e sentidos com certo grau de familiaridade. É um filme sobre uma tentativa de recomeço, sem dúvida magnífico por abordar feridas humanas que não se restringem a uma cultura ou a um grupo de determinado nível sócio-econômico.
O filme reitera a verdade de que as relações familiares são espinhosas e perturbadas, e que a novela familiar de cada um é atravessada por mágoas e não-ditos. É interessante notar que o relacionamento entre mãe e filha não é abordado como se representasse "o preto ou o branco", mas sim é expresso por momentos de acordos, sincronismo, boa comunicação... E outros nos quais os conflitos ressurgem. Céu e inferno estão mesclados. Assim, a tentativa de reaproximação de Catherine não se dá nos moldes de um "período problemático" que é superado após um acerto de contas dando origem a uma vida nova. O roteiro descarta estes três tempos imaginários para mostrar tanto "idas e vindas" quanto, acima de tudo, a realidade de que os mesmos conflitos reaparecem, a despeito de já terem sido verbalizados e aparentemente resolvidos.
After Louie
3.3 7Nunca o tema da intergeracionalidade gay foi tão bem abordado no cinema. É um filme sobre (des)encontros, que dialoga a ex-sistência do passado mediante um protagonista que tem dificuldade de se situar no momento presente. O roteiro explora a temática da morte em articulação com os efeitos do passar do tempo, que produz perdas, novas cabeças e formas diferentes de relações. Para jogar com o título de um romance de Joyce, o filme pode ser considerado um retrato do artista quando (não mais tão) jovem. Retrato este que se anuncia verdadeiro em um personagem visivelmente angustiado, alheio à sua época e ao mesmo tempo necessitado por fazer algum tipo de laço com o outro.
Na cena em que
Sam e Braeden pintam o corpo um do outro, é curioso notar que Sam, tão apegado a sua concepção de que a atual geração gay é alienada, parecia incapaz de enxergar que esta mesma geração tinha algo a lhe ensinar, dado que é esta que se põe a questionar a feminilização do homem enquanto tabu social e a desconstruir o estigma em torno do gay passivo.
Certamente é um filme que complexifica o relacionamento gay intergeracional. Obra memorável por sua construção de personagens bem como pela exploração concisa da singularidade das etapas da vida.
Corações de Pedra
3.9 185Escrever um comentário a respeito é, de algum modo, reagir ao efeito de emudecimento que o filme provoca. Não ter exatamente o que falar e ao mesmo tempo querer ter as palavras certas para compartilhar a experiência é o resultado deste que pode ser descrito como "um filme para vida". Não há dúvidas de que ele precisava ser feito, que seus diálogos tinham que ser filmados e que, acima de tudo, é uma abordagem honesta sobre as relações humanas. Não se trata da homoafetividade sendo mostrada como um tipo de relação interpessoal em oposição ao interesse/desejo pelo outro sexo, mas sim o afeto pelo igual/mesmo como inerente às relações humanas, e o corpo do outro como imprescindível no caminho da autodescoberta. A identificação com as personagens Thor e Kristján acontece tão naturalmente que parece ser possível se esquecer de sofrimentos passados para então se conectar a dor do outro que se articula ao vazio... E desejar que eles vençam, que o discernimento, o diálogo e a amizade vençam a ignorância e o ódio.
The Sex Thief
3.6 1Obra essencial na filmografia do Christian Petzold. É um equívoco pensar que por se tratar de uma produção para TV, este filme é um ítem menor dentre seus trabalhos. De modo algum. Elementos frequentes em seus filmes também encontram-se aqui: a abordagem existencial sobre as personagens, a fuga, o crime, o passado, o não-lugar. Ele problematiza questões sociais e as insere num contexto policial, e o faz com maestria, de modo a conferir densidade a uma trama com menos de uma hora e meia. Interessante notar como a exploração do tema da dificuldade de inserção profissional de diplomados parece ter um cunho profético, dado que o filme foi produzido no final dos anos 90 e tão bem reflete a realidade atual.
