Muitos foram os filmes contando a lendária história de Wyatt Earp, xerife de Tombstone, o tiroteio ocorrido no O.K. Curral do qual ele foi o protagonista: Sem lei, sem alma (Gunfight at the O.K. Corral, 1957) e A Hora da Pistola (Hour of the gun, 1967), ambos de John Sturges; Massacre de Pistoleiros (Doc, 1971), de Frank Perry; Tombstone - A Justiça está chegando (Tombstone, 1993), de George P. Cosmatos; e Wyatt Earp (1994), de Lawrence Kasdan, com Kevin Costner.
Para muitos, esta versão dirigida por John Ford em 1946, destaca-se não apenas por ser uma das primeiras delas, mas sim por ser a mas memorável. Primeiro, por usar com mote para narrativa não o famoso duelo em si, mas a relação de amizade entre Wyatt (Henry Fonda, inspiradíssimo) e Doc Holiday (Victor Mature); e o amor dos dois pela bela Clementine (Cathy Downs). Este, por seu turno, é embalado pela clássica canção "Oh, my darling Clementine". Cenas como do ator alcoólatra declamando o monólogo de Hamlet em cima de uma mesa de bar, ou aquela em que Wyatt descobre um jeito inusitado de se divertir sentando em uma cadeira, são singelas mostras da capacidade de Ford de compor cenas inesquecíveis a partir de premissas banais.
Merece destaque a atuação do veterano Walter Brennan (3 vezes premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, em 1936, 19388 e 1942) como o velho e ardiloso patriarca da família Clanton e antagonista de Earp.
O confronto, segundo fontes históricas precisas, aconteceu as 3:00h da tarde de uma quarta-feira a 26 de outubro de 1881, no território de Arizona. Acabou sendo tranformado em símbolo da luta contra o mal enquanto Earp foi transformado em arquétipo do homem justo íntegro e incorruptível que, tornado xerife, limpa a cidade de seus malfeitores. Anos mais tarde, John Ford revisitaria estes temas, apurando seu olhar e invertendo suas conclusões sobre eles, realizando uma de suas obras-primas: O homem que matou os facínora (The man who kills Liberty Valence), com James Stweart, John Wayne e Lee Marvin.
Toda mentira sobre o Holdomor começou quando William Randolph Hearst, magnata da imprensa estadunidense, conhecido antes da Segunda Guerra como "o fascista nº1 da América", viajou para Alemanha em 1934, cerca de 1 ano depois da ascensão de Hitler ao poder. Nessa viagem ele travou contato principalmente com Alfred Rosenberg, ideólogo do Partido Nazista, que, terminada a Segunda Guerra (1945), acabou julgado e executado no Tribunal de Nuremberg por crimes contra a humanidade.
No ano seguinte à viagem (1935), os jornais de Hearst começaram a espalhar a farsa do “holocausto ucraniano”. Hearst havia começado sua vida como empresário em 1887 após assumir o controle do jornal The San Francisco Examiner, que era do seu pai. Se mudando para Nova Iorque, ele comprou o The New York Journal e criou então a noção de "imprensa marrom", sendo por isso considerado "o pai do sensacionalismo". Neste ínterim, entrou em uma guerra de negócios com Joseph Pulitzer (já ouviu falar no Prêmio Pulitzer?), dono do New York World.
Porém, foi Walter Dushnyck, um colaborador dos nazistas e terrorista da “Organização Militar Ucraniana” (que apoiou os nazistas quando estes ocuparam parte da Ucrània em 1941), o homem por trás da farsa. Dushnyck refugiou-se nos EUA após a II Guerra, onde publicou o livro "50 anos atrás: o Holocausto de Fome na Ucrânia" (50 Years Ago: The Famine Holocaust in Ukraine, 1983), um panfleto repleto de referências nazistas, incluindo a capa, como uma caveira branca sobre uma foice e um martelo vermelhos: um dos temas favoritos dos posters hitleristas. Este livro continha as fotos do "genocídio ucraniano” publicadas originalmente no jornal de Hitler, o “Völkischer Beobachter” e nos de seu apoiador americano, William Randolph Hearst (cuja vida inspirou o filme Cidadão Kane).
Cabe lembrar que Hearst tinha estreita relação com o senador Joseph McCarthy, sendo um dos nomes fortes por trás do movimento de "caça aos comunistas" iniciado por ele na década de 1950, no que ficou conhecido como Macarthismo. Por meio do Comitê de Atividades Anti-Americanas, McCarthy liderou um comitiva inquisitorial que perseguiu qualquer que tivesse a mínima conexão com o marxismo, como o roteirista Dalton Trumbo, os diretoires Edward Dmytryk, John Huston e Orson Welles (que Hearst fez de tudo para derrubar quando este lançou Cidadão Kane), os atores Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Gregory Peck, Katharine Hepburn, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Gene Kelly e até mesmo Frank Sinatra.
Outro responsável por disseminar essas mentiras sobre a URSS foi o escritor Robert Conquest, nos livros O Grande Terror (The Great Terror, 1968) e Colheita Amarga (The Harvest of Sorrow, 1986). O que poucos sabem é que Conquest trabalhou até meados da década de 50 para o Information Research Department (Departamento de Pesquisa de Informação), um organismo secreto do Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros) criado em 1948 pelo governo trabalhista para estudar o comunismo e combater ativamente a sua influência interna e externamente, promovendo um eficaz relacionamento com jornalistas dos principais jornais, dirigentes sindicais, etc. Datam desse tempo os seus primeiros textos sobre a União Soviética.
Robert Conquest, para escrever seu livro, teve como ajudante James Mace que, assim como Nicolas Werth (organizador do "Livro negro do comunismo”), adotaram um método estatístico falho criado por Dushnyck para "medir" a quantidade de mortos na fome de 1931-32. O método de Dushnyck pode ser avaliado pelo seguinte trecho de seu livro: “tomando os dados do censo de 1926 e os do censo de 1939 e a média de aumento [da população] antes da coletivização (2.36% ao ano), podemos calcular que a Ucrânia perdeu 7 milhões e 500 mil pessoas entre os dois censos”. Logo, ele conclui que esses seriam os mortos de fome entre 1932 e 1933.
O método de Dushnyc apresenta outras falhas: 1) Ignorar o fato de que uma parte da população que no censo de 1926 era classificada como ucraniana – cerca de 2 a 3 milhões de cossacos – foi,no censo de 1939, reclassificada como russa, pela simples razão de que viviam da Rússia e não na Ucrânia.
2) Pressupor que, entre 1926 e 1939 ninguém morreu de outra causa que não a fome, como frio, pneumonia, velhice, etc.
3) Ignorar que na URSS e outros países, durante esse período, ocorreram duas grandes epidemias tifo e malária, ambas sem tratamento conhecido na época.
4) Pressupor que o número de mulheres na idade reprodutiva e com vida sexual ativa tivesse se mantido inalterado no período.
5) Ignorar as mortes na guerra e as quedas nas taxas de natalidade e fecundidade entre 1914 (início da I Guerra Mundial) e 1921 (fim da Guerra Civil).
6) Pressupor que a taxa de natalidade permaneceu constante durante os 13 anos em que a URSS passou por uma extraordinária transformação, com industrialização pesada sendo realizada, a reforma agrária por meio da coletivização da agricultura, além da preparação da defesa do país para a guerra, passos indispensáveis para a construção do socialismo.
A fome de 1931-1932, não foi causada pelo Estado soviético, nem foi planejada ou premeditada por Stalin. Primeiro, porque não morreram apenas ucranianos, mas também russos, bielorrussos e cazaques. Os camponeses ricos da Ucrânia, que exploravam a mão de obra do campesinato local, opondo-se à coletivização. Os próprios kulaks, que haviam enriquecido com a NEP de Lenin, recusaram-se a colher os frutos e grãos, principalmente depois que muitos camponeses sem-terra optaram por migrar para outras regiões da União Soviética, trabalhando em fazendas coletivas (as kolkhoses), em vez de ficar naquela região, sendo explorados.
Grupos de extrema-direita anti-comunistas, como a Organização Militar Ucraniana, atearam fogo nas suas plantações, atiraram nos rebanhos, matando animais, com o intuito de sabotar o processo de coletivização. Haviam, à época, 10 milhões de “kulaks”, para uma população camponesa total de 120 milhões de pessoas. Cerca de 1 milhão e 800 mil deles, por causa da pressão dos kulaks, optaram por migrar para outras localidades.
Pelo método de Dushnyck, adotado por outros autores como Robert Conquest e Nicolas Werth, a transformação da União Soviética, de país agrário a potencia industrial, bem com a passagem pela Guerra Civil (1918-1921) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não teria afetado a taxa de natalidade. Em conseqüência dessa falha metodológica pessoas que nunca nasceram foram considerados mortas em genocídio que nunca se provou. Pois a taxa de natalidade, evidentemente, caiu entre 1926 e 1939 – e caiu significativamente.
Segundo Dushynck e os seguidores de seu método, teriam morrido 10 milhões de pessoas na fome de 1931-1932. Todavia, Rússia, Ucrânia e muitos países do mundo, até meados do século XX, quando se consolidou a chamada "Revolução Verde", enfrentavam crises periódicas de fome. Entre 1891 e 1892, no Império Russo, governado pelo czarismo, a fome matou entre 13 e 35 milhões de pessoas, em decorrência, além das técnicas precárias de cultivo, do rigoroso inverno no qual as temperaturas chegaram a -31º C.
Outras fontes: BLACK, Edwin. A IBM e o Holocausto. DAVIS, Marion. The Times we Had: life with William Randolf Hearst DIAMOND, Jared. Armas, Germes, Aço: o destino das sociedades humanas. LEONHARD, Wolfgang. O Futuro da União Soviética. LOSURDO, Domenico. Stalin: história e crítica de uma lenda negra. MARTENS, Ludo. Stalin: um novo olhar. NASAN, David. The Chief: the life of William Randolf Hearst STRONG, Anna L. A Era Stalin. PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the early years (1863-1910) PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the later years (1911-1951) TOTTLE, Douglas. Fraude, Fome e Fascismo.
A fome de 1931-1932, não foi causada pelo Estado soviético, nem foi planejada ou premeditada por Stalin. Primeiro, porque não morreram apenas ucranianos, mas também russos, bielorrussos e cazaques. Os camponeses ricos da Ucrânia, que exploravam a mão de obra do campesinato local, opondo-se à coletivização. Os próprios kulaks, que haviam enriquecido com a NEP de Lenin, recusaram-se a colher os frutos e grãos, principalmente depois que muitos camponeses sem-terra optaram por migrar para outras regiões da União Soviética, trabalhando em fazendas coletivas (as kolkhoses), em vez de ficar naquela região, sendo explorados.
Grupos de extrema-direita anti-comunistas, como a Organização Militar Ucraniana, atearam fogo nas suas plantações, atiraram nos rebanhos, matando animais, com o intuito de sabotar o processo de coletivização. Haviam, à época, 10 milhões de “kulaks”, para uma população camponesa total de 120 milhões de pessoas. Cerca de 1 milhão e 800 mil deles, por causa da pressão dos kulaks, optaram por migrar para outras localidades.
Toda mentira sobre o Holdomor começou quando William Randolph Hearst, magnata da imprensa estadunidense, conhecido antes da Segunda Guerra como "o fascista nº1 da América", viajou para Alemanha em 1934, cerca de 1 ano depois da ascensão de Hitler ao poder. Nessa viagem ele travou contato principalmente com Alfred Rosenberg, ideólogo do Partido Nazista, que, terminada a Segunda Guerra (1945), acabou julgado e executado no Tribunal de Nuremberg por crimes contra a humanidade.
No ano seguinte à viagem (1935), os jornais de Hearst começaram a espalhar a farsa do “holocausto ucraniano”. Hearst havia começado sua vida como empresário em 1887 após assumir o controle do jornal The San Francisco Examiner, que era do seu pai. Se mudando para Nova Iorque, ele comprou o The New York Journal e criou então a noção de "imprensa marrom", sendo por isso considerado "o pai do sensacionalismo". Neste ínterim, entrou em uma guerra de negócios com Joseph Pulitzer (já ouviu falar no Prêmio Pulitzer?), dono do New York World.
Porém, foi Walter Dushnyck, um colaborador dos nazistas e terrorista da “Organização Militar Ucraniana” (que apoiou os nazistas quando estes ocuparam parte da Ucrània em 1941), o homem por trás da farsa. Dushnyck refugiou-se nos EUA após a II Guerra, onde publicou o livro "50 anos atrás: o Holocausto de Fome na Ucrânia" (50 Years Ago: The Famine Holocaust in Ukraine, 1983), um panfleto repleto de referências nazistas, incluindo a capa, como uma caveira branca sobre uma foice e um martelo vermelhos: um dos temas favoritos dos posters hitleristas. Este livro continha as fotos do "genocídio ucraniano” publicadas originalmente no jornal de Hitler, o “Völkischer Beobachter” e nos de seu apoiador americano, William Randolph Hearst (cuja vida inspirou o filme Cidadão Kane).
Cabe lembrar que Hearst tinha estreita relação com o senador Joseph McCarthy, sendo um dos nomes fortes por trás do movimento de "caça aos comunistas" iniciado por ele na década de 1950, no que ficou conhecido como Macarthismo. Por meio do Comitê de Atividades Anti-Americanas, McCarthy liderou um comitiva inquisitorial que perseguiu qualquer que tivesse a mínima conexão com o marxismo, como o roteirista Dalton Trumbo, os diretoires Edward Dmytryk, John Huston e Orson Welles (que Hearst fez de tudo para derrubar quando este lançou Cidadão Kane), os atores Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Gregory Peck, Katharine Hepburn, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Gene Kelly e até mesmo Frank Sinatra.
Outro responsável por disseminar essas mentiras sobre a URSS foi o escritor Robert Conquest, nos livros O Grande Terror (The Great Terror, 1968) e Colheita Amarga (The Harvest of Sorrow, 1986). O que poucos sabem é que Conquest trabalhou até meados da década de 50 para o Information Research Department (Departamento de Pesquisa de Informação), um organismo secreto do Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros) criado em 1948 pelo governo trabalhista para estudar o comunismo e combater ativamente a sua influência interna e externamente, promovendo um eficaz relacionamento com jornalistas dos principais jornais, dirigentes sindicais, etc. Datam desse tempo os seus primeiros textos sobre a União Soviética.
Robert Conquest, para escrever seu livro, teve como ajudante James Mace que, assim como Nicolas Werth (organizador do "Livro negro do comunismo”), adotaram um método estatístico falho criado por Dushnyck para "medir" a quantidade de mortos na fome de 1931-32. O método de Dushnyck pode ser avaliado pelo seguinte trecho de seu livro: “tomando os dados do censo de 1926 e os do censo de 1939 e a média de aumento [da população] antes da coletivização (2.36% ao ano), podemos calcular que a Ucrânia perdeu 7 milhões e 500 mil pessoas entre os dois censos”. Logo, ele conclui que esses seriam os mortos de fome entre 1932 e 1933.
O método de Dushnyc apresenta outras falhas: 1) Ignorar o fato de que uma parte da população que no censo de 1926 era classificada como ucraniana – cerca de 2 a 3 milhões de cossacos – foi,no censo de 1939, reclassificada como russa, pela simples razão de que viviam da Rússia e não na Ucrânia.
2) Pressupor que, entre 1926 e 1939 ninguém morreu de outra causa que não a fome, como frio, pneumonia, velhice, etc.
3) Ignorar que na URSS e outros países, durante esse período, ocorreram duas grandes epidemias tifo e malária, ambas sem tratamento conhecido na época.
4) Pressupor que o número de mulheres na idade reprodutiva e com vida sexual ativa tivesse se mantido inalterado no período.
5) Ignorar as mortes na guerra e as quedas nas taxas de natalidade e fecundidade entre 1914 (início da I Guerra Mundial) e 1921 (fim da Guerra Civil).
6) Pressupor que a taxa de natalidade permaneceu constante durante os 13 anos em que a URSS passou por uma extraordinária transformação, com industrialização pesada sendo realizada, a reforma agrária por meio da coletivização da agricultura, além da preparação da defesa do país para a guerra, passos indispensáveis para a construção do socialismo.
Ou seja, pelo método de Dushnyck, adotado por outros autores como Robert Conquest e Nicolas Werth, a transformação da União Soviética, de país agrário a potencia industrial, bem com a passagem pela Guerra Civil (1918-1921) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não teria afetado a taxa de natalidade. Em conseqüência dessa falha metodológica pessoas que nunca nasceram foram considerados mortas em genocídio que nunca se provou. Pois a taxa de natalidade, evidentemente, caiu entre 1926 e 1939 – e caiu significativamente.
Segundo Dushynck e os seguidores de seu método, teriam morrido 10 milhões de pessoas na fome de 1931-1932. Todavia, Rússia, Ucrânia e muitos países do mundo, até meados do século XX, quando se consolidou a chamada "Revolução Verde", enfrentavam crises periódicas de fome. Entre 1891 e 1892, no Império Russo, governado pelo czarismo, a fome matou entre 13 e 35 milhões de pessoas, em decorrência, além das técnicas precárias de cultivo, do rigoroso inverno no qual as temperaturas chegaram a -31º C.
Outras fontes: BLACK, Edwin. A IBM e o Holocausto. DAVIS, Marion. The Times we Had: life with William Randolf Hearst DIAMOND, Jared. Armas, Germes, Aço: o destino das sociedades humanas. LEONHARD, Wolfgang. O Futuro da União Soviética. LOSURDO, Domenico. Stalin: história e crítica de uma lenda negra. MARTENS, Ludo. Stalin: um novo olhar. NASAN, David. The Chief: the life of William Randolf Hearst STRONG, Anna L. A Era Stalin. PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the early years (1863-1910) PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the later years (1911-1951) TOTTLE, Douglas. Fraude, Fome e Fascismo.
A grosso modo, poderíamos dizer que Comunismo seria, mais ou menos, uma forma de Socialismo ou uma consequência dele. A noção de Socialismo tem origem na Revolução Francesa. Mas, até Karl Marx só havia o Socialismo que depois passou a ser chamado de Socialismo Utópico. Aí veio Marx e propôs, baseado no método filosófico-científico chamado Materialismo Histórico Dialético, um outro socialismo, que é chamado de Socialismo Científico.
A questão é que os socialistas anteriores acreditavam e defendiam uma sociedade na qual não existem classes sociais ou nem uma outra forma de desigualdade, na qual as propriedades privadas, principalmente os meios de produção, fossem de todos, para uso igual e justo de todos. Alguns deles afirmava que à ela se chegaria quando a classe dominante (a burguesia) adquirisse consciência acerca das injustiças.
O que Marx - basicamente - fez, e que esses socialistas anteriores não fizeram, é, primeiramente, tecer uma crítica profunda e consistente do sistema em vigor. Para isso, formulou/desenvolveu conceitos como mais-valia, meios-de-produção e força de trabalho, entre outros. Depois, mostrou como a mudança para essa sociedade deveria acontecer, pensando as condições sociais e econômicas necessárias para que isso se desse, enquanto seus antecessores apenas acreditavam que um dia, naturalmente, isso aconteceria sem luta de classes, enquanto que, para Marx, é unicamente por meio da luta de classes que a revolução seria possível. Marx não acreditava que a mudança nas estruturas sociais e econômicas que perpetuam as desigualdades seria realizada por um iniciativa daqueles que dessas desigualdades se beneficiam, ou seja, a classe dominante. Segundo ele, era preciso que os dominados, ou seja, os trabalhadores do mundo unisse-se se quisessem perder os seus grilhões.
Para Marx essa mudança não aconteceria naturalmente ou sem esforço. Só se daria - resumidamente - por meio da revolução, quando a classe dominada (o proletariado, ou seja, os trabalhadores) rejeitando a exploração à qual sempre estiveram expostos, tomassem o poder e instaurassem um governo seu, fazendo a Reforma Agrária e estatizando/coletivizando as empresas privadas, colocando fim ao julgo da burguesia. Já o que chamamos de Comunismo, segundo Marx, seria o estágio final de uma sociedade na qual vigorasse o Socialismo Científico.
