Todos os filmes do Cronenberg falam de personagens que estão escondendo algo de si e que, ao longo da trama, passarão por uma transformação ou metemorfose na qual eles deixarão de ser o que aparentam para se tornar ou revelar o que - ou quem - realmente são.
Se em Marcas da Violencia (A History of Violence, 2005), ele apresenta um protagonista, Tom Stall (Viggo Mortensen), que, debaixo da superfície de um pacato pai de família do interior, esconde um passado violento; em Senhores do Crime (Eastern Promisses, 2007), ele apresenta um personagem diamentralmente oposto, Nikolai ( também interprerado por Viggo Mortensen), um capanga de máfia que por trás de sua aparente violencia e brutalidade, esconde uma outra faceta.
Em Crash - Estranhos Prazeres (Crash, 1996), do diretor nos apresenta James Ballard (James Spader), um pai de família aparentemente ''normal'' e ''careta'' que, após se envolver em um acidente automobílistico, acaba descobrindo e se entregando a fetiches sexuais um tanto perigosos. Já em Madame Butterfly (M. Butterfly, 1993), temos Rene Gallimard (Jeremy Irons) é um diplomada francês a serviço em Pequim que se apaixona pela cantora Song Liling, mas ela também guarda um segredo.
Neste filme A Mosca ele leva esse pressuposto até o limte para mostrar como o ser humano, apesar de se pretender um ser racional e civilizado, não passa de um animal, sujeito a instintos e necessidades básicas. O cientista brilhante, Seth Brundie (Jeff Goldblum), que inventa uma máquina de teletransporte mas que, por causa de um acidente em uma experiencia na qual ele se colocou como cobaia, vai aos poucos se tornando uma mosca gigante, talvez seja o Cronenberg mais explícito.
Jeff Bridges está ótimo no papel do xerife prestes a se aposentar, e, apesar das semalhanças com o personagem de Tommy Lee Jones em Onde os Fracos não tem Vez (No Country for Old Man, 2008), consegue compor um personagem diferente, com a mesma melancolia, mas com um pouco mais de humor. Aliás, o filme de David Mackenzie guarda muitas semelhanças com o formidável western tardio dos irmãos Coen, mas é um filme com alma própria e que vale a pena ser visto.
Interessante é como o filme contrapõe a relação de parceria ou fraternidade entre os irmãos Tanner e Tobby Howard (Ben Foster e Cris Pine, respectivamente), e entre o xerife Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e seu parceiro Vernon Teller (Amber Midthunder). Enquanto relação entre os irmãos assaltantes de banco é, em sua superfície amistosa e afetiva, mas no fundo autodestrutiva e violenta, a relação entre os dois ''homens da lei'' é inversa, entre o que aparenta na superfície e o que guarda no fundo. Em qual das duplas há a verdadeira ''irmandade''?
Outro ponto interessante que o filme aborda é o que cada um é capaz de fazer para ajudar e dar o melhor para aqueles que ama, ou seja, quais são os riscos que cada um está disposto a correr, os limites que estamos dispostos a ultrapassar, em prol de quem amamos.
O filme está indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama, e Jeff Birdges foi indicado como Melhro Ator Coadjuvante no Globo de Ouro e no SAG, com fortíssimas chances de ser indicado ao Oscar.
Esse, ao lado de Olga, Moulin Rouge, Austrália e O Menino do Pijama, é um daqueles filmes que eu não entendo como alguém consegue gostar. Geralmente seus apreciadores argumentam que ''ele tem uma fotagrafia linda'', por exemplo. Afirmação da qual eu discordo veementemente. Não ele não tem uma fotografia linda, nem foda, nem espetacular. Ele tem imagens coloridas de campinas ao por do sol, por exemplo, quando a protagonista está no Limbo, mas a fotografia é apenas mediana. Fotografia, aliás, em cinema, é um pouquinho mais complexo do que apenas um enquadramento bonito ou imagens plasticamente belas.
E mesmo que tivesse, o filme se resumiria a isso, com imagens que impressionam certo tipo de espectador (não é o meu caso, felizmente), mas que se revela apenas uma tentativa de mascarar certo vazio, certa carencia de consistencia e substancia. São ''estripulias'' visuais, que tentam compensar o fato de o filme não ter muito a oferecer, semelhante ao que acontece em outro filme muito parecido e tão ruim, colorido e piegas quanto esse Um Olhar do Paraíso, e que também trata da vida após a morte, chamado Amor Além da Vida, com Robin Williams.
O final confortante deste Um Olhar Paraíso é outra suposta qualidade apontada por quem é fã dele. Ao meu ver, é o maior problema que ele apresenta, pois irmana-o a um livro de auto-ajuda - genero literário pelo qual tenho total repulsa e ojeriza. A única qualidade é a atuação de Stanley Tucci como o assassino, enquanto Saoirse Ronan, que está em seu pior momento como atriz. Sem falar em Mark Whalberg, que já não é grande coisa e nesse filme está totalmente perdido. Por fim, a cena em que o assassino morre é tão mal feita, que chega a ser risível.
Enfim, nem parece que o diretor por trás dessa obra vergonhosa é Peter Jackson, da excelente Trilogia O Senhor dos Anéis, que eu amo. Definitivamente, é o ponto mais baixo de toda a sua carreira, mesmo com a Trilogia O Hobbit, que é bem inferior a outra trilogia, mas ainda assim é bem melhor que este filmeco aqui.
Não entendo como as pessoas possam gostar tanto desse filme, havendo outro tão superiores em todos os sentidos tratando dos mesmo temas, isto é, holocausto, anti-semitismo e nazismo. Filmes como A Lista de Schindler (Schindler's List, 1993), A Escolha de Sofia (Sophie's Choice, 1982), O Pianista (The Pianist, 2002), de Roman Polanski, O Diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank, 1959), de George Stevens, Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990) e Na Escuridão (W ciemności, 2011), ambos de Agnieszka Holland, Os Falsários (Die Fälscher, 2007), de Stefan Ruzowitzky, ou O Filho de Saul (Saul Fia, 2015), merecem muito mais o apreço e a veneração que este filme medíocre, piegas, maniqueísta e desonesto dirigido por Mark Herman.
Este superestimado drama é maniqueísta e desonesto pois pretende, por meio da amizade entre o menino alemão Bruno (Asa Butterfield, sem carisma e inexpressivo, como sempre) e o menino judeu Shmuel (Jack Scanlon), passar ideia que na Alemanha a população civil não sabia do que se passava nos campos de concentração, de que o partido nazista e a SS escondiam do povo o exterminínio dos judeus, quando na verdade a população sabia e a maioria ou concordava e apoiava, ou fingia que não era algo importante.
Nas escolas alemãs, a partir da ascenção de Hitler ao poder, em 30 de janeiro de 1933, permanecendo até 30 de abril de 1945, último ano da Segunda Guerra, as crianças alemãs eram ensinadas a odiar os judeus. Tendo o personagem Bruno 8 anos quando o filme se passa, em 1940, significa que ele crescer e foi educado em uma sociedade na qual o ódio aos judeus era tão comum quanto a tradição brasileira de comer arroz com feijão.
Na final do filme, a comoção na plateia não é produzida pela morte dos judeus, mas pela morte do menino alemão, ''por engano'', em meio aos prisioneiros daquele campo de concentração. Ou seja, o filme não se esforça por humanizar os judeus e colocar em relevo o processo cruel de desumanização pela qual eles passavam até serem mortos, o que de fato acontecia, se empenhando, em vez disso, por humanizar, por meio do menino Bruno, os carrascos. Na cena final a plateia torce para que Bruno não tivesse sido morto e cai em lágrimas porque descobre que isso aconteceu, já convencida de que a morte de Shmuel fosse algo que, pela sua previsibilidade, fosse normal e aceitável. O filme, portanto, presta um desserviço histórico e moral, e é um desperdício de recursos cinematográficos.
A cineasta polonesa Agnieszka Holland ficou conhecida internacionalmente por este filme duro e sombrio passado durante a Segunda Guerra Mundial, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Este Colheita Amarga (Bittere Ernte, 1985) aborda a questão do anti-semitismo, da perseguição e do extermínio de judeus pelos nazistas nos territórios controlados por eles na Europa, temas recorrentes em sua filmografia, especialmente nos filmes Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990), indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, e o meu preferido Na Escuridão (W ciemności, 2011), também indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O filme, estrelado pelo grande Armin Mueller-Stahl (Coronel Redl, Muito mais que um Crime, Shine) acompanha a crise moral e de identidade pela qual o polones Leon Wolny, que abandonou o sonho de ser padre para cuidar da granja da família após a morte do pai, passa ao tentar esconder uma mulher judia, Rosa Eckart, que conseguiu fugir de um trem que levava prisioneiros dos guetos de Varsóvia para os campos de concentração.
No entanto, fugindo do lugar comum desse tipo narrativa histórica já tão explorada pelo cinema em filmes de países e diretores tão diversos, Agnieszka vai fundo ao explorar a falta de escrúpulos desse suposto herói, que abusará de forma mesquinha de sua prisioneira. Cabe aqui notar que esta, interpretada por Elisabeth Trissenaar, apesar de resistir no início, aos poucos cederá, o que pode revelar, ao meu ver, uma ''Síndrome de Estocolmo'', na medida em ela se torna vítima desse algoz travestido de herói e mesmo assim se afeiçoa a ele.
O final é impactante e após a última cena, na qual o protagonista recebe uma carta, a indagação que o filme nos deixa é a seguinte: será que todas essas histórias de pessoas que, por alguma razão foram alçadas a figuras heróicas, fazem realmente jus a este título? Será que estes supostos heróis são mesmo exemplos de moralidade e de humanidade? Eis a questão.
O filme é todo simultaneamente comovente, nostalgico e engraçadíssimo. Fico fascinado com a capacidade das mentes por trás dos filmes da Pixar de criar não apenas histórias inteligentíssimas, divertidas e deliciosas, mas personagens irrestíveis, dos protagonistas até os mais secundários. é mpossível não amar os 3 leões marinhos, por exemplo, e rir com as cenas em que eles aparecem.
Quem saiu do cinema logo depois que apareceu ''the end'' e que os créditos começarama subir, perdeu muita coisa. Os filmes da Pixar estão ficando como os da Marvel, com surpresas até o último segundo de projeção.
Esse é um filme que exige muito de quem o assiste. Exige que se tenha atenção, pois a narrativa acompanha diversos personagens, tramas e subtramas, pois os diálogos são rápidos, ferozes, onde o que está subentendido é muitas vezes mais importante do que é explícito. Mas exige, principalmente, conhecimento, do expectador, a respeito de temas densos e complexos como a geopolítica do Petróleo e a história do Oriente Médio.
O filme acompanha 4 personagens ''principais'': o agente da CIA Robert Baer (George Clooney), o analista especialista em recursos energéticos Bryan Woodman (Matt Damon), o advogado Bennett Holiday (Jeffrey Wright), e Wasim Ahmed Khan, imigrante paquistanês em busca de trabalho (Mazhar Munir).
Baer é um agente especializado em questões relativas ao Oriente Médio, que trabalhou anos no Irã, ajudando a criar, treinar e financiar grupos de oposição ao regime teocrático nacionalista implantado pelo Aiatolá Khomeini após a Revolução Iraniana de 1979. Atua também tentando impedir o tráfico ilegal de armas no Oriente Médio, a acaba tendo de investigar o roubo de mísseis ultramodernos (o Stinger MANPADS).
Woodman, que é casado com Julie (Amanda Peet), acaba se tornando amigo e principal conselheiro como o príncipe Nasir Al-Subaai (Alexander Siddig), um príncipe e ministro das Relações Exteriores de um dos Emirados Árabes, que é o primeiro filho do Emir, que vive na Riviera Francesa. Tendo em vistas a saúde debilitada e a idade avançada do pai, o príncipe Emir, já se preparar para, como primogenito, assumir seu o governo de seu país em seu lugar. Contudo, seus planos de nacionalizar as o petróleo, estatizar as refinarias em seu país e buscar a independecia em relação ao ocidente, desagrada muitos interesses, o que coloca em risco não apenas a sucessão, mas também sua vida.
Bennett trabalha para um escritório de advocacia e encarregado de investigar uma denuncia de corrupção cometida por um executivo da empresa petrolífera Killen, que durante o filme está em processo de fusão com a Connex, outra companhia do setor, visando tornar-se um megaconglomerado do setor. Seu chefe é Dean Whiting (Christopher Plummer), enquanto Jimmy Pope (Christopher Plummer) é um CEO da Killen.
Wasim, por sua vez, é imigrante paquistanês contratado como trabalhador temporário em uma obra da Connex em um Emirado Árabe, no Golfo Pérsico, que, após se ver desempregado, acaba sendo cooptado por um grupo extremista islamico, que tenta convence-lo a atuar com suicida num atentado terrorista.
Para entender a geopolítica do Petróleo e como a disputa pelas reservas desse combustível fóssil influiu decisivamente na história do Oriente Médio nos últimos 200 anos, é preciso conhecer, por exemplo a história ''Sete Irmãs'', ou seja, as 7 empresas petrolíferas mais poderosas da história: a BP, ou British Petroleum, a Shell, a Gulf Oil, a Texaco, a Chevron, a Mobil e a Esso. No filme, essas empresas reais são representadas pelas fictícias Connex e Killen.
Comecemos pela Stardart Oil Company, fundada por John D. Rockfeller, que possuía 3 subdivisões. A Standard Oil of New Jersey (Esso); a Standard Oil of New York (Socony); e a Standard Oil of California (Socal). Posteriormente essas 3 empresas formaram a Exxon, a Mobil e a Chevron, que incoporou a Gulf Oil e posteriormente se fundiu com a Texaco. A Exxon se fundiu com a Mobil, atualmente, ExxonMobil.
A Anglo-Persian Oil Company (APOC), que mais tarde passaria a se chamar British Petroleum Amoco, ou BP Amoco, foi fundada pelos britanicos na antiga Pérsia, atual Irã. Atualmente é conhecida apenas pelas iniciais BP. A Texaco, por sua vez, foi fundada em 1901, nos EUA, com o nome de The Texas Company. Os fundadores eram Joseph Cullinan, Arnold Schlaet, Thomas Donahue e Walter Benona Sharp.
A Gulf Oil foi fundada em 1901, em Pittsburg. Nos anos 1980 foi vendida e incorporada por outras empresas. A Gulf era a oitava maior empresa em produção de petróleo em 1941 e a nona maior em 1979. Posteriormente a Gulf Oil foi absorvida pela Chevron, que posteriormente fundiu-se com a Texaco, formando a ChevronTexaco de 2001 até 2005, quando o nome da companhia voltou a ser apenas Texaco. Assim, as Sete Irmãs acabaram tornaram-se apenas quatro: ExxonMobil, ChevronTexaco, Shell e BP. Essa fusão entre essas empresas é representada no filme por meio da fusão entre a Connex e a Killen.
Formando um verdadeiro e poderoso Cartel, essas poderosas empresas traçaram e colocaram em prática planos de controle do mercado (exploração/extração, refinamento, transporte, distribuição/comercialização) mundial de petróleo, bem como estratégias de apoio ou acordos com governos, para garantir o acesso a reservas e mercados consumidores, e também evitar a concorrencia. Nisso, os governos britanico, estadunidense e frances tiveram grande participação e grandes lucros.
Nas décadas seguintes dos séculos XX e XXI, essas gigantes empresas do petróleo estiveram por trás de todos os conflitos no Oriente Médio. Em 1912 foi construída no Irã, que então se chamava Pérsia, a refinaria de petroléo de Abdan, controlada pelos britanicos. Em 1925 o oficial do exército Reza Pahlavi, por meio de um Golpe de Estado, com apoio britanico, assume o poder, instaura uma ditadura, tornando-se o Xá. Durante a Segunda Guerra, o Xá demonstra apoio aos Nazistas. O país é invadido por tropas britanicas e soviéticas e o Xá abdica em nome de seu filho, Mohamed reza Pahlavi, que se torna o novo Xá, em 1941.
Impopular, a ditadura do novo Xá enfrenta revoltas populares e é pressionado assim a nomear o parlamentar Mohamed Mossadegh como primeiro-ministro. Nacionalista, ele inicia um programa de nacionalização do petróleo e estatização das refinarias. As revoltas populares contrárias ao Xá e ao domínio estrangeiro, e em apoio a Mossadegh aumentam. Os britanicos e o Xá são expulsos do país em 1951. Em 1953 a Marinha Britanica fecha os portos do país, e as potenciais ocidentais impõem pesadas sanções, proibindo a comercialização do petróleo iraniano. A CIA inicia a Operação AJAX, que derruba Mossadegh, devolve o poder o Xá, prende e persegue opositores, especialmente comunistas. Em 1967, Mossadegh morre de cancer na prisão.
No filme, Bryan Woodman (Matt Damon) frequentemente compara o príncipe Nasir Al-Subaai (Alexander Siddig) com Mossadegh, pelo seu interesse em tornar seu país autonomo e independente, em fazer com que o petróleo tão abundante seja usado em benefício de seus habitantes. O agente Robert Baer (George Clooney) por seu turno, acaba descobrindo que ''há algo de podre no reino da Dinamarca'', digo, dos EUA, e é ''tirado de campo'' pelos dirigentes da CIA e perseguido. No fim, descobre planos para matar o futuro Emir e tanta alerta-lo. No entanto, tal como aconteceu com Mossadegh no Irã na década de 1950, os planos do príncipe Nasir serão frustrados por uma intervenção militar estadunidense.
O título do filme refere-se a questão da ''Pax Syriana'', que seria ''um estado necessário de paz entre a Síria e os EUA'' na exploração e no comércio do petróleo. Em uma entrevista dada a NPR, no ano em que o filme foi lançado, Robert Baer, autor do livro, disse que o título é uma metáfora para a intervenção estrangeira no Médio Oriente, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, que visavam garantir às potencias ocidentais a continuidade do acesso ao petróleo local.
Não são raros os filmes se ocupa de retratar o quotidiano de artistas ou os bastidores de diferentes manifestações artísticas, sem necessariamente constituirem-sem em relatos biográficos. É o caso do teatro, descortinado em filmes soberbos como Fatalidade (A Double Life, 1947), A Malvada (All About Eve, 1951) e Birdman (Birdman, 2014); ou do próprio cinema, desvelado em filmes brilhantes como Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), Oito e Meio (8½ di Fellini, 1963) ou A Noite Americana (La Nuit Américaine, 1973); ou o circo, retratado em filmes como O Circo (The Circus, 1928), O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) e este O Palhaço (2011).
Confesso que posterguei o quanto pude o ato de assistir a essa segunda incursão de Selton Mello na direção de um longa-metragem, no intuito de ve-lo sem expectativas, uma vez que foi muito falando quando de seu lançamento. Minha conclusão é que, apesar das qualidades, como a trilha sonora, os figurinos e a fotografia, o filme é apenas mediano. Bem intencionado, mas superestimado.
