A mesma humanidade tentando culpar os deuses pelo resultado das próprias ações. A mesma humanidade perversa que move a roda de ódio e vingança que nem mesmo o cristianismo foi capaz de quebrar. Segue a sociedade cristã entre o pecado e a purificação. Desde que os gregos inventaram a tragédia e o homem ocidental, nunca foi possível retroceder. Fantástico.
Filme inteligentíssimo, aborda questões muito pesadas como autoaceitação de uma forma simbólica e bem acessível para o público que pretende. O roteiro possui um ritmo cinematográfico mais evidente que os filmes da franquia Harry Potter, pois, como eram adaptações de romances, acabavam por seguir, em certas partes, o ritmo do livro. 'Animais' pulsa mais que Harry Potter e fecha muito bem todos os temas que propõe. Excelente.
Muito desonesta a maioria das críticas apresentadas aqui. Entendo a indignação de alguns pela questão do Oscar e, particularmente, acredito que 'Aquarius' era a melhor escolha para a disputa, mas o um filme não se resume a um prêmio. A fotografia do filme é maravilhosa e o enredo caminha de forma inteligente. O que realmente fica aquém do esperado são algumas atuações. No geral, o filme é lindo. Um formato bem hollywoodiano para concorrer ao Oscar.
O mais inspirador do cinema brasileiro que ainda resiste fazendo filmes de qualidade que, infelizmente, não são reconhecidos pelo próprio povo que retratam. Montagem fantástica. Uma homenagem nada singela a um dos momentos mais lindos do cinema nacional.
Que o ódio é capaz de matar o melhor em nós. Lembro-me do garotinho de 'Os Irmãos Karamazov' que, para ver o cão sofrer, lhe deu uma bolota de carne misturada a agulhas. Nascemos com potencial para amar e fazer sofrer. Ser dividido é o homem. Triste quando nos perdemos pelo meio do caminho. Triste sermos ensinados a odiar e aprendermos calados. "Volta", diria o Diabo a Jesus em 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo', "Não aprendeste nada".
Documentário incrível. Um sensível retrato da Coreia do Norte e, indiretamente, uma ponta para a reflexão acerca de todo o mundo moderno. A imagem que temos, no mundo ocidental, da militar Coreia comunista é ora reforçada, ora desmistificada. Assistindo ao filme pensei muito acerca da adoração ao imperador coreano e as muitas horas de trabalho que os cidadãos dedicam ao Estado. O que parece absurdo perde tal status quando pensamos nas horas que trabalhamos para a riqueza de um homem ou uma empresa e na veneração que dispensamos a ídolos da indústria da música ou esporte. No final, é mencionado o sonho de unificação das duas Coreias, hoje tão distantes em tantos sentidos. A sul-coreana, que comanda as entrevistas e visitas, vê com saudosismo uma Coreia que ainda não se tornou completamente um amontoado de prédios e pessoas apressadas correndo pela metrópole mas parece perceber que entre ela e seus irmãos norte-coreanos há um abismo grande e não sem dor transponível.
O problema das adaptações dos livro de Dan Brown é que o espectador não tem o privilégio do leitor de poder se deliciar com detalhes e mais detalhes, que passam pela história, simbologia, arte e religião. A história acaba resumida em um suspense rápido, no qual esse recheio místico deve ter suprimido em favor de um filme coeso. Que ninguém vá ao cinema querendo tecer metros e metros de comparações com "O Código Da Vinci" e "Anjos e Demônios". O livro em si, em relação aos outros, é diferente em seu formato. (Alguém mande cortarem os péssimos efeitos especiais).
Pretencioso ao tentar abarcar os maiores dramas humanos em pouco mais de duas horas de filme. Não estou certo que tenha conseguido de fato seu objetivo, uma reflexão profunda sobre o que é ser humano. A discussão acontece mas se perde nesse emaranhado de temas que parecem não se completar com a sutiliza pretendida. Achei belo o fato de iniciar com o amor e terminar com a morte.
Hitchcock, em sua entrevista com Truffaut, diz que o verdadeiro cinema deve dizer menos e mostrar mais. As palavras pronunciadas pelos atores e atrizes do filme não devem entregar ao espectador gratuitamente o que realmente pensando ou desejam dizer. Afinal, "atores são gado" e a câmera é a verdadeira deidade da película. Marco Dutra leva a teoria hitchcoquiana a um nível mais elevado que o próprio mestre do suspense. O grande conflito do filme não é o estupro sofrido por Diana, mas a incomunicabilidade. A impossibilidade do entendimento entre os dois, ilha-os em terrenos diferentes que, por mais que tentem, não se tocam. Ainda fazendo referência a Hitchcock, o suspense de "O Silêncio do Céu" consegue não apenas ser mantido, desde seu primeiro minuto, como gradualmente ampliado conforme o enredo se desenrola. Aliás, o roteiro, diga-se de passagem, é simplesmente fabuloso. O título do filme em espanhol, "Era el cielo", encontra correspondência exata nas palavras finais de Mário. Fiquei apenas triste com a tradução desse para o português. Filme incrível.