O Capitalismo e a Globalização tem mantido laços estreitos desde que nasceram. Tal é a ligação entre eles que poder-se-ia dizer serem gêmeos-siameses. Nascidos no século XV, a Globalização começou a ser gestada com as Grandes Navegações, outrossim, o Capitalismo foi veio à luz com o fim do Feudalismo. Ambos, Capitalismo e Globalização são filhos da burguesia já ascendida ao posto de classe dominante. Juntos, tem moldado nossos hábitos, especialmente aqueles ligados ao consumo. Se, por um lado, a Globalização faz com que determinados elementos culturais (especialmente das culturas e nações dominantes dentro da hierarquia global) se transformem em produtos que são consumidos no mundo todo; por outro, o Capitalismo, ao priorizar a acumulação de capital (ou seja, o lucro) faz com que o consumo seja estimulado intensamente por meio de publicidade, criando novas demandas, antes inexistentes, para novos produtos.
Jacques Decornoy (in MARQUES) coloca em relevo o fato de que a suposta promoção da integração, da aceitação e da valorização das diversidades prometidas pela Globalização se efetiva apenas na medida em que atende aos interesses do capital estrangeiro e preconizando a valorização da cultural ocidental. Nos países pobres o direito a essa tal integração é negado às suas massas, cuja única função é produzir, a baixos custos, que será consumido naqueles países. De um lado os países do sul: pobres, subdesenvolvidos, excluídos, e dependentes da exportação para os países ricos. De outro, os países do norte: ricos, desenvolvidos, incluídos, integrados, globalizados, explorando, ao seu bel prazer “os vizinhos de baixo”, e vivenciando as apregoadas benesses do capitalismo.
“... acentua a dependência na qual os países do Terceiro Mundo se debatem... em nome da mundialização, da ‘globalização’ pretensamente frutuosa dos intercâmbios. Dependência? Certamente. [...] O futuro não é nada radioso: os países industrializados tornaram-se cada vez mais protecionistas...” [DECORNOY, Jacques. Desenvolvimento e Pobreza.]
Outros autores, aprofundando-se no lado contraditório da Globalização, no qual integração e união de diferentes povos e culturas dá-se somente num plano teórico, ou, então, no que se refere à capacidade de transformar elementos de povos e culturas diversos em produtos para serem consumidos pelos que detém o capital financeiro. As massas, porém, que formam os fluxos de excluídos que migram das regiões mais pobres (menos globalizadas) para as mais ricas (mais globalizadas), cujo único produto a oferecer é sua mão-de-obra, são excluídas ou privadas desse processo globalizador, devido ao endurecimento das leis contra a imigração nos países considerados desenvolvidos. Todavia, se por um lado os imigrantes são ojerizados pelas populações desses países, para suas economias eles são desejados, pela abundância e pelo baixo valor de sua mão-de-obra.
“Na época da globalização dos mercados, em que o capital e as empresas derrubam as fronteiras das nações, o homem – principalmente o homem menos culto e mais pobre – vê surgir novas barreiras a impedi-lo de vender a única mercadoria que realmente lhe pertence: sua força de trabalho.” (MARQUES, Clovis.)
Ato contínuo, desta relação mutualista entre globalização e capitalismo advém problemas contemporâneos como o Consumismo (que é o consumo irrefreado, irracional e exagerado), o desperdício (consequência de quando se consome mais do que se necessita), a poluição gerada pelo excesso de lixo (que poderia ser reduzido se reduzíssemos o consumo individual e se as práticas da reutilização e da reciclagem estivessem satisfatoriamente difundidas e implementadas), bem como o esgotamento do recursos naturais por conta de uma exploração que ultrapassa o limites naturais de regeneração de nosso planeta.
"Os que no regime burguês trabalham não lucram e os que lucram não trabalham."(Engels)
"Horrorizam-se porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em nossa sociedade a propriedade privada já está abolida para nove décimos de seus membros." (Marx)
Seria possível mudar essa situação mantendo o Capitalismo como sistema político-econômico? Ora, sendo o lucro a prioridade dentro deste sistema, concluiremos - quase inevitavelmente - que qualquer medida que afete ou reduza o lucros (como a redução do consumo), não seria colocada em prática e seria vista como uma ameaça em vez de uma solução. E antes que se diga que o Comunismo não é uma opção melhor que o Comunismo sob a alegação de que ele todas as tentativas de implementa-lo falharam, lembremos que em nenhum dos países que tentaram pô-lo em pática viveram apenas experiências socialistas, nunca jamais tendo chegado o estágio do Comunismo. Primeiramente, a Rússia passou por uma experiência Socialista, não Comunista, durante os anos que a União Soviética vigorou, isto é, entre 1917 e 1991.
"Os capitalistas chamam 'liberdade' à liberdade dos ricos de enriquecer e à dos operários para morrer de fome. Os capitalistas chamam liberdade de imprensa à compra dela pelos ricos, servindo-se da riqueza para fabricar e falsificar a opinião pública." (Lênin)
A Coréia deixou de ser um único país após a Guerra da Coreia, entre 1945 e 1953. A República Popular da Coréia ou Coréia do Norte, desde então, tem passado por uma experiência socialista também, assim como Cuba, que desde a Revolução Cubana (1959), também vive um modelo socialista. O comunismo nunca foi implantando em nenhum país pois, sendo ele um sistema econômico e político elaborado por Marx, ele seria o estágio final da evolução de uma sociedade socialista. Nenhuma das nações que tentaram o Socialismo - repito - chegaram ao estágio do Comunismo, por isso ele permanece com opção viável ao desigual e injusto sistema vigente que permite que 1% da população do planeta possua a mesma riqueza dos outros 99% da população.
Além do mais, na medida em que uma sociedade adere ao Capitalismo, o valor de seus indivíduos passa a ser medido pelo seu trabalho (e o preço pago por este varia de acordo com "o mercado") e pelo que consomem. Hoje, no Capitalismo, mais em qualquer época e em qualquer sistema político-econômico, consumir se tornou um ritual, para qual templos foram construídos em direção aos quais, milhões se dirigem todos os dias, em peregrinação: os shopping centers. O incentivo ao consumo está em toda parte: anúncios nos intervalos dos programas de tv, dentro do programas e dos filmes, nas redes sociais, por sms, nos outdoors, etc...
Desse modo, quando uma sociedade capitalista, por causa de suas desigualdades tão intrínsecas quanto basilares, não consegue oferecer a todos os seus membros as mesma possibilidades de renda por meio de um trabalho que possam lhe propiciar determinado padrão consumo, a parte menos favorecida dessa população irá, quase que inevitavelmente, buscar alternativas para obter poder de compra e assim poder consumir, pois mesmo que apenas inconscientemente, eles sabem que só assim terão algum valor dentro de sociedade, que é calcada no individualismo e na supervalorização da imagem e da aparência.
Ostentar uma roupa ou calçado de determinada marca - mesmo que seja um produto falsificado - é, nessa sociedade, um exercício (fútil, enganoso) de construção da própria identidade, bem como a autoestima. Portanto, usar a meritocracia para dizer que em nossa sociedade só adere ao crime quem não tem caráter, é um pressuposto vazio, raso, desprovido de dialética. O problema é muito mais complexo, a questão é bem mais profunda.
"Para não ter protestos vãos, Para sair desse antro estreito, Façamos nós por nossas mãos Tudo o que a nós diz respeito!" [Trecho da Internacional Comunista.]
Sargento. Elias: - Barnes acredita no que ele está fazendo. Chris Taylor: - E você? Você acredita? Sargento. Elias: - Em 65, sim. Agora não. O que aconteceu hoje é apenas o começo. Nós vamos perder essa guerra. Chris Taylor: - Pára com isso! Você realmente pensa assim? Nós? Sargento. Elias: - Nós passamos tanto tempo chutando a bunda dos outros, parece que chegou hora de termos a nossa chutada.
Um vaqueiro que quer estilista, tem uma máquina de costura e tem medo de armas. Um mulher que dirige um caminhão que transporta gado e, se precisar, dá uma de mecânica também. Uma menina, filha de uma caminhoneira e criada entre vaqueiros, que ama cavalos. Assim o diretor Gabriel Mascaro vai desconstruindo estereótipos de gênero sem cair no panfletarismo, fugindo de maniqueísmos e reducionismos, ao passo que retrata a vida de gente simples do norte e nordeste brasileiro que sobrevive à margem do crescente e onipresente agronegócio.
O filme vale pela precisa atuação de Meryl Streep, equilibrando com perfeição humor e drama. Por causa dela, nos afeiçoamos à Florence e, se rimos nos momentos que ela tenta cantar, também nos deixamos contagiar por seu genuíno amor pela música.
Os dramas reais pela qual a verdadeira Florence Foster Jenkins (1868—1944), passou, são habilmente explorados pelo roteiro, o que faz com criemos ainda mais empatia para com a personagem. Talvez o pior deles seja ter contraído sífilis, na noite de núpcias, com seu marido, o Dr. Frank Thornton Jenkins. Quando se casaram, em 1885, ele tinha 33 anos. Ela tinha apenas 17 anos.
Quando criança Florence iniciou carreira na música como pianista, apresentando-se como “Little Miss Foster”.Chegou inclusive a dar um recital na Casa Branca durante o governo do Presidente Rutherford B. Hayes. Em consequência de sua doença, que ataca o sistema nervoso, tocar piano ficou cada vez mais difícil. Como o tratamento disponível à época incluía a ingestão de mercúrio e láudano, altamente tóxicos, os que complicou demais sua saúde, impedindo-a de seguir a carreira como pianista.
O filme conta também com uma reconstituição de época (cenários, figurinos...). Contudo, seus defeitos não podem ser negados. O pior deles é atenção exagerada que o roteiro dá a estórias e personagens paralelos. Em vez de enriquecer a trama, este recursos acaba mostrando-se enfadonho e supérfluo.
A atuação de Simon Helberg também me incomodou. Apesar de ser um ator de talento inegável, aqui ele sobrecarrega em sua atuação, do mesmo modo que o roteiro exagera na atenção que dispensa ao seu personagem. Sua constante preocupação em atuar, torna a sua atuação mecânica e pesada, desprovida de fluidez sutileza. Dá para perceber seu esforço em gesticular, em realizar expressões faciais, em tentar compor um personagem multidimensional, mas seu empenho resulta em um personagem indefinido, sem consistência, que não diz a que veio.
Sua presença no filme, como mais um alívio cômico (afinal, a protagonista em si já proporciona suficiente comicidade), acaba mostrando igualmente desnecessária. A cena em que ele ri no elevador após a primeira aula com Florence soa como se o público não fosse capaz de identificar quando a cena é cômica. É como se, para o diretor, as cenas em que Florence canta não fossem suficientemente engraçadas.
O filme é, em geral, formulaico e excessivo, e claramente feito com intenção de angariar indicações em premiações importantes. Duas cenas, em especial, são daquelas claramente pensadas para isso: aquela em que Streep, encarnando Florence, conversa com seu (2º) marido, interpretado por Hugh Grant, sobre seu sonho de cantar no Carmegie Hall; a outra, quando os dois conversam no leito de morte de Florence, no final do filme.
A minha cena favorita, contudo, vem depois que os créditos começam a descer: "- Quer fazer outra tomada? - Bem, não vejo por quê. Esta me pareceu perfeita."
[Gostou? Leia mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
Scorsese, que quando criança queria ser padre, faz aqui mais um belíssimo e provocante auto-de-fé, muito semelhante, nas questões que provoca - e que vão além do tema da verdade da fé e de suas manifestações - ao A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988), que ele mesmo dirigiu, cerca de 30 anos atrás.
A questão mais pertinente aqui gira em torno da apostasia, que é a negação da fé - num sentido mais profundo do que o que fez o apóstolo Pedro, quando negou Cristo por três vezes antes do galo cantar. Até que ponto sofrer e morrer pela fé para não negá-la é necessário se, ao morrer na cruz, Cristo teria pago por os nosso pecados dos homens? Não seria melhor negar a fé e pecar, sofrendo a culpa como um martírio, mas certo do perdão que o sacrifício do Cristo legou?
Aceitar o pecado, a condição de pecador, é prova de fé, sustenta o narrador. Viver a fé em silêncio, internamente, sofrendo por não poder expressa-la, carregando o fardo do silêncio, é também um martírio, que permite ao fiel purgar-se da apostasia cometida. Além disso, até que ponto a escolha pelo martírio é uma escolha humilde, desinteressada, desprovida de vaidade e egoísmo? Não estaria o mártir tentando igualar-se ao Cordeiro de Deus, comparar-se a ele?
Outra, mais secundária, é a questão da certeza do perdão e sua relação com a impunidade, levando o homem a não evitar o pecado, pois sabe que será perdoado caso arrependa-se. Cria-se então um sujeito incapaz de resistir aos impulsos e que está sempre à procura de absolvição, o que, na moralidade judaico-cristã, leva-o a estar sempre em pecado. O castigo, a punição, o sacrifício, o martírio, tem todos uma mesma função, que é a correção moral por meio da dor ou do exemplo. Essas noções de pecado e perdão não existe nas religiões orientais, com Hinduísmo, Jainismo, Budismo, Sikhismo, etc. Há, por outro lado, as noções de karma, de reenconarnação e de iluminação, onde o sujeito evita as ações que lhe possam criar novos karmas, buscando sempre a elevação moral e espiritual, de modo a atingir a iluminação,seja por meio de repetidas encarnações, seja por meio da meditação,
Essa metafísica baseada em dualismos, em oposições entre corpo e alma, carne e espírito, impuro e puro, profano e sagrado, mundo dos homens e mundo de Deus, que caracteriza as religiões monoteístas que cultuam um deus abraâmico também encontra forte oposição na metafísica oriental, que caracteriza religiões como Hinduísmo, Budismo, Jainismo, Taoísmo e Xintoísmo, nas quais essa visão de mundo e realidade essencialmente dicotômica dá lugar à uma visão holística, de unidade e multiplicidade, de complementaridade e não de hierarquia, nem de oposição.
Aqueles dualismos, aquelas oposições entre corpo e alma, carne e espírito, impuro e puro, profano e sagrado, mundo dos homens e mundo de Deus, na tradição judaico-cristã, leva o homem a negar um dos lados, estabelecendo entre eles uma hierarquia: de um lado o corpo, a carne, o mundo dos homens, profanos, cheios de pecado e corrupção; do outro, a alma, o espírito, do mundo de Deus, puro e incorruptível.
As religiões orientais, por outro lado, são religiões que abraçam a dialética em sua plenitude. Não estabelecem hierarquias entre as dimensões da realidade, pois não concebem uma realdade dividida em dimensões separadas. Em sua visão totalizante, as dimensões se misturam, sem intercalam. Há pureza no impuro, há amor no pecador, o puro esconde impurezas, o silêncio guarda ruídos, o ruído transpassa o silêncio.
Apenas quando, no silêncio da fé que não pode ser manifestada, o padre jesuíta Rodrigues a nega (negando-a apenas exteriormente) ele ouve finalmente a voz do Deus que ele ama, ele fortalece internamente aquela fé aparentemente negada. Ele abraça então a dialética da relação entre interno e externo, espírito e corpo, silêncio e ruído, aparência e essência.
Se Deus é o todo, o uno, como afirmou Plotino, então ele só pode ser alcançado quando aceitamos a realidade em sua totalidade e complexidade.
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Bem inferior às duas primeiras temporadas. Não tem sequer um episódio nesta 3ª temporada que chegue perto dos anteriores. Parece que os roteiristas e diretores perderam a mão e a inspiração.
O filme não é uma ficção científica ao estilo Christopher Nolan (como Interestellar) na qual que tudo segue uma lógica científica e possui uma explicação. É uma espécie de parábola, um conto moral, mas em forma de ficção científica. Tudo tem um sentido metafórico, e a crítica, cheia de ironia e sarcasmo, do filme é direcionada à muitos aspectos de nossa vida. Eu destacaria 5 pontos: 1) nossa dificuldade em nos relacionar com as diferenças, nossa necessidade de nos encaixar em padrões para sermos aceitos ou de buscar pessoas que se encaixem em padrões que nós preestabelecemos; 2) essa necessidade de nos encaixar em padrões nos divide, de acordo com os padrões criados, como, por exemplo, ser solteiro, se casado, 3) os que optam por ser solteiros e os que optam por casados tendem a defender seu modo de vida, apregoa-lo como o ideal, enxergam o outro como um fracassado, alguém que não "deu certo na vida"; 4) a pressão social (Durkheim chamou de Fato Social) por nos casarmos que vem desde nossa família, como a tia que pergunta "e as/os namoradinhas/os?" ou os amigos que lhe chamam de "encalhada/o"; 5) muitas pessoas se casam não porque se gostam, mas porque não querem ficar sozinhas, daí o medo de não gerar descendentes,ser esquecido;
O roteiro tem o mérito de ser transgressor, ousado, não se apegara fórmulas. Que sequência brilhantemente pensada aquele em que os hóspedes do hotel dançam descontraídos no salão até que o alarma apita e eles tem que sair à caça uns dos outros. O que é esta cena senão uma metáfora das relações sociais onde, por um lado, todos se tratam bem, estão bem vestidos, elegantes, sorrindo, mas, quando a luz se apaga e a selva se abre, aqueles cidadãos civilizados dão lugar à bestas selvagens caçando-se mutuamente, fugindo, correndo, espreitando. A câmera lenta e a música clássica que embalam a cena acentuam ainda mais a contradição ali presente.
O diretor Yorgos Lanthimos quer nos fazer pensar, nos levar à reflexão, ao questionamento. Não traz respostas prontas porque não subestima nossa capacidade de chegar à ela por nossos próprios processos mentais e intelectuais. O que falta a muitos aqui são as ferramentas para realizar esses processos, acumuladas com leituras variada e profunda, de livros, de outros filmes, de relações...do mundo.
Baseado numa história real, com o roteiro inspirado no livro de John Krakauer - o mesmo autor do livro que inspirou o filme Everest (2015), também baseado em uma história real - este filme marcante é dirigido com notável maestria pelo também ator Sean Penn, ganhador de 2 Oscar. O elenco é formidável (destaque para Hal Holbrook, como o solitário Ron Franz), a fotografia é espetacular, a edição é ágil, sem ser frenética, e a trilha sonora é uma das que eu mais amo.
O modo como o diretor Sean Penn explora as idiossincrasias do protagonista, suas feridas, dúvidas, anseios, mágoas, é exemplar, pois consegue nos dar a medida de sua obliteração interna. Christopher "Supertramp" McCandless era um jovem idealista, que cresceu em um lar disfuncional - uma típica familia de classe média norte-americana, com sua fachada aparentemente perfeita contrastando com o interior em decomposição.
A inadequação do personagem frente uma realidade social baseada em aparências, em individualismo e apreço por bens materiais, é colocada o tempo todo em relevo pelo diretor, bem como pelas canções primorosas de Eddie Vedder: "Society, your crazy breed / Hope you're not lonely without me". A busca do personagem por significado, por sentido, permanece latente durante todo o filme.
O filme é interessante, no entanto, por fazer exatamente o oposto daquilo seus fãs e seus detratores o acusam de fazer. Ele não faz uma apologia da vida solitária, da negação da vida social, ou do ideal de abandono da civilização em busca de uma vida idílica em meio à natureza selvagem. O que o filme faz justamente um ataque mortal a este ideal: o de que ele só é possível quando se tem os conhecimentos necessários para sobreviver alhures da civilização conseguindo extrair da natureza os recursos necessários à sobrevivência. Esse conhecimento, criado, aperfeiçoado e transmitido coletivamente e ao longo de gerações é parte de uma cultura que, como tal, só é transmitida no ceio de uma sociedade ou comunidade.
O sentido que ele tanto buscava, só será encontrado quando estiver na mais total solidão e tragicamente à beira da morte: "A felicidade só é real quando compartilhada". Morreu porque não possuía os conhecimentos necessários para sobreviver naquele ambiente, como caçar e posteriormente preparar a carne da presa para conserva-la e poder se alimentar dela, ou distinguir uma erva nutritiva que possa servir de alimento de uma outra muito parecida mas que é um veneno mortal, por exemplo. A cultura, como se vê, também só é real quando compartilhada.