O roteiro é ótimo, bem amarrado e deliciosamente elíptico, estabelecendo constantemente vínculo entre cenas e diálogos do filme (o ditado sobre o gato beber leite e o rato comer queijo, por exemplo). O problema, porém, é a direção insegura de Selton Melo, que não consegue conferir um ritmo fluido ao filme, que am alguns momentos ''deslancha'', mas na maioria deles fica ''estancado''.
Na condução da narrativa se mostrou indeciso entre manter o foco no seu protagonista, o palhaço Benjamin (por ele mesmo interpretado), e a menina Lola (papel de Larissa Manoela). Sua atuação também é problemática, forçadamente e pretensamente minimalista, mas demasiadamente vacilante.
Os pontos altos, ao meu ver, são as cenas com os grandes Tonico Pereira, com os irmãos Beto e Deto, e Moacyr Franco como o delegado que adora queijos e é devotado ao seu gato Lincoln.
A certa altura do documentário, o patriarca de uma das 3 famílias cujas rotinas são acompanhadas pelo diretor José Padilha diz: "Tenho 38 anos e nunca na minha vida eu tive merenda [café da manhã], almoço e janta no mesmo dia". Sua esposa, em certo momento, quando perguntada sobre o que eles irão comer no jantar, explica que, se eles jantarem, no outro não terão o que comer no almoço. Em outro momento, uma mãe conta que frequentemente chora quando algum dos seus 11 filhos pede algo para comer e ela diz que não tem nada para lhe dar. Quando perguntada sobre sua idade, ela diz que não sabe quantos anos tem. Só sabe que ainda não fez 30 anos. Seu marido, quando perguntado se ele não teme ter mais filhos e se não pensa na dificuldade que seria para alimentar ainda mais bocas, ele responde, em sua simplicidade que ''Deus dá''.
Essas cenas narradas, capazes de deixar muitos de nós (pelos os mais humanos e menos cínicos) com um nó na garganta e um aperto no peito, são apenas parte da realidade cotidiana não apenas das 3 famílias documentadas, mas também das milhares de outras famílias que, ainda hoje, encontram-se em situação similiar.
Apesar do filme ter sido lançado em 2009, ele foi filmado antes de 2003. O Bolsa-Família foi implantado em outubro de 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Medida Provisória, e promulgado como Lei Federal em janeiro de 2004. Tecnicamente denominado ''mecanismo condicional de transferência de recursos'', quando criado, esse programa governamental de distribuição de renda passou a unir 4 outros programas similares pré-existentes: o Bolsa Alimentação e o Bolsa Escola (que compunham o Programa Nacional de Renda Mínima, criado por FHC), o Programa Auxílio-Gás e o Fome Zero (vinculado ao Programa Nacional de Acesso à Alimentação, criado por Lula em janeiro de 2003). O Bolsa Escola e Fome Zero é que são citados pelas famílias cujas vidas precárias são retratadas nesse documentário.
Pra que uma família possa tornar-se beneficiária do Bolsa-Família ela precisa encaixar-se em certo patamas socioeconômico, como possuir renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00, ser composta por gestantes e/ou crianças ou adolescentes com idade entre 0 e 17 anos, além de atender á exigência de manter essas crianças e adolescentes, a partir dos 6 anos de idade, matriculados e frequentando a escola pública. No caso das gestantes beneficiadas, elas precisam e façam o acompanhamento de saúde das gestantes e lactantes, elas devem estar com a vacinação em dia. No final de 2015, o valor médio recebido pelas famílias cadastradas era de R$ 176,00 mensais.
No ano de 2006, mais de 11,1 milhões de famílias já estavam cadastradas no programa, totalizando cerca de 45 milhões de beneficiários. Os gastos federais para manter tais números, nesse ano, eram de 8,2 bilhões de reais, correspondendo a meros a 0,4% do PIB do país. Como consequencia, entre 2003 e 2016, a pobreza extrema registrou uma queda de 75% no Brasil, de acordo com dados da FAO e do IBGE.
O documentário se abre com duas citações do Geógrafo pernambucano Josué de Castro, autor do seminal de ainda atual e urgente livro Geografia da Fome escrito em 1947. Encerro esse meu comentário com duas outras frases dele que não aparece no filme: ''O que falta é vontade política para mobilizar recursos a favor dos que têm fome'' e ''Existem 2/3 de pessoas que não dormem porque sentem fome, e 1/3 de pessoas que não dormem por medo dos que sentem fome''.
Difícil não se encantar com as 3 irmãs cegas de Campina Grande, Paraíba. O documentário que as retrata consegue ser comovente e tocante sem ser piegas ou lacrimoso, cheios de momentos divertidos, e outros que te fazem refletir. A dignidade com a qual essas irmãs levam sua vida, encaram e superam suas dificuldades, é enriquecedor.
Ao final, percebemos que, independente daquilo que nos difere - sermos cegos ou videntes, homens ou mulheres, ricos ou pobres, brancos ou pretos... - somos humanos, demasiado humanos, e isso nos coloca num mesmo nível existencial.
Todos vamos amar, muito embora nem sempre sejamos correspondidos; sentiremos ciúmes, guardaremos mágoas e rancores, aprenderemos ou não a perdoar; conheceremos ou não a glória, mas ela não durará para sempre; estaremos sujeitos a doses mais ou menos equivalentes de decepções e satisfações, enfim.
Ser cego ou enxergar, não necessariamente fará com que nossa caminhada seja mais fácil ou difícil. Afinal - como as próprias irmãs diriam - quem enxerga a casca nem sempre é capaz de dizer o que há no miolo. Por mais que seja inegável o fato de que nascer fisicamente ''perfeito'', ter economicamente mais recursos e pertencer socialmente aos grupos privlegiados, tornem a vida mais fácil, não há nada que indique que tais atributos torne a existencia, entendida como experiencia de e do ''ser'', seja menos dolorosa e desafiadora.
Viver, afinal, é apenas parte do existir, e existir não implica estar plenamente consciente desse fato e de suas implicações e consequencias, nem estar munido da sabedoria necessária para aceitar a existencia em toda a sua totalidade e complexidade. E arte - nesse caso a música - tanto pode ser um instrumento que torna a existencia e a vida mais palatáveis, quanto um meio de apreende-las em suas essencias.
Fico impressionado como o roteiro de Game Of Thrones - e me refiro tanto os livros quanto a série televisiva - é coeso e bem amarrado. No primeiro episódio da 1ª Temporada, os homens da Casa Stark encontram um veado morto na estrada com um ferimento na barriga. Logo depois encontram uma Loba morta na mata próxima, em decorrencia de uma ferida causada pela galhada de um veado. Junto com ela, encontram seus filhotes, que são levados e adotados por cada um dos filhos de Ned Stark, ''Lord of the North''. A partir de uma análise das simbologias e implicações dessa cena, eu desenvolvi a minha ''Teoria dos Lobos'', que apresento a seguir.
O primogenito, Robb Stark, dá ao seu lobo o nome de ''Vento Cinzento''; O de Bran recebe o nome de ''Verão'' enquanto o Rickon, o mais novo dos filhos, dá oa seu lobo o nome de ''Cão Felpudo''. A filha mais velha, Sansa, batiza sua loba de de ''Lady''; a loba de Arya, por vez, ganha o nome de ''Niméria''. Por fim, o bastardo Jon Snow, que ficou com o último dos filhotes a ser encontrado na mata, passa a chama-lo de ''Fantasma''. Sendo o Lobo o símbolo dos Stark, esse evento pode ser tomado como metáfora ou alegoria para os eventos posteriores na série envolvendo especialmente essa família. Cabe, aqui, lembrar que o veado é o símbolo da Casa Baratheon, da qual o Rei Robert é membro.
A morte do rei Robert, por uma ferida na barriga causada por um javali durante uma caçada, guarda óbvio paralelo com a morte do veado na cena incialmente citada. A morte do veado, desencadeia a morte do lobo e a dispersão de sua prole, assim como a morte do Rei Robert Baratheon é o estopim que culminará na morte de Ned e Catelyn Stark e posteriormente na separação e desagregação dos filhos do casal, incluindo o bastardo Jon.
O primeiro dos filhotes da Loba a morrer é Lady, que pertencia á Sansa Stark. Isso pode ser tomado como metáfora do processo de negação de si e de suas origens pelo qual a personagem passará durante boa parte da série, tendo que resignar-se e apagar-se para sobreviver. É como se ela passasse por uma ''morte social''.
O segundo filhote a morrer é o do primogenito Robb. A morte de Vento Cinzento se dá praticamente ao mesmo tempo que a morte de seu mestre, durante o trágico evento que ficou conhecido como o ''Casamento Vermelho''. Cabe aqui lembrar que, durante a guerra entre os nortista liderados por Robb Stark e os sulistas liderados pelos Lannister, Robb e seu lobo eram tidos como inseparáveis, no imaginário popular, e alguns até afirmavam que Robb se transformava em lobo. Após serem mortos, Robb é decapitado e a cabeça de seu lobo é colocada no lugar da sua, por meio de uma estaca.
Entre a morte de Lady e de Vento Cinzento, se dá a fuga e desaperecimento da loba Niméria, prenunciando o futuro destino de sua dona, Arya Stark. Concomitantemente, entre o desaparecimento de Niméria e a morte de Vento Cinzento, é que ocorre a invasão de Winterfell e a consequente fuga de Bran e Rickon com seus respectivos lobos.
Durante a fuga, os irmãos serão separados e só conheceremos o destino de Rickon nos episódios finais da penúltima temporada da série. Neste ínterim, o destino do lobo Verão, de Bran, chega ao fim no momento em que ele assumirá uma nova persona e um novo papel naquele contexto, tornando-se o novo ''Corvo de 3 Olhos'', assim como a morte do ''Verão'' indica o começo do Inverno. Winter is coming.
O único lobo cuja trajetória acompanhamos durante praticamente toda a série é o Fantasma, do bastardo Jon Snow, e que, junto com a desaparecida Niméria, será um dos 2 únicos filhotes a sobreviver. Resta saber se na próxima - e última - temporada, que será lançada em 2017, a loba Niméria reaparecerá, na medida em que Arya (The girl has no name?) retorna a Winterfell e reecontra ou reassume seu nome e suas origens, e se o Jon e seu lobo chegarão vivos até o final.
[Gostou? Leia mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
Esse filme é mesmo uma obra-prima, e Kubrick o realizou como uma espécie de "prêmio de consoloção" a si mesmo por conta dos obstáculos impostos pelos estúdios para a realização de sua obra mais desejada e nunca realizada, que seria um filme sobre o próprio Napoleão Bonaparte.
Os "traços" marcantes do grande mestre, ao meu ver, podem ser divididos em dois tipos: 1) estéticos ou plásticos; 2) narrativos. Os traços estéticos próprios de Kubrick são, em primeiro lugar, a preferência por enquadramentos e composições de cena simétricos. Eles estão presentes em Barry Lyndon, mas nesse filme ele empregou um recurso que não costumava usar em seus filmes anteriores, uma vez que ele costuma posicionar a câmera quase sempre num ponto fixo, geralmente um pouco abaixo do nível dos olhos dos atores (os contra-plongées, que seriam sua segunda característica estética constante).
Esse recurso, empregado em Barry Lyndon é o uso de zoom-ins e zoom-outs. Uma cena exemplar, nesse sentido, é aquela onde o protagonista está com um machado cortando lenha, e a câmera, partindo de um close na lenha, vai se afastando e o entorno da paisagem começa a fazer parte da cena. Aí vemos que câmera estava posicionada à uma considerável distancia da cena filmada. Tal recurso, por sua vez, apesar de estético, tem uma função narrativa e mesmo um significado semitótico: Kubrick nos quer apontar que o filme é uma reconstituição do passado, mas não uma reconstituição fiel, exata - por mais que haja um esforço considerável nesse sentido em todos os grandes filmes - mas sim um interpretação de um passado a partir de uma perspectiva presente.
Outras características narrativas comuns à Kubrick presentes em Barry Lyndon são:
a) A presença de um protagonista masculino que não pode ser tomado por herói porque possui fortes defeitos morais.
b) O protagonista é um homem que anseia o controle (ou tem a ilusão de controlar) sua vida, seu destino e também aqueles que o rodeiam. Acaba servindo de alegoria ao machismo presente em nossa sociedade.
c) O protagonista não triunfa no final, mas é vencido por algo que ele julgava controlar.
d) As figuras feministas, por sua vez, apesar de aparentemente secundárias, tem sempre papel forte na trama: elas são os elementos que perturbam os protagonistas.
Deixando esses aspectos mais "técnicos" de lado, o filme é de uma beleza ímpar. Os figurinos, a fotografia, os cenários, a direção de arte, a trilha sonora... tudo contribui para que sejamos quase transportados para o passado. A trilha, por sua vez, segue a linha adotada pelo cineasta desde 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de empregar composições já consagradas de compositores clássicos, em vez de contratar um compositor para compor uma trilha original. Isso, ao meu ver, confere ainda mais verossimilhança à obra final que, como eu disse acima, é assumidamente uma "leitura", uma "reinterpretação" do passado.
De fato, depois desse filme, a carreira de Ryan O'Neal entrou em ostracismo. Ele havia atingido o estrelato com Love Story, de 1970, posteriormente participou do filme Lua de Papel, de 1973, no qual contracenou com sua filha prodígio, Tatum O'Neal (a qual foi premiada com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante). Finalmente, em 1975, protagonizou este aclamado fime do mestre Stanley Kubrick.
[Gostou? Acesse meu blog thecinemaniaco.blogspot e leia mais!]
Filmes centrados nas histórias de crianças cujas vidas e inocências são devoradas pelo horror da guerra não são raros: dos brutais e colossais Vá e Veja (Idri e Smoti, 1985), de Elem Klimov e a Feiticeira da Guerra (Rebelle, 2011), de Kim Nguyen, aos mais convencionais Esperança e Glória (Hope and Glory, 1987) e Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990), ou mais adocicados, como A Vida é Bela (La Vita è Bela, 1997).
Este Beasts of no Nation (ainda sem título em português, mas cuja tradução mais adequada seria "Monstros sem Pátria") se irmana aos dois primeiros filmes citados, em sua crueza e no fato de, ao longo de sua narrativa, se ocupar em descrever o processo por meio do qual crianças são cooptadas por grupos armados e transformadas em máquinas de matar.
E nesse ponto, o filme do diretor Cary Joji Fukunaga, estrelado pelos ótimos Abraham Attah e Idris Elba guarda muitas semelhanças com Feiticeira da Guerra: ambas as histórias estão situadas em um país africano que passa por uma guerra civil; ambos os protagonistas tiveram suas famílias dizimadas por grupos armados; ambos são cooptados por milícias clandestinas rebeldes e integrados às suas fileiras; ambos os grupos aos quais serão inseridos possuem líderes carismáticos que se revestem de uma aura mística e são cultuados por seus soldados; ambos encontrarão entre seus pares um amigo com o qual estabelecerão um vínculo mais estreito; ambos sofrerão algum tipo de abuso sexual; ambos os filmes são pontuados por narrativas em off dos protagonistas em tom confessional.
Contudo, Beast of no Nation erra onde Rebelle acerta: não mantém o foco no seu protagonista (Attah), desviando-o, em certa altura na narrativa para outro personagem (Idris), e, ao fazê-lo, o que era uma narrativa sólida sobre a inocência perdida torna-se um filme oscilante e indeciso, ao tentar abranger um escopo de discussão mais amplo, incluindo questões políticas e geopolíticas muitíssimo complexas.
Todavia, enquanto filmes como O Último Rei da Escócia (The Last King of Scotland, 2006) segue a linha de usar personagens brancos e ocidentais como as figuras heróicas da narrativa - algo que também pode ser visto em Diamante de Sangue (Blood Diamond, 2006) e Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987) - outros como Feiticeira da Guerra, Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004) e este Beasts of no Nation não cometem esse deslize moral. Não há aqui a figura do homem branco e justo a salvar o negro de sua barbárie, como se o negro (e por consequencia a África) fossem os únicos culpados pela sua situação.
[Gostou? Leia mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
Definitivamente, esse não é um filme de suspense/terror tradicional. Não espere um filme seguindo fórmulas de gênero. Não espere sustos que te fazem saltar no sofá ou poltrona. Não espere aquele final catártico, onde os mistérios se revelam, o vilão se dá mal e o protagonista se revela algo heróico. Não espere ação, não espere uma montagem frenética, com cortes bruscos, nem por uma trilha que provoque tensão e contribua para construir aquele típico clima onde a expectativa de ser surpreendido se faz onipresente. Em suma; não espere o óbvio.
Esse se eleva acima da média dos filmes desse gênero exatamente por diferenciar-se deles e por buscar romper com os paradigmas estipulados pela industria e pelo público para esse tipo de filme. Ele parecerá lento para os expectadores cuja capacidade de fruição estiver turvada ou limitada por ser pares mais comerciais, como Invocação do Mal e Anabelle, por exemplo. Sua condução, no entanto, se vale de cenas longas (extensos planos-sequencia magistrais) onde a tão afamada "lentidão'' tem como propósito, em vez de pregar sustos cujo efeito é efêmero, produzir no expectador um temor, uma angústia e uma incerteza pelo que virá, que ecoarão por muito mais tempo.
A fotografia, soturna e densa, os enquadramentos ora distantes, ora de um close sufocante, a mise-en-cene habilmente elaborada para sugerir e confundir mais do que explicitar ou revelar, a trilha sonora deveras incomoda, o roteiro que não abrirá espaço para soluções alentadoras ou alívios dramáticos... tudo colobora para o filme se revele uma das obras mais perturbadoras dos últimos tempos. Mérito também do elenco, formado por nomes poucos conhecidos, com destaque para os formidáveis desempenhos da filha mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy), e seu pai Jonas (Lucas Dawson).
A narrativa, baseada em lendas sobre bruxas cuja origem remonta ao princípio da colonização inglesa na América do Norte - contexto histórico e geográfico no qual a história se desenvolve -, bem como em registros de julgamentos de casos de bruxaria, abre espaço para reflexões e discussões sobre temas interessantes: extremismo religioso, delírio coletivo, superstição, machismo, castração (na acepção freudiana do termo), etc.
A reconstituição de época, vista nos figurinos, cenários e mesmo nos diálogos, que procuram recriar o modo próprio de falar daqueles pioneiros, merece também destaque, bem como a direção segura do praticamente estreante Robert Eggers.
Semelhante ao aconteceu, no ano passado, em relação aos filmes Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015) ou Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, 2015), recentemente a nova versão para os cinemas de Os Caça-Fantasmas tem sofrido ataques e críticas de cunho misógino por parte de supostos fãs claramente machistas.