Um daqueles filmes que deixa o espectador salivando do começo ao fim. Uma atuação fenomenal de Day-Lewis combinada com uma direção impecável de Anderson. Um intenso estudo de personagem que vai de grande homem a monstro no filme. Dinheiro e religião, dois meios para se alcançar o poder que, quando levados às últimas consequências, transformam o mais são dos homens. Destaque para a estrutura anelar do filme, com várias cenas remetendo à cenas anteriores, como a inicial de Daniel molhando a mamadeira de seu filho no uísque e depois dando-lhe um copo de leite misturado à bebida. Genial.
Um mundo feito de luz e sombra, como no princípio, quando Deus separou luz e trevas. Vejo uma dimensão épica no trabalho de Salgado. Como a própria Bíblia, ou grandes livros tais quais a Ilíada de Homero e a Divina Comédia de Dante, há uma grande preocupação em responder perguntas essenciais da existência humana. De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Tudo isso perpassado na realidade imediata, sempre trágica, da humanidade. Documentário inspirador, ótimo para iniciar quem quer que seja no trabalho de Salgado.
As graves imagens que abriam “O Som ao Redor”, primeiro longa do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, remetiam claramente à sociedade açucareira que foi a base do estado de Pernambuco em seus tempos mais áureos. Três anos depois, em seu segundo grande trabalho, “Aquarius”, o espectador, no início do filme é brindado com imagens em P&B da antiga Recife. Não a Recife dos mascates nem a das revoluções libertárias, como alude o poeta Manuel Bandeira em sua “Evocação do Recife”, mas a Recife sem história nem literatura. Recife puramente como memória evocativa.
Se já em seu primeiro filme, a memória e a história estavam presentes de forma concisa, em “Aquarius”, o tempo, pode-se dizer, torna-se o grande protagonista da trama de Mendonça Filho. Clara (Sônia Braga) é o eixo pelo qual toda essa matéria temporal passa e toma forma. Essa mulher de personalidade forte que já lutou contra e venceu um câncer luta agora não contra a desintegração de seu corpo mas do ambiente onde vive, logo, contra a desintegração de sua própria marca no tempo. Ameaçada por uma empreiteira que, a todo custo, quer por o prédio onde mora abaixo para a construção de um edifício moderno, a personagem, interpretada magistralmente por Sonia, é figura de resistência, um dos últimos exemplares daqueles que não se venderam por e ao dinheiro.
De forte conotação política, “Aquarius”, pode ser considerado uma resposta à altura a projetos que, nos últimos anos, têm despontado no Recife visando modernizar sua paisagem urbana, sem se preocuparem com a preservação de seu patrimônio histórico. O momento político pelo qual passa o país aquece a visibilidade do filme mas não deve, de forma alguma, ser considerado o grande propulsor de seu sucesso, uma vez que suas qualidades estéticas bastam por si para justificar o apreço que tem recebido. Entretanto, não deixa de ser curioso o desponte de “Aquarius” justamente em meio ao processo de turbulência política no qual se encontra o Brasil pois consegue responder, muito bem, boa parte das questões que hoje tomam os noticiários e as cabeças dos brasileiros. A construtora capaz de jogar sujo para conseguir seu objetivo; um país que vira as costas à história e à cultura; a perpetuação de uma invisível linha que separa pobres e abastados e se fortalece ainda mais mediante a ignorância dos outros a seu respeito.
A luta contra o esquecimento e pela preservação da memória não se dá apenas através da disputa travada entre Clara e a construtora. É uma luta pela sua autoafirmação, pelo seu direito de coexistir com as marcas que o tempo lhe deu, sejam cicatrizes ou rugas, sejam amores ou objetos perdidos. Clara é aquela que aprende a conviver com o novo mas se recusa a lançar as pérolas que o tempo lhe ofereceu aos porcos (mesmo aos engravatados).
Grande parte do público pode ter olhado com desconfiança o argumento de Kleber. E estão certos por isso. Errados estariam se, após verem o filme, ainda dissessem se tratar de um argumento fraco. Não há argumento fraco para um talento forte que lhe dê forma. Kleber prova isso com uma direção absurdamente fantástica, na qual a câmera, como deve ser, é proprietária do cinema e sua grande narradora. Apesar de cenas de forte teor dramático, “Aquarius” é o oposto de certos filmes que são nada mais que filmagem de alguns atores interagindo. É um filme forte, confiante para narrar o que precisa através de olhos perspicazes que vão desde uma cena de sexo ao ar livre na praia à rede em que dorme Clara.