O Preço de um Prazer
3.8 12Natalie Wood reina brilhantemente neste filme!
O roteiro parece que foi
cindido em dois
por quase todo o filme e não perde seu teor dramático mesmo com a inclusão de elementos de humor — o pretendente desastrado, a cena de perseguição, o olho inchado, entre outros.
A partir da conquista da personagem por um lugar próprio, o apartamento, e sua iniciativa em mostrar-se autoconfiante e independente, é como se o filme revelasse uma segunda abordagem dentro dele mesmo, com humor tacanho, melodramático e deslocado do que fora mostrado até então. Não por menos, culminou em um final absolutamente desconexo e lugar-comum.
A Honra Perdida de Katharina Blum
4.0 16Como mencionado, causa certo espanto senão desconforto constatar que somente 100 pessoas tem aqui marcado este filme como "visto". É uma obra impecável e atemporal que a faz ser imprescindível à experiência fílmica de qualquer um. Certamente um filme que faz pensar no processo de produção de certezas, na maneira como os ditos são reconhecidos e legitimados enquanto verdades.
Há um momento do filme em que pode-se questionar a própria identificação com a personagem, de forma a cogitar a possibilidade de que o relacionamento dela com Ludwig
se iniciara antes do encontro deles na festa
É válido o paralelo com o cinema estado-unidense, de modo a pensar como esta mesma abordagem teria outros desdobramentos se realizada pela indústria hollywoodiana, mesmo nos anos 70. Vale a reflexão de que o poder midiático não só estabelece ditos de verdade como regula aquilo que será do conhecimento do grande público. Ademais, a narrativa deste filme tem um fio condutor subversivo que o torna memorável e valioso para ser revisto.
Romance X
2.9 46A personagem tinha uma inquietação que nem mesmo
os 24cm de Rocco Siffredi puderem extinguir.
em ambiente onírico na qual ela esta deitada em uma cama "cortada" por uma parede, e do outro lado se encontra seu corpo da cintura para baixo junto a possíveis homens "fodedores"
satisfazê-la sexualmente com um filho do sexo masculino
O Jovem Törless
4.1 18Um excelente estudo sobre a agressividade da natureza humana. Este filme pode despertar uma sensação de dissabor difícil de ser explicada, reforçada pela fotografia intimista e até mesmo pela ambientação claustrofóbica própria de internatos. Curioso notar como a narrativa evidencia que o jovem vítima não protagoniza a história, mas sim os demais alunos bem como as autoridades, é como se toda aquela instituição estivesse organizada para fazer imperar não somente a força e o abuso mas também o silêncio. Ainda assim, acredito que o maior desgosto no que diz respeito a expressão da insensibilidade humana é decorrente
do discurso final de Törless, de seu modo propriamente intelectual e frio de perceber e analisar todo aquele sistema. A libertação final deste personagem reforça ainda mais o mal-estar evocado durante todo o filme por meio da não-reação dos envolvidos.
Gerontophilia
3.4 109Há dois interessantes paradoxos no filme que não precisam ser resolvidos: se trata de amor ou de fetiche? Afetividade ou patologia? É um trabalho que pode ser assimilado como mero romance, mas em cuja abordagem, Bruce teve a ousadia de desconstruir tanto um ideal de beleza quanto uma concepção socialmente firmada de que não há sexualidade na velhice. A obra é válida não apenas pela inovação, mas por servir de oportunidade para se debater sobre a atração sexual no meio gay, universo em que envelhecer é praticamente um "crime". Com um homossexual idoso à margem do que seria um "sugar daddy", o filme fomenta uma curiosa reflexão sobre a necessidade de manter-se "em forma" para ser objeto de desejo após os 50 anos.