Alegações de os filmes, por terem protagonistas feministas, ao contrário de seus antecessores, teriam se transformado em ''peças de propaganda feminista'' ou que a opção por substituir os atores homens por mulheres teria ''descaracterizado um clássico'' foram tecidas às centenas por usuários de redes sociais e sites especializados em cinema.
Alegar que o cinema esteja sendo invadido ou dominado por uma ''ditadura feminista'' é mais um expressão da esquizofrenia social e paranóia político-persecutória que não se via desde os tempos da Guerra Fria. Interessante que, desde a invenção do cinema, a esmagadora maioria do filmes, especialmente os de ação, sempre foi protagonizada por personagens masculinos - no quais as mulheres apareciam como meros adereços sexuais na trama - e nem por isso esse machismo gritante provocou a mesma reação por parte do público feminino - seja feminista ou não.
O que se vê nessas reações, além de uma boa dose de preconceito e uma certa de imaturidade, é uma notória confusão entre memória afetiva e qualidade cinematográfica. As primeiras versões de Os Caça-Fantasmas para o cinema feitas na década de 1980 podem ter marcado a infancia de muitas pessoas - incluindo a minha - mas isso não faz deles um ''clássico'', de modo que o argumento de que a nova versão, protagonizada por mulheres, seja de algum modo nociva ou prejudicial, não se sustenta.
Um filme extremamente humano e profundamente tocante. Ermano Olmi conseguiu, usando como atores camponeses italianos da região do Bergamasco, realizar um filme único, que, apesar de ter sido realizado no final dos anos 70, está completamente embebido na estética e na temática do Neo-realismo - movimento do qual os cineastas Vittorio de Sica e Roberto Rosselini foram os maiores expoentes.
O filme, passado no final do século XIX, e retrada a vida de uma comunidade (no sentido preciso desse termo) camponesa da região da Lombardia, na Itália. No início do filme há uma espécie de prefácio que, na forma de legenda, explica bem o contexto socioeconômico retratado: numa espécie de "cortiço" rural, viviam de 4 a 5 famílias, no regime similar ao de "meeiro". As terras, os estábulos, as árvores, uma parte dos animais de criação (gado, galinhas, porcos, cavalos, patos) e das ferramentas pertenciam ao dono das terras, ao qual as famílias deveriam remeter 2 terços (cerca de 60%) da colheita - que no filme se limitava a milho, trigo e tomates basicamente.
A narrativa é difusa - e isso não é um defeito, pelo contrário. O cineasta opta por narrar paralelamente a vida quotidiana das famílias que dividem aquele espaço e juntas lavram as terras, plantando, colhendo e realizando todas as tarefas típicas de uma rotina camponesa. A trama se desenrola na medida em que os personagens - brilhantemente construídos e perfeitamente interpretados pelos "não-atores" escalados - lidam com os problemas que eventualmente aparecem: um pai relutante em deixar que o filho frequente a escola por precisar de sua ajuda nas tarefas diárias; uma viúva, com 5 filhos para criar, cuja inestimável vaca leiteira adoece repentinamente e que o veterinário recomenda que seja sacrificada; um pai que vive brigando com o filho adolescente que não quer saber de trabalhar; dentre outras efemeridades de vidas que, em essência, não diferem muito das de qualquer ser humano que, como os personagens, não nasceram em "berço de ouro".
O entrecho envolvendo a moeda de ouro me fez rir bastante, enquanto outro, relativo à "árvore do tamanco", que dá título ao filme, me emocionou sobremaneira. Historicamente, é interessantíssimo enquanto reconstituição da vida de uma comunidade rural numa região onde a industrialização - que havia nascido na Inglaterra cerca de 150 anos antes - ainda não havia chegado, e cuja estrutura social e econômica ainda guardava traços feudais.
A falta de uma história central, com começo, meio e fim claramente definidos, ao contrário de ser um defeito - como alguns acusam o filme - é sua maior qualidade. O filme se aproxima da realidade, constituindo-se num híbrido entre ficção e realidade, entre encenação e documentário, exatamente porque consegue retratar a vida como ela é (ou como ela era naqueles tempos), ou seja: uma sucessão de pequenas banalidades das quais a vida de todos nós é feita.
Na medida em que a série caminha para o que - por enquanto - parece ser o seu desfecho, aumenta nossa expectativa para saber a resposta à grande pergunta: "Quem terminará como senhor do Trono de Ferro?"
Mas, para responder à essa questão - ou aproximar-se ao máximo dela - é preciso tentar responder à outras duas perguntas, que, em geral, aqueles que só tiveram contato com a saga escrita por Martin por meio da TV, desconhecem. Essas perguntas são: Quem é a reencarnação do héroi Azor Ahai? Quem são as Três Cabeças do Dragão?
Às solução dessas questões, vamos também ficando mais perto, obviamente, na medida que as história é contada. De acordo com os livros, Azor Ahai teria sido um herói lendário que viveu durante o período conhecido como "A Longa Noite", há cerca de oito mil anos antes dos fatos narrados na série. Azor Ahai, dotado de sua espada flamejante (a Luminífera), foi o responsável por enfrentar e vencer os "Outros", expulsando-os para além da Grande Muralha.
As lendas envolvendo essa figura quase mítica dão conta de que ele conseguiu sua poderosa espada após atravessá-la no peito de sua amada, morta em sacrifício. As profecias surgidas desde então afirmam que Azor Ahai retornaria como que reencarnado em outra pessoa, mas essa deveria nascer sob condições muito específicas. Diz a lenda que "quando a estrela vermelha sangrar e a escuridão aproximar-se, Azor Ahai irá renascer no meio do fumo e sal e acordar os dragões feitos de pedra".
Ou seja: o novo Azor Ahai precisa ser alguém que tenha nascido (ou renascido) num dia em que houver uma estrela sangrenta e num lugar onde haja fumo/fumaça e sal. Mas, como se trata de profecia, esse elementos podem não necessariamente ser literais, mas simbólicos ou metafóricos. A estrela pode não ser exatamente uma estrela, por exemplo, assim como os dragões podem não ser exatamente dragões. Tendo isso em mente e, pelo vimos até o momento na série, dois personagens se destacam como possíveis respostas à essa questão: Daenerys Targaryen e Jon "Snow" Stark Targaryen.
Daenerys teria nascido durante uma tempestade (fumaça) em Pedra do Dragão, que é ilha, e, portanto, banhada pelo mar (sal). Quando colocada junto à pira mortuária de seu esposo Khal Drogo, ela permaneceu intacta em meio ao fogo, e os ovos petrificados que ela carregava eclodiram, saindo deles 3 dragões (os dragões de pedra). Mas é possível que os dragões representam a própria Luminífera.
Jon Snow, por sua vez, nasceu na Torre de Joy, como ficamos sabendo hoje, no último episódio da 6ª temporada da série televisa. Não é filho de Ned Stark, mas sobrinho. Sua mãe é Lyanna Stark e seu pai é Rhaegar Targaryen, que havia raptado Lyanna e aprisionado na torre, após estupra-la. Jon nasceu entre as lágrimas de sua mãe (sal), que morreu devido às complicações do parto. O próprio Rhaegar pensou, em sua juventude, ser Ahai, mas depois passou a achar que fosse seu filho Aegon. Porém, pode ser que esse filho, que é o "Príncipe Prometido", seja Jon.
Porém, Jon, ao renascer, ressuscitado pelo Deus do Fogo por intermédio de Melisandre, jazia morto em Castle Black, nu sobre uma mesa da madeira, onde havia fumaça de velas e de uma lareira, além do sal dos que pranteavam sua morte, e o gigante Wun Wun havia matado um soldado da Guarda da Noite atirando-o contra as paredes e o teto de onde Jon estava, e na roupa desse soldado havia estrelas. Além disso, Melisandre relatou ter, em suas chamas, a visão de Snow lutando contra os outros, e ele também começa a ter sonhos nos quais vê a si mesmo enfrentando os Outros com uma espada flamejante.
Por fim, cabe descobrir quem serão as Três Cabeça do Dragão que derrotarão os Outros, promovendo a vitória do calor sobre o frio, dos vivos sobre os mortos, naquilo que ficou conhecido como "as crônicas de gelo e fogo". A lenda das Três Cabeças do Dragão faz referência também à personagens lendários e que existiram muito antes dos eventos narrados.
O símbolo da Casa Targaryen é um dragão vermelho de 3 cabeças e Daenerys (que até então parecia ser a última Targaryen) possui 3 dragões. Mas lenda remete à Aegon I, o primeiro Targaryen que chegou em Westeros, tempos depois da Grande Noite e de Azor Ahai. Junto com ele, haviam suas duas esposas, que eram também suas irmãs: Rhaenys e Visenya. Cada um montava seu próprio dragão: Vhagar, Meraxes e Balerion.
Em sua passagem pela Casa dos Imortais, Daenerys ouve algo que parece ser uma profecia: “O dragão tem três cabeças”. Daí é que surgem as especulações sobre quais personagens seriam essas 3 cabeças. Além disso, somo informados, à certa altura, que um dragão (ou aquele que será a cabeça do dragão) precisa nascer entre “fogo e sangue”. O mais provável, ao meu ver, é que as três cabeças sejam Daenerys, Jon Snow e Twyn, principalmente porque ambos perderam suas mães durante seu nascimento e, portanto, se adequam à profecia.
Enfim, são apenas teorias. O jeito é esperar pra ver.
Alan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912, em Londres, Reino Unido. Foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista, considerado por muitos o "pai da computação" e pioneiro dos estudos e pesquisas sobre inteligência artificial.
De fato, teve grande influância no desenvolvimento da ciência da computação e na formalização do conceito de algoritmo, com a invenção da "máquina de Turing", batizada por ele de "Christopher", durante a Segunda Guerra Mundial, um equipamento que pode ser considerado o precursor dos computadores. Turing trabalhou para a inteligência britânica em Bletchley Park, num centro especializado em quebra de códigos. Por um tempo ele foi chefe do Hut 8, a seção responsável por analisar e decrifar o "Enigma", isto é, o sistema criptografia usada para comunicação pela frota naval da Alemanha Nazista.
No filme do diretor Morten Tyldun, a narrativa se foca no período passado durante a Segunda Guerra e na equipe de cientistas encabeçada por Turing responsável por decifrar os códigos nazistas. Na interpretação do britânico Benedict Cumberbatch, Turing é retratado em suas idiossincrazias: um gênio, capaz de resolver complexas equações matemáticas em segundos, mas com sérios problemas de relacionamento interpessoal. Por muito pouco essa caracterização consegue escapar da caricatura, evitando contruir um personagem que equivaleria à um Sheldon Cooper ou à uma mistura de Forrest Gump com Albert Einstein.
Nesse ponto, o filme se assemelha à outras cinebiografias de gênios, como Um Mente Brilhante (A Beatiful Mind, 2001), dirigido por Ron Howard, que conta a história do matemático e vencedor o Nobel, John Forbes Nash Jr., por exemplo. Contudo, o filme de Tyldun ganha pontos sobre o filme de Howard, por evitar o maniqueísmo e o sentimentalismo, e por não ocultar a homossexualidade de seu protagonista. Isso porque, em 1954, Nash foi preso por "ato indecente" em Santa Mônica, de acordo com uma lei do estado da Califórnia, nos EUA, que considerava criminoso o comportamento homossexual.
Durante décadas a homossexualidade era considerada ilegal no Reino Unido de modo que, em 1952 Turing foi preso e sofreu um processo criminal por ser homossexual. Como pena alternativa à prisão, e foi submetido à um tratamento hormonal e à castração química. O filme de Tyldun não omite esse fato, mas, ao contrário, faz dele um dos pilares da narrativa e base de algumas das cenas mais dramáricas do filme.
Na narrativa, que se alterna entre os eventos passados durante a Segunda Guerra Mundial, com outros da adolescência de Turing e sua passagem por uma escola conservadora do Reino Unido, importantes detalhes de seu passado - como a autodescoberta de sua homoafetividade - serão desvelados.
Turing morreu dois anos depois, em 1954, provavelmente por suicídio causado por autoinoculação de cianeto, em decorrência da depressão causada pelo tratamento e pelo ostracismo no qual ele caíra. Morreu praticamente anônimo, desprestigiado e esquecido, apesar de sua inequívoca a inestimável contribuição tanto para a vitória dos Aliandos contra os Nazistas durante aquele conflto, quanto para estabelecer o pilares da computação e da informática.
Em 1998 estrou nos cinemas o filme Elizabeth (1998), dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett. Era mais entre as dezenas de filmes a retratar a monarca inglesa, mais conhecida como Isabel I, a "Rainha Virgem", que já havia sido interpretada, por exemplo, pela lendária Bette Davis em Meu reino por um Amor (The Private Lives of Elizabeth and Essex, 1939), dirigido por Michael Curtiz (de Casablanca).
No filme de Kapur, a história tem início em 1558, quando a rainha católica Maria I, irmã de Elizabeth, econtra-se à beira da morte, acometida por um tumor no útero. Sem opções, ela acaba vendo-se forçada a deixar o trono para sua meia-irmã, e única herdeira ao trono, Elizabeth, filha do rei Henrique VIII com Ana Bolena. Elizabeth econtrava-se presa, acusada de conspirar contra a Coroa. Na época, caracterizada pela Contra-Reforma, ou seja, um movimento reacionário católico contrário à Reforma Protestante iniciada pelos teólogos Martinho Lutero (Alemanha) e João Calvino (França). Elizabeth, além de filha bastarda do rei Henrique VIII e acusada de conspiração, era protestante e, durante seu reinado, Maria I perseguiu os seguidores dessa vertente cristã, matando mais de 300 pessoas, o que acabou lhe rendendo o título de "Maria Sangrenta".
Mesmo assim Elizabeth é coroada, mas, para isso, precisa renunciar oa seu amor pelo plebeu Robert Dudley (Joseph Fiennes, que anos mais tarde interpretaria o Lutero na cinebiografia homônima). A coroação aconteceu em 15 de janeiro de 1559, na Abadia de Westminster, em cerimônia relizada por Owen Oglethorpe, Bispo católico de Carlisle. Logo, Elizabeth é aconselhada a se casar, de modo a produzir um herdeiro e garantir a linha sucessória e assegurar seu reinado. Recebe inicialmente a oferta do príncipe francês Henrique, Duque d'Anjou (Vincent Cassel), que posteriormente revela-se homossexual. Recusando todas as ofertas de casamento, Elizabeth passa então a enfrentar diferentes ameaças ao seu reinado: Thomas Howard, 4º Duque de Norfolk (Christopher Eccleston), juntamente com Mary Stuart (que é apenas mencionada no filme), seus primos católicos, e Maria de Guise (Fanny Ardant), que, conspirando, armam uma aliança com os franceses para derrotá-la e tira-la do trono.
Em 1569 houve então uma rebelião católica no norte da Inglaterra, cujo objetivo era libertar Mary Stuart, casando-a com Tomás Howard, e colocá-la no trono inglês. Vitoriosa, Elizabeth manda executar mais de 750 rebeldes, entre eles o Duque de Norfolk. A Igreja Católica, havia apoiado os rebeldes, pois intentava conter o avanço do protestantismo na Inglaterra. É então que o Papa Pio V, em 1570 publicou uma bula papal chamada Regnans in Excelsis, por meio da qual excomungava Elizabeth/Isabel, declarando-a herética além de "pretensa Rainha da Inglaterra e servente de crime".
Em 1558, Elizabeth propõe o Ato de Uniformidade, no que ficou conhecido como Regulamentação Religiosa de Isabel I, como tentativa de por um fim aos conflitos e disputas entre católicos e protestantes, surgidos após as divisões religiosas ocorridas durante os reinado de Henrique VIII, Edward VI e Maria I. Esta decisão real ficou conhecida como A Revolução de 1559, e definida a partir de dois atos do Parlamento da Inglaterra: inicialmente, o Ato de Supremacia de 1558 reestabeleceu a independência da Igreja da Inglaterra (Anglicana) em relação à Roma (Papa), conferindo a Elizabeth o título de Líder Supremo da Igreja da Inglaterra; em seguida, o Ato de Uniformidade de 1559 estabelecer a forma que a Igreja Anglicana deveria tomar, incluindo o reestabelecimento do Livro de Oração Comum.
No filme, no entanto, o diretor e o roteirista Michael Hirst tomam inúmeras "liberdades" em relação aos acontecimentos históricos, sacrificando os fatos em favor da dramaticidade.
Sobre o affair entre a rainha e Robert Dudley, seu amigo de infância, alguns fatos ficaram de fora do filme. No verão de 1559, Amy Robsart,espoda de Robert, estava sofrendo de uma "doença em um de seus seios" (provavelmente cancer de mama). Robsart veio a falecer em setembro de 1560 em consequência não da doença mas ao cair de uma escada. Contudo, apesar das investigações concluirem que se tratara de um acidente, as suspeitas de que Dudley tramado a morte esposa não se dissiparam. Mesmo assim Elizabeth ainda congitou por muito tempo casar-se com Dudley. Contudo, a forte oposição por parte da nobreza, do clero e da população fez-la demover-se dessa ideia.
Elizabeth concedeu-lhe título de Conde de Leicester em 1564. Em 1578 ele casou-se novamente com Letícia Knollys, mas a monarca, em diversos momentos, fez questão de explicitar seu descontentamento, mesmo tendo decido não casar-se como ele. e um ódio vitalício contra sua nova esposa. Dudley morreu pouco tempo depois da derrota dos eventos narrados no segundo filme (Elizabeth: The Golden Age, 2008).
A Regulamentação Religiosa, por exemplo é simplificada ao ponto de ser mostrada apenas como um complô entre a rainha e alguns membros do parlamento e do clero, em prol da aprovação de suas propostas. O filme, porém, termina de modo magistral, com a cena em que Elizabeth assume de vez a alcunha de "Rainha Virgem", e diz, dando: "Eu estou casado com a Inglaterra".
O segundo filme a tratar da história da soberana inglesa Elizabeth I, dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett, retoma a narrativa inciada 9 anos antes com o filme Elizabeth (1998), que lançou sua atriz ao estrelato, lhe rendendo o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, o Bafta de Melhor Atriz e uma indicação ao Oscar na mesma categoria.
Desta vez ambientado no ano de 1585 (portanto 27 anos após os eventos narrados no primeiro filme, que era ambientado em 1558), o filme se concentra no embate entre o rei espanhol Felipe II (interpretado por Jordi Mollà) e a monarca inglesa. Na trama, ele pretende destronar Elizabeth em favor de sua filha, Isabel. Paralelamente, há 2 outras subtramas que se desenrolam: primeiramente, envolvendo monarca escocesa Mary Stuart (interpretada por Samantha Morton), prima de Elizabeth e aspirante ao trono inglês, que aparece encarcerada em seu castelo, por razões que o filme não deixa muito claras; em segundo lugar, um triângulo amoroso envolvendo a rainha Elizabeth, o corsário Walter Raleigh (interpretado por Clive Owen) e a jovem Bess Throckmorton (interpretada por Abbie Cornish), dama de companhia favorita da rainha.