De tudo ficou um pouco, disse o poeta Carlos Drummond de Andrade. Sim, de tudo ficou um pouco. São esses resíduos a base de “Aquarius”. Os discos organizados na estante, a casa resistente na orla da praia de Boa Viagem, os álbuns de fotografia de Clara. Um povo que não tem memória está fadado ao esquecimento. A modernidade, muito ferozmente, vem roendo, como uma grande colônia de cupins, as memórias coletiva e pessoal. Quantas Claras bastarão para que a história resista aos ataques do mundo moderno? É possível conviver com o novo, mas não é fácil conviver com o novo, sem fadar o antigo ao completo esquecimento. Clara é inspiradora. Clara cresce dentro de cada um. Clara é um soco no estômago. Clara é um último peixe que resiste em se afogar pulando fora de Aquarius. Clara é a prova de que de tudo sempre fica um pouco.
Acho que assistir Woody Allen em uma sala de cinema torna a experiência de seus filmes muito mais rica. A cada cena com seu humor característico o público ria e vibrava. Allen é a prova que o cinema continua preservando, mesmo atualmente, sua essência. Com um filme que justamente critica os parâmetros hollywoodianos, o diretor consegue resgatar o que há de mais universal no cinema.
PS 1. Há uma frase repetida de "Annie Hall". PS 2. Começo a pensar que os filmes de Woody Allen são sobre nossa constante tentativa em escapar da solidão. (E do nosso também constante fracasso nessa empreitada).
Filme fantástico! Além de muito belo visualmente, seu enredo é tramado de modo fascinante. Ao final, já não sabemos mais quais personagens são sãos e quais são loucos. Um filme forte, do começo ao fim, com cenas marcantes que, por si só, valeriam já o filme.
Acho que o grande mérito de "Nahid" está na construção da protagonista, que é feita de forma maestral. Uma mulher dúbia, cheia de contradições, com potencial para errar e acertar, como todos os seres humanos. A cultura do machismo no Irã é denunciada de forma sufocante, através do filho, do namorado, do ex-marido, do irmão. É como a pedra no meio do caminho de Drummond que está em todos os cantos para onde o poeta se volta. Mesmo ao final do filme, Nahid não se resolve. Sua vida é uma sequências de ciclos parecidos, nos quais nuca consegue estabilidade. Uma personagem trágica mas que nos dá um pouco de esperança através de sua revolta cotidiana.
Admito que entrei na sala de cinema sem tantas expectativas, mas, após somente quinze minutos de filme, percebi que não estava assistindo a qualquer película. "Fome" possui uma fotografia inacreditavelmente arrebatadora, que faz com que o espectador caminhe e sinta de fato as ruas e praças de São Paulo. Além do aspecto visual praticamente impecável, o som vem somar às qualidades de "Fome", tanto no que diz respeito aos ruídos das ruas quanto à música, muito bem escolhida. Um filme metalinguístico que debruça sobre o próprio cinema, sobre o que é fazer um documentário e, ademais de isso, trabalha conceitos como liberdade, vida e morte, de forma belíssima. Estou muito grato por esse filme, por poder ter um filme como esse dentre os novos filmes nacionais.
Um interessante retrato da nova juventude, cujos limites entre masculino e feminino estão cada vez mais tênues. Um adolescente contemporâneo autossuficiente em suas decisões existenciais mas incapaz de fritar um ovo. Anna Muylaert soube explorar bem a personalidade de Pierre, sem deixar de lado perspicazes críticas sociais, como fez de forma mais acentuada em "A Que Horas Ela Volta?". Um bom roteiro que peca apenas em algumas partes em que a sutileza do cinema é deixada de lado em prol de cenas menos naturais ou verossímeis.
Se faz presente mais uma vez a visão pessimista do diretor Kubrick em relação à humanidade. Assim como em "Dr.Fantástico" e "Nascido Para Matar", a guerra é retratada como absurda e serva de interesses, se não pessoais, de uma parcela mínima. Interesses esses mostrados de maneira irônica e crua, de modo a envergonhar qualquer cidadão desse planeta que assistir essa película. Os motivos, os argumentos, a verdade é uma invenção que, nas mãos de loucos, se torna fatal. Destaque para o belo final, a redenção dos soldados ao canto da prisioneira de guerra. Esplêndido.
A tragédia grega tem como uma de suas características principais a inevitabilidade dos acontecimentos mesmo com esses estando atrelados às escolhas das personagens. O destino não pode ser mudado pois pertence aos deuses, mas toma forma com as ações humanas, caminhos necessários a um fim que não poderia ser outro. O fato de Julieta ser professora de literatura clássica e estar, no momento em que conhece Xoan no trem, lendo a respeito da tragédia grega não é um elemento sem motivação dentro da trama de Almodóvar. "Julieta" certamente é um dos mais dramáticos filmes do diretor espanhol, no qual elementos essenciais de seu estilo estão presentes, como as cores marcantes da fotografia, o protagonismo feminino e a trilha inconfundível. Porém o melodrama irônico que costuma sobressair em suas películas, em "Julieta" perde espaço para um drama mais sério e centrado, uma tragédia propriamente dita. A desgraça cíclica presente mais uma vez lembra os gregos, que estão presentes em várias referências no filme, desde Antía até o mar, onde o Ulisses de Almodóvar não teve a mesma sorte que o habitante de Ítaca. Fantástico, "Julieta" retoma o melhor do cinema de Almodóvar tom retoques inovadores em seu estilo.