Deste modo, o que chama a atenção é o modo como, na série, a tecnologia não é apresentada dentro de uma perspectiva positivista, em que quando mais avançasse o desenvolvimento tecnológico, mais também avançaria o desenvolvimento das sociedades humanas, levando assim à uma libertação do homem em relação ao trabalho, ou seja, pondo fim à exploração/opressão que é motor da luta de classes. No episódio "Be Right Back" (2º Temp., 2016), por exemplo, uma mulher, desolada com a morte do marido e incapaz de lidar com sua falta, acaba aceitando se comunicar uma simulação dele por e-mail. Depois, na medida em que ela vai fornecendo dados sobre o falecido, mais a simulação vai se tornando real, até que a conversa evolui para chat, quando o programa de simulação passa a usar efeitos audiovisuais para simular o rosto e a voz do amado. Ao final, ela acaba comprando um clone robótico abrigo com essa consciência simulada, que vai se tornando cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro do falso. Aqui já uma dialética, mas pré-Socrática, filosoficamente basilar ao racionalismo, que é oposição entre verdade e mentira, real e irreal, concreto e imaginário, ideia e coisa. Mas há também a dialética da exploração de homem pelo outro, essencial não à humanidade, mas apenas ao capitalismo. Essa dialética se expressa na mulher que, por ser mais humana que o robô (será? afinal, se ela mesma, humana, no final quase perdeu a faculdade de distinguir tais coisas), possui mais meios materiais, isto é, capital financeiro, para adquirir um outro ser menos humano do que ela, apesar de todas as semelhanças. Essa mulher irá fazer desse ser meio/menos humano um escravo sentimental e social, totalmente obediente à ela. Até mudar de ideia sobre o que sente por ela, ou sobre o modo como ela lhe é útil, e a deixará pra sempre num sótão. Humanizar a máquina para escraviza-la? Seria isso uma válvula de escape para um intrínseco desejo de escravizar/explorar/oprimir?
Já no episódio "White Christimas" (2014), vemos uma tecnologia na qual a consciência de uma pessoa é capturada para moldar uma consciência artificial dela, que ficará "dentro" de um "egg", para ser literalmente ser submetida à escravidão e torturada por séculos em questão de segundos. Também não é uma visão idealista da tecnologia, ao modelo hegeliano, no qual a tecnologia é vista algo que resulta de um planejamento anterior, puramente racional, no qual o sumo bem aristotélico fosse o objetivo final, de modo que, tantos mais racionais se tornassem os homens (e portanto, quanto mais racionais, menos instintivos, como na perspectiva platônica), mais racional seriam os resultados de suas ações, como, por exemplo, a tecnologia. Essa irracionalidade da tecnologia, que também é um dos temas prediletos de Kubrick, está presente e explícita nos episódios "The National Anthem" (1ª Temp. 2014) e "Black Bear" (2ªTemp, 2016), onda tecnologia é usava para impingir sofrimento ao outro. É particular o uso econômico que é feito deste sofrimento pela empresa White Bear Park Justice, na qual a atração que atrai muitos visitantes são torturas psicológicas diárias realizadas por meio de encenação teatral para punir criminosos. Seria esse o resultado de privatizássemos os presídios, tendo vista que vivemos sob o capitalismo, no qual o lucro se sobrepõe frequente à ética?
"Por outra parte, resultam igualmente evidentes os seguintes fatos: o desenvolvimento das ciências naturais (que formam, aliás, a base de qualquer conhecimento), como de qualquer noção (que se refira ao processo produtivo) ocorre novamente sobre a base da produção capitalista que pela primeira vez lhes proporciona em grande medida — às ciências — os meios materiais de investigação, observação, experimentação. Já que as ciências são utilizadas pelo capital como meio de enriquecimento e se convertem, portanto, em meios de enriquecimento para os homens que se ocupam do desenvolvimento das ciências, os homens de ciência competem entre si no intento de encontrar uma aplicação prática da ciência. De outro lado, a invenção se converte em uma espécie de artesanato. Por isso junto com a produção capitalista se desenvolve, pela primeira vez de maneira consciente, o fator científico em certo nível, se emprega e se constitui em dimensões que não se poderiam conceber em épocas anteriores.
Somente a produção capitalista transforma o processo produtivo material em aplicação da ciência à produção — em ciência, posta em prática, mas somente submetendo o trabalho ao capital e reprimindo o próprio desenvolvimento intelectual e profissional." (MARX, Karl. Capital e Tecnologia.)
Poderia falar ainda sobre "50 Millions Merits", no qual a evolução da tecnologia não libertou o homem do trabalho e da exploração de sua força de trabalho, aqueles personagens que passam dias pedalando para produzir eletricidade, que gastarão em seus quartos minúsculos que são sua única moradia, assim como gastarão os pontos ganhados pedalando trocando-os por aplicativos, ou por ticketes para o "sucesso", que também se tornará uma outra forma de exploração. E, em nome desse sucesso, que significa um pouco menos de exploração e um pouco mais de liberdade, ele se verá disposto a trocar sua liberdade de pensar, que implica e opor à quele sistema opressor, por ser mais um "youtuber" que se vendeu ao sistema. Vemos também a denúncia da pornografia como exploração sexual de mulheres, vide inúmeros de casos ex-atrizes pornôs que relataram os abusos e violências sofridos dentro dos sets de filmagem. O caso da atriz Linda Lovelace.
Sob o capitalismo, portanto, a tecnologia não põe fim à exploração, mas acaba tornando o homem explorador de si mesmo, escravo de si mesmo, burguês e proletário de si mesmo. Mas esse ser é duplamente quando se pensa nas empresas que realmente lucram com todo este aparato tecnológico, do qual acabamos nos tornando também escravos. E será que já não estamos nós, agora, um pouco escravos da tecnologia? Em que medida essa escravidão que atualmente reconhecemos é menor que a escravidão prevista no futuro distópico apresentado no episódio? Vemos aqui, a dialética entre razão e irracionalidade, entre liberdade e servidão, entre dependência e autonomia, bem como a relação entre utilidade e benefício, bem como muitas questões éticas.
"O capital não cria a ciência e sim a explora apropriando-se dela no processo produtivo. Com isto se produz, simultaneamente, a separação entre a ciência, enquanto ciência aplicada à produção e o trabalho direto, enquanto nas fases anteriores da produção a experiência e o intercâmbio limitado de conhecimentos estavam ligados diretamente ao próprio trabalho; não se desenvolviam tais conhecimentos como força separada e independente da produção e, portanto, não haviam chegado nunca em conjunto além dos limites da tradicional coleção de receitas que existiam desde há muito tempo e que só se desenvolviam muito lenta e gradualmente (estudo empírico de cada um dos artesanatos). O braço e a mente não estavam separados.
Do mesmo modo que por máquina entendemos a “máquina do patrão” e, por sua função, a “função do patrão”, no processo produtivo (na produção), assim é também a situação da ciência que se encarna nesta máquina, nos modos de produção, nos processos químicos, etc. A ciência intervém como força externa, hostil ao trabalho, que o domina e cuja aplicação é, por uma parte, desenvolvimento científico de testemunhos, de observações, de segredos do artesanato adquiridos por vias experimentais, pela análise do processo produtivo e aplicação das ciências naturais ao processo material produtivo; e como tal, se baseia, do mesmo modo, na separação das forças espirituais do processo no que se refere aos conhecimentos, testemunhos e capacidades do operário individual e como a acumulação e o desenvolvimento das condições de produção e sua transformação em capital se baseiam na privação do operário destas condições, na separação do operário em relação às mesmas." (MARX, Karl. Capital e Tecnologia.Tradução de extrato (pp. 161-164) do original em castelhano Capital y Tecnologia – Manuscritos Ineditos (1861-1863), publicado no México pela editora Terra Nova em 1980. Responsável pela tradução: Elídio Marques.)
O filme é uma obra-prima, mas não exatamente pelas qualidades mais aparentes, como a belíssima fotografia, a marcante trilha sonora ou o desempenho dos atores. Por trás da história de um homem rude que não desiste da missão de resgatar a sobrinha capturada por índios comanches, o cineasta John Ford desconstrói os mitos do cowboy enquanto herói e enquanto encarnação do self made man.
John Wayne interpreta Ethan Edwards, um veterano da Guerra de Secessão norte-americana que, 3 anos o término do conflito, volta para o Texas para visitar o irmão. Interessante notar o modo como Ethan, na primeira parte do filme (que antecede o ataque dos índios) olha lascivamente a cunhada Martha (Dorothy Jordan), que, desde a belíssima cena que abre o filme, olha-o com grande afeto e ternura, para depois, na cena em que ele decide se juntar aos patrulheiros, demonstrar que esse afeto vai além do deveria, quando esta alisa demoradamente o casaco de Ethan, antes de entrega-lo a ele.
Mais interessante ainda é constatar que Ethan, sendo texano, lutou ao lado dos Estados Confederados, o que implica que ele se opunha ao fim da escravidão. Este racismo inerente ao personagem, apesar do tratamento sutil dado pela direção e pelo roteiro, não deve ser deixado de lado. Ao longo veremos Ethan demonstrar com violência seu ódio pelas outras raças, seja discriminando seu parceiro mestiço Martin Pawley (Jeffrey Hunter) - que, quando menino, teria sido salvo por Ethan depois que índios massacraram sua família - ou quando ele revela a intenção de matar a sobrinha depois de considerar que ela poderia ter se tornado uma selvagem após longo convívio com os índios comanches.
A cena em que ele atira insana e indiscriminadamente em um bando de bisões, bradando que assim impedirá que os índios tenham o que caçar o com o que se alimentar, é, ao meu ver, antológica. Junte-se a estas cenas uma outra, no início do filme, em que diz que só se faz um juramento na vida e que ele já havia jurado lealdade à causa confederada (isto é, a manutenção do escravismo), e então poderemos montar um panorama que nos permita compreender melhor a crítica proposta pelo diretor.
Esta temporada teve momentos espetaculares e marcantes, como o ataque surpresa de Daenerys aos Lannisters e Tarlys em High Garden e a luta contra o urso polar nas terras além da Muralha.
Momentos lindos como o fim de Mindinho e a vingança de Arya contra os responsáveis pelo Casamento Vermelho.
Momentos tristes, com a morte de Vyserion. E forçado, afinal, se eu fosse o Rei da Noite, teria jogado a lança no dragão que a Daenerys estava em cima. Mas... the show most go on.
E momentos imbecis e decepcionantes, com a ideia estúpida de Jon Snow de ir além da Muralha, e outros piegas, como aquele em que ele chama Daenerys de "Dani". Blerghh...
Minha avaliação da 7ª Temporada de Game of Thrones fica assim: 1. Dragonstone - ★★★★½ 2. Stormborn - ★★★★½ 3. The Queen's Justice - ★★★★★ 4. The Spoils of War - ★★★★★ 5. Eastwatch - ★★★★½ 6. Beyond the Wall - ★★★½ 7. The Dragon and the Wolf - ★★★★½ NOTA FINAL: 8,0
Quem nunca fumou um baseado, quem nunca acessou as fantasias mais recônditas de uma mulher, e nunca desconfiou da "versão oficial dos fatos" jamais entenderá ou apreciará verdadeiramente esse filme. Parece uma brincadeira descompromissada e nonsense. E de fato o filme é isso, mas apenas em sua superfície. E abaixo dessa tênue aparência, Paul Thomas Anderson nos entrega um visão do mundo atual, ainda influenciado pelos acontecimentos do século XX, principalmente. PTA parece apontar para a constatação de problemas como o pós-modernismo identitário que cresce dentro da esquerda, enquanto a direita assume sua face mais extrema e fascista, o problema da criminalização das drogas versus o vício com uma questão de saúde, são ecos por um lado, do movimento hippie e dos movimentos por direitos civis e sociais (movimento negro, feminismo...), mas por outro, também são do anti-comunismo da Guerra Fria, do nazi-fascismo que ascendeu na Europa na década de 1930, seja como frutos deles, seja como reação a eles.
Parece um filme sobre o crime organizado e a máfia, parece um filme sob cassinos, mas na verdade estes são apenas pano de fundo para uma outra narrativa. O que o cineasta Louis Malle faz neste notável filme é contar uma história torta e na ortodoxa sobre redenção, sobre o drama da finitude, sobre pessoas se apegam ao que (a chance de um futuro promissor, ou volta a um glorioso passado) consideram ser a última chance de confrontar e vencer o fracasso, e sobre a relação dialética entre o velho e o novo, entre o passado e o presente.
Sally (Susan Sarandon) é a moça ambiciosa do interior que se casou com um jovem irresponsável e imaturo para tentar vida nova na cidade grande. Para sua infelicidade, a cidade para qual se dirige é a - outrora agitada e badalada - agora decadente Atlantic City. Abandonada pelo marido, que a trocou pela irmã mais nova, ela trabalha no buffet do restaurante de uns cassinos que são cada vez mais numerosos na cidade, e tenta ascender tentando ingressar na carreira de carteadora.
Lou (Burt Lancaster) é velho que ganha a vida com loteria clandestina, vivendo de favores num dos apartamentos da viúva de um gangster do qual ele fora, no passado, uma espécia de lacaio, cumprindo, ao mesmo tempo, a função de gigolô de sua protetora. Espiando Sally todas as noites, quando ela se banha em limão ao som de "Casta Diva", Lou a deseja e anseia por tê-la em seus braços.
Tal como em Pigmaleão (Pigmalyon, 1938) ou em Minha Bela Dama (My Fair Lady, 1964), Lou ficará tentando a desempenhar para esta jovem e inexperiente moça o papel do amante mais velho e experiente que a ensina as manhas e artimanhas da vida. Mas, como Norma Desmond (Gloria Swanson) em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), Lou não se dá que seu sonho de glória está atrelado a um passado que não existe mais e, equivocadamente, atribui a si mesmo uma importância que não tem. Movido tanto por seu desejo por Sally, pelo apego à uma falsa noção de si mesmo e pela necessidade de afirmar sua masculinidade e virilidade, Lou irá se enveredar por um caminho sangrento, tal um Macbeth septuagenário.
É em nome dessa ilusão que, no final, ele abrirá mão de Sally e sentir-se há recompensado em viver na ilusão que criou para si, acreditando que contribuiu decisivamente para a emancipação de Sally.
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Ben Stiller me surpreendeu positivamente com essa direção. A trilha sonora, por vezes melodramática e adocicada, atrapalha alguns momentos do filme, especialmente aqueles nos quais se tenta injetar humor na trama. Mas o roteiro é ótimo, algumas sacadas são geniais (como as transições, por exemplo) e a fotografia é deslumbrante. O roteiro é muito engenhoso, inteligente e bem construído, com a medida certa de reflexão, beleza, ação e crítica social.
A crítica e e o público internacionais estão amando o filme até o momento. No Rotten Tomatoes a cotação do filme é 99% até o momento, de 21,957 avaliações realizadas pelos usuários, enquanto no IMDB, o índice de aprovação é de 98%.
"Dunkirk é fantástico. Incrivelmente empolgante do primeiro ao último segundo. Um filme dramático, repleto de suspense e tensão. Fãs de Nolan, alegrem-se. E para aqueles que estão perguntando: Harry Styles está muito bem em Dunkirk, uma surpresa muito agradável." (Anna Klassen)
"Em apenas 30 segundos, Nolan entrega mais uma vez uma sequência inicial espetacular que coloca o público na ponta da cadeira. E a tensão só aumenta. Da direção à edição à fotografia à trilha sonora, Christopher Nolan prova, com Dunkirk, que é um dos maiores cineastas de nossos tempos. Caótico, impiedoso e empolgante, o filme é um dos mais cativantes que você verá neste ano. Uma master class de direção. Que espetáculo!" (Erik Davis, do site Fandango)
"Dunkirk é uma narrativa em IMAX que deixa a audiência em estado de tensão. Posso dizer honestamente que nunca vi algo assim antes [...] Ainda, Dunkirk traz mais uma brilhante colaboração entre Nolan e Hans Zimmer. A forma como ele faz a mixagem do tique de um relógio com a trilha é fantástica". (Steven Weintraub, do Collider).
O título "O Nome da Rosa" refere-se diretamente a uma das maiores, mais fascinantes e mais insolúveis questões filosóficas: o abismo que separa a palavra e a coisa, o discurso e a realidade. A palavra é o nome dado à coisa. Coisa é o nome (palavra) dado à algo. Mas "algo" também é uma palavra. Dizer, falar, escrever é nomear algo. Lidamos com a realidade por meio de nomes, ou seja, de palavras. Até quando pensamos, pensamos por meio de palavras. Palavras são símbolos, que remetem a significantes, que são as coisas. Compõem, portanto, a dimensão que Lacan denominou de "Simbólico", enquanto as coisas, em si, constituem a dimensão do "Real". Por meio do Simbólico, o homem, sujeito cognoscente, reveste de sentido, de significado, o Real, e assim tenta compreendê-lo.
Palavras: o, nome, da, rosa. O nome da rosa. Apenas palavras. E até que ponto as palavras dão conta da realidade? Poderiam os nomes abarcar a totalidade da coisa, do ser, do ente que elas nomeiam?
A palavra, por seu turno, passa pela boca, assim como o riso, a comida e -por que não? - o sexo. No mosteiro católico, no qual a história se passa, todos eles - o riso, a comida, o sexo e a palavra - são, ao seu modo, vistos como fonte de pecado e perdição. O contexto histórico no qual a narrativa se desenrola é a Idade Média, em meados do século XIV. A comida, porque leva à gula, pecado capital. O sexo, porque leva à outro: a luxúria. O riso, porque subverte a realidade, questiona a ordem e relativiza a moral. A palavra porque é instrumento do pensar e meio de sua expressão. A palavra comunica todos os pensares, incluindo os potencialmente contestadores. Todos são condenados porque inevitavelmente levam ao rompimento com o ascetismo moral em voga.
Santo Agostinho, um dos mais importantes e influentes filósofos medievais, afirma nas suas Confissões, que também a música, ao despertar no homem o desejo pelo belo, o distrai e o afasta de Deus. O desejo pelo belo, estimulado pela beleza da música é, em ultima instância, um desejo pelo prazer - prazer físico, do corpo, portanto, não da alma. A música e qualquer forma de prazer sensível seriam expressões do mal, caminhos para o pecado, pois o caminho que leva à Deus é o caminho estreito, pedregoso e difícil, e, por isso mesmo, que martiriza o corpo em vez de propiciar-lhe prazer.
No filme, a biblioteca que notabiliza o mosteiro tem uma peculiaridade: seu acesso é proibido. Os livros, cheios de palavras e não-palavras (gravuras) que, assim como elas, são signos. Símbolos que remetem à algo. Como tais, os livros são fonte de conhecimento, mas também uma ameaça, uma vez que o homem, ao acumular conhecimento, pode ser levado a questionar Deus e suas verdades. Palavras: conhecimento proibido. Não por acaso, a biblioteca, localizada em uma das torres do mosteiro, tem o formato de labirinto, que, nas mais diversas culturas aparece em lendas e mitos, como o clássico labirinto de Creta, construído por Dédalo a mando do rei Minos para abrigar o Minotauro. O labirinto, em essência, é uma metáfora do conhecimento ou do caminho até ele. Para sair do labirinto é preciso descobrir o caminho certo entre tantos caminhos errados e enganosos. Em suma, é preciso encontrar a verdade entre mentiras, contradições e ilusões.
A cozinha, onde se prepara o que será dado de comer à boca, é onde ocorrem os encontros sexuais entre um bem alimentado monge e uma faminta moça pobre, que se prostitui em troca de... comida. Na gíria brasileira, poderíamos dizer que, pra ter o que comer, ela se deixa ser comida. Comida e sexo. Gula e luxúria. Pecados.