Historicamente, porém, o filme peca pela pouca fidelidade aos fatos. Ei-los: apesar de, no filme, a infanta Isabel de Espanha ter sido interpretada por uma criança, no período em que a narrativa se ambienta (1585), ela já estava com a idade de 20 anos. Outro ponto que causa estranhamento é o fato de, entre um filme e outro, terem se passado 27 anos, e a rainha já tinha então 52 anos de idade, ter envelhecido muito pouco no filme.
Na primeira cena em que o corsário que Walter Raleigh aparece, ele surpreende a corte britânica ao retirar seu casaco, colocando-o sobre uma poça d’água, para que a rainha pudesse passar. Porém, é improvável uma cena como essa tivesse acontecido, dado que havia sempre círculo de soldados a guardar a rainha e que, certamente, não permitiriam que o corsário chegar tão perto da soberana.
No filme, Bess se envolve com Raleigh se descobre grávida perto do meio da narrativa e, portanto, antes do confronto entre as armadas espanhola e inglesa. Todavia, Bess só engravidou de Raleigh em 1591, portanto 3 anos após a vitória da armada britânica. De fato, quando Elizabet descobriu a relação entre Bess e Raleigh, a dama de companhia doi banida da corte, e nisso o filme é fiel aos fatos históricos.
Sobre o motivo do encarceramento de Mary Stuart, o roteiro falha em não explicar com clareza o que levou a monarca à esta condição, e só no final do filme é que somos levados a concluir que ela estaria presa por intentar subir ao trono inglês, destituindo sua prima Elizabeth. A história de Mary é bastante complexa, e isso ajuda a explicar o fato do filme não se deter em destrincha-los.
Mary, que era casada com Henrique Stuart (o Lorde Darnley), fugiu do Castelo de Loch Leven em 1568, após ter sido acusada de traidora e assassina pelo povo escocês por ter se casado com Jaime Hepburn, 4.º Conde de Bothwell, que matara Henrique. Tempos depois, ela conseguiu reunir um exército de 6 mil homens e se encontrou com as forças em menor número de Jaime Stewart em 13 de maio na Batalha de Langside, masfoi derrotada e fugiu para o sul, onde passou a noite na Abadia de Dundrennan, cruzndo o Estuário de Solway para a Inglaterra dentro de um barco pesqueiro, e então desembarcando em Workington, norte da Inglaterra.
Oficiais ingleses a levaram sob custódia preventida em 18 de maio daquele ano para o Castelo de Carlisle. Em julho de 1568, as autoridades inglesas levaram a rainha escocesa para o Castelo de Bolton, em janeiro do ano seguinte, Maria foi transferida para o Castelo de Tutbury, onde foi colocada aos cuidados de Jorge Talbot, 6.º Conde de Shrewsbury, e sua esposa Bess de Hardwick.
No que tange aos planos conspiratórios de Mary Stuart como retratados no filme, é possível encontrar outras deturpações. A tentativa de matar Elizabeth, cometida pelo jovem Anthony Babington, com uma pistola rudimentar, enquanto a rainha orava no altar da Catedral de São Paulo, não é real. Anthony Babington, de fato, planejou esse atentando, mas nunca o realizou, pois foi descoberto antes. Tal ardil foi usado depois como prova no julgamento de Mary Stuart por traição e conspiração.
Maria foi implicada na Conspiração de Babington e foi presa em 11 de agosto de 1586, sendo levada até Tixall e depois para o Castelo de Fotheringhay, chegando em 25 de setembro, e foi colocada sob julgamento em outubro diante um juri formado por 36 nobres pela acusação de traição de acordo com Decreto pela Segurança da Rainha. Suas últimas palavras foram "In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum", ou "Em tuas mãos, ó Senhor, entrego meu espírito".
Já a cena da execução da monarca escocesa, é perfeitamente fiel aos registros históricos disponíveis. Os relatos que chegaram aos nossos dias dão conta de que, de fato, Mary foi despida do pesado vestido preto, revelando uma anágua de veludo e um par de luvas de vermelho-marrom (as cores católicas do martírio) com um corpete de setim preto e enfeites também pretos, abaixando sobre o bloco de madeira, olha para o trono vazio, depois para o machado do verdugo (que se ajoelha aos pés de Mary e pede perdão, ao que ela concede) e, finalmente, aceita resignada seu destino de mártir católica.
Porém, ao contrário do que é narrado no filme, não foi a sua morte a razão para que Felipe II declarasse guerra à Elizabeth, pois a Espanhola, aliada à Portugal, deu início à guerra contra a Inglaterra (aliada da Holanda) devido há conflitos anteriores e latentes entre as duas grandes potências da época. A frota naval inglesa, ao contrário do que o filme mostra, não sofreu nenhuma baixa em seus navios, nem mesmo o corsário Walter Raleigh teria tido tamanha importância na vitória inglesa.
Enfim, filme com qualidades ténicas impecáveis (figurinos, direção de arte, maquigem, cenários, fotografia), grandes atuações (especialmente da protagonista), mas que, ao meu ver, perde pontos pela pouco fidelidade histórica e pela narrativa convencional, repleta de clichés, e que emula, em muitos aspectos, a estrutura narrativa do filme anterior.
"Você entendeu a parte que diz que a ciência não prova nada?", diz, em certo momento, uma mãe ao seu filho Levi, de cerca de 12 anos. Levi, assim como seu irmão, tem aulas em casa, com os pais, que optaram por não matricula-los em escolas. A mãe justifica dizendo que não nenhuma passagem na Bíblia dizendo que os pais devam entragar seus filhos, 8 horas por dia, para serem ensinados fora de casa. Em seguida Levi diz: "Eu acho que Galileu fez a coisa certa escolhendo Deus em vez da ciência."
Esqueçam, portanto, os filmes de Terror. Esse é de longe a coisa mais assustadora que já assisti. Nesse brilhante e impactante documentário, as diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady revelam a rotina de um acampamento para evangelização de crianças e adolescentes cristãos no EUA.
As cenas da lavagem cerebral e da tortura emocional e psicológica às quais meninos e meninas são submetidos é totalmente chocante pra o espectador que tiver o mínimo de bom senso. Apesar disso, é um filme obrigatório para se debeter o fanatismo religioso e as ameaças à laicidade do estado.
Em certo momento do filme, a pastora Becky Fischer, criadora do acampamentos "Crianças em Chamas" (sim, esse é o nome), localizado, ironicamente, em Devil's Lake (ou Lago do Diabo), na Dakota do Norte, diz ao cinegrafista: "Eu posso ir em um playground de crianças que não sabem nada sobre o cristianismo, levá-los para o Senhor em questão de [pausa] apenas pouco tempo... e poucos minutos depois, eles já começam a ter visões e ouvir a voz de Deus, porque eles [as crianças] são tão abertos. Eles são tão úteis no cristianismo!"
Tal afirmação diz muito sobre o caráter opressor e manipulador que a catequização realizada por Becky tem sobre essas crianças, adolescentes e até mesmo adultos. No começo do documentário, ela diz: "Não é de admirar, com esse tipo de treinamento intenso e disciplinado, que esses jovens estão prontos para se matar pela causa do Islã. Eu quero ver os jovens que estão tão comprometidos com a causa de Jesus Cristo como aqueles jovens estão à causa do Islã. Eu quero vê-los colocando radicalmente as suas vidas para o Evangelho como eles fazem no Paquistão, em Israel, na Palestina e 'todos esses lugares diferentes, você sabe, porque temos... desculpe-me, mas nós temos [referindo-se às crenças cristãs e à Bíblia] a verdade!"
Ao final do documentário, o pastor Ted Haggard proclama aos seus fiéis: "Nós decidimos que a Bíblia é a palavra de Deus. Não precisamos fazer uma Assembléia Geral sobre o que acreditamos. Está escrito na Bíblia. Por isso não precisamos debater o que pensamos sobre as relações homossexuais. Está escrito na Bíblia.". Em outro momento, após culto, ao falar com entusiasmos sobre os crescimento vertiginoso de cristãos nos EUA, ele diz ao cinegrafista: "Se os evangélicos votarem, eles determinarão a eleição".
Tendo isso em mente, lembrem-se que Feliciano e Bolsonaro defendem projeto de lei que previa o ensino de Criacionismo nas escolas. Lembrem-se que eles, assim como outros membros da Bancada Evangélica, usam a Bíblia como argumento para barrar leis favoráveis à união homoafetiva e o aborto. Lembrem-se que o projeto de lei Escola sem Partido, além de proibir o debate de temas políticos em sala de aula, também proíbe a abordagem de assuntos como Diversidade Religiosa.
Essa realidade, portanto, aparentemente distante de nós brasileiros, é na verdade uma ameaça cada vez mais presente, se nos lembrarmos dos discursos de pessoas como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro (que recentemente passou a integrar a Bancada Evangélica e filiou-se o PSC, o Partido Social Cristão), Magno Malta, Eduardo Cunha, entre outros. O Estado Laico e o direito à diversidade religiosa e sexual estão seriamente ameaçados pelo crescimento desse tipo de vertente religiosa fanática e pela sua intromissão - cada vez mais determinada - na política.
"- Por que está usando essa fantasia estúpida de coelho? - Por que você usa essa fantasia estúpida de homem?", é um dos diálogos entre um homem inexpicavelmente fantasiado de coelho e joven Donnie Darko em uma das cenas do filme.
O filme é, ao meu ver, uma releitura das histórias de super-heróis, como nos mais recentes Corpo Fechado (2000) e Drive (2011), questionando como seria se realmente existisseem algumas pessoas dotadas de super-poderes. No caso, Donnie é um adolescente que descobre ter o poder de viajar no tempo e de alterar eventos ocorridos no passados, mas a falta de domínio sobre esse poder faz com que ele às vezes gere consequencias que ela não conseguirá controlar.
Em uma cena do filme, quando ele salva a namorada dos valentões da escola, um deles o interpela: “- Donnie Darko. Que tipo de nome é esse? Parece nome de super-herói." E ele responde: "- Porque acha que eu não sou?”. Importante também é o que a professora em certa cena "a linha vital é dividida em dois pólos extremos: medo e amor.". E em uma conversa com a psicóloga ele afirma que "toda criatura viva na terra morre sozinha" que seu maior medo é estar sozinho.
Ao final, ele decide voltar no tempo e, em vez de sair do seu quarto no momento em que a turbina do avião o atinge, ele prefere ficar e se sacrificar para salvar ou poupar a vida de sua namorada, que morreu (ou morreria, no futuro) se o tivesse conhecido, num acidente envolvendo o homem vestido de coelho. Ele escolhe enfrentar o medo e opta pelo amor: prefere se sacrificar a viver com a culpa da morte da mulher que ama e da dor de viver sem ela, sozinho.
Em tempos como os que agora vivemos, no qual a extrema direita, com todo o seu caráter reacionário, ganha força, e vemos tentativas de reescrever a história e manipular fatos por parte de grupos revisionistas, o trabalho da diretora Anita Leandro nesse filme se faz imprescindível.
Os reacionários dessaa direita (encabeçada por gente como Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e Marco Antonio Villa) se esforçam em, por exemplo, elevar a Ditadura Militar à condição de "revolução democrática" e por colocar ditadores como Costa e Silva, Geisel, Médice, como heróis, ao passo que tentam vilanizar os grupos verdadeiramente revolucionários, taxa-los como terroristas e manchar a imagem de heróis como Lamarca e Mariguella. Nesse intuito, tentam comparar o torturador Ustra com revolucionários com os revolucionários citados.
Marighella e Lamarca não torturaram ninguém, nem desapareceram com nenhum corpo. Marighella e Lamarca não mataram porque essa era sua profissão, como Ustra. Marighella e Lamarca não eram funcionários do terror, como Ustra, não trabalhavam para a repressão, nem em prol da manutenção de um regime opressor. Marighella e Lamarca era homens comuns, que se tornaram revolucionários, que foram levados a pegar em armas por viver em um regime opressor e por decidir lutar contra essa opressão.
Ustra é lixo da história. Era um lacaio dos interesses do norte. Torturou, matou e sumiu com os corpos de guerriliheiros e militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil, além de civis que apenas manifestavam discordancia com o regime repressor. Nunca lutou por nada. Apenas fazia o trabalho sujo em nome da manutenção de um status quo injusto. Praticava as violências mais sórdidas com a naturalidade de quem come um prato de macarrão. É como, no conceito proposto por Hannah Arendt no livro Eichman em Jerusalém", um funcionário do terror, para o qual o mal era uma mera formalidade, uma mera ação burocrática.
Em um regime de exceção, como foi a ditadura, as noções do que são crime e de qual é o papel da justiça são distorcidas em nome da defesa cega do regime e da repressão aos dissidentes. Terroristas foram os deputados que declararam a cadeira presidencial vazia quando Jango estava viajando. Terroristas eram os jornais da época que associavam Jango à uma ameaça comunista, quando ele não era.
Terrorista era a parcela branca, burguesa, conservadora, cristã e reacionária da sociedade que foi às ruas pedindo intervenção militar, em 64 e em 2015. Terrorista, por fim, foram os militares que tomaram o poder e instauraram o terror por 21 anos. Comparar Marighella (ou Lamarca, ou Che) com Ustra é prova de ignorância histórica, desonestidade intelectual e falha moral.
Não confudam a luta do oprimido, com a fúria do opressor. Não tentem igualar um revolucionário a um reacionário. O revolucionário luta pela liberdade, enquanto o reacionário se opõe vigorosamente à ela. Um revolucionário está disposto a sacrificar a própria vida em nome dela, enquanto o reacionário está diposto à sacrificar a vida de outros para não concede-la a ninguém.
Esse, portanto, é um importantíssimo documentário sobre a Ditadura Militar, baseado em documentos que ficaram décadas guardados em sigilo, e que foram abertos pella primeira vez após a criação da Comissão da Verdade. Eu tive a honra de comentar na semana passada, quando exibido no Cine Vila Rica, aqui em Ouro Preto, MG, e responder à perguntas da platéia, por ocasião da Mostra "Cinemas em Rede".
Hoje, dia 17 de Maio de 2016, a Embaixada brasileira em Paris cancelou a projeção de "Retratos de identificação", sob a alegação de que o filme trata de um "assunto espinhoso". A projeção, seguida de debate, estava prevista para 31 de maio, na Embaixada, havia sido organizada pela Associação Alter'Brasilis. Segundo os organizadores, o cancelamento da sessão foi feito por telefone, poucos dias após José Serra assumir o Ministério das Relações Exteriores, teve sua exibição suspensa sob a alegação de "tratar de assunto espinhoso". Onde vamos parar? Quando será decretado o próximo AI-5?
O cinema de Haneke se constrói invariavelmente sobre a exploração de dois temas: a violência e suas diferentes formas (física, verbal, simbólica, psicológica, cultural) e a oposição e o interno e o externo entendido como espaços ou lugares, nos quais essa violência toma forma.
Em A Professora de Piano, a violência aparece na relação destrutiva da protagonista Erika (na monumental atuação de Isabelle Huppert) com sua mãe (uma figura castradora contruída no molde freudiano clássico), dela consigo mesma, dela com seus alunos e, posteriormente, dela com o jovem Walter Klemmer.
O estudo de personagem que Haneke propõe com seu filme é a dissecação implacável de sua protagonista - e aí temos também um tipo de violência que, na exploração que ele faz do voyerismo do espectador que assiste tudo mais ou menos passivamente, é amplificada.
Erika é uma pessoa fria, dura, ríspida e aparentemente incapaz de demonstrar sentimentos como carinho, amor, afeto. O modo como lida com seus alunos, podando seus talentos em vez de fomentá-los, é o mesmo como - somos levados a concluir - sua mãe lidava com sua sexualidade no tempo em que ela entrava na puberdade: o talento alheio é proibido assim como a própria sexualidade.
Logo no início do filme e mãe interpela a filha criticando-a por dedicar seus talento à outras pessoas e adverte-a para que não permita que ninguém a supere ou suplante. Logo, do mesmo modo que a sexualidade da filha, para a mãe, era uma ameaça ao seu desejo de dominação e obsessivo controle; o desabrochar do talento dos alunos também coloca em risco a relação de submissão e o sentimento de inferiodade deles em relação à ela.
E a dureza, a frieza, a indiferença e austeridade demonstrados por Erika, ao longo do filme, vão se revelando como um muro construído por ela para esconder seus desejos mais obscuros. Desejos sexuais que, de tão reprimidos e violentados transmutaram-se em perversões - ao menos, é o como os moralista os definiriam, uma vez que os desejos sexuais fogem ao que o senso comum estabeleceu como "normal".
Com relutância é que Erika, ao poucos, permite que esse seja derrubado ou transposto pelas investidas de Klemmer: ele é o invasor, o elemento externo que adentra o ambiente interno que se quer a todo custo defender e manter incólume, tal qual os jovens sádicos que invadem a paz da família perfeita em Violência Gratuita (Funny Games, 1997 - 2007), ou o tempo, a velhice e o fim, elementos estranhos que invadem a casa (metáfora do amor e da relação construído ao longo de décadas) onde vive um casal de idosos em Amor (Amour, 2012).
A incapacidade de Klemmer em ama-la verdadeiramente, isto é, aceitando-a como ela é, com sua forma estranha de experimentar a sexualidade, em vez daquela figura idealizada que ele construiu, fere Erika mais do que todas a violências que ela tenha infligido a si mesma, ou que ela tenha sofrido de sua mãe. É então que Erika sofre uma violência que ela não pode suportar ou controlar, pois agente da dor é outro, em vez dela mesma.
Nenhuma dor se compara àquela de sermos rejeitados e desprezados por aqueles raros escolhidos aos quais, com temor e resistência, permitimos entrar em nosso cômodos mais secretos onde nossas feras inconfessáveis jazem aprisionadas.
A Mosca
3.7 1,0KTodos os filmes do Cronenberg falam de personagens que estão escondendo algo de si e que, ao longo da trama, passarão por uma transformação ou metemorfose na qual eles deixarão de ser o que aparentam para se tornar ou revelar o que - ou quem - realmente são.
Se em Marcas da Violencia (A History of Violence, 2005), ele apresenta um protagonista, Tom Stall (Viggo Mortensen), que, debaixo da superfície de um pacato pai de família do interior, esconde um passado violento; em Senhores do Crime (Eastern Promisses, 2007), ele apresenta um personagem diamentralmente oposto, Nikolai ( também interprerado por Viggo Mortensen), um capanga de máfia que por trás de sua aparente violencia e brutalidade, esconde uma outra faceta.