Um homem é suas histórias. Somos aquilo que deixamos. Somos o que fomos capazes de eternizar nos outros. Os gregos já sabiam que um homem só morria realmente quando seu nome deixava de ser lembrado pelos membros da comunidade. Big Fish é uma bela homenagem à narrativa oral e a todos que, desde Homero, se eternizaram através dela. Todas as histórias estão inseridas em um plano maior de uma história de todas as coisas. Parece ser isso que sinaliza o filme com a história cíclica que começa e termina com a Bruxa. Começa e termina com a morte. Simplesmente encantador.
O antigo e o moderno, dados no começo do filme, através do helicóptero indo ao Vaticano e no fim, com o encontro de gerações, perpassados pela incomunicabilidade cronológica, é um belo retrato da Roma pós-guerra. A cidade santa, ex-capital de um dos maiores impérios que a Europa já viu, se apresenta como a cidade do espetáculo, banhada na fantasia frívola importada de Hollywood, muito menos profunda que suas raízes artísticas. Felini cria um esplêndido filme-símbolo acerca da sociedade do espetáculo que tomou conta do século, no qual parecer é mais importante que ser e os grandes dramas humanos não encontram forma sólida em meio à superficialidade das relações e manifestações culturais. Acabaremos, pois, rindo de nossa própria desgraça. Estaremos na orgia enquanto o mundo se acaba em chamas.
Um dos mais densos do mestre Hitchcock. Banhado na filosofia de Nietzsche e, claramente, inspirado no Crime e Castigo de Dostoiévski, a história, com um humor para lá de ácido, envolve o espectador do começo ao fim. Diálogos bem trabalhados e uma direção madura fazem de "Rope" um dos clássicos do suspense e o elevam a seleta galeria de filmes cult.
Críticos das mais diversas épocas são unânimes em apontar que um dos muitos méritos da Ilíada de Homero é narrar com precisão e humanidade os horrores da guerra. Glória, bravura e reflexões sobre o sentido do conflito estão presentes nessa obra fundadora da literatura ocidental. Malick, de forma ousada, em "Além da Linha Vermelha" nos dá a sua Ilíada moderna, na qual Helena se transforma na pátria e Troia em uma pequena ilha dominada pelos japoneses. A natureza exuberante se torna palco da barbárie armada por homens em busca de poder e glória. O sentido da vida parece estar dado na forma de um fuzil mas as cenas iniciais, de doce convivência entre nativos e soldados americanos que deserdaram, nos provam que a graça (mais bem explorada em "A Árvore da Vida") é dom universal e faz com homens, das mais diferentes etnias, sejam capaz de comungar em um reino de paz. Um épico, sem mais.
"Ninguém pode ser completamente outro". Essa frase de um dos contos de Milton Hatoum é bem propícia para o início da descrição de "Rebecca", não sem mérito, um dos melhores do mestre Hitchcock. Com muita habilidade, usando os melhores recursos da arte narrativa cinematográfica, o mestre do suspense cria uma penumbra em seu filme: a presença na ausência. A personagem Rebecca, mesmo adquirindo vida somente através de relatos de terceiros, é a figura mais interessante de toda a trama. Uma mulher que reúne "as três características notáveis em uma mulher", fineza, beleza e inteligência, a ex-senhora de Winter era amada por todos na mansão e se tornou o terror da nova esposa de Maxim que se viu, todo o tempo, comparada a ela e impossibilitada de superá-la. Um filme que, arrisco dizer, como Cidadão Kane, procura através de retalhos reconstruir um personagem que não pode ser outra coisa senão o que os outros dizem dele. "Rebecca" fica ainda mais interessante quando não apenas a personalidade da esposa falecida passa a ser desvendada, mas também a verdadeira história por trás de seu assassinato. Nisso, sua personalidade ganha um aspecto dúbio, entre o horror e a maravilha e nós, espectadores, ficamos ainda mais excitados e ávidos por desvendar quem oi Rebecca. Quem foi Rebecca? Anjo? Demônio? Não importa. O que interessa é saber que era "uma mulher inesquecível".
A Fonte da Donzela
4.3 219 Assista AgoraA mesma humanidade tentando culpar os deuses pelo resultado das próprias ações. A mesma humanidade perversa que move a roda de ódio e vingança que nem mesmo o cristianismo foi capaz de quebrar. Segue a sociedade cristã entre o pecado e a purificação. Desde que os gregos inventaram a tragédia e o homem ocidental, nunca foi possível retroceder. Fantástico.
Animais Fantásticos e Onde Habitam
4.0 2,2K Assista AgoraFilme inteligentíssimo, aborda questões muito pesadas como autoaceitação de uma forma simbólica e bem acessível para o público que pretende. O roteiro possui um ritmo cinematográfico mais evidente que os filmes da franquia Harry Potter, pois, como eram adaptações de romances, acabavam por seguir, em certas partes, o ritmo do livro. 'Animais' pulsa mais que Harry Potter e fecha muito bem todos os temas que propõe. Excelente.