Os Rapazes da Banda
4.1 71Os diálogos são tão valiosos, sinceros e enriquecedores que dá vontade de rever as mesmas cenas várias vezes até decorá-los.
Os Beatniks
3.3 4Filme oitentista essencial. Raro de ser encontrado e valioso não apenas por representar um fiel retrato da época, mas pela interessante abordagem de um triângulo amoroso. Os despropósitos da vida são apresentados mediante a forma como os personagens buscam e se retraem de viver uma vida socialmente normalizada.
Tudo Passa
3.9 2Um trabalho memorável do Verhoeven. Ótimo exemplo de que 60 minutos é tempo suficiente para se realizar um filme com bom argumento e interessante, sem necessidade de se estender sobre detalhes. A temática da guerra é o contexto para discussão de questões próprias à existência humana, tais como a fidelidade, a perda e a amizade. Acima de tudo, a relação de um homem com a passagem do tempo é mostrada de forma realista. A exposição de um protagonista e quatro companheiros permite que o problema em questão - a vingança de um inocente - seja refletido a partir da forma como cada um lida com a oportunidade de uma revanche.
Calma
3.8 13A aparente simplicidade do roteiro de "Spokój" não anula aquilo que Kieslowski pretendia filmar: uma experiência de liberdade. Pretensão realizada. Não é difícil assimilar o conceito de liberdade presente no filme dado que ele é mostrado a partir de um protagonista para o qual ela fora negada por três anos. Ser liberto da prisão representava a oportunidade por excelência que lhe trazia a perspectiva de mudanças bem como o sentimento de estar vivo. Todo este contexto inicial fora apropriado para que o diretor filmasse tanto uma realidade objetiva, as relações de trabalho, quanto uma condição interna, o sofrimento humano.
O roteiro se sustenta em um humor excelente conforme apresenta as investidas do protagonista na busca por um recomeço. Há situações em que ele até mesmo parece ingênuo, o que desconstrói o esteriótipo de um criminoso - ótima "jogada" de Kieslowski que revela sua abordagem não-moralista sobre o sujeito. Em momento algum se tem a impressão de que seus personagens são julgados ou mesmo rotulados, pelo contrário, a ênfase é dada naquilo que é realmente pertinente à reflexão: as relações trabalhistas bem como a demarcada cisão entre o trabalho prescrito e o executado. É uma obra ímpar acerca das identidades que se constroem a partir das vivências profissionais bem como das dificuldades de comunicação entre camadas hierárquicas opostas. Ademais, muito pode ser dito sobre a sensibilidade do diretor, mas há uma cena que, se interpretada, muito bem a retrata:
Quando Gralak, eufórico ante o casamento com data marcada, anuncia a notícia aos companheiros de trabalho, a câmera acompanha sua subida e declínio em uma plataforma. Para o protagonista, até então, os dois grupos de trabalho eram uma unidade. É uma imagem que revela a cisão do ambiente corporativo, bem como a diferença de posições. O protagonista, que transita entre elas, toma consciência desta realidade com o conflito relativo ao desaparecimento de materiais. Logo, este fator demarcaria um fim à sua ilusão de um meio trabalhista pautado na justiça e valorização do empregado. Só então pode-se considerar se a perspectiva inicial de mudança fora-lhe ou não totalmente desconstruída.
Cinemaníaco
4.2 43Para aqueles que tem o cinema do Kieslowski em elevada estima, a experiência de assistir "Amator" vem amplificar esta consideração. Mas vale a pergunta: consideração, mais ainda, pelo diretor e sua técnica ou pela reflexão e a abordagem existencial desvelada no roteiro? Não é contraditório louvá-lo pelos dois motivos.