Em Crash - Estranhos Prazeres (Crash, 1996), do diretor nos apresenta James Ballard (James Spader), um pai de família aparentemente ''normal'' e ''careta'' que, após se envolver em um acidente automobílistico, acaba descobrindo e se entregando a fetiches sexuais um tanto perigosos. Já em Madame Butterfly (M. Butterfly, 1993), temos Rene Gallimard (Jeremy Irons) é um diplomada francês a serviço em Pequim que se apaixona pela cantora Song Liling, mas ela também guarda um segredo.
Neste filme A Mosca ele leva esse pressuposto até o limte para mostrar como o ser humano, apesar de se pretender um ser racional e civilizado, não passa de um animal, sujeito a instintos e necessidades básicas. O cientista brilhante, Seth Brundie (Jeff Goldblum), que inventa uma máquina de teletransporte mas que, por causa de um acidente em uma experiencia na qual ele se colocou como cobaia, vai aos poucos se tornando uma mosca gigante, talvez seja o Cronenberg mais explícito.
A Qualquer Custo
3.8 803 Assista AgoraJeff Bridges está ótimo no papel do xerife prestes a se aposentar, e, apesar das semalhanças com o personagem de Tommy Lee Jones em Onde os Fracos não tem Vez (No Country for Old Man, 2008), consegue compor um personagem diferente, com a mesma melancolia, mas com um pouco mais de humor. Aliás, o filme de David Mackenzie guarda muitas semelhanças com o formidável western tardio dos irmãos Coen, mas é um filme com alma própria e que vale a pena ser visto.
Interessante é como o filme contrapõe a relação de parceria ou fraternidade entre os irmãos Tanner e Tobby Howard (Ben Foster e Cris Pine, respectivamente), e entre o xerife Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e seu parceiro Vernon Teller (Amber Midthunder). Enquanto relação entre os irmãos assaltantes de banco é, em sua superfície amistosa e afetiva, mas no fundo autodestrutiva e violenta, a relação entre os dois ''homens da lei'' é inversa, entre o que aparenta na superfície e o que guarda no fundo. Em qual das duplas há a verdadeira ''irmandade''?
Outro ponto interessante que o filme aborda é o que cada um é capaz de fazer para ajudar e dar o melhor para aqueles que ama, ou seja, quais são os riscos que cada um está disposto a correr, os limites que estamos dispostos a ultrapassar, em prol de quem amamos.
O filme está indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama, e Jeff Birdges foi indicado como Melhro Ator Coadjuvante no Globo de Ouro e no SAG, com fortíssimas chances de ser indicado ao Oscar.
[Mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
Um Olhar do Paraíso
3.7 2,7K Assista AgoraEsse, ao lado de Olga, Moulin Rouge, Austrália e O Menino do Pijama, é um daqueles filmes que eu não entendo como alguém consegue gostar. Geralmente seus apreciadores argumentam que ''ele tem uma fotagrafia linda'', por exemplo. Afirmação da qual eu discordo veementemente. Não ele não tem uma fotografia linda, nem foda, nem espetacular. Ele tem imagens coloridas de campinas ao por do sol, por exemplo, quando a protagonista está no Limbo, mas a fotografia é apenas mediana. Fotografia, aliás, em cinema, é um pouquinho mais complexo do que apenas um enquadramento bonito ou imagens plasticamente belas.
E mesmo que tivesse, o filme se resumiria a isso, com imagens que impressionam certo tipo de espectador (não é o meu caso, felizmente), mas que se revela apenas uma tentativa de mascarar certo vazio, certa carencia de consistencia e substancia. São ''estripulias'' visuais, que tentam compensar o fato de o filme não ter muito a oferecer, semelhante ao que acontece em outro filme muito parecido e tão ruim, colorido e piegas quanto esse Um Olhar do Paraíso, e que também trata da vida após a morte, chamado Amor Além da Vida, com Robin Williams.
O final confortante deste Um Olhar Paraíso é outra suposta qualidade apontada por quem é fã dele. Ao meu ver, é o maior problema que ele apresenta, pois irmana-o a um livro de auto-ajuda - genero literário pelo qual tenho total repulsa e ojeriza. A única qualidade é a atuação de Stanley Tucci como o assassino, enquanto Saoirse Ronan, que está em seu pior momento como atriz. Sem falar em Mark Whalberg, que já não é grande coisa e nesse filme está totalmente perdido. Por fim, a cena em que o assassino morre é tão mal feita, que chega a ser risível.
Enfim, nem parece que o diretor por trás dessa obra vergonhosa é Peter Jackson, da excelente Trilogia O Senhor dos Anéis, que eu amo. Definitivamente, é o ponto mais baixo de toda a sua carreira, mesmo com a Trilogia O Hobbit, que é bem inferior a outra trilogia, mas ainda assim é bem melhor que este filmeco aqui.
O Menino do Pijama Listrado
4.2 3,7K Assista AgoraNão entendo como as pessoas possam gostar tanto desse filme, havendo outro tão superiores em todos os sentidos tratando dos mesmo temas, isto é, holocausto, anti-semitismo e nazismo. Filmes como A Lista de Schindler (Schindler's List, 1993), A Escolha de Sofia (Sophie's Choice, 1982), O Pianista (The Pianist, 2002), de Roman Polanski, O Diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank, 1959), de George Stevens, Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990) e Na Escuridão (W ciemności, 2011), ambos de Agnieszka Holland, Os Falsários (Die Fälscher, 2007), de Stefan Ruzowitzky, ou O Filho de Saul (Saul Fia, 2015), merecem muito mais o apreço e a veneração que este filme medíocre, piegas, maniqueísta e desonesto dirigido por Mark Herman.
Este superestimado drama é maniqueísta e desonesto pois pretende, por meio da amizade entre o menino alemão Bruno (Asa Butterfield, sem carisma e inexpressivo, como sempre) e o menino judeu Shmuel (Jack Scanlon), passar ideia que na Alemanha a população civil não sabia do que se passava nos campos de concentração, de que o partido nazista e a SS escondiam do povo o exterminínio dos judeus, quando na verdade a população sabia e a maioria ou concordava e apoiava, ou fingia que não era algo importante.
Nas escolas alemãs, a partir da ascenção de Hitler ao poder, em 30 de janeiro de 1933, permanecendo até 30 de abril de 1945, último ano da Segunda Guerra, as crianças alemãs eram ensinadas a odiar os judeus. Tendo o personagem Bruno 8 anos quando o filme se passa, em 1940, significa que ele crescer e foi educado em uma sociedade na qual o ódio aos judeus era tão comum quanto a tradição brasileira de comer arroz com feijão.
Na final do filme, a comoção na plateia não é produzida pela morte dos judeus, mas pela morte do menino alemão, ''por engano'', em meio aos prisioneiros daquele campo de concentração. Ou seja, o filme não se esforça por humanizar os judeus e colocar em relevo o processo cruel de desumanização pela qual eles passavam até serem mortos, o que de fato acontecia, se empenhando, em vez disso, por humanizar, por meio do menino Bruno, os carrascos. Na cena final a plateia torce para que Bruno não tivesse sido morto e cai em lágrimas porque descobre que isso aconteceu, já convencida de que a morte de Shmuel fosse algo que, pela sua previsibilidade, fosse normal e aceitável. O filme, portanto, presta um desserviço histórico e moral, e é um desperdício de recursos cinematográficos.
Colheita Amarga
3.7 6A cineasta polonesa Agnieszka Holland ficou conhecida internacionalmente por este filme duro e sombrio passado durante a Segunda Guerra Mundial, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Este Colheita Amarga (Bittere Ernte, 1985) aborda a questão do anti-semitismo, da perseguição e do extermínio de judeus pelos nazistas nos territórios controlados por eles na Europa, temas recorrentes em sua filmografia, especialmente nos filmes Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990), indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, e o meu preferido Na Escuridão (W ciemności, 2011), também indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O filme, estrelado pelo grande Armin Mueller-Stahl (Coronel Redl, Muito mais que um Crime, Shine) acompanha a crise moral e de identidade pela qual o polones Leon Wolny, que abandonou o sonho de ser padre para cuidar da granja da família após a morte do pai, passa ao tentar esconder uma mulher judia, Rosa Eckart, que conseguiu fugir de um trem que levava prisioneiros dos guetos de Varsóvia para os campos de concentração.
No entanto, fugindo do lugar comum desse tipo narrativa histórica já tão explorada pelo cinema em filmes de países e diretores tão diversos, Agnieszka vai fundo ao explorar a falta de escrúpulos desse suposto herói, que abusará de forma mesquinha de sua prisioneira. Cabe aqui notar que esta, interpretada por Elisabeth Trissenaar, apesar de resistir no início, aos poucos cederá, o que pode revelar, ao meu ver, uma ''Síndrome de Estocolmo'', na medida em ela se torna vítima desse algoz travestido de herói e mesmo assim se afeiçoa a ele.
O final é impactante e após a última cena, na qual o protagonista recebe uma carta, a indagação que o filme nos deixa é a seguinte: será que todas essas histórias de pessoas que, por alguma razão foram alçadas a figuras heróicas, fazem realmente jus a este título? Será que estes supostos heróis são mesmo exemplos de moralidade e de humanidade? Eis a questão.
Procurando Dory
4.0 1,8K Assista AgoraO filme é todo simultaneamente comovente, nostalgico e engraçadíssimo. Fico fascinado com a capacidade das mentes por trás dos filmes da Pixar de criar não apenas histórias inteligentíssimas, divertidas e deliciosas, mas personagens irrestíveis, dos protagonistas até os mais secundários. é mpossível não amar os 3 leões marinhos, por exemplo, e rir com as cenas em que eles aparecem.
Quem saiu do cinema logo depois que apareceu ''the end'' e que os créditos começarama subir, perdeu muita coisa. Os filmes da Pixar estão ficando como os da Marvel, com surpresas até o último segundo de projeção.
Syriana: A Indústria do Petróleo
3.3 125 Assista AgoraEsse é um filme que exige muito de quem o assiste. Exige que se tenha atenção, pois a narrativa acompanha diversos personagens, tramas e subtramas, pois os diálogos são rápidos, ferozes, onde o que está subentendido é muitas vezes mais importante do que é explícito. Mas exige, principalmente, conhecimento, do expectador, a respeito de temas densos e complexos como a geopolítica do Petróleo e a história do Oriente Médio.
O filme acompanha 4 personagens ''principais'': o agente da CIA Robert Baer (George Clooney), o analista especialista em recursos energéticos Bryan Woodman (Matt Damon), o advogado Bennett Holiday (Jeffrey Wright), e Wasim Ahmed Khan, imigrante paquistanês em busca de trabalho (Mazhar Munir).
Baer é um agente especializado em questões relativas ao Oriente Médio, que trabalhou anos no Irã, ajudando a criar, treinar e financiar grupos de oposição ao regime teocrático nacionalista implantado pelo Aiatolá Khomeini após a Revolução Iraniana de 1979. Atua também tentando impedir o tráfico ilegal de armas no Oriente Médio, a acaba tendo de investigar o roubo de mísseis ultramodernos (o Stinger MANPADS).
Woodman, que é casado com Julie (Amanda Peet), acaba se tornando amigo e principal conselheiro como o príncipe Nasir Al-Subaai (Alexander Siddig), um príncipe e ministro das Relações Exteriores de um dos Emirados Árabes, que é o primeiro filho do Emir, que vive na Riviera Francesa. Tendo em vistas a saúde debilitada e a idade avançada do pai, o príncipe Emir, já se preparar para, como primogenito, assumir seu o governo de seu país em seu lugar. Contudo, seus planos de nacionalizar as o petróleo, estatizar as refinarias em seu país e buscar a independecia em relação ao ocidente, desagrada muitos interesses, o que coloca em risco não apenas a sucessão, mas também sua vida.
Bennett trabalha para um escritório de advocacia e encarregado de investigar uma denuncia de corrupção cometida por um executivo da empresa petrolífera Killen, que durante o filme está em processo de fusão com a Connex, outra companhia do setor, visando tornar-se um megaconglomerado do setor. Seu chefe é Dean Whiting (Christopher Plummer), enquanto Jimmy Pope (Christopher Plummer) é um CEO da Killen.
Wasim, por sua vez, é imigrante paquistanês contratado como trabalhador temporário em uma obra da Connex em um Emirado Árabe, no Golfo Pérsico, que, após se ver desempregado, acaba sendo cooptado por um grupo extremista islamico, que tenta convence-lo a atuar com suicida num atentado terrorista.
Para entender a geopolítica do Petróleo e como a disputa pelas reservas desse combustível fóssil influiu decisivamente na história do Oriente Médio nos últimos 200 anos, é preciso conhecer, por exemplo a história ''Sete Irmãs'', ou seja, as 7 empresas petrolíferas mais poderosas da história: a BP, ou British Petroleum, a Shell, a Gulf Oil, a Texaco, a Chevron, a Mobil e a Esso. No filme, essas empresas reais são representadas pelas fictícias Connex e Killen.
Comecemos pela Stardart Oil Company, fundada por John D. Rockfeller, que possuía 3 subdivisões. A Standard Oil of New Jersey (Esso); a Standard Oil of New York (Socony); e a Standard Oil of California (Socal). Posteriormente essas 3 empresas formaram a Exxon, a Mobil e a Chevron, que incoporou a Gulf Oil e posteriormente se fundiu com a Texaco. A Exxon se fundiu com a Mobil, atualmente, ExxonMobil.
A Anglo-Persian Oil Company (APOC), que mais tarde passaria a se chamar British Petroleum Amoco, ou BP Amoco, foi fundada pelos britanicos na antiga Pérsia, atual Irã. Atualmente é conhecida apenas pelas iniciais BP. A Texaco, por sua vez, foi fundada em 1901, nos EUA, com o nome de The Texas Company. Os fundadores eram Joseph Cullinan, Arnold Schlaet, Thomas Donahue e Walter Benona Sharp.
A Gulf Oil foi fundada em 1901, em Pittsburg. Nos anos 1980 foi vendida e incorporada por outras empresas. A Gulf era a oitava maior empresa em produção de petróleo em 1941 e a nona maior em 1979. Posteriormente a Gulf Oil foi absorvida pela Chevron, que posteriormente fundiu-se com a Texaco, formando a ChevronTexaco de 2001 até 2005, quando o nome da companhia voltou a ser apenas Texaco. Assim, as Sete Irmãs acabaram tornaram-se apenas quatro: ExxonMobil, ChevronTexaco, Shell e BP. Essa fusão entre essas empresas é representada no filme por meio da fusão entre a Connex e a Killen.
Formando um verdadeiro e poderoso Cartel, essas poderosas empresas traçaram e colocaram em prática planos de controle do mercado (exploração/extração, refinamento, transporte, distribuição/comercialização) mundial de petróleo, bem como estratégias de apoio ou acordos com governos, para garantir o acesso a reservas e mercados consumidores, e também evitar a concorrencia. Nisso, os governos britanico, estadunidense e frances tiveram grande participação e grandes lucros.
Nas décadas seguintes dos séculos XX e XXI, essas gigantes empresas do petróleo estiveram por trás de todos os conflitos no Oriente Médio. Em 1912 foi construída no Irã, que então se chamava Pérsia, a refinaria de petroléo de Abdan, controlada pelos britanicos. Em 1925 o oficial do exército Reza Pahlavi, por meio de um Golpe de Estado, com apoio britanico, assume o poder, instaura uma ditadura, tornando-se o Xá. Durante a Segunda Guerra, o Xá demonstra apoio aos Nazistas. O país é invadido por tropas britanicas e soviéticas e o Xá abdica em nome de seu filho, Mohamed reza Pahlavi, que se torna o novo Xá, em 1941.
Impopular, a ditadura do novo Xá enfrenta revoltas populares e é pressionado assim a nomear o parlamentar Mohamed Mossadegh como primeiro-ministro. Nacionalista, ele inicia um programa de nacionalização do petróleo e estatização das refinarias. As revoltas populares contrárias ao Xá e ao domínio estrangeiro, e em apoio a Mossadegh aumentam. Os britanicos e o Xá são expulsos do país em 1951. Em 1953 a Marinha Britanica fecha os portos do país, e as potenciais ocidentais impõem pesadas sanções, proibindo a comercialização do petróleo iraniano. A CIA inicia a Operação AJAX, que derruba Mossadegh, devolve o poder o Xá, prende e persegue opositores, especialmente comunistas. Em 1967, Mossadegh morre de cancer na prisão.
No filme, Bryan Woodman (Matt Damon) frequentemente compara o príncipe Nasir Al-Subaai (Alexander Siddig) com Mossadegh, pelo seu interesse em tornar seu país autonomo e independente, em fazer com que o petróleo tão abundante seja usado em benefício de seus habitantes. O agente Robert Baer (George Clooney) por seu turno, acaba descobrindo que ''há algo de podre no reino da Dinamarca'', digo, dos EUA, e é ''tirado de campo'' pelos dirigentes da CIA e perseguido. No fim, descobre planos para matar o futuro Emir e tanta alerta-lo. No entanto, tal como aconteceu com Mossadegh no Irã na década de 1950, os planos do príncipe Nasir serão frustrados por uma intervenção militar estadunidense.
O título do filme refere-se a questão da ''Pax Syriana'', que seria ''um estado necessário de paz entre a Síria e os EUA'' na exploração e no comércio do petróleo. Em uma entrevista dada a NPR, no ano em que o filme foi lançado, Robert Baer, autor do livro, disse que o título é uma metáfora para a intervenção estrangeira no Médio Oriente, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, que visavam garantir às potencias ocidentais a continuidade do acesso ao petróleo local.
O Palhaço
3.6 2,2K Assista AgoraNão são raros os filmes se ocupa de retratar o quotidiano de artistas ou os bastidores de diferentes manifestações artísticas, sem necessariamente constituirem-sem em relatos biográficos. É o caso do teatro, descortinado em filmes soberbos como Fatalidade (A Double Life, 1947), A Malvada (All About Eve, 1951) e Birdman (Birdman, 2014); ou do próprio cinema, desvelado em filmes brilhantes como Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), Oito e Meio (8½ di Fellini, 1963) ou A Noite Americana (La Nuit Américaine, 1973); ou o circo, retratado em filmes como O Circo (The Circus, 1928), O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) e este O Palhaço (2011).
Confesso que posterguei o quanto pude o ato de assistir a essa segunda incursão de Selton Mello na direção de um longa-metragem, no intuito de ve-lo sem expectativas, uma vez que foi muito falando quando de seu lançamento. Minha conclusão é que, apesar das qualidades, como a trilha sonora, os figurinos e a fotografia, o filme é apenas mediano. Bem intencionado, mas superestimado.