Pequeno Segredo
3.4 118 Assista AgoraMuito desonesta a maioria das críticas apresentadas aqui. Entendo a indignação de alguns pela questão do Oscar e, particularmente, acredito que 'Aquarius' era a melhor escolha para a disputa, mas o um filme não se resume a um prêmio. A fotografia do filme é maravilhosa e o enredo caminha de forma inteligente. O que realmente fica aquém do esperado são algumas atuações. No geral, o filme é lindo. Um formato bem hollywoodiano para concorrer ao Oscar.
Cinema Novo
3.9 55O mais inspirador do cinema brasileiro que ainda resiste fazendo filmes de qualidade que, infelizmente, não são reconhecidos pelo próprio povo que retratam. Montagem fantástica. Uma homenagem nada singela a um dos momentos mais lindos do cinema nacional.
A Língua das Mariposas
4.2 216 Assista AgoraQue o ódio é capaz de matar o melhor em nós. Lembro-me do garotinho de 'Os Irmãos Karamazov' que, para ver o cão sofrer, lhe deu uma bolota de carne misturada a agulhas. Nascemos com potencial para amar e fazer sofrer. Ser dividido é o homem. Triste quando nos perdemos pelo meio do caminho. Triste sermos ensinados a odiar e aprendermos calados. "Volta", diria o Diabo a Jesus em 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo', "Não aprendeste nada".
Meus Irmãos e Irmãs do Norte
4.1 9Documentário incrível. Um sensível retrato da Coreia do Norte e, indiretamente, uma ponta para a reflexão acerca de todo o mundo moderno. A imagem que temos, no mundo ocidental, da militar Coreia comunista é ora reforçada, ora desmistificada. Assistindo ao filme pensei muito acerca da adoração ao imperador coreano e as muitas horas de trabalho que os cidadãos dedicam ao Estado. O que parece absurdo perde tal status quando pensamos nas horas que trabalhamos para a riqueza de um homem ou uma empresa e na veneração que dispensamos a ídolos da indústria da música ou esporte. No final, é mencionado o sonho de unificação das duas Coreias, hoje tão distantes em tantos sentidos. A sul-coreana, que comanda as entrevistas e visitas, vê com saudosismo uma Coreia que ainda não se tornou completamente um amontoado de prédios e pessoas apressadas correndo pela metrópole mas parece perceber que entre ela e seus irmãos norte-coreanos há um abismo grande e não sem dor transponível.
Inferno
3.2 832 Assista AgoraO problema das adaptações dos livro de Dan Brown é que o espectador não tem o privilégio do leitor de poder se deliciar com detalhes e mais detalhes, que passam pela história, simbologia, arte e religião. A história acaba resumida em um suspense rápido, no qual esse recheio místico deve ter suprimido em favor de um filme coeso. Que ninguém vá ao cinema querendo tecer metros e metros de comparações com "O Código Da Vinci" e "Anjos e Demônios". O livro em si, em relação aos outros, é diferente em seu formato. (Alguém mande cortarem os péssimos efeitos especiais).
Humano - Uma Viagem pela Vida
4.7 326 Assista AgoraPretencioso ao tentar abarcar os maiores dramas humanos em pouco mais de duas horas de filme. Não estou certo que tenha conseguido de fato seu objetivo, uma reflexão profunda sobre o que é ser humano. A discussão acontece mas se perde nesse emaranhado de temas que parecem não se completar com a sutiliza pretendida. Achei belo o fato de iniciar com o amor e terminar com a morte.
O Silêncio do Céu
3.5 225 Assista AgoraHitchcock, em sua entrevista com Truffaut, diz que o verdadeiro cinema deve dizer menos e mostrar mais. As palavras pronunciadas pelos atores e atrizes do filme não devem entregar ao espectador gratuitamente o que realmente pensando ou desejam dizer. Afinal, "atores são gado" e a câmera é a verdadeira deidade da película. Marco Dutra leva a teoria hitchcoquiana a um nível mais elevado que o próprio mestre do suspense. O grande conflito do filme não é o estupro sofrido por Diana, mas a incomunicabilidade. A impossibilidade do entendimento entre os dois, ilha-os em terrenos diferentes que, por mais que tentem, não se tocam. Ainda fazendo referência a Hitchcock, o suspense de "O Silêncio do Céu" consegue não apenas ser mantido, desde seu primeiro minuto, como gradualmente ampliado conforme o enredo se desenrola. Aliás, o roteiro, diga-se de passagem, é simplesmente fabuloso. O título do filme em espanhol, "Era el cielo", encontra correspondência exata nas palavras finais de Mário. Fiquei apenas triste com a tradução desse para o português. Filme incrível.