Na biblioteca, o livro mais proibido é um que leva ao riso: o quase mítico livro segundo da Poética de Aristóteles, perdido desde que a famosa e monumental Biblioteca de Alexandria foi destruída por um incêndio no ano 48 a.C. E é em torno ou por meio de sua leitura que as misteriosas mortes que acontecem no mosteiro serão explicadas. Aliás, por meio deste livro, mas também por meio da boca. Mais precisamente pelo hábito imemorial de umedecer os dedos da língua enquanto se folheia um livro. Este livro, no entanto, além do riso, guarda em suas páginas um outro mal: arsênico, que envenena quem se atreve a lê-lo.
O mundo exterior é onde habita o profano: é o Mundo das Coisas, corruptíveis e enganosas, de Platão; é também a Cidade dos Homens, das tentações da carne, de Santo Agostinho. É pela boca e pelos demais sentidos que esse mundo exterior penetra o mundo interior, onde habita o espírito, a alma, a morada do sublime, a parte de Deus que preenche o homem. Alma é essência, pura e incorruptível, parte do platônico Mundo das Ideias. É parte do ser que poderá adentrar na Cidade de Deus, de Santo Agostinho, após - claro - a morte do corpo e tendo, em vida, evitado as tentações deste. Corpo, coisa. Ideia, palavra.
E o fogo, que a tudo devora com suas incontáveis labaredas em forma de mil línguas é que, na visão do Santo Ofício, purifica a alma consumindo o corpo pecador. O fogo destrói, mas também renova, e por isso também cria: o calor da vida, a chama a vital. Mas é também múltiplo em sua significância, seja na aludindo ao sexo (as paixões que nos consomem, o fogo do desejo, o ardor sexual), ao alimento (os sabores picantes e afrodisíacos, ou o vinho, que “acendem” quem os ingere), ou mesmo no que concerne à palavra (o fogo do conhecimento, a verdade que é clara e quente como o sol, etc).
O filme de Jean-Jacques Annaud, enquanto adaptação do vasto e monumental livro de Umberto Eco, é pobre e limitado. O livro não apenas se embrenha pelas searas interpretativas - ou pelos topos analíticos - acima citados (o tema do conhecimento proibido e as metáforas ligadas à boca e ao fogo) os quais o filme explora competentemente, como também por outros, como a questão do abismo entre e a palavra e a coisa, entre os discursos (filosófico, científico, religioso) e a realidade; ou a questão da obra como amálgama de influências diversas na qual diferentes autores e diferentes tempos dialogam e se fundem; ou ainda a questão de como toda obra artística (literária, cinematográfica, musical) é uma obra aberta, da qual o fruidor (leitor, expectador, ouvinte) é também co-autor, na medida em que ele a interpretará a partir de seu mundo, de seus signos, de seus elementos, e não obrigatoriamente a partir da visão primordial do autor, pois “cada ponto de vista é a vista a partir de um ponto”.
Considerando a deficiência do filme em explorar todas essas possibilidades, ele perde em qualidade, porém, nas searas escolhidas pelo diretor e pelo roteirista dentre as diversas que o livro possibilita, ou seja, naquilo a que se propõem, o resultado é fascinante, exatamente por não ter pretensões em demasia.
Um documentário curto, bem humorado, ágil e inteligente, que desmascara as estratégia de difamação do regime Norte Coreano posto em prática, pelas grandes empresas de mídia globais, por meio de notícias bizarras, como aquela que dizia e Kim Jong-Un teria obrigado todos os homens do país a aderir ao seu corte de cabelo.
Rémy: Nós fomos tudo: separatistas, partidários de independentistas, soberanistas, soberanistas-associados ... Pierre: No início, éramos existencialistas. Dominique: Lemos Sartre e Camus. Claude: Então Fanon, nós nos tornamos anticolonialistas. Rémy: Lemos Marcuse e nos tornamos marxistas. Pierre: Marxistas-leninistas. Alessandro: Trotskistas. Diane: Maoístas. Rémy: Depois de Solzhenitsyn mudamos, tornamo-nos estruturalistas. Pierre: Situacionistas. Dominique: Feministas. Claude: Desconstrucionistas. Pierre: Há algum “ismo” que não adoramos? Claude: Cretinismo.
Perto do final do filme canadense As Invasões Bárbaras, o diretor e roteirista Denis Arcand nos brinda com esse diálogo cheio de ironia e uma pitada de armargura. Nele, concentrado, depurado, podemos perceber toda a carga pós-modernista que o filme, em sua visão de mundo e em sua crítica das ideologias, possui. Como Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) descreve, é:
“O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade”.
E nenhuma outra expressão definiria melhor o estado de espírito em que o protagonista Remy, diagnosticado com câncer em estado terminal, transpassa durante o filme: parafraseando Rouanet, é uma fadiga crepuscular de uma vida que parece extinguir-se ingloriosamente. Uma vida que, no julgamento do próprio Remy, não passou de uma sucessão de auto-enganos, seja nas ideologias assumidas, seguidas, defendidas com ardor e depois abandonadas e trocadas por outras, nas ilusões perdidas, seja nos amores passageiros que não passavam de sexo vazio regado à boas doses de machismo e omissão marital e ausência paternal.
Não à toa que, ao final da vida, o outrora intelectual, historiador professor universitário vê-se num quarto de hospital público, sendo precariamente atendido, longe dos filhos, na vida dos quais nunca foi muito presente; sem esposa, uma vez que, após tantas traições sofridas, ela o abandonou; esquecido pelos alunos, ex-alunos e colegas com quais até pouco tempo trabalhava; e vendo o mundo ser cada vez mais dominado por tudo o que ele temia a abominava: o capitalismo quase onipresente, livre mercado impiedoso, a justiça e a igualdade sociais ainda longe de serem alcançadas, a cultura cada vez mais massificada, comercial e descartável, o individualismo e o consumismo como novas religiões, a juventude cada vez mais interessada em enriquecer e ter sucesso do que em mudar ou melhorar o mundo, etc.
O mundo de Remy é o mundo da pós-modernidade, que, de acordo com Juremyr Machado, seria a negação das metanarrativas como explicação da realidade ou da história, é estruturado sobre 3 princípios: a) Crise da ideia da filosofia como construtora da verdade; b) Crise da ideia de certeza; c)Crise das Utopias. E, sendo o Marxismo e o Existencialismo, assim como outros ismos, exemplos de metanarrativas, portanto todas essas 3 crises que caracterizam a pós-modernidade estão sutilmente expressas naquele diálogo supra citado.
Em mais um trabalho primorosamente escrito e magistralmente dirigido e interpretado, o cineasta iraniano Asghar Farhadi, junto a alguns de seus atores costumeiros, especialmente o soberbo Shahab Hosseini, nos presenteia com mais um grande filme. Desta vez, em O Apartamento (2016), ele conta a história de Emad (Hosseini), um professor e ator, que junto com sua esposa Rana (Taraneh Alidoosti), se mudam à pressas para um apartamento depois que o prédio onde moravam começa a desmoronar por causa de uma obra num terreno vizinho. Lá, uma tragédia acontecerá, mudando os rumos da vida do casal colocando-a em rota de colisão com a vida de outros personagens que serão revelados ao longo da narrativa.
No filme, Emad e Rana são os protagonistas de uma adaptação teatral de "A morte de um caixeiro-viajante", a clássica e renomada peça escrita por Arthur Miller no final da década de 1940. A peça, por seu turno, conta a história de Willy Loman, um homem já idoso que, amargurado, lamenta os sonhos perdidos enquanto se perde em ilusões de grandeza, evitando a todo custo encarar e aceitar seu próprio fracasso. Sempre acreditando que sua vida um dia irá melhorar e que seus problemas serão resolvidos, ele comete erros atrás de erros, até que sua vida termina de forma trágica.
Não é a toa que Farhadi escolhe a peça de Miller com pano de fundo para a narrativa desse recorte da vida de Emad e Rana. Ambos, o filme de Farhadi e a peça de Miller são profundamente trágicos e pessimistas, e o desenrolar da narrativa de ambas as obras se dá na medida em que as mentiras vão sendo descobertas e a verdade, em sua dureza, vai sendo revelada. Na peça, a mentira a ser desnudada são as ilusões de sucesso e promessas de enriquecimento por meio do esforço em uma sociedade intrinsecamente desigual, nas quais o caixeiro-viajante mergulhou e se alienou a vida inteira, enquanto que a verdade a ser revelada é que Willy fracassou na realização de seus sonhos.
No filme, a mentira está presente naquilo que Babak diz (ou omite?) a Emad sobre a identidade da antiga inquilina do apartamento para o qual ele se muda com Rana; bem como naquilo que Rana diz (ou esconde?) sobre o incidente que sofreu no banheiro. A verdade a ser revelada está na identidade do homem que agrediu Rana e em tudo que o casal Emad e Rana, junto desse misterioso personagem, terão que enfrentar e encarar, nos minutos finais do filme, quando o diretor submete os três a um doloroso e silencioso exame de consciência.
Os filmes de Farhadi, a partir de Procurando Elly (2009), estruturam-se sobre um evento traumático e trágico que se abaterá sobre o núcleo central de personagens e que, ao longo do filme, fará com que, tal as camadas de uma cebola, uma série de mentiras são ditas e depois desmascaradas até que, no final, só reste aquela verdade que todos ou alguns tentavam a todo custo ocultar. São filmes nos quais o que não é dito é muito mais importante do é que dito, e nos quais o final sempre reserva uma surpresa que deixará o espectador pasmo ou estupefato. O curioso é que o dramaturgo Miller, em um entrevista antiga que pode ser conferida no Youtube, dizia o seguinte: "Minhas peças falam de uma lei invisível... Sempre o que não vemos é mais importante do que o que podemos ver."
Por fim, é importante salientar que, apesar de no Brasil o filme ter recebido o título de O Apartamento, na verdade, o título original, "Forushande" significa "o vendedor", aludindo, numa visão mais óbvia, ao caixeiro-viajante da peça. Porém, quem assistir o filme até o final verá que, na verdade, trata-se de outro "vendedor". E é esse personagem, mais do que Emad, que, tal o Willy (que é casado mas te uma amante) da peça de Miller, percebe que sua vida estava sustentada em mentiras.
[Gostou? Leia mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
Preste atenção: na obra de todo grande cineasta, há determinadas temáticas ou questões que sempre subsistem, que estão por trás de tudo e tornam coesa mesmo uma obra caracterizada por filmes que aparentam não terem nada em comum uns com os outros além daqueles aspectos estéticos que são a marca mais visível de todo grande diretor.
Já me dediquei aqui, no Filmow, e em meu blog, a desvendar quais são as questões e temas que afligem estes artistas, a deslindar os segredos contidos no profundo suas narrativas. No caso de Clint Eastwood, esses temas ou questões presentes em todos os seus filmes são: 1 - Finitude e Livre Arbítrio. Personagens que se defrontam com algo tipo de fim (com a morte, a velhice, a separação, etc) e com as escolhas que ele deverá fazer por causa desse ''confronto''. 2 - Obstinação e Redenção. Personagens que se deparam com aquela que eles acreditam ser a grande chance (de ser feliz, de ter sucesso, de realizar um sonho, de se vingar, etc) de suas vidas e a ela se atiram com tudo, sem olhar para trás.
No caso de, por exemplo, Cowboys do Espaço, Eastwood conta a história de velhos astronautas da Nasa que, julgando não terem obtido o reconhecimento e a notoriedade em sua juventude, decidem volta a ativa para uma missão que só eles poderiam realizar: consertar um satélite da época da Guerra Fria que nenhum dos técnicos atuantes sabe mais com funciona porque é praticamente uma ''peça de museu''. Realizar essa missão passa a ser, para eles a chance de obterem um reconhecimento e uma certa fama que eles julgam merecer ou com os quais sonham.
Eu poderia fazer esse tipo de análise de todos os filmes dele a parti daqueles dois pontos elencados acima, mas me deterei no filme Menina de Ouro, pois é o que interessa-me nesse comentário. Nele, temos nos 2 personagens que centrais, interpretados por Hillary Swank e Clint Eastwood. Ambos preenchem perfeitamente os 2 pontos supre-citados.
Frankie Dunn (Clint Eastwood) é um treinador de boxe turrão e durão, dono de uma academia onde treinam jovens aspirantes a boxeadores. A finitude com qual ele se defrontam é separação da única filha, com a qual há anos não tem contato e que há anos recusa seus tentativas de contato; e a velhice, que simboliza o fim do ser, do homem, de uma trajetória, de uma histórias, de sonhos a muito abandonados - tudo isso impresso nas marcas em seu rosto de na dor que esconde em seus rosto taciturno. As escolhas que ele terá de fazer serão, no começo, entre aceitar treina-la ou não, afinal, como ele mesmo gosta de repetir, ''I don't train'girls''. A chance à qual ele se agarra é de treinar a ainda jovem Maggie e tentar, com ela, corrigir os erros cometidos com sua filha e assim buscar, para si, algum de tipo de redenção ou perdão.
Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), por seu turno, é a mulher de 31 anos que, de família pobre, trabalha como garçonete e nas horas vagas, gastando as poucas economias, segue buscando a realização do sonho de se tornar uma boxeadora. A noção de fim com o qual ela se defronta é, inicialmente, o fato de estar envelhecendo e ver se sonho cada mais distante e inalcançável; posteriormente, e essa noção torna-se exatamente ela, a morte, o derradeiro fim. As escolhas, no seu caso, são, num primeiro momento, desistir ou seguir em frente; e depois passa ser a de seguir vivendo ou não. A chance à qual ela se apega com todas as forças é de ser treinada pelo veterano Dunn e assim realizar o sonho de ser uma boxeadora renomada.
Contudo, o filme também pode ser visto com uma grande homenagem ao Western, genero cinematográfico no qual Eastwood iniciou a carreira e ao qual já havia prestado honras no belíssimo Os Imperdoáveis, que lhe rendeu o primeiro par de Oscar. Em Menina de Ouro basta trocar o ginásio de boxe por uma cidade do velho Oeste, as luvas por pistolas, os tenis por botas com esporas, e os ringues por cercas de madeira e estradas empoeiradas. Aí veremos o velho xerfie tentando esquecer o passado, carregando com resignição de todos crimes que não conseguiu impedir e de todas as mortes que causou; veremos o velho pistoleiro honesto, que um dia levou um tiro que o impediu de ser tão rápido quanto seus adversários ou tão rápido quanto sonhava. Por fim, temos o jovem destemido que sonha ser o gatilho mais temida do oeste. A diferença que, neste caso, temos uma mulher que sonha ser o soco mais temido no mundo do boxe feminino.
Enfim, Menina de Ouro, tal como os melhores filmes do mestre Eastwood e como todos os filmes de todos os grandes realizadores do cinema, possui incontáveis camadas a serem desvendadas e apreciadas por quem ama a Sétima Arte.
[Texto de Leandro Andrade Cardoso. Se gostou, leia mais no meu blog www.thecinemaniaco.blogspot]
Em um texto anterior escrito sobre o filme Sicario e publicado aqui no FIlmow e no meu blog [thecinemaniaco.blogspot] eu havia afirmado que os filmes do diretor Denis Villeneuve, apesar de tematicamente distintos, possuíam um estrutura muito semalhante, que conferia coesão à sua obra e que podia ser depurada em alguns pontos.
O primeiro deles é o protagonista, que entrará em uma realidade desconhecida e estranha e que sairá dela completamente modificado ou devastado. No caso de Incendies (2010), os irmãos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), que ingressarão em uma jornada para reconstituir a história e sua mãe e por consequencia a deles mesmos. No caso de Prisioners (2013), o pai amargurado e vingativo Keller Dover (Hugh Jackman). Já em Sicario (2015) quem cumpre essa função é a agente Kate (Emily Blunt). Neste Arrival, este papel é desempenhado pela linguista Dra. Louise Banks, interpretada por Amy Adams.
O segundo ponto diz respeito a um segundo personagem que também adentrará nessa realidade, mas que já a conhece e de certo modo a domina. Ele já passou pela fase do choque, do estranhamento e da perplexidade. Já está moldado e, de certo modo, age friamente ao que presencia. No caso de Incendies (2010), é a mãe, a "mulher que canta" (Lubna Azabal). No caso de Prisioners (2013), o policial Loki (Jake Gyllenhaal). Em Sicario (2015) ele é encarnado pelo agente (Matt Graver).
Já em Arrival o diretor subverte a lógica criada por ele mesmo, de modo que esta função é cumprida também pelo personagem de Amy Adams, na medida em que, ao aprender a linguagem usada pelos alienígenas, sua percepção do tempo e da realidade é alterada. A oposição entre uma visão linear e um circular do tempo são imprescindíveis para entender essa parte, bem como o resto do filme.
O terceiro ponto corresponde a um terceiro personagem que esconde um mistério que é a chave para desvendar - ao menos em parte - a trama que o personagem principal só desvendará no final. É o irmão e o pai perdidos que deverão ser encontrados pelos irmãos em Incendies; o tia (Melissa Leo) idosa e misteriosa do principal suspeito em Prisioners; e o ex-promotor mexicano (Benicio Del Toro) em Sicario. Em Arrival, subvertendo mais uma vez essa lógica, este papel é desempenhado tantos pelos alienígenas, quanto pela protagonista Amy Adams, pois tanto a linguagem nativa dos visitantes extraterrestres, quanto as mudanças que o aprendizado dela provocarão na Dra. Louise.
A busca por vingança ou justiça (com as próprias mãos) era o que motivava um ou mais personagens na trama dos filmes anteriores do diretor, se constituindo no quarto ponto da estrutura aqui explicada: é a busca da "mulher que canta" pelo homem que a estuprou na prisão, em Incendies; é a caça ao homem que sequestrou sua filha, por parte dos pais em Prisioners; ou a procura do ex-promotor pelo chefão do tráfico de drogas que assassinou cruelmente sua família, em Sicario. Em Arrival, porém, o que move a Dra. Louise Banks é a busca por conhecimento, a sedo pelo novo, o desejo de entrar em contato com o desconhecido.
Por fim, o quinto ponto seriam as crianças como representação da pureza e bondade, em contraste com o mal circundante que as ronda e ameaça. Esse mal é criado pelos adultos mas mesmo alguns deles não tem suficiente preparo (ou cicatrizes e feridas) paara lidar com ele. Ao final, só mesmo os ''lobos'' - que o o personagem de Del Toro cita no final de Sicario - é que tem o necessário ''knowhow'' para transitar nessa realidade obscura.
Em Arrival, porém a criança está lá, como a filha da Dra. Louise, mas é dupla de alienígenas carinhosamente apelidade de Abbott e Costello que representa os ideais de pureza, bondade, compaixão, elevação e evolução espiritual. O mal, é criado também pelos adultos, mas o contraste aqui não é entre adultos e crianças, mas entre alienígenas e humanos. Logo, o ser humano a priori, representaria a maldade, a violencia, o desejo de controle e posse, as guerras, o belicismo, a agressividade. Porém, o filme não cai na armadilha de se entregar ao maniqueísmo que visões binárias de mundo oferecem, de modo que o roteiro permite aos seres humanos a redenção e a evolução, num sentido amplo e rico.
O defeito do filme, porém, é o modo apressado com o qual o desfecho acontece. O modo como os problemas são resolvidos nos 15 minutos finais do filme é inconsistente, cheio de lacunas e revela, infelizmente, uma certa perguiça por parte do diretor e roteirista.
Paixão dos Fortes
4.0 57 Assista AgoraMuitos foram os filmes contando a lendária história de Wyatt Earp, xerife de Tombstone, o tiroteio ocorrido no O.K. Curral do qual ele foi o protagonista: Sem lei, sem alma (Gunfight at the O.K. Corral, 1957) e A Hora da Pistola (Hour of the gun, 1967), ambos de John Sturges; Massacre de Pistoleiros (Doc, 1971), de Frank Perry; Tombstone - A Justiça está chegando (Tombstone, 1993), de George P. Cosmatos; e Wyatt Earp (1994), de Lawrence Kasdan, com Kevin Costner.