O roteiro é ótimo, bem amarrado e deliciosamente elíptico, estabelecendo constantemente vínculo entre cenas e diálogos do filme (o ditado sobre o gato beber leite e o rato comer queijo, por exemplo). O problema, porém, é a direção insegura de Selton Melo, que não consegue conferir um ritmo fluido ao filme, que am alguns momentos ''deslancha'', mas na maioria deles fica ''estancado''.
Na condução da narrativa se mostrou indeciso entre manter o foco no seu protagonista, o palhaço Benjamin (por ele mesmo interpretado), e a menina Lola (papel de Larissa Manoela). Sua atuação também é problemática, forçadamente e pretensamente minimalista, mas demasiadamente vacilante.
Os pontos altos, ao meu ver, são as cenas com os grandes Tonico Pereira, com os irmãos Beto e Deto, e Moacyr Franco como o delegado que adora queijos e é devotado ao seu gato Lincoln.
Garapa
4.3 153 Assista AgoraA certa altura do documentário, o patriarca de uma das 3 famílias cujas rotinas são acompanhadas pelo diretor José Padilha diz: "Tenho 38 anos e nunca na minha vida eu tive merenda [café da manhã], almoço e janta no mesmo dia". Sua esposa, em certo momento, quando perguntada sobre o que eles irão comer no jantar, explica que, se eles jantarem, no outro não terão o que comer no almoço. Em outro momento, uma mãe conta que frequentemente chora quando algum dos seus 11 filhos pede algo para comer e ela diz que não tem nada para lhe dar. Quando perguntada sobre sua idade, ela diz que não sabe quantos anos tem. Só sabe que ainda não fez 30 anos. Seu marido, quando perguntado se ele não teme ter mais filhos e se não pensa na dificuldade que seria para alimentar ainda mais bocas, ele responde, em sua simplicidade que ''Deus dá''.
Essas cenas narradas, capazes de deixar muitos de nós (pelos os mais humanos e menos cínicos) com um nó na garganta e um aperto no peito, são apenas parte da realidade cotidiana não apenas das 3 famílias documentadas, mas também das milhares de outras famílias que, ainda hoje, encontram-se em situação similiar.
Apesar do filme ter sido lançado em 2009, ele foi filmado antes de 2003. O Bolsa-Família foi implantado em outubro de 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Medida Provisória, e promulgado como Lei Federal em janeiro de 2004. Tecnicamente denominado ''mecanismo condicional de transferência de recursos'', quando criado, esse programa governamental de distribuição de renda passou a unir 4 outros programas similares pré-existentes: o Bolsa Alimentação e o Bolsa Escola (que compunham o Programa Nacional de Renda Mínima, criado por FHC), o Programa Auxílio-Gás e o Fome Zero (vinculado ao Programa Nacional de Acesso à Alimentação, criado por Lula em janeiro de 2003). O Bolsa Escola e Fome Zero é que são citados pelas famílias cujas vidas precárias são retratadas nesse documentário.
Pra que uma família possa tornar-se beneficiária do Bolsa-Família ela precisa encaixar-se em certo patamas socioeconômico, como possuir renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00, ser composta por gestantes e/ou crianças ou adolescentes com idade entre 0 e 17 anos, além de atender á exigência de manter essas crianças e adolescentes, a partir dos 6 anos de idade, matriculados e frequentando a escola pública. No caso das gestantes beneficiadas, elas precisam e façam o acompanhamento de saúde das gestantes e lactantes, elas devem estar com a vacinação em dia. No final de 2015, o valor médio recebido pelas famílias cadastradas era de R$ 176,00 mensais.
No ano de 2006, mais de 11,1 milhões de famílias já estavam cadastradas no programa, totalizando cerca de 45 milhões de beneficiários. Os gastos federais para manter tais números, nesse ano, eram de 8,2 bilhões de reais, correspondendo a meros a 0,4% do PIB do país. Como consequencia, entre 2003 e 2016, a pobreza extrema registrou uma queda de 75% no Brasil, de acordo com dados da FAO e do IBGE.
O documentário se abre com duas citações do Geógrafo pernambucano Josué de Castro, autor do seminal de ainda atual e urgente livro Geografia da Fome escrito em 1947. Encerro esse meu comentário com duas outras frases dele que não aparece no filme: ''O que falta é vontade política para mobilizar recursos a favor dos que têm fome'' e ''Existem 2/3 de pessoas que não dormem porque sentem fome, e 1/3 de pessoas que não dormem por medo dos que sentem fome''.
A Pessoa é para o que Nasce
4.1 64Difícil não se encantar com as 3 irmãs cegas de Campina Grande, Paraíba. O documentário que as retrata consegue ser comovente e tocante sem ser piegas ou lacrimoso, cheios de momentos divertidos, e outros que te fazem refletir. A dignidade com a qual essas irmãs levam sua vida, encaram e superam suas dificuldades, é enriquecedor.
Ao final, percebemos que, independente daquilo que nos difere - sermos cegos ou videntes, homens ou mulheres, ricos ou pobres, brancos ou pretos... - somos humanos, demasiado humanos, e isso nos coloca num mesmo nível existencial.
Todos vamos amar, muito embora nem sempre sejamos correspondidos; sentiremos ciúmes, guardaremos mágoas e rancores, aprenderemos ou não a perdoar; conheceremos ou não a glória, mas ela não durará para sempre; estaremos sujeitos a doses mais ou menos equivalentes de decepções e satisfações, enfim.
Ser cego ou enxergar, não necessariamente fará com que nossa caminhada seja mais fácil ou difícil. Afinal - como as próprias irmãs diriam - quem enxerga a casca nem sempre é capaz de dizer o que há no miolo. Por mais que seja inegável o fato de que nascer fisicamente ''perfeito'', ter economicamente mais recursos e pertencer socialmente aos grupos privlegiados, tornem a vida mais fácil, não há nada que indique que tais atributos torne a existencia, entendida como experiencia de e do ''ser'', seja menos dolorosa e desafiadora.
Viver, afinal, é apenas parte do existir, e existir não implica estar plenamente consciente desse fato e de suas implicações e consequencias, nem estar munido da sabedoria necessária para aceitar a existencia em toda a sua totalidade e complexidade. E arte - nesse caso a música - tanto pode ser um instrumento que torna a existencia e a vida mais palatáveis, quanto um meio de apreende-las em suas essencias.
Game of Thrones (1ª Temporada)
4.6 2,3K Assista AgoraFico impressionado como o roteiro de Game Of Thrones - e me refiro tanto os livros quanto a série televisiva - é coeso e bem amarrado. No primeiro episódio da 1ª Temporada, os homens da Casa Stark encontram um veado morto na estrada com um ferimento na barriga. Logo depois encontram uma Loba morta na mata próxima, em decorrencia de uma ferida causada pela galhada de um veado. Junto com ela, encontram seus filhotes, que são levados e adotados por cada um dos filhos de Ned Stark, ''Lord of the North''. A partir de uma análise das simbologias e implicações dessa cena, eu desenvolvi a minha ''Teoria dos Lobos'', que apresento a seguir.
O primogenito, Robb Stark, dá ao seu lobo o nome de ''Vento Cinzento''; O de Bran recebe o nome de ''Verão'' enquanto o Rickon, o mais novo dos filhos, dá oa seu lobo o nome de ''Cão Felpudo''. A filha mais velha, Sansa, batiza sua loba de de ''Lady''; a loba de Arya, por vez, ganha o nome de ''Niméria''. Por fim, o bastardo Jon Snow, que ficou com o último dos filhotes a ser encontrado na mata, passa a chama-lo de ''Fantasma''.
Sendo o Lobo o símbolo dos Stark, esse evento pode ser tomado como metáfora ou alegoria para os eventos posteriores na série envolvendo especialmente essa família. Cabe, aqui, lembrar que o veado é o símbolo da Casa Baratheon, da qual o Rei Robert é membro.
A morte do rei Robert, por uma ferida na barriga causada por um javali durante uma caçada, guarda óbvio paralelo com a morte do veado na cena incialmente citada. A morte do veado, desencadeia a morte do lobo e a dispersão de sua prole, assim como a morte do Rei Robert Baratheon é o estopim que culminará na morte de Ned e Catelyn Stark e posteriormente na separação e desagregação dos filhos do casal, incluindo o bastardo Jon.
O primeiro dos filhotes da Loba a morrer é Lady, que pertencia á Sansa Stark. Isso pode ser tomado como metáfora do processo de negação de si e de suas origens pelo qual a personagem passará durante boa parte da série, tendo que resignar-se e apagar-se para sobreviver. É como se ela passasse por uma ''morte social''.
O segundo filhote a morrer é o do primogenito Robb. A morte de Vento Cinzento se dá praticamente ao mesmo tempo que a morte de seu mestre, durante o trágico evento que ficou conhecido como o ''Casamento Vermelho''. Cabe aqui lembrar que, durante a guerra entre os nortista liderados por Robb Stark e os sulistas liderados pelos Lannister, Robb e seu lobo eram tidos como inseparáveis, no imaginário popular, e alguns até afirmavam que Robb se transformava em lobo. Após serem mortos, Robb é decapitado e a cabeça de seu lobo é colocada no lugar da sua, por meio de uma estaca.
Entre a morte de Lady e de Vento Cinzento, se dá a fuga e desaperecimento da loba Niméria, prenunciando o futuro destino de sua dona, Arya Stark. Concomitantemente, entre o desaparecimento de Niméria e a morte de Vento Cinzento, é que ocorre a invasão de Winterfell e a consequente fuga de Bran e Rickon com seus respectivos lobos.
Durante a fuga, os irmãos serão separados e só conheceremos o destino de Rickon nos episódios finais da penúltima temporada da série. Neste ínterim, o destino do lobo Verão, de Bran, chega ao fim no momento em que ele assumirá uma nova persona e um novo papel naquele contexto, tornando-se o novo ''Corvo de 3 Olhos'', assim como a morte do ''Verão'' indica o começo do Inverno. Winter is coming.
O único lobo cuja trajetória acompanhamos durante praticamente toda a série é o Fantasma, do bastardo Jon Snow, e que, junto com a desaparecida Niméria, será um dos 2 únicos filhotes a sobreviver. Resta saber se na próxima - e última - temporada, que será lançada em 2017, a loba Niméria reaparecerá, na medida em que Arya (The girl has no name?) retorna a Winterfell e reecontra ou reassume seu nome e suas origens, e se o Jon e seu lobo chegarão vivos até o final.
[Gostou? Leia mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
Barry Lyndon
4.2 400 Assista AgoraEsse filme é mesmo uma obra-prima, e Kubrick o realizou como uma espécie de "prêmio de consoloção" a si mesmo por conta dos obstáculos impostos pelos estúdios para a realização de sua obra mais desejada e nunca realizada, que seria um filme sobre o próprio Napoleão Bonaparte.
Os "traços" marcantes do grande mestre, ao meu ver, podem ser divididos em dois tipos: 1) estéticos ou plásticos; 2) narrativos. Os traços estéticos próprios de Kubrick são, em primeiro lugar, a preferência por enquadramentos e composições de cena simétricos. Eles estão presentes em Barry Lyndon, mas nesse filme ele empregou um recurso que não costumava usar em seus filmes anteriores, uma vez que ele costuma posicionar a câmera quase sempre num ponto fixo, geralmente um pouco abaixo do nível dos olhos dos atores (os contra-plongées, que seriam sua segunda característica estética constante).
Esse recurso, empregado em Barry Lyndon é o uso de zoom-ins e zoom-outs. Uma cena exemplar, nesse sentido, é aquela onde o protagonista está com um machado cortando lenha, e a câmera, partindo de um close na lenha, vai se afastando e o entorno da paisagem começa a fazer parte da cena. Aí vemos que câmera estava posicionada à uma considerável distancia da cena filmada. Tal recurso, por sua vez, apesar de estético, tem uma função narrativa e mesmo um significado semitótico: Kubrick nos quer apontar que o filme é uma reconstituição do passado, mas não uma reconstituição fiel, exata - por mais que haja um esforço considerável nesse sentido em todos os grandes filmes - mas sim um interpretação de um passado a partir de uma perspectiva presente.
Outras características narrativas comuns à Kubrick presentes em Barry Lyndon são:
a) A presença de um protagonista masculino que não pode ser tomado por herói porque possui fortes defeitos morais.
b) O protagonista é um homem que anseia o controle (ou tem a ilusão de controlar) sua vida, seu destino e também aqueles que o rodeiam. Acaba servindo de alegoria ao machismo presente em nossa sociedade.
c) O protagonista não triunfa no final, mas é vencido por algo que ele julgava controlar.
d) As figuras feministas, por sua vez, apesar de aparentemente secundárias, tem sempre papel forte na trama: elas são os elementos que perturbam os protagonistas.
Deixando esses aspectos mais "técnicos" de lado, o filme é de uma beleza ímpar. Os figurinos, a fotografia, os cenários, a direção de arte, a trilha sonora... tudo contribui para que sejamos quase transportados para o passado. A trilha, por sua vez, segue a linha adotada pelo cineasta desde 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de empregar composições já consagradas de compositores clássicos, em vez de contratar um compositor para compor uma trilha original. Isso, ao meu ver, confere ainda mais verossimilhança à obra final que, como eu disse acima, é assumidamente uma "leitura", uma "reinterpretação" do passado.
De fato, depois desse filme, a carreira de Ryan O'Neal entrou em ostracismo. Ele havia atingido o estrelato com Love Story, de 1970, posteriormente participou do filme Lua de Papel, de 1973, no qual contracenou com sua filha prodígio, Tatum O'Neal (a qual foi premiada com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante). Finalmente, em 1975, protagonizou este aclamado fime do mestre Stanley Kubrick.
[Gostou? Acesse meu blog thecinemaniaco.blogspot e leia mais!]
Beasts of No Nation
4.3 831 Assista AgoraFilmes centrados nas histórias de crianças cujas vidas e inocências são devoradas pelo horror da guerra não são raros: dos brutais e colossais Vá e Veja (Idri e Smoti, 1985), de Elem Klimov e a Feiticeira da Guerra (Rebelle, 2011), de Kim Nguyen, aos mais convencionais Esperança e Glória (Hope and Glory, 1987) e Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990), ou mais adocicados, como A Vida é Bela (La Vita è Bela, 1997).
Este Beasts of no Nation (ainda sem título em português, mas cuja tradução mais adequada seria "Monstros sem Pátria") se irmana aos dois primeiros filmes citados, em sua crueza e no fato de, ao longo de sua narrativa, se ocupar em descrever o processo por meio do qual crianças são cooptadas por grupos armados e transformadas em máquinas de matar.
E nesse ponto, o filme do diretor Cary Joji Fukunaga, estrelado pelos ótimos Abraham Attah e Idris Elba guarda muitas semelhanças com Feiticeira da Guerra: ambas as histórias estão situadas em um país africano que passa por uma guerra civil; ambos os protagonistas tiveram suas famílias dizimadas por grupos armados; ambos são cooptados por milícias clandestinas rebeldes e integrados às suas fileiras; ambos os grupos aos quais serão inseridos possuem líderes carismáticos que se revestem de uma aura mística e são cultuados por seus soldados; ambos encontrarão entre seus pares um amigo com o qual estabelecerão um vínculo mais estreito; ambos sofrerão algum tipo de abuso sexual; ambos os filmes são pontuados por narrativas em off dos protagonistas em tom confessional.
Contudo, Beast of no Nation erra onde Rebelle acerta: não mantém o foco no seu protagonista (Attah), desviando-o, em certa altura na narrativa para outro personagem (Idris), e, ao fazê-lo, o que era uma narrativa sólida sobre a inocência perdida torna-se um filme oscilante e indeciso, ao tentar abranger um escopo de discussão mais amplo, incluindo questões políticas e geopolíticas muitíssimo complexas.
Todavia, enquanto filmes como O Último Rei da Escócia (The Last King of Scotland, 2006) segue a linha de usar personagens brancos e ocidentais como as figuras heróicas da narrativa - algo que também pode ser visto em Diamante de Sangue (Blood Diamond, 2006) e Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987) - outros como Feiticeira da Guerra, Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004) e este Beasts of no Nation não cometem esse deslize moral. Não há aqui a figura do homem branco e justo a salvar o negro de sua barbárie, como se o negro (e por consequencia a África) fossem os únicos culpados pela sua situação.
[Gostou? Leia mais no meu blog thecinemaniaco.blogspot]
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraDefinitivamente, esse não é um filme de suspense/terror tradicional. Não espere um filme seguindo fórmulas de gênero. Não espere sustos que te fazem saltar no sofá ou poltrona. Não espere aquele final catártico, onde os mistérios se revelam, o vilão se dá mal e o protagonista se revela algo heróico. Não espere ação, não espere uma montagem frenética, com cortes bruscos, nem por uma trilha que provoque tensão e contribua para construir aquele típico clima onde a expectativa de ser surpreendido se faz onipresente. Em suma; não espere o óbvio.
Esse se eleva acima da média dos filmes desse gênero exatamente por diferenciar-se deles e por buscar romper com os paradigmas estipulados pela industria e pelo público para esse tipo de filme. Ele parecerá lento para os expectadores cuja capacidade de fruição estiver turvada ou limitada por ser pares mais comerciais, como Invocação do Mal e Anabelle, por exemplo. Sua condução, no entanto, se vale de cenas longas (extensos planos-sequencia magistrais) onde a tão afamada "lentidão'' tem como propósito, em vez de pregar sustos cujo efeito é efêmero, produzir no expectador um temor, uma angústia e uma incerteza pelo que virá, que ecoarão por muito mais tempo.
A fotografia, soturna e densa, os enquadramentos ora distantes, ora de um close sufocante, a mise-en-cene habilmente elaborada para sugerir e confundir mais do que explicitar ou revelar, a trilha sonora deveras incomoda, o roteiro que não abrirá espaço para soluções alentadoras ou alívios dramáticos... tudo colobora para o filme se revele uma das obras mais perturbadoras dos últimos tempos. Mérito também do elenco, formado por nomes poucos conhecidos, com destaque para os formidáveis desempenhos da filha mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy), e seu pai Jonas (Lucas Dawson).
A narrativa, baseada em lendas sobre bruxas cuja origem remonta ao princípio da colonização inglesa na América do Norte - contexto histórico e geográfico no qual a história se desenvolve -, bem como em registros de julgamentos de casos de bruxaria, abre espaço para reflexões e discussões sobre temas interessantes: extremismo religioso, delírio coletivo, superstição, machismo, castração (na acepção freudiana do termo), etc.
A reconstituição de época, vista nos figurinos, cenários e mesmo nos diálogos, que procuram recriar o modo próprio de falar daqueles pioneiros, merece também destaque, bem como a direção segura do praticamente estreante Robert Eggers.