Sangue Negro
4.3 1,2K Assista AgoraUm daqueles filmes que deixa o espectador salivando do começo ao fim. Uma atuação fenomenal de Day-Lewis combinada com uma direção impecável de Anderson. Um intenso estudo de personagem que vai de grande homem a monstro no filme. Dinheiro e religião, dois meios para se alcançar o poder que, quando levados às últimas consequências, transformam o mais são dos homens. Destaque para a estrutura anelar do filme, com várias cenas remetendo à cenas anteriores, como a inicial de Daniel molhando a mamadeira de seu filho no uísque e depois dando-lhe um copo de leite misturado à bebida. Genial.
O Sal da Terra
4.6 450 Assista AgoraUm mundo feito de luz e sombra, como no princípio, quando Deus separou luz e trevas. Vejo uma dimensão épica no trabalho de Salgado. Como a própria Bíblia, ou grandes livros tais quais a Ilíada de Homero e a Divina Comédia de Dante, há uma grande preocupação em responder perguntas essenciais da existência humana. De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Tudo isso perpassado na realidade imediata, sempre trágica, da humanidade. Documentário inspirador, ótimo para iniciar quem quer que seja no trabalho de Salgado.
Aquarius
4.2 1,9K Assista AgoraDe Tudo Ficou Um Pouco
As graves imagens que abriam “O Som ao Redor”, primeiro longa do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, remetiam claramente à sociedade açucareira que foi a base do estado de Pernambuco em seus tempos mais áureos. Três anos depois, em seu segundo grande trabalho, “Aquarius”, o espectador, no início do filme é brindado com imagens em P&B da antiga Recife. Não a Recife dos mascates nem a das revoluções libertárias, como alude o poeta Manuel Bandeira em sua “Evocação do Recife”, mas a Recife sem história nem literatura. Recife puramente como memória evocativa.
Se já em seu primeiro filme, a memória e a história estavam presentes de forma concisa, em “Aquarius”, o tempo, pode-se dizer, torna-se o grande protagonista da trama de Mendonça Filho. Clara (Sônia Braga) é o eixo pelo qual toda essa matéria temporal passa e toma forma. Essa mulher de personalidade forte que já lutou contra e venceu um câncer luta agora não contra a desintegração de seu corpo mas do ambiente onde vive, logo, contra a desintegração de sua própria marca no tempo. Ameaçada por uma empreiteira que, a todo custo, quer por o prédio onde mora abaixo para a construção de um edifício moderno, a personagem, interpretada magistralmente por Sonia, é figura de resistência, um dos últimos exemplares daqueles que não se venderam por e ao dinheiro.
De forte conotação política, “Aquarius”, pode ser considerado uma resposta à altura a projetos que, nos últimos anos, têm despontado no Recife visando modernizar sua paisagem urbana, sem se preocuparem com a preservação de seu patrimônio histórico. O momento político pelo qual passa o país aquece a visibilidade do filme mas não deve, de forma alguma, ser considerado o grande propulsor de seu sucesso, uma vez que suas qualidades estéticas bastam por si para justificar o apreço que tem recebido. Entretanto, não deixa de ser curioso o desponte de “Aquarius” justamente em meio ao processo de turbulência política no qual se encontra o Brasil pois consegue responder, muito bem, boa parte das questões que hoje tomam os noticiários e as cabeças dos brasileiros. A construtora capaz de jogar sujo para conseguir seu objetivo; um país que vira as costas à história e à cultura; a perpetuação de uma invisível linha que separa pobres e abastados e se fortalece ainda mais mediante a ignorância dos outros a seu respeito.
A luta contra o esquecimento e pela preservação da memória não se dá apenas através da disputa travada entre Clara e a construtora. É uma luta pela sua autoafirmação, pelo seu direito de coexistir com as marcas que o tempo lhe deu, sejam cicatrizes ou rugas, sejam amores ou objetos perdidos. Clara é aquela que aprende a conviver com o novo mas se recusa a lançar as pérolas que o tempo lhe ofereceu aos porcos (mesmo aos engravatados).
Grande parte do público pode ter olhado com desconfiança o argumento de Kleber. E estão certos por isso. Errados estariam se, após verem o filme, ainda dissessem se tratar de um argumento fraco. Não há argumento fraco para um talento forte que lhe dê forma. Kleber prova isso com uma direção absurdamente fantástica, na qual a câmera, como deve ser, é proprietária do cinema e sua grande narradora. Apesar de cenas de forte teor dramático, “Aquarius” é o oposto de certos filmes que são nada mais que filmagem de alguns atores interagindo. É um filme forte, confiante para narrar o que precisa através de olhos perspicazes que vão desde uma cena de sexo ao ar livre na praia à rede em que dorme Clara.