Para muitos, esta versão dirigida por John Ford em 1946, destaca-se não apenas por ser uma das primeiras delas, mas sim por ser a mas memorável. Primeiro, por usar com mote para narrativa não o famoso duelo em si, mas a relação de amizade entre Wyatt (Henry Fonda, inspiradíssimo) e Doc Holiday (Victor Mature); e o amor dos dois pela bela Clementine (Cathy Downs). Este, por seu turno, é embalado pela clássica canção "Oh, my darling Clementine". Cenas como do ator alcoólatra declamando o monólogo de Hamlet em cima de uma mesa de bar, ou aquela em que Wyatt descobre um jeito inusitado de se divertir sentando em uma cadeira, são singelas mostras da capacidade de Ford de compor cenas inesquecíveis a partir de premissas banais.
Merece destaque a atuação do veterano Walter Brennan (3 vezes premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, em 1936, 19388 e 1942) como o velho e ardiloso patriarca da família Clanton e antagonista de Earp.
O confronto, segundo fontes históricas precisas, aconteceu as 3:00h da tarde de uma quarta-feira a 26 de outubro de 1881, no território de Arizona. Acabou sendo tranformado em símbolo da luta contra o mal enquanto Earp foi transformado em arquétipo do homem justo íntegro e incorruptível que, tornado xerife, limpa a cidade de seus malfeitores. Anos mais tarde, John Ford revisitaria estes temas, apurando seu olhar e invertendo suas conclusões sobre eles, realizando uma de suas obras-primas: O homem que matou os facínora (The man who kills Liberty Valence), com James Stweart, John Wayne e Lee Marvin.
Colheita Amarga
3.4 38 Assista AgoraA farsa do holomodor
Toda mentira sobre o Holdomor começou quando William Randolph Hearst, magnata da imprensa estadunidense, conhecido antes da Segunda Guerra como "o fascista nº1 da América", viajou para Alemanha em 1934, cerca de 1 ano depois da ascensão de Hitler ao poder. Nessa viagem ele travou contato principalmente com Alfred Rosenberg, ideólogo do Partido Nazista, que, terminada a Segunda Guerra (1945), acabou julgado e executado no Tribunal de Nuremberg por crimes contra a humanidade.
No ano seguinte à viagem (1935), os jornais de Hearst começaram a espalhar a farsa do “holocausto ucraniano”. Hearst havia começado sua vida como empresário em 1887 após assumir o controle do jornal The San Francisco Examiner, que era do seu pai. Se mudando para Nova Iorque, ele comprou o The New York Journal e criou então a noção de "imprensa marrom", sendo por isso considerado "o pai do sensacionalismo". Neste ínterim, entrou em uma guerra de negócios com Joseph Pulitzer (já ouviu falar no Prêmio Pulitzer?), dono do New York World.
Porém, foi Walter Dushnyck, um colaborador dos nazistas e terrorista da “Organização Militar Ucraniana” (que apoiou os nazistas quando estes ocuparam parte da Ucrània em 1941), o homem por trás da farsa. Dushnyck refugiou-se nos EUA após a II Guerra, onde publicou o livro "50 anos atrás: o Holocausto de Fome na Ucrânia" (50 Years Ago: The Famine Holocaust in Ukraine, 1983), um panfleto repleto de referências nazistas, incluindo a capa, como uma caveira branca sobre uma foice e um martelo vermelhos: um dos temas favoritos dos posters hitleristas. Este livro continha as fotos do "genocídio ucraniano” publicadas originalmente no jornal de Hitler, o “Völkischer Beobachter” e nos de seu apoiador americano, William Randolph Hearst (cuja vida inspirou o filme Cidadão Kane).
Cabe lembrar que Hearst tinha estreita relação com o senador Joseph McCarthy, sendo um dos nomes fortes por trás do movimento de "caça aos comunistas" iniciado por ele na década de 1950, no que ficou conhecido como Macarthismo. Por meio do Comitê de Atividades Anti-Americanas, McCarthy liderou um comitiva inquisitorial que perseguiu qualquer que tivesse a mínima conexão com o marxismo, como o roteirista Dalton Trumbo, os diretoires Edward Dmytryk, John Huston e Orson Welles (que Hearst fez de tudo para derrubar quando este lançou Cidadão Kane), os atores Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Gregory Peck, Katharine Hepburn, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Gene Kelly e até mesmo Frank Sinatra.
Outro responsável por disseminar essas mentiras sobre a URSS foi o escritor Robert Conquest, nos livros O Grande Terror (The Great Terror, 1968) e Colheita Amarga (The Harvest of Sorrow, 1986). O que poucos sabem é que Conquest trabalhou até meados da década de 50 para o Information Research Department (Departamento de Pesquisa de Informação), um organismo secreto do Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros) criado em 1948 pelo governo trabalhista para estudar o comunismo e combater ativamente a sua influência interna e externamente, promovendo um eficaz relacionamento com jornalistas dos principais jornais, dirigentes sindicais, etc. Datam desse tempo os seus primeiros textos sobre a União Soviética.
Robert Conquest, para escrever seu livro, teve como ajudante James Mace que, assim como Nicolas Werth (organizador do "Livro negro do comunismo”), adotaram um método estatístico falho criado por Dushnyck para "medir" a quantidade de mortos na fome de 1931-32. O método de Dushnyck pode ser avaliado pelo seguinte trecho de seu livro: “tomando os dados do censo de 1926 e os do censo de 1939 e a média de aumento [da população] antes da coletivização (2.36% ao ano), podemos calcular que a Ucrânia perdeu 7 milhões e 500 mil pessoas entre os dois censos”. Logo, ele conclui que esses seriam os mortos de fome entre 1932 e 1933.
O método de Dushnyc apresenta outras falhas:
1) Ignorar o fato de que uma parte da população que no censo de 1926 era classificada como ucraniana – cerca de 2 a 3 milhões de cossacos – foi,no censo de 1939, reclassificada como russa, pela simples razão de que viviam da Rússia e não na Ucrânia.
2) Pressupor que, entre 1926 e 1939 ninguém morreu de outra causa que não a fome, como frio, pneumonia, velhice, etc.
3) Ignorar que na URSS e outros países, durante esse período, ocorreram duas grandes epidemias tifo e malária, ambas sem tratamento conhecido na época.
4) Pressupor que o número de mulheres na idade reprodutiva e com vida sexual ativa tivesse se mantido inalterado no período.
5) Ignorar as mortes na guerra e as quedas nas taxas de natalidade e fecundidade entre 1914 (início da I Guerra Mundial) e 1921 (fim da Guerra Civil).
6) Pressupor que a taxa de natalidade permaneceu constante durante os 13 anos em que a URSS passou por uma extraordinária transformação, com industrialização pesada sendo realizada, a reforma agrária por meio da coletivização da agricultura, além da preparação da defesa do país para a guerra, passos indispensáveis para a construção do socialismo.
A fome de 1931-1932, não foi causada pelo Estado soviético, nem foi planejada ou premeditada por Stalin. Primeiro, porque não morreram apenas ucranianos, mas também russos, bielorrussos e cazaques. Os camponeses ricos da Ucrânia, que exploravam a mão de obra do campesinato local, opondo-se à coletivização. Os próprios kulaks, que haviam enriquecido com a NEP de Lenin, recusaram-se a colher os frutos e grãos, principalmente depois que muitos camponeses sem-terra optaram por migrar para outras regiões da União Soviética, trabalhando em fazendas coletivas (as kolkhoses), em vez de ficar naquela região, sendo explorados.
Grupos de extrema-direita anti-comunistas, como a Organização Militar Ucraniana, atearam fogo nas suas plantações, atiraram nos rebanhos, matando animais, com o intuito de sabotar o processo de coletivização. Haviam, à época, 10 milhões de “kulaks”, para uma população camponesa total de 120 milhões de pessoas. Cerca de 1 milhão e 800 mil deles, por causa da pressão dos kulaks, optaram por migrar para outras localidades.
Pelo método de Dushnyck, adotado por outros autores como Robert Conquest e Nicolas Werth, a transformação da União Soviética, de país agrário a potencia industrial, bem com a passagem pela Guerra Civil (1918-1921) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não teria afetado a taxa de natalidade. Em conseqüência dessa falha metodológica pessoas que nunca nasceram foram considerados mortas em genocídio que nunca se provou. Pois a taxa de natalidade, evidentemente, caiu entre 1926 e 1939 – e caiu significativamente.
Segundo Dushynck e os seguidores de seu método, teriam morrido 10 milhões de pessoas na fome de 1931-1932. Todavia, Rússia, Ucrânia e muitos países do mundo, até meados do século XX, quando se consolidou a chamada "Revolução Verde", enfrentavam crises periódicas de fome. Entre 1891 e 1892, no Império Russo, governado pelo czarismo, a fome matou entre 13 e 35 milhões de pessoas, em decorrência, além das técnicas precárias de cultivo, do rigoroso inverno no qual as temperaturas chegaram a -31º C.
Outras fontes:
BLACK, Edwin. A IBM e o Holocausto.
DAVIS, Marion. The Times we Had: life with William Randolf Hearst
DIAMOND, Jared. Armas, Germes, Aço: o destino das sociedades humanas.
LEONHARD, Wolfgang. O Futuro da União Soviética.
LOSURDO, Domenico. Stalin: história e crítica de uma lenda negra.
MARTENS, Ludo. Stalin: um novo olhar.
NASAN, David. The Chief: the life of William Randolf Hearst
STRONG, Anna L. A Era Stalin.
PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the early years (1863-1910)
PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the later years (1911-1951)
TOTTLE, Douglas. Fraude, Fome e Fascismo.
Stalin - O Tirano Vermelho
3.7 4Mentiras sobre Stalin: O holomodor
A fome de 1931-1932, não foi causada pelo Estado soviético, nem foi planejada ou premeditada por Stalin. Primeiro, porque não morreram apenas ucranianos, mas também russos, bielorrussos e cazaques. Os camponeses ricos da Ucrânia, que exploravam a mão de obra do campesinato local, opondo-se à coletivização. Os próprios kulaks, que haviam enriquecido com a NEP de Lenin, recusaram-se a colher os frutos e grãos, principalmente depois que muitos camponeses sem-terra optaram por migrar para outras regiões da União Soviética, trabalhando em fazendas coletivas (as kolkhoses), em vez de ficar naquela região, sendo explorados.
Grupos de extrema-direita anti-comunistas, como a Organização Militar Ucraniana, atearam fogo nas suas plantações, atiraram nos rebanhos, matando animais, com o intuito de sabotar o processo de coletivização. Haviam, à época, 10 milhões de “kulaks”, para uma população camponesa total de 120 milhões de pessoas. Cerca de 1 milhão e 800 mil deles, por causa da pressão dos kulaks, optaram por migrar para outras localidades.
Toda mentira sobre o Holdomor começou quando William Randolph Hearst, magnata da imprensa estadunidense, conhecido antes da Segunda Guerra como "o fascista nº1 da América", viajou para Alemanha em 1934, cerca de 1 ano depois da ascensão de Hitler ao poder. Nessa viagem ele travou contato principalmente com Alfred Rosenberg, ideólogo do Partido Nazista, que, terminada a Segunda Guerra (1945), acabou julgado e executado no Tribunal de Nuremberg por crimes contra a humanidade.
No ano seguinte à viagem (1935), os jornais de Hearst começaram a espalhar a farsa do “holocausto ucraniano”. Hearst havia começado sua vida como empresário em 1887 após assumir o controle do jornal The San Francisco Examiner, que era do seu pai. Se mudando para Nova Iorque, ele comprou o The New York Journal e criou então a noção de "imprensa marrom", sendo por isso considerado "o pai do sensacionalismo". Neste ínterim, entrou em uma guerra de negócios com Joseph Pulitzer (já ouviu falar no Prêmio Pulitzer?), dono do New York World.
Porém, foi Walter Dushnyck, um colaborador dos nazistas e terrorista da “Organização Militar Ucraniana” (que apoiou os nazistas quando estes ocuparam parte da Ucrània em 1941), o homem por trás da farsa. Dushnyck refugiou-se nos EUA após a II Guerra, onde publicou o livro "50 anos atrás: o Holocausto de Fome na Ucrânia" (50 Years Ago: The Famine Holocaust in Ukraine, 1983), um panfleto repleto de referências nazistas, incluindo a capa, como uma caveira branca sobre uma foice e um martelo vermelhos: um dos temas favoritos dos posters hitleristas. Este livro continha as fotos do "genocídio ucraniano” publicadas originalmente no jornal de Hitler, o “Völkischer Beobachter” e nos de seu apoiador americano, William Randolph Hearst (cuja vida inspirou o filme Cidadão Kane).
Cabe lembrar que Hearst tinha estreita relação com o senador Joseph McCarthy, sendo um dos nomes fortes por trás do movimento de "caça aos comunistas" iniciado por ele na década de 1950, no que ficou conhecido como Macarthismo. Por meio do Comitê de Atividades Anti-Americanas, McCarthy liderou um comitiva inquisitorial que perseguiu qualquer que tivesse a mínima conexão com o marxismo, como o roteirista Dalton Trumbo, os diretoires Edward Dmytryk, John Huston e Orson Welles (que Hearst fez de tudo para derrubar quando este lançou Cidadão Kane), os atores Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Gregory Peck, Katharine Hepburn, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Gene Kelly e até mesmo Frank Sinatra.
Outro responsável por disseminar essas mentiras sobre a URSS foi o escritor Robert Conquest, nos livros O Grande Terror (The Great Terror, 1968) e Colheita Amarga (The Harvest of Sorrow, 1986). O que poucos sabem é que Conquest trabalhou até meados da década de 50 para o Information Research Department (Departamento de Pesquisa de Informação), um organismo secreto do Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros) criado em 1948 pelo governo trabalhista para estudar o comunismo e combater ativamente a sua influência interna e externamente, promovendo um eficaz relacionamento com jornalistas dos principais jornais, dirigentes sindicais, etc. Datam desse tempo os seus primeiros textos sobre a União Soviética.
Robert Conquest, para escrever seu livro, teve como ajudante James Mace que, assim como Nicolas Werth (organizador do "Livro negro do comunismo”), adotaram um método estatístico falho criado por Dushnyck para "medir" a quantidade de mortos na fome de 1931-32. O método de Dushnyck pode ser avaliado pelo seguinte trecho de seu livro: “tomando os dados do censo de 1926 e os do censo de 1939 e a média de aumento [da população] antes da coletivização (2.36% ao ano), podemos calcular que a Ucrânia perdeu 7 milhões e 500 mil pessoas entre os dois censos”. Logo, ele conclui que esses seriam os mortos de fome entre 1932 e 1933.
O método de Dushnyc apresenta outras falhas:
1) Ignorar o fato de que uma parte da população que no censo de 1926 era classificada como ucraniana – cerca de 2 a 3 milhões de cossacos – foi,no censo de 1939, reclassificada como russa, pela simples razão de que viviam da Rússia e não na Ucrânia.
2) Pressupor que, entre 1926 e 1939 ninguém morreu de outra causa que não a fome, como frio, pneumonia, velhice, etc.
3) Ignorar que na URSS e outros países, durante esse período, ocorreram duas grandes epidemias tifo e malária, ambas sem tratamento conhecido na época.
4) Pressupor que o número de mulheres na idade reprodutiva e com vida sexual ativa tivesse se mantido inalterado no período.
5) Ignorar as mortes na guerra e as quedas nas taxas de natalidade e fecundidade entre 1914 (início da I Guerra Mundial) e 1921 (fim da Guerra Civil).
6) Pressupor que a taxa de natalidade permaneceu constante durante os 13 anos em que a URSS passou por uma extraordinária transformação, com industrialização pesada sendo realizada, a reforma agrária por meio da coletivização da agricultura, além da preparação da defesa do país para a guerra, passos indispensáveis para a construção do socialismo.
Ou seja, pelo método de Dushnyck, adotado por outros autores como Robert Conquest e Nicolas Werth, a transformação da União Soviética, de país agrário a potencia industrial, bem com a passagem pela Guerra Civil (1918-1921) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não teria afetado a taxa de natalidade. Em conseqüência dessa falha metodológica pessoas que nunca nasceram foram considerados mortas em genocídio que nunca se provou. Pois a taxa de natalidade, evidentemente, caiu entre 1926 e 1939 – e caiu significativamente.
Segundo Dushynck e os seguidores de seu método, teriam morrido 10 milhões de pessoas na fome de 1931-1932. Todavia, Rússia, Ucrânia e muitos países do mundo, até meados do século XX, quando se consolidou a chamada "Revolução Verde", enfrentavam crises periódicas de fome. Entre 1891 e 1892, no Império Russo, governado pelo czarismo, a fome matou entre 13 e 35 milhões de pessoas, em decorrência, além das técnicas precárias de cultivo, do rigoroso inverno no qual as temperaturas chegaram a -31º C.
Outras fontes:
BLACK, Edwin. A IBM e o Holocausto.
DAVIS, Marion. The Times we Had: life with William Randolf Hearst
DIAMOND, Jared. Armas, Germes, Aço: o destino das sociedades humanas.
LEONHARD, Wolfgang. O Futuro da União Soviética.
LOSURDO, Domenico. Stalin: história e crítica de uma lenda negra.
MARTENS, Ludo. Stalin: um novo olhar.
NASAN, David. The Chief: the life of William Randolf Hearst
STRONG, Anna L. A Era Stalin.
PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the early years (1863-1910)
PROCTER, Ben. William Randolf Hearst: the later years (1911-1951)
TOTTLE, Douglas. Fraude, Fome e Fascismo.
O Jovem Karl Marx
3.6 272 Assista AgoraA grosso modo, poderíamos dizer que Comunismo seria, mais ou menos, uma forma de Socialismo ou uma consequência dele. A noção de Socialismo tem origem na Revolução Francesa. Mas, até Karl Marx só havia o Socialismo que depois passou a ser chamado de Socialismo Utópico. Aí veio Marx e propôs, baseado no método filosófico-científico chamado Materialismo Histórico Dialético, um outro socialismo, que é chamado de Socialismo Científico.
A questão é que os socialistas anteriores acreditavam e defendiam uma sociedade na qual não existem classes sociais ou nem uma outra forma de desigualdade, na qual as propriedades privadas, principalmente os meios de produção, fossem de todos, para uso igual e justo de todos. Alguns deles afirmava que à ela se chegaria quando a classe dominante (a burguesia) adquirisse consciência acerca das injustiças.
O que Marx - basicamente - fez, e que esses socialistas anteriores não fizeram, é, primeiramente, tecer uma crítica profunda e consistente do sistema em vigor. Para isso, formulou/desenvolveu conceitos como mais-valia, meios-de-produção e força de trabalho, entre outros. Depois, mostrou como a mudança para essa sociedade deveria acontecer, pensando as condições sociais e econômicas necessárias para que isso se desse, enquanto seus antecessores apenas acreditavam que um dia, naturalmente, isso aconteceria sem luta de classes, enquanto que, para Marx, é unicamente por meio da luta de classes que a revolução seria possível. Marx não acreditava que a mudança nas estruturas sociais e econômicas que perpetuam as desigualdades seria realizada por um iniciativa daqueles que dessas desigualdades se beneficiam, ou seja, a classe dominante. Segundo ele, era preciso que os dominados, ou seja, os trabalhadores do mundo unisse-se se quisessem perder os seus grilhões.
Para Marx essa mudança não aconteceria naturalmente ou sem esforço. Só se daria - resumidamente - por meio da revolução, quando a classe dominada (o proletariado, ou seja, os trabalhadores) rejeitando a exploração à qual sempre estiveram expostos, tomassem o poder e instaurassem um governo seu, fazendo a Reforma Agrária e estatizando/coletivizando as empresas privadas, colocando fim ao julgo da burguesia. Já o que chamamos de Comunismo, segundo Marx, seria o estágio final de uma sociedade na qual vigorasse o Socialismo Científico.