Caça-Fantasmas
3.2 1,3K Assista AgoraSemelhante ao aconteceu, no ano passado, em relação aos filmes Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015) ou Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, 2015), recentemente a nova versão para os cinemas de Os Caça-Fantasmas tem sofrido ataques e críticas de cunho misógino por parte de supostos fãs claramente machistas.
Alegações de os filmes, por terem protagonistas feministas, ao contrário de seus antecessores, teriam se transformado em ''peças de propaganda feminista'' ou que a opção por substituir os atores homens por mulheres teria ''descaracterizado um clássico'' foram tecidas às centenas por usuários de redes sociais e sites especializados em cinema.
Alegar que o cinema esteja sendo invadido ou dominado por uma ''ditadura feminista'' é mais um expressão da esquizofrenia social e paranóia político-persecutória que não se via desde os tempos da Guerra Fria. Interessante que, desde a invenção do cinema, a esmagadora maioria do filmes, especialmente os de ação, sempre foi protagonizada por personagens masculinos - no quais as mulheres apareciam como meros adereços sexuais na trama - e nem por isso esse machismo gritante provocou a mesma reação por parte do público feminino - seja feminista ou não.
O que se vê nessas reações, além de uma boa dose de preconceito e uma certa de imaturidade, é uma notória confusão entre memória afetiva e qualidade cinematográfica. As primeiras versões de Os Caça-Fantasmas para o cinema feitas na década de 1980 podem ter marcado a infancia de muitas pessoas - incluindo a minha - mas isso não faz deles um ''clássico'', de modo que o argumento de que a nova versão, protagonizada por mulheres, seja de algum modo nociva ou prejudicial, não se sustenta.
A Árvore dos Tamancos
4.0 33Um filme extremamente humano e profundamente tocante. Ermano Olmi conseguiu, usando como atores camponeses italianos da região do Bergamasco, realizar um filme único, que, apesar de ter sido realizado no final dos anos 70, está completamente embebido na estética e na temática do Neo-realismo - movimento do qual os cineastas Vittorio de Sica e Roberto Rosselini foram os maiores expoentes.
O filme, passado no final do século XIX, e retrada a vida de uma comunidade (no sentido preciso desse termo) camponesa da região da Lombardia, na Itália. No início do filme há uma espécie de prefácio que, na forma de legenda, explica bem o contexto socioeconômico retratado: numa espécie de "cortiço" rural, viviam de 4 a 5 famílias, no regime similar ao de "meeiro". As terras, os estábulos, as árvores, uma parte dos animais de criação (gado, galinhas, porcos, cavalos, patos) e das ferramentas pertenciam ao dono das terras, ao qual as famílias deveriam remeter 2 terços (cerca de 60%) da colheita - que no filme se limitava a milho, trigo e tomates basicamente.
A narrativa é difusa - e isso não é um defeito, pelo contrário. O cineasta opta por narrar paralelamente a vida quotidiana das famílias que dividem aquele espaço e juntas lavram as terras, plantando, colhendo e realizando todas as tarefas típicas de uma rotina camponesa. A trama se desenrola na medida em que os personagens - brilhantemente construídos e perfeitamente interpretados pelos "não-atores" escalados - lidam com os problemas que eventualmente aparecem: um pai relutante em deixar que o filho frequente a escola por precisar de sua ajuda nas tarefas diárias; uma viúva, com 5 filhos para criar, cuja inestimável vaca leiteira adoece repentinamente e que o veterinário recomenda que seja sacrificada; um pai que vive brigando com o filho adolescente que não quer saber de trabalhar; dentre outras efemeridades de vidas que, em essência, não diferem muito das de qualquer ser humano que, como os personagens, não nasceram em "berço de ouro".
O entrecho envolvendo a moeda de ouro me fez rir bastante, enquanto outro, relativo à "árvore do tamanco", que dá título ao filme, me emocionou sobremaneira. Historicamente, é interessantíssimo enquanto reconstituição da vida de uma comunidade rural numa região onde a industrialização - que havia nascido na Inglaterra cerca de 150 anos antes - ainda não havia chegado, e cuja estrutura social e econômica ainda guardava traços feudais.
A falta de uma história central, com começo, meio e fim claramente definidos, ao contrário de ser um defeito - como alguns acusam o filme - é sua maior qualidade. O filme se aproxima da realidade, constituindo-se num híbrido entre ficção e realidade, entre encenação e documentário, exatamente porque consegue retratar a vida como ela é (ou como ela era naqueles tempos), ou seja: uma sucessão de pequenas banalidades das quais a vida de todos nós é feita.
Game of Thrones (6ª Temporada)
4.6 1,6KNa medida em que a série caminha para o que - por enquanto - parece ser o seu desfecho, aumenta nossa expectativa para saber a resposta à grande pergunta: "Quem terminará como senhor do Trono de Ferro?"
Mas, para responder à essa questão - ou aproximar-se ao máximo dela - é preciso tentar responder à outras duas perguntas, que, em geral, aqueles que só tiveram contato com a saga escrita por Martin por meio da TV, desconhecem. Essas perguntas são: Quem é a reencarnação do héroi Azor Ahai? Quem são as Três Cabeças do Dragão?
Às solução dessas questões, vamos também ficando mais perto, obviamente, na medida que as história é contada. De acordo com os livros, Azor Ahai teria sido um herói lendário que viveu durante o período conhecido como "A Longa Noite", há cerca de oito mil anos antes dos fatos narrados na série. Azor Ahai, dotado de sua espada flamejante (a Luminífera), foi o responsável por enfrentar e vencer os "Outros", expulsando-os para além da Grande Muralha.
As lendas envolvendo essa figura quase mítica dão conta de que ele conseguiu sua poderosa espada após atravessá-la no peito de sua amada, morta em sacrifício. As profecias surgidas desde então afirmam que Azor Ahai retornaria como que reencarnado em outra pessoa, mas essa deveria nascer sob condições muito específicas. Diz a lenda que "quando a estrela vermelha sangrar e a escuridão aproximar-se, Azor Ahai irá renascer no meio do fumo e sal e acordar os dragões feitos de pedra".
Ou seja: o novo Azor Ahai precisa ser alguém que tenha nascido (ou renascido) num dia em que houver uma estrela sangrenta e num lugar onde haja fumo/fumaça e sal. Mas, como se trata de profecia, esse elementos podem não necessariamente ser literais, mas simbólicos ou metafóricos. A estrela pode não ser exatamente uma estrela, por exemplo, assim como os dragões podem não ser exatamente dragões. Tendo isso em mente e, pelo vimos até o momento na série, dois personagens se destacam como possíveis respostas à essa questão: Daenerys Targaryen e Jon "Snow" Stark Targaryen.
Daenerys teria nascido durante uma tempestade (fumaça) em Pedra do Dragão, que é ilha, e, portanto, banhada pelo mar (sal). Quando colocada junto à pira mortuária de seu esposo Khal Drogo, ela permaneceu intacta em meio ao fogo, e os ovos petrificados que ela carregava eclodiram, saindo deles 3 dragões (os dragões de pedra). Mas é possível que os dragões representam a própria Luminífera.
Jon Snow, por sua vez, nasceu na Torre de Joy, como ficamos sabendo hoje, no último episódio da 6ª temporada da série televisa. Não é filho de Ned Stark, mas sobrinho. Sua mãe é Lyanna Stark e seu pai é Rhaegar Targaryen, que havia raptado Lyanna e aprisionado na torre, após estupra-la. Jon nasceu entre as lágrimas de sua mãe (sal), que morreu devido às complicações do parto. O próprio Rhaegar pensou, em sua juventude, ser Ahai, mas depois passou a achar que fosse seu filho Aegon. Porém, pode ser que esse filho, que é o "Príncipe Prometido", seja Jon.
Porém, Jon, ao renascer, ressuscitado pelo Deus do Fogo por intermédio de Melisandre, jazia morto em Castle Black, nu sobre uma mesa da madeira, onde havia fumaça de velas e de uma lareira, além do sal dos que pranteavam sua morte, e o gigante Wun Wun havia matado um soldado da Guarda da Noite atirando-o contra as paredes e o teto de onde Jon estava, e na roupa desse soldado havia estrelas. Além disso, Melisandre relatou ter, em suas chamas, a visão de Snow lutando contra os outros, e ele também começa a ter sonhos nos quais vê a si mesmo enfrentando os Outros com uma espada flamejante.
Por fim, cabe descobrir quem serão as Três Cabeça do Dragão que derrotarão os Outros, promovendo a vitória do calor sobre o frio, dos vivos sobre os mortos, naquilo que ficou conhecido como "as crônicas de gelo e fogo". A lenda das Três Cabeças do Dragão faz referência também à personagens lendários e que existiram muito antes dos eventos narrados.
O símbolo da Casa Targaryen é um dragão vermelho de 3 cabeças e Daenerys (que até então parecia ser a última Targaryen) possui 3 dragões. Mas lenda remete à Aegon I, o primeiro Targaryen que chegou em Westeros, tempos depois da Grande Noite e de Azor Ahai. Junto com ele, haviam suas duas esposas, que eram também suas irmãs: Rhaenys e Visenya. Cada um montava seu próprio dragão: Vhagar, Meraxes e Balerion.
Em sua passagem pela Casa dos Imortais, Daenerys ouve algo que parece ser uma profecia: “O dragão tem três cabeças”. Daí é que surgem as especulações sobre quais personagens seriam essas 3 cabeças. Além disso, somo informados, à certa altura, que um dragão (ou aquele que será a cabeça do dragão) precisa nascer entre “fogo e sangue”. O mais provável, ao meu ver, é que as três cabeças sejam Daenerys, Jon Snow e Twyn, principalmente porque ambos perderam suas mães durante seu nascimento e, portanto, se adequam à profecia.
Enfim, são apenas teorias. O jeito é esperar pra ver.
O Jogo da Imitação
4.3 3,0K Assista AgoraAlan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912, em Londres, Reino Unido. Foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista, considerado por muitos o "pai da computação" e pioneiro dos estudos e pesquisas sobre inteligência artificial.
De fato, teve grande influância no desenvolvimento da ciência da computação e na formalização do conceito de algoritmo, com a invenção da "máquina de Turing", batizada por ele de "Christopher", durante a Segunda Guerra Mundial, um equipamento que pode ser considerado o precursor dos computadores. Turing trabalhou para a inteligência britânica em Bletchley Park, num centro especializado em quebra de códigos. Por um tempo ele foi chefe do Hut 8, a seção responsável por analisar e decrifar o "Enigma", isto é, o sistema criptografia usada para comunicação pela frota naval da Alemanha Nazista.
No filme do diretor Morten Tyldun, a narrativa se foca no período passado durante a Segunda Guerra e na equipe de cientistas encabeçada por Turing responsável por decifrar os códigos nazistas. Na interpretação do britânico Benedict Cumberbatch, Turing é retratado em suas idiossincrazias: um gênio, capaz de resolver complexas equações matemáticas em segundos, mas com sérios problemas de relacionamento interpessoal. Por muito pouco essa caracterização consegue escapar da caricatura, evitando contruir um personagem que equivaleria à um Sheldon Cooper ou à uma mistura de Forrest Gump com Albert Einstein.
Nesse ponto, o filme se assemelha à outras cinebiografias de gênios, como Um Mente Brilhante (A Beatiful Mind, 2001), dirigido por Ron Howard, que conta a história do matemático e vencedor o Nobel, John Forbes Nash Jr., por exemplo. Contudo, o filme de Tyldun ganha pontos sobre o filme de Howard, por evitar o maniqueísmo e o sentimentalismo, e por não ocultar a homossexualidade de seu protagonista. Isso porque, em 1954, Nash foi preso por "ato indecente" em Santa Mônica, de acordo com uma lei do estado da Califórnia, nos EUA, que considerava criminoso o comportamento homossexual.
Durante décadas a homossexualidade era considerada ilegal no Reino Unido de modo que, em 1952 Turing foi preso e sofreu um processo criminal por ser homossexual. Como pena alternativa à prisão, e foi submetido à um tratamento hormonal e à castração química. O filme de Tyldun não omite esse fato, mas, ao contrário, faz dele um dos pilares da narrativa e base de algumas das cenas mais dramáricas do filme.
Na narrativa, que se alterna entre os eventos passados durante a Segunda Guerra Mundial, com outros da adolescência de Turing e sua passagem por uma escola conservadora do Reino Unido, importantes detalhes de seu passado - como a autodescoberta de sua homoafetividade - serão desvelados.
Turing morreu dois anos depois, em 1954, provavelmente por suicídio causado por autoinoculação de cianeto, em decorrência da depressão causada pelo tratamento e pelo ostracismo no qual ele caíra. Morreu praticamente anônimo, desprestigiado e esquecido, apesar de sua inequívoca a inestimável contribuição tanto para a vitória dos Aliandos contra os Nazistas durante aquele conflto, quanto para estabelecer o pilares da computação e da informática.
Elizabeth
3.8 303 Assista AgoraEm 1998 estrou nos cinemas o filme Elizabeth (1998), dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett. Era mais entre as dezenas de filmes a retratar a monarca inglesa, mais conhecida como Isabel I, a "Rainha Virgem", que já havia sido interpretada, por exemplo, pela lendária Bette Davis em Meu reino por um Amor (The Private Lives of Elizabeth and Essex, 1939), dirigido por Michael Curtiz (de Casablanca).
No filme de Kapur, a história tem início em 1558, quando a rainha católica Maria I, irmã de Elizabeth, econtra-se à beira da morte, acometida por um tumor no útero. Sem opções, ela acaba vendo-se forçada a deixar o trono para sua meia-irmã, e única herdeira ao trono, Elizabeth, filha do rei Henrique VIII com Ana Bolena. Elizabeth econtrava-se presa, acusada de conspirar contra a Coroa. Na época, caracterizada pela Contra-Reforma, ou seja, um movimento reacionário católico contrário à Reforma Protestante iniciada pelos teólogos Martinho Lutero (Alemanha) e João Calvino (França). Elizabeth, além de filha bastarda do rei Henrique VIII e acusada de conspiração, era protestante e, durante seu reinado, Maria I perseguiu os seguidores dessa vertente cristã, matando mais de 300 pessoas, o que acabou lhe rendendo o título de "Maria Sangrenta".
Mesmo assim Elizabeth é coroada, mas, para isso, precisa renunciar oa seu amor pelo plebeu Robert Dudley (Joseph Fiennes, que anos mais tarde interpretaria o Lutero na cinebiografia homônima). A coroação aconteceu em 15 de janeiro de 1559, na Abadia de Westminster, em cerimônia relizada por Owen Oglethorpe, Bispo católico de Carlisle. Logo, Elizabeth é aconselhada a se casar, de modo a produzir um herdeiro e garantir a linha sucessória e assegurar seu reinado. Recebe inicialmente a oferta do príncipe francês Henrique, Duque d'Anjou (Vincent Cassel), que posteriormente revela-se homossexual. Recusando todas as ofertas de casamento, Elizabeth passa então a enfrentar diferentes ameaças ao seu reinado: Thomas Howard, 4º Duque de Norfolk (Christopher Eccleston), juntamente com Mary Stuart (que é apenas mencionada no filme), seus primos católicos, e Maria de Guise (Fanny Ardant), que, conspirando, armam uma aliança com os franceses para derrotá-la e tira-la do trono.
Em 1569 houve então uma rebelião católica no norte da Inglaterra, cujo objetivo era libertar Mary Stuart, casando-a com Tomás Howard, e colocá-la no trono inglês. Vitoriosa, Elizabeth manda executar mais de 750 rebeldes, entre eles o Duque de Norfolk. A Igreja Católica, havia apoiado os rebeldes, pois intentava conter o avanço do protestantismo na Inglaterra. É então que o Papa Pio V, em 1570 publicou uma bula papal chamada Regnans in Excelsis, por meio da qual excomungava Elizabeth/Isabel, declarando-a herética além de "pretensa Rainha da Inglaterra e servente de crime".
Em 1558, Elizabeth propõe o Ato de Uniformidade, no que ficou conhecido como Regulamentação Religiosa de Isabel I, como tentativa de por um fim aos conflitos e disputas entre católicos e protestantes, surgidos após as divisões religiosas ocorridas durante os reinado de Henrique VIII, Edward VI e Maria I. Esta decisão real ficou conhecida como A Revolução de 1559, e definida a partir de dois atos do Parlamento da Inglaterra: inicialmente, o Ato de Supremacia de 1558 reestabeleceu a independência da Igreja da Inglaterra (Anglicana) em relação à Roma (Papa), conferindo a Elizabeth o título de Líder Supremo da Igreja da Inglaterra; em seguida, o Ato de Uniformidade de 1559 estabelecer a forma que a Igreja Anglicana deveria tomar, incluindo o reestabelecimento do Livro de Oração Comum.
No filme, no entanto, o diretor e o roteirista Michael Hirst tomam inúmeras "liberdades" em relação aos acontecimentos históricos, sacrificando os fatos em favor da dramaticidade.
Sobre o affair entre a rainha e Robert Dudley, seu amigo de infância, alguns fatos ficaram de fora do filme. No verão de 1559, Amy Robsart,espoda de Robert, estava sofrendo de uma "doença em um de seus seios" (provavelmente cancer de mama). Robsart veio a falecer em setembro de 1560 em consequência não da doença mas ao cair de uma escada. Contudo, apesar das investigações concluirem que se tratara de um acidente, as suspeitas de que Dudley tramado a morte esposa não se dissiparam. Mesmo assim Elizabeth ainda congitou por muito tempo casar-se com Dudley. Contudo, a forte oposição por parte da nobreza, do clero e da população fez-la demover-se dessa ideia.
Elizabeth concedeu-lhe título de Conde de Leicester em 1564. Em 1578 ele casou-se novamente com Letícia Knollys, mas a monarca, em diversos momentos, fez questão de explicitar seu descontentamento, mesmo tendo decido não casar-se como ele. e um ódio vitalício contra sua nova esposa. Dudley morreu pouco tempo depois da derrota dos eventos narrados no segundo filme (Elizabeth: The Golden Age, 2008).
A Regulamentação Religiosa, por exemplo é simplificada ao ponto de ser mostrada apenas como um complô entre a rainha e alguns membros do parlamento e do clero, em prol da aprovação de suas propostas. O filme, porém, termina de modo magistral, com a cena em que Elizabeth assume de vez a alcunha de "Rainha Virgem", e diz, dando: "Eu estou casado com a Inglaterra".
Elizabeth: A Era de Ouro
3.7 287 Assista AgoraO segundo filme a tratar da história da soberana inglesa Elizabeth I, dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett, retoma a narrativa inciada 9 anos antes com o filme Elizabeth (1998), que lançou sua atriz ao estrelato, lhe rendendo o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, o Bafta de Melhor Atriz e uma indicação ao Oscar na mesma categoria.