De tudo ficou um pouco, disse o poeta Carlos Drummond de Andrade. Sim, de tudo ficou um pouco. São esses resíduos a base de “Aquarius”. Os discos organizados na estante, a casa resistente na orla da praia de Boa Viagem, os álbuns de fotografia de Clara. Um povo que não tem memória está fadado ao esquecimento. A modernidade, muito ferozmente, vem roendo, como uma grande colônia de cupins, as memórias coletiva e pessoal. Quantas Claras bastarão para que a história resista aos ataques do mundo moderno? É possível conviver com o novo, mas não é fácil conviver com o novo, sem fadar o antigo ao completo esquecimento. Clara é inspiradora. Clara cresce dentro de cada um. Clara é um soco no estômago. Clara é um último peixe que resiste em se afogar pulando fora de Aquarius. Clara é a prova de que de tudo sempre fica um pouco.
Café Society
3.3 531 Assista AgoraAcho que assistir Woody Allen em uma sala de cinema torna a experiência de seus filmes muito mais rica. A cada cena com seu humor característico o público ria e vibrava. Allen é a prova que o cinema continua preservando, mesmo atualmente, sua essência. Com um filme que justamente critica os parâmetros hollywoodianos, o diretor consegue resgatar o que há de mais universal no cinema.
PS 1. Há uma frase repetida de "Annie Hall".
PS 2. Começo a pensar que os filmes de Woody Allen são sobre nossa constante tentativa em escapar da solidão. (E do nosso também constante fracasso nessa empreitada).
A Loucura Entre Nós
4.1 43Filme fantástico! Além de muito belo visualmente, seu enredo é tramado de modo fascinante. Ao final, já não sabemos mais quais personagens são sãos e quais são loucos. Um filme forte, do começo ao fim, com cenas marcantes que, por si só, valeriam já o filme.
Nahid - Amor e Liberdade
3.4 29 Assista AgoraAcho que o grande mérito de "Nahid" está na construção da protagonista, que é feita de forma maestral. Uma mulher dúbia, cheia de contradições, com potencial para errar e acertar, como todos os seres humanos. A cultura do machismo no Irã é denunciada de forma sufocante, através do filho, do namorado, do ex-marido, do irmão. É como a pedra no meio do caminho de Drummond que está em todos os cantos para onde o poeta se volta. Mesmo ao final do filme, Nahid não se resolve. Sua vida é uma sequências de ciclos parecidos, nos quais nuca consegue estabilidade. Uma personagem trágica mas que nos dá um pouco de esperança através de sua revolta cotidiana.
Fome
3.5 14Admito que entrei na sala de cinema sem tantas expectativas, mas, após somente quinze minutos de filme, percebi que não estava assistindo a qualquer película. "Fome" possui uma fotografia inacreditavelmente arrebatadora, que faz com que o espectador caminhe e sinta de fato as ruas e praças de São Paulo. Além do aspecto visual praticamente impecável, o som vem somar às qualidades de "Fome", tanto no que diz respeito aos ruídos das ruas quanto à música, muito bem escolhida. Um filme metalinguístico que debruça sobre o próprio cinema, sobre o que é fazer um documentário e, ademais de isso, trabalha conceitos como liberdade, vida e morte, de forma belíssima. Estou muito grato por esse filme, por poder ter um filme como esse dentre os novos filmes nacionais.
Mãe Só Há Uma
3.5 408 Assista AgoraUm interessante retrato da nova juventude, cujos limites entre masculino e feminino estão cada vez mais tênues. Um adolescente contemporâneo autossuficiente em suas decisões existenciais mas incapaz de fritar um ovo. Anna Muylaert soube explorar bem a personalidade de Pierre, sem deixar de lado perspicazes críticas sociais, como fez de forma mais acentuada em "A Que Horas Ela Volta?". Um bom roteiro que peca apenas em algumas partes em que a sutileza do cinema é deixada de lado em prol de cenas menos naturais ou verossímeis.
Glória Feita de Sangue
4.4 448 Assista AgoraSe faz presente mais uma vez a visão pessimista do diretor Kubrick em relação à humanidade. Assim como em "Dr.Fantástico" e "Nascido Para Matar", a guerra é retratada como absurda e serva de interesses, se não pessoais, de uma parcela mínima. Interesses esses mostrados de maneira irônica e crua, de modo a envergonhar qualquer cidadão desse planeta que assistir essa película. Os motivos, os argumentos, a verdade é uma invenção que, nas mãos de loucos, se torna fatal. Destaque para o belo final, a redenção dos soldados ao canto da prisioneira de guerra. Esplêndido.
Julieta
3.8 529 Assista AgoraA tragédia grega tem como uma de suas características principais a inevitabilidade dos acontecimentos mesmo com esses estando atrelados às escolhas das personagens. O destino não pode ser mudado pois pertence aos deuses, mas toma forma com as ações humanas, caminhos necessários a um fim que não poderia ser outro. O fato de Julieta ser professora de literatura clássica e estar, no momento em que conhece Xoan no trem, lendo a respeito da tragédia grega não é um elemento sem motivação dentro da trama de Almodóvar. "Julieta" certamente é um dos mais dramáticos filmes do diretor espanhol, no qual elementos essenciais de seu estilo estão presentes, como as cores marcantes da fotografia, o protagonismo feminino e a trilha inconfundível. Porém o melodrama irônico que costuma sobressair em suas películas, em "Julieta" perde espaço para um drama mais sério e centrado, uma tragédia propriamente dita. A desgraça cíclica presente mais uma vez lembra os gregos, que estão presentes em várias referências no filme, desde Antía até o mar, onde o Ulisses de Almodóvar não teve a mesma sorte que o habitante de Ítaca. Fantástico, "Julieta" retoma o melhor do cinema de Almodóvar tom retoques inovadores em seu estilo.
Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
4.2 2,2K Assista AgoraUm homem é suas histórias. Somos aquilo que deixamos. Somos o que fomos capazes de eternizar nos outros. Os gregos já sabiam que um homem só morria realmente quando seu nome deixava de ser lembrado pelos membros da comunidade. Big Fish é uma bela homenagem à narrativa oral e a todos que, desde Homero, se eternizaram através dela. Todas as histórias estão inseridas em um plano maior de uma história de todas as coisas. Parece ser isso que sinaliza o filme com a história cíclica que começa e termina com a Bruxa. Começa e termina com a morte. Simplesmente encantador.
A Doce Vida
4.2 316 Assista AgoraO antigo e o moderno, dados no começo do filme, através do helicóptero indo ao Vaticano e no fim, com o encontro de gerações, perpassados pela incomunicabilidade cronológica, é um belo retrato da Roma pós-guerra. A cidade santa, ex-capital de um dos maiores impérios que a Europa já viu, se apresenta como a cidade do espetáculo, banhada na fantasia frívola importada de Hollywood, muito menos profunda que suas raízes artísticas. Felini cria um esplêndido filme-símbolo acerca da sociedade do espetáculo que tomou conta do século, no qual parecer é mais importante que ser e os grandes dramas humanos não encontram forma sólida em meio à superficialidade das relações e manifestações culturais. Acabaremos, pois, rindo de nossa própria desgraça. Estaremos na orgia enquanto o mundo se acaba em chamas.
Festim Diabólico
4.3 885 Assista AgoraUm dos mais densos do mestre Hitchcock. Banhado na filosofia de Nietzsche e, claramente, inspirado no Crime e Castigo de Dostoiévski, a história, com um humor para lá de ácido, envolve o espectador do começo ao fim. Diálogos bem trabalhados e uma direção madura fazem de "Rope" um dos clássicos do suspense e o elevam a seleta galeria de filmes cult.
Além da Linha Vermelha
3.9 382 Assista AgoraCríticos das mais diversas épocas são unânimes em apontar que um dos muitos méritos da Ilíada de Homero é narrar com precisão e humanidade os horrores da guerra. Glória, bravura e reflexões sobre o sentido do conflito estão presentes nessa obra fundadora da literatura ocidental. Malick, de forma ousada, em "Além da Linha Vermelha" nos dá a sua Ilíada moderna, na qual Helena se transforma na pátria e Troia em uma pequena ilha dominada pelos japoneses. A natureza exuberante se torna palco da barbárie armada por homens em busca de poder e glória. O sentido da vida parece estar dado na forma de um fuzil mas as cenas iniciais, de doce convivência entre nativos e soldados americanos que deserdaram, nos provam que a graça (mais bem explorada em "A Árvore da Vida") é dom universal e faz com homens, das mais diferentes etnias, sejam capaz de comungar em um reino de paz. Um épico, sem mais.
Rebecca, a Mulher Inesquecível
4.2 359 Assista Agora"Ninguém pode ser completamente outro". Essa frase de um dos contos de Milton Hatoum é bem propícia para o início da descrição de "Rebecca", não sem mérito, um dos melhores do mestre Hitchcock. Com muita habilidade, usando os melhores recursos da arte narrativa cinematográfica, o mestre do suspense cria uma penumbra em seu filme: a presença na ausência. A personagem Rebecca, mesmo adquirindo vida somente através de relatos de terceiros, é a figura mais interessante de toda a trama. Uma mulher que reúne "as três características notáveis em uma mulher", fineza, beleza e inteligência, a ex-senhora de Winter era amada por todos na mansão e se tornou o terror da nova esposa de Maxim que se viu, todo o tempo, comparada a ela e impossibilitada de superá-la. Um filme que, arrisco dizer, como Cidadão Kane, procura através de retalhos reconstruir um personagem que não pode ser outra coisa senão o que os outros dizem dele. "Rebecca" fica ainda mais interessante quando não apenas a personalidade da esposa falecida passa a ser desvendada, mas também a verdadeira história por trás de seu assassinato. Nisso, sua personalidade ganha um aspecto dúbio, entre o horror e a maravilha e nós, espectadores, ficamos ainda mais excitados e ávidos por desvendar quem oi Rebecca. Quem foi Rebecca? Anjo? Demônio? Não importa. O que interessa é saber que era "uma mulher inesquecível".