Ao assisti-lo, tem-se a forte impressão de que Filip é um alter ego do diretor, que desta vez, utiliza-se de uma ficção que alude a seu percurso profissional que começou com a realização de documentários. São trabalhos que revelavam não apenas entrevistados, mas pessoas reais cuja história de vida é atribuída de significado ("Fotografia" e "Raio-x" são dois bons exemplos). Neste raciocínio, assim como o personagem vê sua vida mudada, é possível que Kieslowski, a despeito de ter ou não vivenciado algo similar, anuncie a realidade de que o cinema pode alterar a trajetória de um realizador. Logo, os valores iniciais, aquilo que se considera o alicerce de um artista e sua essência devem ser trazidos à razão.
Trata-se de uma obra que discute o papel do artista, mas não se limita ao mesmo justamente porque serve de oportunidade para se repensar nos valores da vida de cada um no que tange às pessoas e prioridades que são deixadas quando uma nova posição social é alcançada. Ainda que as palavras não descrevam, é certo que este filme, com sua densidade e riqueza, aponta a existência de algo relativo às relações humanas cujo valor é vital, que esta para além do cinema e de qualquer instrumento de genialidade possível.
Pessoal
3.6 2Eis a primeira obra-prima do Kieslowski, seguida por várias outras. Muitos anos antes de expôr o azul enquanto liberdade, já se nota neste trabalho uma abordagem profícua sobre o tema, sendo ambientado numa instituição em que a liberdade é tolida. O filme é composto, em sua maior parte, pela exibição de uma claustrofóbica realidade institucionalizada, que não poderia ser mais agridoce e cindida.
A oposição entre equipe técnica e equipe de arte é um possível equivalente da área operacional e da administrativa. As oficinas de costura e cenografia, enquanto "lugares do fazer" são mostradas enquanto destituídas de sua importância pela gerência. Por se tratar de um teatro, pode-se inferir que os costureiros são, em grande parte, os responsáveis por produzir o espetáculo e revestir o corpo dos atores de um imaginário. O conflito central do filme revela exatamente a desigualdade hierárquica, na qual atores são as estrelas por si mesmas, e a equipe operacional é reduzida a um nada além de uma força-de-trabalho, sem liberdade de expressão. Se em nossa atual realidade, é notório o interesse em transpôr do operacional ao administrativo, no filme também há este desejo de transposição (o de ascender ao palco) no costureiro Soaw - que um dia "iludiu-se" e já não mais crê - bem como em Romek, sensível à linguagem da Arte, seja a uma peça de teatro, seja à música de um violino.
Magnífica realização do polaco, que resultou em obra de curta duração, porém densa, com rico material para análise. Acima de tudo, reveladora das relações de trabalho enquanto possíveis produtoras de uma identidade humana.
Derek Jarman: A Vida Como Arte
3.7 5Após assisti-lo, pode-se chegar à conclusão de que o título "life as art" (a vida como arte, numa tradução literal) não poderia ser mais apropriado. Ao conhecer alguns detalhes da biografia do Derek, se tem a confirmação do quanto as linguagens da arte eram presentes na sua vida desde sempre, o que, por sua vez, culminaram num cinema autoral, de alguém disposto a expôr suas verdades. Não por menos que ao ver seus trabalhos, é notório estar frente a algo realmente genuíno.
Como mencionado, ele tinha uma vida interna absolutamente rica e à isso se somava seu desejo de autoexpressão. Um cara "do underground", pode ser que sim, mas que queria ser conhecido não por razões meramente egóticas, mas tornar-se conhecido àqueles que fariam algum uso de seu legado. Numa época em que pessoas ainda lutam pelo poder de expressão e para serem elas próprias, seu cinema se torna ainda mais importante. Este doc. tem apenas 60 minutos de duração, um registro curto e essencial, que desperta o desejo de que se prolongasse por mais uma hora. Pareceu-me curto, singular e substancial, assim como foi a vida do artista.