Desta vez ambientado no ano de 1585 (portanto 27 anos após os eventos narrados no primeiro filme, que era ambientado em 1558), o filme se concentra no embate entre o rei espanhol Felipe II (interpretado por Jordi Mollà) e a monarca inglesa. Na trama, ele pretende destronar Elizabeth em favor de sua filha, Isabel. Paralelamente, há 2 outras subtramas que se desenrolam: primeiramente, envolvendo monarca escocesa Mary Stuart (interpretada por Samantha Morton), prima de Elizabeth e aspirante ao trono inglês, que aparece encarcerada em seu castelo, por razões que o filme não deixa muito claras; em segundo lugar, um triângulo amoroso envolvendo a rainha Elizabeth, o corsário Walter Raleigh (interpretado por Clive Owen) e a jovem Bess Throckmorton (interpretada por Abbie Cornish), dama de companhia favorita da rainha.
Historicamente, porém, o filme peca pela pouca fidelidade aos fatos. Ei-los: apesar de, no filme, a infanta Isabel de Espanha ter sido interpretada por uma criança, no período em que a narrativa se ambienta (1585), ela já estava com a idade de 20 anos. Outro ponto que causa estranhamento é o fato de, entre um filme e outro, terem se passado 27 anos, e a rainha já tinha então 52 anos de idade, ter envelhecido muito pouco no filme.
Na primeira cena em que o corsário que Walter Raleigh aparece, ele surpreende a corte britânica ao retirar seu casaco, colocando-o sobre uma poça d’água, para que a rainha pudesse passar. Porém, é improvável uma cena como essa tivesse acontecido, dado que havia sempre círculo de soldados a guardar a rainha e que, certamente, não permitiriam que o corsário chegar tão perto da soberana.
No filme, Bess se envolve com Raleigh se descobre grávida perto do meio da narrativa e, portanto, antes do confronto entre as armadas espanhola e inglesa. Todavia, Bess só engravidou de Raleigh em 1591, portanto 3 anos após a vitória da armada britânica. De fato, quando Elizabet descobriu a relação entre Bess e Raleigh, a dama de companhia doi banida da corte, e nisso o filme é fiel aos fatos históricos.
Sobre o motivo do encarceramento de Mary Stuart, o roteiro falha em não explicar com clareza o que levou a monarca à esta condição, e só no final do filme é que somos levados a concluir que ela estaria presa por intentar subir ao trono inglês, destituindo sua prima Elizabeth. A história de Mary é bastante complexa, e isso ajuda a explicar o fato do filme não se deter em destrincha-los.
Mary, que era casada com Henrique Stuart (o Lorde Darnley), fugiu do Castelo de Loch Leven em 1568, após ter sido acusada de traidora e assassina pelo povo escocês por ter se casado com Jaime Hepburn, 4.º Conde de Bothwell, que matara Henrique. Tempos depois, ela conseguiu reunir um exército de 6 mil homens e se encontrou com as forças em menor número de Jaime Stewart em 13 de maio na Batalha de Langside, masfoi derrotada e fugiu para o sul, onde passou a noite na Abadia de Dundrennan, cruzndo o Estuário de Solway para a Inglaterra dentro de um barco pesqueiro, e então desembarcando em Workington, norte da Inglaterra.
Oficiais ingleses a levaram sob custódia preventida em 18 de maio daquele ano para o Castelo de Carlisle. Em julho de 1568, as autoridades inglesas levaram a rainha escocesa para o Castelo de Bolton, em janeiro do ano seguinte, Maria foi transferida para o Castelo de Tutbury, onde foi colocada aos cuidados de Jorge Talbot, 6.º Conde de Shrewsbury, e sua esposa Bess de Hardwick.
No que tange aos planos conspiratórios de Mary Stuart como retratados no filme, é possível encontrar outras deturpações. A tentativa de matar Elizabeth, cometida pelo jovem Anthony Babington, com uma pistola rudimentar, enquanto a rainha orava no altar da Catedral de São Paulo, não é real. Anthony Babington, de fato, planejou esse atentando, mas nunca o realizou, pois foi descoberto antes. Tal ardil foi usado depois como prova no julgamento de Mary Stuart por traição e conspiração.
Maria foi implicada na Conspiração de Babington e foi presa em 11 de agosto de 1586, sendo levada até Tixall e depois para o Castelo de Fotheringhay, chegando em 25 de setembro, e foi colocada sob julgamento em outubro diante um juri formado por 36 nobres pela acusação de traição de acordo com Decreto pela Segurança da Rainha. Suas últimas palavras foram "In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum", ou "Em tuas mãos, ó Senhor, entrego meu espírito".
Já a cena da execução da monarca escocesa, é perfeitamente fiel aos registros históricos disponíveis. Os relatos que chegaram aos nossos dias dão conta de que, de fato, Mary foi despida do pesado vestido preto, revelando uma anágua de veludo e um par de luvas de vermelho-marrom (as cores católicas do martírio) com um corpete de setim preto e enfeites também pretos, abaixando sobre o bloco de madeira, olha para o trono vazio, depois para o machado do verdugo (que se ajoelha aos pés de Mary e pede perdão, ao que ela concede) e, finalmente, aceita resignada seu destino de mártir católica.
Porém, ao contrário do que é narrado no filme, não foi a sua morte a razão para que Felipe II declarasse guerra à Elizabeth, pois a Espanhola, aliada à Portugal, deu início à guerra contra a Inglaterra (aliada da Holanda) devido há conflitos anteriores e latentes entre as duas grandes potências da época. A frota naval inglesa, ao contrário do que o filme mostra, não sofreu nenhuma baixa em seus navios, nem mesmo o corsário Walter Raleigh teria tido tamanha importância na vitória inglesa.
Enfim, filme com qualidades ténicas impecáveis (figurinos, direção de arte, maquigem, cenários, fotografia), grandes atuações (especialmente da protagonista), mas que, ao meu ver, perde pontos pela pouco fidelidade histórica e pela narrativa convencional, repleta de clichés, e que emula, em muitos aspectos, a estrutura narrativa do filme anterior.
Jesus Camp
3.7 135"Você entendeu a parte que diz que a ciência não prova nada?", diz, em certo momento, uma mãe ao seu filho Levi, de cerca de 12 anos. Levi, assim como seu irmão, tem aulas em casa, com os pais, que optaram por não matricula-los em escolas. A mãe justifica dizendo que não nenhuma passagem na Bíblia dizendo que os pais devam entragar seus filhos, 8 horas por dia, para serem ensinados fora de casa. Em seguida Levi diz: "Eu acho que Galileu fez a coisa certa escolhendo Deus em vez da ciência."
Esqueçam, portanto, os filmes de Terror. Esse é de longe a coisa mais assustadora que já assisti. Nesse brilhante e impactante documentário, as diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady revelam a rotina de um acampamento para evangelização de crianças e adolescentes cristãos no EUA.
As cenas da lavagem cerebral e da tortura emocional e psicológica às quais meninos e meninas são submetidos é totalmente chocante pra o espectador que tiver o mínimo de bom senso. Apesar disso, é um filme obrigatório para se debeter o fanatismo religioso e as ameaças à laicidade do estado.
Em certo momento do filme, a pastora Becky Fischer, criadora do acampamentos "Crianças em Chamas" (sim, esse é o nome), localizado, ironicamente, em Devil's Lake (ou Lago do Diabo), na Dakota do Norte, diz ao cinegrafista: "Eu posso ir em um playground de crianças que não sabem nada sobre o cristianismo, levá-los para o Senhor em questão de [pausa] apenas pouco tempo... e poucos minutos depois, eles já começam a ter visões e ouvir a voz de Deus, porque eles [as crianças] são tão abertos. Eles são tão úteis no cristianismo!"
Tal afirmação diz muito sobre o caráter opressor e manipulador que a catequização realizada por Becky tem sobre essas crianças, adolescentes e até mesmo adultos. No começo do documentário, ela diz: "Não é de admirar, com esse tipo de treinamento intenso e disciplinado, que esses jovens estão prontos para se matar pela causa do Islã. Eu quero ver os jovens que estão tão comprometidos com a causa de Jesus Cristo como aqueles jovens estão à causa do Islã. Eu quero vê-los colocando radicalmente as suas vidas para o Evangelho como eles fazem no Paquistão, em Israel, na Palestina e 'todos esses lugares diferentes, você sabe, porque temos... desculpe-me, mas nós temos [referindo-se às crenças cristãs e à Bíblia] a verdade!"
Ao final do documentário, o pastor Ted Haggard proclama aos seus fiéis: "Nós decidimos que a Bíblia é a palavra de Deus. Não precisamos fazer uma Assembléia Geral sobre o que acreditamos. Está escrito na Bíblia. Por isso não precisamos debater o que pensamos sobre as relações homossexuais. Está escrito na Bíblia.". Em outro momento, após culto, ao falar com entusiasmos sobre os crescimento vertiginoso de cristãos nos EUA, ele diz ao cinegrafista: "Se os evangélicos votarem, eles determinarão a eleição".
Tendo isso em mente, lembrem-se que Feliciano e Bolsonaro defendem projeto de lei que previa o ensino de Criacionismo nas escolas. Lembrem-se que eles, assim como outros membros da Bancada Evangélica, usam a Bíblia como argumento para barrar leis favoráveis à união homoafetiva e o aborto. Lembrem-se que o projeto de lei Escola sem Partido, além de proibir o debate de temas políticos em sala de aula, também proíbe a abordagem de assuntos como Diversidade Religiosa.
Essa realidade, portanto, aparentemente distante de nós brasileiros, é na verdade uma ameaça cada vez mais presente, se nos lembrarmos dos discursos de pessoas como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro (que recentemente passou a integrar a Bancada Evangélica e filiou-se o PSC, o Partido Social Cristão), Magno Malta, Eduardo Cunha, entre outros. O Estado Laico e o direito à diversidade religiosa e sexual estão seriamente ameaçados pelo crescimento desse tipo de vertente religiosa fanática e pela sua intromissão - cada vez mais determinada - na política.
Donnie Darko
4.2 3,8K Assista Agora"- Por que está usando essa fantasia estúpida de coelho?
- Por que você usa essa fantasia estúpida de homem?", é um dos diálogos entre um homem inexpicavelmente fantasiado de coelho e joven Donnie Darko em uma das cenas do filme.
O filme é, ao meu ver, uma releitura das histórias de super-heróis, como nos mais recentes Corpo Fechado (2000) e Drive (2011), questionando como seria se realmente existisseem algumas pessoas dotadas de super-poderes. No caso, Donnie é um adolescente que descobre ter o poder de viajar no tempo e de alterar eventos ocorridos no passados, mas a falta de domínio sobre esse poder faz com que ele às vezes gere consequencias que ela não conseguirá controlar.
Em uma cena do filme, quando ele salva a namorada dos valentões da escola, um deles o interpela: “- Donnie Darko. Que tipo de nome é esse? Parece nome de super-herói." E ele responde: "- Porque acha que eu não sou?”. Importante também é o que a professora em certa cena "a linha vital é dividida em dois pólos extremos: medo e amor.". E em uma conversa com a psicóloga ele afirma que "toda criatura viva na terra morre sozinha" que seu maior medo é estar sozinho.
Ao final, ele decide voltar no tempo e, em vez de sair do seu quarto no momento em que a turbina do avião o atinge, ele prefere ficar e se sacrificar para salvar ou poupar a vida de sua namorada, que morreu (ou morreria, no futuro) se o tivesse conhecido, num acidente envolvendo o homem vestido de coelho. Ele escolhe enfrentar o medo e opta pelo amor: prefere se sacrificar a viver com a culpa da morte da mulher que ama e da dor de viver sem ela, sozinho.
Retratos de Identificação
4.3 13Em tempos como os que agora vivemos, no qual a extrema direita, com todo o seu caráter reacionário, ganha força, e vemos tentativas de reescrever a história e manipular fatos por parte de grupos revisionistas, o trabalho da diretora Anita Leandro nesse filme se faz imprescindível.
Os reacionários dessaa direita (encabeçada por gente como Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e Marco Antonio Villa) se esforçam em, por exemplo, elevar a Ditadura Militar à condição de "revolução democrática" e por colocar ditadores como Costa e Silva, Geisel, Médice, como heróis, ao passo que tentam vilanizar os grupos verdadeiramente revolucionários, taxa-los como terroristas e manchar a imagem de heróis como Lamarca e Mariguella. Nesse intuito, tentam comparar o torturador Ustra com revolucionários com os revolucionários citados.
Marighella e Lamarca não torturaram ninguém, nem desapareceram com nenhum corpo. Marighella e Lamarca não mataram porque essa era sua profissão, como Ustra. Marighella e Lamarca não eram funcionários do terror, como Ustra, não trabalhavam para a repressão, nem em prol da manutenção de um regime opressor. Marighella e Lamarca era homens comuns, que se tornaram revolucionários, que foram levados a pegar em armas por viver em um regime opressor e por decidir lutar contra essa opressão.
Ustra é lixo da história. Era um lacaio dos interesses do norte. Torturou, matou e sumiu com os corpos de guerriliheiros e militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil, além de civis que apenas manifestavam discordancia com o regime repressor. Nunca lutou por nada. Apenas fazia o trabalho sujo em nome da manutenção de um status quo injusto. Praticava as violências mais sórdidas com a naturalidade de quem come um prato de macarrão. É como, no conceito proposto por Hannah Arendt no livro Eichman em Jerusalém", um funcionário do terror, para o qual o mal era uma mera formalidade, uma mera ação burocrática.
Em um regime de exceção, como foi a ditadura, as noções do que são crime e de qual é o papel da justiça são distorcidas em nome da defesa cega do regime e da repressão aos dissidentes. Terroristas foram os deputados que declararam a cadeira presidencial vazia quando Jango estava viajando. Terroristas eram os jornais da época que associavam Jango à uma ameaça comunista, quando ele não era.
Terrorista era a parcela branca, burguesa, conservadora, cristã e reacionária da sociedade que foi às ruas pedindo intervenção militar, em 64 e em 2015. Terrorista, por fim, foram os militares que tomaram o poder e instauraram o terror por 21 anos. Comparar Marighella (ou Lamarca, ou Che) com Ustra é prova de ignorância histórica, desonestidade intelectual e falha moral.
Não confudam a luta do oprimido, com a fúria do opressor. Não tentem igualar um revolucionário a um reacionário. O revolucionário luta pela liberdade, enquanto o reacionário se opõe vigorosamente à ela. Um revolucionário está disposto a sacrificar a própria vida em nome dela, enquanto o reacionário está diposto à sacrificar a vida de outros para não concede-la a ninguém.
Esse, portanto, é um importantíssimo documentário sobre a Ditadura Militar, baseado em documentos que ficaram décadas guardados em sigilo, e que foram abertos pella primeira vez após a criação da Comissão da Verdade. Eu tive a honra de comentar na semana passada, quando exibido no Cine Vila Rica, aqui em Ouro Preto, MG, e responder à perguntas da platéia, por ocasião da Mostra "Cinemas em Rede".
Hoje, dia 17 de Maio de 2016, a Embaixada brasileira em Paris cancelou a projeção de "Retratos de identificação", sob a alegação de que o filme trata de um "assunto espinhoso". A projeção, seguida de debate, estava prevista para 31 de maio, na Embaixada, havia sido organizada pela Associação Alter'Brasilis. Segundo os organizadores, o cancelamento da sessão foi feito por telefone, poucos dias após José Serra assumir o Ministério das Relações Exteriores, teve sua exibição suspensa sob a alegação de "tratar de assunto espinhoso". Onde vamos parar? Quando será decretado o próximo AI-5?
A Professora de Piano
4.0 685 Assista AgoraO cinema de Haneke se constrói invariavelmente sobre a exploração de dois temas: a violência e suas diferentes formas (física, verbal, simbólica, psicológica, cultural) e a oposição e o interno e o externo entendido como espaços ou lugares, nos quais essa violência toma forma.
Em A Professora de Piano, a violência aparece na relação destrutiva da protagonista Erika (na monumental atuação de Isabelle Huppert) com sua mãe (uma figura castradora contruída no molde freudiano clássico), dela consigo mesma, dela com seus alunos e, posteriormente, dela com o jovem Walter Klemmer.
O estudo de personagem que Haneke propõe com seu filme é a dissecação implacável de sua protagonista - e aí temos também um tipo de violência que, na exploração que ele faz do voyerismo do espectador que assiste tudo mais ou menos passivamente, é amplificada.
Erika é uma pessoa fria, dura, ríspida e aparentemente incapaz de demonstrar sentimentos como carinho, amor, afeto. O modo como lida com seus alunos, podando seus talentos em vez de fomentá-los, é o mesmo como - somos levados a concluir - sua mãe lidava com sua sexualidade no tempo em que ela entrava na puberdade: o talento alheio é proibido assim como a própria sexualidade.
Logo no início do filme e mãe interpela a filha criticando-a por dedicar seus talento à outras pessoas e adverte-a para que não permita que ninguém a supere ou suplante. Logo, do mesmo modo que a sexualidade da filha, para a mãe, era uma ameaça ao seu desejo de dominação e obsessivo controle; o desabrochar do talento dos alunos também coloca em risco a relação de submissão e o sentimento de inferiodade deles em relação à ela.
E a dureza, a frieza, a indiferença e austeridade demonstrados por Erika, ao longo do filme, vão se revelando como um muro construído por ela para esconder seus desejos mais obscuros. Desejos sexuais que, de tão reprimidos e violentados transmutaram-se em perversões - ao menos, é o como os moralista os definiriam, uma vez que os desejos sexuais fogem ao que o senso comum estabeleceu como "normal".
Com relutância é que Erika, ao poucos, permite que esse seja derrubado ou transposto pelas investidas de Klemmer: ele é o invasor, o elemento externo que adentra o ambiente interno que se quer a todo custo defender e manter incólume, tal qual os jovens sádicos que invadem a paz da família perfeita em Violência Gratuita (Funny Games, 1997 - 2007), ou o tempo, a velhice e o fim, elementos estranhos que invadem a casa (metáfora do amor e da relação construído ao longo de décadas) onde vive um casal de idosos em Amor (Amour, 2012).
A incapacidade de Klemmer em ama-la verdadeiramente, isto é, aceitando-a como ela é, com sua forma estranha de experimentar a sexualidade, em vez daquela figura idealizada que ele construiu, fere Erika mais do que todas a violências que ela tenha infligido a si mesma, ou que ela tenha sofrido de sua mãe. É então que Erika sofre uma violência que ela não pode suportar ou controlar, pois agente da dor é outro, em vez dela mesma.
Nenhuma dor se compara àquela de sermos rejeitados e desprezados por aqueles raros escolhidos aos quais, com temor e resistência, permitimos entrar em nosso cômodos mais secretos onde nossas feras inconfessáveis jazem aprisionadas.