O Capitalismo e a Globalização tem mantido laços estreitos desde que nasceram. Tal é a ligação entre eles que poder-se-ia dizer serem gêmeos-siameses. Nascidos no século XV, a Globalização começou a ser gestada com as Grandes Navegações, outrossim, o Capitalismo foi veio à luz com o fim do Feudalismo. Ambos, Capitalismo e Globalização são filhos da burguesia já ascendida ao posto de classe dominante. Juntos, tem moldado nossos hábitos, especialmente aqueles ligados ao consumo. Se, por um lado, a Globalização faz com que determinados elementos culturais (especialmente das culturas e nações dominantes dentro da hierarquia global) se transformem em produtos que são consumidos no mundo todo; por outro, o Capitalismo, ao priorizar a acumulação de capital (ou seja, o lucro) faz com que o consumo seja estimulado intensamente por meio de publicidade, criando novas demandas, antes inexistentes, para novos produtos.
Jacques Decornoy (in MARQUES) coloca em relevo o fato de que a suposta promoção da integração, da aceitação e da valorização das diversidades prometidas pela Globalização se efetiva apenas na medida em que atende aos interesses do capital estrangeiro e preconizando a valorização da cultural ocidental. Nos países pobres o direito a essa tal integração é negado às suas massas, cuja única função é produzir, a baixos custos, que será consumido naqueles países. De um lado os países do sul: pobres, subdesenvolvidos, excluídos, e dependentes da exportação para os países ricos. De outro, os países do norte: ricos, desenvolvidos, incluídos, integrados, globalizados, explorando, ao seu bel prazer “os vizinhos de baixo”, e vivenciando as apregoadas benesses do capitalismo.
“... acentua a dependência na qual os países do Terceiro Mundo se debatem... em nome da mundialização, da ‘globalização’ pretensamente frutuosa dos intercâmbios. Dependência? Certamente. [...] O futuro não é nada radioso: os países industrializados tornaram-se cada vez mais protecionistas...” [DECORNOY, Jacques. Desenvolvimento e Pobreza.]
Outros autores, aprofundando-se no lado contraditório da Globalização, no qual integração e união de diferentes povos e culturas dá-se somente num plano teórico, ou, então, no que se refere à capacidade de transformar elementos de povos e culturas diversos em produtos para serem consumidos pelos que detém o capital financeiro. As massas, porém, que formam os fluxos de excluídos que migram das regiões mais pobres (menos globalizadas) para as mais ricas (mais globalizadas), cujo único produto a oferecer é sua mão-de-obra, são excluídas ou privadas desse processo globalizador, devido ao endurecimento das leis contra a imigração nos países considerados desenvolvidos. Todavia, se por um lado os imigrantes são ojerizados pelas populações desses países, para suas economias eles são desejados, pela abundância e pelo baixo valor de sua mão-de-obra.
“Na época da globalização dos mercados, em que o capital e as empresas derrubam as fronteiras das nações, o homem – principalmente o homem menos culto e mais pobre – vê surgir novas barreiras a impedi-lo de vender a única mercadoria que realmente lhe pertence: sua força de trabalho.” (MARQUES, Clovis.)
Ato contínuo, desta relação mutualista entre globalização e capitalismo advém problemas contemporâneos como o Consumismo (que é o consumo irrefreado, irracional e exagerado), o desperdício (consequência de quando se consome mais do que se necessita), a poluição gerada pelo excesso de lixo (que poderia ser reduzido se reduzíssemos o consumo individual e se as práticas da reutilização e da reciclagem estivessem satisfatoriamente difundidas e implementadas), bem como o esgotamento do recursos naturais por conta de uma exploração que ultrapassa o limites naturais de regeneração de nosso planeta.
"Os que no regime burguês trabalham não lucram e os que lucram não trabalham."(Engels)
"Horrorizam-se porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em nossa sociedade a propriedade privada já está abolida para nove décimos de seus membros." (Marx)
Seria possível mudar essa situação mantendo o Capitalismo como sistema político-econômico? Ora, sendo o lucro a prioridade dentro deste sistema, concluiremos - quase inevitavelmente - que qualquer medida que afete ou reduza o lucros (como a redução do consumo), não seria colocada em prática e seria vista como uma ameaça em vez de uma solução. E antes que se diga que o Comunismo não é uma opção melhor que o Comunismo sob a alegação de que ele todas as tentativas de implementa-lo falharam, lembremos que em nenhum dos países que tentaram pô-lo em pática viveram apenas experiências socialistas, nunca jamais tendo chegado o estágio do Comunismo. Primeiramente, a Rússia passou por uma experiência Socialista, não Comunista, durante os anos que a União Soviética vigorou, isto é, entre 1917 e 1991.
"Os capitalistas chamam 'liberdade' à liberdade dos ricos de enriquecer e à dos operários para morrer de fome. Os capitalistas chamam liberdade de imprensa à compra dela pelos ricos, servindo-se da riqueza para fabricar e falsificar a opinião pública." (Lênin)
A Coréia deixou de ser um único país após a Guerra da Coreia, entre 1945 e 1953. A República Popular da Coréia ou Coréia do Norte, desde então, tem passado por uma experiência socialista também, assim como Cuba, que desde a Revolução Cubana (1959), também vive um modelo socialista. O comunismo nunca foi implantando em nenhum país pois, sendo ele um sistema econômico e político elaborado por Marx, ele seria o estágio final da evolução de uma sociedade socialista. Nenhuma das nações que tentaram o Socialismo - repito - chegaram ao estágio do Comunismo, por isso ele permanece com opção viável ao desigual e injusto sistema vigente que permite que 1% da população do planeta possua a mesma riqueza dos outros 99% da população.
Além do mais, na medida em que uma sociedade adere ao Capitalismo, o valor de seus indivíduos passa a ser medido pelo seu trabalho (e o preço pago por este varia de acordo com "o mercado") e pelo que consomem. Hoje, no Capitalismo, mais em qualquer época e em qualquer sistema político-econômico, consumir se tornou um ritual, para qual templos foram construídos em direção aos quais, milhões se dirigem todos os dias, em peregrinação: os shopping centers. O incentivo ao consumo está em toda parte: anúncios nos intervalos dos programas de tv, dentro do programas e dos filmes, nas redes sociais, por sms, nos outdoors, etc...
Desse modo, quando uma sociedade capitalista, por causa de suas desigualdades tão intrínsecas quanto basilares, não consegue oferecer a todos os seus membros as mesma possibilidades de renda por meio de um trabalho que possam lhe propiciar determinado padrão consumo, a parte menos favorecida dessa população irá, quase que inevitavelmente, buscar alternativas para obter poder de compra e assim poder consumir, pois mesmo que apenas inconscientemente, eles sabem que só assim terão algum valor dentro de sociedade, que é calcada no individualismo e na supervalorização da imagem e da aparência.
Ostentar uma roupa ou calçado de determinada marca - mesmo que seja um produto falsificado - é, nessa sociedade, um exercício (fútil, enganoso) de construção da própria identidade, bem como a autoestima. Portanto, usar a meritocracia para dizer que em nossa sociedade só adere ao crime quem não tem caráter, é um pressuposto vazio, raso, desprovido de dialética. O problema é muito mais complexo, a questão é bem mais profunda.
"Para não ter protestos vãos,
Para sair desse antro estreito,
Façamos nós por nossas mãos
Tudo o que a nós diz respeito!"
[Trecho da Internacional Comunista.]
Platoon
4.0 624 Assista AgoraSargento. Elias: - Barnes acredita no que ele está fazendo.
Chris Taylor: - E você? Você acredita?
Sargento. Elias: - Em 65, sim. Agora não. O que aconteceu hoje é apenas o começo. Nós vamos perder essa guerra.
Chris Taylor: - Pára com isso! Você realmente pensa assim? Nós?
Sargento. Elias: - Nós passamos tanto tempo chutando a bunda dos outros, parece que chegou hora de termos a nossa chutada.
Boi Neon
3.6 460 Assista AgoraUm vaqueiro que quer estilista, tem uma máquina de costura e tem medo de armas. Um mulher que dirige um caminhão que transporta gado e, se precisar, dá uma de mecânica também. Uma menina, filha de uma caminhoneira e criada entre vaqueiros, que ama cavalos. Assim o diretor Gabriel Mascaro vai desconstruindo estereótipos de gênero sem cair no panfletarismo, fugindo de maniqueísmos e reducionismos, ao passo que retrata a vida de gente simples do norte e nordeste brasileiro que sobrevive à margem do crescente e onipresente agronegócio.
Florence: Quem é Essa Mulher?
3.5 351 Assista AgoraO filme vale pela precisa atuação de Meryl Streep, equilibrando com perfeição humor e drama. Por causa dela, nos afeiçoamos à Florence e, se rimos nos momentos que ela tenta cantar, também nos deixamos contagiar por seu genuíno amor pela música.
Os dramas reais pela qual a verdadeira Florence Foster Jenkins (1868—1944), passou, são habilmente explorados pelo roteiro, o que faz com criemos ainda mais empatia para com a personagem. Talvez o pior deles seja ter contraído sífilis, na noite de núpcias, com seu marido, o Dr. Frank Thornton Jenkins. Quando se casaram, em 1885, ele tinha 33 anos. Ela tinha apenas 17 anos.
Quando criança Florence iniciou carreira na música como pianista, apresentando-se como “Little Miss Foster”.Chegou inclusive a dar um recital na Casa Branca durante o governo do Presidente Rutherford B. Hayes. Em consequência de sua doença, que ataca o sistema nervoso, tocar piano ficou cada vez mais difícil. Como o tratamento disponível à época incluía a ingestão de mercúrio e láudano, altamente tóxicos, os que complicou demais sua saúde, impedindo-a de seguir a carreira como pianista.
O filme conta também com uma reconstituição de época (cenários, figurinos...). Contudo, seus defeitos não podem ser negados. O pior deles é atenção exagerada que o roteiro dá a estórias e personagens paralelos. Em vez de enriquecer a trama, este recursos acaba mostrando-se enfadonho e supérfluo.
A atuação de Simon Helberg também me incomodou. Apesar de ser um ator de talento inegável, aqui ele sobrecarrega em sua atuação, do mesmo modo que o roteiro exagera na atenção que dispensa ao seu personagem. Sua constante preocupação em atuar, torna a sua atuação mecânica e pesada, desprovida de fluidez sutileza. Dá para perceber seu esforço em gesticular, em realizar expressões faciais, em tentar compor um personagem multidimensional, mas seu empenho resulta em um personagem indefinido, sem consistência, que não diz a que veio.
Sua presença no filme, como mais um alívio cômico (afinal, a protagonista em si já proporciona suficiente comicidade), acaba mostrando igualmente desnecessária. A cena em que ele ri no elevador após a primeira aula com Florence soa como se o público não fosse capaz de identificar quando a cena é cômica. É como se, para o diretor, as cenas em que Florence canta não fossem suficientemente engraçadas.
O filme é, em geral, formulaico e excessivo, e claramente feito com intenção de angariar indicações em premiações importantes. Duas cenas, em especial, são daquelas claramente pensadas para isso: aquela em que Streep, encarnando Florence, conversa com seu (2º) marido, interpretado por Hugh Grant, sobre seu sonho de cantar no Carmegie Hall; a outra, quando os dois conversam no leito de morte de Florence, no final do filme.
A minha cena favorita, contudo, vem depois que os créditos começam a descer:
"- Quer fazer outra tomada?
- Bem, não vejo por quê. Esta me pareceu perfeita."
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Silêncio
3.8 576Scorsese, que quando criança queria ser padre, faz aqui mais um belíssimo e provocante auto-de-fé, muito semelhante, nas questões que provoca - e que vão além do tema da verdade da fé e de suas manifestações - ao A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988), que ele mesmo dirigiu, cerca de 30 anos atrás.
A questão mais pertinente aqui gira em torno da apostasia, que é a negação da fé - num sentido mais profundo do que o que fez o apóstolo Pedro, quando negou Cristo por três vezes antes do galo cantar. Até que ponto sofrer e morrer pela fé para não negá-la é necessário se, ao morrer na cruz, Cristo teria pago por os nosso pecados dos homens? Não seria melhor negar a fé e pecar, sofrendo a culpa como um martírio, mas certo do perdão que o sacrifício do Cristo legou?
Aceitar o pecado, a condição de pecador, é prova de fé, sustenta o narrador. Viver a fé em silêncio, internamente, sofrendo por não poder expressa-la, carregando o fardo do silêncio, é também um martírio, que permite ao fiel purgar-se da apostasia cometida. Além disso, até que ponto a escolha pelo martírio é uma escolha humilde, desinteressada, desprovida de vaidade e egoísmo? Não estaria o mártir tentando igualar-se ao Cordeiro de Deus, comparar-se a ele?
Outra, mais secundária, é a questão da certeza do perdão e sua relação com a impunidade, levando o homem a não evitar o pecado, pois sabe que será perdoado caso arrependa-se. Cria-se então um sujeito incapaz de resistir aos impulsos e que está sempre à procura de absolvição, o que, na moralidade judaico-cristã, leva-o a estar sempre em pecado. O castigo, a punição, o sacrifício, o martírio, tem todos uma mesma função, que é a correção moral por meio da dor ou do exemplo. Essas noções de pecado e perdão não existe nas religiões orientais, com Hinduísmo, Jainismo, Budismo, Sikhismo, etc. Há, por outro lado, as noções de karma, de reenconarnação e de iluminação, onde o sujeito evita as ações que lhe possam criar novos karmas, buscando sempre a elevação moral e espiritual, de modo a atingir a iluminação,seja por meio de repetidas encarnações, seja por meio da meditação,
Essa metafísica baseada em dualismos, em oposições entre corpo e alma, carne e espírito, impuro e puro, profano e sagrado, mundo dos homens e mundo de Deus, que caracteriza as religiões monoteístas que cultuam um deus abraâmico também encontra forte oposição na metafísica oriental, que caracteriza religiões como Hinduísmo, Budismo, Jainismo, Taoísmo e Xintoísmo, nas quais essa visão de mundo e realidade essencialmente dicotômica dá lugar à uma visão holística, de unidade e multiplicidade, de complementaridade e não de hierarquia, nem de oposição.
Aqueles dualismos, aquelas oposições entre corpo e alma, carne e espírito, impuro e puro, profano e sagrado, mundo dos homens e mundo de Deus, na tradição judaico-cristã, leva o homem a negar um dos lados, estabelecendo entre eles uma hierarquia: de um lado o corpo, a carne, o mundo dos homens, profanos, cheios de pecado e corrupção; do outro, a alma, o espírito, do mundo de Deus, puro e incorruptível.
As religiões orientais, por outro lado, são religiões que abraçam a dialética em sua plenitude. Não estabelecem hierarquias entre as dimensões da realidade, pois não concebem uma realdade dividida em dimensões separadas. Em sua visão totalizante, as dimensões se misturam, sem intercalam. Há pureza no impuro, há amor no pecador, o puro esconde impurezas, o silêncio guarda ruídos, o ruído transpassa o silêncio.
Apenas quando, no silêncio da fé que não pode ser manifestada, o padre jesuíta Rodrigues a nega (negando-a apenas exteriormente) ele ouve finalmente a voz do Deus que ele ama, ele fortalece internamente aquela fé aparentemente negada. Ele abraça então a dialética da relação entre interno e externo, espírito e corpo, silêncio e ruído, aparência e essência.
Se Deus é o todo, o uno, como afirmou Plotino, então ele só pode ser alcançado quando aceitamos a realidade em sua totalidade e complexidade.
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Black Mirror (3ª Temporada)
4.5 1,3K Assista AgoraBem inferior às duas primeiras temporadas. Não tem sequer um episódio nesta 3ª temporada que chegue perto dos anteriores. Parece que os roteiristas e diretores perderam a mão e a inspiração.
O Lagosta
3.8 1,4K Assista AgoraGenial! Impecável! Brilhante!
O filme não é uma ficção científica ao estilo Christopher Nolan (como Interestellar) na qual que tudo segue uma lógica científica e possui uma explicação. É uma espécie de parábola, um conto moral, mas em forma de ficção científica. Tudo tem um sentido metafórico, e a crítica, cheia de ironia e sarcasmo, do filme é direcionada à muitos aspectos de nossa vida. Eu destacaria 5 pontos:
1) nossa dificuldade em nos relacionar com as diferenças, nossa necessidade de nos encaixar em padrões para sermos aceitos ou de buscar pessoas que se encaixem em padrões que nós preestabelecemos;
2) essa necessidade de nos encaixar em padrões nos divide, de acordo com os padrões criados, como, por exemplo, ser solteiro, se casado,
3) os que optam por ser solteiros e os que optam por casados tendem a defender seu modo de vida, apregoa-lo como o ideal, enxergam o outro como um fracassado, alguém que não "deu certo na vida";
4) a pressão social (Durkheim chamou de Fato Social) por nos casarmos que vem desde nossa família, como a tia que pergunta "e as/os namoradinhas/os?" ou os amigos que lhe chamam de "encalhada/o";
5) muitas pessoas se casam não porque se gostam, mas porque não querem ficar sozinhas, daí o medo de não gerar descendentes,ser esquecido;
O roteiro tem o mérito de ser transgressor, ousado, não se apegara fórmulas. Que sequência brilhantemente pensada aquele em que os hóspedes do hotel dançam descontraídos no salão até que o alarma apita e eles tem que sair à caça uns dos outros. O que é esta cena senão uma metáfora das relações sociais onde, por um lado, todos se tratam bem, estão bem vestidos, elegantes, sorrindo, mas, quando a luz se apaga e a selva se abre, aqueles cidadãos civilizados dão lugar à bestas selvagens caçando-se mutuamente, fugindo, correndo, espreitando. A câmera lenta e a música clássica que embalam a cena acentuam ainda mais a contradição ali presente.
O diretor Yorgos Lanthimos quer nos fazer pensar, nos levar à reflexão, ao questionamento. Não traz respostas prontas porque não subestima nossa capacidade de chegar à ela por nossos próprios processos mentais e intelectuais. O que falta a muitos aqui são as ferramentas para realizar esses processos, acumuladas com leituras variada e profunda, de livros, de outros filmes, de relações...do mundo.
Na Natureza Selvagem
4.3 4,5K Assista AgoraBaseado numa história real, com o roteiro inspirado no livro de John Krakauer - o mesmo autor do livro que inspirou o filme Everest (2015), também baseado em uma história real - este filme marcante é dirigido com notável maestria pelo também ator Sean Penn, ganhador de 2 Oscar. O elenco é formidável (destaque para Hal Holbrook, como o solitário Ron Franz), a fotografia é espetacular, a edição é ágil, sem ser frenética, e a trilha sonora é uma das que eu mais amo.
O modo como o diretor Sean Penn explora as idiossincrasias do protagonista, suas feridas, dúvidas, anseios, mágoas, é exemplar, pois consegue nos dar a medida de sua obliteração interna. Christopher "Supertramp" McCandless era um jovem idealista, que cresceu em um lar disfuncional - uma típica familia de classe média norte-americana, com sua fachada aparentemente perfeita contrastando com o interior em decomposição.
A inadequação do personagem frente uma realidade social baseada em aparências, em individualismo e apreço por bens materiais, é colocada o tempo todo em relevo pelo diretor, bem como pelas canções primorosas de Eddie Vedder: "Society, your crazy breed / Hope you're not lonely without me". A busca do personagem por significado, por sentido, permanece latente durante todo o filme.
O filme é interessante, no entanto, por fazer exatamente o oposto daquilo seus fãs e seus detratores o acusam de fazer. Ele não faz uma apologia da vida solitária, da negação da vida social, ou do ideal de abandono da civilização em busca de uma vida idílica em meio à natureza selvagem. O que o filme faz justamente um ataque mortal a este ideal: o de que ele só é possível quando se tem os conhecimentos necessários para sobreviver alhures da civilização conseguindo extrair da natureza os recursos necessários à sobrevivência. Esse conhecimento, criado, aperfeiçoado e transmitido coletivamente e ao longo de gerações é parte de uma cultura que, como tal, só é transmitida no ceio de uma sociedade ou comunidade.
O sentido que ele tanto buscava, só será encontrado quando estiver na mais total solidão e tragicamente à beira da morte: "A felicidade só é real quando compartilhada". Morreu porque não possuía os conhecimentos necessários para sobreviver naquele ambiente, como caçar e posteriormente preparar a carne da presa para conserva-la e poder se alimentar dela, ou distinguir uma erva nutritiva que possa servir de alimento de uma outra muito parecida mas que é um veneno mortal, por exemplo. A cultura, como se vê, também só é real quando compartilhada.