A Loucura Entre Nós
4.1 43À princípio, parece inevitável dizer que este documentário é essencial à estudantes e profissionais da área da saúde. Mas vai além disso, pois a pertinência do tema abordado torna-o fundamental à todo tipo de público. A doença mental é exposta de maneira realista e contextualizada, o que permite uma experiência de aproximação do sofrimento psíquico dos principais entrevistados, em especial, de Elisângela e Leonor. É um ensaio atual sobre a realidade da internação, mas o que se destaca, mais ainda, foi a iniciativa em mostrar situações do cotidiano dessas duas mulheres quando retornam para suas casas. Pode-se testemunhar o desejo delas por uma perspectiva de superação. Acima de tudo, é uma excelente exposição daquilo que parece abstrato: a singularidade da loucura.
O Jardim
3.7 11Dentre os filmes do Derek, tenho um apreço especial por "The Garden". Seja porque foi o primeiro que assisti, seja por ser aquele em que o tema do ódio
à homossexualidade é exposto com maior ênfase. Ainda que a ausência de diálogos seja uma forma de sobressaltar a imagem e o som, criando um ambiente sensitivo, como em vários outros trabalhos dele, creio que neste há um declarado convite à interpretação.
As belíssimas imagens de seu jardim pessoal bem como a inocência e júbilo nas cenas em que crianças são mostradas pareceram-me uma espécie de celebração da vida. Não importa se orgânica ou humana, a vida é mostrada como um precioso dom. Assim, a violência enquanto destruição gratuita é o que há de mais anti-natural ali representado. Enquanto a religião cristã baseada na história de um "mártir por amor" promoveu (e ainda o faz) intolerância, ódio e ataque aos homossexuais, Derek reconstrói a naturalidade do vínculo homoafetivo, na qual a união gay é dignificada. Logo, há verdadeira beleza no amor como parte integrante da natureza.
Para além da poesia e do valor estético do filme, o principal efeito que ele me provoca é o de indignação. Baseado nos dogmas cristãos, quanto sofrimento se produziu e quantas merdas que acontecem diariamente!
War Requiem
3.8 7Uma das obras mais impressivas do Derek. Ao mesmo tempo em que a sucessão de cenas nos permite criar uma ligação entre os fatos expostos, o filme é um convite à reflexão sobre possíveis efeitos de guerra. Aborda sobre a dor física, a perda, o desespero, sobre a irreversibilidade de algumas situações. Somente um artista plástico para criar um trabalho assim! A ausência de diálogos é um elemento chave aqui, como em outros filmes dele, pois o que se sobressai é o efeito que as imagens e o som nos causam e não necessariamente o raciocínio que temos a partir de uma situação mostrada. Um imaginário inesgotável.
A Noite dos Desesperados
4.2 112 Assista AgoraFoi um grande equívoco pensar que seria apenas um filme de entretenimento. Acredito que poucas vezes no cinema se produziu uma linguagem como esta, que permite "pegar" uma situação bizarra com a qual é possível analisar questões realistas da sociedade. Por vários momentos do filme, pensava na loucura das relações de trabalho, que - como ali representada - o homem vale o quanto ele consegue suportar. Força de trabalho como capacidade de resistência. Em nome da sobrevivência e, especificamente, pela sobrevivência dentro do sistema/grupo, resta às pessoas negarem à elas próprias, "engolirem seus sapos" e continuarem dançando. Legal é quando alguém para e questiona: de que vale tudo isso?
Blue
4.4 35Uma oportunidade ímpar de conhecer o artista da arte. O que não significa que seja o único dentre seus filmes em que Derek revela-se enquanto sujeito, mas é um dos trabalhos principais em que a personalidade do autor é mostrada bem como suas percepções. O filme desperta ainda mais a vontade de conhecê-lo e faz um contraponto excelente com "Glitterbug", lançado um ano depois.
Coração Mudo
3.5 15 Assista AgoraEstou certo de que, Ingmar Bergman, se estivesse vivo, assistiria esse filme com um discreto, porém significativo, sorriso de satisfação, bem como o teria em elevada estima.