Black Mirror: White Christmas
4.5 452Este texto, porém, contém spoilers das temporadas 1 e 2.
Deste modo, o que chama a atenção é o modo como, na série, a tecnologia não é apresentada dentro de uma perspectiva positivista, em que quando mais avançasse o desenvolvimento tecnológico, mais também avançaria o desenvolvimento das sociedades humanas, levando assim à uma libertação do homem em relação ao trabalho, ou seja, pondo fim à exploração/opressão que é motor da luta de classes. No episódio "Be Right Back" (2º Temp., 2016), por exemplo, uma mulher, desolada com a morte do marido e incapaz de lidar com sua falta, acaba aceitando se comunicar uma simulação dele por e-mail. Depois, na medida em que ela vai fornecendo dados sobre o falecido, mais a simulação vai se tornando real, até que a conversa evolui para chat, quando o programa de simulação passa a usar efeitos audiovisuais para simular o rosto e a voz do amado. Ao final, ela acaba comprando um clone robótico abrigo com essa consciência simulada, que vai se tornando cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro do falso. Aqui já uma dialética, mas pré-Socrática, filosoficamente basilar ao racionalismo, que é oposição entre verdade e mentira, real e irreal, concreto e imaginário, ideia e coisa. Mas há também a dialética da exploração de homem pelo outro, essencial não à humanidade, mas apenas ao capitalismo. Essa dialética se expressa na mulher que, por ser mais humana que o robô (será? afinal, se ela mesma, humana, no final quase perdeu a faculdade de distinguir tais coisas), possui mais meios materiais, isto é, capital financeiro, para adquirir um outro ser menos humano do que ela, apesar de todas as semelhanças. Essa mulher irá fazer desse ser meio/menos humano um escravo sentimental e social, totalmente obediente à ela. Até mudar de ideia sobre o que sente por ela, ou sobre o modo como ela lhe é útil, e a deixará pra sempre num sótão. Humanizar a máquina para escraviza-la? Seria isso uma válvula de escape para um intrínseco desejo de escravizar/explorar/oprimir?
Já no episódio "White Christimas" (2014), vemos uma tecnologia na qual a consciência de uma pessoa é capturada para moldar uma consciência artificial dela, que ficará "dentro" de um "egg", para ser literalmente ser submetida à escravidão e torturada por séculos em questão de segundos. Também não é uma visão idealista da tecnologia, ao modelo hegeliano, no qual a tecnologia é vista algo que resulta de um planejamento anterior, puramente racional, no qual o sumo bem aristotélico fosse o objetivo final, de modo que, tantos mais racionais se tornassem os homens (e portanto, quanto mais racionais, menos instintivos, como na perspectiva platônica), mais racional seriam os resultados de suas ações, como, por exemplo, a tecnologia. Essa irracionalidade da tecnologia, que também é um dos temas prediletos de Kubrick, está presente e explícita nos episódios "The National Anthem" (1ª Temp. 2014) e "Black Bear" (2ªTemp, 2016), onda tecnologia é usava para impingir sofrimento ao outro. É particular o uso econômico que é feito deste sofrimento pela empresa White Bear Park Justice, na qual a atração que atrai muitos visitantes são torturas psicológicas diárias realizadas por meio de encenação teatral para punir criminosos. Seria esse o resultado de privatizássemos os presídios, tendo vista que vivemos sob o capitalismo, no qual o lucro se sobrepõe frequente à ética?
"Por outra parte, resultam igualmente evidentes os seguintes fatos: o desenvolvimento das ciências naturais (que formam, aliás, a base de qualquer conhecimento), como de qualquer noção (que se refira ao processo produtivo) ocorre novamente sobre a base da produção capitalista que pela primeira vez lhes proporciona em grande medida — às ciências — os meios materiais de investigação, observação, experimentação. Já que as ciências são utilizadas pelo capital como meio de enriquecimento e se convertem, portanto, em meios de enriquecimento para os homens que se ocupam do desenvolvimento das ciências, os homens de ciência competem entre si no intento de encontrar uma aplicação prática da ciência. De outro lado, a invenção se converte em uma espécie de artesanato. Por isso junto com a produção capitalista se desenvolve, pela primeira vez de maneira consciente, o fator científico em certo nível, se emprega e se constitui em dimensões que não se poderiam conceber em épocas anteriores.
Somente a produção capitalista transforma o processo produtivo material em aplicação da ciência à produção — em ciência, posta em prática, mas somente submetendo o trabalho ao capital e reprimindo o próprio desenvolvimento intelectual e profissional." (MARX, Karl. Capital e Tecnologia.)
Poderia falar ainda sobre "50 Millions Merits", no qual a evolução da tecnologia não libertou o homem do trabalho e da exploração de sua força de trabalho, aqueles personagens que passam dias pedalando para produzir eletricidade, que gastarão em seus quartos minúsculos que são sua única moradia, assim como gastarão os pontos ganhados pedalando trocando-os por aplicativos, ou por ticketes para o "sucesso", que também se tornará uma outra forma de exploração. E, em nome desse sucesso, que significa um pouco menos de exploração e um pouco mais de liberdade, ele se verá disposto a trocar sua liberdade de pensar, que implica e opor à quele sistema opressor, por ser mais um "youtuber" que se vendeu ao sistema. Vemos também a denúncia da pornografia como exploração sexual de mulheres, vide inúmeros de casos ex-atrizes pornôs que relataram os abusos e violências sofridos dentro dos sets de filmagem. O caso da atriz Linda Lovelace.
Sob o capitalismo, portanto, a tecnologia não põe fim à exploração, mas acaba tornando o homem explorador de si mesmo, escravo de si mesmo, burguês e proletário de si mesmo. Mas esse ser é duplamente quando se pensa nas empresas que realmente lucram com todo este aparato tecnológico, do qual acabamos nos tornando também escravos. E será que já não estamos nós, agora, um pouco escravos da tecnologia? Em que medida essa escravidão que atualmente reconhecemos é menor que a escravidão prevista no futuro distópico apresentado no episódio? Vemos aqui, a dialética entre razão e irracionalidade, entre liberdade e servidão, entre dependência e autonomia, bem como a relação entre utilidade e benefício, bem como muitas questões éticas.
"O capital não cria a ciência e sim a explora apropriando-se dela no processo produtivo. Com isto se produz, simultaneamente, a separação entre a ciência, enquanto ciência aplicada à produção e o trabalho direto, enquanto nas fases anteriores da produção a experiência e o intercâmbio limitado de conhecimentos estavam ligados diretamente ao próprio trabalho; não se desenvolviam tais conhecimentos como força separada e independente da produção e, portanto, não haviam chegado nunca em conjunto além dos limites da tradicional coleção de receitas que existiam desde há muito tempo e que só se desenvolviam muito lenta e gradualmente (estudo empírico de cada um dos artesanatos). O braço e a mente não estavam separados.
Do mesmo modo que por máquina entendemos a “máquina do patrão” e, por sua função, a “função do patrão”, no processo produtivo (na produção), assim é também a situação da ciência que se encarna nesta máquina, nos modos de produção, nos processos químicos, etc. A ciência intervém como força externa, hostil ao trabalho, que o domina e cuja aplicação é, por uma parte, desenvolvimento científico de testemunhos, de observações, de segredos do artesanato adquiridos por vias experimentais, pela análise do processo produtivo e aplicação das ciências naturais ao processo material produtivo; e como tal, se baseia, do mesmo modo, na separação das forças espirituais do processo no que se refere aos conhecimentos, testemunhos e capacidades do operário individual e como a acumulação e o desenvolvimento das condições de produção e sua transformação em capital se baseiam na privação do operário destas condições, na separação do operário em relação às mesmas." (MARX, Karl. Capital e Tecnologia.Tradução de extrato (pp. 161-164) do original em castelhano Capital y Tecnologia – Manuscritos Ineditos (1861-1863), publicado no México pela editora Terra Nova em 1980. Responsável pela tradução: Elídio Marques.)
Rastros de Ódio
4.1 265 Assista AgoraO filme é uma obra-prima, mas não exatamente pelas qualidades mais aparentes, como a belíssima fotografia, a marcante trilha sonora ou o desempenho dos atores. Por trás da história de um homem rude que não desiste da missão de resgatar a sobrinha capturada por índios comanches, o cineasta John Ford desconstrói os mitos do cowboy enquanto herói e enquanto encarnação do self made man.
John Wayne interpreta Ethan Edwards, um veterano da Guerra de Secessão norte-americana que, 3 anos o término do conflito, volta para o Texas para visitar o irmão. Interessante notar o modo como Ethan, na primeira parte do filme (que antecede o ataque dos índios) olha lascivamente a cunhada Martha (Dorothy Jordan), que, desde a belíssima cena que abre o filme, olha-o com grande afeto e ternura, para depois, na cena em que ele decide se juntar aos patrulheiros, demonstrar que esse afeto vai além do deveria, quando esta alisa demoradamente o casaco de Ethan, antes de entrega-lo a ele.
Mais interessante ainda é constatar que Ethan, sendo texano, lutou ao lado dos Estados Confederados, o que implica que ele se opunha ao fim da escravidão. Este racismo inerente ao personagem, apesar do tratamento sutil dado pela direção e pelo roteiro, não deve ser deixado de lado. Ao longo veremos Ethan demonstrar com violência seu ódio pelas outras raças, seja discriminando seu parceiro mestiço Martin Pawley (Jeffrey Hunter) - que, quando menino, teria sido salvo por Ethan depois que índios massacraram sua família - ou quando ele revela a intenção de matar a sobrinha depois de considerar que ela poderia ter se tornado uma selvagem após longo convívio com os índios comanches.
A cena em que ele atira insana e indiscriminadamente em um bando de bisões, bradando que assim impedirá que os índios tenham o que caçar o com o que se alimentar, é, ao meu ver, antológica. Junte-se a estas cenas uma outra, no início do filme, em que diz que só se faz um juramento na vida e que ele já havia jurado lealdade à causa confederada (isto é, a manutenção do escravismo), e então poderemos montar um panorama que nos permita compreender melhor a crítica proposta pelo diretor.
Game of Thrones (7ª Temporada)
4.1 1,2K Assista AgoraEsta temporada teve momentos espetaculares e marcantes, como o ataque surpresa de Daenerys aos Lannisters e Tarlys em High Garden e a luta contra o urso polar nas terras além da Muralha.
Momentos lindos como o fim de Mindinho e a vingança de Arya contra os responsáveis pelo Casamento Vermelho.
Momentos tristes, com a morte de Vyserion. E forçado, afinal, se eu fosse o Rei da Noite, teria jogado a lança no dragão que a Daenerys estava em cima. Mas... the show most go on.
E momentos imbecis e decepcionantes, com a ideia estúpida de Jon Snow de ir além da Muralha, e outros piegas, como aquele em que ele chama Daenerys de "Dani". Blerghh...
Minha avaliação da 7ª Temporada de Game of Thrones fica assim:
1. Dragonstone - ★★★★½
2. Stormborn - ★★★★½
3. The Queen's Justice - ★★★★★
4. The Spoils of War - ★★★★★
5. Eastwatch - ★★★★½
6. Beyond the Wall - ★★★½
7. The Dragon and the Wolf - ★★★★½
NOTA FINAL: 8,0
Vício Inerente
3.5 554 Assista AgoraQuem nunca fumou um baseado, quem nunca acessou as fantasias mais recônditas de uma mulher, e nunca desconfiou da "versão oficial dos fatos" jamais entenderá ou apreciará verdadeiramente esse filme. Parece uma brincadeira descompromissada e nonsense. E de fato o filme é isso, mas apenas em sua superfície. E abaixo dessa tênue aparência, Paul Thomas Anderson nos entrega um visão do mundo atual, ainda influenciado pelos acontecimentos do século XX, principalmente. PTA parece apontar para a constatação de problemas como o pós-modernismo identitário que cresce dentro da esquerda, enquanto a direita assume sua face mais extrema e fascista, o problema da criminalização das drogas versus o vício com uma questão de saúde, são ecos por um lado, do movimento hippie e dos movimentos por direitos civis e sociais (movimento negro, feminismo...), mas por outro, também são do anti-comunismo da Guerra Fria, do nazi-fascismo que ascendeu na Europa na década de 1930, seja como frutos deles, seja como reação a eles.
Atlantic City
3.6 38 Assista AgoraParece um filme sobre o crime organizado e a máfia, parece um filme sob cassinos, mas na verdade estes são apenas pano de fundo para uma outra narrativa. O que o cineasta Louis Malle faz neste notável filme é contar uma história torta e na ortodoxa sobre redenção, sobre o drama da finitude, sobre pessoas se apegam ao que (a chance de um futuro promissor, ou volta a um glorioso passado) consideram ser a última chance de confrontar e vencer o fracasso, e sobre a relação dialética entre o velho e o novo, entre o passado e o presente.
Sally (Susan Sarandon) é a moça ambiciosa do interior que se casou com um jovem irresponsável e imaturo para tentar vida nova na cidade grande. Para sua infelicidade, a cidade para qual se dirige é a - outrora agitada e badalada - agora decadente Atlantic City. Abandonada pelo marido, que a trocou pela irmã mais nova, ela trabalha no buffet do restaurante de uns cassinos que são cada vez mais numerosos na cidade, e tenta ascender tentando ingressar na carreira de carteadora.
Lou (Burt Lancaster) é velho que ganha a vida com loteria clandestina, vivendo de favores num dos apartamentos da viúva de um gangster do qual ele fora, no passado, uma espécia de lacaio, cumprindo, ao mesmo tempo, a função de gigolô de sua protetora. Espiando Sally todas as noites, quando ela se banha em limão ao som de "Casta Diva", Lou a deseja e anseia por tê-la em seus braços.
Tal como em Pigmaleão (Pigmalyon, 1938) ou em Minha Bela Dama (My Fair Lady, 1964), Lou ficará tentando a desempenhar para esta jovem e inexperiente moça o papel do amante mais velho e experiente que a ensina as manhas e artimanhas da vida. Mas, como Norma Desmond (Gloria Swanson) em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), Lou não se dá que seu sonho de glória está atrelado a um passado que não existe mais e, equivocadamente, atribui a si mesmo uma importância que não tem. Movido tanto por seu desejo por Sally, pelo apego à uma falsa noção de si mesmo e pela necessidade de afirmar sua masculinidade e virilidade, Lou irá se enveredar por um caminho sangrento, tal um Macbeth septuagenário.
É em nome dessa ilusão que, no final, ele abrirá mão de Sally e sentir-se há recompensado em viver na ilusão que criou para si, acreditando que contribuiu decisivamente para a emancipação de Sally.
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A Vida Secreta de Walter Mitty
3.8 2,0K Assista AgoraBen Stiller me surpreendeu positivamente com essa direção. A trilha sonora, por vezes melodramática e adocicada, atrapalha alguns momentos do filme, especialmente aqueles nos quais se tenta injetar humor na trama. Mas o roteiro é ótimo, algumas sacadas são geniais (como as transições, por exemplo) e a fotografia é deslumbrante. O roteiro é muito engenhoso, inteligente e bem construído, com a medida certa de reflexão, beleza, ação e crítica social.
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraA crítica e e o público internacionais estão amando o filme até o momento. No Rotten Tomatoes a cotação do filme é 99% até o momento, de 21,957 avaliações realizadas pelos usuários, enquanto no IMDB, o índice de aprovação é de 98%.
"Dunkirk é fantástico. Incrivelmente empolgante do primeiro ao último segundo. Um filme dramático, repleto de suspense e tensão. Fãs de Nolan, alegrem-se. E para aqueles que estão perguntando: Harry Styles está muito bem em Dunkirk, uma surpresa muito agradável." (Anna Klassen)
"Em apenas 30 segundos, Nolan entrega mais uma vez uma sequência inicial espetacular que coloca o público na ponta da cadeira. E a tensão só aumenta. Da direção à edição à fotografia à trilha sonora, Christopher Nolan prova, com Dunkirk, que é um dos maiores cineastas de nossos tempos. Caótico, impiedoso e empolgante, o filme é um dos mais cativantes que você verá neste ano. Uma master class de direção. Que espetáculo!" (Erik Davis, do site Fandango)
"Dunkirk é uma narrativa em IMAX que deixa a audiência em estado de tensão. Posso dizer honestamente que nunca vi algo assim antes [...] Ainda, Dunkirk traz mais uma brilhante colaboração entre Nolan e Hans Zimmer. A forma como ele faz a mixagem do tique de um relógio com a trilha é fantástica". (Steven Weintraub, do Collider).
O Nome da Rosa
3.9 775 Assista AgoraO título "O Nome da Rosa" refere-se diretamente a uma das maiores, mais fascinantes e mais insolúveis questões filosóficas: o abismo que separa a palavra e a coisa, o discurso e a realidade. A palavra é o nome dado à coisa. Coisa é o nome (palavra) dado à algo. Mas "algo" também é uma palavra. Dizer, falar, escrever é nomear algo. Lidamos com a realidade por meio de nomes, ou seja, de palavras. Até quando pensamos, pensamos por meio de palavras. Palavras são símbolos, que remetem a significantes, que são as coisas. Compõem, portanto, a dimensão que Lacan denominou de "Simbólico", enquanto as coisas, em si, constituem a dimensão do "Real". Por meio do Simbólico, o homem, sujeito cognoscente, reveste de sentido, de significado, o Real, e assim tenta compreendê-lo.
Palavras: o, nome, da, rosa. O nome da rosa. Apenas palavras. E até que ponto as palavras dão conta da realidade? Poderiam os nomes abarcar a totalidade da coisa, do ser, do ente que elas nomeiam?
A palavra, por seu turno, passa pela boca, assim como o riso, a comida e -por que não? - o sexo. No mosteiro católico, no qual a história se passa, todos eles - o riso, a comida, o sexo e a palavra - são, ao seu modo, vistos como fonte de pecado e perdição. O contexto histórico no qual a narrativa se desenrola é a Idade Média, em meados do século XIV. A comida, porque leva à gula, pecado capital. O sexo, porque leva à outro: a luxúria. O riso, porque subverte a realidade, questiona a ordem e relativiza a moral. A palavra porque é instrumento do pensar e meio de sua expressão. A palavra comunica todos os pensares, incluindo os potencialmente contestadores. Todos são condenados porque inevitavelmente levam ao rompimento com o ascetismo moral em voga.
Santo Agostinho, um dos mais importantes e influentes filósofos medievais, afirma nas suas Confissões, que também a música, ao despertar no homem o desejo pelo belo, o distrai e o afasta de Deus. O desejo pelo belo, estimulado pela beleza da música é, em ultima instância, um desejo pelo prazer - prazer físico, do corpo, portanto, não da alma. A música e qualquer forma de prazer sensível seriam expressões do mal, caminhos para o pecado, pois o caminho que leva à Deus é o caminho estreito, pedregoso e difícil, e, por isso mesmo, que martiriza o corpo em vez de propiciar-lhe prazer.
No filme, a biblioteca que notabiliza o mosteiro tem uma peculiaridade: seu acesso é proibido. Os livros, cheios de palavras e não-palavras (gravuras) que, assim como elas, são signos. Símbolos que remetem à algo. Como tais, os livros são fonte de conhecimento, mas também uma ameaça, uma vez que o homem, ao acumular conhecimento, pode ser levado a questionar Deus e suas verdades. Palavras: conhecimento proibido. Não por acaso, a biblioteca, localizada em uma das torres do mosteiro, tem o formato de labirinto, que, nas mais diversas culturas aparece em lendas e mitos, como o clássico labirinto de Creta, construído por Dédalo a mando do rei Minos para abrigar o Minotauro. O labirinto, em essência, é uma metáfora do conhecimento ou do caminho até ele. Para sair do labirinto é preciso descobrir o caminho certo entre tantos caminhos errados e enganosos. Em suma, é preciso encontrar a verdade entre mentiras, contradições e ilusões.
A cozinha, onde se prepara o que será dado de comer à boca, é onde ocorrem os encontros sexuais entre um bem alimentado monge e uma faminta moça pobre, que se prostitui em troca de... comida. Na gíria brasileira, poderíamos dizer que, pra ter o que comer, ela se deixa ser comida. Comida e sexo. Gula e luxúria. Pecados.
Na biblioteca, o livro mais proibido é um que leva ao riso: o quase mítico livro segundo da Poética de Aristóteles, perdido desde que a famosa e monumental Biblioteca de Alexandria foi destruída por um incêndio no ano 48 a.C. E é em torno ou por meio de sua leitura que as misteriosas mortes que acontecem no mosteiro serão explicadas. Aliás, por meio deste livro, mas também por meio da boca. Mais precisamente pelo hábito imemorial de umedecer os dedos da língua enquanto se folheia um livro. Este livro, no entanto, além do riso, guarda em suas páginas um outro mal: arsênico, que envenena quem se atreve a lê-lo.
O mundo exterior é onde habita o profano: é o Mundo das Coisas, corruptíveis e enganosas, de Platão; é também a Cidade dos Homens, das tentações da carne, de Santo Agostinho. É pela boca e pelos demais sentidos que esse mundo exterior penetra o mundo interior, onde habita o espírito, a alma, a morada do sublime, a parte de Deus que preenche o homem. Alma é essência, pura e incorruptível, parte do platônico Mundo das Ideias. É parte do ser que poderá adentrar na Cidade de Deus, de Santo Agostinho, após - claro - a morte do corpo e tendo, em vida, evitado as tentações deste. Corpo, coisa. Ideia, palavra.
E o fogo, que a tudo devora com suas incontáveis labaredas em forma de mil línguas é que, na visão do Santo Ofício, purifica a alma consumindo o corpo pecador. O fogo destrói, mas também renova, e por isso também cria: o calor da vida, a chama a vital. Mas é também múltiplo em sua significância, seja na aludindo ao sexo (as paixões que nos consomem, o fogo do desejo, o ardor sexual), ao alimento (os sabores picantes e afrodisíacos, ou o vinho, que “acendem” quem os ingere), ou mesmo no que concerne à palavra (o fogo do conhecimento, a verdade que é clara e quente como o sol, etc).
O filme de Jean-Jacques Annaud, enquanto adaptação do vasto e monumental livro de Umberto Eco, é pobre e limitado. O livro não apenas se embrenha pelas searas interpretativas - ou pelos topos analíticos - acima citados (o tema do conhecimento proibido e as metáforas ligadas à boca e ao fogo) os quais o filme explora competentemente, como também por outros, como a questão do abismo entre e a palavra e a coisa, entre os discursos (filosófico, científico, religioso) e a realidade; ou a questão da obra como amálgama de influências diversas na qual diferentes autores e diferentes tempos dialogam e se fundem; ou ainda a questão de como toda obra artística (literária, cinematográfica, musical) é uma obra aberta, da qual o fruidor (leitor, expectador, ouvinte) é também co-autor, na medida em que ele a interpretará a partir de seu mundo, de seus signos, de seus elementos, e não obrigatoriamente a partir da visão primordial do autor, pois “cada ponto de vista é a vista a partir de um ponto”.
Considerando a deficiência do filme em explorar todas essas possibilidades, ele perde em qualidade, porém, nas searas escolhidas pelo diretor e pelo roteirista dentre as diversas que o livro possibilita, ou seja, naquilo a que se propõem, o resultado é fascinante, exatamente por não ter pretensões em demasia.
The Haircut - A North Korean Adventure
4.3 4Um documentário curto, bem humorado, ágil e inteligente, que desmascara as estratégia de difamação do regime Norte Coreano posto em prática, pelas grandes empresas de mídia globais, por meio de notícias bizarras, como aquela que dizia e Kim Jong-Un teria obrigado todos os homens do país a aderir ao seu corte de cabelo.
As Invasões Bárbaras
4.0 203Rémy: Nós fomos tudo: separatistas, partidários de independentistas, soberanistas, soberanistas-associados ...
Pierre: No início, éramos existencialistas.
Dominique: Lemos Sartre e Camus.
Claude: Então Fanon, nós nos tornamos anticolonialistas.
Rémy: Lemos Marcuse e nos tornamos marxistas.
Pierre: Marxistas-leninistas.
Alessandro: Trotskistas.
Diane: Maoístas.
Rémy: Depois de Solzhenitsyn mudamos, tornamo-nos estruturalistas.
Pierre: Situacionistas.
Dominique: Feministas.
Claude: Desconstrucionistas.
Pierre: Há algum “ismo” que não adoramos?
Claude: Cretinismo.
Perto do final do filme canadense As Invasões Bárbaras, o diretor e roteirista Denis Arcand nos brinda com esse diálogo cheio de ironia e uma pitada de armargura. Nele, concentrado, depurado, podemos perceber toda a carga pós-modernista que o filme, em sua visão de mundo e em sua crítica das ideologias, possui. Como Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) descreve, é:
“O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade”.
E nenhuma outra expressão definiria melhor o estado de espírito em que o protagonista Remy, diagnosticado com câncer em estado terminal, transpassa durante o filme: parafraseando Rouanet, é uma fadiga crepuscular de uma vida que parece extinguir-se ingloriosamente. Uma vida que, no julgamento do próprio Remy, não passou de uma sucessão de auto-enganos, seja nas ideologias assumidas, seguidas, defendidas com ardor e depois abandonadas e trocadas por outras, nas ilusões perdidas, seja nos amores passageiros que não passavam de sexo vazio regado à boas doses de machismo e omissão marital e ausência paternal.
Não à toa que, ao final da vida, o outrora intelectual, historiador professor universitário vê-se num quarto de hospital público, sendo precariamente atendido, longe dos filhos, na vida dos quais nunca foi muito presente; sem esposa, uma vez que, após tantas traições sofridas, ela o abandonou; esquecido pelos alunos, ex-alunos e colegas com quais até pouco tempo trabalhava; e vendo o mundo ser cada vez mais dominado por tudo o que ele temia a abominava: o capitalismo quase onipresente, livre mercado impiedoso, a justiça e a igualdade sociais ainda longe de serem alcançadas, a cultura cada vez mais massificada, comercial e descartável, o individualismo e o consumismo como novas religiões, a juventude cada vez mais interessada em enriquecer e ter sucesso do que em mudar ou melhorar o mundo, etc.
O mundo de Remy é o mundo da pós-modernidade, que, de acordo com Juremyr Machado, seria a negação das metanarrativas como explicação da realidade ou da história, é estruturado sobre 3 princípios: a) Crise da ideia da filosofia como construtora da verdade; b) Crise da ideia de certeza; c)Crise das Utopias. E, sendo o Marxismo e o Existencialismo, assim como outros ismos, exemplos de metanarrativas, portanto todas essas 3 crises que caracterizam a pós-modernidade estão sutilmente expressas naquele diálogo supra citado.
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O Apartamento
3.9 257 Assista AgoraEm mais um trabalho primorosamente escrito e magistralmente dirigido e interpretado, o cineasta iraniano Asghar Farhadi, junto a alguns de seus atores costumeiros, especialmente o soberbo Shahab Hosseini, nos presenteia com mais um grande filme. Desta vez, em O Apartamento (2016), ele conta a história de Emad (Hosseini), um professor e ator, que junto com sua esposa Rana (Taraneh Alidoosti), se mudam à pressas para um apartamento depois que o prédio onde moravam começa a desmoronar por causa de uma obra num terreno vizinho. Lá, uma tragédia acontecerá, mudando os rumos da vida do casal colocando-a em rota de colisão com a vida de outros personagens que serão revelados ao longo da narrativa.
No filme, Emad e Rana são os protagonistas de uma adaptação teatral de "A morte de um caixeiro-viajante", a clássica e renomada peça escrita por Arthur Miller no final da década de 1940. A peça, por seu turno, conta a história de Willy Loman, um homem já idoso que, amargurado, lamenta os sonhos perdidos enquanto se perde em ilusões de grandeza, evitando a todo custo encarar e aceitar seu próprio fracasso. Sempre acreditando que sua vida um dia irá melhorar e que seus problemas serão resolvidos, ele comete erros atrás de erros, até que sua vida termina de forma trágica.
Não é a toa que Farhadi escolhe a peça de Miller com pano de fundo para a narrativa desse recorte da vida de Emad e Rana. Ambos, o filme de Farhadi e a peça de Miller são profundamente trágicos e pessimistas, e o desenrolar da narrativa de ambas as obras se dá na medida em que as mentiras vão sendo descobertas e a verdade, em sua dureza, vai sendo revelada. Na peça, a mentira a ser desnudada são as ilusões de sucesso e promessas de enriquecimento por meio do esforço em uma sociedade intrinsecamente desigual, nas quais o caixeiro-viajante mergulhou e se alienou a vida inteira, enquanto que a verdade a ser revelada é que Willy fracassou na realização de seus sonhos.
No filme, a mentira está presente naquilo que Babak diz (ou omite?) a Emad sobre a identidade da antiga inquilina do apartamento para o qual ele se muda com Rana; bem como naquilo que Rana diz (ou esconde?) sobre o incidente que sofreu no banheiro. A verdade a ser revelada está na identidade do homem que agrediu Rana e em tudo que o casal Emad e Rana, junto desse misterioso personagem, terão que enfrentar e encarar, nos minutos finais do filme, quando o diretor submete os três a um doloroso e silencioso exame de consciência.
Os filmes de Farhadi, a partir de Procurando Elly (2009), estruturam-se sobre um evento traumático e trágico que se abaterá sobre o núcleo central de personagens e que, ao longo do filme, fará com que, tal as camadas de uma cebola, uma série de mentiras são ditas e depois desmascaradas até que, no final, só reste aquela verdade que todos ou alguns tentavam a todo custo ocultar. São filmes nos quais o que não é dito é muito mais importante do é que dito, e nos quais o final sempre reserva uma surpresa que deixará o espectador pasmo ou estupefato. O curioso é que o dramaturgo Miller, em um entrevista antiga que pode ser conferida no Youtube, dizia o seguinte: "Minhas peças falam de uma lei invisível... Sempre o que não vemos é mais importante do que o que podemos ver."
Por fim, é importante salientar que, apesar de no Brasil o filme ter recebido o título de O Apartamento, na verdade, o título original, "Forushande" significa "o vendedor", aludindo, numa visão mais óbvia, ao caixeiro-viajante da peça. Porém, quem assistir o filme até o final verá que, na verdade, trata-se de outro "vendedor". E é esse personagem, mais do que Emad, que, tal o Willy (que é casado mas te uma amante) da peça de Miller, percebe que sua vida estava sustentada em mentiras.
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Menina de Ouro
4.2 1,8K Assista AgoraPreste atenção: na obra de todo grande cineasta, há determinadas temáticas ou questões que sempre subsistem, que estão por trás de tudo e tornam coesa mesmo uma obra caracterizada por filmes que aparentam não terem nada em comum uns com os outros além daqueles aspectos estéticos que são a marca mais visível de todo grande diretor.
Já me dediquei aqui, no Filmow, e em meu blog, a desvendar quais são as questões e temas que afligem estes artistas, a deslindar os segredos contidos no profundo suas narrativas. No caso de Clint Eastwood, esses temas ou questões presentes em todos os seus filmes são:
1 - Finitude e Livre Arbítrio. Personagens que se defrontam com algo tipo de fim (com a morte, a velhice, a separação, etc) e com as escolhas que ele deverá fazer por causa desse ''confronto''.
2 - Obstinação e Redenção. Personagens que se deparam com aquela que eles acreditam ser a grande chance (de ser feliz, de ter sucesso, de realizar um sonho, de se vingar, etc) de suas vidas e a ela se atiram com tudo, sem olhar para trás.
No caso de, por exemplo, Cowboys do Espaço, Eastwood conta a história de velhos astronautas da Nasa que, julgando não terem obtido o reconhecimento e a notoriedade em sua juventude, decidem volta a ativa para uma missão que só eles poderiam realizar: consertar um satélite da época da Guerra Fria que nenhum dos técnicos atuantes sabe mais com funciona porque é praticamente uma ''peça de museu''. Realizar essa missão passa a ser, para eles a chance de obterem um reconhecimento e uma certa fama que eles julgam merecer ou com os quais sonham.
Eu poderia fazer esse tipo de análise de todos os filmes dele a parti daqueles dois pontos elencados acima, mas me deterei no filme Menina de Ouro, pois é o que interessa-me nesse comentário. Nele, temos nos 2 personagens que centrais, interpretados por Hillary Swank e Clint Eastwood. Ambos preenchem perfeitamente os 2 pontos supre-citados.
Frankie Dunn (Clint Eastwood) é um treinador de boxe turrão e durão, dono de uma academia onde treinam jovens aspirantes a boxeadores. A finitude com qual ele se defrontam é separação da única filha, com a qual há anos não tem contato e que há anos recusa seus tentativas de contato; e a velhice, que simboliza o fim do ser, do homem, de uma trajetória, de uma histórias, de sonhos a muito abandonados - tudo isso impresso nas marcas em seu rosto de na dor que esconde em seus rosto taciturno. As escolhas que ele terá de fazer serão, no começo, entre aceitar treina-la ou não, afinal, como ele mesmo gosta de repetir, ''I don't train'girls''. A chance à qual ele se agarra é de treinar a ainda jovem Maggie e tentar, com ela, corrigir os erros cometidos com sua filha e assim buscar, para si, algum de tipo de redenção ou perdão.
Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), por seu turno, é a mulher de 31 anos que, de família pobre, trabalha como garçonete e nas horas vagas, gastando as poucas economias, segue buscando a realização do sonho de se tornar uma boxeadora. A noção de fim com o qual ela se defronta é, inicialmente, o fato de estar envelhecendo e ver se sonho cada mais distante e inalcançável; posteriormente, e essa noção torna-se exatamente ela, a morte, o derradeiro fim. As escolhas, no seu caso, são, num primeiro momento, desistir ou seguir em frente; e depois passa ser a de seguir vivendo ou não. A chance à qual ela se apega com todas as forças é de ser treinada pelo veterano Dunn e assim realizar o sonho de ser uma boxeadora renomada.
Contudo, o filme também pode ser visto com uma grande homenagem ao Western, genero cinematográfico no qual Eastwood iniciou a carreira e ao qual já havia prestado honras no belíssimo Os Imperdoáveis, que lhe rendeu o primeiro par de Oscar. Em Menina de Ouro basta trocar o ginásio de boxe por uma cidade do velho Oeste, as luvas por pistolas, os tenis por botas com esporas, e os ringues por cercas de madeira e estradas empoeiradas. Aí veremos o velho xerfie tentando esquecer o passado, carregando com resignição de todos crimes que não conseguiu impedir e de todas as mortes que causou; veremos o velho pistoleiro honesto, que um dia levou um tiro que o impediu de ser tão rápido quanto seus adversários ou tão rápido quanto sonhava. Por fim, temos o jovem destemido que sonha ser o gatilho mais temida do oeste. A diferença que, neste caso, temos uma mulher que sonha ser o soco mais temido no mundo do boxe feminino.
Enfim, Menina de Ouro, tal como os melhores filmes do mestre Eastwood e como todos os filmes de todos os grandes realizadores do cinema, possui incontáveis camadas a serem desvendadas e apreciadas por quem ama a Sétima Arte.
[Texto de Leandro Andrade Cardoso. Se gostou, leia mais no meu blog www.thecinemaniaco.blogspot]
A Chegada
4.2 3,4K Assista AgoraEm um texto anterior escrito sobre o filme Sicario e publicado aqui no FIlmow e no meu blog [thecinemaniaco.blogspot] eu havia afirmado que os filmes do diretor Denis Villeneuve, apesar de tematicamente distintos, possuíam um estrutura muito semalhante, que conferia coesão à sua obra e que podia ser depurada em alguns pontos.
O primeiro deles é o protagonista, que entrará em uma realidade desconhecida e estranha e que sairá dela completamente modificado ou devastado. No caso de Incendies (2010), os irmãos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), que ingressarão em uma jornada para reconstituir a história e sua mãe e por consequencia a deles mesmos. No caso de Prisioners (2013), o pai amargurado e vingativo Keller Dover (Hugh Jackman). Já em Sicario (2015) quem cumpre essa função é a agente Kate (Emily Blunt). Neste Arrival, este papel é desempenhado pela linguista Dra. Louise Banks, interpretada por Amy Adams.
O segundo ponto diz respeito a um segundo personagem que também adentrará nessa realidade, mas que já a conhece e de certo modo a domina. Ele já passou pela fase do choque, do estranhamento e da perplexidade. Já está moldado e, de certo modo, age friamente ao que presencia. No caso de Incendies (2010), é a mãe, a "mulher que canta" (Lubna Azabal). No caso de Prisioners (2013), o policial Loki (Jake Gyllenhaal). Em Sicario (2015) ele é encarnado pelo agente (Matt Graver).
Já em Arrival o diretor subverte a lógica criada por ele mesmo, de modo que esta função é cumprida também pelo personagem de Amy Adams, na medida em que, ao aprender a linguagem usada pelos alienígenas, sua percepção do tempo e da realidade é alterada. A oposição entre uma visão linear e um circular do tempo são imprescindíveis para entender essa parte, bem como o resto do filme.
O terceiro ponto corresponde a um terceiro personagem que esconde um mistério que é a chave para desvendar - ao menos em parte - a trama que o personagem principal só desvendará no final. É o irmão e o pai perdidos que deverão ser encontrados pelos irmãos em Incendies; o tia (Melissa Leo) idosa e misteriosa do principal suspeito em Prisioners; e o ex-promotor mexicano (Benicio Del Toro) em Sicario. Em Arrival, subvertendo mais uma vez essa lógica, este papel é desempenhado tantos pelos alienígenas, quanto pela protagonista Amy Adams, pois tanto a linguagem nativa dos visitantes extraterrestres, quanto as mudanças que o aprendizado dela provocarão na Dra. Louise.
A busca por vingança ou justiça (com as próprias mãos) era o que motivava um ou mais personagens na trama dos filmes anteriores do diretor, se constituindo no quarto ponto da estrutura aqui explicada: é a busca da "mulher que canta" pelo homem que a estuprou na prisão, em Incendies; é a caça ao homem que sequestrou sua filha, por parte dos pais em Prisioners; ou a procura do ex-promotor pelo chefão do tráfico de drogas que assassinou cruelmente sua família, em Sicario. Em Arrival, porém, o que move a Dra. Louise Banks é a busca por conhecimento, a sedo pelo novo, o desejo de entrar em contato com o desconhecido.
Por fim, o quinto ponto seriam as crianças como representação da pureza e bondade, em contraste com o mal circundante que as ronda e ameaça. Esse mal é criado pelos adultos mas mesmo alguns deles não tem suficiente preparo (ou cicatrizes e feridas) paara lidar com ele. Ao final, só mesmo os ''lobos'' - que o o personagem de Del Toro cita no final de Sicario - é que tem o necessário ''knowhow'' para transitar nessa realidade obscura.
Em Arrival, porém a criança está lá, como a filha da Dra. Louise, mas é dupla de alienígenas carinhosamente apelidade de Abbott e Costello que representa os ideais de pureza, bondade, compaixão, elevação e evolução espiritual. O mal, é criado também pelos adultos, mas o contraste aqui não é entre adultos e crianças, mas entre alienígenas e humanos. Logo, o ser humano a priori, representaria a maldade, a violencia, o desejo de controle e posse, as guerras, o belicismo, a agressividade. Porém, o filme não cai na armadilha de se entregar ao maniqueísmo que visões binárias de mundo oferecem, de modo que o roteiro permite aos seres humanos a redenção e a evolução, num sentido amplo e rico.
O defeito do filme, porém, é o modo apressado com o qual o desfecho acontece. O modo como os problemas são resolvidos nos 15 minutos finais do filme é inconsistente, cheio de lacunas e revela, infelizmente, uma certa perguiça por parte do diretor e roteirista.